Santos de Lemos, Mª.I. Estudo das argamasas Ammaia. 2011

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    Maria Ins Santos de Lemos Cardoso

    Licenciada em Conservao e Restauro

    Cidade Romana de Ammaia: estudo das

    argamassas

    Dissertao para obteno do Grau de Mestre emConservao e Restauro

    Orientador: Doutor Jos Miro, Professor Auxiliar,Universidade de voraCo-orientador: Doutora Maria Filomena Macedo Dinis,

    Professora Auxiliar, Faculdade de Cinciase Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa

    Co-orientador: Doutor Antnio Candeias, Professor Auxiliar,Universidade de vora

    Jri:

    Presidente: Prof. Doutora Ana Maria Martelo RamosArguente(s): Prof. Doutora Maria Amlia Alves Rangel Dionsio

    Vogal(ais): Prof. Doutor Jos Antnio Paulo MiroProf. Doutora Maria Filomena Macedo DinisProf. Doutor Antnio Jos Estevo Grande Candeias

    Novembro 2011

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    I

    Universidade Nova de Lisboa

    Faculdade de Cincias e Tecnologia

    Departamento de Conservao e Restauro

    CIDADE ROMANA DE AMMAIA:ESTUDO DAS ARGAMASSAS

    Maria Ins Santos Lemos Cardoso

    Dissertao de Mestrado em Conservao e Restauro

    rea de especializao: Pedra (argamassas)

    Orientador Cientfico:

    Professor Doutor Jos Antnio Paulo Miro

    Laboratrio HERCULES e Centro de Geofsica de vora Universidade de voraCo-orientador Cientfico:

    Professor Doutor Antnio Jos Estevo Grande Candeias

    Laboratrio HERCULES e Centro de Qumica de vora Universidade de vora / Laboratrio de

    Conservao e Restauro Jos de Figueiredo Instituto dos Museus e da Conservao

    Co-orientador cientfico:

    Professora Doutora Maria Filomena Macedo Dinis

    VICARTE - Departamento de Conservao e Restauro Faculdade de Cincias e Tecnologia

    Universidade Nova de Lisboa

    Presidente do Jri:

    Professora Doutora Ana Maria Martelo Ramos

    Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Cincias e Tecnologia

    Arguente:

    Professora Doutora Maria Amlia Alves Rangel Dionsio

    Universidade Tcnica de Lisboa, Instituto Superior Tcnico

    Novembro 2011

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    II

    CIDADE ROMANA DE AMMAIA:ESTUDO DAS ARGAMASSAS

    Copyright 2011

    Maria Ins Santos de Lemos Cardoso

    Faculdade de Cincias e Tecnologia/Universidade Nova de Lisboa

    Universidade Nova de Lisboa

    Direitos de cpia

    A Faculdade de Cincias e Tecnologia e a Universidade Nova de Lisboa tm o direito, perptuo e

    sem limites geogrficos, de arquivar e publicar esta dissertao atravs de exemplares impressos

    reproduzidos em papel ou de forma digital, ou por qualquer outro meio conhecido ou que venha a ser

    inventado, e de a divulgar atravs de repositrios cientficos e de admitir a sua cpia e distribuio

    com objetivos educacionais ou de investigao, no comerciais, desde que seja dado crdito ao autor

    e editor.

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    III

    Agradecimentos

    Na concretizao deste trabalho estiveram envolvidas vrias pessoas e instituies, s quaisexpresso o meu maior agradecimento: Fundao para a Cincia e Tecnologia,a bolsa de financiamento integrada no Projecto Ammaia-PTDC/HIS-ARQ/103227/2008; da Faculdade de Cincias e Tecnologia/Universidade Nova deLisboa, minha co-orientadora Professora Filomena Macedo, Professora Maria Joo Melo e AnaMaria Martins; do Laboratrio HERCULES/Universidade de vora, ao meu orientador ProfessorJos Miro e co-orientador Professor Antnio Candeias, Professora Cristina Dias, ProfessoraTeresa Ferreira, Professora Dora Teixeira, ao Doutor Nick Schiavon, Doutora Milene Gil, Doutora Patrcia Moita, Sara Valadas, Lcia Rosado, Lcia Tobias, ao Lus Dias, Rita VazFreire e ao Nuno Carrio; do Departamento de Geocincias/Universidade de vora, SandraVelez e ao Jorge Velez, do CIDEHUS/Universidade de vora, ao Professor Frank Vermeulen, Doutora Cristina Corsi, ao Joaquim Carvalho, Dulce Osrio, Valentina Castro, Madalena VazFreire, Sara Persichini, ao Nicola Shiavottiello e Helena Solano; da Fundao Cidade deAmmaia, ao Eng. Carlos Melancia, ao Professor Francisco Teixeira, Sofia Borges, ao Joo Aires,ao Bento Mota, ao Jorge Raposo e D. Mariana Trigueiro; da Universidade de Ghent/ProjectoRadio-Past, ao Devi Taelman; do Laboratrio Nacional de Engenharia Civil, ao Doutor AntnioSantos Silva e ao Professor Jos Delgado Rodrigues e da Nova Conservao, Lda., ao Nuno

    Proena, Ana Maria Moita, Marta Raposo, Carla Fouto e a toda a famlia NC.

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    Resumo

    A cidade romana de Ammaia (Marvo) considerada o testemunho mais importante da presena

    romana no distrito de Portalegre e a nica cidade conhecida na regio. De acordo com as evidncias

    histricas e arqueolgicas, a Ammaia ter sido edificada no sculo I a.C, atingindo o seu auge na

    segunda metade do sculo I at ao final do sculo II, como um importante centro urbano da Lusitnia.

    Neste trabalho foram analisadas as 19 argamassas de assentamento e revestimento das estruturas

    de alvenaria da Torre Oeste (Porta Sul), da rea habitacional junto Torre Oeste, do macellum, do

    peristylium, das termas, do podiumdo templo e do prtico do frum. A metodologia de caracterizao

    qumica, mineralgica e microestrutural das argamassas envolveu diversas tcnicas complementares,

    tais como, a estereomicroscopia, difraco de raios-X, anlise termogravimtrica e anlise trmica

    diferencial, microscopia electrnica de varrimento com espectroscopia de raios X dispersiva de

    energia acoplada e colorimetria. Os resultados indicam que as argamassas correspondentes ao incio

    da edificao da cidade eram essencialmente constitudas por terra. Posteriormente, as argamassaspassaram a ser constitudas por ligantes calcticos, no correlacionveis com a geologia local. As

    argamassas de revestimento do tanque e do pavimento do templo incluem fragmentos cermicos

    cocciopesto na sua composio, conforme preconizado por Vitrvio, nos livros De Architectura. As

    amostras com ligantes que se relacionam com a geologia local, provavelmente, so posteriores

    ocupao romana. Do presente estudo resultaram informaes relevantes sobre a evoluo

    tecnolgica da construo romana, a provenincia das matrias-primas, o contexto histrico das

    estruturas arqueolgicas e linhas de orientao para a conservao e restauro das argamassas.

    Palavras-chave:Ammaia; argamassas romanas; conservao; DRX; ATG; MEV-EDX.

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    Abstract

    The roman city ofAmmaia(Marvo) is considered the most important evidence of the roman presence

    in the district of Portalegre and the only known city in the region. According to the historical and

    archaeological evidence, Ammaia has been established in the first century BC, being on its prime

    between the second half of the first century and the end of the second century, as an important urban

    centre of Lusitania. In this work, 19 masonry mortars and renders from the West Tower (South Gate),

    the residential area near the West Tower, the macellum, the peristylium, the public bath building, the

    podium of the temple and the portico of the forum were analyzed. The methodology of chemical,

    mineralogical and microstructural characterization has involved several complementary techniques,

    such as stereomicroscopy, X-ray diffraction, thermogravimetric analysis and differential thermal

    analysis, scanning electron microscopy with an energy-dispersive X-ray spectroscopy and colorimetry.

    The results indicate that the mortars from the beginning of the town edification were mainly composed

    of soil. Later, mortars began to be composed by calcitic binder, not correlated with the local geology.The renders from the tank and the temple floor include crushed ceramic - cocciopesto, as

    recommended by Vitruvius in De Architecturabooks. The samples with binders that correlate with the

    local geology are likely from a period posterior to the Roman occupation. From the present study

    resulted relevant information about the technological evolution of the roman construction in Ammaia,

    the source of raw materials, the historical context of the archaeological structures and guidelines for

    mortars conservation and restoration.

    Keywords: Ammaia; roman mortars, conservation, XRD, TGA, SEM-EDS.

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    ndice

    1. Introduo.................................................................................................................................................... 1

    2. Metodologia ................................................................................................................................................. 5

    2.1. Em campo - amostragem ..................................................................................................................... 5

    2.1.1. Caracterizao dos parmetros termohigromtricos durante a amostragem............................... 5

    2.1.2. Colorimetria ................................................................................................................................... 5

    2.1.3. Determinao da actividade da gua............................................................................................ 5

    2.2. Em laboratrio ...................................................................................................................................... 6

    2.2.1. Observao visual e preparao das amostras............................................................................ 6

    2.2.2. Determinao da proporo fraco solvel:resduo insolvel, anlise granulomtrica e

    observao lupa binocular do resduo insolvel .................................................................................. 6

    2.2.3. Difraco de raios X...................................................................................................................... 7

    2.2.4. Anlise termogravimtrica e anlise trmica diferencial ............................................................... 72.2.5. Estereomicroscopia (lupa binocular) superfcies polidas........................................................... 7

    2.2.6. Microscopia electrnica de varrimento com espectroscopia de raios X dispersiva de

    energia acoplada ................................................................................................................................... 10

    3. Resultados e discusso............................................................................................................................. 11

    3.1. Amostragem....................................................................................................................................... 11

    3.1.1. Caracterizao dos parmetros termohigromtricos durante a amostragem............................. 11

    3.1.2. Colorimetria................................................................................................................................. 11

    3.1.3. Determinao da actividade da gua.......................................................................................... 12

    3.2. Resultados laboratoriais..................................................................................................................... 13

    3.2.1. Observao das amostras vista desarmada e por lupa binocular........................................... 13

    3.2.2. Determinao da proporo fraco solvel:resduo insolvel, anlise granulomtrica e

    observao lupa binocular do resduo insolvel................................................................................ 13

    3.2.3. Difraco de raios-X.................................................................................................................... 15

    3.2.4. Anlise termogravimtrica e anlise trmica diferencial............................................................. 16

    3.2.5. Estereomicroscopia (lupa binocular) ........................................................................................... 19

    3.2.6. Microscopia electrnica de varrimento e com espectroscopia de raios X dispersiva de

    energia acoplada................................................................................................................................... 19

    3.2.7. Composio simplificada das argamassas................................................................................. 21

    3.3. Apreciao geral dos resultados........................................................................................................ 22

    4. Concluso e trabalhos futuros................................................................................................................... 25

    Referncias bibliogrficas ............................................................................................................................. 27

    Anexos........................................................................................................................................................... 29

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    ndice de figuras

    Figura 1. 1. Vista geral das diferentes estruturas arqueolgicas presentes na cidade romana de

    Ammaia.................................................................................................................................................... 2

    Figura 3. 1. Projeco bi e tridimensional das coordenadas L*, a* e b* das amostras de argamassas.

    ............................................................................................................................................................... 12Figura 3. 2. Registo da interaco entre a temperatura e a actividade da gua para as amostras de

    argamassas. .......................................................................................................................................... 12Figura 3. 3. Registo da relao entre a fraco solvel e o resduo insolvel...................................... 14Figura 3. 4. Exemplos dos minerais e fragmentos cermicos presentes no resduo insolvel,

    observados lupa binocular. ................................................................................................................ 15Figura 3. 5. Exemplos de termogramas representativos das fraces globais das argamassas, nos

    quais se assinalam as perdas de massa significativas correspondentes a: a) gua de adsoro e

    calcite exemplo: AM29, b) gua de adsoro, calcite e magnesite ex: AM33................................ 18Figura 3. 6. Aspecto geral das argamassas nas quais se evidencia a tonalidade clara/amarelada dos

    ligantes, a heterogeneidade dos agregados em AM23 quartzo hialino (1) e feldspato ou quartzo

    leitoso (2), a presena de fragmentos cermicos (AM28) e de ndulos de cal (AM32). ...................... 19Figura 3. 7. Fraco solvel versus teor de massa perdida entre 200-650C (excluindo a eventual

    presena de magnesite e hidromagnesite), referente fraco global das amostras analisadas por

    ATG/ATD. .............................................................................................................................................. 22

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    ndicedetabelasTabela 2. 1. Registo da identificao das amostras de argamassas da Cidade Romana de Ammaia

    consideradas no presente estudo. .......................................................................................................... 8

    Tabela 3. 1. Registo da composio mineralgica das argamassas por DRX..................................... 15

    Tabela 3. 2. Registo das perdas de massa (%) das argamassas analisadas por ATG/ATD, razo

    CO2/H2O e os teores de hidromagnesite, magnesite e de calcite. ....................................................... 18Tabela 3. 3. Registo da composio simplificada das amostras de argamassas (massa %). ............. 21

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    1. Introduo

    Os vestgios da cidade romana de Ammaia localizam-se no Parque Natural da Serra de So

    Mamede, no vale frtil de So Salvador de Aramenha, (Marvo, Portalegre, Alto Alentejo), na margem

    esquerda do rio Sever, dispersando-se numa rea superior a 25 hectares. A Ammaia considerada o

    testemunho mais importante da presena romana no distrito de Portalegre e a nica cidadeconhecida na regio. Alm disso, uma das poucas cidades romanas que no sofreu efeito da

    contnua reutilizao do espao em pocas posteriores, tornando-se, assim, relevante no panorama

    da arqueologia romana, pois so raros os stios onde possvel a sua escavao e estudo integrais.

    De acordo com evidncias arqueolgicas [1 - 3], possvel que os primeiros vestgios da ocupao

    romana da cidade da Ammaiadatem do sculo I a.C.. A sua posio favorvel dentro da provncia

    romana da Lusitnia, na juno de vrias estradas principais e a abundncia de gua, contribuiu para

    que a Ammaia se tornasse numa prspera cidade. A primeira fase da monumentalizao poder

    relacionar-se com a aquisio do estatuto de Civitas pela Ammaia, em 44-45 A.D. (poca do

    imperador Cludio), ou de Municipium, j no perodo Flvio (69-79).

    A cidade no ter sido definitivamente abandonada antes do sculo VII, mas, possvel que este

    processo tenha comeado muito mais cedo em vrios sectores urbanos (cerca do sculo IV-V) [2, 3].

    No sculo IX ter sido alvo da ateno de Ibn Marun, influente e poderoso muladique se intitulou

    senhor de Ammaia, a das runas.

    Progressivamente, desta cidade saram muitas pedras que edificaram grande parte das povoaes

    vizinhas - Marvo, Castelo de Vide, Portalegre, Escusa.

    At ao momento no foram detectados vestgios de ocupao posterior, com a excepo de algumas

    exploraes agrcolas. S no sculo XX se esclareceu a dvida relativa localizao da Ammaia, em

    S. Salvador da Aramenha, e no em Portalegre. Em 1949 a cidade romana classificada como

    Monumento Nacional sem que da resultasse qualquer medida de proteco ou valorizao efectiva,

    permanecendo esquecida por mais 45 anos.

    Em 1994, a aquisio dos terrenos e a constituio da Fundao Cidade de Ammaiapromoveram a

    realizao de escavaes arqueolgicas, do levantamento topogrfico, do inventrio e salvaguarda

    deste patrimnio [3]. A estas iniciativas, associaram-se as Universidades de vora, Universidade

    Tcnica de Lisboa, de Ghent (Blgica) e de Cassino (Itlia), materializada no Projecto Ammaia. Uma

    Aco concertada de Arqueologia, Cincias Naturais e Tecnologias Aplicadas para contextualizar

    uma Cidade Romana, bem como no Projecto Radio-Past [4]; este ltimo procura estabelecer umaabordagem no destrutiva de stios arqueolgicos complexos e avaliar as possibilidades da

    aplicao de tcnicas de geofsica no local, as quais se revelaram de grande sucesso relativamente

    localizao e mapeamento de diversas estruturas enterradas na actual paisagem rural [1, 4].

    As escavaes arqueolgicas iniciaram-se em 1994 e incidiram nos locais onde eram visveis

    vestgios indicativos da presena de estruturas arqueolgicas enterradas. As principais construes

    at agora detectadas compreendem diversos exemplos de arquitectura civil, religiosa e militar

    romana, entre as quais se destacam (Figura 1.1.):

    partes da muralha da cidade;

    a Porta Sul, que compreende a base de duas torres e uma praa pblica monumental dividida

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    simetricamente pelo decumanus maximus(que prosseguia em direco ao forum);

    vestgios de uma habitao (macellum, eventual tabernae, edifcio adjacente Torre Este);

    o macellum(eventual mercado) e peristylium(prximos da Porta Sul);

    o edifcio pblico das termas, que inclui o tepidarium, uma natatio, uma estrutura que

    possivelmente poderia ter constitudo uma rea coberta virada para o exterior colunata(com acesso natatio), entre outras estruturas com possvel funo de condutas de gua;

    vestgios do forum, que compreende o podiumde um templo, rodeado pelas paredes de um

    porticuse cryptoporticus;

    sob o edifcio da Quinta do Deo (actual Museu), detectaram-se ainda vestgios de vrias

    estruturas habitacionais (rea urbana interior muralha), que podero ter sido ocupadas at

    aos sculos IV-V.

    Figura 1. 1. Vista geral das diferentes estruturas arqueolgicas presentes na cidade romana deAmmaia.

    A generalidade dos referidos edifcios encontra-se em mau estado de conservao, salientando-se,

    como principais formas de alterao e degradao dos materiais construtivos, as fracturas, o

    desnivelamento dos blocos ptreos e as juntas no-funcionais (por se encontrarem abertas/sem

    material de preenchimento, ou pela desagregao das argamassas). Em muitos casos, j se verificaa ocorrncia de desmoronamentos e queda dos blocos, contribuindo assim para a instabilidade

    estrutural das runas arqueolgicas. Por outro lado, tambm a proliferao da colonizao

    biolgica/vegetao contribui para o aumento da fragilidade das estruturas, permitindo a

    infiltrao/circulao pelo seu interior das guas pluviais. Consequentemente, decorre a lixiviao

    continuada dos ligantes e a alterao dos minerais constituintes das pedras/argamassas, contribuindo

    para a sua perda de coeso/desagregao. Para alm destas, tambm a aco humana se revelou

    um factor de degradao relevante, com consequncias negativas e irreversveis, decorrentes do

    desaparecimento de inmeros blocos de pedra que foram aproveitados para a construo de vrias

    edificaes circundantes [5].

    Porta Sul (Torre Oeste) Praa monumental Macellum Peristylium

    Termas Termas(natatio/tepidarium?)

    Forum Templo(podium)

    Forum porticus

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    Uma das tarefas previstas no anteriormente mencionado Projecto Ammaia consiste no estudo

    material das argamassas histricas, tema que, cada vez mais, tem sido alvo da ateno dos diversos

    profissionais envolvidos na salvaguarda do patrimnio arquitectnico, salientando-se os estudos das

    argamassas romanas em territrio nacional - Beja (Pises), Tria, Mrtola, Conmbriga, S. Cucufate

    [6 - 10].As argamassas so materiais de construo que resultam da mistura de um ou mais ligantes,

    agregados, gua e, eventualmente, aditivos, a qual forma uma pasta capaz de endurecer em

    ambientes mais ou menos hmidos, podendo ser aplicados desde o assentamento dos blocos de

    pedra constituinte de alvenarias, at ao revestimento das mesmas. O estudo material das

    argamassas histricas poder ser revelador do conhecimento e evoluo das tecnologias de

    construo/produo artstica prprios de uma sociedade, bem como, da sua relao com o meio

    envolvente, ou seja, da deciso sobre as diferentes matrias-primas a utilizar, a sua proporo e o

    modo como as preparaes/composies poderiam variar de acordo com a funo da argamassa na

    estrutura arquitectnica e a prpria importncia social desta ltima. Alm disso, tambm fornecem

    informaes sobre eventuais intervenes de reabilitao/restauro que as construes possam ter

    sofrido ao longo do tempo.

    O estudo material das argamassas da Ammaia iniciou-se em Julho de 2010, realizado por

    investigadores do Laboratrio HERCULES, versando sobre as argamassas de assentamento da

    Porta Sul e no podiumdo templo, bem como, outras recolhidas pela equipa de Arqueologia no prtico

    do forum. Nesta primeira fase [11], na composio de algumas argamassas detectaram-se elevadas

    propores de minerais argilosos (ou seja, no foi detectada a presena de calcite), para alm de no

    ter revelado indcios da presena de dolomite e/ou magnesite, que seria esperado encontrar pois, na

    Carta Geolgica da regio, referida a presena de calcrios dolomticos e dolomitos da Escusa [12

    14]; por outro lado, nem todas as propores da fraco solvel:resduo insolvel eram compatveis

    com outros estudos sobre argamassas romanas em Portugal [6 - 10] nem com o preconizado por

    Vitrvio (Livro II, captulo V) [15].

    Deste modo, foi proposta a realizao de uma segunda fase de amostragem, a qual se concretizou

    em Fevereiro de 2011, e cujos resultados se apresentam no presente trabalho. Nesse segundo

    momento, procedeu-se recolha de argamassas de assentamento em alguns locais j anteriormente

    estudados Porta Sul (Torre Oeste), na rea habitacional (sob o lajedo) junto Torre Oeste, no

    podium do templo e no prtico do frum, e tambm no macellum e nas termas; alm destas,recolheram-se argamassas de revestimento da coluna do peristylium, do interior do tanque (termas) e

    do pavimento do templo. A metodologia utilizada na caracterizao qumica, mineralgica e

    microestrutural das argamassas teve por base a que tem vindo a ser desenvolvida pelo LNEC desde

    1999 [16], e aplicada em diversos casos de estudo (salientando-se os anteriormente citados [6 - 10]),

    a qual compreendeu o recurso a um conjunto de tcnicas complementares, destacando-se a

    difraco de raios-X (DRX), a anlise trmica (ATG/ATD), a determinao da proporo da fraco

    solvel:resduo insolvel, a observao dos agregados lupa binocular, a microscopia ptica e a

    microscopia electrnica de varrimento com espectroscopia de raios-X dispersiva de energia acoplada

    (MEV-EDX).

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    Com o objectivo de relacionar as matrias-primas das argamassas com as dos materiais disponveis

    no local, ainda nesta fase do estudo foram analisadas, atravs do MEV-EDX, as amostras de rochas

    provenientes da unidade de calcrios dolomticos aflorante na Escusa, Olhos de gua e Porto da

    Espada [12], da cal proveniente dos fornos da Escusa e de Porto da Espada, bem como, amostras de

    argamassas de assentamento constituintes das estruturas de alvenaria dos fornos de cal dos Olhosde gua.

    Deste modo, esperado que a referida caracterizao das argamassas de assentamento e

    revestimento que ainda se encontram nas estruturas arqueolgicas da Ammaia, juntamente com as

    amostras provenientes dos afloramentos e fornos da cal, contribua para o aprofundamento dos

    conhecimentos sobre:

    A identificao dos materiais constituintes das argamassas (ligantes, agregados, aditivos), a

    sua proporo e provenincia das matrias-primas utilizadas na sua preparao.

    As tcnicas de produo das argamassas.

    A eventual ocorrncia de variaes na composio das argamassas de acordo com a funo

    que desempenham na estrutura arquitectnica e se essas diferenas tambm ocorrem por

    tipologia de edifcio consoante a sua importncia social.

    Apoiar a Arqueologia na definio dos diferentes perodos de construo das estruturas em

    estudo.

    Melhorar o conhecimento dos processos de alterao e degradao das argamassas, e

    tambm que os resultados deste estudo possam ser utilizados como apoio deciso da

    equipa de conservadores-restauradores na seleco e preparao de argamassas de

    restauro, assegurando a compatibilidade entre estas e as pr-existentes [17].

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    2. Metodologia

    A metodologia de caracterizao das argamassas compreendeu as seguintes etapas:

    2.1. Em campo - amostragem

    De modo a preparar o trabalho de campo, efectuaram-se visitas ao local e, em conjunto com osdiferentes membros da equipa multidisciplinar (arquelogos, conservadores, gelogos, qumicos),

    definiram-se os objectivos do estudo, os locais de amostragem, bem como os ensaios a realizar, no

    s em campo, como posteriormente em laboratrio. Neste processo houve o cuidado de recolher

    amostras em quantidade/dimenso, de modo a obedecer aos requisitos de conservao das

    estruturas e minimizao do impacto estrutural e esttico do conjunto. Por outro lado, recolheu-se

    amostra em quantidade/dimenso suficiente para garantir a sua representatividade, o cumprimento

    dos objectivos da caracterizao e o sucesso das anlises a efectuar, bem como para a criao de

    reserva para eventuais estudos futuros. Procurou-se efectuar a recolha em locais no interior das

    estruturas, os quais se considera terem sido menos afectados por potenciais contaminaes. O

    resumo da segunda fase da amostragem apresenta-se na tabela 2.1. A recolha das argamassas de

    assentamento foi realizada com recurso a escopros de diferentes dimenses e maceta; as amostras

    recolhidas foram colocadas em embalagens de plstico transparentes, devidamente identificadas. O

    processo de amostragem foi acompanhado por registo fotogrfico (Nikon Coolpix).

    2.1.1. Caracterizao dos parmetros termohigromtricos durante a amostragem

    No momento da recolha das amostras procedeu-se medio da temperatura e humidade relativa do

    ar atravs de um termohigrmetro Hydrologda Rotronic.

    2.1.2. Colorimetria

    Ainda em campo, as amostras foram alvo de uma caracterizao colorimtrica preliminar. A

    colorimetria uma tcnica de caracterizao til, na medida em que permite uma leitura rigorosa,

    quantitativa, dos parmetros colorimtricos que definem a cor do substrato. Para a caracterizao

    colorimtrica, foi utilizado um espectrofotmetro porttil Minolta Spectrophotometer CM-508i. O

    modelo colorimtrico usado neste trabalho foi o modelo CIELAB que constitudo por trs

    parmetros, a luminosidade L* e duas coordenadas cromticas, a* (componente vermelho verde) e

    b* (componente amarelo azul); utilizou-se o iluminante D65, que reproduz a luz de dia, e o ngulode observao de 10 numa rea de medio cerca de 8 mm.

    2.1.3. Determinao da actividade da gua

    Durante a recolha das amostras efectuou-se a determinao da actividade da gua (Aw), com

    recurso ao aparelho Hygropalm AW1 da Rotronic no dia da recolha das amostras, uma vez que a

    proliferao de microrganismos (algas, fungos, lquenes e cianobactrias) num dado substrato

    depende da actividade da gua, isto , da gua livre no substrato.

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    2.2. Em laboratrio

    A metodologia de caracterizao qumica, mineralgica e microestrutural apresenta-se de uma forma

    esquemtica no anexo I, bem como o tipo de informaes que resultam da sua aplicao.

    2.2.1. Observao visual e preparao das amostrasEsta fase preliminar compreendeu a realizao do registo fotogrfico de todas as amostras (mquina

    fotogrfica Canon PowerShot SX100 IS), a sua observao a olho nu e atravs da lupa binocular

    (Leica M205C, com aquisio de imagem pela cmara fotogrfica Leica DFC290HD). As amostras

    foram secas a 35C, durante 12 horas. Aps o arrefecimento em exsicador, procedeu-se limpeza de

    cada amostra, com recurso a escovas/pincis e bisturi para remoo de sujidades, tais como,

    vestgios de terras e colonizao biolgica.

    Para a caracterizao qumica e mineralgica, procedeu-se desagregao de cada amostra, com

    recurso a martelo de borracha, apenas para separar ligeiramente os agregados do ligante (evitando a

    fractura destes ltimos). Nesta fase registou-se qualitativamente a resistncia mecnica da

    argamassa aco do referido martelo. Aps a desagregao, procedeu-se separao de cada

    amostra em fraces, de acordo com o nmero/tipo de tcnicas a aplicar: determinao do resduo

    insolvel e posterior anlise granulomtrica dos agregados (amostra desagregada), determinao das

    fases presentes por DRX e ATG/ATD na totalidade da argamassa (fraco global), identificao e

    descrio das cores das fraces fina e global (infra 125 m para ambas as fraes), no estado seco,

    atravs da Munsell Soil Colour Chart (1992), com designao em ingls e portugus [18]; o

    excedente ficou em reserva.

    Com vista caracterizao por MEV-EDX, seleccionaram-se pequenos fragmentos representativos

    de algumas das amostras (AM9B, AM23, AM28, AM29, AM32, AM33, AM34b). Estes foram

    impregnados/consolidados com resina epxida (EpoFix Resine EpoFix Hardener, Struers), conforme

    indicao do fabricante; a impregnao foi realizada sob vcuo, com recurso a cmara de vcuo

    Epovac, Struers (AM28, AM29, AM9B, AM32, AM33, AM34b) e presso e temperatura ambientes

    (AM23, AM34b). Aps a resina endurecer, procedeu-se ao desgaste mecnico da superfcie,

    utilizando uma pasta de carbeto de silcio (SiC), com diferentes granulometrias (da mais grosseira

    #240 para a mais fina #400); seguindo-se o polimento, com o auxlio da polidora RotoPol 35, Streurs,

    at se obter uma superfcie polida para caracterizao por estereomicroscopia e MEV-EDX.

    2.2.2. Determinao da proporo fraco solvel:resduo insolvel, anlise granulomtrica e

    observao lupa binocular do resduo insolvel

    Na totalidade das amostras desagregadas realizaram-se ataques com cido clordrico 37% pro

    analysis (concentrao 1:3 v/v, a quente, em triplicado) e filtrao sob vcuo, de modo a obter a

    separao entre o resduo insolvel e a fraco solvel. O resduo insolvel, depois de vrias

    lavagens com gua destilada, foi seco (em estufa, a 100C). Aps estabilizao do peso, o resduo

    insolvel foi pesado, correspondendo ao teor em agregados no carbonatados, segundo a

    metodologia desenvolvida por Jedrzejewska [19]. A anlise granulomtrica obteve-se atravs da

    peneirao do resduo insolvel (massa de material retida nos peneiros ASTM E11, dimetro 100 mm

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    x 40 mm, de malha quadrada com as seguintes dimenses: 4, 2, 1, 0,500, 0,250, 0,125 e 0,063 mm).

    Posteriormente, procedeu-se observao das diferentes fraces do resduo insolvel lupa

    binocular (Leica M205C, com aquisio de imagens com cmara fotogrfica Leica DFC290HD), de

    modo a determinar a sua cor, morfologia e identificar os minerais presentes, pelo menos nas fraces

    mais grosseiras; a existncia de fragmentos de rocha tambm foi registada. A fraco solvelcorresponder ao teor em ligante carbonatado, no qual tambm eventualmente estaro presentes

    sais solveis (a anlise qumica da fraco solvel realizar-se- numa fase posterior da investigao).

    2.2.3. Difraco de raios X

    A difraco de raios-X (DRX) permitiu determinar a natureza mineralgica dos constituintes das

    argamassas. Para tal, procedeu-se moagem da fraco global, que se fez passar por um peneiro

    manual, de malha 125 m. Os difractogramas foram realizados num difractmetro de raios-X, Bruker

    AXS-D8 Advance (Bruker AXS Inc, Madison, USA), utilizando radiao Cu K (= 0,1540598 nm),

    nas seguintes condies de ensaio: varrimento entre 3 a 75 2; velocidade de varrimento de 0,05

    2/s; tenso de acelerao de 40 kV e corrente de filamento de 30 mA.

    2.2.4. Anlise termogravimtrica e anlise trmica diferencial

    As anlises termogravimtrica e trmica diferencial (ATG/ATD) contriburam para a determinao da

    natureza do ligante e da proporo de carbonatos constituintes do ligante; em conjunto com o resduo

    insolvel, permitiu o clculo da fraco solvel e, consequentemente, para a definio da proporo

    ligante:agregado:fraco solvel. Para esta anlise recorreu-se poro da fraco global utilizada

    na DRX das amostras identificadas no anexo II. Salienta-se que se analisaram ainda duas amostras

    recolhidas na primeira fase de amostragem, AM2 e AM9, cujos resultados obtidos conduziram

    repetio da recolha e comparao com AM23 e AM9B, respectivamente. Assim sendo, foi utilizado

    um sistema de anlise trmica SETARAM TG-DTA, sob atmosfera inerte (rgon 3 l/h), com uma

    velocidade de aquecimento uniforme de 10C/min, desde a temperatura ambiente at 1000 C. A

    derivada da curva de termogravimetria (DTG) permitiu um maior rigor na determinao das

    temperaturas de decomposio de alguns dos compostos presentes. A ATD permitiu separar as

    reaces endotrmicas das exotrmicas.

    2.2.5. Estereomicroscopia (lupa binocular) superfcies polidas

    A observao das amostras lupa binocular permite caracteriz-las relativamente sua cor, tipo,

    morfologia e dimenso dos agregados, a eventual presena de aditivos, ndulos de cal, porosidade,

    texturas, camadas constituintes, estado de conservao (grau de coeso, adeso, presena de

    fissuras, colonizao biolgica, entre outros). Para a observao e registo fotogrfico das superfcies

    polidas recorreu-se lupa binocularLeica M205C, com aquisio de imagens com cmara fotogrfica

    Leica DFC290HD.

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    2.2.6. Microscopia electrnica de varrimento com espectroscopia de raios X dispersiva de energia

    acoplada

    As superfcies polidas das amostras AM23, AM28, AM32 e AM34b foram recobertas com carbono e

    observadas num microscpio electrnico de varrimento HITACHI 3700N; a composio qumica foi obtida

    atravs de microanlise de raios X por disperso de energia, num espectrmetro Bruker Xflash 510SDD.

    Esta tcnica permite caracterizar os constituintes das argamassas (ex: tipo de ligante, eventual presena

    de terra, composio e morfologia dos constituintes), bem como determinar compostos que decorram das

    reaces pozolnicas e a sua localizao, produtos de alterao/degradao, entre outros compostos

    minoritrios que no tenham sido detectados pelas restantes tcnicas. Para alm das argamassas da

    Ammaia, tambm no MEV-EDX se analisaram amostras de rochas provenientes dos afloramentos de

    calcrios dolomticos da Escusa (A1), Olhos de gua (A5) e Porto da Espada (A7), bem como de cal

    proveniente dos fornos da Escusa (A9) e de Porto da Espada (A6) e amostras de argamassas de

    assentamento constituintes das estruturas de alvenaria dos fornos de cal dos Olhos de gua (A3 parede exterior de reforo, construo mais recente, e A4 parede interior, construo mais antiga), no

    s para determinar a presena de magnsio (cujos compostos no foram detectados pela DRX na

    primeira fase de amostragem), mas tambm o modo como este se liga ao clcio (atravs da realizao

    de mapas de distribuio dos elementos).

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    3. Resultados e discusso

    3.1. Amostragem

    A descrio de cada uma das amostras quanto sua provenincia, enquadramento histrico, funo na

    estrutura arquitectnica, cor, caracterizao dos agregados, resistncia mecnica, presena de aditivos,

    entre outros aspectos relevantes, encontra-se na tabela 2.1. A localizao das amostras recolhidas nas

    duas fases de amostragem est registada no anexo III. Nesta fase do estudo material, procedeu-se

    recolha de amostras de argamassas de assentamento, constituintes das alvenarias estruturais da Torre

    Oeste - Porta Sul (AM23), da eventual rea habitacional prxima desta Torre (AM24), do macellum

    (AM25 e AM26), das termas (AM29, AM30, AM31A e AM31B), do podiumdo templo (AM32) e do prtico

    do frum (AM35 e AM36); alm destas, tambm foram alvo de amostragem as argamassas de

    revestimento da coluna do peristylium(AM27), do pano interior do tanque sobre o qual assentam placas

    de mrmore (AM28) e do revestimento preparatrio do pavimento do podiumdo templo (AM33, AM34a e

    AM34b). As amostras recolhidas enquadram-se desde o sculo I a.C, possivelmente do incio dafundao da cidade, at o final da ocupao romana (final do sculo V), havendo possibilidade de

    algumas datarem do perodo islmico/Alta Idade Mdia (AM23) ou corresponderem a uma possvel

    interveno de reabilitao realizada no sculo XVII (AM27). Os referidos edifcios tero tido uma funo

    pblica, com excepo da rea habitacional e do macellum- este ltimo, numa fase posterior ocupao

    romana (islmica?), que poder ter sido reutilizado como espao privado.

    3.1.1. Caracterizao dos parmetros termohigromtricos durante a amostragem

    No intervalo entre as 10h e as 14h em que decorreu a amostragem (Fevereiro, 2011) registou-se a

    seguinte variao dos parmetros termohigromtricos do ar, na estao arqueolgica: T=16C / HR=61%e T=22C / HR=37%.

    3.1.2. Colorimetria

    A primeira abordagem cor das argamassas foi feita visualmente e por meio de leituras colorimtricas in

    locodurante a recolha de amostragem. Na figura 3.1., apresenta-se o resultado das primeiras leituras de

    carcter preliminar. Devido ao conjunto de variveis no controlveis - tais como, as variaes das

    condies termo-higromtricas que influem no estado hdrico das argamassas, assim como o estado de

    conservao, as heterogeneidade e irregularidades das superfcies medidas - no foi possvel, neste

    momento, proceder a comparaes seguras. Este ensaio serviu essencialmente para atestar as

    dificuldades e potencialidades deste tipo de exame ao universo em estudo. Contudo, retiram-se algumas

    concluses que, no futuro, devero ser confirmadas, tais como:

    De um modo geral, as argamassas possuem um grau de amarelo superior ao vermelho (b*: 10 e

    25 / a*: 4 e 13), com excepo das amostras AM24 e AM 27. A tonalidade mais avermelhada de

    AM24 (a*: 12.7) poder dever-se ao seu teor em terra vermelha. Por outro lado, a AM27 destaca-

    se do conjunto por ser a amostra mais escura (

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    Figura 3. 1. Projeco bi e tridimensional das coordenadas L*, a* e b* das amostras de argamassas.

    3.1.3. Determinao da actividade da gua

    A actividade da gua das amostras recolhidas varia entre 0,358 (AM28) e 1 (AM25). O crescimento de

    microrganismos possvel se 0,6>Aw

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    3.2. Resultados laboratoriais

    3.2.1. Observao das amostras vista desarmada e por lupa binocular

    Na figura IV.1. do anexo IV encontra-se o registo fotogrfico e das observaes lupa binocular das

    amostras. De acordo com a Munsell Soil Color Chart, as cores da fraco fina das amostras varia entre

    os tons very pale brown (pardo muito plido) AM23, AM26, AM27, AM29, AM30, AM31B, AM9B,

    AM32, AM35 e AM36, pale brown (pardo plido) AM25 e AM31A, e strong brown (pardo forte)

    AM24. As tonalidades light brown (pardo claro) AM33, light reddish brown (pardo avermelhado claro)

    AM34b, reddish yellow (amarelo avermelhado ou alaranjado) AM28 e AM34a, devem-se aos

    fragmentos cermicos modos que se identificam nestas amostras, com diferentes tonalidades de

    laranja/vermelho e granulometrias. Conforme se apresenta na tabela IV.1. do anexo IV, constata-se o

    aclaramento das tonalidades da maioria das fraces globais relativamente s finas, que poder dever-se

    forte componente em agregados de cor clara, nomeadamente, quartzo hialino e leitoso que integram as

    fraces globais. Nas amostras AM23, AM25, AM26, AM27, AM28, AM34a e AM34b detectam-se

    ndulos de cal. Na generalidade, as amostras apresentavam-se bastante compactas e com resistnciamecnica mdia aco do martelo de borracha durante a desagregao, com excepo de AM24 que

    se apresentava bastante desagregada. As amostras AM28, AM29 (a mais resistente), AM31A, AM31B,

    AM34b revelaram resistncia mecnica mais elevada do que as restantes.

    3.2.2. Determinao da proporo fraco solvel:resduo insolvel, anlise granulomtricae

    observao lupa binoculardo resduo insolvel

    Na figura 3.3. apresentam-se as propores entre a fraco solvel (representativa do teor de ligante,

    sais solveis, produtos de neoformao decorrentes das reaces pozolnicas, matria orgnica, etc.) e

    o resduo insolvel (agregados no carbonatados) obtida para cada amostra, constatando-se que as

    propores fraco solvel:resduo insolvel variam entre 1:2 (ex: AM25, AM26, AM27, AM28) e 1:6

    (AM24), em massa.

    Na tabela V.1 do anexo V encontram-se os resultados da anlise granulomtrica do resduo insolvel

    retido, por fraco, de cada amostra e as respectivas curvas de distribuio (figura V.1. do anexo V),

    agrupadas pelos diferentes edifcios considerados nesta fase do estudo. De um modo geral, obtiveram-se

    curvas de distribuio unimodal, em que predominam os agregados de dimenso entre 1 a 0,5 mm. O

    incremento da fraco >4 mm das amostras AM38, AM34a e AM36 deve-se presena de fragmentos

    cermicos e a agregados ptreos nas amostras AM24, AM30, AM31A e AM36. As amostras AM23,AM24, AM33, AM34b, AM35 e AM36 salientam-se pela elevada quantidade das fraces finas (

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    Figura 3. 3. Registo da relao entre a fraco solvel e o resduo insolvel.

    Decorrente do ataque com HCl, efectuou-se a caracterizao morfolgica e mineralgica dos resduos

    insolveis por observao lupa binocular, cujo resultado se apresenta na tabela V.2 do anexo V.

    Na generalidade das diferentes fraces granulomtricas, o mineral predominante o quartzo, sob a

    forma hialino (transparente) e leitoso (branco), tal como se ilustra na figura 3.4.; tambm se identificam as

    variedades fumado (cinza) e citrino (laranja). Para alm deste mineral, tambm constante a presena

    de feldspatos, micas (biotite e moscovite) e anfbolas, fragmentos de rochas metamrficas (quartzitos,

    xistos e micaxistos), rochas gneas (granitos) e sedimentares clsticas (grauvaques); com menor

    frequncia identificaram-se litoclastos de rochas metamrficas com feldspatos, provavelmente gnaisses.Na amostra AM35 detectaram-se aglomerados de material fino do tipo argiltico e nas amostras AM23,

    AM27, e AM29 aglomerados de areias cuja origem no foi conclusiva (podero ter resultado da reaco

    com o HCl); devido sua pequena quantidade, no se considerou que aqueles aglomerados possam ter

    influncia significativa na anlise granulomtrica.

    A generalidade dos minerais observados esto relacionados com a geologia local, ou seja, so

    provenientes das rochas granticas, dos quartzitos e xistos argilosos da regio. Relativamente

    morfologia dos agregados, predomina o formato anguloso, caracterstico de uma provenincia prxima do

    afloramento rochoso (ou que ter sofrido pouco transporte), sendo menos frequente os formatos

    subanguloso (AM32) e rolado (AM25 e AM31A). Alm destes, nas amostras AM28, AM33, AM34a eAM34b confirma-se a observao de fragmentos de cermica moda, em todas as fraces

    granulomtricas (portanto, com diferentes dimenses) e diferentes tonalidades de laranja/avermelhado.

    Igualmente nas amostras AM31A, AM31B, AM35 e AM36 se detectou a presena daqueles fragmentos,

    mas apenas nas fraces de menor dimenso e em quantidade residual.

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    Quartzo hialino (1), leitoso (2) efumado (3).

    Quartzito (1) e feldspatos (2) Fragmentos de cermica moda.

    Figura 3. 4. Exemplos dos minerais e fragmentos cermicos presentes no resduo insolvel, observados lupa binocular.

    3.2.3. Difraco de raios-X

    No anexo VI apresentam-se os difractogramas obtidos na anlise da fraco global de cada amostra deargamassa e na tabela 3.1. as respectivas composies mineralgicas qualitativas.

    Tabela 3. 1. Registo da composio mineralgica das argamassas por DRX.

    Compostoscristalinosidentificados

    AM23

    AM24

    AM25

    AM26

    AM27

    AM28

    AM29

    AM30

    AM31

    AM31B

    AM9B

    AM32

    AM33

    AM34a

    AM34b

    AM35

    AM36

    Quartzo ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++ ++++

    Calcite + +++ ++ ++ +++ +++ ++ + ++ + + +++ ++ +++ +++ ++

    Feldspato +++ + + + ++ + ++ ++ + ++ ++ ++ ++ ++ ++++ +++ ++

    Ilite/Mica(Biotite/Moscovite)

    ++ +++ ++ + ++ + ++ ++ ++ + + + + + +++ ++ +

    Clorite + + + + +

    Aragonite + +

    Sepiolite + +

    Caulinite + +

    Anfbola +

    Cordierite +

    Notao: ++++ (proporo muito elevada - composto predominante); +++ (proporo elevada); ++ (proporomdia); + (existe em pequena proporo); vtg (vestgios); ? (dvidas na presena); - (no detectado).

    Os resultados da DRX demonstram que o mineral predominante o quartzo, presente em todas as

    amostras, assim como o feldspato e a ilite/mica (moscovite/biotite), apesar de em menor quantidade.

    Com excepo de AM24, tambm foi identificada a calcite, eventualmente magnestica, sendo mais

    abundante nas amostras AM25, AM28, AM29, AM30, AM33, AM34b, AM35. A presena de calcite

    indicativa da composio do ligante. A deteco pontual de aragonite (AM28 e AM31A) pode dever-se

    ocorrncia de fenmenos de dissoluo-recristalizao da calcite [21]. Em pequena proporo surgem a

    clorite, a caulinite, a sepiolite, a anfbola e a cordierite. A clorite, do grupo dos filossilicatos, constituinte

    das rochas gneas e metamrficas, tambm identificadas durante a observao dos agregados lupa

    binocular e resultante da alterao da biotite, um dos minerais predominantes dos granitos da regio [22].

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    2

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    A caulinite - Al2(SiO5)(OH)4 - um mineral argiloso cuja presena poder decorrer das reaces de

    hidrlise dos silicatos, nomeadamente dos feldspatos, cuja presena se detecta nas amostras AM23 e

    AM36, respectivamente [22]. A sepiolite - Mg4Si6O15(OH)26H2O - tambm um mineral argiloso, cuja

    presena poder relacionar-se com os aglomerados de material fino do tipo argiltico detectados em

    AM35 observados lupa binocular. A anfbola um mineral que ocorre nas rochas gneas e

    metamrficas, tambm identificadas em AM28 durante a observao dos agregados lupa binocular. A

    cordierite - (Mg,Fe)2Al3(Si5AlO18) um silicato que surge associado ao feldspato potssico, moscovite,

    biotite, em regies granticas e de xistos, o que se relaciona com as caractersticas da geologia local.

    De um modo geral, os resultados obtidos pela DRX relativamente abundncia de calcite, so

    correlacionveis com as propores fraco solvel:resduo insolvel obtidas atravs do ataque com HCl.

    Por outro lado, a observao dos agregados lupa binocular associada DRX permitiu verificar que a

    sua composio mineralgica se relaciona com geologia local [22].

    semelhana do constatado na primeira fase de amostragem, novamente no foi identificada pela DRX

    a presena de hidromagnesite (4MgCO3.Mg(OH)2.4H2O), magnesite (MgCO3) ou dolomite (CaMg(CO3)2)em qualquer uma das amostras, compostos que se esperavam ser indicativos da utilizao das rochas

    locais no fabrico da cal.

    3.2.4. Anlise termogravimtrica e anlise trmica diferencial

    Para alm das amostras contempladas nesta fase do estudo, tambm foram submetidas ATG/ATD as

    amostras AM2 e AM9 da primeira fase, por terem suscitado a repetio da amostragem e comparao

    com AM23 e AM9B, respectivamente. Na figura 3.5. apresentam-se termogramas representativos das

    amostras que foram alvo de ATG/ATD, enquanto na tabela 3.2., para cada amostra, registam-se os

    intervalos de temperaturas em que ocorreram perdas de massa significativas, a razo CO 2/H2O e os

    teores de hidromagnesite, magnesite e de calcite.

    A partir da anlise da derivada da ATG e da ATD foi possvel determinar os intervalos de temperaturas

    650C, como aqueles em que ocorreram perdas de massa significativas.

    A perda de massa que ocorre >650C corresponde descarbonatao dos CaCO3, de acordo com a

    equao: CaCO3 CaO + CO2 [21, 23 - 26], e varia entre 1,85% (AM9) e 12,51% (AM35) (tabela 3.2.),

    os quais, em teor de CaCO3, correspondem a 4,21% e 28,45%, respectivamente (tabela 3.2.(d)); estes

    resultados corroboram os obtidos na proporo fraco solvel:resduo insolvel, em que AM9 mais

    rica em resduo insolvel e AM35 apresenta um enriquecimento da fraco solvel, como se constata nafigura 3.3.

    As perdas de massa que ocorrem a baixas temperaturas (

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    de ligao estrutural (desidroxilao), indicativas da presena de compostos hidrulicos (p.e. silicatos de

    clcio hidratados, silicatos de alumnio hidratados) [21, 26], o que poder justificar os valores elevados de

    AM28 (3,56%), AM33 (3,66%), AM34a (4,10%), AM34b (3,80%), que incluem fragmentos cermicos na

    sua composio. Alm destes, tambm naquele intervalo poder ocorrer a desidroxilao de minerais

    argilosos [23], cuja presena foi identificada pela DRX, nomeadamente, caulinite em AM2 (5,53%), AM23

    (5,06%) e AM36 (3,07%), a caulinite e a sepiolite em AM35 (2,25%) e clorite em AM27 (4,72%).

    Com excepo de AM29 e AM30, identificaram-se perdas de massa significativas entre 450-550C, que

    variaram de 0,47% (AM9) e 2,20% (AM2). Em diversos estudos sobre argamassas histricas, a este

    intervalo atribuda a descarbonatao da magnesite, de acordo com a equao: MgCO3 MgO + CO2

    [26 - 29], cujos baixos teores de MgCO3 (mximo 4,21%) so compatveis com um carbonato de natureza

    essencialmente calctica (tabela 3.2.(c)), os quais dificilmente seriam detectados pela DRX. Por sua vez, a

    referida composio, tanto pelos elevados teores de calcite e reduzidos de magnesite, no se revela

    compatvel com os calcrios dolomticos da Escusa, expressos na Carta Geolgica da regio. Alm disso,

    os resultados obtidos na ATG/ATD vm corroborar os da DRX quanto no identificao de dolomite(520 600C). Deste modo, tambm na composio das argamassas, se afasta a possibilidade de

    estarem presentes agregados carbonatados provenientes da geologia local.

    Em AM23 e AM27 detectou-se uma perda de massa entre os 300-400C que poder estar associada

    decomposio da hidromagnesite [Eq. 1] e da brucite [Eq. 2], de acordo com as seguintes equaes [27,

    30]:

    4MgCO3.Mg(OH)2.4H2O 4MgCO3.Mg(OH)2 + 4H2O (entre 200-340C) [Eq. 1]

    4MgCO3.Mg(OH)2 4MgCO3 + 4MgO + H2O (entre 340-450C) [Eq. 2]

    A razo entre o teor de massa perdida atribudo ao CO2 (>650C) e o teor de massa perdida atribudo

    gua hidrulica (200-650C), poder expressar a natureza hidrulica da fraco global (tabela 3.2.(a)) [25].

    As amostras com elevadas quantidades de gua ligada a compostos hidrulicos e, proporcionalmente,

    quantidades reduzidas de CO2 so consideradas hidrulicas [26], tal como se verifica em AM28 (2,82),

    AM33 (3,89), AM34a (2,42) e AM34b (3,14), que incluem na sua composio os j referidos aditivos

    cermicos; deste conjunto salienta-se AM34a, a que ter um grau de hidraulicidade mais elevado, e

    corresponde amostra com fragmentos cermicos de granulometria superior.

    Quanto s restantes amostras em que a razo CO2/H2O apresenta valores reduzidos, podero incluir na

    sua composio outros compostos que igualmente lhe conferem propriedades hidrulicas, tais como,

    minerais argilosos (adicionados rocha carbonatada no momento da calcinao); os valores de AM9 eAM9B podero tambm dever-se reduzida quantidade de ligante (teor em carbonatos). Pelo contrrio,

    AM29 e AM30 apresentam uma razo CO2/H2O mais elevada, que corresponder s amostras com

    menor hidraulicidade, o que se relaciona com o perfil da DTG indicativo de uma composio rica em

    calcite. AM35 apresenta a razo CO2/H2O mais elevada tratando-se da amostra com maior teor em

    calcite, apesar de na DRX ter sido detectada a presena de minerais argilosos.

    Na curva da ATD detectou-se um pico endotrmico a 573C, sem perda de massa associada na ATG,

    que poder corresponder transio de fase de do quartzo [23, 31 - 33].

    As semelhanas entre os termogramas de AM29 e AM30 so notrias, o que se poder relacionar com o

    facto de provirem do mesmo complexo arquitectnico - as termas, mas de estruturas diferentes

    (alvenarias do tanque e de parede interior de um compartimento das termas, respectivamente),

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    avanando-se com a possibilidade de serem contemporneas, ou seja, enquadrarem-se na mesma fase

    de construo; situao semelhante se detecta em AM9 e AM9B, provenientes da face frontal do

    enchimento do podiumdo templo.

    Figura 3. 5. Exemplos de termogramas representativos das fraces globais das argamassas, nos quaisse assinalam as perdas de massa significativas correspondentes a: a) gua de adsoro e calcite exemplo: AM29, b) gua de adsoro, calcite e magnesite ex: AM33.

    Tabela 3. 2. Registo das perdas de massa (%) das argamassas analisadas por ATG/ATD, razo CO2/H2Oe os teores de hidromagnesite, magnesite e de calcite.

    Intervalos de temperatura (C) e perdas de massa (%)

    200 - 650

    Amostras < 120120 -200 200 - 450 450 -550

    550 -650

    > 65024 1000

    CO2/H2O(a)

    Teor

    HidroMg(b)

    Teor

    MgCO3(c)

    Teor

    CaCO3(d)

    AM2 1,13 0,73 1,91 2,20 1,42 7,77 15,16 2,33 4,21 17,67AM23 0,34 0,56 0,94

    3004000,83

    2,08 1,21 4,12 10,08

    1,92 4,31 3,98 9,37AM26 0,74 0,27 0,88 0,62 0,92 7,36 10,79 4,09 1,19 16,74AM27

    0,66 0,65

    1.38300400

    1,07 1,18 1,09 7,35 13,38 2,98 5,55 2,26 16,72AM28 5,04 1,82 2,05 0,74 0,77 7,94 18,36 2,82 1,42 18,06AM29 1,57 0,63 2,17 9,26 13,63 4,27 21,06AM30 0,71 0,25 1,45 7,28 9,69 5,02 16,56

    AM9 1,06 0,39 0,72 0,47 0,57 1,85 5,06 1,43 0,90 4,21AM9B 1,36 0,50 0,87 0,59 0,83 5,05 9,20 2,97 1,13 11,48AM32 1,34 0,55 1,18 0,71 0,79 5,92 10,49 3,01 1,36 13,46AM33 2,86 0,74 1,38 0,93 1,35 10,61 17,87 3,89 1,78 24,13AM34a 3,72 1,49 2,30 0,87 0,93 7,81 17,12 2,42 1,67 17,76AM34b 1,55 1,33 2,26 0,71 0,83 9,71 16,39 3,14 1,36 22,08AM35 0,81 0,35 0,76 0,69 0,80 12,51 15,92 8,02 1,32 28,45AM36 1,66 0,62 1,12 0,95 1,00 7,03 12,38 3,32 1,82 15,99

    Em que: (a) (% de massa perdida > 650C)/(% de massa perdida 200 - 650C - excluindo as perdas demassa relativas magnesite e hidromagnesite quando aplicvel); (b) Teor em hidromagnesite obtido porATG; (c) Teor em magnesite obtido por ATG; (d) Teor em calcite obtido por ATG.

    perdas de guade adsoro

    descarbonatao

    da calcite

    a

    descarbonataoda magnesite

    perdas de guade adsor o

    descarbonataoda calcite

    b)

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    3.2.5. Estereomicroscopia (lupa binocular)

    As superfcies polidas que foram preparadas para MEV-EDX tambm foram observadas lupa binocular,

    constatando-se que as argamassas so heterogneas, constitudas por ligantes de cor clara e agregados

    diversos relativamente sua cor, dimenso e morfologia angulosa. Tambm se identificaram ndulos de

    cal, compactos e de formato arredondado e dimenso varivel (ex: AM23 e AM34). Para alm destes,

    tambm se detectam fragmentos de cermica moda, de diferentes tonalidades de laranja/vermelho e

    dimenses, incluindo agregados na sua constituio (ex: AM28 e AM34). Nestes casos, foi possvel

    detectar uma alterao na colorao na zona fronteira destes fragmentos com o ligante (assinalada com

    a linha amarela na figura 3.6. b), que poder decorrer de reaces de produo de fases hidrulicas [25].

    Na generalidade das amostras observadas constatou-se que os diferentes constituintes se encontram

    embebidos na matriz de ligante, apresentando boa coeso entre si. Apesar de se tratar de materiais

    compactos, observaram-se poros de pequenas dimenses.

    Figura 3. 6. Aspecto geral das argamassas nas quais se evidencia a tonalidade clara/amarelada dosligantes, a heterogeneidade dos agregados em AM23 quartzo hialino (1) e feldspato ou quartzo leitoso(2), a presena de fragmentos cermicos (AM28) e de ndulos de cal (AM32).

    3.2.6. Microscopia electrnica de varrimento e com espectroscopia de raios X dispersiva de

    energia acoplada

    No sentido de estudar a provenincia das matrias-primas utilizadas no fabrico da cal, tambm foram

    alvo de anlise atravs do MEV-EDX fragmentos das amostras dos calcrios dolomticos da Escusa,

    Olhos de gua e Porto da Espada (respectivamente A1, A5 e A7), nas quais o clcio surge coincidente e

    em quantidade prxima do magnsio (p.ex.: Ca/Mg = 1,44 em partes atmicas) (anexo VII - figura

    VII.1.); detectam-se o alumnio e o silcio em quantidade residual. Nas amostras de cal recolhidas dos

    fornos de Porto da Espada e Escusa (respectivamente, A6 e A9), o clcio e o magnsio surgem

    separados (anexo VII - figura VII.2.), indicando a presena de calcite (ex: Ca/Mg = 12,25) e magnesite

    (ex: Ca/Mg = 0,009), compostos que se formam no decurso do processo de carbonatao de uma cal

    produzida a partir de um calcrio dolomtico (CaMg(CO3)2), de acordo com as seguintes reaces

    qumicas:

    Calcinao: CaMg(CO3)2 + calor CaO + MgO + 2CO2 [Eq. 3]

    Extino: CaO + MgO + 2H2O Ca(OH)2 + Mg(OH)2 + calor [Eq. 4]

    Carbonatao: Ca(OH)2 + Mg(OH)2 + 2CO2 CaCO3 + MgCO3 + 2H2O [Eq. 5]

    semelhana destas amostras de cal, tambm nas argamassas de assentamento das alvenarias dosfornos de cal dos Olhos de gua (A3 e A4), o clcio e o magnsio surgem separados, e em quantidades

    a) AM23 b) AM28 c) AM32

    2

    1

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    proporcionais e correlacionveis com a composio de um calcrio dolomtico (anexo VII - figura VII.3.).

    Relativamente s argamassas da Ammaia, no MEV-EDX analisaram-se as superfcies polidas de AM23,

    AM32, AM28 e AM34b, estas duas ltimas com fragmentos cermicos modos. A generalidade das

    amostras apresenta uma microestrutura compacta, distinguindo-se as diferentes fases constituintes

    (ligante, ndulos de cal, agregados, fragmentos cermicos modos), com boa ligao entre si.

    Em AM23, amostra de argamassa de assentamento da Torre Oeste possivelmente de poca posterior

    ocupao romana (tabela 2.1.), denotou-se uma argamassa rica em agregados, maioritariamente de

    granulometria fina, resultados relacionveis com a proporo 1:4 (fraco solvel:resduo insolvel) e a

    curva de distribuio granulomtrica. Na matriz de ligante, o clcio surge em proporo com o magnsio,

    em quantidades correlacionveis com a composio de um calcrio dolomtico Ca/Mg= 1,15 (anexo VII

    - figura VII.4. c); por outro lado, tambm se identificam algumas reas em que predomina a quantidade de

    clcio sobre a de magnsio e vice-versa, facto que poder relacionar-se com a presena de calcite e

    magnesite, tal como se descreveu anteriormente para as amostras A6 e A9 (cal dos fornos). O clcio e o

    magnsio encontram-se em oposio ao silcio, principal constituinte dos agregados de quartzo,conforme se constata na figura VII.4. a) do anexo VII. Em algumas reas detecta-se a associao

    preferencial do alumnio com o silcio, podendo tratar-se de caulinite, identificada na DRX. Os ndulos de

    cal, considerados como o indicador mais aproximado da cal utilizada no momento da preparao das

    argamassas, so constitudos por magnsio e clcio numa proporo aproximada composio de um

    calcrio dolomtico Ca/Mg= 1,28.

    Em AM32, de forma dispersa, detecta-se a associao do magnsio, do alumnio e do silcio, (Al: 16,51%,

    Mg: 34,62% e Si: 36,85%), formando silicatos de alumnio e magnsio (anexo VII - figura VII.5.). O clcio

    encontra-se preferencialmente em volta dos agregados e a preencher vazios (sob a forma de veios),

    deduzindo-se que a sua formao seja tardia (anexo VII - figura VII.6. a)). Ao contrrio de AM23, na

    amostra AM32, a quantidade de clcio mais elevada do que a de magnsio, tanto naqueles veios de

    calcite (Ca/Mg= 26,3) como nos ndulos de cal (Ca/Mg= 3,11) numa composio que j no compatvel

    com a de um calcrio dolomtico da regio (anexo VII - figuras VII.6. e VII.7.).

    Na matriz de ligante das amostras AM28 e AM34b, o magnsio encontra-se dissociado do clcio e em

    proporo com o alumnio e o silcio, formando os j referidos silicatos de alumnio e magnsio (anexo VII

    - figura VII.8. a)). Tambm as reas adjacentes aos fragmentos cermicos encontram-se enriquecidas

    nestes compostos, enquanto o clcio preenche os vazios (anexo VII - figura VII.8. b) c)). semelhana

    de AM32, nos ndulos de cal daquelas amostras, a quantidade de clcio predomina sobre a de magnsio(AM28 Ca/Mg= 5,34; AM34b Ca/Mg= 8,39).

    No que diz respeito aos agregados, na generalidade das amostras analisadas, os resultados obtidos no

    MEV-EDX corroboram os da DRX e observao lupa binocular, na medida em que se identificam

    partculas com forte predominncia de silcio - quartzo, outras compostas por silcio, alumnio e potssio

    (feldspatos potssicos) ou sdio (albite feldspato sdico); da associao do silcio, alumnio, potssio e

    ferro identificam-se micas/moscovite. Tal como se havia constatado nos ensaios anteriores, confirma-se a

    estrutura angulosa dos agregados (anexo VII - figuras VII.4. a) e VII.9.).

    Nas amostras AM28 e AM34 identificaram-se fragmentos cermicos, constitudos por alumnio,

    magnsio, ferro e, em partculas bem definidas, potssio, sdio, clcio (em pouca quantidade), silcio e

    titnio (residual).

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    3.2.7. Composio simplificada das argamassas

    A composio simplificada das argamassas submetidas a ATG/ATD foi estimada de acordo com o

    mtodo de Jedrzejewska [19], o qual permite a sua subdiviso em trs fraces: a correspondente aos

    agregados (resduo insolvel do ataque cido), aos carbonatos (ligante) e fraco solvel (compostos

    solveis sem formao de CO2) (tabela 3.3.). Alm destes, tambm se apresentam os teores em ligante

    calculados em termos de hidrxidos, que possibilita a reconstituio da proporo ligante:agregado

    (aproximao ao trao das argamassas, em massa).

    Tabela 3. 3. Registo da composio simplificada das amostras de argamassas (massa %).

    Agregados (a) Carbonatos Teor em hidrxidos Componentes

    AmostraSiliciosos

    (Si)

    Si +fragmentoscermicos

    Mg (b) Ca (c)

    FracoSolvel

    (d) Mg(OH)2(e)Ca(OH)2

    (f) Agregado Ligante

    AM2 66,26 4,21 17,67 11,85 2,92 13,08 4 1AM23 81,34 3,98 9,37 5,30 2,76 6,94 8 1AM26 71,11 1,19 16,74 10,96 0,82 12,39 5 1AM27 69,22 2,26 16,72 11,81 1,56 12,37 5 1AM28 62,30 1,42 18,06 18,23 0,98 13,37 4 1AM29 68,49 21,06 10,45 15,59 4 1AM30 82,44 16,56 1,00 12,26 7 1AM9 88,89 0,90 4,21 6,00 0,62 3,11 24 1AM9B 80,35 1,13 11,48 7,04 0,78 8,50 9 1AM32 76,82 1,36 13,46 8,35 0,94 9,97 7 1AM33 62,06 1,78 24,13 12,03 1,23 17,86 3 1AM34a 62,71 1,67 17,76 17,86 1,15 13,15 4 1AM34b 62,73 1,36 22,08 13,83 0,94 16,35 4 1

    AM35 65,69 1,32 28,45 4,54 0,91 21,06 3 1AM36 75,76 1,82 15,99 6,43 1,26 11,84 6 1

    Em que: (a) Resduo insolvel obtido aps ataque com HCl (1:3) a quente; (b) Teor em MgCO3 obtido porATG; (c) Teor em CaCO3 obtido por ATG;

    (d) Fraco solvel = 100 - (Resduo insolvel + carbonatos declcio + carbonatos de magnsio); (e) %Mg(OH)2 = (%MgCO3 x Massa Molar Mg(OH)2)/Massa MolarMgCO3.;

    (f) %Ca(OH)2 = (%CaCO3 x Massa Molar Ca(OH)2)/Massa Molar CaCO3.

    A fraco correspondente aos agregados (siliciosos e fragmentos cermicos) varia entre 62,06% (AM33)

    e 88,89% (AM9). A maioria das amostras analisada apresenta valores semelhantes aos obtidos em

    outros estudos de argamassas histricas [10, 21, 29], com excepo de AM23, AM30, AM9, AM9B, que

    possuem um enriquecimento significativo em agregado.

    A diferena entre a totalidade da massa e o resduo insolvel obtido pelo ataque cido somado ao teor de

    carbonatos (clcio e magnsio), constitui a fraco solvel, que varia entre 1,00 (AM30) e 18,23 (AM 28).

    Os valores mais elevados da fraco solvel, que possivelmente se devem presena de compostos

    hidrulicos, correspondem s amostras nas quais se identificaram fragmentos cermicos modos, cuja

    presena desencadeia a ocorrncia de reaces pozolnicas AM28, AM33, AM34a e AM34b [21]. Dado

    que o teor de massa perdida entre 200-650C (retirando o contributo da magnesite e hidromagnesite,

    quando aplicvel) e a fraco solvel (calculada de acordo com o mtodo de Jedrzejewska [19]), so

    grandezas que procuram expressar a natureza hidrulica da fraco global das argamassas,

    representou-se uma em funo da outra, constatando-se uma correlao linear aceitvel (figura 3.7.). Ou

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    seja, na generalidade das amostras, as perdas de guas detectadas pela anlise trmica naquele

    intervalo correspondero, na sua maioria, ao que constitui a fraco solvel obtida pelo mtodo de

    Jedrzejewska [19].

    Figura 3. 7. Fraco solvel versus teor de massa perdida entre 200-650C (excluindo a eventualpresena de magnesite e hidromagnesite), referente fraco global das amostras analisadas porATG/ATD.

    3.3. Apreciao geral dos resultados

    Da cidade romana de Ammaiaprocedeu-se caracterizao qumica, mineralgica e microestrutural de

    amostras de argamassas de assentamento provenientes da Torre Oeste (Porta Sul), eventual rea

    habitacional prxima desta Torre, termas, podiumdo templo e prtico do frum, bem como argamassas

    de revestimento da coluna do peristylium, do interior do tanque das termas e da camada preparatria do

    pavimento do templo. Independentemente da sua localizao e funo na estrutura arquitectnica, a

    metodologia de caracterizao das argamassas permitiu identificar, de acordo com a sua composio, os

    seguintes grupos:

    1. Argamassas constitudas por terra (ou seja, podero incluir quantidades residuais de calcite), sem

    aditivos: AM24.

    2. Argamassas cujo ligante maioritariamente calcite, no tendo sido identificados carbonatos demagnsio, aditivos (fragmentos cermicos) nem ndulos de cal composio no correlacionvel

    com a geologia local: AM29 e AM30.

    3. Argamassas cujo ligante maioritariamente a calcite, nas quais se identificam carbonatos de

    magnsio (magnesite e hidromagnesite) em quantidade superior s restantes (> 2%), e no so

    visveis aditivos composio correlacionvel com a geologia local: AM23 e AM27.

    4. Argamassas cujo ligante maioritariamente a calcite, nas quais se identificam carbonatos de

    magnsio em quantidade reduzida (< 2%) e no so visveis aditivos - composio no

    correlacionvel com a geologia local: AM26 e AM32.

    5. Argamassas cujo ligante maioritariamente a calcite, identificam-se carbonatos de magnsio em

    quantidade reduzida e aditivos (fragmentos cermicos) - composio no correlacionvel com a

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    geologia local: AM28, AM33, AM34a, AM34b. Neste grupo poder ainda incluir-se a AM31A,

    AM31B, AM35 e AM36, nas quais se identificam aditivos em quantidade residual.

    Tendo por base no s as observaes visuais e por microscopia ptica, mas tambm os resultados da

    DRX, a amostra AM24 distingue-se das restantes, pela sua colorao castanha escura, constituda por

    terra (sem adio significativa de calcite na composio do ligante), e pela fraca coeso dos seus

    constituintes; esta amostra provm de estruturas arqueolgicas datadas do perodo inicial da fundao da

    cidade (sculo I a.C., poca de Augusto) e, corroborando os pressupostos da equipa de Arqueologia,

    possivelmente ser um exemplo das primeiras argamassas utilizadas no princpio da ocupao romana.

    Os ligantes das argamassas dos restantes grupos so constitudos principalmente por calcite,

    salientando-se as do grupo 2 AM29 e AM30 (ambas das termas), nas quais, segundo a DRX e a

    ATG/ATD, no foram identificados carbonatos de magnsio. Ou seja, trata-se de amostras recolhidas em

    estruturas cuja deteco/incio de escavao data de 1996, que se enquadram no perodo romano e que

    a composio dos ligantes no correlacionvel com a dos calcrios dolomticos da Escusa, afloramento

    que inicialmente se considerou a fonte da cal utilizada na edificao da Ammaia.Atravs da ATG/ATD, nas amostras do grupo 3 (AM23 Torre Oeste e AM27 - peristylium) identificaram-

    se perdas de massa nos intervalos de temperaturas 300-400C e 450-550C, os quais, de acordo com a

    bibliografia [23, 27, 29, 30], so atribudos decomposio da hidromagnesite e magnesite,

    respectivamente, com teores superiores s restantes amostras (hidromagnesite: AM23 4,31% e AM27

    5,55%; magnesite: AM23 3,98% e AM27 2,26%). Para AM23 foram ainda analisados por MEV-EDX

    os ndulos de cal, considerados como o indicador mais aproximado cal utilizada na preparao das

    argamassas, obtendo-se uma proporo de Ca/Mg correlacionvel com a composio de um calcrio

    dolomtico. Nestas amostras, a no deteco de carbonatos de magnsio pela DRX, possivelmente, pode

    dever-se reduzida quantidade de ligante presente nas mesmas. Deste modo, e corroborando os

    pressupostos da equipa de Arqueologia, considera-se que AM23 e AM27 provavelmente no se

    enquadram no perodo romano e a cal utilizada como ligante poder provir dos afloramentos locais. No

    entanto, esta hiptese requer uma nova abordagem realizao da amostragem e da metodologia de

    caracterizao das argamassas, p.ex: com a realizao da anlise da fraco fina por DRX.

    Quanto s amostras do grupo 4 (AM26 macellum e AM32 podium do templo), os teores de

    carbonatos de magnsio determinados por ATG/ATD so reduzidos. Na anlise de AM32 pelo MEV-EDX

    prevalece a quantidade de clcio sobre a de magnsio sugerindo-se, assim, que a composio dos

    ligantes seja mais prxima de um calcrio calctico do que dos dolomticos da regio. Ainda no que dizrespeito anlise dos ligantes identificou-se uma situao semelhante anteriormente descrita nas

    amostras do grupo 5, que provm do revestimento do pano interior do tanque das termas (AM28) e do

    revestimento preparatrio do pavimento do podiumdo templo (AM33, AM34a e AM34b), ambos edifcios

    atribudos ao perodo de ocupao romana.

    Assim sendo, constatam-se variaes na composio dos ligantes das argamassas, com implicaes na

    determinao da provenincia dos calcrios utilizados na preparao da cal, que podero ser locais

    (AM23 e AM27) ou provirem de outra regio. Se esta ltima hiptese se confirmar, admite-se que as

    matrias-primas eram cuidadosamente seleccionadas e os construtores romanos no reconheciam a

    qualidade necessria aos materiais locais. Alm disso, poderiam existir locais preferenciais para a

    explorao das rochas destinadas calcinao dos calcrios e, consequentemente, percursos/rotas

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    estabelecidas para a sua comercializao. Por outro lado, constata-se que aquela variao composicional

    poder estar relacionada com diferentes contextos histricos: a composio dos ligantes das argamassas

    que se enquadram no perodo romano no se correlaciona com a dos calcrios da regio, enquanto os

    ligantes das argamassas contextualizadas numa fase posterior romana j podero ter uma provenincia

    local.

    Neste estudo salienta-se ainda a associao preferencial entre o magnsio, o alumnio e o silcio,

    dispersa pela matriz de ligante e detectada por MEV-EDX, tanto nas amostras em que so visveis

    fragmentos cermicos (ex: AM28, AM34b) como naquelas em que estes no foram identificados (ex:

    AM32); salienta-se que aqueles silicatos de magnsio e alumnio no foram detectados pela DRX,

    possivelmente por serem amorfos. A origem destes compostos no foi conclusiva nesta fase do estudo,

    no entanto, considera-se que possa estar relacionada com:

    Produtos de neoformao, provavelmente de caractersticas hidrulicas, decorrentes das

    reaces pozolnicas (preferencialmente nas amostras com fragmentos cermicos).

    A presena de materiais argilosos, ou outros com caractersticas semelhantes, que se encontremno estado amorfo, resultantes de uma adio deliberada no momento antecedente calcinao

    dos calcrios, com o intuito de optimizar as propriedades das argamassas, de acordo com os

    objectivos definidos (p.ex: uma argamassa com propriedades hidrulicas possui maior

    resistncia do que uma de cal area) [26].

    Ainda nas argamassas do grupo 5 foram identificados fragmentos cermicos modos como aditivos, de

    diferentes tonalidades de laranja/vermelho e granulometrias. A presena deste aditivo j tem vindo a ser

    detectada em diversos estudos sobre argamassas romanas tambm em territrio nacional [6 - 10]. Esta

    prtica encontra-se preconizada no captulo IV do Livro VII de Vitrvio, e teria como objectivo a melhoria

    do desempenho das argamassas base de cal area em ambientes hmidos, o que se verifica em

    AM28, argamassa de revestimento, sobre a qual assentavam as placas de mrmore que forravam os

    panos interiores das paredes do tanque. O recurso a este tipo de aditivos confere propriedades

    hidrulicas s argamassas, permitindo que ganhem presa em ambientes hmidos, se tornem

    impermeveis gua e aumentem a sua durabilidade [26]. Por outro lado, Vitrvio tambm recomenda a

    aplicao de fragmentos cermicos modos nas argamassas utilizadas no nucleus, camada mais dura e

    compacta onde assentaria o revestimento de um pavimento, tal como se verifica nas argamassas AM33 e

    AM34(a,b), recolhidas do pavimento do podiumdo templo (Livro VII, captulo I) [15], tornando-os tambm

    impermeveis e mais resistentes.Na generalidade das amostras analisadas, os agregados so siliciosos: quartzo (hialino e leitoso),

    feldspatos e micas, com possvel provenincia directa dos granitos locais, transportados pelos rios, mas

    prximo dos afloramentos, pois a morfologia predominantemente angulosa, denotando pouco

    transporte dos agregados.

    Nas amostras argamassas dos grupo 3 a 5, foi possvel observar a presena de ndulos de cor branca,

    constitudos essencialmente por clcio, segundo o MEV-EDX, ou seja, ndulos de cal. A sua presena

    indicativa de que o processo de extino da cal no foi completo, isto , no foi utilizada a quantidade

    suficiente de gua ou dado o tempo necessrio para que o CaO se transformasse completamente em

    Ca(OH)2 [16, 30].

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    4. Concluso e trabalhos futuros

    A metodologia de caracterizao das argamassas da Ammaiautilizada no presente estudo consistiu na

    aplicao de diversas tcnicas fsico-qumicas que se complementam entre si. Nesta primeira abordagem

    preliminar, resultaram um conjunto de informaes coerentes que permitiram responder a cada um dos

    objectivos inicialmente definidos:

    Constituintes das argamassas, provenincia das matrias-primas, contextualizao histrica:

    Identificaram-se diferentes grupos de argamassas com base na sua composio, distinguindo-se a

    amostra AM24, sem adio significativa de calcite, pertencente s estruturas arquitectnicas

    consideradas do incio da ocupao romana. Das restantes amostras, distinguem-se aquelas cuja

    composio do ligante no correlacionvel com a dos calcrios dolomticos da regio e que

    provavelmente se enquadram no perodo romano. Por outro lado, nas amostras AM23 (Torre

    Oeste) e AM27 (peristylium) j permite estabelecer aquela correlao, as quais provavelmente se

    contextualizam numa fase posterior romana (reconstruo islmica ou explorao agrcola a

    partir do sculo XVII). Deste modo, estabeleceu-se uma relao entre a composio e o seucontexto histrico, corroborando os pressupostos definidos pela equipa de Arqueologia.

    Tcnicas de produo: a eventual opo de no utilizar as matrias-primas locais na preparao

    da cal ou a adio deliberada de aditivos (fragmentos de cermica moda) em argamassas que

    iriam estar em contacto com ambientes hmidos so aspectos caractersticos do conhecimento das

    tecnologias de construo daquela civilizao. semelhana do que se tem verificado noutros

    estudos sobre argamassas romanas, tambm neste trabalho se constatou o profundo

    conhecimento que esta civilizao possua sobre as matrias-primas e da tecnologia de

    conjugao das mesmas, baseada na observao visual e na experimentao, com vista ao

    cumprimento de objectivos de construo definidos e que respeitam os tratados de construo da

    poca.

    Variao da composio de acordo com a funo: a caracterizao das argamassas permitiu a sua

    distino pela funo que desempenham na estrutura arquitectnica perceptvel, por exemplo, na

    composio das argamassas de assentamento que diverge das aplicadas como revestimento do

    pano interior do tanque e no revestimento preparatrio do pavimento do templo; nestas ltimas

    visvel a presena de fragmentos de cermica moda, com granulometria varivel, prtica

    preconizada por Vitrvio nos livros De Architectura. A variao da composio das argamassas foi

    mais evidente ao nvel da sua funo na estrutura arquitectnica (assentamento vs. revestimento)e do seu contexto histrico, do que propriamente quanto importncia social do edifcio em estudo.

    Conservao e restauro: a caracterizao dos ligantes, dos agregados e das propores

    ligante:agregado constituram um apoio fundamental no desenvolvimento de um conceito operativo

    para a conservao das estruturas arqueolgicas, baseado na compatibilidade entre os materiais

    pr-existentes e as argamassas de restauro. Assim sendo, e em conjunto com a equipa de

    conservadores-restauradores e arquelogos da Ammaia, seleccionaram-se reas do pano interior

    da Torre Oeste, com vista realizao de testes de argamassas de assentamento. As juntas no

    funcionais devido ausncia de argamassa de preenchimento ou quantidade insuficiente de

    argamassa para sustentar os blocos de pedra, a existncia de juntas preenchidas at face dos

    blocos, os diferentes graus de coeso das argamassas, so alguns dos factores que condicionam

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    a abordagem a uma interveno, que estar longe de ser simples e consensual. Neste caso de

    estudo equaciona-se a urgente necessidade de reforo estrutural das alvenarias, a importncia das

    argamassas neste processo (que se traduzir na deciso sobre o nvel de preenchimento das

    juntas - rebaixadas ou face do bloco), a necessidade de consolidar as argamassas igualmente

    com materiais compatveis gua de cal, e, por fim, a no menos importante preservao da

    leitura do conjunto desta runa arqueolgica e das suas valncias histricas e estticas. Neste

    momento decorre o processo de limpeza das superfcies, por meio da aplicao de ciclos de

    biocida, seguido de lavagem e escovagem das superfcies. Posteriormente, prev-se a preparao

    de argamassas de restauro com traos de 1:3 e 1:4 (ligante:agregado, em volume), constitudas

    por ligante base de cal area calctica e agregados locais, lavados, de granulometria equilibrada

    e colorao aproximada pr-existente. Se assim for possvel, espera-se que o comportamento

    dos materiais seja acompanhado periodicamente, pelo menos, por observao visual.

    Como perspectivas futuras, e com vista ao esclarecimento das questes levantadas neste estudo,

    sugere-se:1. A realizao de outros ensaios complementares, tais como:

    DRX da fraco fina, direccionada para a melhor caracterizao do ligante.

    Anlise qumica da fraco solvel da argamassa, por espectrofotometria de absoro atmica,

    de modo a determinar os teores de cada elemento, expressos na forma de xidos,

    nomeadamente, do CaO, de modo a relacionar com o teor de CaCO 3 obtido por ATG/ATD, e de

    MgO, de SO3 (eventual presena de gesso), entre outros.

    Realizao de observaes petrogrficas com vista identificao dos produtos de neoformao

    decorrentes das reaces hidrulicas/pozolnicas, nomeadamente na interface ligante/fragmento

    cermico.

    ATG/DTG s restantes amostras que no foram alvo desta anlise nesta fase do estudo, de

    modo a cumprir os objectivos de comparao entre argamassas, definidos pela equipa de

    Arqueologia.

    DRX e ATG/ATD das amostras das rochas, cal, e argamassas da Escusa, Olhos de gua e Porto

    da Espada.

    2. Caracterizao qumica e mineralgica dos fragmentos cermicos constituintes dos cocciopesto/opus

    signinum, pelo menos, por DRX, para caracterizao do tipo de aditivos utilizados e a ocorrncia de

    eventuais variaes na sua composio de acordo com a sua colorao.3. Continuao da caracterizao das argamassas recolhidas pela equipa de Arqueologia, de modo a

    estabelecer comparaes com os resultados obtidos nas anteriores fases de amostragem.

    4. Ampliar a presente investigao s argamassas de revestimento decorativo, pigmentos e ornatos, cuja

    caracterizao adquire particular relevncia relativamente ao estudo das tcnicas de produo artstica

    romanas (uma vez que no se prev a realizao de reconstituies), mas tambm quanto

    provenincia das matrias-primas, nomeadamente da cal.

    5. Comparao dos resultados obtidos com amostras de argamassas romanas provenientes de vora,

    Torre de Palma (Monforte, Portalegre), Mrida, dos quais actualmente se desconhece a realizao de

    estudos de caracterizao de argamassas semelhantes ao realizado na Ammaia.

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    Referncias bibliogrficas

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    Marvo (2009).[3] Fundao Cidade Ammaia, consultado em Janeiro de 2011 http://128934ed.110mb.com/index.php?p=1_2_Funda-o-Cidade-de-Ammaia[4] Radio-Past, consultado em Janeiro de 2011, http://www2.radiopast.eu/[5] Osrio, D., Estudo e conservao das runas da Cidade de Ammaia e proposta de interveno,

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    (2006)1643-1647. - http://cathedral