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SELEÇÃO FANTÁSTICAVolume 7

Escola Secundária João de Deusmarço de 2014

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Seleção FantásticaPropriedade: Escola Secundária João de Deus

Textos, ilustrações e fotografias da autoria dos alunos da Escola

Capa: Rachaela Oliveira

Tiragem: 250 exemplares

Impressão da capa e acabamento: Ferro, Gonçalves & Cardoso Lda.

Data de impressão: Março de 2010

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Imaginação, fantasia e talento dos jovens irreverentes e generosos onde a Amizade floresce.

Amílcar Quaresma

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PrefácioEscrever permite-nos andar mais do que aquilo que os nossos pés o podem fazer pois usando a imaginação temos asas que nos transportam a mundos fantásticos.

Cabe à escola não esquecer a criatividade e incenti-var a expressão das habilidades que são motivo de desenvolvimento individual e coletivo na construção de cidadão conscientes, solidários e empenhados no progresso coletivo duma comunidade em permanente construção.

Motivados pelo desafio da escrita abrimos e a estrada das palavras ao olhar crítico, à imaginação carregada de simbolismo e à vontade de transmitir uma realidade que nem sempre nos satisfaz.

Sob este olhar artístico movem-se as memórias de to-dos aqueles que estiveram nesta caminhada ao longo dos anos e daquele que foi o seu percursor, Amílcar Quaresma. Agradecemos a todos que connosco leitores decidiram partilhar o sonho de fazer nascer uma forma diferente de cultivar a mesma flor.

Carlos Luís

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O Último Diade Sofia Galego Silva

A luz filtrada pelos estores mal ilumina a sala, e é bran-ca, e é fraca, e é uma luz triste de inverno. A sala é paredes brancas e quadros inacabados erguidos em cavaletes e caixas e panos sujos pelo chão e um homem ao lado da janela, e a sala tem três visitantes nesse

momento. Os visitantes simplesmente estão, e não são, e é óbvio que não são porque destoam e o homem da janela é e não está, não está de todo porque se integra na própria parede e faz parte dela e é irmão da própria luz e é tão taciturno e invernoso quanto ela.

Os três visitantes não estão juntos. Cada um vai para o seu lado e são atraídos por quadros diferentes e os passos de um desafinam os do outro, para cá o deli-cado tic-tic dos saltos de uma senhora da sociedade, para lá o embrutecido bam-bam dos sapatos de um pesado senhor da sociedade, e apenas as sapatilhas do menino quase não têm som e ele passeia-se in-audível pelo estúdio.

Não é um lugar fácil de encontrar e as pessoas que lá vão vão lá porque sabem do assunto. O homem da janela é um artista pouco conhecido, afamado ape-nas num pequeno círculo de pessoas, e nem sequer é assim tão bom. Pelo menos é isso que se diz. Não pa-rece que os visitantes compartilhem da opinião públi-

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ca, porque continuam a calcorrear a pequena divisão ainda que o tempo passe, e fazem-no com expressões de espanto e de incredulidade e, de quando em vez, de pura paixão. Ele conhece-os a todos, ele já os viu a todos, todos os que voltam voltam mais do que uma vez. Menos o rapazinho, esse nunca o viu, mas algo lhe diz que o verá novamente.

“Chama-se O Último Dia”, diz o homem da janela. Sai do seu posto e começa a dirigir-se para o lado do rapazinho. Este posicionou-se há longos minutos já di-ante de um quadro em especial, e olha para ele de um modo diferente, olha-o com essa paixão que os amantes da arte podem eventual e providencialmente encontrar. E um quadro escuro, uma cena noturna, e chama-se O Último Dia. A senhora dos sapatinhos e o senhor do bigode param o mais subtilmente que po-dem e ouvem atentamente.

O quadro mostra uma varanda e nada mais. É uma varanda. Está escuro e a cor da parede é quase im-percetível. A varanda une duas portas envidraçadas, ambas fechadas, e as portas refletem um céu noturno carregado de estrelas brancas e pequenas e bril-hantes. Há duas figuras, uma em frente a cada uma das portas. O homem da janela aponta para a figura da direita.

“o seu nome é Célia.”

“E um nome estranho”, diz o menino.

“Eu sei. Ela não é daqui. Ele assustou-a e ela olhou para o lado, mas se a tivéssemos apanhado um minuto antes, tê-la-íamos visto a olhar para as estrelas...”

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“O que é que ela está lá a fazer?”

“Até há instantes, estava a pensar no assustador que é o céu coberto de estrelas dessa noite sem lua. Pensa que parece prestes a engolir a terra, a sua aterroriza-dora infinidade gritando a promessa do esquecimento. E apercebe-se de que é verdade — pensa que afinal é realmente insignificante, e pequena, e só. Observa como as suas mãozinhas se agarram ao parapeito da varanda...”

“Pobrezinha.”

“Não penses assim. Ela sofreu uma grande tragédia e está sensibilizada, mas costuma ser muito mais alegre. O silêncio sempre a afetou, e neste momento não se ouve nada, nem o restolhar de uma folha, nem uma respiração. Nem sequer a dela. Não há uma única luz para além das luzes no céu e da luz que emite ou possa emitir o seu cabelo tão claro ou a palidez as-sustada da sua pele. Não, não se vê uma luz, não se ouve um som; o palacete verde e branco está aban-donado na noite. E a ela parece-lhe tudo um sonho.”

Há uma pausa.

“E quem é ele?”

O homem da janela ri secamente.

“O seu nome é Lúcio. Ele também olhou para cima de início porque é o habitual mas depois viu-a e é esse o momento que nós vemos porque é o mais bonito.”

“O que é que eles estão lá a fazer? Foram-se encon-trar?”

“Não. De facto, contavam com uma solidão que não

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encontraram. Foram fazer o mesmo — tentar respirar e esquecer tudo o que acontecera nessa noite — mas a sua procura de solidão levou-os a interromper a solidão um do outro. E irónico, se pensares nisso. Quan-do ele chegou

ao quarto ela ouviu-o, olhou para a sua direita bem antes de ele emergir do escuro (ele não ligou a luz). Ficou a pensar sobre ele e o cansado que parece e o quanto parece ter envelhecido nas poucas horas desde que aquilo aconteceu. Depois ele sentiu a sua presença e olhou para a sua esquerda e os seus ol-hares encontraram-se.”

“Mas o que foi que aconteceu?”

“Ela não quer pensar sobre isso. Não, a única coisa sobre a qual ela quer pensar é o último dia, esse último glorioso dia de felicidade antes daquilo, antes do que mudou tudo, antes da maior tragédia das suas vidas. Os seus olhos parecem tão vazios...”

“Pois parecem.”

O homem da janela acaricia levemente, com um dedo, o rosto pintado de Célia.

“Ele caminha até ela, porque o vazio nos seus olhos o assusta. Toca-lhe o braço; precisa de saber que ela está verdadeiramente ali. Ela está quente, é ele que está frio, mas é ela que é o fantasma. Ela retira o braço do seu toque com alguma violência e isso confunde-o; mas ela fá-lo porque precisa apenas de não estar verdadeiramente ali, de desaparecer, de cessar de ex-istir. De ser o fantasma, de afundar-se no interminável abismo do tempo passado e esquecido”.

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“Eles são parecidos”, e são-no de facto, ambos são brancos como a morte e louros e têm as mesmas ex-pressões de terror.

O homem acena positivamente. “São primos, mas eu acho que a história vai para além disso.”

A voz é outra. “Como assim?”, salta a senhora da alta sociedade, o seu carrapito a tremer de entusiasmo. O menino ri, mas o homem da janela permanece sério e não responde à pergunta, esperando talvez que se responda por si só.

“Ambos estão do lado de fora, nenhum deles sabe o que pensar ou o que dizer. Ficam a olhar para o céu durante algum tempo, cada um preso às suas próprias expectativas e ideias. Então ele quebra todo esse silêncio, esse massivo e pesado silêncio, com aquilo que crê que deve dizer:

— Deverias estar a dormir.

Mas ela recusa-se a responder às suas formalidades e não desvia o olhar, e sem desviar o olhar diz quase acusadoramente:

— Eu sabia. Eu simplesmente sabia que algo estava er-rado. —Ela di-lo e é verdade, e fica dito e já nada o pode apagar.

Lúcio pensa durante um momento sobre o que deve fazer, o que deve dizer. Porque ele sabe que é verdade. Sabe que, apesar de não saber como nem porquê, ela soube. Sente então todo o horror da sua impotência — afinal de contas talvez nunca tivesse estado nas suas mãos proteger Isabel.”

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Ninguém pergunta quem é Isabel. Sabem que o homem da janela não responderá, porque os seus olhos des-focados não podem mentir: estão fixos n’O Último Dia e nada os pode demover. Ele está dentro do quadro.

“Mas Lúcio decide-se finalmente a falar e o que diz é o retrato perfeito do seu caráter porque mais uma vez decide dizer não o que precisa e sabe que precisa de dizer mas o que deve dizer, e diz:

— Deverias mesmo ir dormir.

E então ela volta-se para ele, chocada. Fala e tanto a fúria na sua voz de menina como o tremor na mesma são uma denúncia:

— Tu sabes que é verdade, Lúcio. Tu estavas cá! Não te atrevas a mentir-me, a fazer de conta que estou louca. Eu sabia.

Ele sorri-lhe, enternecido pela sua agressividade. Isso parece suavizar a expressão de Célia; duas lágrimas caem dos seus dois olhos e descem velozmente pelo seu rosto afogueado. O sorriso desvanece-Se dos lá-bios de Lúcio. Dá um passo na sua direção, devorando todo o espaço entre ambos como se nunca tivesse lá estado. Coloca a sua mão esquerda no rosto dela e observam-se mutuamente por um instante, ambos tentando descobrir exatamente quando o outro sabe. Depois ele encosta o rosto dela ao seu ombro, envol-vendo-a num abraço tão suave que ela mal o sente.”

A tensão na sala é palpável. A senhora do carrapito loiro já nem tenta disfarçar e chega- se o mais sigil-osamente possível para o lado do homem da janela. O senhor do bigode franze o nariz, como quem de-

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saprova, e continua a olhar para outros quadros, mas ouve atentamente. O tempo passa lentamente, como se não passasse, talvez para ouvir também.

- Ouve-me bem, Célia. — Sussurra Lúcio e, por detrás de todo o carinho na sua voz há uma ameaça subja-cente, porém nitidamente presente e extremamente real.

— Hoje foi uma noite para além de qualquer pesadelo. Gostaria que nunca tivesses tido que passar por isto, mas sei que não te posso pedir que o esqueças. Ai-nda assim, tens que tentar compreender. Hoje foi um dia longo. Não comeste quase nada, e estás exausta. Desmaiaste, é tudo, e é absolutamente normal. Acabas de passar por algo traumatizante. É natural que te sintas confusa, que tentes fazer sentido do que acon-teceu. Mas a verdade é que nenhum de nós poderia ter sabido, ou feito fosse o que fosse. Está bem? — E aperta-a contra si.

— E natural que me sinta confusa. — Papagueia Célia, toda ela uma ausência.

— É natural — Confirma Lúcio, acrescentando ainda: — E seria natural também que te sentisses desprotegida, mas prometo-te que o perímetro está seguro, e eu es-tou aqui. Nada de mau te vai acontecer.

Ela respira fundo, e ele sente-se mais calmo. Afastam-se um do outro, ainda ligados pelos braços de um à volta do outro. E quando olha para o seu tão con-hecido rosto, ele vê algo que faz a luz nos seus olhos mudar. Afasta-se bruscamente dela, e já não é o primo extremoso, o apoio forte e silencioso. Passa a mão pelo cabelo loiro e é um cortante gesto de rejeição; ele

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transformou-se mais uma vez, e é aquele jovem frio e distante que ela não conhece de todo.

— De qualquer modo, — diz, e até a sua voz é outra. — deverias realmente ir dormir. Boa noite, Célia. — E começa a afastar- se em direção à escuridão.”

A senhora do carrapito suspira. O menino sorri, porque não gosta das cenas sentimentais. O senhor do big-ode vira e revira um jornal nas mãos, nervosamente. O homem da janela é.

Os seus passos seguros interrompem—se subitamente, pois Célia falha na luta por conter um soluço. E outro, e mais outro; Lúcio volta-se para trás.

— Que se passa? — Pergunta.

Célia desvia os olhos dos dele, fita as montanhas dis-tantes e escuras.

— Primeiro pensei que fosse de ti. Que fosses assim e não pudesses evitá-lo. Depois reparei que não o fazes com os outros; é só comigo que mudas, que és subita-mente uma pessoa diferente. Então comecei a pensar que era eu.

Ele descarta uma interrupção mal planeada. Ela conti-nua a falar por sobre o que teria sido o despontar de uma palavra, como se o não tivesse ouvido.

— E tentei mudar, tentei ser melhor. Fui melhor!, mas por alguma razão isso só tornou tudo pior. Quanto melhor eu sou para ti, pior me tratas. Agora tenho uma nova teoria…Talvez quando és bom para mim, o faças só porque és meu primo e é suposto amares-me, talvez o faças só porque sentes que é o teu dever. E talvez

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quando te transformas e pareces desprezar-me seja isso que sentes verdadeiramente. Talvez me odeies. Odeias-me, Lúcio?

Olhos nos olhos. O tempo congela. Não há um som que seja na noite para além das suas vozes sussurradas, não há um movimento para além dos seus.

— É isso que pensas de mim? — Diz Lúcio, e a sua voz não denota qualquer emoção.

— Por vezes não sei o que pensar — Replica Célia num cicio sofrido quase inaudível.

E ficam assim por largos momentos, largos o suficiente para acomodar tudo o que ficou por dizer, tudo o que fica por dizer em cada dia. Cada dia tem um mo-mento assim, um momento quieto que se esconde, que nos cabe a nós encontrar — para que as falhas e os silêncios possam ser anulados, todas as palavras mu-das engolidas, e possamos seguir em frente, continuar vivendo e convivendo a fazer de conta que nada aconteceu ou ficou por acontecer.

A luz liga-se no quarto de Célia. Ouve-se uma voz, uma voz conhecida que a chama de volta à metade iluminada, morna e familiar da vida. Ela acede; vai ao encontro do seu irmão, deixando Lúcio sozinho no ar-dente frio da noite.”

Acabado o relato, o homem da janela endireita-se, re-move os seus olhos da cena e volta para o seu posto inicial.

“Não!”, protesta a senhora do carrapito.

“Viva!”, sorri-se o rapazinho, satisfeito com o desenlaçar

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inacabado de tudo.

O senhor do bigode tosse e vai-se embora apressa-damente, para que ninguém veja que ficou emociona-do. Os senhores fortes e silenciosos são normalmente os mais sensíveis. A senhora espera ainda, observando o homem da janela, mas ele não se volta a mover e não olha sequer para a direção geral dos seus visitantes. Eventualmente, a senhora parte, contrariada. Detém-se ainda um momento à porta do estúdio para observar com ar reprovador o cartaz discreto com o nome do artista em letras douradas e um slogan genérico de-baixo do mesmo: “um poeta nascido pintor”. Apenas o menino fica, o menino e a luz, e ambos se irão embora mais cedo do que tarde. Lúcio observa novamente as estrelas no céu, todos aqueles sóis distantes que ilumi-nam a fatídica madrugada. O sol nascerá brevemente.

1º Lugar, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma

2009/2010

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Foto de André Ramos Que ganhou o 1 Prémio

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É Na Ausência Que o AmoR Se COnhecede diana Cadete

Às vezes ficamos sozinhos e o nosso amor é apenas a sombra que aparece lá no fundo da sala, entre a cor dos cortinados e o cheiro a casa vazia. Beijamo-nos e esse beijo tanto é eterno como consegue conge-lar o tempo. Tu abraças-me... eu abraço-te e ficamos sem respirar durante três segundos. O meu sangue corre mais rápido... e o amor que tu sentes por mim vai preenchendo cada espaço vazio do meu coração – mas mesmo assim eu ainda não te amo totalmente.

Olhas para mim e mergulhas no calor da minha alma. Conheces-me. Conheces-me profundamente. Sabes os detalhes, os pontos que ainda ninguém cruzou. Desfaz-es os nós das linhas manchadas de paixões passadas e arrancas as mágoas que ainda perduram dentro de mim. Deixas o meu corpo puro e hábil para te poder amar. Amar-te só a ti (sem lembranças daquilo que o fogo, há muito, teve coragem de queimar).

Mas... é assim, com a mesma rapidez que esse olhar, que tu foges das minhas mãos e voas - com as minhas asas - para um sítio sem nome que me trará por ventos de magia o monstro da saudade que corrói o tecido frágil de que sou feita. Eu nesse momento só posso sentir a tua falta. Só posso querer ter de volta o teu beijo que cheira a outro tipo de amor. Um amor dife-rente e novo. Dizes-me que não. Dizes que não voltas e eu tento apanhar os fios da tua voz para te poder mostrar como é divino e poderoso o sentimento que

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sinto por ti.

É assim, sem tirar nem pôr, que se conhece o amor: Na ausência.

2º Lugar, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma

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Foto De Jéssica Conceição Que ganhou O 2 Prémio

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Realidadede Diogo Miguel A. SimãO

É uma imagem espectral de puro deleite... O sufoco apertado de um mundo que não é meu obscurecendo a minha realidade... A aula desapareceu para mim... Nada existe: só ela.

Antevejo com atenção todas as superfícies do seu ser:

O cabelo... castanho, nem claro, nem escuro... Aquela fusão perfeita entre a luz e trevas, entrelaçada com inteligentes remoinhos dançantes. Parece que já foram esticados mais que uma vez, mas teimam em regressar à sua eterna valsa, saboreando a sua felicidade à luz das estrelas.

Os olhos... São o mais próximo que a vida mortal to-cará o Céu, pois luzes angelicais não bastariam para as ofuscar. Nunca os fogos do Inferno estiveram mais longe, pois a sua escuridão não chegaria para os apagar... São castanhos. Irradiam felicidade eterna, mas também uma misteriosa preocupação e será... sau-dade?

Pergunto-me como será o seu nome: Joana, Sofia, Inês, Raquel, Maria, Sónia, Carolina, Ana, Rita, Mariana, Ca-tarina, Soraia... Anseio pela sua divindade... Desespero pelo seu toque.

Aqueles lábios carnudos, curvados num sorriso elegan-te e fisicamente irresistível...

Que idade terá? Parece jovem, mas mais velha que eu... Será que canta bem? Será que é atriz? Será que é Ela? Será que... Eu... Será...

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- O tempo acabou turma! — grita a professora Eunice.

Não pintei nada... Estava hipnotizado por ela... Era poesia em forma humana, o quadro da fantasia mais louca que atravessou a minha parca mente.

- Apaixonaste-te pelo quadro rapaz? — gozou a pro-fessora.

Mas eu não via quadro algum: via a encarnação da perfeição.

Saiu da sala e eu seguia-a. A turma de Artes Plásticas olhava-me...Mas quem eram eles para tentar distorcer a minha visão de Paraíso?

Ela tinha só um roupão vestido e nada calçado... Le-vou-me pelos corredores nus da Universidade... Levou-me pelas ruas perdidas da capital, pelos céus longín-quos... Pelas estrelas... Pelo rio.

Tocou o leito do Tejo com os seus pés delicados... Avançou sem cair.

Lancei-me em sua perseguição pelas águas turvas e conturbadas: por muito que o rio me atacasse não iria desistir do meu sonho.

- Para! — alguém gritou.

Nadei para a alcançar... A corrente estava contra mim.

- Louco!

O voo pelas nuvens com ela...

- Ele não vai aguentar!

O sorriso das estrelas no cabelo dela...

- Volta!

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O sorriso efémero...

- A corrente levou-o...

Deixei-me ir.

- És meu... - sussurraram.

Deixo os olhos fechados.

- Como te chamas? — perguntam-me.

Digo o meu nome.

-E tu?

- Amélia.

Deixo os olhos abrirem-se.

Ela é Amélia... Calipso, Afrodite, Nefertiti, Julieta, Eva, An-drómeda... O Sol e a Lua... A Terra o Mar...

- Amélia dos Olhos Doces...

Os seus lábios são rosas... Sabem a jasmim...

Acordo na aula.

A modelo que vamos pintar hoje entra na sala.

- Conheçam a Amélia!

A corrente do Tejo segue em frente...

Leva o sonho, a verdade e o sentimento.

Fica só a realidade...

3º Lugar, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma

2009/2010

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A nOvA GueRRade Diogo Miguel A. SimãO

Carlyle:

Apanhámos o barco para a Rússia no dia 18 de setembro. Provavelmente não veríamos terra seca outra vez: o que nos esperava naquele fétido cemitério de mamutes seria gelo tão grosso como muralhas romanas e água a ensopar-nos as meias até os nossos pés se tornarem um cubo feito de dor e sofrimento.

Em Cambridge ensinaram-me a composição do corpo humano, as formas inovativas de escrita... Mas esquece-ram-se do mais importante: a composição dos tanques russos, que de forma impiedosa e emotiva avançavam sobre nós, carimbando o solo com ogivas de sangue e morte... Não me ensinaram a forma de escapar aos tiros de AK estando rodeado de cadáveres amigos... Se calhar é porque não se consegue mesmo escapar... Pelo menos comigo foi assim.

Daniels:

Nos três primeiros dias do desembarque, cinco de nós foram levados por Deus. Rezei por eles enquanto avan-çávamos para o centro populacional mais próximo. Os aldeãos eram de tez branca e bastante combativos.

Como nas cruzadas, estes eram infiéis prontos a con-verterem-se ou morrer. Deus o deseja. Poupámos as mul-heres e as crianças.

À noite, ouvi os meus irmãos de armas a criarem o In-ferno nos corpos daquela pobre gente...

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Contos

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- Pai-nosso, — ajoelhei-me.

Ouvi gritos de criança...

- Que estais nos céus, - juntei as mãos.

Ouvi gritos de mulher..

- Santificado seja o vosso nome, seja feita a vossa vontade assim na terra...-fechei os olhos.

Seria pecado tudo aquilo?

- Como no Céu. O pão-nosso de cada dia nos dai hoje. — inspiro bem fundo.

O pecado está solto na terra e não posso fazer nada para o parar.

- Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoa-mos a quem nos tem ofendido. — está escuro.

A porta geme.

- E não nos deixeis...

Passos soam.

- Cair em tentação...

Os gritos continuam.

- Mas livrai-nos do mal…

O sangue escorre.

- Ámen. — acaba uma voz.

Afinal, nem todos eram pagãos...

Deus escreve direito por linhas tortas.

Johnsson:

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Naquela noite em Mustek soltei o monstro. Eu nunca me sentira tão possuído por uma entidade superior à minha... Não tive misericórdia daquele rapaz. Ele nunca mais seria o mesmo depois de eu o ter feito.

O padre foi assassinado pela matriarca da aldeia. Demos fogo à cabra e abandonámos a aldeia em di-reção a Moscovo. Sofríamos baixas diariamente, tanto pela violência da guerra, como pela simples falta de motivação. A vida passava-nos menos vezes pelos ol-hos do que a morte. Quando desembarcámos éramos cinquenta... A cerca de setenta e cinco quilómetros do objetivo éramos 3... Eu era aquele que arranjava comida: as ovelhas, as vacas, os coelhos, os cães, os cavalos, os ratos... Na América trabalhei na quinta dos meus pais. Nunca fui à escola... Nunca me ensinaram a escrever... Nunca me ensinaram a ler...

Era a última noite antes de chegarmos à capital: o vento soprava por cantos inesperados, tocando os nossos corpos em fusão perpétua com a Natureza... Ele cantava para nós na sua língua secreta... Talvez... Se ele não cantasse... Se o nevão não se tivesse dado... Se eu não tivesse violado aquele rapaz...

Se eu não tivesse morrido...

Durden:

Durante a última noite, os tomaram os meus companhei-ros... O vento avisou-me da sua chegada. Cinco minu-tos depois um deles foi abatido. O segundo estava confuso... Parecia atormentado com algo... Deixou de estar. Foi atingido na barriga.

- Lembra-te de nós... - pediu ele.

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Contos

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Inspirei o ar gelado da Rússia: ao perfurar os meus pul-mões senti a morte e devastação à minha volta...

Vi os rapazes abandonados pelo mundo naquela mu-ralha espectral entre a morte e vida. Revi tiros na ca-beça por snippers russos... Os cartuxos das metralha-doras M60’s a voarem por todo o lado, apresentando ossos pela primeira vez à pureza dos elementos... O canto dos mísseis, a voarem pelas nossas cabeças e rebentarem nos nossos membros inferiores, como se es-tivessem simplesmente a arrancar ervas daninhas do seu quintal.

Era isto a vida? O painel de um quadro superior que todos os líderes pintavam juntos com o sangue de ino-centes e lágrimas de pedintes?

Estava de pernas cruzadas no meio da neve... A lem-brança de tudo isto levou lágrimas aos meus olhos.

Era chegada a altura da paz.

Toc.

Sorrio.

Toc, toc.

Isto não é vida...

Toc, toc, toc...

Perdi...

- Perdeste Jack! — diz Sergei com um brilho vitorioso no olhar. — nunca irias ganhar!

Jack perdera o desafio... Aquele quadro de sangue fora pintado com comandos de consolas numa tela de televisor. Apostara a última erva que tinha e Jack

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perdera...

O campeonato regional tinha sido disputado na esc-ola secundária William Scott... Havia celebrações, gritos de alegria e festa.

Poucos sabiam que Jack e Sergei tinham apostado a última folha de cocaína...

O chão desabou... O mundo acabou...

- É meu...- sussurrou.

Poucos sabem que eles andam a escapar de casa a meio da noite para se esconder debaixo das amen-doeiras bravas e voar para outro mundo... Todos sabem que deixaram de ter amigos..

- Para sempre...

Todos sabem que já não vivem sem aquele seu peda-ço de Paraíso...

- Sorri! Estão todos a ver!

A vida para os filhos de heróis de guerra é assim.

- Irónico... Fui eu que te dei a primeira... E tiro-te a última. — diz Sergei a sorrir para o público.

A faca é tirada da manga esquerda de Jack ao mes-mo tempo que Sergei tira da direita o seu prémio...

- Mentiroso...

A faca rasga o abdómen... O sangue corre pelas veias e pelos órgãos vitais rasgados... O chão do hall rapi-damente se enche de rubis brilhantes... Jack sorri...

- É como no jogo... Irás renascer...

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Contos

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O Paraíso foi conquistado...

- Isto não é vida...

Seria?

- É só uma metáfora perdida... No esquecimento.

As suas sapatilhas estavam a ficar ensopadas...

- Irás renascer! — diz enquanto vai em direção ao Céu.

O conflito nunca acaba...

- Como no jog . . . - sussurra Jack.

Cai.

A paz...

- É meu...

E teu.

Menção Honrosa, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Qua-resma

2009/2010

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Foto

graf

ia

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Oncologia

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Pros

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FAdOde SArAh NAvAz De MendOnça ViRgi

Partiram de manhã. O sol era ainda uma pequena vaga ao longe do Douro e vagueava nas águas, in-decisa pelas ondas. Estive lá, debruçado no cais, e vi cada pormenor da aurora e da imensa frota que partiu. Eram centenas de navios ancorados nas águas daquele rio, os astrolábios e as bússolas orientadoras, as cárregas armadas de espadas, setas, lanças e can-hões negros, a veleidade e o desassossego das gen-tes portuguesas que embarcavam, os choros altivos e saudosos das mães e das filhas que as deixavam, os chapéus, os adeus lançados ao mar cheios de desejo e de esperança eterna, e ele. Ia na barca mais alta, com a bandeira exposta aos ventos céleres que o oceano começava a soprar, o herdeiro e o duque a seu lado, olhava o horizonte como quem espera dele o maior espanto do mundo. Estava sentado diante da proa numa serenidade impraticável, distante, para lá dos mares que ia percorrendo com o seu olhar erudito, num silêncio inacessível e curioso que o distinguia dos demais cavaleiros marítimos, que de tudo fazia proeza e magnanimidade, a grandiosidade de alma lusitana que se propunha concretizar o maior feito que a na-tureza humana alguma vez sonhou poder construir e que ali começava, naquele povo, naquele rio, naquele infante.

Estive lá.

Nunca proferiu discurso, enquanto aprofundava a sua meditação. Contudo, conversámos num mutismo reflex-

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ivo, como se as águas fossem o espelho das pala-vras procuradas por cada um. Disse-me que não es-quecesse aquele dia, que lhe desse a glória primeira do início dos tempos da própria Humanidade e que orasse igualmente a Deus, que terá oferecido tal sonho ao reino português. Aquele horizonte defronte de nós era o seu fado e a fortuna que unificaria todo o mun-do num só, até ao final dos séculos; que de linha nada tinha: era essência completa, a verdade, o destino ter-reno, repleno de realidades assimétricas num só globo partilhado por todos e de outras costas admiráveis e seres misteriosos. Quando regressasse daquela viagem, voltaria salvo, dourado e tão nobre quanto um rei res-suscitado. Faria tudo pelos seus fiéis e pelas parcas e humildes almas que o acompanhavam, até por mim. Eram mareantes assaz sapientes e experientes: derro-tariam todos os terríveis perigos dos mares tenebrosos, os monstros, as altas ondas e tempestuosas, as águas ferventes. Cada sílaba que recitou é uma marca no meu peito que hoje recordo como se aquela manhã ainda existisse.

Estou agora na sua beira, posto nos joelhos. Ele virou o rosto na minha direção e saudou-me numa vénia cor-tês e soberana, o queixo ligeiramente inclinado, gra-cioso na figura real, suave, um trato delicado e simul-taneamente poderoso, respeitável. Fiz-me submisso ao seu olhar virtuoso, imortalizado pela minha memória. Era dono de uma elegância subtil e melíflua, no entanto, séria e com uma gravidade doce no rosto, os olhos ne-gros, a barba ainda jovem, sempre escuro, uma farda sóbria, os pés quase descalços naqueles sapatos de pano. Lembro-me bem. Cruzou os membros, hirto, firme,

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e olhou o chão, desviando a paisagem à sua frente. Suspirou de novo e uma ansiedade intensa abalou a sua expressão graciosa. Depois disse qualquer coisa que não pude entender ao duque e este murmurou outra incompreensível à minha escassa audição, en-quanto se levantava lentamente, dirigindo-se à outra ponta do navio alugado. O infante ergueu-se também, mas permaneceu no mesmo lugar, com a mesma firmeza, voltando-se para os marinheiros com o seu discurso soberbo.

A frota partia em direção ao ponto solar, ardente, vee-mente, e bramia na sua volúpia e coragem. Todas as embarcações foram ordenadas, em linhas simétricas como um rascunho perfeito de um qualquer arquiteto competente. O infante lá navegava numa delas, na sua seriedade imponente e suave, pobremente arran-jado e com o destino nas mãos, sem um adeus me dar depois de todas as confissões que me fez e me per-suadiu a admitir, após todos aqueles momentos em que estive ajoelhado diante dele.

Devorou aqueles mares com a força e a alma suprema e gloriosa, sempre ambicioso pelo júbilo do seu prin-cipesco nome. Foi o autor de todas as descobertas porque foi o primeiro a sonhá-las, a adormecer com elas, a determiná-las como fossem, a conquistar por seu nome a Fortuna de Portugal, o ouro que viria, o trigo e o pão, a Fé e os povos.

Estou aqui escrevendo estas páginas memorialistas na mesinha onde sempre o faço, uma escrivaninha de madeira antiga que tenho no quarto, num papel dou-rado e com uma pena que vou molhando na tinta azul

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que tenho de lado. Tenho tudo isto guardado desde aquele tempo e recordo-o como se hoje fosse de novo, do modo como foi e sempre será para mim.

Levanto-me, enrolo o papiro e coloco a tinta e a pena na bolsa onde as protejo ao meu peito. Alguns passos dados e entro no estabelecimento abaixo. Peço uma bebida quente e repasso as letras com olhos atentos. Recomeço.

Depois daquela manhã, nunca noutra despertei sem relembrar as suas expressões mutas, o seu olhar e o desenho de todos aqueles navios em rota coletiva ao longo do Douro comprido e cheio. Ansiava todas as noites, as seguintes e as outras que vieram, por novi-dades que se tivessem da navegação do Infante, o Henrique. Questionava sempre as gentes eruditas quan-do passava pelas mansões e nenhuma me sabia volver resposta. Assim por duas semanas estive inquieto. Logo soube que regressara. Era agora não somente Infante e Dom, que todos os nobres eram, mas Duque e Senhor de terras no Norte. Persegui-o, clandestinamente, numa obsessão dissimulada e persistente. Encontrei-o então nos Algarves, na ponta mais ocidental que alguma vez conheci, onde o vento se levanta num sopro mais forte que um bramido de monstro temeroso, um rugido feroz, um trovão retumbante. Rostos diversos me assombraram a vista, pequenos e redondos, pouco pálidos e ro-bustos. Outra paisagem se mostrou, assomou à minha admiração como um dos outros mundos que sonhei: quente, seco e poderoso.

Sentei-me a seu lado, saboreando o ar fresco e lím-pido que trazia aquele vento divino dos oceanos e

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perguntei-lhe:

- Contai-me, meu senhor. Contai-me tudo o que os vossos o1hos viram e o que pensaram.

Nunca chegou a responder.

Em poucos fenómenos sobrenaturais creio, salvo na minha eternidade. Não poderei por tal acreditar que alguém que não seja filho do Espírito Santo me preen-cha o olhar enquanto falecido séculos antes. Mas não negarei que ele ali está, com o mesmo olhar com que me deparei na manhã da partida, com o mesmo rosto severo, audaz e adocicado, posto à entrada da pas-telaria, em pé. Convido-o a sentar-se e ofereço- lhe chá. Ele fala-me. Diz-me que tudo aquilo que vejo em meu redor foi ele quem construiu e que a escola que criou nunca foi um mito: é tudo o que nos dá a con-hecer aquilo de que somos capazes é o que aprende-mos e o que ensinamos, é a fonte da nossa persistência e do desejo de universalidade. Que os Algarves ten-ham a honra de acolher o portal que foram as suas terras ao mar e a toda a Humanidade.

2ª lugar da categoria texto do Concurso Literário “O Infante D. Henrique no Algarve”

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ExíliOsde SOfiA GAlegO SilvA

O velho respirava silenciosamente, soterrado numa mare de lençóis brancos. Se qualquer outra pessoa tivesse estado presente no quarto, nunca teria adivin-hado que esse respirar tão suave e rítmico pertencia a um homem em vigília. E apesar de ter atingido quase nove décadas de idade, não se sentia velho, não nes-sa noite; e apesar de estar agora a oceanos de dis-tância da serra vigilante no seio da qual abrira os ol-hos pela primeira vez, compreendeu naquele momento que tinha ido parar exatamente aonde, desde sempre, estivera escrito que ele deveria estar. Para que outros olhos pudessem abrir-se e outras histórias pudessem começar.

Lá fora, o trânsito da grande cidade rugia e uivava enquanto passava pelo hospital. Era uma escaldante noite de verão, mas dentro do edifício o ar estava frio. Ele atreveu-se a abrir os olhos. A janela estava fechada e os estores descidos, nenhuma luz quebrava a escuridão perfeita do quarto. E, ainda assim, ele via a lua cheia como se a tivesse em frente de si. Subi-tamente, soube (desse modo intenso e arrebatador em que sempre soubera de eventos que mudariam a sua história) que a data estava errada. A noite tinha chegado; a noite em que eia nasceria. O homem vel-ho fechou os olhos e adormeceu e sonhou com uma rapariga chamada “sabedoria”.

A muitos quilómetros de distância, após uma exten-são imensurável de terra e água, uma mulher cantava

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baixinho numa cozinha fria e húmida e escura. O seu nome era Carolina. Os barulhos da casa iam morrendo lentamente e a chuva lá fora começara a cair com mais força; a noite progredia. Ela lavava uma pilha de pratos, o seu cabelo comprido e escuro ocasional-mente caindo dentro da pia. Baratas atravessavam as lajes do chão, e ela cantarolava ainda, quase imper-cetivelmente agora, indiferente ao ambiente empobre-cido para o qual tinha sido trazida. Porque ela sabia dentro do seu coração que não seria assim para sem-pre; e que não teria sido melhor se tivessem ficado.

Ouviu a fechadura na porta de entrada girar. Os seus quatro filhos correram, cumprimentaram efusivamente o pai. Carolina desligou a torneira e foi fazer o mesmo. Do teto da cozinha, a chuva começou a gotejar, a esgueirar-se para dentro do apartamento. E, ainda as-sim, tudo estava bem, porque era o melhor que podiam fazer de momento, e lá fora o inverno abraçava a al-deia com as suas garras de gelo.

“Anos passaram”, pensou de si para consigo, recor-dando a noite do nascimento da sua última bisneta. “Anos passaram e ainda não consigo desfazer-me da sensação de que o mundo mudou nessa data.” Recor-dou então os rostos de todos os seus bisnetos, e de todos os seus netos, e do seu filho, e da sua filha. Reviu no teatro das suas pálpebras cerradas os seus rostos claros dc olhos escuros. Recordou a sua mulher e a noite na qual a conhecera, ambos ainda tão novos e o próprio Tempo apenas começando a desenrolar-se, e viu novamente as luzes e as árvores e as pessoas com quem crescera dançando em círculos.

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E com o seu último sorriso compreendeu que a vida era um ciclo perene. Tal como o espectro da crise o tinha levado do seu lar, tinha agora voltado numa nova forma para assombrar a sua família num canto comple-tamente novo do globo. E então eles fugiam, um a um, tal como ele tinha feito.

“Espero”, pensou, com o seu último suspiro, “que um dia eles estejam todos lá de novo, no sítio ao qual per-tencemos verdadeiramente, e espero que vejam os sí-tios que eu amei e que os amem também; e espero que se lembrem de mim.”

E, com isso, partiu.

A serra cercava-a, expectante. Na escuridão dessa interminável noite de outono, ela devolveu-lhes o olhar; através do nevoeiro, via-as, com todos os seus cumes e vales, e pensou que pareciam um oceano, um enorme oceano que tivesse congelado no sítio. Em cima desse oceano, tinham construído casas; quem sabe quando começaria novamente a mover-se, quem sabe quando cairiam e se afogariam e descansariam para sempre juntamente com navios afundados e tesouros perdidos, ou seja o que for que realmente jaz no fundo de um oceano.

Era uma criança quando partira, e muitos anos tinham passado, e ela já não conseguia recordar. Tinha es-quecido a pessoa que fora nesse sítio pelo qual ansia-va nos seus sonhos, nessa cidade longínqua na qual, apesar de todos os estranhos parecerem distantes e hostis, sempre imaginara que se podia ver nos rostos de todas as pessoas; essa cidade à qual se atrevia a sonhar pertencer.

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Mas com a passagem do tempo e enquanto crescia, compreendeu que não se pode pertencer a um sítio ou a uma pessoa. Compreendeu que, ainda que pos-samos não ser de um sítio em particular, sempre seremos alguém em particular, e esperou que algum dia todos os fios se ligassem e pudesse finalmente dizer, “sim, a vida é como um livro; é como um romance de detetives, porque todas as pistas têm um significado, todas as ações têm uma consequência, e tudo tem um fim — e na vida não há versos brancos”. Esperou, com todo o seu coração, que no final tudo fizesse sentido.

Carolina também tinha crescido. Pensara, ao emigrar havia uma década, que nada poderia ser pior do que a incerteza, do que o medo de estar só e a ocean-os de distância do seu lar. Aprendera, com o passar dos anos, que estava errada. Agora que tinha a maior parte da sua família consigo, agora que os tempos de incerteza tinham passado, agora que viviam numa grande e bela casa e as suas vidas poderiam pa-recer perfeitas a qualquer pessoa que as observasse de fora — agora, a verdadeira tragédia da sua vida tinha-a atingido.

Meses tinham passado, mas ainda não conseguia dormir uma noite inteira, e então esperava o estalar da alvorada da sua varanda. Outra manhã viria, e ela te-ria novamente pequenas tarefas com as quais ocupar a sua mente, com as quais se distrair do seu coração partido. Trataria da sua casa, do seu marido e dos seus três filhos, tal como faria pelo resto da sua vida.

A rapariga chamada “sabedoria” sentou-se e es-creveu: “É estranho como a vida pode ser tão cíclica.

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Não apenas a vida de uma pessoa, mas a vida de uma família; pergunto-me se sou a única que o vê. Os meus antecessores vieram desta mesma serra: nasce-ram aqui e morreram aqui, até que um deles teve que partir. Foi então que começou a odisseia, que todos os nossos destinos foram escritos, que todos os traços das nossas personalidades surgiram: porque, na nossa resistência e na nossa franqueza e na força das nos-sas ligações à terra, este sítio acompanha-nos onde quer que vamos.

»Recordo-o; vagamente, mas recordo-o. E lembro-me da noite em que ele morreu, e lembro-me das suas histórias sobre uma terriola distante onde poetas e pescadores caminham de mão em mão. Raramente penso nele, mas agora que estou aqui, agora que este sítio é o meu lar, sinto que estou mais perto dele do que estive quando estávamos lado a lado na outra margem do oceano.”

E então compreendeu que tinha uma história dentro de si, e que essa história precisava de ser escrita. E apagou tudo o que tinha escrito até ali e começou de novo, porque começar de novo era a história que levava escrita no sangue.

Participação no 3º concurso Literário Infantil e Juvenil do Algarve “Gentes e Paisagens no Algarve – Evocação de Manuel Teixeira Gomes”

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Este conto foi escrito a partir de inspiração suscitada pela leitura de contos de Sophia de Mello B. Andresen, nomeadamente A Floresta e A Fada Oriana.

UmA HistÓriA pArA WilliAm IIde SofiA GAlegO SilvA

Era uma vez um reino distante. Ficava para lá do oceano mais profundo e extenso, por detrás da mais alta cadeia de montanhas… Todos aqueles que lá tinham chegado ficaram demasiado cansados para voltar atrás, e por isso ainda ninguém ouvira falar dele. Nesse reino havia um rei, e esse rei era sábio e benevo-lente. Tinha tornado o reino próspero e rico, e o seu povo era muito feliz – mas o rei era já velho, e estava a treinar o seu único filho para que, após a sua partida, ele pudesse ser o melhor líder que o seu povo jamais tivera.

Esse filho chamava-se Padraic. Apesar de ser inteli-gente e forte, e de ter todas as capacidades do seu pai, faltava-lhe a motivação necessária para atingir o sucesso. Ele contemplava placidamente todas as tare-fas que deveria completar no dia seguinte todas as noites, antes de ir dormir – e depois, acordava bem cedo para as não fazer. Simplesmente caminhava pe-los jardins do palácio ou sentava-se em frente à sua janela e esperava que o sol cruzasse a abóbada dos céus, dum extremo ao outro, até que mergulhasse na explosão de cor e luz do ocaso. E mais um dia pas-sara. Padraic via as consequências dos seus atos e reconhecia as suas causas – mas saber o que é cor-reto e o que não o é nunca torna as boas escolhas

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mais fáceis de fazer.

E certo dia, como tinha que ser, aconteceu algo que viria a mudar a sua vida para sempre. Era uma manhã solarenga e cheia de promessas, e o palácio acor-dava, enchia o espaço do som dos começos esperan-çosos. Então Padraic afastou-se; cruzou os salões e os jardins, e a ponte que atravessava o fosso cheio até ao topo de água e de ferozes bestas marinhas. Con-tinuou a caminhar, e cedo deixou para trás as torres e os torreões do seu lar.

O sol chegou ao seu ponto mais alto, e ele não pôde continuar. Olhou à sua volta e viu o largo arco da entrada dum jardim. Uma pequena e tosca sebe de pedras rodeava-o, e de dentro espreitavam, sonolen-tas no calor do meio-dia, as copas verdes e frescas das árvores. Sedento de sombra, o filho do rei cruzou o arco de pedra. Dentro deparou-se com uma outrora imponente fonte, agora parcialmente desmantelada e seca, no centro. Dirigiu-se até ela e sentou-se no seu rebordo; as árvores sussurravam à sua volta, na voz do vento.

Entrou então no jardim uma jovem mulher. Não pa-receu reparar nele; era alta, com cabelos e olhos ne-gros e pele dum tom dourado. Vestia pobremente; e procurava algo por entre as plantas rasteiras. Padraic observava-a ainda quando encontrou umas peque-nas flores amarelas, o objeto da sua busca, e se dirigiu rapidamente de volta à saída. E por alguma razão que não conseguiu explicar, quis desesperadamente que ela o visse, ali na sombra das árvores. Então, mex-eu-se ruidosamente. Ela parou onde estava e deu meia

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volta.

O seu aguçado olhar escuro encontrou-o rapidam-ente. Ele julgou, por um fugidio instante, ver receio nele, receio e hostilidade. Mas o instante passou e ela sor-riu um sorriso felino, os dentes brancos e perfeitamente alinhados contradizendo o seu rude aspeto. Era real-mente um sorriso encantador, e ele sorriu-lhe de volta. Ela caminhou alguns passos na sua direção.

- Olá. – saudou-o ela, enquanto caminhava.

- Olá, - retribuiu-lhe ele, surpreendido pela iniciativa da rapariga. – Como te chamas?

- Neasa. – disse ela prontamente e sem hesitações. – E tu – continuou, ao vê-lo abrir a boca para se apresen-tar. – És Padraic, o filho do rei.

- Já nos conhecíamos? – espantou-se Padraic, o filho do rei.

- Não. – mas Neasa não completou a informação e não lhe deu tempo de fazer perguntas. Chegou até ele e sentou-se ao seu lado, sem esperar por um con-vite e sem parecer minimamente intimidada. O seu sor-riso alargou-se e perguntou: - Há quanto tempo estás aqui?

- Uma hora, mais ou menos. Que flores são aquelas que vieste colher?

- São as favoritas da minha mãe, que está doente. Venho sempre cá buscá-las para ela.

Mas ele não pôde deixar de reparar na hesitação dela, e soube que mentira. Caíram depois no padrão habitual das primeiras conversas. E apesar de mais

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nada lhe ter parecido estranho, não pôde ignorar a peculiar sensação que Neasa lhe causava na boca do estômago, e que lhe dizia que algo estava er-rado. Porém, sentia-se misteriosamente atraído por ela, e falaram durante horas, acabando por combinar en-contrarem-se outra vez no dia seguinte.

E assim aconteceu. Caminharam e falaram durante muito tempo. Continuaram a encontrar-se todos os dias, e cada dia a sensação de que fazia algo er-rado crescia no coração do príncipe. Sentia uma at-errorizadora e violenta atração pela rapariga, que crescia mais e mais, agigantando-se dentro dele em toda a sua fealdade de ogre até se tornar lenta e irreversivelmente em rejeição. Após muito ponderar, de-cidiu que o que quer que estivesse a acontecer tinha de acabar imediatamente. E então, num belo dia no qual combinara um encontro com ela, acordou bem cedo, preparou-se e não foi.

Tentou não pensar nas razões do seu repúdio, mas acabou por admitir de si para si que o estatuto social tivera um papel importante na sua decisão. Ele era o príncipe! Não podia ser visto com a filha duma cam-ponesa, e jamais, prometeu a si mesmo, o seria. E a sua vida seguiu em frente, e esqueceu Neasa sem demora. Cedo o suficiente, já nem recordava o seu nome, e os detalhes do dia em que se conheceram ficaram gradu-almente desfocados até desaparecerem nas brumas do esquecimento.

Mas Neasa não era a filha de uma camponesa. Era a filha duma bruxa, e uma bruxa ela mesma – e amava Padraic!, amava-o verdadeiramente, ou pelo menos

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isso cria. Quando ele a abandonou tão friamente, sem um adeus sequer, todo esse amor tornou-se em fúria. Essa fúria cresceu dentro dela, sem deixar lugar para nada mais, e ela voltou ao jardim onde o conhecera e desta vez não teve que procurar. Ajoelhou-se por en-tre o verde das ervas e o colorido das flores e colheu mais flores amarelas que da última vez, muitas mais.

Neasa recolheu todos os ingredientes e esperou, pre-parando-se, até ser noite cerrada. A lua cheia ilumina-va tudo como um sol, ofuscando as estrelas distantes. Ali, trabalhou a noite inteira. Luzes dançaram no ar e palavras foram proferidas, e uma maldição caiu sobre Padraic, o filho do rei.

Aconteceu então que o príncipe e a filha da bruxa viram os seus destinos afastados um do outro. A vida da Padraic continuou como sempre fora, desinteres-sada e sem incidentes; até que o seu pai começou a pensar no seu futuro. Certo dia foi informado de que estava comprometido. Ele sentiu-se imensamente infeliz, não se sentindo disposto a abandonar a sua vida is-enta de dificuldades e não queria ter que prestar con-tas das suas andanças a ninguém. Durante os meses seguintes assegurava a todos aqueles que estivessem interessados em ouvir que, casado ou não, não ficaria preso a uma mulher para o resto da sua vida.

A sua opinião mudou quando conheceu a sua noi-va. Ela era uma bela princesa, de seu nome Meara – porque os seus olhos azuis eram da mesma cor do sereno e insondável oceano. E os seus cabelos eram como que feitos de fios de ouro, e a sua pele era branca como o mármore. Parecia, de facto, uma está-

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tua – perfeitamente cinzelada, escultural. E, se bem que o seu inocente discurso fosse desprovido de significa-dos profundos ou expressões complexas, ele achou-a encantadora. Apesar de todas as conversas entre eles serem monopolizadas pela mãe de Meara, uma imponente e poderosa rainha que exalava autoridade, Padraic não conseguia evitar sentir que havia entre eles uma inegável conexão. Não a amava, mas o que quer que fosse que sentia por ela era o suficiente e a perspetiva de passar o resto da sua vida ao seu lado não lhe parecia de todo desagradável.

Os meses passaram e a data do casamento aprox-imava-se. Certa manhã, encavalitado no parapeito da janela do seu quarto, Padraic viu alguém atraves-sar rapidamente o relvado, olhando constantemente para trás. Do seu elevado ponto de observação, ele viu uma cabeça loura orlada de caracóis e braços muito pálidos erguendo levemente o vestido vermelho, para possibilitar o rápido escape. Pensou inicialmente que fosse Meara. Após uma inspeção mais cuidadosa, que quase o fez cair do parapeito, verificou que era na realidade a rainha. Onde iria?

Mas não foi nisso que Padraic pensou ao vê-la. De facto, não pensou de todo. Com a rainha longe, pode-ria finalmente ter uma conversa verdadeira com a sua noiva, sem a mãe a pairar pela sala como um abutre. Com um sorriso arrapazado, correu porta fora.

Chegou ao quarto dos convidados, onde Meara estava, meros momentos depois. Usou o seu infalível charme para amolecer o coração de leoa da aia e entrou sem sequer bater à porta. A filha da rainha es-

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tava sentada defronte do espelho do seu ricamente trabalhado toucador. Havia garrafas de perfume feit-as de cristal, pentes de marfim, espelhos de mão crave-jados de pedras preciosas…, no tampo do toucador, tudo gentilmente acariciado pela luz do sol; mas nada brilhava mais do que o seu comprido cabelo dourado, que ela penteava lenta e ritmicamente.

Ela viu-o pelo espelho. Os seus enormes olhos azuis, emoldurados por cintilantes pestanas de ouro, abri-ram-se de surpresa; um adorável rubor rosáceo floriu-lhe nas faces. Pousou o pente na atafulhada superfície perante si, virou-se delicadamente e ergueu-se, vindo ao seu encontro. Sorriu, embevecida pelo seu lindo noivo.

- Padraic! – saudou-o, na sua voz fresca e musical.

- Meara. – replicou ele.

- Que fazes aqui? – quis ela saber.

O esgar dele alargou-se: - Pensei que pudéssemos ir dar uma volta.

- Oh, eu adoraria, mas não creio que a minha mãe aprovasse!

- Eu também não. Mas ela não está aqui, verdade?

E saíram ambos porta fora.

Passearam interminavelmente pelos jardins que ro-deavam o palácio, conversando sobre o passado e sobre o futuro. Rodeava-os uma vegetação luxuriante, um ambiente luxuoso: as fontes gorgolejavam, os pás-saros chilreavam. Pararam em frente um do outro, e os olhos de Meara brilhavam como o próprio mar.

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- Amo-te, Padraic. – disse, com uma honestidade ater-rorizadora. E ele não mentiu, ou pelo menos cria senti-lo, quando respondeu:

- Também te amo, Meara.

Foi nesse momento que aconteceu. Ele sentiu algo, como uma cobra gigantesca, agitar-se violentamente dentro do seu estômago. Um ardor percorreu-lhe o corpo inteiro, por momentos acreditou estar em fogo. Uma dor dilacerante tomou conta dele. Caiu de costas no chão, e foi amparado pela relva macia, confortável como um colchão. A dor dissipou-se e ele sentou-se. Meara olhava-o, num misto de pânico e incredulidade. Sem compreender, ele sorriu-lhe o seu mais adorável sorriso. Ela gritou, o terror transfigurando-lhe o belo rosto. E largou a correr na direção do palácio.

Confuso, Padraic levantou-se. Só então se apercebeu do que acontecera, só então o sentiu. Olhou para baixo, para os seus próprios pés: os sapatos estavam rotos, e deles saíam uns horrorosos e enormes pés, dum tom entre o castanho e o verde. A sua altura tam-bém aumentara, quase meio metro. As suas principes-cas roupagens quase rebentavam, tentando envolver aquele massivo e disforme corpo, que não era seu.

Caminhou torpemente até à fonte mais próxima, in-clinou-se sobre ela. O reflexo que lhe foi devolvido quebrou-lhe o coração em mil pedaços, e pensou que jamais seria remendado, que jamais se recomporia do susto desse momento. No local onde tinham estado os seus lindos olhos azuis estavam dois pequeninos e tor-tos olhinhos amarelos; em vez do seu brilhante cabelo cor de feno havia uma irregular cabeça calva; e sub-

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stituindo o seu abrasador sorriso, estava uma boca rasgada e torcida, com uns poucos dentes amarelos.

Ao pronunciar aquelas palavras, despoletara a mal-dição de Neasa. Ao dizer o que fora incapaz de lhe dizer a ela e que ela merecera ouvir, ele transformou-se. O filho do rei era agora um ogre. E claro, como todo o feitiço, a maldição da filha da bruxa tinha uma contramaldição. Mas ela fora inteligente; era algo im-possível de alcançar.

A sua imagem refletida fez Padraic retroceder. “Isto tem que ser um sonho”, pensou_ e tentou dizê-lo, mas tudo o que saiu da sua animalesca boca foi um in-teligível grunhido selvagem. Então sentou-se e chorou, e sentiu-se incrivelmente aliviado por ver que, pelo me-nos, ainda conseguia chorar.

Ficou ali sentado durante muito tempo, até que cheg-aram os soldados, alertados pela filha da rainha. Ele não ofereceu luta. E, dalgum modo, a versão oficial era que um hediondo ogre aparecera do nada e devor-ara o maravilhoso príncipe duma só dentada! E dal-gum modo, Padraic viu-se envolto em redes e atirado para uma fria e terrível masmorra.

Padraic, o ogre, foi deixado a apodrecer numa cela. O povo queria a sua morte, pois era ele o assassino de Padraic, o filho do rei; mas o rei, esse, compadeceu-se do destino do monstro e ordenou que ele não deveria ser maltratado. As suas ordens foram negligenciadas: as condições da sua masmorra eram miseráveis.

Durante as primeiras semanas, ele não viu ninguém. Os

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poucos alimentos que lhe davam deixavam-nos duran-te a noite. Até que, certa noite, ele acordou ao som de passos na íngreme escadaria de pedra escura. Fingiu dormir e, ao sentir o prato a ser colocado no pequeno banco ao seu lado, abriu os olhos. À sua frente não viu nenhum soldado, nenhum carcereiro, nenhum criado sequer. Era uma rapariguinha das cozinhas. Tinha o aspeto mais simples e pobre imaginável, roupas remen-dadas e velhas porém impecavelmente limpas, mãos calejadas, um avental e uma touca com o emblema do palácio real. O seu rosto arredondado e pálido era inocente, e brilhava com uma luz própria, todo polvil-hado de pequenas sardas. Madeixas de cabelo dum cor-de-laranja surreal e vibrante escapavam-lhe das rendas brancas da touca.

Ao vê-lo, ela arregalou, assustada, os seus olhos cas-tanhos. Endireitou-se lenta, cuidadosamente. Ele tentou agradecer-lhe, mas só conseguiu emitir um som gutural que, pareceu-lhe, soava antes levemente ameaçador. Mas ela pareceu compreender.

- O meu nome é Siobhan… Vim trazer-te comida… Não te quero fazer mal…

Siobhan era paciente, era compreensiva. Quando percebeu que ele a compreendia, deixou de temê-lo e começou a ter pena da sua solidão. Falava-lhe de tudo, e ele ficou a saber que o plano do povo, an-sioso por vingar o seu principezinho, era não alimentar a criatura. Assim, matá-lo-iam sem que o rei pudesse provar que lhe tinham desobedecido. Eram poucas as criadas dispostas a ajudar Siobhan, habilitando-lhe os restos das refeições para que ela lhos levasse.

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E descobriu também muitas outras coisas através das corriqueiras coscuvilhices da sua salvadora. Soube da reputação de feiticeira de Neasa – depreendeu pela primeira vez o que lhe acontecera. E, com o passar do tempo, veio a entendê-la e a perdoá-la. Viu a injustiça com que tratava todos à sua volta, e arrependeu-se. Siobhan contou-lhe também um rumor que corria pelo palácio: que a rainha, a mãe de Neasa, se encontr-ara com a bruxa da aldeia no fatídico dia da sua mudança. Recobrou essa memória esquecida, ver a rainha correr pelo relvado do palácio… E foi-se aper-cebendo do que acontecera.

Ou melhor, o que não acontecera. A maldição de Neasa não era só para ele, mas também para a mulher que ele viesse a amar. A rainha devia ter descoberto isto, e convencido a bruxa a anular essa parte do feitiço a tempo. Mas não erradicara a maldição de vez – nunca gostara dele, e queria melhor para a sua filha… Mas ninguém mais teria o reino!

Siobhan passou a descer à masmorra mais vezes e, cedo o suficiente, passava lá todo o seu tempo livre. Ele sabia absolutamente tudo sobre ela, todas as suas esperanças e os seus segredos. Sabia da pobreza ex-trema da sua família, e das dificuldades que passa-vam. A sua bondade, a sua astúcia e a sua valentia conquistaram-no, e ele encontrava-se constantemente a desejar ser príncipe novamente para tomar conta dela como ela merecia, constantemente a imaginar o despida e triste que a sua vida em cativeiro seria sem ela. E, dalgum modo, a rapariga começou a conectar os pontos.

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Num dia igual a todos os outros, ela não desceu para vê-lo, e enquanto o sol brilhava lá fora e inundava as praças e os jardins ele esperou por ela no seu sujo e escuro lar. Adormecera já quando ela veio, num chinfrim enlouquecido. A rapariga das cozinhas e o ogre par-aram defronte um do outro – ele parecia aterrorizado, e ela desafiadora. E fez a pergunta mesmo sabendo que ele não poderia responder:

- Tu não mataste o príncipe. Tu és o príncipe!, não é verdade?

Mas nada entre eles mudou. Algum tempo passou. E um dia ela desceu mais cedo do que seria de espe-rar, os olhos vermelhos de chorar. Padraic, chamou-o, acontecera algo terrível – bom, mas nem por isso menos terrível. E passou a explicar: o seu irmão mais velho con-seguira um trabalho novo, numa cidade distante. Não era uma oportunidade que pudessem desperdiçar; e, por mais que ela tivesse implorado para ficar, a sua mãe deixara ficar muito claro que iriam todos juntos. Partiriam imediatamente.

Padraic desesperou. A névoa de pesadelo a que se afigurava, na sua mente, “uma cidade distante” era simplesmente indiferente para um príncipe – e simples-mente intransponível para um prisioneiro. Nunca mais a veria.

Siobhan aproximou-se do enorme e hediondo ogre. Ambos choravam ao de leve.

- Adeus, Padraic. – disse ela; e depois, baixinho e in-crivelmente: - Amo-te.

E ali, na semiescuridão das masmorras do palácio real,

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preso a correntes e coberto com farrapos de roupa suja, apareceu diante de Siobhan o jovem mais belo possível de imaginar, com pele mais branca do que a mais branca nuvem, cabelo mais louro que a mais loura espiga de cevada, olhos mais azuis e límpidos que o mais límpido lago sob o mais azul dos céus.

Quando se espalhou a notícia, o povo reuniu-se em festa. Foi o dia mais feliz da vida do benevolente rei. Porém, Padraic absteve-se de contar a sua história completa – disse que não a recordava. Não culpou Neasa e a rainha, porque as entendia – e porque tinha mudado.

Poucos meses depois desse dia, houve outra festa: a do casamento de Siobhan e Padraic, e de despedida do velho rei, que zarpava no seu barco branco para o sítio onde se vai quando já não resta nenhuma tarefa a cumprir neste mundo, um sítio para além das águas.

A filha da bruxa foi a matriarca duma grande famí-lia, que constituiu ao encontrar finalmente o amor da sua vida, um forte e destemido chefe de exército. A filha da rainha casou com o herdeiro dum reino prós-pero e pacífico, teve muitos filhos louros como o sol e foi eternamente amiga do reino que fica para lá das montanhas. E o filho do rei e a rapariga das cozinhas foram rei e rainha, e viveram juntos durante muito tem-po, tão felizes como é possível ser.

1º prémio da 5ª edição do Concurso Literário Sophia de Mello Breyner

2009/2010

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Poes

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Impera a calma controlada,A raiva apagada na luz da neve.Ergue-se o palácio misterioso, belo.Que por entre as pedras frias,Mostra a beleza do lugar ideal.Tranquilo, isolado, retiro do bem que esconde o mal,Do sítio tal, que é bonito,E que por trás é maldito.

Esconde alguém.

Quem puxa as cordas à marioneta,Que puxa as cordas ao resto.O tirano controlador não passa do seu grande mis-tério.

O palácio é lugar de bem,Cantinho do salvamento,Onde aquele que é correto se abriga.

Mas difícil de encontrar,Caminho escondido por entre os bosques,Que cobertos por neve, cobrem as montanhas.

Paisagem linda.Realidade aparente, copo quase a transbordar.Não se passa nada até uma gota se derramar.

1º Lugar, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma 2010/2011

Pico De Nevede FrAnciscO AfonsO Rita

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Voar voar voarNum esvoaçar graciosoPor detrás do fogoQue arde no desencontroDas palavras perdidas

Voar voar voarPelas avenidas pelas ruasA dizer versos incansáveisA mudar o mundoA transformar a vida

Dias a escreverUma letra em cada lugarDuas se couberem juntasVerbos que nunca se viramNas mesmas perguntasNomes distantesEm frases conjuntas

Arte surrealCravada em folhasQue nunca esqueceramO poeta original

Voar de novo voarPela inspiração da despinturaPela imagem puraQue não chega a ser figura

SuRReAlismOde SArAh ViRgi

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Poesia

Neste real lugarDe muros e castelosAinda por derrubar Exaltar as cores do ar Servir o gozo das coisas Buscar a leveza do universo No pesar do seu inverso

Contestar o atropeloDa essência humanaDa miséria mundana(que a razão criou)Com os olhos abertosCom as mãos nodosasDe quem trabalhouOs retratos do homem

Sentir na pele a alforriaDe amar e de gritar Liberdade poesiaRefrigério das mágoasE revolução que amanhece A cheirar a maresia

2º Lugar, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma 2010/2011

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De Sara Dores com O Prémio “Menção

Honrosa”

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A vida tem faixas boas e másE tal como o tempo não volta para trás

Mas quando estás numa faixa negra da vida É importante que sejas destemidaTens que olhar para lá do alémE ver tudo o que ele ainda tem

Coisas para veresCoisas para sentiresCoisas para viveres... Existe ainda tanta coisa

Mesmo quando parece Que pior não pode existir O segredo é não desistir

Nunca paresContinua sempre a correrAté a noção do tempo se perderE só quando essa sensação de calma te inundarÉ que deves parar

Só quando isso acontecer É que poderás pensarE com os erros aprender

3º Lugar, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma 2010/2011

A vidA, A vidAde VlaDyslav RudAkevych

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Quem é o quê?O tudo ou o nada,O tudo é tudo, e é.E o nada é o nada, e é. Depois... Há,Nós e as Coisas, aqui ou lá.Onde? Perto ou longe.Mas Nós e as Coisas, há. Estou, mas para onde vou?Se for fico? Ou se for, vou?Se for e ficar, fui.Se for e ir, serei. Se é,Agora já não é, era,E se foi já não é?É, porque foi. Se sei se souNão sei, nem seiSe sei saber que souPorque ser não se sabe, é-se.

Menção Honrosa, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Qua-resma

2010/2011

Balbúrdia Vitalde AntóniO CAntAnte

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Por vezes não vejoUma janela fechada,As chaves m cima da mesa, Uma estrada inacabada(é cegueira, com certeza).

Nem uma cara familiarOu alguém que me quer bemNem aquelas imagens audíveisComo as correrias de quem pressa tem.

Por vezes não vejoUma oportunidadeUm precipício a meus pésQue talvez isto não é verdade(que não sou cega, talvez...)

Nem uma mão amigaOu sequer o que desejo,Nem só um sorriso,Uma gargalhada, um gracejo.(será disso que eu preciso?)

Por vezes não vejoCertas coisas simples de verAos meus olhos quase são invisíveisPois é a tua imagem que querem percorrer.

Nada mais existe

Por vezes não vejode CristiAna Bento

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Poesia

Posso simplesmente sonhar.Enquanto não estiveres perto de mim Meus olhos viverão para te procurar.

Menção Honrosa, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Qua-resma

2010/2011

Raras

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Por entre curvas e árvores,O rio corre melancolicamente,Num ritmo sonolente,Que abraça os navios que caem num tempo esque-cido.Um tempo antigo, aquecido pelo forte SolQue afaga o Rio milenar, nas suas centenas de anos corridos.Vê-se então no presente,Um passado inalterado, pelo tempo, pelo mundo.Descobre-se a nostalgia num rio acariciado, Por um Sol aveludado e por uma brisa que não corre.É o Rio Delta que nos para.E na luz da sua água, hidratamos a alma,De uma melancolia duradoura, agradávelO fim aproxima-se, nem sinal de tempestade, como sem-pre.Não queremos, e sem surpresa aceitamos

1º Lugar, Concurso “Faça lá um Poema”, Ler+, nível escola2010/2011

Rio Deltade FrAnciscO AfonsO

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Ilusionistas FantasistasSomos meros viajantes Num imenso universo Perdido no tempo No Espaço Ninguém o detém SonhadoresUtopistas

Somos meros viajantes Comandados pelo prazer carnal Estritamente instintivo Almas soltas completando-se Num ato verdadeiro..

2º Lugar, Concurso “Faça lá um Poema”, Ler+, nível escola2010/2011

MerOs ViAjAntesde Sara Silva

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O TempO Fluide Sara Virgi

O tempo flui na inconsciência do ar passa como o sangue como o vento que sopra como a areia que move como o rio que corre debaixo dos pés

O tempo fluisem demorasem respirarsem ofegar o cansaçode tanto andarao mesmo tempoem tanto lugar

O tempo flui sem existir acontecendo em nós no sentir das horas no ouvir da lembrança com que o pêndulo canta a prontidão dos instantes na afonia do silêncio

O tempo fluino tom lacônico que lhe convémna pressa que temde chegar sempre tarde demais

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Poesia

O tempo fluio tempo fluina sua parcimônia astutaque não nos deixa rompercom o desígnio dos astrose a desgraça de morrer.

3º Lugar, Concurso “Faça lá um Poema”, Ler+, nível escola2010/2011

Amnistia

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A IgnOrância MusicAlde FRanciscO AfonsO Rita

À alta sociedade que "deve" conhecer a música clás-sica. E que muitas vezes apenas o finge fazer.

Toca uma Mazurka,

"É Chopin", devia ser dito.

Mas "é Mozart" dizem eles,

Eles que pela condição "deviam" saber e não sabem. "Deviam" conhecer o erudito.

Toca uma sinfonia (patética!)

"É Mozart", acabam por dizer

Muito bonita a sinfonia...

Ah! Ignorância, que entre eles passa,

Despercebida e até apreciada

Mas que deve contudo ser criticada, condenada.

Só sei duas coisas:

Que nada sei, como dizia o outro,

E que eles pensam que sabem,

Mas sabem pouco.

A Música é de todos,

Mas não é obrigação de ninguém.

Erradamente pensam o contrário

E erradamente decoram também.

Concurso “Faça lá um Poema”, Ler+, nível escola2010/2011

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Tempestade, terrível ecoa pelos céus de Akrajii

Trovões com força de Deus abatem-se nos céus,

Mostrando a sua ira.

Bradem do inferno com o Mundo na mira.

Difícil é passar, navegar, voar.

No horizonte, esbate-se uma luz morta,

O farol de Noehay,

Que por trás da luz intensa da chuva, também de

trovões,

Guia os deseperados no caótico estreito de Akrajii.

Terra à vista, finalmente.

Sai-se do terror infinito de um lugar amaldiçoado,

Pelo Rei desperado que rogara morte ao mundo.

Vê-se no terrível sítio a separação discriminada,

Duma raça inocente, rebaixada e abandonada.

Concurso “Faça lá um Poema”, Ler+, nível escola

2010/2011

O Estreito TemPestuOso De Akragiide FRanciscO Rita

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Magro, ibérico, Face jovem, cabelo castanho, Moço sereno em sua maneira Eis o autorretrato do Sr. Vieira.

Pensativo de natureza,Calmo, alegre e honradoNo final do dia está sempre cansadoEstica o dedo aos que se dizem de realeza.

Com os amigos passa o tempo,Sempre calmo e pacienteComo uma folha ao ser levada pelo vento.

Lentamente escrevo este poema Maneira de estragar tempo é, Fazer da vida um dilema.

Concurso “Faça lá um Poema”, Ler+, nível escola

2010/2011

de André VieiRa

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Poesia

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Poes

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Todos os dias, Por algo eu espero.

Ou por um sorriso Ou por alguma calma Por um raio de sol Que me aqueça a alma.

Por um telefonema Por uma companhia Por alguma sensação Que não a melancolia.

Por uma dúvidaOu por uma certeza.Por algo, só algoQue me tire desta tristeza.

Por mais um doce sábado Mil noites desejado. Que os dias, as horas passem, Até isto ter acabado.

Por acordarE ver que não passou de um pesadelo.Por saberQue hoje é o dia em que vou vê-lo.

Todos os dias,

Por AlgO eu esPerOde CristiAnA VieirA Bento

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Poesia

Por algo eu espero.

Concurso “Faça lá um Poema”, Ler+, nível escola

2010/2011

Foto de Daniel Barata

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O Que sãO Os Poemas Que te escrevOde CristiAnA VieirA Bento

São murmurações gritadas

Solidões povoadas

No frio, umas gargalhadas

No quente, um arrepio.

Poços infinitos

Estradas sem fim

Flores abandonadas

E silêncios em mim.

São o que te digo

Só com o olhar

São o que tu sentes

Quando te quero beijar.

São águas que brilham

Luares ao amanhecer

Rosas a cheirar a jasmim

E memórias do futuro que não quero esquecer.

Concurso “Faça lá um Poema”, Ler+, nível escola

2010/2011

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Poesia

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Amo-tede Elisa Encarnação

Olho-teAdmiro-teAmo-te

Pego num lápisNuma folha de papelTraço pequenas linhasSimples linhas numa imensidão.

Devagarinho o teu rosto ganha formaPouco a pouco moldo o teu corpoDou-lhe vidaQuero-te Feliz

Uma lágrima estraga o meu minucioso trabalhoMais uma lágrima apaga o teu corpo

Entretanto o telefone tocaAcordo do meu sonhoE volto à realidade,A realidade em que vivo.

Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma 2010/2011

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Poesia

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de Joana Palma Mateus Gomes Teixeira

Tudo o que digo,

Entra e sai no teu ouvido,

Percorre o teu coração

E sai partido.

Mas cada vez que exprimo novas emoções,

A insegurança permanece,

A coincidência acontece.

O mundo ignora os meus sentimentos,

Manda Bocas, goza com o obvio,

Como se os meus poemas fossem palavras sem letras,

Caminhos sem fim,

Um mar sem ondas,

Lágrimas com sorrisos

Páginas sem fim.

Os dias vão passando,

E tudo começa a perder a cor!

O céu fica mais claro,

As folhas mais abundantes,

E eu mais cinzenta…

Aquele meu sorriso fugiu da minha boca,

Voou, e em sua substituição,

Uma lágrima chegou.

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Poesia

É longa,

Sempre tão sóbria,

Triste e infeliz,

Permanecendo num rosto,

De uma Jovem que não é feliz!

Foste uma grande decepção

O meu coração bateu por ti

E depois deixaste-me assim.

Para mim acabaste

Nunca me amaste,

E perdeste-me!

Fizeste minha cabeça enlouquecer

Ter-te ao meu lado era o meu maior desejo!

Mas estavas errado,

Não sou mulher fútil

Inútil, nem pensar

Se é dessas com quem queres estar,

Deixa-me amar e ser feliz,

Desaparece da minha vida!

Esquece o que passamos juntos,

Pois tudo não passou de uma farsa

Percebi que amar-te não tem graça.

Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma 2010/2011

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Poesia

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Poes

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Lágrimas Secasde Sara Silva

As lágrimas caem

Mas ninguém as vê

São lágrimas secas

Espezinhadas pela dor

De alguém que outrora

Conjugou o verbo amar

Agora tornando-o

Num sentimento de ódio

Estas lágrimas que me correm na face

São lágrimas secas

A dor que as causara

No meu corpo se torne imune

Dói sim, mas o sofrimento em mim

Já não tem qualquer reação

Sinto só que simplesmente me sinto só…

Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma 2010/2011

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Poesia

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Poes

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Pensode Mariana Isidro

Penso, muitas vezes por pensar,

a olhar o branco do meu teto,

onde parece que nunca desperto,

de tanto me dar.

Penso e volto a pensar,

nas opções que nunca segui,

das quais fugi,

sem nunca estranhar.

Penso e repenso,

nas opções que tomei,

das quais nunca falei.

Penso,

a olhar o branco do meu tecto

onde continuo discreto…

Penso em ti,

de onde nunca parti,

a olhar o branco do meu tecto,

onde parece que nunca desperto,

e onde nunca te vi.

Penso, repenso e volto a pensar,

onde poderás estar

a olhar o branco do meu tecto,

onde não durmo, mas penso…

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Poesia

no silêncio que me acompanha,

na alegria fugidia, que tarda em voltar.

Penso como um “cão”,

na busca da ilusão,

de não poder estar.

E penso…

a olhar o branco do meu tecto,

de onde não desperto,

onde vou continuar…

desta vez indiscreto

e volto a pensar.

Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma 2010/2011

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Poesia

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Poes

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Poesiade Sarah Virgi

Poesia

Medida de todas as coisas

Verso

Inscrição da memória

Palavra

Unidade intuitiva da insónia

De resto

Gerador de simbioses

Sensíveis e de excessos

De si próprio

Perplexo

Entre o sentido e o toque

No registo clássico

Da modernidade

Alçando de longe a origem

Dos rumores ácidos

Do corpo e das arvores

Na luta contra o abismo

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Poesia

E a gravidade

Medindo o tempo

Da morte

Das aves

Humana intromissão

No domínio do vento

Reabrindo gavetas

Sem agitar o passado

Sem assombrar a casa

Vislumbre lento

Das matérias vitais

Onde ardendo o amor

Jorra o apuro da voz

A suster o infinito

Como o céu

Segura no decote

As estrelas

E sobrevive

Pela poesia.

1º Lugar, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma

2010/2011

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Poesia

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Poes

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Eu nasci na Naturezade Cristiana Bento

Eu nasci nas árvores, nos rios, no céu

Nasci na Natureza

Mesmo aqui no meio desta colorida festividade

No centro do culminar da beleza.

Eu nasci como Afrodite, da espuma do mar

Ou como Atena, da cabeça dos deuses

Não pertenço a cidades, países, sociedades

Pertenço ao Mundo, aldeia moderna sem paredes.

Eu nasci longe do escuro, do tóxico, do fumo

Nasci longe da tecnologia

Onde tudo é plástico, petróleo, crude

Nasci longe de todo o ruído, no coração de uma sinfonia.

Eu pude nascer na natureza

Sem os fios elétricos para me sufocar

Sem a televisão para me hipnotizar

Sem a luz elétrica para me cegar.

E nasci na natureza

Nasci livre, eterna, real

Então porque habito neste inóspito urbano

Nesta cidade sufocante, letal, infernal?

2º lugar, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma 2010/2011

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Poesia

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Poes

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Existe sempre algo desnecessáriode Sarah Virgi

Existe sempre algo desnecessário

Qualquer coisa além do absoluto mínimo

Uma tendência para o infinito

Que à razão mais sensível

Não serve a eficiência

Existe sempre uma certa grandeza

Demasiada para a utilidade

Como um poeta que acaba de nascer

E na esperança subterrânea de achar

O amparo da liberdade se perde

No resvalar da História

Existe sempre o escusado e redundante

Problema de assumir a humanidade

De confiar à consciência o dízimo

Pelo equilíbrio

E existe sempre uma Mão Invisível

A temperar esse excedente

A evacuar da realidade o sentido

Maximamente perfeito das coisas

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Poesia

Como o fundamento da continuidade

Não fosse o amor

E nós não fôssemos feitos disso.

Concurso Faça Lá Poema

2010/2011

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Poes

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Ó Marde Tomás Correia

Mar cruel e impetuoso,

Poucos ouvem a tua canção.

Esta é a história da vida que ceifaste

Daquele teu explorador, Diogo Cão.

Foi à descoberta do novo mundo,

Cruzando-te sem medo algum,

Porque não permitiste tu, ó mar,

Que não retornasse nem ele nem nenhum?

Mar impetuoso e cruel,

Muitos desconhecem o teu fim,

Como podes aliar-te à morte

Sem nenhum remorso assim?

Apenas Vasco da Gama

Sem medo nenhum te cruzou

E assim, lentamente, toda a gente

E todo o mundo te conquistou.

Quantos homens morreram?

Cruzando-te para sempre sem cessar

“Para que fosses nosso

Ó mar?”

1º Lugar, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma2012/2013

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Poesia

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Arcanus Maréde Francisco Afonso Rita

Parte /. Manto Divino

Neste mundo por Deus criado

Vivem sólidas, as paisagens,

Sejam reais, ou fatais miragens,

São cenários do fado.

E porque são montanhas especiais,

É tão somente porque há prados.

Mas o Mar! Esse, não corresponde a mais,

Do que a ele em seus estados.

Bravo, calmo ou espelho d’Ele,

Esses seus estados são tantos!

Tantos, e em qualquer um, nele

Vejo parte dos Seus mantos.

Vejo, mesmo na espuma,

Na noite escura ou nevoeiro,

Por trás da espessa bruma

Deus que aparece derradeiro.

E ainda que em cima do Mundo,

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Poesia

Parte d’Ele está na terra, enquanto a reinar

Deus veste sempre esse nobre manto,

Mais delicado manto, que é o Mar!

Parte //. Esfepe Azul

E pela antiga Mongólia

Errara o grande senhor,

Genghis Khan, de vasto Império,

Ao qual não dá a história

O merecido lugar entre os cinco,

Os grandes impérios glorificados.

Nunca excluindo o português,

O construído por mar, em tempos doirados.

Mas o Mongol de Temujiin,

Merece o justo reconhecimento,

Tanto pelas proezas táticas,

Como pelas morais lições,

De que o homem existe

Para viver unificado.

E como as estepes que foram palco

Do nascimento desse herói,

O Mar é casa de outros heróis,

Os Lusitanos que cavalgaram

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Poes

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Pelas estepes azuis,

Em seus cavalos de pano

E cascos de madeira,

Que por todo o mar

Levaram a cruz.

Parte ///. Génese Misteriosa

Todo rei ambicionava

Estender a sua influência.

Por além fronteiras,

Por reinos outros e terras longínquas.

Cumprida a ousadia

Mexem-se as fronteiras,

Que se estendem na vitória

E recuam na derrota.

Mas existem e o reino tem um fim,

E também um berço.

O rei do Mar é o melhor de todos eles.

O mais forte que não ambiciona,

Apenas se estende, e se estende...

Mas o grande mistério é onde começou,

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Poesia

Qual o seu berço e capital.

E o seu Rei por onde andou?

Onde fica o seu final...

Não fica.

Aí se mostra invisível,

Como resposta a este mito,

O seu brilhante estratega,

Que é o vento infinito.

Tentes tu Homem pequeno

Nunca irás conceber,

Uma fonte que corre com o tempo

Até não mais se poder ver.

Parte IV. O sonho real

O fogo alude à guerra

A vida vive no ar.

Humanidade alude à terra,

A paz espera no Mar.

Homem pequeno

Fà-lo voar Deus!

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Poes

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Homem grande,

Mata-o, pois não existe.

E não preciso desse sonho,

Voar não me satisfaz,

Porque a nadar não existo triste.

E seja a Terra o Mundo onde Deus existe.

Sem o mar, está nu.

A mais crucial das suas vestes,

É este, o mar comum.

Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma

2012/2013

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Nas profundezas de um sentimentode Rafael Pereira

Navego hoje,

Mares conquisto,

Velejo nestas águas

Que revejo na minha mente.

Mar,

Azul de timidez,

Paraíso perfeito,

Amor que se aí fez.

Nestas paragens marítimas,

Encontro a tranquilidade que necessito,

Aceito a recusa.

Não há combate

Nesta guerra,

Guerra do amor...

Água salgada

Escorre no corpo,

Que já se lava,

Que já se sente...

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Poesia

No mar,

Verdade serena,

Amor confuso...

Reflexo espelhado,

Rouba coração

Lembrado,

Apaixonado,

Neste profundo azul.

Mar,

Lembra então algo sentido,

Desejo, sofrido...

Artigo no feminino

Antes de tal palavra,

Lembra então

Amar...

Sentimento escasso,

Concreto,

Sigiloso...

3º Lugar, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Quaresma2012/2013

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Fronteiras dO marde Francisco Afonso Rita

O mar é concretamente

Coisas várias, e uma só,

Ao mesmo tempo.

E sua água inspiramos

Num profundo mergulho

Até às profundezas da alma.

E nessas águas nos banhamos

De absoluta calma,

Nesse mundo mudo.

O Mar de inspiração é fonte

Onde fonte não existe.

Pois como o vento, não tem começo,

Nem final que se aviste.

Menção Honrosa, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Qua-resma2012/2013

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de Mariana Machado

A espera continua,

É como uma onda

Tão fria e matreira

Que não perde a oportunidade de pregar

A mortal rasteira.

E a espera continua, como sempre continuou.

Não se sabe o que o horizonte vai revelar,

Quando o sol doirado pousar

Sobre as ondas de prata

Onde peixes se misturam com o sal

E o sal com as lágrimas e as memórias,

Ambas vindas dos olhos de Portugal.

E os peixes nadam,

Nadam, continuam a nadar,

Tal como os ossos que já em pó permanecem a espe-rar.

Talvez um dia o horizonte solte

Os barcos perdidos,

Os amores rendidos à fortuna,

Ao poder

Que o mar tem sobre os perdidos.

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Poesia

E amor roubado pelas águas fundas e negras

Como os corações partidos,

As famílias incompletas

Os sonhos quebrados

Pisados pelas ondas e pela brisa,

Juntamente com os corpos pendidos,

As crianças adultas

Cuja infância foi lançada contra os penhascos rocho-sos,

A ambição de uma vida monótona,

Sem o sofrimento da insegurança permanente.

Mas ó mar,

Porque haverias tu de querer saber da gente?

Tens os peixes e as sereias,

As gaivotas e os setes ventos;

E tudo o que te damos,

São pedidos descontes e um novo mundo colorido

Que aos poucos ameaça destruir o teu reino inibido.

Sim, ó mar,

A nossa ganância contra o teu poder,

A tua majestosa indiferença contra a nossa ambição.

Mas ó mar, ó mar,

Meu amigo, amigo de Portugal,

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Poes

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És o espelho dos nossos sonhos

E tens nas tuas mãos de espuma o nosso bem e o nosso mal.

Que sem o mar de nada adianta ter o céu!

Menção Honrosa, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Qua-resma

2012/2013

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Poesia

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Fronteiras dO marde Filipa Alexandra Santos Teixeira

Mar que acalmas as minhas tormentas,

e areia que piso com convicção

Mar que trazes as ferramentas

E que mostras a solução.

Mar que me levas a pensar

no que eu posso vir a querer

Mar que acendes a minha chama

e as tuas ondas que me dão poder.

Mar que me levas ao pensamento

e que me ajudas na reflexão

a tua espuma dá-me alento

para resistir à tentação

Menção Honrosa, Concurso Literário Jogos Florais Amílcar Qua-resma2012/2013