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2
ANDR DOS SANTOS BALDRAIA SOUZA
Presos no crculo, prostrados no asfalto: tenses entre o mvel
e o imvel
Tese apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Geografia Humana do
Departamento de Geografia da Faculdade de
Filosofia, Letras e Cincias Humanas da
Universidade de So Paulo, para a obteno do
ttulo de Doutor.
Orientadora: Profa. Dra. Sandra Lencioni
So Paulo
2013
3
FOLHA DE APROVAO
Nome: SOUZA, Andr dos Santos Baldraia
Ttulo: Presos no crculo, prostrados no asfalto: tenses entre o mvel e o imvel
Tese apresentada ao Programa de Ps-
Graduao em Geografia Humana do
Departamento de Geografia da Faculdade de
Filosofia, Letras e Cincias Humanas da
Universidade de So Paulo, para a obteno do
ttulo de Doutor.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. _____________________________ Instituio: _____________________________
Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________
Prof. Dr. _____________________________ Instituio: _____________________________
Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________
Prof. Dr. _____________________________ Instituio: _____________________________
Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________
Prof. Dr. _____________________________ Instituio: _____________________________
Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________
Prof. Dr. _____________________________ Instituio: _____________________________
Julgamento: ___________________________ Assinatura: ____________________________
4
Para Natlia e Jos; Fernando, Hagen e Paulo,
cujo apoio e compreenso ao longo do tempo
permitiram-me construir esta tese.
5
AGRADECIMENTOS
Costumamos dizer que a redao de uma tese um momento de solido. uma
verdade parcial. Nesse caminho, muitas pessoas perpassam nosso cotidiano, dividem conosco
as angstias e as pequenas conquistas; auxiliam-nos de maneira a seguir em frente e finalizar
o trabalho. So muitas pessoas e certamente algumas delas no tero seus nomes escritos aqui,
o que tambm normal nesta seo.
Aos meus pais, Natlia e Jos, que foram e so responsveis pelo que sou, pois se
sacrificaram para garantir aos filhos uma condio educacional que eles mesmos no tiveram.
Ao Fernando Baldraia, meu irmo, um intelectual sui generis, uma forte referncia
pessoal em muitos sentidos, e um leitor crtico e atencioso deste trabalho.
Hagen, minha irm, uma companheira de todas as horas; agradeo pelas fotografias,
pelos inmeros bules de caf, pelo ombro amigo e o peito e a cabea sempre abertos ao
dilogo.
Ao Saulinho, uma grata surpresa, a despeito de ser meu cunhado!
Ana Carolina pelo carinho, a companhia e a pacincia.
A todos aqueles amigos, e so muitos, que constituem o MACD, inclusive os novos,
que agora so tambm veteranos!
Ao Villy, Mait, Patrcia e, principalmente, Marina que reencontrei na Ps-
Graduao que junto comigo formaram uma turma de animados e interessantes debates.
Aos colegas de colquio, espao de instigantes e constantes discusses: Wagner,
Osias, Rita, Regina, Ana Paula, Cristina, Andria, Amanda, Marcos e, especialmente, ao
Geraldo e ao Isaque, amigos cuja distncia no diminui o carinho e o respeito que cultivamos
ao longo de nossos estudos. Maialu constitui uma histria a parte nesse grupo, dadas s horas
de voo passadas no Lergeo.
Marcella, muito presente mesmo estando distante.
Aos colegas do Rio, Dani Egger, Dbora, Danee, Mendel, Fil, Marola, Lvia e Maria
Rita, quem diria!
Jackeline, puxa vida! Como voc foi importante nesses tempos. Longas aulas,
longas conversas, uma msica para meus ouvidos!
Ao Edu, velho amigo, que reencontrei aps um breve distanciamento involuntrio.
Shisleni, um amor de pessoa, por tudo! Inclusive as tradues do francs para o
portugus.
6
Alezinho, sua (re)passagem por So Paulo me foi revitalizadora, alm dos passeios de
bicicleta pelas cercanias de Paris.
Ao Dilermando, de longa data e distncia.
Patty e Joana, talvez vocs no saibam o quo importante vocs foram!
Carol, pelos preciosos trabalhos de reviso e pelo carinho de sempre, agora
acompanhada da Teresa!
Marlia e ao Ewerton que foram fundamentais na construo dos materiais
cartogrficos dessa tese. Quanta pacincia vocs tiveram!
Aos futequileiros, do qual partilho mais o fute(bol) e menos a tequila... que sequer
existe nas noites de tera.
Rene, Valria e Sheila, pelas horas de conversas boas e ruins na Uniesp e nos
arredores.
Ao Juninho e ao Daniel, amigos de todas as horas.
A toda a equipe do Colgio Rainha da Paz, especialmente a equipe do Ensino
Fundamental II, pelo carinho, apoio e pela liberdade na execuo do meu ofcio ao longo
desses anos.
Idlia e aos muitos ex-alunos da Hotec que se tornaram amigos.
; professora Sandra Lencioni... Tudo o que escrevo aqui pouco, pois o texto, dado
o ordenamento das palavras, impossibilita expressar o quanto eu lhe sou grato! Ao longo de
todos esses anos aprendi muito contigo, tanto da perspectiva intelectual quanto pessoal.
impossvel traar minha trajetria na geografia sem sua presena. uma relao que
transcende a orientao intelectual; uma companheira nos momentos mais difceis e
delicados, sempre com uma palavra amiga, segura e serena; um sorriso largo, amvel e
amigvel nos momentos de alegria. Enfim ;1
1 A pontuao esquisita uma licena potica para representar a maior parte de meu percurso acadmico nessa
Universidade. O primeiro ponto e virgula marca o incio do processo de orientao, na passagem do segundo
para o terceiro ano da Graduao, e o segundo ponto e virgula representa este momento que tambm uma
finalizao, mas espero que no seja um ponto final.
7
Rua da Passagem
Os curiosos atrapalham o trnsito
Gentileza fundamental
No adianta esquentar a cabea
No precisa avanar no sinal
Dando seta pra mudar de pista
Ou pra entrar na transversal
Pisca alerta pra encostar na guia
Parabrisa para o temporal
J buzinou, espere, no insista,
Desencoste o seu do meu metal
Devagar pra contemplar a vista
Menos peso do p no pedal
No se deve atropelar um cachorro
Nem qualquer outro animal
Todo mundo tem direito vida
Todo mundo tem direito igual
Motoqueiro, caminho, pedestre
Carro importado, carro nacional
Mas tem que dirigir direito
Para no congestionar o local
Tanto faz voc chegar primeiro
O primeiro foi seu ancestral
melhor voc chegar inteiro
Com seu venoso e seu arterial
A cidade tanto do mendigo
Quanto do policial
Todo mundo tem direito vida
Todo mundo tem direito igual
Travesti, trabalhador, turista
Solitrio, famlia, casal
Todo mundo tem direito vida
Todo mundo tem direito igual
Sem ter medo de andar na rua
Porque a rua o seu quintal
Todo mundo tem direito vida
Todo mundo tem direito igual
Boa noite, tudo bem, bom dia,
Gentileza fundamental
Todo mundo tem direito vida
Todo mundo tem direito igual
Pisca alerta pra encostar na guia
Com licena, obrigado, at logo, tchau!
Lenine
8
RESUMO
SOUZA, Andr dos Santos Baldraia. Presos no crculo, prostrados no asfalto: tenses entre
o mvel e o imvel. 2013. 308 f. Tese (Doutorado) Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013.
O presente trabalho analisa e discute a crise de mobilidade cotidiana nas duas ltimas
dcadas, em So Paulo, tendo em vista o agravamento gradativo das condies de circulao
viria na metrpole paulistana. Considerando o espao como produto, condio e meio de
reproduo das relaes sociais, defendemos a tese de que a atual crise da mobilidade
cotidiana advm de um conjunto de medidas que foram formuladas e implantadas atravs de
polticas econmicas de orientao neoliberal, com destaque para os novos meios de
financiamento produo do espao urbano e reorganizao produtiva da indstria
automobilstica nacional, bem como para as estratgias voltadas ao incentivo do consumo de
bens durveis, viabilizado pela ampliao das linhas de crdito para a aquisio de bens
durveis, principalmente carros. A esses elementos associam-se outros, tais como: a extenso
e a densidade da ocupao urbana, a baixa qualidade dos sistemas de transportes coletivos e o
traado da infraestrutura viria. A apreciao conjunta desses elementos constitui o quadro a
partir do qual realizamos nossa anlise.
Palavras-chave: Mobilidade Cotidiana, Crdito, Congestionamentos.
9
ABSTRACT
SOUZA, Andr dos Santos Baldraia. Stranded in inner city, helpless on the asphalt:
tensions between mobility and immobility. 2013. 308 f. Tese (Doutorado) Faculdade de
Filosofia, Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013.
This dissertation analyzes and discusses the crisis of daily mobility in the past two decades in
So Paulo, caused by the gradual worsening of the conditions of road circulation in the
metropolis. Regarding space as a product, a condition and a means of the reproduction of
social relations, we put forth the hypothesis that the current crisis of mobility is the outcome
of a number of actions that were formulated and implemented as part of neoliberal economic
policymaking. Among such actions are the new sources of credit for the production of urban
space, the restructuring of the domestic automobile industry and the strategies that encourage
the purchase of durable goods (especially cars) made possible by the expansion of consumer
credit. Other elements combine with these three basic causes, such as the low quality of public
transit systems and the road layout. By taking account of all these elements together, we build
the framework upon which we carry out our analysis.
Key-words: Daily Mobility; Credit; Traffic Congestion.
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Uso das principais vias da cidade de So Paulo no horrio de pico ....................... 28
Figura 2 O teste dos coletivos ............................................................................................... 37
Figura 3 Meta de faminto: a charge da dcada de 1960 explora a concepo rodoviarista em
voga no Brasil desde ento ....................................................................................................... 92
Figura 4 Anncio de venda de apartamento aceitando carro como entrada ........................ 192
Figura 5 Avenidas de So Paulo .......................................................................................... 218
Figura 6 Ciclorrotas da cidade de So Paulo ....................................................................... 222
Figura 7 Ciclovias da cidade de So Paulo ......................................................................... 223
Figura 8 Vivendo em So Paulo sem carro (2012) .............................................................. 238
Figura 9 Pontos mais cobiados pelos vendedores ambulantes .......................................... 244
Figura 10 A frmula dos congestionamentos ...................................................................... 253
11
LISTA DE FOTOS
Foto 1 Fiat Uno Mille 1990 .............................................................................................. 119
Foto 2 Chevette Jnior 1992 ............................................................................................. 119
Foto 3 Escort Hobby 1993 ................................................................................................ 119
Foto 4 Fusca 1000 Itamar 1993 .................................................................................... 119
Foto 5 Gol 1000 1994 ....................................................................................................... 119
Foto 6 Chevrolet Corsa 1995 ............................................................................................ 120
Foto 7 Volkswagen Gol 1995 ........................................................................................... 120
Foto 8 Ford Fiesta 1995 .................................................................................................... 120
Foto 9 Fiat Palio 1996 ...................................................................................................... 120
Foto 10 Propaganda de loja de veculos em uma movimentada avenida de So Paulo ...... 189
Foto 11 Estacionamento na Vila Madalena, em So Paulo ................................................. 191
Foto 12 Estacionamento na Barra Funda, em So Paulo ..................................................... 191
Foto 13 Orientador de apoio circulao na ciclofaixa de lazer, na esquina da rua Alvarenga
com Prof. Fonseca Rodrigues. ................................................................................................ 198
Foto 14 Ciclofaixa de lazer na altura da Praa Panamericana: o estmulo convivncia
entre os meios de transporte. .................................................................................................. 198
Foto 15 Carros e bicicletas na ciclofaixa de lazer, na altura da Praa Panamericana. ........ 198
Foto 16 Ciclofaixa de lazer, na altura da Ponte da Cidade Universitria. ........................... 198
Foto 17 Ciclorrota na rua Duarte da Costa, no bairro da Lapa ............................................ 221
Foto 18 Ciclovia da marginal Pinheiros, vista a partir da Estao Vila Olmpia ................ 221
Foto 19 Aplicativo da Rdio SulAmrica Trnsito ............................................................. 250
Foto 20 Tela inicial do aplicativo Waze .............................................................................. 251
Foto 21 Interface normal do aplicativo Waze ...................................................................... 251
Foto 22 Interface de alimentao de dados do aplicativo Waze .......................................... 251
12
Foto 23 Inseres comerciais do aplicativo Waze ............................................................... 251
Foto 24 nibus com faixa defendendo os nibus fretados. ................................................. 267
Foto 25 Carro de ex-usurio do servio de fretado identificado com placa de repdio
restrio. ................................................................................................................................. 267
Foto 26 Corredor de nibus da avenida Santo Amaro, na esquina com a avenida Juscelino
Kubitschek .............................................................................................................................. 270
Foto 27 Faixa exclusiva para nibus, direita da via, na altura do nmero 22.500 da avenida
das Naes Unidas .................................................................................................................. 271
13
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Tempo de deslocamento em So Paulo (1997-2007) ............................................ 36
Grfico 2 Evoluo da rea construda no municpio de So Paulo, por tipo de uso do solo
% (1995-2010) .......................................................................................................................... 50
Grfico 3 Distribuio das viagens em So Paulo, segundo os diferentes modais de
transporte (1997) ...................................................................................................................... 59
Grfico 4 Distribuio das viagens em So Paulo, segundo os diferentes modais de
transporte (2007) ...................................................................................................................... 59
Grfico 5 Viagens realizadas na Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP), segundo suas
motivaes ................................................................................................................................ 64
Grfico 6 Participao dos carros populares no total de emplacamentos de veculos no
Brasil (1990-2010) .................................................................................................................. 117
Grfico 7 Renda mdia da populao no Brasil e em So Paulo (1992-2009) ................... 140
Grfico 8 Distribuio de renda no Brasil (1992-2009) ...................................................... 142
Grfico 9 Distribuio do crdito para financiamento de carros (2007-2012) .................... 143
Grfico 10 Volume de crdito ao consumidor (2007-2012) ............................................... 143
Grfico 11 Evoluo das reas destinadas s garagens nos edifcios de So Paulo (1930-
2010) ....................................................................................................................................... 187
Grfico 12 Deslocamento casa-trabalho dos trabalhadores localizados no primeiro e no
ltimo decis de renda, nas regies metropolitanas brasileiras (1992-2009) ........................... 240
Grfico 13 Velocidade mdia do trnsito (2000-2011) ....................................................... 255
14
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 So Paulo Zona do rodzio municipal de veculos ................................................ 42
Mapa 2 Brasil Distribuio da indstria automobilstica (2010) ...................................... 113
Mapa 3 Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) Distribuio da populao (1997 e
2007) ....................................................................................................................................... 153
Mapa 4 So Paulo Distribuio da populao (2000 e 2010) .......................................... 154
Mapa 5 Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) Distribuio dos empregos (2007 e
2010) ....................................................................................................................................... 155
Mapa 6 So Paulo Distribuio dos empregos (2000 e 2010) .......................................... 156
Mapa 7 Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) Fluxo e balano dos movimentos
pendulares (2010) ................................................................................................................... 159
Mapa 8 So Paulo Verticalizao: lanamentos residenciais (1992-2011) ...................... 174
Mapa 9 So Paulo Verticalizao: lanamentos comerciais (1992-2011) ....................... 182
Mapa 10 So Paulo Estoque residencial e outorga onerosa (2007 e 2011) ...................... 186
Mapa 11 Municpio de So Paulo Distribuio da frota de carros (1997) ....................... 200
Mapa 12 Municpio de So Paulo Distribuio da frota de carros (2007) ....................... 201
Mapa 13 Municpio de So Paulo Distribuio da frota de carros e percentual de
crescimento (2007) ................................................................................................................. 202
Mapa 14 Municpio de So Paulo Uso de carros para deslocamentos dirios (1997-2007)
................................................................................................................................................ 207
Mapa 15 Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) Viagens atradas (1997) ............. 208
Mapa 16 Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) Viagens atradas (2007) ............. 209
Mapa 17 Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) Viagens produzidas dirigindo-se
carros (1997-2007) ................................................................................................................. 210
Mapa 18 Municpio de So Paulo Renda per capita (2010) ............................................ 230
Mapa 19 Municpio de So Paulo Renda mdia (2010) ................................................... 231
15
Mapa 20 Municpio de So Paulo Tempo de deslocamento casa-trabalho (2010) .......... 232
Mapa 21 Municpio de So Paulo Tempo mdio de deslocamento casa-trabalho (2010) 233
Mapa 22 Municpio de So Paulo Terminais de nibus (2013) ....................................... 235
Mapa 23 Municpio de So Paulo Infraestrutura de transporte coletivo (2013) .............. 236
Mapa 24 Municpio de So Paulo Cruzamentos e vias preferidas pelos vendedores
ambulantes (2012) .................................................................................................................. 246
Mapa 25 Municpio de So Paulo Vias mais lentas no horrio de pico da manh (2010)
................................................................................................................................................ 257
Mapa 26 Municpio de So Paulo Vias mais lentas no horrio de pico da tarde (2010) .. 258
Mapa 27 Zona Mxima de Restrio Circulao (ZMRC)............................................... 262
Mapa 28 Zona Mxima de Restrio aos Fretados (ZMRF) ............................................... 266
Mapa 29 Mapa-sntese das zonas de restrio circulao ................................................. 269
Mapa 30 Corredores e faixas preferenciais para a circulao de nibus at dezembro de
2012 ........................................................................................................................................ 272
Mapa 31 Corredores e faixas segregadas para a circulao de nibus aps as manifestaes
de junho de 2013 .................................................................................................................... 273
Mapa 32 Municpio de So Paulo Zona do rodzio municipal de veculos e proposta de
vias para receberem o mesmo tipo de restrio circulao .................................................. 275
16
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Distribuio das montadoras de veculos no Brasil (2010) .................................. 112
Tabela 2 Prazos mximos para a quitao de financiamento de automveis no Brasil, entre
1994 e 1995 ............................................................................................................................ 138
Tabela 3 Parmetros de renda para definio das classes sociais, por domiclio e per capita
(2009) ..................................................................................................................................... 141
Tabela 4 Populao da Regio Metropolitana de So Paulo (RMSP) (1997-2007) ............ 157
Tabela 5 Distribuio espacial dos empregos na Regio Metropolitana de So Paulo
(RMSP) (1997-2007) .............................................................................................................. 158
Tabela 6 Estabelecimentos e empregos formais, por subsetor de atividade econmica ..... 167
Tabela 7 Estoque residencial em So Paulo, por subprefeituras e distritos (2007 e 2011) . 184
Tabela 8 Condies especiais de circulao de caminhes na metrpole ........................... 260
17
LISTA DE SIGLAS
ANEF Associao Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras
Anfavea Associao Nacional dos Fabricantes de Veculos Automotores
BNH Banco Nacional da Habitao
CBN Central Brasileira de Notcias
CDC Crdito Direto ao Consumidor
CEO Chief Executive Officer
CET Companhia de Engenharia de Trfego
Cetesb Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental
Chesf Companhia Hidreltrica do So Francisco
Ciesp Centro das Indstrias do Estado de So Paulo
CNA Companhia Nacional de lcalis
CPMF Contribuio Provisria sobre Movimentao Financeira
CPTM Companhia Paulista de Trens Metropolitanos
CRI Certificados de Recebveis Imobilirios
CSN Companhia Siderrgica Nacional
CVRD Companhia Vale do Rio Doce
Denatran Departamento Nacional de Trnsito
Detran-SP Departamento de Trnsito do Estado de So Paulo
DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
DNIT Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte
Embraesp Empresa Brasileira de Estudos do Patrimnio
Emplasa Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano
EMTU Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos
FAB Fora Area Brasileira
18
FGV Fundao Getlio Vargas
Fiesp Federao das Indstrias do Estado de So Paulo
FII Fundo de Investimento Imobilirio
Fipe Fundao Instituto de Pesquisas Econmicas
FMI Fundo Monetrio Internacional
FRN Fundo Rodovirio Nacional
FSE Fundo Social de Emergncia
Geia Grupo Executivo da indstria Automobilstica
GM General Motors
GPS Global Positioning System
Ibec Institute Basic Economy Corporation
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IGPM ndice Geral de Preos ao Mercado
IPC ndice de Preos ao Consumidor
IPCA ndice de Preos ao Consumidor Amplo
Ipea Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada
IPI Imposto sobre Produtos Industrializados
IPMF Imposto Provisrio sobre a Movimentao Financeira
IPO Initial Public Offering
MBA Masters of Bussiness Administration
Mercosul Mercado Comum do Sul
Metr Companhia do Metropolitano de So Paulo
Nepo Ncleo de Estudos da Populao
OMC Organizao Mundial do Comrcio
PDDI Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
Pesquisa OD Pesquisa de Origem e Destino
19
PF Pessoa Fsica
PIB Produto Interno Bruto
Pitu Plano Integrado de Transportes Urbanos
PJ Pessoa Jurdica
PMSP Prefeitura do Municpio de So Paulo
PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios
PNMU Poltica Nacional de Mobilidade Urbana
PRN Plano Rodovirio Nacional
PUB Plano Urbanstico Bsico
RAB Regime Automotivo Brasileiro
Regic Regies de influncia das cidades
RMSP Regio Metropolitana de So Paulo
Sabesp Companhia de Saneamento Bsico do Estado de So Paulo
Sagmacs Sociedade para Anlises Grficas e Mecanogrficas Aplicadas aos
Complexos Sociais
Samu Servio de Atendimento Mvel de Urgncia
Sempla Secretaria Municipal de Planejamento, Oramento e Gesto do
Municpio de So Paulo
SFH Sistema Financeiro da Habitao
SFI Sistema Financeiro Imobilirio
Sindipeas Sindicato Nacional da Indstria de Componentes para Veculos
Automotores
SVP Secretaria de Vias Pblicas
UF Unidade Federativa
Unicamp Universidade Estadual de Campinas
URV Unidade Real de Valor
VUC Veculos Urbanos de Carga
20
ZMRC Zona Mxima de Restrio Circulao
ZMRF Zona Mxima de Restrio aos Fretados
21
SUMRIO
APRESENTAO ................................................................................................................... 23
1 INTRODUO ..................................................................................................................... 26
2 A CONTEMPORANEIDADE DA NOO DE MOBILIDADE ....................................... 54
2.1 DO QUE MVEL MOBILIDADE ................................................................................ 55
2.2 ENTRE NORMAS E DISCURSOS. DA MOBILIDADE COMO CATEGORIA ABSTRATA
MOBILIDADE COMO REALIDADE EFETIVA ......................................................................... 57
2.3 MOBILIDADE(S): REFERNCIAS TERICAS PARA UMA LEITURA DA MOBILIDADE
COTIDIANA ....................................................................................................................... 62
2.4 A MOBILIDADE E A GEOGRAFIA CLSSICA .................................................................. 75
2.5 A MOBILIDADE URBANA E A MOBILIDADE COTIDIANA ................................................ 89
3 O RODOVIARISMO E O ESTMULO AO USO DO TRANSPORTE MOTORIZADO EM
SO PAULO ............................................................................................................................ 92
3.1 A CONSTITUIO DAS BASES PARA A CONSOLIDAO DA INDSTRIA
AUTOMOBILSTICA NO BRASIL NOS ANOS 1950 ................................................................ 99
3.2 A INDSTRIA AUTOMOBILSTICA ABERTA CONCORRNCIA INTERNACIONAL ......... 104
3.3 O REGIME AUTOMOTIVO BRASILEIRO (RAB) E A NOVA ESTRUTURAO ESPACIAL DA
INDSTRIA AUTOMOBILSTICA NO PAS ........................................................................... 108
3.4 O PROTOCOLO DO CARRO POPULAR E A POPULARIZAO DOS CARROS. ................... 115
3.5 A GESTO DO TERRITRIO NACIONAL EM QUESTO: UMA LEITURA CRTICA A PARTIR
DA ANLISE DO NOVO REGIME AUTOMOTIVO BRASILEIRO ............................................ 121
4 A CONJUNTURA ECONMICA BRASILEIRA NAS DUAS LTIMAS DCADAS E O
SURGIMENTO DA NOVA CLASSE MDIA ..................................................................... 124
4.1 NOTAS SOBRE O NEOLIBERALISMO E SUA IMPLANTAO NO BRASIL ....................... 124
4.2 O PLANO REAL ......................................................................................................... 132
4.3 NOTAS SOBRE O CRDITO NO BRASIL NAS DUAS LTIMAS DCADAS ........................ 137
22
5 TODOS OS CAMINHOS LEVAM A SO PAULO: A CENTRALIDADE DA
METRPOLE PAULISTANA .............................................................................................. 152
6 ALGUMAS CARACTERSTICAS DA VERTICALIZAO EM SO PAULO NAS
DUAS LTIMAS DCADAS ............................................................................................... 170
6.1 OS NOVOS MECANISMOS DE FINANCIAMENTO E A AMPLITUDE ESPACIAL DO PROCESSO
DE VERTICALIZAO EM SO PAULO ............................................................................. 171
6.2 EXTENSO TERRITORIAL DA VERTICALIZAO, AS VAGAS DE GARAGEM E O
ESTRANGULAMENTO DO FLUXO VIRIO. ......................................................................... 183
7 NOS CAMINHOS DA METRPOLE ............................................................................... 194
7.1 OS CARROS NA METRPOLE PAULISTANA E AS LTIMAS DUAS DCADAS ................. 195
7.2 EM MEIO AOS PLANOS URBANSTICOS: O TRAADO VIRIO DA METRPOLE ............. 212
7.3 O TRNSITO E OS CONGESTIONAMENTOS: MEIOS DE TRANSPORTE EM CONFLITO NOS
CAMINHOS DA CIDADE .................................................................................................... 219
7.4 O CONGESTIONAMENTO ESSENCIAL: A MOROSIDADE DO TRFEGO E A FLUIDEZ DOS
NEGCIOS ....................................................................................................................... 241
8 OS ANIS E AS LINHAS DE RESTRIO CIRCULAO ...................................... 253
8.1 AS MEDIDAS DE RESTRIO CIRCULAO: AS REAS E AS VIAS RESTRITAS ........... 254
8.1.1 Zona do rodzio municipal de veculos ...................................................... 259
8.1.2 Zona Mxima de Restrio Circulao (ZMRC) .................................... 260
8.1.3 A Zona Mxima de Restrio aos Fretados (ZMRF) ................................. 264
8.1.4 As novas faixas para a circulao de nibus .............................................. 270
8.2 O POLGONO E AS LINHAS ......................................................................................... 274
9 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 276
REFERNCIAS ..................................................................................................................... 282
ANEXOS ................................................................................................................................ 301
23
APRESENTAO
Cinco e meia da manh toca o despertador. Um banho, um caf rpido, uma passada
na geladeira para pegar a marmita e sigo em direo ao ponto de nibus. Morava no fundo de
um vale na confluncia de dois pequenos crregos. De minha casa olhando para a direita h
um pequeno aclive, conhecido no bairro como morro. L no alto, outra referncia: os
prdios. Era comum algum dizer que subiria o morro para pegar nibus perto dos prdios.
Eu seguia na direo oposta e, por entre ruas, escades e vielas, subia a outra vertente.
Trinta minutos aps o trim-trim eu chegava ao ponto de nibus, situado tambm numa parte
alta do bairro; de l podia ver se o nibus vinha l longe, ainda em outra rua. Se no estivesse
em meu espectro de viso eu podia descer a rua, deslocando-me um ou dois pontos antes
daquele que eu chegara primeiramente, tudo para tentar pegar o nibus com algum lugar ainda
vazio e poder ir sentado. Afinal o trajeto era longo e se eu fizesse esse percurso entraria no
nibus apenas quatro paradas aps o ponto inicial e s desceria 50 minutos depois ao final do
itinerrio, no bairro de Pinheiros.
Hoje, o morro continua a existir uma rea sem moradia, fruto de constantes
imbrglios judiciais; os que moram na favela ao p do morro e s margens do crrego dizem
que ali sero erguidos outros muitos prdios , j os prdios no so mais referenciais, pois h
uma profuso deles por todos os cantos do bairro pobre e perifrico de Osasco. Em tempo, o
deslocamento desde o Novo Osasco at Pinheiros no leva mais apenas 50 minutos utilizando
a mesma linha de nibus, agora so necessrios, ao menos, 90 minutos!
Durante quatro anos, mais precisamente entre os anos de 1995 e 1999, eu observava de
cima (do 15 andar do nmero 1794) dois longos trechos de duas vias que se cruzam e
formam um dos mais importantes cruzamentos da zona Oeste da cidade de So Paulo: a
esquina formada pela avenida Brigadeiro Faria Lima, onde fica o prdio em que eu
trabalhava, e a avenida Rebouas.
Dali eu observava o fluxo de nibus e carros, calculava o tempo de abertura dos
semforos daquele cruzamento. Cravados eram 31 segundos para os pedestres cruzarem as
pistas da avenida Rebouas e 1 minuto e 31 segundos para os que atravessavam a avenida
Brigadeiro Faria Lima; da janela do prdio eu cronometrava esse tempo, inclusive observando
se havia diferena entre os intervalos de abertura e fechamento dos semforos entre o perodo
da manh, da hora do almoo e da tarde. No havia. Ainda que os fluxos tenham intensidades
muito diferentes em cada um desses horrios.
24
Pessoalmente, a tarefa era importante, pois eu trabalhava como office-boy profisso
em extino, graas profuso dos motoboys que circulam pelas ruas da cidade de So Paulo
atualmente e me era til saber essas informaes. Por vezes, eu olhava do alto e sabia se
seria possvel, se teria tempo hbil ou no, para descer at a rua e pegar um nibus para
realizar um dos trabalhos a mim designados.
Um office-boy circulava por diversos pontos, mas os percursos em geral eram os
mesmos. O que significa dizer que o trabalho era muitas vezes previsvel, posto que as
empresas e instituies contratantes dos servios da empresa em que eu trabalhava variavam
muito pouco. Assim, era comum eu ter de me deslocar dali, do bairro de Pinheiros, para
unidades da Companhia de Saneamento Bsico do Estado de So Paulo (Sabesp) nos bairros
de So Miguel, Penha, Santana e Chcara Santo Antnio, e para escritrios da mesma
instituio nos bairros de Pinheiros e Cerqueira Csar. Alm da Sabesp, tambm a Prefeitura
do Municpio de So Paulo (PMSP) era uma importante contratante; assim, muitas vezes eu
me deslocava de Pinheiros Vila Nova Conceio, ao centro velho da cidade de So Paulo ou
ao bairro do Ipiranga, para realizar trabalhos. Havia outros deslocamentos para bancos,
seguradoras, padarias e lanchonetes. Enfim, todos os dias eu circulava por diversos pontos da
cidade.
Era comum que os deslocamentos em direo aos pontos mais distantes ficassem para
o perodo posterior ao almoo, pois com os congestionamentos havia a possibilidade de os
servios se alongarem e, muitas vezes, eu era dispensado de voltar ao escritrio no mesmo
dia. Podia seguir direto do servio realizado fora do escritrio para a escola e, anos depois,
para o cursinho pr-vestibular popular.
No havia naquela poca a integrao tarifria atravs do bilhete nico. Havia sim
passes de integrao entre nibus, trem e metr, com combinaes variadas. Tambm havia
passes mltiplos, que davam direito a mais de uma viagem usando o mesmo bilhete nos trens
e metrs, com um pequeno desconto em relao tarifa unitria.
Durante meia dcada eu executei as tarefas de office-boy, mas houve um ano de
inflexo. Em 1997, sob o pretexto de se melhorarem as condies atmosfricas da cidade, foi
institudo o rodzio de veculos na cidade de So Paulo. De minha parte, acredito que o foco
do rodzio sempre foi a melhoria na fluidez viria pelas vias da cidade, ainda que oficialmente
as questes de qualidade do ar fossem apontadas como as responsveis pela restrio
circulao de carros em toda a Grande So Paulo. A partir daquele ano, nos perodos entre as
7 e as 10 horas da manh, bem como entre as 17 e as 20 horas, algo em torno de 20% dos
veculos teriam sua circulao restrita no chamado centro expandido da cidade de So Paulo,
25
sob pena de serem multados. As restries circulao seguiam um cronograma organizado a
partir do nmero das placas dos veculos; assim, aqueles cujas placas terminam pelos
algarismos 1 e 2 no podem circular no permetro e horrio determinado nas segundas-feiras,
sendo restritos nas teras aqueles cujas placas terminam pelos algarismos 3 ou 4, e assim
sucessivamente at a sexta-feira, quando a semana encerra tendo abrangido todos os
algarismos finais de placas e estendendo a restrio a todo o conjunto de carros da cidade.
O rodzio me foi um alvio nos servios realizados pela manh e no percurso de ida
para a escola ou para o cursinho no final da tarde.
Passaram-se alguns anos, pouco mais de uma dcada, e o rodzio parece no ter
resolvido nem as questes relativas fluidez do trfego pelas vias de rolamento, tampouco
tem conseguido atingir o objetivo de restabelecer os bons nveis de qualidade do ar, como
dizia o discurso poca da implantao. Carrego ainda comigo as lembranas e tenho na
retina as imagens de meus tempos de office-boy: foi ali que eu decidi que queria estudar as
condies de circulao e mobilidade cotidiana na cidade de So Paulo, sem t-las formulado
conceitualmente ainda. A tese que hoje apresento a esta banca e a esta faculdade, em certa
medida, comeou l, em 18 de dezembro de 1995.
26
1 INTRODUO
Em 2010, o municpio de So Paulo finalizou o ano atingindo marca superior a sete
milhes de carros emplacados, segundo dados do Departamento Estadual de Trnsito de So
Paulo (DETRAN-SP, stio eletrnico), que contabiliza os veculos na cidade, a qual teve o
primeiro deles registrado em 1901. Trata-se da maior frota de carros do pas2. So Paulo a
maior metrpole brasileira e, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
(IBGE, stio eletrnico), em 2010 abrigava uma populao de 11.253,503 milhes de
habitantes espraiados por uma rea de 1.521,101 km, o que resulta numa densidade
demogrfica de 7.387,59 habitantes por km.
Os nmeros so expressivos e retratam apenas a cidade de So Paulo, sem considerar
as frotas dos outros 38 municpios que, situados nas cercanias da capital, compem a Regio
Metropolitana de So Paulo (RMSP). No interior dessa rea, todos os dias milhares de
pessoas saem de suas casas para realizar suas tarefas cotidianas, sendo os trajetos mais
expressivos aqueles cumpridos para ir ao trabalho e retornar dele, seguidos pelas viagens cujo
objetivo estudar.
Atravs da Pesquisa de Origem e Destino (Pesquisa OD), a Companhia do
Metropolitano de So Paulo (Metr) classifica as viagens cotidianas quanto aos meios
utilizados: coletivos ou individuais; motorizados e no motorizados. Os meios coletivos so:
metr, trem, nibus (coletivos urbanos ou fretados), transporte escolar, alm das vans, micro-
nibus e lotaes. J os carros, txis e motocicletas respondem pelos meios individuais. A
soma dos meios coletivos e individuais compe o modo motorizado, e os deslocamentos
efetuados a p ou de bicicleta so os no motorizados3. (METR, 2007)
Esses meios podem ser divididos tambm em dois modais: ferrovirio e rodovirio.
no mbito do modal rodovirio que se situa nossa anlise e, de maneira mais precisa,
2 Considerando a definio no sistema de trnsito, um carro tecnicamente um veculo leve de passeio.
Categoria que engloba os veculos popularmente conhecidos como carros ou automveis, aqueles que levam
entre duas e sete pessoas (alguns veculos possuem bancos escamoteveis no porta-malas que podem ser abertos
e utilizados para o transporte de pessoas, em detrimento do uso desse espao para o transporte de cargas) e cuja
conduo autorizada mediante a concesso apenas de carteira de habilitao da categoria B. Vamos chamar
esses veculos, que so o foco de nossa anlise, de carros.
3 Em So Paulo, os helicpteros tm sido cada vez mais utilizados para a realizao de deslocamentos. A cidade
conta com 411 helicpteros, o que caracteriza a maior frota desse tipo de aeronaves no mundo, tendo
ultrapassado a cidade de Nova York. Dados da Fora Area Brasileira (FAB) mostram que, em mdia, a cada 45
segundos um pouso de helicptero realizado em So Paulo. Diariamente so mais de dois mil pousos
realizados.
27
pretendemos analisar o espao ocupado pelos carros e o papel desses veculos na realizao
da mobilidade cotidiana. Os carros, por suas caractersticas, induzem um tipo especfico de
relao entre o sujeito, que assume a condio de motorista, e o espao que o circunda.
Refletindo sobre a relao que o automobilista mantm com a cidade, Oliva (2003, p. 111,
grifo nosso) afirma que
O citadino se mantm pedestre no metr, no nibus urbano, nos bondes, nos trens
suburbanos, etc. O pedestre se esvai quando ele se torna automobilista, modo de
deslocar-se essencialmente distinto no qual o ambiente muito restrito e confinado
(LEVY, 1994, pg. 304). Como pedestre a disponibilidade de interao, sem dvida,
maior, e como automobilista menor. H uma demonstrao emprica, corporal,
alis sobre o fato de que usar uma cidade como pedestre essencialmente diferente
do uso como automobilista. No por outra razo que verdadeiros batalhes de
turistas visitam cidades como pedestres. Essa forma de apreenso da cidade permite
interaes multisensoriais com as pessoas e o espao geogrfico, com a cidade.
O confinamento no interior de um automvel conduz o indivduo que o dirige a
relativo apartamento espacial, fazendo com que ele crie outra relao sensorial, uma relao
de distanciamento com a cidade. Essa uma motivao para esta pesquisa; h outras sobre as
quais lanamos luz e que compem a espinha dorsal de nossa reflexo, tais como a quantidade
de espao das vias ocupadas pelos carros, especialmente ao longo das duas ltimas dcadas,
quando se verificou um expressivo crescimento da frota circulante desse tipo de veculo.
Pelos caminhos da cidade, carros e outros meios de transporte de pessoas disputam
cotidianamente o espao nos leitos carroveis, tais como os nibus, as bicicletas e as
motocicletas, alm das pessoas que se deslocam a p. Essa disputa desigual, especialmente
nos horrios de pico, quando 78% do espao disponvel para a circulao usado pelos
carros, que, no entanto, respondem por apenas um tero das viagens (CORREA, 2012). Nesse
quadro, compromete-se a realizao da mobilidade cotidiana.
28
Figura 1 Uso das principais vias da cidade de So Paulo no horrio de pico
Fonte: Correa (2012).
29
Acreditamos que, a partir da mobilidade cotidiana, possvel evidenciar algumas das
transformaes ocorridas no espao urbano ao longo das duas ltimas dcadas, pois nesse
perodo se verifica um expressivo aumento no tempo mdio de realizao das viagens,
utilizando-se os modais motorizados de transporte rodovirio.
No processo de produo do espao, quando se abre um loteamento legal ou ilegal, a
gleba inicial dividida em pores menores que acabam por compor os quarteires (cada qual
com certa quantidade de terrenos), entre os quais so deixados espaos que servem
circulao. Criam-se tanto os espaos voltados produo imobiliria como tambm as reas
interregnas por onde as pessoas e/ou veculos circulam e cujo espao disputam: so as vias.
Espaos consagrados circulao, cujo uso regido por regras e normas, onde os diversos
meios concorrem para ocupar a melhor posio e fluir.
No possvel dizer com certeza quando e onde ocorreu o primeiro congestionamento:
momento de saturao das condies de circulao nas vias que implica acrscimo temporal
realizao da viagem. Todavia acreditamos que no atual perodo que esse epifenmeno tem
apresentado maior extenso, difuso e intensidade, graas grande quantidade de veculos
automotores, especialmente carros, circulando pelas vias nos horrios de pico.
Nos ltimos anos, sobretudo a partir da dcada de 1990, um problema tem chamado a
ateno dos moradores e visitantes da metrpole de So Paulo: trata-se dos longos
congestionamentos que se assentam sobre quilmetros e quilmetros de vias da cidade,
dificultam a circulao e estendem os tempos de viagem de milhares de pessoas todos os dias.
Nesse contexto, os grficos e as estatsticas de lentido so retratos frios ante as angstias
vividas por quem quer chegar, concluir o objetivo que deu origem viagem. Em outros
termos, os congestionamentos comprometem as condies de realizao da mobilidade
cotidiana.
A lentido dos deslocamentos nos coloca diante de uma crise, uma crise da mobilidade
cotidiana. A tese que ora apresentamos intenta partir de um sintoma da crise, os
congestionamentos que dificultam a realizao da mobilidade cotidiana, para discutir alguns
aspectos do espao urbano da metrpole paulistana. Tendo como conjuntura histrica a
vigncia do Plano Real programa de estabilizao econmica e conteno da inflao,
lanado pelo Governo Federal em 1993 que, em nossa opinio, ocasionou a realizao de
novos mecanismos de financiamento produo e ao consumo de bens durveis no Brasil nos
mais diversos setores, dos quais destacamos as estratgias de reorganizao espacial da
indstria automobilstica brasileira e a desconcentrao e expanso do processo de
verticalizao em direo s periferias da cidade de So Paulo.
30
Acreditamos que o agravamento do problema dos congestionamentos resultado de
um conjunto de fatores que se integram, tais como a densidade da ocupao urbana, a baixa
qualidade dos sistemas de transportes coletivos e o traado da infraestrutura viria, e ainda a
interao entre os homens, as mquinas e as vias que compem o ambiente de conduo de
um carro. No nossa inteno abarcar e discutir todos esses assuntos. O objetivo aqui
traado , antes de tudo, selecionar alguns elementos que nos permitam discutir a crise da
mobilidade na metrpole paulistana.
Nossa hiptese a de que a crise da mobilidade cotidiana, que vem se acentuando na
metrpole paulistana ao longo das duas ltimas dcadas, uma expresso espacial do
fortalecimento e ampliao das polticas de estmulo ao crdito e ao consumo de bens
durveis especialmente carros , estabelecidas a partir da dcada de 1990. Isso porque tais
polticas, ligadas ao arcabouo econmico de orientao neoliberal implantado no Brasil a
partir dessa dcada, resultaram, entre outros, numa sensvel ampliao da frota de carros
circulando nas vias, em contraposio se verifica o contnuo descaso com o servio de
transporte coletivo .
Da perspectiva econmica, o Plano Real selou a implementao das polticas
neoliberais e teve repercusses tanto na esfera da produo quanto na do consumo, alm
disso, em certa medida, reinstalou nos cidados uma confiana que no se via no Brasil desde
o Plano Cruzado, de 1986, que, por poucos meses, aqueceu os nimos dos consumidores
brasileiros. Segundo Leito (2011, p. 148), nos anos 1980 ns
Vivamos a Idade Mdia no Brasil. No se conhecia crdito. Hoje, com o crdito, o
mercado est to forte ao ponto de no ser afetado pela crise mundial como a que
estamos vivendo.
Os novos mecanismos de financiamento atingiram diversos setores da atividade
econmica, dentre os quais destacamos a construo civil e a indstria automobilstica. Assim
como foi expressiva a construo de apartamentos pela cidade, do mesmo modo se verificou
uma ampliao do consumo de automveis.
Espacialmente, chama a ateno o fato de que em So Paulo, ao longo das ltimas
duas dcadas, tanto a verticalizao como os congestionamentos se estenderam e alcanaram
variados pontos da metrpole, desde regies muito distantes, cujas rendas mdias per capita
31
so baixas, at regies mais prximas da rea central da cidade4; tal fato nos permite discutir a
chamada cidade da classe mdia.
Parte da literatura acadmica produzida tendo como referncia as dcadas anteriores
aos anos 2000 que tratou das questes relativas ao processo de verticalizao e dos
problemas nos transportes e na mobilidade cotidiana considerava os apartamentos e os
automveis como sendo bens da classe mdia, pois o preo e as condies de financiamento
para a aquisio desses produtos restringiam seu acesso s camadas de maior renda e, por
conseguinte, atendiam basicamente os estratos sociais mais abastados5.
Essa caracterstica da produo acadmica permite-nos dialogar com as posies
presentes na formulao de alguns autores como Maria Adlia de Souza (1994) e Eduardo
Vasconcellos (1999): ambos, a partir das conjunturas histricas iluminadas em suas anlises,
trataram os apartamentos e os carros como bens da classe mdia. Em uma pesquisa
profunda sobre o processo de verticalizao em So Paulo, Souza (1994, p. 43, grifo nosso)
expe os caminhos escolhidos para realizar sua reflexo:
Fomos buscar nos antagonismos de classe, vivenciados no espao da metrpole e na
imprensa, o material bsico para este ensaio. A conflitualidade cotidiana
especialmente vivida pelas classes oprimidas no espao da metrpole, quase
sempre agravada pela prtica do planejamento urbano e das polticas pblicas, se
constitui, sem dvida, uma frtil linha de reflexo para se desvendar o mito da
metrpole. Afinal, a verticalizao, como se ver mais adiante, configura num
espao privilegiado em relao aos das classes pobres.
Em outro trecho do trabalho, a autora realiza outra colocao que referenda uma
leitura espacial que considera um recorte de renda em sua anlise assim, Souza (1994, p. 72)
destaca:
A importncia da classe mdia relativamente ao processo de verticalizao estar
sempre presente. Isso se evidencia posteriormente, nos anos 70, com a terciarizao
do tecido urbano, quando classe mdia reservado papel especial pela diviso
internacional do trabalho (Oliveira, 1982). a ela, inegavelmente, que estar
destinada a Poltica Habitacional Brasileira desenvolvida desde ento, e que
implicava, fundamentalmente, a produo de edifcios.
4 Em geral, as metrpoles apresentam maior ocorrncia de verticalizao na rea central, bem como nessa rea
que se percebe a maior ocorrncia dos congestionamentos em cidades como Londres e Roma, por exemplo, foi
institudo um permetro em torno da rea central cujo acesso se d mediante pagamento de pedgio, iniciativa
que alguns jornalistas e acadmicos defendem que seja instituda tambm em So Paulo.
5 Pontualmente, foi realizada a construo de conjuntos habitacionais voltados populao de baixa renda, tanto
no municpio de So Paulo, como em alguns municpios da Grande So Paulo, a exemplo dos conjuntos
residenciais da Cidade Tiradentes e da Cohab/Carapicuba, respectivamente.
32
Os trechos citados acima evidenciam que a poltica habitacional brasileira tinha uma
orientao bastante clara, com um foco bem definido sobre quais parcelas da sociedade
seriam beneficiadas por ela.
possvel dizer que algo semelhante ocorria no tangente poltica voltada aquisio
de carros. As palavras de Magno Sarlo, vendedor de uma concessionria da Rede Abolio,
retratam a situao do mercado automobilstico brasileiro nos anos 1980:
Quando comecei, o mercado brasileiro s tinha quatro marcas: Volkswagen,
Chevrolet, Ford e Fiat. S comprava carro novo quem era rico ou quem
precisava para o trabalho. Os modelos muito caros, ento, eram muito difceis de
vender. Acho que a gente s sobrevivia porque, como a inflao comia o dinheiro da
gente, era preciso transform-lo em produto para manter o valor. Fosse sabo em p
ou carro, o importante era no ficar com o dinheiro (LEITO, 2011, p. 57, grifo
nosso).
Nesse contexto, apenas uma pequena parcela da populao detinha as condies para
adquirir carros, mormente aquela que dispunha de maior poder de compra. o que constata o
estudo sobre as condies de circulao na cidade de So Paulo realizado por Eduardo
Vasconcellos (1999). O autor enftico ao afirmar:
Dentre as vrias concluses do estudo, ressalta-se a de que a cidade foi adaptada
para a circulao eficiente e confortvel das classes mdias, no papel de motoristas
de automvel, em decorrncia de necessidades econmicas (eficincia) e polticas,
estas relacionadas ao fato de as classes mdias formadas no perodo de concentrao
de renda terem sido as parceiras privilegiadas do regime autoritrio, em torno do
projeto de modernizao conservadora que caracterizou o milagre brasileiro. O
resultado das grandes intervenes fsicas e operacionais nas condies de
circulao caracteriza o que foi denominado de formao da cidade da classe
mdia, como espao adaptado s suas necessidades de reproduo social e
econmica. (VASCONCELLOS, 1999, p. 11, grifo nosso)
Tanto Souza (1994) como Vasconcellos (1999) declararam apartamentos e carros
como sendo bens da classe mdia e, se considerarmos o perodo em que escreveram, ambos
tm razo em suas afirmaes. O fato que colocamos em evidncia que, embora carros e
apartamentos continuem sendo bens caros, ao longo das duas ltimas dcadas houve tanto o
aumento da produo de carros e de apartamentos como uma ampliao do mercado
consumidor desses bens que, assim, no so mais caractersticos da classe mdia, pois
passaram a ser mais acessveis s diversas camadas da populao.
Em todos os quadrantes da cidade erguem-se prdios, alguns maiores, outros menores,
em ruas estreitas, em avenidas largas, s margens da rodovia: pelos quatro cantos da cidade a
construo de apartamentos segue. reas que dcadas atrs dispunham de poucos prdios,
33
como a regio do Conjunto dos Bancrios, no extremo norte da capital, agora recebem a
sombra das torres que subiram no entorno dos pequenos prdios construdos nas cercanias da
serra da Cantareira nos anos 1970. Da Vila Fonte, localizada no tradicional bairro do Lauzane
Paulista, no se podem mais observar os picos da serra como em 1986: agora as torres
dispostas lado a lado encobrem a viso. No outro extremo, na zona Sul da cidade, os
conjuntos habitacionais Palmares e Cocaia6, localizados respectivamente no Jardim So
Bernardo e no Graja, tambm no so mais referencias, pois a cada ano prdios e mais
prdios ganham essa regio que antes dispunham apenas de pequenos focos de verticalizao,
como os conjuntos citados.
O mesmo se pode dizer dos carros, que tambm ganharam as ruas desses bairros e
circulam em vias cada vez mais congestionadas, que se mostram incapazes de absorver a
quantidade de carros novos que nelas ingressam todos os dias.
Os congestionamentos correspondem a uma parcela importante da chamada crise de
mobilidade, como podemos ver em Rodrigues (2012) e Scaringella (2001) ou, como preferem
chamar alguns estudiosos, a exemplo de Rolnik e Klintowitz (2011), (i)mobilidade.
Considerando a ocorrncia diria de congestionamentos, formulamos hipteses que podem
explicar algumas das causas do que se convencionou chamar de crise da mobilidade ou de
(i)mobilidade na metrpole paulistana. Essas hipteses partem de uma leitura emprica e
terica do problema e constituem o ponto de partida para a anlise.
Com isso, indicamos que a anlise no se restringe aos congestionamentos per se, mas
diz respeito a mltiplos processos sociais. A ttulo de ilustrao, dizemos que a ampliao do
processo de verticalizao combinada s aes estatais (como o crescimento dos recursos
carreados construo civil e os incentivos produo automobilstica no pas) e privadas
(como a busca de crdito para aquisio desses bens, que passaram a contar com condies de
financiamento mais acessveis) so a correia de transmisso para a expanso dos
congestionamentos em algumas reas da cidade.
Vista em perspectiva histrica, de maneira retrospectiva e integrada, a ampliao do
nmero de prdios de apartamentos cuja legislao obriga a construo de garagens e de
carros, sem a produo da infraestrutura necessria circulao e sem investimentos
significativos em modais de transporte coletivo, culminaram nas duas ltimas dcadas nas
dificuldades de circulao, no agravamento do problema dos congestionamentos e na
dificuldade para efetivar a mobilidade cotidiana.
6 Ambos constitudos de prdios baixos, com cinco andares.
34
Cabe aqui uma observao. A produo do espao urbano na metrpole paulistana
bastante heterognea em termos socioespaciais. Guardadas as devidas propores tericas e
de escala, diramos que as caractersticas dos congestionamentos refletem essas diferenas. O
que significa dizer que os diversos fatores responsveis pelo congestionamento, por exemplo,
num bairro talvez no sejam exatamente os mesmos que geram esse problema em outro.
Situaes como essas ocorrem ao se propor uma pesquisa, pois sempre se cometem
algumas arbitrariedades na escolha e no tratamento do fenmeno analisado, pois o ponto de
partida, tanto no espao quanto no tempo, delimitado a partir de uma interpretao do
pesquisador.
Nesse sentido, concordamos com Oliva (2003, p. 5), o qual, ao falar sobre o ato de
pesquisar, afirma que
o pressuposto principal foi o de que qualquer definio do objeto de estudos
corresponde a um a priori. Os objetos de estudos no se apresentam como
exterioridades bvias, independentes dos sujeitos.
Portanto nem os recortes espaciais tampouco os temporais so autoevidentes. Pelo
contrrio, so construtos intelectuais que balizam a anlise. Com isso, afirmamos que o
problema aqui analisado no exclusividade de uma realidade espacial especfica, tampouco
exclusivo deste momento histrico, decerto existiram em outros momentos e existem em
outros lugares, destarte apresenta algumas caractersticas que o singularizam neste momento e
nos servem como ponto de partida para a reflexo.
Em matria recente, publicada no jornal Estado de Minas com o sugestivo ttulo
Fbrica de congestionamentos: uma capital a 10 carros por hora, as jornalistas Paula Sarapu
e Valquria Lopes (2012) informam, baseadas em dados do Departamento Nacional de
Trnsito (Denatran), que houve o acrscimo de 250 carros por dia na regio metropolitana de
Belo Horizonte, o que representa um incremento de 108,5% na frota de veculos circulante na
regio em uma dcada, entre os anos de 2001 e 2011. As mesmas jornalistas afirmam que As
polticas de mobilidade e o investimento em obras estruturantes, porm, esto longe de
acompanhar a velocidade de multiplicao da frota (SARAPU; LOPES, 2012, p. 21).
Assim como em Belo Horizonte, um estudo do Observatrio das Metrpoles de
autoria de Juciano Martins Rodrigues (2012) mostra que a frota de veculos tambm
aumentou em outras metrpoles brasileiras, tais como Manaus (141,9%) e Goinia (100,5%),
cujos totais de carros mais que dobraram em apenas uma dcada; consequentemente, houve
tambm o agravamento do problema dos congestionamentos. Tal estudo aponta para o fato de
35
que o problema dos congestionamentos no exclusivo da capital paulista, ao contrrio,
estende-se pelas principais regies metropolitanas do pas.
O estudo tambm analisa a dinmica de venda de carros pela indstria automobilstica
em uma dcada, e aponta para o agravamento do problema dos congestionamentos em
algumas metrpoles. Em So Paulo, desde a dcada 1950 esse problema j era discutido.
Segundo Vasconcellos (1999, p. 74, grifo nosso),
Quanto s discusses sobre os problemas de trnsito, principalmente, os relativos
aos congestionamentos, acidentes e estacionamentos, a primeira fase significativa
aquela da do final da dcada de 40, em que o pas passa por uma mudana radical na
sua estrutura poltica e entra em um novo ciclo de desenvolvimento econmico.
Nesta poca, So Paulo j tinha cerca de 2 milhes de habitantes e perto de 50.000
veculos e dada a concentrao de empregos na zona central, a maioria deles j se
dirigia para l todos os dias.
quela poca, os congestionamentos ocupavam apenas as vias da rea central da
cidade e no causavam grandes transtornos maior parte de sua populao, haja vista a pouca
difuso social da posse de automveis naqueles tempos. Na atualidade, porm, o quadro
outro: o problema atinge quem utiliza qualquer um dos meios que circulam pelo modal
rodovirio, excetuando-se as motos7, cujas caractersticas fsicas possibilitam que elas fluam
entre os veculos que disputam lugar nas vias e consumem os trajetos em tempos mais
reduzidos.
As Pesquisas OD realizadas em 1997 e 2007 (METR, 1997, 2007) revelam que em
todos os modais rodovirios abarcados em seu escopo houve aumento mdio no tempo de
deslocamento e, embora se saiba que os carros transportam menos pessoas, a velocidade que
eles atingem ainda superior dos nibus.
7 O trabalho de Silva (2011) analisa a fluidez das motos, mas focaliza especialmente os riscos inerentes
pilotagem de motocicleta na cidade de So Paulo, haja vista a grande quantidade de acidentes, muitos deles com
vtimas fatais, que ocorrem diariamente na cidade.
36
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1997 2007
min
uto
s
nibus A p Carro Mdia
Grfico 1 Tempo de deslocamento em So Paulo (1997-2007) Fonte: Pesquisa OD (METR, 1997, 2007).
Nesse contexto, diversas reportagens publicadas ao longo dos ltimos anos mostram o
quo demorado transitar pelas vias da cidade. Em reportagem publicada pela revista Veja
So Paulo, em fevereiro de 2011, dez reprteres fizeram os mesmos trajetos em nibus e
carros, e em 17 dos 20 trechos os carros foram mais rpidos. Nos dois trechos em que os
carros demoraram mais tempo que os nibus, o ponto inicial era a regio central da cidade,
onde h corredores exclusivos para nibus e ao longo do percurso os nibus contam com esse
recurso em outros trechos do caminho. (BARROS, 2011)
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Figura 2 O teste dos coletivos
Fonte: BARROS (2011).
Num exerccio de reportagem, a revista poca de maro de 2008 entrevistou
Reginaldo Andrade, funcionrio do Departamento de Marketing da montadora Ford. Segundo
Andrade, so quatro horas perdidas, literalmente, todos os dias. Eu poderia fazer um curso
ou ir academia. Mas estou sentado no banco do carro, sem fazer nada (MASSON, 2008, p.
102). irnico que Andrade se queixe do tempo despendido diariamente para deslocar-se,
pois quanto mais satisfatoriamente realizar sua funo de ajudar a alavancar as vendas da
empresa em que trabalha, pior ser seu deslocamento cotidiano.
A lentido no deslocamento verifica-se pela quase prosternao dos veculos que, nos
horrios de pico, arrastam-se pelas vias da cidade, dada a intensidade dos congestionamentos
que faz com que eles praticamente permaneam nas vias por horas, como no exemplo
apontado.
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H, todavia, um desafio terico a ser enfrentado quando se analisa a dinmica dos
congestionamentos, qual seja, o de no tom-los como elementos permanentes da cidade, pois
se trata de epifenmenos que se desenvolvem espacialmente e com periodicidade
relativamente definida. Nesse sentido, os congestionamentos esto para os estudos urbanos
como as chuvas esto para os climatlogos. Ou seja, so manifestaes passveis de ocorrer e
que ocorrem com relativa e conhecida frequncia, podem ser monitorados e analisados e, em
alguma medida, j se sabe suas causas e consequncias, mas o que eles guardam de mais
preciso nessa analogia o fato de serem descontinuados e impermanentes. Tal desafio
consiste em refletir a respeito de uma realidade que mutatis mutandis se manifesta e se
dissolve, mas deixa seus sinais e consequncias marcadas no imaginrio social daqueles que a
vivenciam.
certo que os congestionamentos ocorrem com alguma frequncia, nos chamados
horrios de rush aqueles em que h uma maior propenso ocorrncia dos
congestionamentos , mas eles no so constantes nem possuem limites fixos e rgidos. Pelo
contrrio, apresentam-se difusos, ainda que as reas interiores e as vias que compem os
limites do chamado centro expandido da cidade de So Paulo rea contida no interior do
polgono corriqueiramente apresentem inadequadas condies de trnsito.
Em 1997, a PMSP definiu que as vias as quais limitam os contornos do centro
expandido e toda a extenso interna a essa rea passariam a ser alvo de uma poltica de
restrio circulao de carros, popularmente conhecida como rodzio municipal de
veculos8. A iniciativa tinha como pressuposto oficial melhorar as condies de qualidade do
ar na cidade, atravs da reduo dos congestionamentos que seria obtida com a reduo de
cerca de 20% da frota em circulao nos horrios de pico. notvel o gasto energtico e os
impactos ambientais decorrentes da circulao viria em So Paulo.
No ano de 1995, o governo do Estado de So Paulo j havia adotado uma medida,
atravs da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), para reduzir os
nveis de poluio atmosfrica. Os dados da Cetesb mostravam que entre 1981 e 1994 os
nveis dos principais poluentes atmosfricos atingiram valores alarmantes, especialmente no
inverno (CETESB, 1996). Segundo o estudo, h uma maior concentrao das partculas
inalveis em julho, e as ultrapassagens do padro dirio (RMSP e Cubato-Vila Parisi) vm
aumentando ao longo dos ltimos anos, e ocorreram principalmente entre os meses de julho e
8 O nome oficial da atividade de restrio circulao Operao Horrio de Pico, conforme denominao da
Companhia de Engenharia de Trfego (CET), rgo responsvel por sua implementao e fiscalizao.
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setembro (CETESB, 1996, p. 42), sendo que o mesmo pode ser dito em relao fumaa e
ao monxido de carbono, este ltimo com um agravante, dado que os nveis de alerta
estendem-se por um perodo maior, de maio a setembro, portanto dois meses a mais que os
outros poluentes citados. O oznio, por sua vez, tem maior concentrao no vero, segundo o
estudo:
Nos meses de vero e outono tambm so observadas ultrapassagens freqentes,
sendo que estas ultrapassagens so de menor monta nos meses de inverno. O
comportamento deste poluente, com poucas violaes no inverno, exatamente
inverso ao dos outros poluentes analisados (PI, CO e Fumaa), que se manifestam
com maior intensidade nesse perodo, como j visto anteriormente. (CETESB, 1996,
p. 44)
Amparado pelos resultados de estudos tcnicos realizados pela Cetesb (1996), como o
citado acima, o Governo do Estado de So Paulo decidiu instituir uma poltica de restrio
circulao de cerca 20% da frota de veculos9. Tal medida foi instituda atravs da Lei n
9.358/96, que dispe:
Artigo 1 - Fica o Poder Executivo autorizado a implantar Programa de Restrio Circulao de Veculos Automotores na Regio Metropolitana de So Paulo, durante
o ano de 1996, na poca compreendida entre o incio de maio e o final de setembro,
durante os perodos necessrios para prevenir episdios crticos de poluio do ar,
tendo em vista as condies climticas e a concentrao de poluentes em
desconformidade com os padres de qualidade legalmente estabelecidos. (SO
PAULO - Estado, 1996)
Os resultados obtidos inicialmente foram bons, pois se verificou uma reduo na
concentrao de poluentes, mas os efeitos mais significativos foram observados no tocante
circulao nas vias da RMSP.
Aproveitando-se desse fato, o ento prefeito do municpio de So Paulo Celso Pitta
decidiu adotar uma poltica de restrio circulao de veculos nas vias limites e no interior
do centro expandido, nos horrios mais movimentados (horrio de rush: entre 7 e 10 horas, e
entre 17 e 20 horas). A medida foi colocada em vigor atravs do Decreto-lei n 37.085/97
(SO PAULO - Municpio, 1997b). Assim, teoricamente 20% da frota parou de circular nos
9 Esse percentual um nmero de referncia, porm um valor impreciso, especialmente porque facultado ao
comprador de um carro indicar o ltimo algarismo de sua placa. Assim, possvel que em alguns dias o
percentual que no possa circular nos horrios restritos seja maior ou menor. A Rdio SulAmrica Trnsito, cujo
trabalho lida diretamente com a circulao de automveis em So Paulo, aponta, atravs de seus locutores, que,
via de regra, nas sextas-feiras h um nmero maior de carros circulando nos horrios de pico. Uma hiptese para
explicar isso seria a de que os compradores escolhem algarismos restritos em outros dias para que possam, por
exemplo, viajar no incio da noite de sexta sem uma restrio legal.
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/anotada/3450372/art-1-da-lei-9358-96-sao-paulo
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horrios restritos e houve uma diminuio no volume dos congestionamentos, fato que
conteve o problema em curto prazo; no entanto h que se observar que desde 1997 houve
expressivo crescimento da frota de carros da cidade de So Paulo.
A ttulo de exemplo, segundo um estudo realizado pela CET (2010), as velocidades
mdias de circulao nas vias da metrpole aferiram reduo de cerca de 20% nos perodos da
manh e da tarde em So Paulo nas ltimas duas dcadas. Houve tambm um aumento nos
ndices de lentido e na taxa de motorizao10
, de acordo com os dados da Pesquisa OD,
realizada pelo Metr (1997): em 1987 essa taxa era de 141 carros por mil habitantes; 20 anos
depois, o mesmo ndice apontava um aumento, atingindo a casa de 184 carros para cada mil
habitantes. Portanto possvel inferir que, j no ltimo quartel dos anos 1990, eram claros os
sinais de esgotamento das condies gerais de circulao viria nessa rea da cidade. A
extenso e a intensidade que os congestionamentos atingem na atualidade permitem
questionar se a saturao observada em algumas vias que compem os eixos de acesso s
extremidades da cidade tambm no indica o mesmo problema verificado nas cercanias do
centro expandindo mais de uma dcada atrs.
Nesse contexto, tanto os benefcios ambientais como os benefcios virios decorrentes
da reduo do nmero de veculos em circulao no centro expandido foram perdendo a
eficcia ao longo dos anos.
importante enfatizar que, embora os congestionamentos j existissem, em sua raiz
eles no so iguais, uma vez que o conjunto das causas, a intensidade e a extenso atuais
guardam caractersticas no observadas em outros momentos histricos.
O aumento na quantidade de carros circulando um dos fatores que contribuem para a
ampliao de um dos problemas mais visveis da metrpole paulistana: os
congestionamentos11
, que de certa maneira, se tornaram um fator identitrio, uma parte do
imaginrio social quando se descrevem as caractersticas de So Paulo. Esse um ponto de
destaque, pois os congestionamentos se concentravam nas vias onde se aglomeram as
atividades de comrcio e servios, mormente contidas no interior da rea batizada de centro
expandido da cidade de So Paulo (rea formada pelas vias marginais aos rios Tiet e
Pinheiros, avenida dos Bandeirantes, Tancredo Neves, rua das Juntas Provisrias, avenida
Luis Incio de Anhaia Mello e Salim Farah Maluf, at fechar novamente a rea na marginal
10 A taxa de motorizao corresponde relao entre a populao e a quantidade de veculos.
11 Manifestaes que ocupam as vias, acidentes e incidentes provocados pelas mais diversas causas, tais como impercia, imprudncia e negligncia dos envolvidos no cotidiano do trfego, todos esses fatos podem resultar
em congestionamentos.
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Tiet), e o que se verifica ao longo dos dois ltimos decnios uma gradual expanso dos
congestionamentos em direo s diversas reas da cidade, muitas delas bem distantes da rea
central.
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2805745Texto digitadoMapa 1 So Paulo Zona do rodzio municipal de veculos
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cada vez mais presente a ocorrncia de congestionamentos em reas muito distantes
do centro do municpio de So Paulo, como na avenida Dr. Lus Aires, situada na zona Leste
da cidade, a cerca de 20 km da Praa da S, marco zero da cidade, que hoje uma de suas
vias a apresentar maior lentido, ou na avenida Senador Teotnio Villela, situada no extremo
sul, a cerca de 26 km do marco zero (CET, 2010). Essas duas vias servem de ligao entre
alguns bairros situados nos limites perifricos das respectivas zonas da cidade onde se
localizam e a rea central do municpio de So Paulo, e apresentam altos ndices de
congestionamento nos horrios de pico.
luz da realidade at aqui apresentada, como fica a mobilidade cotidiana?
Ao longo do prximo captulo desta tese, captulo dois, dialogaremos com alguns
autores cujas obras nos permitam apresentar uma noo de mobilidade cotidiana.
Atualmente, a temtica da mobilidade est mais em voga que outrora e tem sido
discutida por diversos autores, tais como Urry (2007), Aug (2010) e Cresswell (2006).
Oriundos de diferentes campos do conhecimento, esses trs autores enfocam a mobilidade a
partir de uma perspectiva bem ampla e abrangente. Nesse sentido, o termo mobilidade
cobriria desde os fluxos imateriais, como os de informao e dinheiro12
, at o fluxo de
pessoas. Por conta disso, ao discutirem os fluxos cotidianos intrametropolitanos, todos eles,
com maior ou menor nfase, revelam quais fluxos reestruturam as redes metropolitanas de
circulao13
, tanto para o transporte individual quanto para o transporte coletivo.
Na geografia brasileira, essa temtica tambm tem sido explorada14
, com menos
nfase, porm, que em outros campos do conhecimento; destacamos aqui trs trabalhos que,
por ngulos diferentes, enfocam a relao entre os automveis e a cidade de So Paulo e, por
conseguinte, a mobilidade cotidiana. Referimo-nos aos trabalhos de Schor (1999), Balbim
(2003) e Oliva (2003), todos defendidos em nvel de doutorado no Departamento de
Geografia da Universidade de So Paulo. Outro trabalho recente o livro intitulado
Circulao, transporte e logstica: diferentes perspectivas, publicado em 2011 e
organizado por Mrcio Rogrio Silveira. Nessa obra, a partir da anlise das diferentes
estruturas virias e modais de transporte que vertebram o territrio brasileiro, alguns autores
12 Associados aos fluxos comunicacionais.
13 Uma vez que as vias passam a estruturar o territrio.
14 A ttulo de observao, analisando os anais dos ltimos quatro Encontros Nacionais de Gegrafos realizados
respectivamente em So Paulo (SP) (2006), Rio Branco (AC) (2008), Porto Alegre (RS) (2010) e Belo Horizonte
(MG) (2012), apenas nos dois ltimos houve salas para a discusso de trabalhos relacionados a essa temtica, e
nesta ltima edio a sala contava com apenas 25 trabalhos, dos quais se podem destacar cinco que, de fato,
discutiam profundamente a questo.
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realizam uma leitura analtica acurada de elementos que impactam a mobilidade cotidiana.
Vale lembrar que, por ser um livro de artigos cujo eixo orientador no propriamente a
mobilidade cotidiana, nem todas as contribuies versam diretamente sobre o assunto.
possvel dizer tambm que, no mbito da geografia, no conhecemos muitos outros
estudos pretritos que enfocaram essa discusso. Mas digna de nota uma obra de Pierre
George (1983), a Geografia Urbana. Nesse livro, ao realizar a anlise dos fluxos no percurso
casa-trabalho e trabalho-casa, o autor enfoca a mobilidade cotidiana. Dessa perspectiva,
possvel dizer que a discusso sobre a mobilidade cotidiana estava j posta, embora no fosse
nem de longe o tema principal do estudo. Segundo nossa interpretao, essa posio
secundria ocupada pela temtica est diretamente associada baixa capilaridade percebida
pelos automveis em contraposio extenso e eficcia da rede de transportes em Paris,
local que serve de objeto analtico para o autor.
Atualmente, os automveis, esses objetos tcnicos, apresentam grande influncia na
produo do espao nas metrpoles. No obstante possvel encontrar na obra de George
(1983) um ponto inicial de leitura relativa mobilidade cotidiana.
O terceiro captulo de nossa tese tem como foco a constituio do rodoviarismo no
pas, bem como a anlise das estratgias de reproduo do capital por meio de um panorama
acerca da organizao espacial da indstria automobilstica brasileira, que passou, nos albores
do Plano Real, por uma ampla reestruturao, alando o pas ao patamar dos maiores
produtores e consumidores de automveis do mundo.
Ao tratar desse assunto, nosso intuito no ser o de traar uma histria da indstria
automobilstica no Brasil, seno destacar as alteraes pelas quais esse ramo industrial passou
nas duas ltimas dcadas, pois notadamente houve uma grande transformao, a partir da
dcada de 1990, quando o ento presidente da Repblica Fernando Collor de Mello, precursor
do neoliberalismo no Brasil, abriu o mercado brasileiro s importaes de veculos
estrangeiros.
Alm da abertura concorrncia com produtos importados, algumas outras medidas
foram implantadas, tais como a permisso para a instalao de novas fbricas de automveis
no pas e a adoo de medidas fiscais que viabilizaram a alterao dos processos produtivos
da indstria automobilstica nacional e reinseriu, agora em outro patamar, os automveis
produzidos no Brasil no mercado internacional. O resultado que desde ento a indstria
automobilstica passou a bater recordes de produo e lucratividade, com declnios pontuais,
ao longo do perodo estudado.
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Em nosso quarto captulo, faremos uma breve discusso que visa a iluminar o modo
como a conjuntura histrica circunstanciada pelo Plano Real foi importante no sentido de
refletir, numa escala espacial ampliada, a crise da mobilidade. Nesse sentido, o ano de 1994
demarca um recorte temporal em nossa pesquisa, por conta da circulao da nova moeda, um
momento especfico da histria econmica do Brasil que, pautada pelo monetarismo, trouxe
ao pas estabilidade monetria dentro dos parmetros neoliberais.
O Plano Real teve como principal bandeira o controle da inflao; para tanto, lanou
mo inicialmente de uma abertura do mercado nacional concorrncia com produtos
estrangeiros, ao mesmo tempo mantinha uma poltica de juros altos que visava a atrair fundos
para compor as reservas cambiais que serviram de lastro nova moeda em consequncia,
aumentavam-se os impostos e encargos estatais para remunerar esses investidores.
No quinto captulo de nossa tese, faremos a discusso acerca dos limites espaciais da
pesquisa realizada, pensando a relao entre o congestionamento na cidade de So Paulo e a
relao dessa cidade com sua regio metropolitana.
No caso da RMSP, existe uma srie de dados que nos permitem realizar uma
aproximao a respeito das condies de mobilidade na integralidade da regio, todavia
optamos por centrar os esforos analticos na cidade de So Paulo. Para tanto nos valemos dos
dados obtidos pela Pesquisa OD do Metr de So Paulo (1997, 2007).
Desde 1967, a cada decnio, o Metr realiza uma ampla pesquisa que visa a coletar
informaes a respeito de algumas variveis que influenciam as condies de circulao e
mobilidade cotidiana na regio metropolitana de So Paulo a chamada Pesquisa OD15
. Na
verdade, a referida pesquisa composta por duas pesquisas distintas, como esclarece Paiva
(2007a, p. 1):
Pesquisa Origem-Destino o resultado de duas pesquisas distintas e
complementares, denominadas Pesquisa Domiciliar e Pesquisa de Linha de
Contorno. A primeira levanta os dados sobre as viagens internas rea de pesquisa;
a segunda, os dados das viagens externas com origem ou destino no interior da rea
de pesquisa, e ainda viagens que simplesmente atravessam a rea de pesquisa.
Neste trabalho, utilizamos os resultados das Pesquisas OD referentes aos anos de 1997
e 2007 (METR, 1997, 2007). Para fins analticos e de comparao, adotamos um
procedimento metodolgico original, cujo objetivo foi viabilizar o tratamento e o
15 A prxima pesquisa, a ser realizada entre 2012 e 2013, ganhar o nome de Pesquisa de Mobilidade. A
alterao expressa, de certa maneira, a adoo de um termo do momento. importante ressaltar que o
contedo da pesquisa no mudar, apenas o nome.
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agrupamento dos dados de uma maneira que pudssemos criar unidades territoriais
comparveis entre si. O que fizemos foi reagrupar as zonas de pesquisa definidas pelo Metr
(1997, 2007), j que na pesquisa referente ao ano de 1997 a Grande So Paulo foi dividida em
389 zonas de pesquisa, enquanto a de 2007 dividiu a mesma rea em 460 zonas, o que, em
princpio, as torna incomparveis.
Em relao aos municpios da Grande So Paulo, procedemos ao agrupamento das
zonas de pesquisa reconstituindo a rea territorial de cada municpio. Esse tratamento cria
uma rea comparvel que nos contempla. Assim, possvel ter um panorama de cada um dos
municpios, comparar suas dinmicas e estabelecer um panorama dos fluxos em direo
metrpole.
Para o municpio de So Paulo procedemos de maneira diferente: fizemos o
agrupamento por subprefeituras, primeiro porque esse municpio o polo central de nossa
anlise e tambm porque onde se verifica a crise de mobilidade de modo mais agudo.
Embora as subdivises das pesquisas de 1997 e 2007 sejam diferentes, em ambas a base para
a subdiviso foi a mesma unidade administrativa: os distritos do municpio de So Paulo. A
ttulo de exemplo, o distrito do Brs foi dividido em duas zonas para a pesquisa de 1997, j
em 2007 a mesma rea foi subdividida em cinco zonas. Se fizermos a anlise ipsis litteris, no
haver correspondncia entre os zoneamentos estabelecidos para as duas pesquisas, todavia ao
restitu-las tendo como referncia os distritos da cidade, a comparao procedente.
Aps reconstituirmos os distritos do municpio, realizamos um novo agrupamento,
desta vez tendo como produto as reas correspondentes s subprefeituras. A opo por essa
unidade administrativa tem tambm uma razo pragmtica: a possibilidade de associar nossas
informaes a outras mensuradas pela PMSP, que utiliza essa subdiviso como base para o
agrupamento e a divulgao de diversas informaes municipais. Assim procedendo, no
restitumos a realidade, apenas conformamos um quadro de aproximaes sucessivas que
possibilita a realizao de nossa anlise16
.
Essa metodologia nos permite representar cartograficamente um conjunto de
informaes que condicionam a realizao da mobilidade cotidiana em So Paulo.
Numa regio metropolitana, a cidade central o ncleo principal: a metrpole. Esse
o primeiro fator que nos leva a limitar a anlise apenas ao municpio de So Paulo, todavia
16 Outras fontes de informaes, como a Empresa Brasileira de Estudos do Patrimnio (Embraesp) para os dados
de verticalizao e o IBGE para os dados relativos renda, tambm tiveram suas informaes trabalhadas para
corresponderem s reas das subprefeituras, conforme a prpria PMSP divulga em um de seus w