SECO, L. - Lula e Pós-Neoliberalismo - Loncom Seco

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  • 7/25/2019 SECO, L. - Lula e Ps-Neoliberalismo - Loncom Seco

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    01/05/12 :: Le Monde Diplomatique Brasil ::

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    PARTIDOS POLTICOS

    A crise do PSDB

    O PT aumentou sua influncia na direita ao conquistar a confiana dos ricos com a promessa de no mexer nas fortunas e

    dos conservadores de baixa renda ao se comprometer com a reforma social. Mas foram os programas sociais que

    cimentaram a predominncia petista. Tal s ituao gerou uma crise colossal no PSDB e no DEM

    por Lincolm Secco

    Fundado em 1988, s vsperas da promulgao da Constituio, o PSDB era uma dissidncia esquerda do PMDBe contra as oligarquias decrpitas, como rezava seu programa poltico.

    Embora o smbolo partidrio fosse um tucano, para se aproximar de uma imagem naturalmente brasileira, o partidoapresentava orientao e pretenso social-democrata tipicamente europeia. Seu programa expressava uma levelinguagem socialista: A propriedade privada dos meios de produo constitui a base do s istema econmicobrasileiro, devendo ser garantida na medida em que atenda ao princpio da sua funo social e se harmonize com avalorizao do trabalho e do trabalhador. Nem por isto se pode desconhecer a multiplicidade das formas deorganizao da produo, mesmo no setor privado da economia, como o caso das formas cooperativistas, quemerecem reconhecimento e estmulo (Dirio Oficial da Unio, 6 jul. 1988).

    Embora o novo programa de 2007 apresente leve inclinao direita, ele s um programa. No Brasil, raramentesomos tentados a levar a srio o que os partidos escrevem. Em sua origem, o PSDB apresentava-se, em verdade,bifronte: uma face voltada questo social e social-democracia dos intelectuais que aderiam ao partido; outravoltada reforma do Estado e ao liberalismo desenfreado. Naquela poca se costumava dizer que um verdadeiroEstado social-democrata moderno (de terceira via laBlair) deveria ser economicamente mnimo e socialmentemximo. Era um prenncio da combinao de privatizaes de empresas estatais e polticas sociaiscompensatrias.

    O aglutinamento dos tucanos originais se deu tambm por questes meramente conjunturais. Lideranas paulistascomo Mrio Covas e Fernando Henrique Cardoso perdiam espao para Orestes Qurcia no PMDB e divergiam quantoao aumento do mandato do presidente Jos Sarney.

    A natureza bifronte do PSDB leva a uma infinda discusso sobre se ele nasceu neoliberal ou se tornou depois. Se ele

    estava no espectro de centro-esquerda ou j era de direita. A discusso perde sua importncia quando situamos aevoluo partidria na histria. Nenhum programa partidrio uma camisa de fora. Os tucanos apresentavam umconjunto de valores que os aproximava de parcelas do PT: uma direo com pessoas oriundas da luta (armada ouno) contra a ditadura; defesa da democracia; discurso contra a corrupo; modernizao do Estado.

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    preciso lembrar que, at 1994, setores (minoritrios) do PT (como Jos Genoino, Eduardo Jorge, Augusto deFranco) defenderam abertamente a aproximao com o PSDB e alguns at abandonaram o partido, apoiaram aideologia liberal e praticaram privatizaes como smbolo da modernizao do Estado. Esse foi o caso de AntonioPalocci como prefeito de Ribeiro Preto (mas no s ele).

    A tenso interna do PSDB levou, por outro lado, figuras gradas de sua direo a optar pela moda liberalizante quetomava conta da Amrica Latina j no mandato de Fernando Collor de Mello. sabido o quanto Mrio Covas atuoupara impedir a aproximao de Fernando Henrique Cardoso com o governo. Este teve a fortuna de s ser impelido

    para a mquina federal no governo de Itamar Franco. Ungido pela estabilizao monetria, fez-se presidente daRepblica.

    no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso que ocorreu a converso formal do PSDB ao neoliberalismo esua passagem direita. Primeiro ao aliar-se ao Partido da Frente Liberal (PFL) e, depois, ao comandar polticaspblicas de vis claramente privatista e liberalizante sem freios. verdade que, por ser um partido de estruturaorganizacional fraca (como revelou uma pesquisa de Celso Roma), a cpula pde impor seu liberalismo ao conjuntode um partido que acalentava valores originalmente de centro-esquerda.

    Ps-neoliberalismo

    O fracasso socialdo neoliberalismo aos olhos da maioria da populao latino-americana levou s sucessivas vitriasde candidatos de oposio, como Luiz Incio Lula da Silva. O que veio depois foi rotulado com o afixo ps, j queningum ousou definir um perodo que no idntico ao anterior, posto que dirigido por novas foras polticas; e quetambm no se apresentou como uma ruptura.

    Ao chegar ao governo, Lula encontrou problemas de vrias idades histricas que no podiam ser resolvidos por umasimples deciso poltica. Os dinamismos internos de uma economia estrutural e funcionalmente subordinada aocapital oligopolista internacional no podiam ser alterados a curto prazo.

    O ex-presidente foi sagaz o suficiente para manter o essencial da poltica econmica liberal do governo anterior,embora isso seja discutido ainda hoje. Ele herdou uma situao de grave dependncia externa do Brasil aos capitaisvolteis, ao mercado financeiro em geral e ao FMI. Como um lder operrio, ele provocava o medo dos investidores e a

    esperana de seus eleitores. Da seu lema: A esperana precisa vencer o medo. Mas essa dura realidade o obrigoua manter as metas de dficit primrio impostas pelo FMI e sacrificar investimentos sociais e recursos que deveriamser dirigidos reforma agrria, por exemplo. O que o Brasil pagou de juros da dvida interna infinitamente maior doque os gastos sociais que alaram a popularidade de Lula aos pncaros da glria eleitoral.

    Ass im, o PT se credenciou pela primeira vez a representar o povo em lugar de querer representar uma classe. Masno esqueceu os que mais precisam. Programas como Bolsa Famlia e ProUni se tornaram to importantes quanto agerao de emprego e salrio mnimo. O governo petista unificou os programas Bolsa Escola, Gs e Carto

    Alimentao j existentes. Mas eles atendiam 3,6 milhes de pessoas, enquanto Lula quase quadruplicou o nmerode beneficiados. Alm disso, suas polticas promoveram a habitao popular, o salrio mnimo, a predominncia damulher no acesso a benefcios estatais, a eletrificao rural e tantas outras medidas que compuseram uma redesocial ampla e reconhecida pela populao mais pobre.

    Mas note-se que, simultaneamente a tais polticas sociais, a primeira reforma importante que Lula fez no foi atributria, mas a da Previdncia. No visou confrontar o capital. Mas o trabalho. Tais tticas eram compreensveis.Um governo que pudesse causar temor nos investidores precisava ser mais realista que o rei e manter os juros altospara debelar a inflao que se anunciava.

    O movimento fundamental do governo Lula foi, portanto, o de amparar as classes desprotegidas sem incomodar asclasses de cima. Ao ser bem-sucedido no atendimento de carncias sociais bsicas e que custavam pouco, eleno deixou de alimentar a voracidade dos especuladores. Foi por isso que Lula e o PT passaram a ocupar um novoespao poltico ampliado esquerda e direita.

    Hegemonia

    No espectro esquerdista, o PT j havia obtido suas credenciais ao longo de vinte anos de hegemonia nos movimentossociais e nos principais sindicatos. No campo direitista, o partido aumentou sua influncia ao conquistar a confianados mais ricos com a promessa de no tomar medidas contra as grandes fortunas e dos conservadores de baixarenda ao se comprometer com a reforma social sem rupturas com a ordem. Ajudou-o nessa tarefa a proximidadecom valores conservadores catlicos e a aproximao mais recente com setores evanglicos. Mas foramespecialmente os programas sociais de Lula que cimentaram a predominncia do PT.

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    Tal situao gerou uma crise colossal no PSDB e, mais recentemente, no DEM (Democratas). Eles perderamespao programtico. Quando criticaram o Bolsa Famlia em 2006 como se fosse uma esmola para pessoas queno trabalham, eles s mantiveram o apoio dos setores mdios que j os apoiavam e perderam definitivamente apopulao mais pobre, que se viu ofendida e ameaada por um hipottico governo tucano. O DEM isolou-se naextrema direita ideolgica e abriu espao para que seus polticos descontentes e oportunistas buscassem no PSDde Gilberto Kassab uma sada eleitoralmente vivel.

    Se foi louvvel a atitude de lideranas democratas assumirem uma posio ideolgica explcita, elas cometeramsuicdio poltico a mdio prazo. O Brasil no gosta de extremos, mesmo direita. O DEM mimetizou um partidomontanhs(ainda que de sinal trocado) quando sua base no Congresso era opntano. Isso para remeter o leitor geografia poltica da Revoluo Francesa.

    Depois de 2006, a oposio a Lula cometeu seu segundo e mortal erro. Passou a criticar o PT por ter lhe roubadosua poltica econmica. Mais recentemente vimos uma retomada da mesma ladainha quando a grande imprensaligada ao PSDB atacou as privatizaes de aeroportos no governo Dilma Rousseff. Ora, nessa lgica de raciocnio,se o PT socialmentemais eficiente e ainda por cima mantm o que de melhor o PSDB tinha (a estabilidade damoeda), por que deveriam os eleitores escolher os tucanos?

    Se aprofundarmos o argumento, o prprio eleitorado tradicional dos tucanos deveria escolher o PT, j que a melhoriasocial dos mais pobres deveria lev-los a imaginar maior paz social. Mas claro que a poltica mais o reinoirracional da paixo do que da razo. Embora seja fundamentalmente o reino dos interesses materiais.

    O PSDB reduziu-se a umpartido de classe(mdia). Os grandes cartis e trustes no tm partido e apoiam qualquergoverno que no toque neles.

    O PT tentou firmar-se ao longo de sua histria como um partido de classe (trabalhadora, claro). E tornou-se umpartido de massas policlassista. J o PSDB, que recentemente props uma nova central sindical, fracassou nessecampo e era uma agremiao que tendia a ser um partido pega tudo. Hoje, o PSDB muito mais um partidoregionalmente concentrado no Sul, Sudeste e Centro-Oeste e socialmente baseado em reas de classe mdiatradicional, pequena burguesia do campo e clientela do agronegcio. Alm de ter algum respaldo na indstrianacional pequena e mdia e numa gigantesca massa de profissionais liberais do mundo corporativo, embora no defuncionrios pblicos. claro que me refiro s bases sociais, e no aos membros do partido.

    Curiosa inverso. Nas eleies para a prefeitura paulistana de 2012, o candidato do PT, Fernando Haddad, foiescolhido pela tradicional forma mexicana do dedao. Lula acabou com as prvias e imps seu candidato.Curiosamente, o PSDB resolveu fazer prvias para escolher seu candidato, ainda que elas tenham se tornadoincertas com a entrada de Jos Serra na disputa. Embora em 1992 o PSDB paulistano tivesse realizado prvias paraescolha de seu candidato prefeitura, o partido nunca teve instncias internas democrticas.

    Mas a inverso uma forma de aparncia. claro que o PT continua mais democrtico; tem maior vida interna forade perodos eleitorais; maior vnculo com movimentos sociais; e mais orgnico e ideolgico.

    Pequena poltica

    O PT exerce uma hegemonia aparente. No plano eleitoral, sua direo poltica parece imbatvel pelas razes jexpostas. Ele fez sacrifcios corporativos ao deixar de lado algumas demandas importantes dos movimentos sociaise sindicatos. Mas no em nome de alianas em torno de seu programa poltico. Logo, sua hegemonia no umadireo intelectual e moral sobre os aliados. Ele no mudou valores fundamentais e abdicou de uma grande poltica.

    Quando Antonio Gramsci falou em grande poltica, ele imaginava aes estratgicas que visavam mudar estruturasda sociedade civil. Mas ele tambm concebeu a possibilidade de um grupo fingir deter-se na pequena poltica(aquela dos cargos, das querelas parlamentares e das questes menores) para obrigar o adversrio a limitar oalcance estratgico de suas aspiraes. Ora, dizia Gramsci, isto , em verdade, fazer a grande poltica. Logo, estapode servir para manter intocadas as estruturas, e no para mud-las.

    A poltica do PT no governo no a do partido que se construiu por longos anos na luta social. bvio que muitacoisa que o PT queria se realizou ou tem sido feita. Mas basta pensar na tutela militar, na estrutura agrria, naigualdade de gneros no mercado de trabalho, no problema ambiental e na questo da Previdncia para lembrarmosdemandas radicais parcialmenteabandonadas pelo partido.

    Se no o PT, ento quem faz a grande poltica? Convido o leitor a imaginar quais grupos sociais se mantiveram

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    . ,achada. A novidade de nosso tempo que as classes dominantes (ou seus setores centrais) no aparecem nemprecisam ter seus interesses verbalizados pelos rgos de comunicao de massa ou partidos. melhor que noapaream, pois enquanto a polarizao poltica se estabelece em torno do PT, do apetite fisiolgico de seus aliadosno Congresso e da oposio, as autnticas polarizaes sociais adormecem sob uma democracia eleitoral que giraem falso e no muda a sociedade.

    claro que podemos invocar todas as inmeras diferenas entre Lula e Fernando Henrique Cardoso. E elas so reaise importantes. Mas a conciliao operada pelo petista s ter sucesso enquanto as lutas de classes puderem seramortecidas por crescimento econmico e benefcios sociais. Se os ganhos do pr-sal forem reais e s ignificativos, ahegemonia dos donos do poder econmico poder persistir intocada por muitos decnios, qualquer que seja ogoverno.

    Para os interesses imediatos dos mais pobres continuar sendo mais importante que esse governo seja do PT ou dealguma alternativa sua esquerda. Alm disso, no impossvel (embora seja improvvel) que a militncia petistavolte a ter algum poder de veto sobre a cpula partidria.

    O PSDB enquanto partido social-democrata j deixou a cena histrica. Seu futuro (assim como o do PT, claro)depender da disputa dos valores da nova classe trabalhadora (ou mdia?). Fernando Henrique Cardoso defendeu oabandono do povo em favor da velha classe mdia. E como bem sabe o socilogo da USP, no h escolha. Opovo que o abandonou h muito tempo.

    Lincolm Secco

    Professor de Histria Contemporana na Universidade de So Paulo e autor do livro Histria do PT (Ateli Editorial,Cotia-SP, 2011)

    Palavras chave: PSDB, partido, Brasil, eleio, eleitor, crise, poltica, liberalismo, ideologia, PT, DEM, conservadores, direita, Lula, PMDB,neoliberal, reforma, neoliberal, sociedade