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Rua da Passagem

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  • 1

    UUUnnniiivvveeerrrsssiiidddaaadddeee dddeee SSSooo PPPaaauuulllooo

    FFFaaacccuuullldddaaadddeee dddeee FFFiiilllooosssooofffiiiaaa,,, LLLeeetttrrraaasss eee CCCiiinnnccciiiaaasss HHHuuummmaaannnaaasss

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  • 2

    ANDR DOS SANTOS BALDRAIA SOUZA

    Presos no crculo, prostrados no asfalto: tenses entre o mvel

    e o imvel

    Tese apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Geografia Humana do

    Departamento de Geografia da Faculdade de

    Filosofia, Letras e Cincias Humanas da

    Universidade de So Paulo, para a obteno do

    ttulo de Doutor.

    Orientadora: Profa. Dra. Sandra Lencioni

    So Paulo

    2013

  • 3

    FOLHA DE APROVAO

    Nome: SOUZA, Andr dos Santos Baldraia

    Ttulo: Presos no crculo, prostrados no asfalto: tenses entre o mvel e o imvel

    Tese apresentada ao Programa de Ps-

    Graduao em Geografia Humana do

    Departamento de Geografia da Faculdade de

    Filosofia, Letras e Cincias Humanas da

    Universidade de So Paulo, para a obteno do

    ttulo de Doutor.

    Aprovado em:

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. _____________________________ Instituio: _____________________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________

    Prof. Dr. _____________________________ Instituio: _____________________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________

    Prof. Dr. _____________________________ Instituio: _____________________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________

    Prof. Dr. _____________________________ Instituio: _____________________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________

    Prof. Dr. _____________________________ Instituio: _____________________________

    Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________

  • 4

    Para Natlia e Jos; Fernando, Hagen e Paulo,

    cujo apoio e compreenso ao longo do tempo

    permitiram-me construir esta tese.

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Costumamos dizer que a redao de uma tese um momento de solido. uma

    verdade parcial. Nesse caminho, muitas pessoas perpassam nosso cotidiano, dividem conosco

    as angstias e as pequenas conquistas; auxiliam-nos de maneira a seguir em frente e finalizar

    o trabalho. So muitas pessoas e certamente algumas delas no tero seus nomes escritos aqui,

    o que tambm normal nesta seo.

    Aos meus pais, Natlia e Jos, que foram e so responsveis pelo que sou, pois se

    sacrificaram para garantir aos filhos uma condio educacional que eles mesmos no tiveram.

    Ao Fernando Baldraia, meu irmo, um intelectual sui generis, uma forte referncia

    pessoal em muitos sentidos, e um leitor crtico e atencioso deste trabalho.

    Hagen, minha irm, uma companheira de todas as horas; agradeo pelas fotografias,

    pelos inmeros bules de caf, pelo ombro amigo e o peito e a cabea sempre abertos ao

    dilogo.

    Ao Saulinho, uma grata surpresa, a despeito de ser meu cunhado!

    Ana Carolina pelo carinho, a companhia e a pacincia.

    A todos aqueles amigos, e so muitos, que constituem o MACD, inclusive os novos,

    que agora so tambm veteranos!

    Ao Villy, Mait, Patrcia e, principalmente, Marina que reencontrei na Ps-

    Graduao que junto comigo formaram uma turma de animados e interessantes debates.

    Aos colegas de colquio, espao de instigantes e constantes discusses: Wagner,

    Osias, Rita, Regina, Ana Paula, Cristina, Andria, Amanda, Marcos e, especialmente, ao

    Geraldo e ao Isaque, amigos cuja distncia no diminui o carinho e o respeito que cultivamos

    ao longo de nossos estudos. Maialu constitui uma histria a parte nesse grupo, dadas s horas

    de voo passadas no Lergeo.

    Marcella, muito presente mesmo estando distante.

    Aos colegas do Rio, Dani Egger, Dbora, Danee, Mendel, Fil, Marola, Lvia e Maria

    Rita, quem diria!

    Jackeline, puxa vida! Como voc foi importante nesses tempos. Longas aulas,

    longas conversas, uma msica para meus ouvidos!

    Ao Edu, velho amigo, que reencontrei aps um breve distanciamento involuntrio.

    Shisleni, um amor de pessoa, por tudo! Inclusive as tradues do francs para o

    portugus.

  • 6

    Alezinho, sua (re)passagem por So Paulo me foi revitalizadora, alm dos passeios de

    bicicleta pelas cercanias de Paris.

    Ao Dilermando, de longa data e distncia.

    Patty e Joana, talvez vocs no saibam o quo importante vocs foram!

    Carol, pelos preciosos trabalhos de reviso e pelo carinho de sempre, agora

    acompanhada da Teresa!

    Marlia e ao Ewerton que foram fundamentais na construo dos materiais

    cartogrficos dessa tese. Quanta pacincia vocs tiveram!

    Aos futequileiros, do qual partilho mais o fute(bol) e menos a tequila... que sequer

    existe nas noites de tera.

    Rene, Valria e Sheila, pelas horas de conversas boas e ruins na Uniesp e nos

    arredores.

    Ao Juninho e ao Daniel, amigos de todas as horas.

    A toda a equipe do Colgio Rainha da Paz, especialmente a equipe do Ensino

    Fundamental II, pelo carinho, apoio e pela liberdade na execuo do meu ofcio ao longo

    desses anos.

    Idlia e aos muitos ex-alunos da Hotec que se tornaram amigos.

    ; professora Sandra Lencioni... Tudo o que escrevo aqui pouco, pois o texto, dado

    o ordenamento das palavras, impossibilita expressar o quanto eu lhe sou grato! Ao longo de

    todos esses anos aprendi muito contigo, tanto da perspectiva intelectual quanto pessoal.

    impossvel traar minha trajetria na geografia sem sua presena. uma relao que

    transcende a orientao intelectual; uma companheira nos momentos mais difceis e

    delicados, sempre com uma palavra amiga, segura e serena; um sorriso largo, amvel e

    amigvel nos momentos de alegria. Enfim ;1

    1 A pontuao esquisita uma licena potica para representar a maior parte de meu percurso acadmico nessa

    Universidade. O primeiro ponto e virgula marca o incio do processo de orientao, na passagem do segundo

    para o terceiro ano da Graduao, e o segundo ponto e virgula representa este momento que tambm uma

    finalizao, mas espero que no seja um ponto final.

  • 7

    Rua da Passagem

    Os curiosos atrapalham o trnsito

    Gentileza fundamental

    No adianta esquentar a cabea

    No precisa avanar no sinal

    Dando seta pra mudar de pista

    Ou pra entrar na transversal

    Pisca alerta pra encostar na guia

    Parabrisa para o temporal

    J buzinou, espere, no insista,

    Desencoste o seu do meu metal

    Devagar pra contemplar a vista

    Menos peso do p no pedal

    No se deve atropelar um cachorro

    Nem qualquer outro animal

    Todo mundo tem direito vida

    Todo mundo tem direito igual

    Motoqueiro, caminho, pedestre

    Carro importado, carro nacional

    Mas tem que dirigir direito

    Para no congestionar o local

    Tanto faz voc chegar primeiro

    O primeiro foi seu ancestral

    melhor voc chegar inteiro

    Com seu venoso e seu arterial

    A cidade tanto do mendigo

    Quanto do policial

    Todo mundo tem direito vida

    Todo mundo tem direito igual

    Travesti, trabalhador, turista

    Solitrio, famlia, casal

    Todo mundo tem direito vida

    Todo mundo tem direito igual

    Sem ter medo de andar na rua

    Porque a rua o seu quintal

    Todo mundo tem direito vida

    Todo mundo tem direito igual

    Boa noite, tudo bem, bom dia,

    Gentileza fundamental

    Todo mundo tem direito vida

    Todo mundo tem direito igual

    Pisca alerta pra encostar na guia

    Com licena, obrigado, at logo, tchau!

    Lenine

  • 8

    RESUMO

    SOUZA, Andr dos Santos Baldraia. Presos no crculo, prostrados no asfalto: tenses entre

    o mvel e o imvel. 2013. 308 f. Tese (Doutorado) Faculdade de Filosofia, Letras e

    Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013.

    O presente trabalho analisa e discute a crise de mobilidade cotidiana nas duas ltimas

    dcadas, em So Paulo, tendo em vista o agravamento gradativo das condies de circulao

    viria na metrpole paulistana. Considerando o espao como produto, condio e meio de

    reproduo das relaes sociais, defendemos a tese de que a atual crise da mobilidade

    cotidiana advm de um conjunto de medidas que foram formuladas e implantadas atravs de

    polticas econmicas de orientao neoliberal, com destaque para os novos meios de

    financiamento produo do espao urbano e reorganizao produtiva da indstria

    automobilstica nacional, bem como para as estratgias voltadas ao incentivo do consumo de

    bens durveis, viabilizado pela ampliao das linhas de crdito para a aquisio de bens

    durveis, principalmente carros. A esses elementos associam-se outros, tais como: a extenso

    e a densidade da ocupao urbana, a baixa qualidade dos sistemas de transportes coletivos e o

    traado da infraestrutura viria. A apreciao conjunta desses elementos constitui o quadro a

    partir do qual realizamos nossa anlise.

    Palavras-chave: Mobilidade Cotidiana, Crdito, Congestionamentos.

  • 9

    ABSTRACT

    SOUZA, Andr dos Santos Baldraia. Stranded in inner city, helpless on the asphalt:

    tensions between mobility and immobility. 2013. 308 f. Tese (Doutorado) Faculdade de

    Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013.

    This dissertation analyzes and discusses the crisis of daily mobility in the past two decades in

    So Paulo, caused by the gradual worsening of the conditions of road circulation in the

    metropolis. Regarding space as a product, a condition and a means of the reproduction of

    social relations, we put forth the hypothesis that the current crisis of mobility is the outcome

    of a number of actions that were formulated and implemented as part of neoliberal economic

    policymaking. Among such actions are the new sources of credit for the production of urban

    space, the restructuring of the domestic automobile industry and the strategies that encourage

    the purchase of durable goods (especially cars) made possible by the expansion of consumer

    credit. Other elements combine with these three basic causes, such as the low quality of public

    transit systems and the road layout. By taking account of all these elements together, we build

    the framework upon which we carry out our analysis.

    Key-words: Daily Mobility; Credit; Traffic Congestion.

  • 10

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Uso das principais vias da cidade de So Paulo no horrio de pico ....................... 28

    Figura 2 O teste dos coletivos ............................................................................................... 37

    Figura 3 Meta de faminto: a charge da dcada de 1960 explora a concepo rodoviarista em

    voga no Brasil desde ento ....................................................................................................... 92

    Figura 4 Anncio de venda de apartamento aceitando carro como entrada ........................ 192

    Figura 5 Avenidas de So Paulo .......................................................................................... 218

    Figura 6 Ciclorrotas da cidade de So Paulo ....................................................................... 222

    Figura 7 Ciclovias da cidade de So Paulo ......................................................................... 223

    Figura 8 Vivendo em So Paulo sem carro (2012) .............................................................. 238

    Figura 9 Pontos mais cobiados pelos vendedores ambulantes .......................................... 244

    Figura 10 A frmula dos congestionamentos ...................................................................... 253

  • 11

    LISTA DE FOTOS

    Foto 1 Fiat Uno Mille 1990 .............................................................................................. 119

    Foto 2 Chevette Jnior 1992 ............................................................................................. 119

    Foto 3 Escort Hobby 1993 ................................................................................................ 119

    Foto 4 Fusca 1000 Itamar 1993 .................................................................................... 119

    Foto 5 Gol 1000 1994 ....................................................................................................... 119

    Foto 6 Chevrolet Corsa 1995 ............................................................................................ 120

    Foto 7 Volkswagen Gol 1995 ........................................................................................... 120

    Foto 8 Ford Fiesta 1995 .................................................................................................... 120

    Foto 9 Fiat Palio 1996 ...................................................................................................... 120

    Foto 10 Propaganda de loja de veculos em uma movimentada avenida de So Paulo ...... 189

    Foto 11 Estacionamento na Vila Madalena, em So Paulo ................................................. 191

    Foto 12 Estacionamento na Barra Funda, em So Paulo ..................................................... 191

    Foto 13 Orientador de apoio circulao na ciclofaixa de lazer, na esquina da rua Alvarenga

    com Prof. Fonseca Rodrigues. ................................................................................................ 198

    Foto 14 Ciclofaixa de lazer na altura da Praa Panamericana: o estmulo convivncia

    entre os meios de transporte. .................................................................................................. 198

    Foto 15 Carros e bicicletas na ciclofaixa de lazer, na altura da Praa Panamericana. ........ 198

    Foto 16 Ciclofaixa de lazer, na altura da Ponte da Cidade Universitria. ........................... 198

    Foto 17 Ciclorrota na rua Duarte da Costa, no bairro da Lapa ............................................ 221

    Foto 18 Ciclovia da marginal Pinheiros, vista a partir da Estao Vila Olmpia ................ 221

    Foto 19 Aplicativo da Rdio SulAmrica Trnsito ............................................................. 250

    Foto 20 Tela inicial do aplicativo Waze .............................................................................. 251

    Foto 21 Interface normal do aplicativo Waze ...................................................................... 251

    Foto 22 Interface de alimentao de dados do aplicativo Waze .......................................... 251

  • 12

    Foto 23 Inseres comerciais do aplicativo Waze ............................................................... 251

    Foto 24 nibus com faixa defendendo os nibus fretados. ................................................. 267

    Foto 25 Carro de ex-usurio do servio de fretado identificado com placa de repdio

    restrio. ................................................................................................................................. 267

    Foto 26 Corredor de nibus da avenida Santo Amaro, na esquina com a avenida Juscelino

    Kubitschek .............................................................................................................................. 270

    Foto 27 Faixa exclusiva para nibus, direita da via, na altura do nmero 22.500 da avenida

    das Naes Unidas .................................................................................................................. 271

  • 13

    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 Tempo de deslocamento em So Paulo (1997-2007) ............................................ 36

    Grfico 2 Evoluo da rea construda no municpio de So Paulo, por tipo de uso do solo

    % (1995-2010) .......................................................................................................................... 50

    Grfico 3 Distribuio das viagens em So Paulo, segundo os diferentes modais de

    transporte (1997) ...................................................................................................................... 59

    Grfico 4 Distribuio das viagens em So Paulo, segundo os diferentes modais de

    transporte (2007) ...................................................................................................................... 59

    Grfico 5 Viagens realizadas na Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP), segundo suas

    motivaes ................................................................................................................................ 64

    Grfico 6 Participao dos carros populares no total de emplacamentos de veculos no

    Brasil (1990-2010) .................................................................................................................. 117

    Grfico 7 Renda mdia da populao no Brasil e em So Paulo (1992-2009) ................... 140

    Grfico 8 Distribuio de renda no Brasil (1992-2009) ...................................................... 142

    Grfico 9 Distribuio do crdito para financiamento de carros (2007-2012) .................... 143

    Grfico 10 Volume de crdito ao consumidor (2007-2012) ............................................... 143

    Grfico 11 Evoluo das reas destinadas s garagens nos edifcios de So Paulo (1930-

    2010) ....................................................................................................................................... 187

    Grfico 12 Deslocamento casa-trabalho dos trabalhadores localizados no primeiro e no

    ltimo decis de renda, nas regies metropolitanas brasileiras (1992-2009) ........................... 240

    Grfico 13 Velocidade mdia do trnsito (2000-2011) ....................................................... 255

  • 14

    LISTA DE MAPAS

    Mapa 1 So Paulo Zona do rodzio municipal de veculos ................................................ 42

    Mapa 2 Brasil Distribuio da indstria automobilstica (2010) ...................................... 113

    Mapa 3 Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) Distribuio da populao (1997 e

    2007) ....................................................................................................................................... 153

    Mapa 4 So Paulo Distribuio da populao (2000 e 2010) .......................................... 154

    Mapa 5 Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) Distribuio dos empregos (2007 e

    2010) ....................................................................................................................................... 155

    Mapa 6 So Paulo Distribuio dos empregos (2000 e 2010) .......................................... 156

    Mapa 7 Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) Fluxo e balano dos movimentos

    pendulares (2010) ................................................................................................................... 159

    Mapa 8 So Paulo Verticalizao: lanamentos residenciais (1992-2011) ...................... 174

    Mapa 9 So Paulo Verticalizao: lanamentos comerciais (1992-2011) ....................... 182

    Mapa 10 So Paulo Estoque residencial e outorga onerosa (2007 e 2011) ...................... 186

    Mapa 11 Municpio de So Paulo Distribuio da frota de carros (1997) ....................... 200

    Mapa 12 Municpio de So Paulo Distribuio da frota de carros (2007) ....................... 201

    Mapa 13 Municpio de So Paulo Distribuio da frota de carros e percentual de

    crescimento (2007) ................................................................................................................. 202

    Mapa 14 Municpio de So Paulo Uso de carros para deslocamentos dirios (1997-2007)

    ................................................................................................................................................ 207

    Mapa 15 Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) Viagens atradas (1997) ............. 208

    Mapa 16 Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) Viagens atradas (2007) ............. 209

    Mapa 17 Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) Viagens produzidas dirigindo-se

    carros (1997-2007) ................................................................................................................. 210

    Mapa 18 Municpio de So Paulo Renda per capita (2010) ............................................ 230

    Mapa 19 Municpio de So Paulo Renda mdia (2010) ................................................... 231

  • 15

    Mapa 20 Municpio de So Paulo Tempo de deslocamento casa-trabalho (2010) .......... 232

    Mapa 21 Municpio de So Paulo Tempo mdio de deslocamento casa-trabalho (2010) 233

    Mapa 22 Municpio de So Paulo Terminais de nibus (2013) ....................................... 235

    Mapa 23 Municpio de So Paulo Infraestrutura de transporte coletivo (2013) .............. 236

    Mapa 24 Municpio de So Paulo Cruzamentos e vias preferidas pelos vendedores

    ambulantes (2012) .................................................................................................................. 246

    Mapa 25 Municpio de So Paulo Vias mais lentas no horrio de pico da manh (2010)

    ................................................................................................................................................ 257

    Mapa 26 Municpio de So Paulo Vias mais lentas no horrio de pico da tarde (2010) .. 258

    Mapa 27 Zona Mxima de Restrio Circulao (ZMRC)............................................... 262

    Mapa 28 Zona Mxima de Restrio aos Fretados (ZMRF) ............................................... 266

    Mapa 29 Mapa-sntese das zonas de restrio circulao ................................................. 269

    Mapa 30 Corredores e faixas preferenciais para a circulao de nibus at dezembro de

    2012 ........................................................................................................................................ 272

    Mapa 31 Corredores e faixas segregadas para a circulao de nibus aps as manifestaes

    de junho de 2013 .................................................................................................................... 273

    Mapa 32 Municpio de So Paulo Zona do rodzio municipal de veculos e proposta de

    vias para receberem o mesmo tipo de restrio circulao .................................................. 275

  • 16

    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Distribuio das montadoras de veculos no Brasil (2010) .................................. 112

    Tabela 2 Prazos mximos para a quitao de financiamento de automveis no Brasil, entre

    1994 e 1995 ............................................................................................................................ 138

    Tabela 3 Parmetros de renda para definio das classes sociais, por domiclio e per capita

    (2009) ..................................................................................................................................... 141

    Tabela 4 Populao da Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) (1997-2007) ............ 157

    Tabela 5 Distribuio espacial dos empregos na Regio Metropolitana de So Paulo

    (RMSP) (1997-2007) .............................................................................................................. 158

    Tabela 6 Estabelecimentos e empregos formais, por subsetor de atividade econmica ..... 167

    Tabela 7 Estoque residencial em So Paulo, por subprefeituras e distritos (2007 e 2011) . 184

    Tabela 8 Condies especiais de circulao de caminhes na metrpole ........................... 260

  • 17

    LISTA DE SIGLAS

    ANEF Associao Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras

    Anfavea Associao Nacional dos Fabricantes de Veculos Automotores

    BNH Banco Nacional da Habitao

    CBN Central Brasileira de Notcias

    CDC Crdito Direto ao Consumidor

    CEO Chief Executive Officer

    CET Companhia de Engenharia de Trfego

    Cetesb Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental

    Chesf Companhia Hidreltrica do So Francisco

    Ciesp Centro das Indstrias do Estado de So Paulo

    CNA Companhia Nacional de lcalis

    CPMF Contribuio Provisria sobre Movimentao Financeira

    CPTM Companhia Paulista de Trens Metropolitanos

    CRI Certificados de Recebveis Imobilirios

    CSN Companhia Siderrgica Nacional

    CVRD Companhia Vale do Rio Doce

    Denatran Departamento Nacional de Trnsito

    Detran-SP Departamento de Trnsito do Estado de So Paulo

    DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem

    DNIT Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte

    Embraesp Empresa Brasileira de Estudos do Patrimnio

    Emplasa Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano

    EMTU Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos

    FAB Fora Area Brasileira

  • 18

    FGV Fundao Getlio Vargas

    Fiesp Federao das Indstrias do Estado de So Paulo

    FII Fundo de Investimento Imobilirio

    Fipe Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas

    FMI Fundo Monetrio Internacional

    FRN Fundo Rodovirio Nacional

    FSE Fundo Social de Emergncia

    Geia Grupo Executivo da indstria Automobilstica

    GM General Motors

    GPS Global Positioning System

    Ibec Institute Basic Economy Corporation

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IGPM ndice Geral de Preos ao Mercado

    IPC ndice de Preos ao Consumidor

    IPCA ndice de Preos ao Consumidor Amplo

    Ipea Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

    IPMF Imposto Provisrio sobre a Movimentao Financeira

    IPO Initial Public Offering

    MBA Masters of Bussiness Administration

    Mercosul Mercado Comum do Sul

    Metr Companhia do Metropolitano de So Paulo

    Nepo Ncleo de Estudos da Populao

    OMC Organizao Mundial do Comrcio

    PDDI Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado

    Pesquisa OD Pesquisa de Origem e Destino

  • 19

    PF Pessoa Fsica

    PIB Produto Interno Bruto

    Pitu Plano Integrado de Transportes Urbanos

    PJ Pessoa Jurdica

    PMSP Prefeitura do Municpio de So Paulo

    PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios

    PNMU Poltica Nacional de Mobilidade Urbana

    PRN Plano Rodovirio Nacional

    PUB Plano Urbanstico Bsico

    RAB Regime Automotivo Brasileiro

    Regic Regies de influncia das cidades

    RMSP Regio Metropolitana de So Paulo

    Sabesp Companhia de Saneamento Bsico do Estado de So Paulo

    Sagmacs Sociedade para Anlises Grficas e Mecanogrficas Aplicadas aos

    Complexos Sociais

    Samu Servio de Atendimento Mvel de Urgncia

    Sempla Secretaria Municipal de Planejamento, Oramento e Gesto do

    Municpio de So Paulo

    SFH Sistema Financeiro da Habitao

    SFI Sistema Financeiro Imobilirio

    Sindipeas Sindicato Nacional da Indstria de Componentes para Veculos

    Automotores

    SVP Secretaria de Vias Pblicas

    UF Unidade Federativa

    Unicamp Universidade Estadual de Campinas

    URV Unidade Real de Valor

    VUC Veculos Urbanos de Carga

  • 20

    ZMRC Zona Mxima de Restrio Circulao

    ZMRF Zona Mxima de Restrio aos Fretados

  • 21

    SUMRIO

    APRESENTAO ................................................................................................................... 23

    1 INTRODUO ..................................................................................................................... 26

    2 A CONTEMPORANEIDADE DA NOO DE MOBILIDADE ....................................... 54

    2.1 DO QUE MVEL MOBILIDADE ................................................................................ 55

    2.2 ENTRE NORMAS E DISCURSOS. DA MOBILIDADE COMO CATEGORIA ABSTRATA

    MOBILIDADE COMO REALIDADE EFETIVA ......................................................................... 57

    2.3 MOBILIDADE(S): REFERNCIAS TERICAS PARA UMA LEITURA DA MOBILIDADE

    COTIDIANA ....................................................................................................................... 62

    2.4 A MOBILIDADE E A GEOGRAFIA CLSSICA .................................................................. 75

    2.5 A MOBILIDADE URBANA E A MOBILIDADE COTIDIANA ................................................ 89

    3 O RODOVIARISMO E O ESTMULO AO USO DO TRANSPORTE MOTORIZADO EM

    SO PAULO ............................................................................................................................ 92

    3.1 A CONSTITUIO DAS BASES PARA A CONSOLIDAO DA INDSTRIA

    AUTOMOBILSTICA NO BRASIL NOS ANOS 1950 ................................................................ 99

    3.2 A INDSTRIA AUTOMOBILSTICA ABERTA CONCORRNCIA INTERNACIONAL ......... 104

    3.3 O REGIME AUTOMOTIVO BRASILEIRO (RAB) E A NOVA ESTRUTURAO ESPACIAL DA

    INDSTRIA AUTOMOBILSTICA NO PAS ........................................................................... 108

    3.4 O PROTOCOLO DO CARRO POPULAR E A POPULARIZAO DOS CARROS. ................... 115

    3.5 A GESTO DO TERRITRIO NACIONAL EM QUESTO: UMA LEITURA CRTICA A PARTIR

    DA ANLISE DO NOVO REGIME AUTOMOTIVO BRASILEIRO ............................................ 121

    4 A CONJUNTURA ECONMICA BRASILEIRA NAS DUAS LTIMAS DCADAS E O

    SURGIMENTO DA NOVA CLASSE MDIA ..................................................................... 124

    4.1 NOTAS SOBRE O NEOLIBERALISMO E SUA IMPLANTAO NO BRASIL ....................... 124

    4.2 O PLANO REAL ......................................................................................................... 132

    4.3 NOTAS SOBRE O CRDITO NO BRASIL NAS DUAS LTIMAS DCADAS ........................ 137

  • 22

    5 TODOS OS CAMINHOS LEVAM A SO PAULO: A CENTRALIDADE DA

    METRPOLE PAULISTANA .............................................................................................. 152

    6 ALGUMAS CARACTERSTICAS DA VERTICALIZAO EM SO PAULO NAS

    DUAS LTIMAS DCADAS ............................................................................................... 170

    6.1 OS NOVOS MECANISMOS DE FINANCIAMENTO E A AMPLITUDE ESPACIAL DO PROCESSO

    DE VERTICALIZAO EM SO PAULO ............................................................................. 171

    6.2 EXTENSO TERRITORIAL DA VERTICALIZAO, AS VAGAS DE GARAGEM E O

    ESTRANGULAMENTO DO FLUXO VIRIO. ......................................................................... 183

    7 NOS CAMINHOS DA METRPOLE ............................................................................... 194

    7.1 OS CARROS NA METRPOLE PAULISTANA E AS LTIMAS DUAS DCADAS ................. 195

    7.2 EM MEIO AOS PLANOS URBANSTICOS: O TRAADO VIRIO DA METRPOLE ............. 212

    7.3 O TRNSITO E OS CONGESTIONAMENTOS: MEIOS DE TRANSPORTE EM CONFLITO NOS

    CAMINHOS DA CIDADE .................................................................................................... 219

    7.4 O CONGESTIONAMENTO ESSENCIAL: A MOROSIDADE DO TRFEGO E A FLUIDEZ DOS

    NEGCIOS ....................................................................................................................... 241

    8 OS ANIS E AS LINHAS DE RESTRIO CIRCULAO ...................................... 253

    8.1 AS MEDIDAS DE RESTRIO CIRCULAO: AS REAS E AS VIAS RESTRITAS ........... 254

    8.1.1 Zona do rodzio municipal de veculos ...................................................... 259

    8.1.2 Zona Mxima de Restrio Circulao (ZMRC) .................................... 260

    8.1.3 A Zona Mxima de Restrio aos Fretados (ZMRF) ................................. 264

    8.1.4 As novas faixas para a circulao de nibus .............................................. 270

    8.2 O POLGONO E AS LINHAS ......................................................................................... 274

    9 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 276

    REFERNCIAS ..................................................................................................................... 282

    ANEXOS ................................................................................................................................ 301

  • 23

    APRESENTAO

    Cinco e meia da manh toca o despertador. Um banho, um caf rpido, uma passada

    na geladeira para pegar a marmita e sigo em direo ao ponto de nibus. Morava no fundo de

    um vale na confluncia de dois pequenos crregos. De minha casa olhando para a direita h

    um pequeno aclive, conhecido no bairro como morro. L no alto, outra referncia: os

    prdios. Era comum algum dizer que subiria o morro para pegar nibus perto dos prdios.

    Eu seguia na direo oposta e, por entre ruas, escades e vielas, subia a outra vertente.

    Trinta minutos aps o trim-trim eu chegava ao ponto de nibus, situado tambm numa parte

    alta do bairro; de l podia ver se o nibus vinha l longe, ainda em outra rua. Se no estivesse

    em meu espectro de viso eu podia descer a rua, deslocando-me um ou dois pontos antes

    daquele que eu chegara primeiramente, tudo para tentar pegar o nibus com algum lugar ainda

    vazio e poder ir sentado. Afinal o trajeto era longo e se eu fizesse esse percurso entraria no

    nibus apenas quatro paradas aps o ponto inicial e s desceria 50 minutos depois ao final do

    itinerrio, no bairro de Pinheiros.

    Hoje, o morro continua a existir uma rea sem moradia, fruto de constantes

    imbrglios judiciais; os que moram na favela ao p do morro e s margens do crrego dizem

    que ali sero erguidos outros muitos prdios , j os prdios no so mais referenciais, pois h

    uma profuso deles por todos os cantos do bairro pobre e perifrico de Osasco. Em tempo, o

    deslocamento desde o Novo Osasco at Pinheiros no leva mais apenas 50 minutos utilizando

    a mesma linha de nibus, agora so necessrios, ao menos, 90 minutos!

    Durante quatro anos, mais precisamente entre os anos de 1995 e 1999, eu observava de

    cima (do 15 andar do nmero 1794) dois longos trechos de duas vias que se cruzam e

    formam um dos mais importantes cruzamentos da zona Oeste da cidade de So Paulo: a

    esquina formada pela avenida Brigadeiro Faria Lima, onde fica o prdio em que eu

    trabalhava, e a avenida Rebouas.

    Dali eu observava o fluxo de nibus e carros, calculava o tempo de abertura dos

    semforos daquele cruzamento. Cravados eram 31 segundos para os pedestres cruzarem as

    pistas da avenida Rebouas e 1 minuto e 31 segundos para os que atravessavam a avenida

    Brigadeiro Faria Lima; da janela do prdio eu cronometrava esse tempo, inclusive observando

    se havia diferena entre os intervalos de abertura e fechamento dos semforos entre o perodo

    da manh, da hora do almoo e da tarde. No havia. Ainda que os fluxos tenham intensidades

    muito diferentes em cada um desses horrios.

  • 24

    Pessoalmente, a tarefa era importante, pois eu trabalhava como office-boy profisso

    em extino, graas profuso dos motoboys que circulam pelas ruas da cidade de So Paulo

    atualmente e me era til saber essas informaes. Por vezes, eu olhava do alto e sabia se

    seria possvel, se teria tempo hbil ou no, para descer at a rua e pegar um nibus para

    realizar um dos trabalhos a mim designados.

    Um office-boy circulava por diversos pontos, mas os percursos em geral eram os

    mesmos. O que significa dizer que o trabalho era muitas vezes previsvel, posto que as

    empresas e instituies contratantes dos servios da empresa em que eu trabalhava variavam

    muito pouco. Assim, era comum eu ter de me deslocar dali, do bairro de Pinheiros, para

    unidades da Companhia de Saneamento Bsico do Estado de So Paulo (Sabesp) nos bairros

    de So Miguel, Penha, Santana e Chcara Santo Antnio, e para escritrios da mesma

    instituio nos bairros de Pinheiros e Cerqueira Csar. Alm da Sabesp, tambm a Prefeitura

    do Municpio de So Paulo (PMSP) era uma importante contratante; assim, muitas vezes eu

    me deslocava de Pinheiros Vila Nova Conceio, ao centro velho da cidade de So Paulo ou

    ao bairro do Ipiranga, para realizar trabalhos. Havia outros deslocamentos para bancos,

    seguradoras, padarias e lanchonetes. Enfim, todos os dias eu circulava por diversos pontos da

    cidade.

    Era comum que os deslocamentos em direo aos pontos mais distantes ficassem para

    o perodo posterior ao almoo, pois com os congestionamentos havia a possibilidade de os

    servios se alongarem e, muitas vezes, eu era dispensado de voltar ao escritrio no mesmo

    dia. Podia seguir direto do servio realizado fora do escritrio para a escola e, anos depois,

    para o cursinho pr-vestibular popular.

    No havia naquela poca a integrao tarifria atravs do bilhete nico. Havia sim

    passes de integrao entre nibus, trem e metr, com combinaes variadas. Tambm havia

    passes mltiplos, que davam direito a mais de uma viagem usando o mesmo bilhete nos trens

    e metrs, com um pequeno desconto em relao tarifa unitria.

    Durante meia dcada eu executei as tarefas de office-boy, mas houve um ano de

    inflexo. Em 1997, sob o pretexto de se melhorarem as condies atmosfricas da cidade, foi

    institudo o rodzio de veculos na cidade de So Paulo. De minha parte, acredito que o foco

    do rodzio sempre foi a melhoria na fluidez viria pelas vias da cidade, ainda que oficialmente

    as questes de qualidade do ar fossem apontadas como as responsveis pela restrio

    circulao de carros em toda a Grande So Paulo. A partir daquele ano, nos perodos entre as

    7 e as 10 horas da manh, bem como entre as 17 e as 20 horas, algo em torno de 20% dos

    veculos teriam sua circulao restrita no chamado centro expandido da cidade de So Paulo,

  • 25

    sob pena de serem multados. As restries circulao seguiam um cronograma organizado a

    partir do nmero das placas dos veculos; assim, aqueles cujas placas terminam pelos

    algarismos 1 e 2 no podem circular no permetro e horrio determinado nas segundas-feiras,

    sendo restritos nas teras aqueles cujas placas terminam pelos algarismos 3 ou 4, e assim

    sucessivamente at a sexta-feira, quando a semana encerra tendo abrangido todos os

    algarismos finais de placas e estendendo a restrio a todo o conjunto de carros da cidade.

    O rodzio me foi um alvio nos servios realizados pela manh e no percurso de ida

    para a escola ou para o cursinho no final da tarde.

    Passaram-se alguns anos, pouco mais de uma dcada, e o rodzio parece no ter

    resolvido nem as questes relativas fluidez do trfego pelas vias de rolamento, tampouco

    tem conseguido atingir o objetivo de restabelecer os bons nveis de qualidade do ar, como

    dizia o discurso poca da implantao. Carrego ainda comigo as lembranas e tenho na

    retina as imagens de meus tempos de office-boy: foi ali que eu decidi que queria estudar as

    condies de circulao e mobilidade cotidiana na cidade de So Paulo, sem t-las formulado

    conceitualmente ainda. A tese que hoje apresento a esta banca e a esta faculdade, em certa

    medida, comeou l, em 18 de dezembro de 1995.

  • 26

    1 INTRODUO

    Em 2010, o municpio de So Paulo finalizou o ano atingindo marca superior a sete

    milhes de carros emplacados, segundo dados do Departamento Estadual de Trnsito de So

    Paulo (DETRAN-SP, stio eletrnico), que contabiliza os veculos na cidade, a qual teve o

    primeiro deles registrado em 1901. Trata-se da maior frota de carros do pas2. So Paulo a

    maior metrpole brasileira e, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    (IBGE, stio eletrnico), em 2010 abrigava uma populao de 11.253,503 milhes de

    habitantes espraiados por uma rea de 1.521,101 km, o que resulta numa densidade

    demogrfica de 7.387,59 habitantes por km.

    Os nmeros so expressivos e retratam apenas a cidade de So Paulo, sem considerar

    as frotas dos outros 38 municpios que, situados nas cercanias da capital, compem a Regio

    Metropolitana de So Paulo (RMSP). No interior dessa rea, todos os dias milhares de

    pessoas saem de suas casas para realizar suas tarefas cotidianas, sendo os trajetos mais

    expressivos aqueles cumpridos para ir ao trabalho e retornar dele, seguidos pelas viagens cujo

    objetivo estudar.

    Atravs da Pesquisa de Origem e Destino (Pesquisa OD), a Companhia do

    Metropolitano de So Paulo (Metr) classifica as viagens cotidianas quanto aos meios

    utilizados: coletivos ou individuais; motorizados e no motorizados. Os meios coletivos so:

    metr, trem, nibus (coletivos urbanos ou fretados), transporte escolar, alm das vans, micro-

    nibus e lotaes. J os carros, txis e motocicletas respondem pelos meios individuais. A

    soma dos meios coletivos e individuais compe o modo motorizado, e os deslocamentos

    efetuados a p ou de bicicleta so os no motorizados3. (METR, 2007)

    Esses meios podem ser divididos tambm em dois modais: ferrovirio e rodovirio.

    no mbito do modal rodovirio que se situa nossa anlise e, de maneira mais precisa,

    2 Considerando a definio no sistema de trnsito, um carro tecnicamente um veculo leve de passeio.

    Categoria que engloba os veculos popularmente conhecidos como carros ou automveis, aqueles que levam

    entre duas e sete pessoas (alguns veculos possuem bancos escamoteveis no porta-malas que podem ser abertos

    e utilizados para o transporte de pessoas, em detrimento do uso desse espao para o transporte de cargas) e cuja

    conduo autorizada mediante a concesso apenas de carteira de habilitao da categoria B. Vamos chamar

    esses veculos, que so o foco de nossa anlise, de carros.

    3 Em So Paulo, os helicpteros tm sido cada vez mais utilizados para a realizao de deslocamentos. A cidade

    conta com 411 helicpteros, o que caracteriza a maior frota desse tipo de aeronaves no mundo, tendo

    ultrapassado a cidade de Nova York. Dados da Fora Area Brasileira (FAB) mostram que, em mdia, a cada 45

    segundos um pouso de helicptero realizado em So Paulo. Diariamente so mais de dois mil pousos

    realizados.

  • 27

    pretendemos analisar o espao ocupado pelos carros e o papel desses veculos na realizao

    da mobilidade cotidiana. Os carros, por suas caractersticas, induzem um tipo especfico de

    relao entre o sujeito, que assume a condio de motorista, e o espao que o circunda.

    Refletindo sobre a relao que o automobilista mantm com a cidade, Oliva (2003, p. 111,

    grifo nosso) afirma que

    O citadino se mantm pedestre no metr, no nibus urbano, nos bondes, nos trens

    suburbanos, etc. O pedestre se esvai quando ele se torna automobilista, modo de

    deslocar-se essencialmente distinto no qual o ambiente muito restrito e confinado

    (LEVY, 1994, pg. 304). Como pedestre a disponibilidade de interao, sem dvida,

    maior, e como automobilista menor. H uma demonstrao emprica, corporal,

    alis sobre o fato de que usar uma cidade como pedestre essencialmente diferente

    do uso como automobilista. No por outra razo que verdadeiros batalhes de

    turistas visitam cidades como pedestres. Essa forma de apreenso da cidade permite

    interaes multisensoriais com as pessoas e o espao geogrfico, com a cidade.

    O confinamento no interior de um automvel conduz o indivduo que o dirige a

    relativo apartamento espacial, fazendo com que ele crie outra relao sensorial, uma relao

    de distanciamento com a cidade. Essa uma motivao para esta pesquisa; h outras sobre as

    quais lanamos luz e que compem a espinha dorsal de nossa reflexo, tais como a quantidade

    de espao das vias ocupadas pelos carros, especialmente ao longo das duas ltimas dcadas,

    quando se verificou um expressivo crescimento da frota circulante desse tipo de veculo.

    Pelos caminhos da cidade, carros e outros meios de transporte de pessoas disputam

    cotidianamente o espao nos leitos carroveis, tais como os nibus, as bicicletas e as

    motocicletas, alm das pessoas que se deslocam a p. Essa disputa desigual, especialmente

    nos horrios de pico, quando 78% do espao disponvel para a circulao usado pelos

    carros, que, no entanto, respondem por apenas um tero das viagens (CORREA, 2012). Nesse

    quadro, compromete-se a realizao da mobilidade cotidiana.

  • 28

    Figura 1 Uso das principais vias da cidade de So Paulo no horrio de pico

    Fonte: Correa (2012).

  • 29

    Acreditamos que, a partir da mobilidade cotidiana, possvel evidenciar algumas das

    transformaes ocorridas no espao urbano ao longo das duas ltimas dcadas, pois nesse

    perodo se verifica um expressivo aumento no tempo mdio de realizao das viagens,

    utilizando-se os modais motorizados de transporte rodovirio.

    No processo de produo do espao, quando se abre um loteamento legal ou ilegal, a

    gleba inicial dividida em pores menores que acabam por compor os quarteires (cada qual

    com certa quantidade de terrenos), entre os quais so deixados espaos que servem

    circulao. Criam-se tanto os espaos voltados produo imobiliria como tambm as reas

    interregnas por onde as pessoas e/ou veculos circulam e cujo espao disputam: so as vias.

    Espaos consagrados circulao, cujo uso regido por regras e normas, onde os diversos

    meios concorrem para ocupar a melhor posio e fluir.

    No possvel dizer com certeza quando e onde ocorreu o primeiro congestionamento:

    momento de saturao das condies de circulao nas vias que implica acrscimo temporal

    realizao da viagem. Todavia acreditamos que no atual perodo que esse epifenmeno tem

    apresentado maior extenso, difuso e intensidade, graas grande quantidade de veculos

    automotores, especialmente carros, circulando pelas vias nos horrios de pico.

    Nos ltimos anos, sobretudo a partir da dcada de 1990, um problema tem chamado a

    ateno dos moradores e visitantes da metrpole de So Paulo: trata-se dos longos

    congestionamentos que se assentam sobre quilmetros e quilmetros de vias da cidade,

    dificultam a circulao e estendem os tempos de viagem de milhares de pessoas todos os dias.

    Nesse contexto, os grficos e as estatsticas de lentido so retratos frios ante as angstias

    vividas por quem quer chegar, concluir o objetivo que deu origem viagem. Em outros

    termos, os congestionamentos comprometem as condies de realizao da mobilidade

    cotidiana.

    A lentido dos deslocamentos nos coloca diante de uma crise, uma crise da mobilidade

    cotidiana. A tese que ora apresentamos intenta partir de um sintoma da crise, os

    congestionamentos que dificultam a realizao da mobilidade cotidiana, para discutir alguns

    aspectos do espao urbano da metrpole paulistana. Tendo como conjuntura histrica a

    vigncia do Plano Real programa de estabilizao econmica e conteno da inflao,

    lanado pelo Governo Federal em 1993 que, em nossa opinio, ocasionou a realizao de

    novos mecanismos de financiamento produo e ao consumo de bens durveis no Brasil nos

    mais diversos setores, dos quais destacamos as estratgias de reorganizao espacial da

    indstria automobilstica brasileira e a desconcentrao e expanso do processo de

    verticalizao em direo s periferias da cidade de So Paulo.

  • 30

    Acreditamos que o agravamento do problema dos congestionamentos resultado de

    um conjunto de fatores que se integram, tais como a densidade da ocupao urbana, a baixa

    qualidade dos sistemas de transportes coletivos e o traado da infraestrutura viria, e ainda a

    interao entre os homens, as mquinas e as vias que compem o ambiente de conduo de

    um carro. No nossa inteno abarcar e discutir todos esses assuntos. O objetivo aqui

    traado , antes de tudo, selecionar alguns elementos que nos permitam discutir a crise da

    mobilidade na metrpole paulistana.

    Nossa hiptese a de que a crise da mobilidade cotidiana, que vem se acentuando na

    metrpole paulistana ao longo das duas ltimas dcadas, uma expresso espacial do

    fortalecimento e ampliao das polticas de estmulo ao crdito e ao consumo de bens

    durveis especialmente carros , estabelecidas a partir da dcada de 1990. Isso porque tais

    polticas, ligadas ao arcabouo econmico de orientao neoliberal implantado no Brasil a

    partir dessa dcada, resultaram, entre outros, numa sensvel ampliao da frota de carros

    circulando nas vias, em contraposio se verifica o contnuo descaso com o servio de

    transporte coletivo .

    Da perspectiva econmica, o Plano Real selou a implementao das polticas

    neoliberais e teve repercusses tanto na esfera da produo quanto na do consumo, alm

    disso, em certa medida, reinstalou nos cidados uma confiana que no se via no Brasil desde

    o Plano Cruzado, de 1986, que, por poucos meses, aqueceu os nimos dos consumidores

    brasileiros. Segundo Leito (2011, p. 148), nos anos 1980 ns

    Vivamos a Idade Mdia no Brasil. No se conhecia crdito. Hoje, com o crdito, o

    mercado est to forte ao ponto de no ser afetado pela crise mundial como a que

    estamos vivendo.

    Os novos mecanismos de financiamento atingiram diversos setores da atividade

    econmica, dentre os quais destacamos a construo civil e a indstria automobilstica. Assim

    como foi expressiva a construo de apartamentos pela cidade, do mesmo modo se verificou

    uma ampliao do consumo de automveis.

    Espacialmente, chama a ateno o fato de que em So Paulo, ao longo das ltimas

    duas dcadas, tanto a verticalizao como os congestionamentos se estenderam e alcanaram

    variados pontos da metrpole, desde regies muito distantes, cujas rendas mdias per capita

  • 31

    so baixas, at regies mais prximas da rea central da cidade4; tal fato nos permite discutir a

    chamada cidade da classe mdia.

    Parte da literatura acadmica produzida tendo como referncia as dcadas anteriores

    aos anos 2000 que tratou das questes relativas ao processo de verticalizao e dos

    problemas nos transportes e na mobilidade cotidiana considerava os apartamentos e os

    automveis como sendo bens da classe mdia, pois o preo e as condies de financiamento

    para a aquisio desses produtos restringiam seu acesso s camadas de maior renda e, por

    conseguinte, atendiam basicamente os estratos sociais mais abastados5.

    Essa caracterstica da produo acadmica permite-nos dialogar com as posies

    presentes na formulao de alguns autores como Maria Adlia de Souza (1994) e Eduardo

    Vasconcellos (1999): ambos, a partir das conjunturas histricas iluminadas em suas anlises,

    trataram os apartamentos e os carros como bens da classe mdia. Em uma pesquisa

    profunda sobre o processo de verticalizao em So Paulo, Souza (1994, p. 43, grifo nosso)

    expe os caminhos escolhidos para realizar sua reflexo:

    Fomos buscar nos antagonismos de classe, vivenciados no espao da metrpole e na

    imprensa, o material bsico para este ensaio. A conflitualidade cotidiana

    especialmente vivida pelas classes oprimidas no espao da metrpole, quase

    sempre agravada pela prtica do planejamento urbano e das polticas pblicas, se

    constitui, sem dvida, uma frtil linha de reflexo para se desvendar o mito da

    metrpole. Afinal, a verticalizao, como se ver mais adiante, configura num

    espao privilegiado em relao aos das classes pobres.

    Em outro trecho do trabalho, a autora realiza outra colocao que referenda uma

    leitura espacial que considera um recorte de renda em sua anlise assim, Souza (1994, p. 72)

    destaca:

    A importncia da classe mdia relativamente ao processo de verticalizao estar

    sempre presente. Isso se evidencia posteriormente, nos anos 70, com a terciarizao

    do tecido urbano, quando classe mdia reservado papel especial pela diviso

    internacional do trabalho (Oliveira, 1982). a ela, inegavelmente, que estar

    destinada a Poltica Habitacional Brasileira desenvolvida desde ento, e que

    implicava, fundamentalmente, a produo de edifcios.

    4 Em geral, as metrpoles apresentam maior ocorrncia de verticalizao na rea central, bem como nessa rea

    que se percebe a maior ocorrncia dos congestionamentos em cidades como Londres e Roma, por exemplo, foi

    institudo um permetro em torno da rea central cujo acesso se d mediante pagamento de pedgio, iniciativa

    que alguns jornalistas e acadmicos defendem que seja instituda tambm em So Paulo.

    5 Pontualmente, foi realizada a construo de conjuntos habitacionais voltados populao de baixa renda, tanto

    no municpio de So Paulo, como em alguns municpios da Grande So Paulo, a exemplo dos conjuntos

    residenciais da Cidade Tiradentes e da Cohab/Carapicuba, respectivamente.

  • 32

    Os trechos citados acima evidenciam que a poltica habitacional brasileira tinha uma

    orientao bastante clara, com um foco bem definido sobre quais parcelas da sociedade

    seriam beneficiadas por ela.

    possvel dizer que algo semelhante ocorria no tangente poltica voltada aquisio

    de carros. As palavras de Magno Sarlo, vendedor de uma concessionria da Rede Abolio,

    retratam a situao do mercado automobilstico brasileiro nos anos 1980:

    Quando comecei, o mercado brasileiro s tinha quatro marcas: Volkswagen,

    Chevrolet, Ford e Fiat. S comprava carro novo quem era rico ou quem

    precisava para o trabalho. Os modelos muito caros, ento, eram muito difceis de

    vender. Acho que a gente s sobrevivia porque, como a inflao comia o dinheiro da

    gente, era preciso transform-lo em produto para manter o valor. Fosse sabo em p

    ou carro, o importante era no ficar com o dinheiro (LEITO, 2011, p. 57, grifo

    nosso).

    Nesse contexto, apenas uma pequena parcela da populao detinha as condies para

    adquirir carros, mormente aquela que dispunha de maior poder de compra. o que constata o

    estudo sobre as condies de circulao na cidade de So Paulo realizado por Eduardo

    Vasconcellos (1999). O autor enftico ao afirmar:

    Dentre as vrias concluses do estudo, ressalta-se a de que a cidade foi adaptada

    para a circulao eficiente e confortvel das classes mdias, no papel de motoristas

    de automvel, em decorrncia de necessidades econmicas (eficincia) e polticas,

    estas relacionadas ao fato de as classes mdias formadas no perodo de concentrao

    de renda terem sido as parceiras privilegiadas do regime autoritrio, em torno do

    projeto de modernizao conservadora que caracterizou o milagre brasileiro. O

    resultado das grandes intervenes fsicas e operacionais nas condies de

    circulao caracteriza o que foi denominado de formao da cidade da classe

    mdia, como espao adaptado s suas necessidades de reproduo social e

    econmica. (VASCONCELLOS, 1999, p. 11, grifo nosso)

    Tanto Souza (1994) como Vasconcellos (1999) declararam apartamentos e carros

    como sendo bens da classe mdia e, se considerarmos o perodo em que escreveram, ambos

    tm razo em suas afirmaes. O fato que colocamos em evidncia que, embora carros e

    apartamentos continuem sendo bens caros, ao longo das duas ltimas dcadas houve tanto o

    aumento da produo de carros e de apartamentos como uma ampliao do mercado

    consumidor desses bens que, assim, no so mais caractersticos da classe mdia, pois

    passaram a ser mais acessveis s diversas camadas da populao.

    Em todos os quadrantes da cidade erguem-se prdios, alguns maiores, outros menores,

    em ruas estreitas, em avenidas largas, s margens da rodovia: pelos quatro cantos da cidade a

    construo de apartamentos segue. reas que dcadas atrs dispunham de poucos prdios,

  • 33

    como a regio do Conjunto dos Bancrios, no extremo norte da capital, agora recebem a

    sombra das torres que subiram no entorno dos pequenos prdios construdos nas cercanias da

    serra da Cantareira nos anos 1970. Da Vila Fonte, localizada no tradicional bairro do Lauzane

    Paulista, no se podem mais observar os picos da serra como em 1986: agora as torres

    dispostas lado a lado encobrem a viso. No outro extremo, na zona Sul da cidade, os

    conjuntos habitacionais Palmares e Cocaia6, localizados respectivamente no Jardim So

    Bernardo e no Graja, tambm no so mais referencias, pois a cada ano prdios e mais

    prdios ganham essa regio que antes dispunham apenas de pequenos focos de verticalizao,

    como os conjuntos citados.

    O mesmo se pode dizer dos carros, que tambm ganharam as ruas desses bairros e

    circulam em vias cada vez mais congestionadas, que se mostram incapazes de absorver a

    quantidade de carros novos que nelas ingressam todos os dias.

    Os congestionamentos correspondem a uma parcela importante da chamada crise de

    mobilidade, como podemos ver em Rodrigues (2012) e Scaringella (2001) ou, como preferem

    chamar alguns estudiosos, a exemplo de Rolnik e Klintowitz (2011), (i)mobilidade.

    Considerando a ocorrncia diria de congestionamentos, formulamos hipteses que podem

    explicar algumas das causas do que se convencionou chamar de crise da mobilidade ou de

    (i)mobilidade na metrpole paulistana. Essas hipteses partem de uma leitura emprica e

    terica do problema e constituem o ponto de partida para a anlise.

    Com isso, indicamos que a anlise no se restringe aos congestionamentos per se, mas

    diz respeito a mltiplos processos sociais. A ttulo de ilustrao, dizemos que a ampliao do

    processo de verticalizao combinada s aes estatais (como o crescimento dos recursos

    carreados construo civil e os incentivos produo automobilstica no pas) e privadas

    (como a busca de crdito para aquisio desses bens, que passaram a contar com condies de

    financiamento mais acessveis) so a correia de transmisso para a expanso dos

    congestionamentos em algumas reas da cidade.

    Vista em perspectiva histrica, de maneira retrospectiva e integrada, a ampliao do

    nmero de prdios de apartamentos cuja legislao obriga a construo de garagens e de

    carros, sem a produo da infraestrutura necessria circulao e sem investimentos

    significativos em modais de transporte coletivo, culminaram nas duas ltimas dcadas nas

    dificuldades de circulao, no agravamento do problema dos congestionamentos e na

    dificuldade para efetivar a mobilidade cotidiana.

    6 Ambos constitudos de prdios baixos, com cinco andares.

  • 34

    Cabe aqui uma observao. A produo do espao urbano na metrpole paulistana

    bastante heterognea em termos socioespaciais. Guardadas as devidas propores tericas e

    de escala, diramos que as caractersticas dos congestionamentos refletem essas diferenas. O

    que significa dizer que os diversos fatores responsveis pelo congestionamento, por exemplo,

    num bairro talvez no sejam exatamente os mesmos que geram esse problema em outro.

    Situaes como essas ocorrem ao se propor uma pesquisa, pois sempre se cometem

    algumas arbitrariedades na escolha e no tratamento do fenmeno analisado, pois o ponto de

    partida, tanto no espao quanto no tempo, delimitado a partir de uma interpretao do

    pesquisador.

    Nesse sentido, concordamos com Oliva (2003, p. 5), o qual, ao falar sobre o ato de

    pesquisar, afirma que

    o pressuposto principal foi o de que qualquer definio do objeto de estudos

    corresponde a um a priori. Os objetos de estudos no se apresentam como

    exterioridades bvias, independentes dos sujeitos.

    Portanto nem os recortes espaciais tampouco os temporais so autoevidentes. Pelo

    contrrio, so construtos intelectuais que balizam a anlise. Com isso, afirmamos que o

    problema aqui analisado no exclusividade de uma realidade espacial especfica, tampouco

    exclusivo deste momento histrico, decerto existiram em outros momentos e existem em

    outros lugares, destarte apresenta algumas caractersticas que o singularizam neste momento e

    nos servem como ponto de partida para a reflexo.

    Em matria recente, publicada no jornal Estado de Minas com o sugestivo ttulo

    Fbrica de congestionamentos: uma capital a 10 carros por hora, as jornalistas Paula Sarapu

    e Valquria Lopes (2012) informam, baseadas em dados do Departamento Nacional de

    Trnsito (Denatran), que houve o acrscimo de 250 carros por dia na regio metropolitana de

    Belo Horizonte, o que representa um incremento de 108,5% na frota de veculos circulante na

    regio em uma dcada, entre os anos de 2001 e 2011. As mesmas jornalistas afirmam que As

    polticas de mobilidade e o investimento em obras estruturantes, porm, esto longe de

    acompanhar a velocidade de multiplicao da frota (SARAPU; LOPES, 2012, p. 21).

    Assim como em Belo Horizonte, um estudo do Observatrio das Metrpoles de

    autoria de Juciano Martins Rodrigues (2012) mostra que a frota de veculos tambm

    aumentou em outras metrpoles brasileiras, tais como Manaus (141,9%) e Goinia (100,5%),

    cujos totais de carros mais que dobraram em apenas uma dcada; consequentemente, houve

    tambm o agravamento do problema dos congestionamentos. Tal estudo aponta para o fato de

  • 35

    que o problema dos congestionamentos no exclusivo da capital paulista, ao contrrio,

    estende-se pelas principais regies metropolitanas do pas.

    O estudo tambm analisa a dinmica de venda de carros pela indstria automobilstica

    em uma dcada, e aponta para o agravamento do problema dos congestionamentos em

    algumas metrpoles. Em So Paulo, desde a dcada 1950 esse problema j era discutido.

    Segundo Vasconcellos (1999, p. 74, grifo nosso),

    Quanto s discusses sobre os problemas de trnsito, principalmente, os relativos

    aos congestionamentos, acidentes e estacionamentos, a primeira fase significativa

    aquela da do final da dcada de 40, em que o pas passa por uma mudana radical na

    sua estrutura poltica e entra em um novo ciclo de desenvolvimento econmico.

    Nesta poca, So Paulo j tinha cerca de 2 milhes de habitantes e perto de 50.000

    veculos e dada a concentrao de empregos na zona central, a maioria deles j se

    dirigia para l todos os dias.

    quela poca, os congestionamentos ocupavam apenas as vias da rea central da

    cidade e no causavam grandes transtornos maior parte de sua populao, haja vista a pouca

    difuso social da posse de automveis naqueles tempos. Na atualidade, porm, o quadro

    outro: o problema atinge quem utiliza qualquer um dos meios que circulam pelo modal

    rodovirio, excetuando-se as motos7, cujas caractersticas fsicas possibilitam que elas fluam

    entre os veculos que disputam lugar nas vias e consumem os trajetos em tempos mais

    reduzidos.

    As Pesquisas OD realizadas em 1997 e 2007 (METR, 1997, 2007) revelam que em

    todos os modais rodovirios abarcados em seu escopo houve aumento mdio no tempo de

    deslocamento e, embora se saiba que os carros transportam menos pessoas, a velocidade que

    eles atingem ainda superior dos nibus.

    7 O trabalho de Silva (2011) analisa a fluidez das motos, mas focaliza especialmente os riscos inerentes

    pilotagem de motocicleta na cidade de So Paulo, haja vista a grande quantidade de acidentes, muitos deles com

    vtimas fatais, que ocorrem diariamente na cidade.

  • 36

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    1997 2007

    min

    uto

    s

    nibus A p Carro Mdia

    Grfico 1 Tempo de deslocamento em So Paulo (1997-2007) Fonte: Pesquisa OD (METR, 1997, 2007).

    Nesse contexto, diversas reportagens publicadas ao longo dos ltimos anos mostram o

    quo demorado transitar pelas vias da cidade. Em reportagem publicada pela revista Veja

    So Paulo, em fevereiro de 2011, dez reprteres fizeram os mesmos trajetos em nibus e

    carros, e em 17 dos 20 trechos os carros foram mais rpidos. Nos dois trechos em que os

    carros demoraram mais tempo que os nibus, o ponto inicial era a regio central da cidade,

    onde h corredores exclusivos para nibus e ao longo do percurso os nibus contam com esse

    recurso em outros trechos do caminho. (BARROS, 2011)

  • 37

    Figura 2 O teste dos coletivos

    Fonte: BARROS (2011).

    Num exerccio de reportagem, a revista poca de maro de 2008 entrevistou

    Reginaldo Andrade, funcionrio do Departamento de Marketing da montadora Ford. Segundo

    Andrade, so quatro horas perdidas, literalmente, todos os dias. Eu poderia fazer um curso

    ou ir academia. Mas estou sentado no banco do carro, sem fazer nada (MASSON, 2008, p.

    102). irnico que Andrade se queixe do tempo despendido diariamente para deslocar-se,

    pois quanto mais satisfatoriamente realizar sua funo de ajudar a alavancar as vendas da

    empresa em que trabalha, pior ser seu deslocamento cotidiano.

    A lentido no deslocamento verifica-se pela quase prosternao dos veculos que, nos

    horrios de pico, arrastam-se pelas vias da cidade, dada a intensidade dos congestionamentos

    que faz com que eles praticamente permaneam nas vias por horas, como no exemplo

    apontado.

  • 38

    H, todavia, um desafio terico a ser enfrentado quando se analisa a dinmica dos

    congestionamentos, qual seja, o de no tom-los como elementos permanentes da cidade, pois

    se trata de epifenmenos que se desenvolvem espacialmente e com periodicidade

    relativamente definida. Nesse sentido, os congestionamentos esto para os estudos urbanos

    como as chuvas esto para os climatlogos. Ou seja, so manifestaes passveis de ocorrer e

    que ocorrem com relativa e conhecida frequncia, podem ser monitorados e analisados e, em

    alguma medida, j se sabe suas causas e consequncias, mas o que eles guardam de mais

    preciso nessa analogia o fato de serem descontinuados e impermanentes. Tal desafio

    consiste em refletir a respeito de uma realidade que mutatis mutandis se manifesta e se

    dissolve, mas deixa seus sinais e consequncias marcadas no imaginrio social daqueles que a

    vivenciam.

    certo que os congestionamentos ocorrem com alguma frequncia, nos chamados

    horrios de rush aqueles em que h uma maior propenso ocorrncia dos

    congestionamentos , mas eles no so constantes nem possuem limites fixos e rgidos. Pelo

    contrrio, apresentam-se difusos, ainda que as reas interiores e as vias que compem os

    limites do chamado centro expandido da cidade de So Paulo rea contida no interior do

    polgono corriqueiramente apresentem inadequadas condies de trnsito.

    Em 1997, a PMSP definiu que as vias as quais limitam os contornos do centro

    expandido e toda a extenso interna a essa rea passariam a ser alvo de uma poltica de

    restrio circulao de carros, popularmente conhecida como rodzio municipal de

    veculos8. A iniciativa tinha como pressuposto oficial melhorar as condies de qualidade do

    ar na cidade, atravs da reduo dos congestionamentos que seria obtida com a reduo de

    cerca de 20% da frota em circulao nos horrios de pico. notvel o gasto energtico e os

    impactos ambientais decorrentes da circulao viria em So Paulo.

    No ano de 1995, o governo do Estado de So Paulo j havia adotado uma medida,

    atravs da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), para reduzir os

    nveis de poluio atmosfrica. Os dados da Cetesb mostravam que entre 1981 e 1994 os

    nveis dos principais poluentes atmosfricos atingiram valores alarmantes, especialmente no

    inverno (CETESB, 1996). Segundo o estudo, h uma maior concentrao das partculas

    inalveis em julho, e as ultrapassagens do padro dirio (RMSP e Cubato-Vila Parisi) vm

    aumentando ao longo dos ltimos anos, e ocorreram principalmente entre os meses de julho e

    8 O nome oficial da atividade de restrio circulao Operao Horrio de Pico, conforme denominao da

    Companhia de Engenharia de Trfego (CET), rgo responsvel por sua implementao e fiscalizao.

  • 39

    setembro (CETESB, 1996, p. 42), sendo que o mesmo pode ser dito em relao fumaa e

    ao monxido de carbono, este ltimo com um agravante, dado que os nveis de alerta

    estendem-se por um perodo maior, de maio a setembro, portanto dois meses a mais que os

    outros poluentes citados. O oznio, por sua vez, tem maior concentrao no vero, segundo o

    estudo:

    Nos meses de vero e outono tambm so observadas ultrapassagens freqentes,

    sendo que estas ultrapassagens so de menor monta nos meses de inverno. O

    comportamento deste poluente, com poucas violaes no inverno, exatamente

    inverso ao dos outros poluentes analisados (PI, CO e Fumaa), que se manifestam

    com maior intensidade nesse perodo, como j visto anteriormente. (CETESB, 1996,

    p. 44)

    Amparado pelos resultados de estudos tcnicos realizados pela Cetesb (1996), como o

    citado acima, o Governo do Estado de So Paulo decidiu instituir uma poltica de restrio

    circulao de cerca 20% da frota de veculos9. Tal medida foi instituda atravs da Lei n

    9.358/96, que dispe:

    Artigo 1 - Fica o Poder Executivo autorizado a implantar Programa de Restrio Circulao de Veculos Automotores na Regio Metropolitana de So Paulo, durante

    o ano de 1996, na poca compreendida entre o incio de maio e o final de setembro,

    durante os perodos necessrios para prevenir episdios crticos de poluio do ar,

    tendo em vista as condies climticas e a concentrao de poluentes em

    desconformidade com os padres de qualidade legalmente estabelecidos. (SO

    PAULO - Estado, 1996)

    Os resultados obtidos inicialmente foram bons, pois se verificou uma reduo na

    concentrao de poluentes, mas os efeitos mais significativos foram observados no tocante

    circulao nas vias da RMSP.

    Aproveitando-se desse fato, o ento prefeito do municpio de So Paulo Celso Pitta

    decidiu adotar uma poltica de restrio circulao de veculos nas vias limites e no interior

    do centro expandido, nos horrios mais movimentados (horrio de rush: entre 7 e 10 horas, e

    entre 17 e 20 horas). A medida foi colocada em vigor atravs do Decreto-lei n 37.085/97

    (SO PAULO - Municpio, 1997b). Assim, teoricamente 20% da frota parou de circular nos

    9 Esse percentual um nmero de referncia, porm um valor impreciso, especialmente porque facultado ao

    comprador de um carro indicar o ltimo algarismo de sua placa. Assim, possvel que em alguns dias o

    percentual que no possa circular nos horrios restritos seja maior ou menor. A Rdio SulAmrica Trnsito, cujo

    trabalho lida diretamente com a circulao de automveis em So Paulo, aponta, atravs de seus locutores, que,

    via de regra, nas sextas-feiras h um nmero maior de carros circulando nos horrios de pico. Uma hiptese para

    explicar isso seria a de que os compradores escolhem algarismos restritos em outros dias para que possam, por

    exemplo, viajar no incio da noite de sexta sem uma restrio legal.

    http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/anotada/3450372/art-1-da-lei-9358-96-sao-paulo

  • 40

    horrios restritos e houve uma diminuio no volume dos congestionamentos, fato que

    conteve o problema em curto prazo; no entanto h que se observar que desde 1997 houve

    expressivo crescimento da frota de carros da cidade de So Paulo.

    A ttulo de exemplo, segundo um estudo realizado pela CET (2010), as velocidades

    mdias de circulao nas vias da metrpole aferiram reduo de cerca de 20% nos perodos da

    manh e da tarde em So Paulo nas ltimas duas dcadas. Houve tambm um aumento nos

    ndices de lentido e na taxa de motorizao10

    , de acordo com os dados da Pesquisa OD,

    realizada pelo Metr (1997): em 1987 essa taxa era de 141 carros por mil habitantes; 20 anos

    depois, o mesmo ndice apontava um aumento, atingindo a casa de 184 carros para cada mil

    habitantes. Portanto possvel inferir que, j no ltimo quartel dos anos 1990, eram claros os

    sinais de esgotamento das condies gerais de circulao viria nessa rea da cidade. A

    extenso e a intensidade que os congestionamentos atingem na atualidade permitem

    questionar se a saturao observada em algumas vias que compem os eixos de acesso s

    extremidades da cidade tambm no indica o mesmo problema verificado nas cercanias do

    centro expandindo mais de uma dcada atrs.

    Nesse contexto, tanto os benefcios ambientais como os benefcios virios decorrentes

    da reduo do nmero de veculos em circulao no centro expandido foram perdendo a

    eficcia ao longo dos anos.

    importante enfatizar que, embora os congestionamentos j existissem, em sua raiz

    eles no so iguais, uma vez que o conjunto das causas, a intensidade e a extenso atuais

    guardam caractersticas no observadas em outros momentos histricos.

    O aumento na quantidade de carros circulando um dos fatores que contribuem para a

    ampliao de um dos problemas mais visveis da metrpole paulistana: os

    congestionamentos11

    , que de certa maneira, se tornaram um fator identitrio, uma parte do

    imaginrio social quando se descrevem as caractersticas de So Paulo. Esse um ponto de

    destaque, pois os congestionamentos se concentravam nas vias onde se aglomeram as

    atividades de comrcio e servios, mormente contidas no interior da rea batizada de centro

    expandido da cidade de So Paulo (rea formada pelas vias marginais aos rios Tiet e

    Pinheiros, avenida dos Bandeirantes, Tancredo Neves, rua das Juntas Provisrias, avenida

    Luis Incio de Anhaia Mello e Salim Farah Maluf, at fechar novamente a rea na marginal

    10 A taxa de motorizao corresponde relao entre a populao e a quantidade de veculos.

    11 Manifestaes que ocupam as vias, acidentes e incidentes provocados pelas mais diversas causas, tais como impercia, imprudncia e negligncia dos envolvidos no cotidiano do trfego, todos esses fatos podem resultar

    em congestionamentos.

  • 41

    Tiet), e o que se verifica ao longo dos dois ltimos decnios uma gradual expanso dos

    congestionamentos em direo s diversas reas da cidade, muitas delas bem distantes da rea

    central.

  • 2805745Texto digitado

    2805745Texto digitadoMapa 1 So Paulo Zona do rodzio municipal de veculos

    2805745Texto digitado

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    2805745Texto digitado42

    2805745Texto digitado

  • 43

    cada vez mais presente a ocorrncia de congestionamentos em reas muito distantes

    do centro do municpio de So Paulo, como na avenida Dr. Lus Aires, situada na zona Leste

    da cidade, a cerca de 20 km da Praa da S, marco zero da cidade, que hoje uma de suas

    vias a apresentar maior lentido, ou na avenida Senador Teotnio Villela, situada no extremo

    sul, a cerca de 26 km do marco zero (CET, 2010). Essas duas vias servem de ligao entre

    alguns bairros situados nos limites perifricos das respectivas zonas da cidade onde se

    localizam e a rea central do municpio de So Paulo, e apresentam altos ndices de

    congestionamento nos horrios de pico.

    luz da realidade at aqui apresentada, como fica a mobilidade cotidiana?

    Ao longo do prximo captulo desta tese, captulo dois, dialogaremos com alguns

    autores cujas obras nos permitam apresentar uma noo de mobilidade cotidiana.

    Atualmente, a temtica da mobilidade est mais em voga que outrora e tem sido

    discutida por diversos autores, tais como Urry (2007), Aug (2010) e Cresswell (2006).

    Oriundos de diferentes campos do conhecimento, esses trs autores enfocam a mobilidade a

    partir de uma perspectiva bem ampla e abrangente. Nesse sentido, o termo mobilidade

    cobriria desde os fluxos imateriais, como os de informao e dinheiro12

    , at o fluxo de

    pessoas. Por conta disso, ao discutirem os fluxos cotidianos intrametropolitanos, todos eles,

    com maior ou menor nfase, revelam quais fluxos reestruturam as redes metropolitanas de

    circulao13

    , tanto para o transporte individual quanto para o transporte coletivo.

    Na geografia brasileira, essa temtica tambm tem sido explorada14

    , com menos

    nfase, porm, que em outros campos do conhecimento; destacamos aqui trs trabalhos que,

    por ngulos diferentes, enfocam a relao entre os automveis e a cidade de So Paulo e, por

    conseguinte, a mobilidade cotidiana. Referimo-nos aos trabalhos de Schor (1999), Balbim

    (2003) e Oliva (2003), todos defendidos em nvel de doutorado no Departamento de

    Geografia da Universidade de So Paulo. Outro trabalho recente o livro intitulado

    Circulao, transporte e logstica: diferentes perspectivas, publicado em 2011 e

    organizado por Mrcio Rogrio Silveira. Nessa obra, a partir da anlise das diferentes

    estruturas virias e modais de transporte que vertebram o territrio brasileiro, alguns autores

    12 Associados aos fluxos comunicacionais.

    13 Uma vez que as vias passam a estruturar o territrio.

    14 A ttulo de observao, analisando os anais dos ltimos quatro Encontros Nacionais de Gegrafos realizados

    respectivamente em So Paulo (SP) (2006), Rio Branco (AC) (2008), Porto Alegre (RS) (2010) e Belo Horizonte

    (MG) (2012), apenas nos dois ltimos houve salas para a discusso de trabalhos relacionados a essa temtica, e

    nesta ltima edio a sala contava com apenas 25 trabalhos, dos quais se podem destacar cinco que, de fato,

    discutiam profundamente a questo.

  • 44

    realizam uma leitura analtica acurada de elementos que impactam a mobilidade cotidiana.

    Vale lembrar que, por ser um livro de artigos cujo eixo orientador no propriamente a

    mobilidade cotidiana, nem todas as contribuies versam diretamente sobre o assunto.

    possvel dizer tambm que, no mbito da geografia, no conhecemos muitos outros

    estudos pretritos que enfocaram essa discusso. Mas digna de nota uma obra de Pierre

    George (1983), a Geografia Urbana. Nesse livro, ao realizar a anlise dos fluxos no percurso

    casa-trabalho e trabalho-casa, o autor enfoca a mobilidade cotidiana. Dessa perspectiva,

    possvel dizer que a discusso sobre a mobilidade cotidiana estava j posta, embora no fosse

    nem de longe o tema principal do estudo. Segundo nossa interpretao, essa posio

    secundria ocupada pela temtica est diretamente associada baixa capilaridade percebida

    pelos automveis em contraposio extenso e eficcia da rede de transportes em Paris,

    local que serve de objeto analtico para o autor.

    Atualmente, os automveis, esses objetos tcnicos, apresentam grande influncia na

    produo do espao nas metrpoles. No obstante possvel encontrar na obra de George

    (1983) um ponto inicial de leitura relativa mobilidade cotidiana.

    O terceiro captulo de nossa tese tem como foco a constituio do rodoviarismo no

    pas, bem como a anlise das estratgias de reproduo do capital por meio de um panorama

    acerca da organizao espacial da indstria automobilstica brasileira, que passou, nos albores

    do Plano Real, por uma ampla reestruturao, alando o pas ao patamar dos maiores

    produtores e consumidores de automveis do mundo.

    Ao tratar desse assunto, nosso intuito no ser o de traar uma histria da indstria

    automobilstica no Brasil, seno destacar as alteraes pelas quais esse ramo industrial passou

    nas duas ltimas dcadas, pois notadamente houve uma grande transformao, a partir da

    dcada de 1990, quando o ento presidente da Repblica Fernando Collor de Mello, precursor

    do neoliberalismo no Brasil, abriu o mercado brasileiro s importaes de veculos

    estrangeiros.

    Alm da abertura concorrncia com produtos importados, algumas outras medidas

    foram implantadas, tais como a permisso para a instalao de novas fbricas de automveis

    no pas e a adoo de medidas fiscais que viabilizaram a alterao dos processos produtivos

    da indstria automobilstica nacional e reinseriu, agora em outro patamar, os automveis

    produzidos no Brasil no mercado internacional. O resultado que desde ento a indstria

    automobilstica passou a bater recordes de produo e lucratividade, com declnios pontuais,

    ao longo do perodo estudado.

  • 45

    Em nosso quarto captulo, faremos uma breve discusso que visa a iluminar o modo

    como a conjuntura histrica circunstanciada pelo Plano Real foi importante no sentido de

    refletir, numa escala espacial ampliada, a crise da mobilidade. Nesse sentido, o ano de 1994

    demarca um recorte temporal em nossa pesquisa, por conta da circulao da nova moeda, um

    momento especfico da histria econmica do Brasil que, pautada pelo monetarismo, trouxe

    ao pas estabilidade monetria dentro dos parmetros neoliberais.

    O Plano Real teve como principal bandeira o controle da inflao; para tanto, lanou

    mo inicialmente de uma abertura do mercado nacional concorrncia com produtos

    estrangeiros, ao mesmo tempo mantinha uma poltica de juros altos que visava a atrair fundos

    para compor as reservas cambiais que serviram de lastro nova moeda em consequncia,

    aumentavam-se os impostos e encargos estatais para remunerar esses investidores.

    No quinto captulo de nossa tese, faremos a discusso acerca dos limites espaciais da

    pesquisa realizada, pensando a relao entre o congestionamento na cidade de So Paulo e a

    relao dessa cidade com sua regio metropolitana.

    No caso da RMSP, existe uma srie de dados que nos permitem realizar uma

    aproximao a respeito das condies de mobilidade na integralidade da regio, todavia

    optamos por centrar os esforos analticos na cidade de So Paulo. Para tanto nos valemos dos

    dados obtidos pela Pesquisa OD do Metr de So Paulo (1997, 2007).

    Desde 1967, a cada decnio, o Metr realiza uma ampla pesquisa que visa a coletar

    informaes a respeito de algumas variveis que influenciam as condies de circulao e

    mobilidade cotidiana na regio metropolitana de So Paulo a chamada Pesquisa OD15

    . Na

    verdade, a referida pesquisa composta por duas pesquisas distintas, como esclarece Paiva

    (2007a, p. 1):

    Pesquisa Origem-Destino o resultado de duas pesquisas distintas e

    complementares, denominadas Pesquisa Domiciliar e Pesquisa de Linha de

    Contorno. A primeira levanta os dados sobre as viagens internas rea de pesquisa;

    a segunda, os dados das viagens externas com origem ou destino no interior da rea

    de pesquisa, e ainda viagens que simplesmente atravessam a rea de pesquisa.

    Neste trabalho, utilizamos os resultados das Pesquisas OD referentes aos anos de 1997

    e 2007 (METR, 1997, 2007). Para fins analticos e de comparao, adotamos um

    procedimento metodolgico original, cujo objetivo foi viabilizar o tratamento e o

    15 A prxima pesquisa, a ser realizada entre 2012 e 2013, ganhar o nome de Pesquisa de Mobilidade. A

    alterao expressa, de certa maneira, a adoo de um termo do momento. importante ressaltar que o

    contedo da pesquisa no mudar, apenas o nome.

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    agrupamento dos dados de uma maneira que pudssemos criar unidades territoriais

    comparveis entre si. O que fizemos foi reagrupar as zonas de pesquisa definidas pelo Metr

    (1997, 2007), j que na pesquisa referente ao ano de 1997 a Grande So Paulo foi dividida em

    389 zonas de pesquisa, enquanto a de 2007 dividiu a mesma rea em 460 zonas, o que, em

    princpio, as torna incomparveis.

    Em relao aos municpios da Grande So Paulo, procedemos ao agrupamento das

    zonas de pesquisa reconstituindo a rea territorial de cada municpio. Esse tratamento cria

    uma rea comparvel que nos contempla. Assim, possvel ter um panorama de cada um dos

    municpios, comparar suas dinmicas e estabelecer um panorama dos fluxos em direo

    metrpole.

    Para o municpio de So Paulo procedemos de maneira diferente: fizemos o

    agrupamento por subprefeituras, primeiro porque esse municpio o polo central de nossa

    anlise e tambm porque onde se verifica a crise de mobilidade de modo mais agudo.

    Embora as subdivises das pesquisas de 1997 e 2007 sejam diferentes, em ambas a base para

    a subdiviso foi a mesma unidade administrativa: os distritos do municpio de So Paulo. A

    ttulo de exemplo, o distrito do Brs foi dividido em duas zonas para a pesquisa de 1997, j

    em 2007 a mesma rea foi subdividida em cinco zonas. Se fizermos a anlise ipsis litteris, no

    haver correspondncia entre os zoneamentos estabelecidos para as duas pesquisas, todavia ao

    restitu-las tendo como referncia os distritos da cidade, a comparao procedente.

    Aps reconstituirmos os distritos do municpio, realizamos um novo agrupamento,

    desta vez tendo como produto as reas correspondentes s subprefeituras. A opo por essa

    unidade administrativa tem tambm uma razo pragmtica: a possibilidade de associar nossas

    informaes a outras mensuradas pela PMSP, que utiliza essa subdiviso como base para o

    agrupamento e a divulgao de diversas informaes municipais. Assim procedendo, no

    restitumos a realidade, apenas conformamos um quadro de aproximaes sucessivas que

    possibilita a realizao de nossa anlise16

    .

    Essa metodologia nos permite representar cartograficamente um conjunto de

    informaes que condicionam a realizao da mobilidade cotidiana em So Paulo.

    Numa regio metropolitana, a cidade central o ncleo principal: a metrpole. Esse

    o primeiro fator que nos leva a limitar a anlise apenas ao municpio de So Paulo, todavia

    16 Outras fontes de informaes, como a Empresa Brasileira de Estudos do Patrimnio (Embraesp) para os dados

    de verticalizao e o IBGE para os dados relativos renda, tambm tiveram suas informaes trabalhadas para

    corresponderem s reas das subprefeituras, conforme a prpria PMSP divulga em um de seus w