Roxin, Claus - Reflexões Sobre a Construção Sistemática Do Direito Penal

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  • 8/18/2019 Roxin, Claus - Reflexões Sobre a Construção Sistemática Do Direito Penal

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    2Ref lexões sobre a construqão sistemática

    do direito penal

    CLAUS OXINProf. Dr. Dr. h.c. mult. Ciaus Roxin, Universidade Ludwig Ma-ximilian, Munique.

    AREA DIREITO enal-Processo Penal

    RESUMO:O autor sustenta a necssidade daconstrução sistemática do Direito Penal,começando com uma critica definitiva aossistemas de Direito Penal fundados onto-Idgicamente, a saber: o sistema clássico eo sistema fundado a partir da teoria finalis-ta da ação. Após empreende uma exposi-ção crítica da teoria sistêmica e hegelianadefendida por Jakobs e seus discípulos,apontando os pontos de contato e as divergências entre esse sistema e o por eledefendido. Ao fim, expõe o autor a s u aprópria construção sistemát. a, fundadapolítioo-criminalmente e qd ermite aoDireito Penal abranger tanto dados empiri-cos corno nomiativos em sua construçãodopmática.Pu-AVE: Teoria do deli o Sistemas

    de direito pena1 Finalismo Normativis-mo Funcionalismo Fundamentos poll-t ic i~crirninais o sistema jurídicc penal.

    ABSTRACT: he author supports the need tosystematicaiiy construct Criminal Law star-ting with a definíte criticism of Criminall a w systems which have been ontological-l y fwnded narnely: the classical systemand the system which started from the fi-nalist theory of action. Later, he criticallyaddresses the systemic and Hegelian t hm-ry deíended by lakobs and his disciples,pointing out to similarities and discrepan-cies between both systems and the systerndefended by him. Lastly, the author propses his own systematic construdion,which is politically-crjminally groundedand which enables Criminal Law to en-compass both empiric and normative datai its dogmatic cwistruction.

    Theory of the offense Criminal

    law systems Finalism NormativismFunctionalism Political fundamentr Qf-fendem of t h e legal-criminal systern.

    S U ~ R I O : I . Introduqão - 2 A necessidade de um sistema de direitopenal e a possibilidade de sua c o n s t r u ~ á o . Sistemas de direito penalfundados ontologicamente: 3.1 O sistema ctbssico 3.2 A teoriafinalista da ação 4. A concepção sistêmica e hegeliana de Jakobs 5.

    A própria concepção, fundada político-criminalmente: 5.1 O injusto;5.2 Culpabilidade e responsabilidade.

    Jose e Sousn e B r i t o é um ímportante filósofo do direito, teóricodo direito e penalista. Mais do que isso é também u m a adoravel pes-soa, que acompanhou a minha esposa e a mim em vários passeios por~ortugal , mostrando-nos assim, as belezas de sua terra natal . E l e tam-bém visitou, por várias oportunidades, nossa casa em Stockdorf. Des-sa forma, tornamo-nos amigos E m razão disso é que para mimrepresenta uma grande honra e prazer oferecer uma pequena contri-buição e participar, por ocasião dos 70 anos de Sousa e Brito de umLiber Amicorum em sua homenagem.

    Em maio de 1991, o Prof. Bri to que certamente me perdoarápor encurtar, segundo o costume alemão. o seu sonoro nome d i s -correu a respeito de um t e m a fundamental na para mim inesquecível

    comemoração do meu doutoramento honoris causa e m C ~ i r n b r a : Elaboração de u m istema jurídico-penal entre a jurisprudéncia for-mal dos conceitos e a dissolução funcional . Ele propbs, nessa confe-rencia, na esteira de uma política criminal teleológica , u m istemade delito fundado e m três valoraçbes fundamentais : tratava-se davaloraçiio do injusto construida sobre a lesão do bem jurídico ou dodesvalor de ação; da valoraçiio d a culpabilidade, baseada n a realizaçãodo injusto apesar da idoneidade para ser destinatário de normas; epor fim da valoração da punibilidade, reconduzida à necessidade de

    O prõprio Bri to acentuou que ess concepção se aproxima dahoje praticamente d o m i n a n t e doutrina d e Roxin D e ato, considero

    1 . Trad. Alaor Leite e revisão de Luís Greco, do original Gedankm zurstrafrechtlichen Systemb ildung publicado em: Lfber Amicorum e Jose eSousa Brito em commraçipo do 70. aniversíirio Estudos e direito efilosofia. Orgs: Augusto Silva Dias aâo Lopes Alves; Luis Duarte AI-rneida; Paulo de Sousa Mendes; João António Raposo. Coimbra: Alrne-dina, 2009, . 777-792.

    2 BRITO. n: SCH~NEMANN, igureiredo Dias (Hrsg.). Baustdnc des europdis-chen Strujrechts Coimbra Symposium fiir Claus Roxin, 1995 p.71-86.

    3 BRITO como na nota de rodapt n. 1 p. 75.

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    essa configuração sistemática correta. Em razão disso é que posso re-correr a Brito ao tentar, nas próximas pAginas, expor de forma maisaproximada minhas principais ideias sobre a construção sistemáticado Direito Penal, discutindo com as concepcòes divergentes.

    2 A NECES5tDADE DE U SISTEMA D E D I R E I T O PEN L E A P O S S I B I L I D A D E DE S U A

    CONSTRUÇAO

    Um Direito Penal concebido de forma sistemática não possui s t atus de evidencia nem mesmo em países c o m alto grau de desenvolvi-mento cultural. A Inglaterra, por exemplo, náo conhece, em razão docase law que vige por lzi, nem o que nós chamamos de parte geral doDireito Penal, nem mesmo sua sistematizaçáo e elaboração dogmatica.Consequencia disso é u m a grande falta de clareza sobre conceitos re-1evante.s como o de causalidade, dolo e culpabilidade.' Eis porque umDireito Penal concebido de forma sistemática é dominante não apenasna Europa, mas também na America Latina e na Ásia Oriental. Umaconfiguração sistemática permite reconduzir a extensa matéria dospressupostos gerais do delito a conceitos fundamentais niformes, es-clarecer as relações entre eles e, atravks do desenvolvimento de s o bçóes calculãveiç e transcendentes aos casos individuais, garantir aisonomia na aplicaçáo do Direito.

    Decerto, a capacidade de rendimento de um sistema de DireitoPenal depende de sobre quais fundamentos ele é edificado. E verdadeque qualquer sistema leva alguma ordem ao mundo conceitual do Di-reito Penal. No entand, se os elementos sistemáticos do Direito Penalforem construidos o u ordenados de forma incorreta, isso pode condu-zir a reçultados equivocados. Em razão disso é que a discussão emtorno da estrutura sistemática correta no Direito Pena1 não e , comopor vezes é mencionado, um estéril jogo conceftual, mas sim um tra-

    balho sobre os fundamentos do Direito Penal. Gostaria de esclarecerisso nas pá- seguintes na medida do possfvel, dentro do espacode que disponho com a ajuda de concepções sistemáticas que

    4. B m o como na nota de roda@ n. 21, p. 765 sso aparece de forma pormenorizada no escrito de habilitaçao de Sai-

    < ferling que veio a lume e m 2008: SAFFEWNG orsutz und Schuld. Subjekt ive Tüterelemente im dmtschen und englischen Strafrecht A respeito, verminha resenha em Z 2008 p. 988

    dominaram o século XX ou que possuem grande influência na atuali-dade. Para tanto, iniciarei com s propostas sistemáticas fundadas on-tologicamente que dominaram os dois primeiros terços do século XXe que ainda hoje possuem defensores em muitos países (irem 3 .pós, partirei para o modelo diametraimente oposto, uma concepção

    teórico-sistemática puramente normativa que, a t r a v é s de Jahobs e seusestrangeiros, conquistou forte influência internacional na atua-

    lidade (item 4 . Por fim, apresentarei meu próprio sistema, que recor-re a ideias reitoras político-criminais e busca abranger tanto dadosempíricos como norrnativos em sua relação dialética (item 5).

    3. SISTEMAS E DIREITO P E N A L F U N D A D O S O N T O L O G I C A M L N T E

    3.1 sis tema clássico

    O denominado sistema clássico de Direito Penal, situado no inicio do desenvolvimento dos sistemas e que ainda hoje é ensinado emcertos países, baseia-se em fu ndarnentos científicos naturalistas de sig-nificado essencial para o pensamento jurídico do século XIX. Todosos elementos objetivos do delito eram reconduzidos ao dogma causale reunidos sob o conceito de injusto. Todas as partes subjetivas doacontecimento deiitivo configuravam, segundo ss sistema culpa-bilidade do autor. culpabilidade era, então, segunda categoria dodelito ao lado do injusto e se decompunha e m dolo e culpa, entendi-dos como formas de culpabilidade .

    A bipartiHo dos pressupostos do delito correspondia à exigência.de distinções claras. O tato de se afirmar que o njusto seria algo obje-tivo e a culpabilidade algo subjetivo trazia consigo uma certa eviden-cia tarnbkrn para o senso comum, o que explica o sucesso dessaproposta de sistema. Entretanto, suas fraquezas emergem .de formatão clara apbs u m olhar mais acurado, que sd se pode tratá-la atual-mente como urna proposta definitivamente fracassada. As raz8es paratanto são as expostas resumidamente abaixa:

    a A reconduçào do njusto à causalidade acaba p o r proporcio-n r um Smbito objetivo de responsabilidade excessivamente amplo. Ofabricante e o vendedor de um autombvel compõem a relação causalde um acidente fatal causado pelo comprador do veiculo. Não parece

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    IREITO P E N L 2 9

    ser plausivel afirmar aqui que eies realizaram um injusto de culpabilidade 3 35, 33, 2 StGiB), influenciam, de fato. a 5ituaçaohomicídío. p d q u i n do autor, mas se baseiam no entanto. em fundamentos obje-

    b) Nas omissões, falta a causalidade em sentido cientifico-natu- tivos, fáticos.ralkta- O njusto ornissivo n o e portanto, apreençfvel a partir desça Tomadas essas consideraçoes em conjunto deve-se considerar operspectiva. s,-tema uc]ássico de Direito Penal como definitivamente refutado e

    c Tampouco a tentativa é explicável a partir de u m onceito de atualmente ndefensável.injusto referido à causalidade. Afinal o tipo da tentativa não preççu-pòe causalidade. 3 2 A t e o n a f i n u ~ i s t a a ação

    d) Também o conteúdo de injusto em todos os delitos estrutura- A teoria finalista da ação dominou a diçcuççao em torno do siste-dos de forma normativa seria falseado ao se partir o ponto de vista ma juridico-penal, sobretudo no período imediatamente posterior ado causalismo. Prova cabal disso é o amoso exemplo, segundo o qual (aproximadamente entre 1945 1965). Isso se pode dizer não

    injusto do crime de injúria estaria na agitação das ondas sonoras Si da =itncia juridico-penal alemã, uma vez que esta teoria, fundadana C ~ = Ç ~ O de urna irritacão sensorial no ouvido do afetado+& final, pelo pnalista Huns Welzel exerceu e em parte ainda exerce igual--e fenfimeno naturalistico ocorre exatamente da mesma forma nu- mente grande influência internacional. Segundo essa teoria. O sistemama manifestação elogiosa, de m odo que ele não basta para caracterizar de Direito Penal é fundado áo sobre a causalidade, mas sim sobre ao conteúdo especifico da injúria. vontade humana que dirige o acontecimento no sentido da finalidade

    e Uma ComPreenção causal do injusto conduz também a reçul-tados materialmente equivocados. Assim, por exemplo, ocorre na Ale- Na medida e m que a finalidade do atuar humano é efigida a pe-m a n h a com a ainda não completamente superada teoria subjetiva da dra fundamental d o sistema de delito, o sistema cláçsico foi, de certoparticipação, que busca distinguir a autoria da participação com a aju- modo, posto de pnta-cabeça. Isso porque o objetiviçmo do sistemada de uma vontade de autor (vontade de ter o fato como s eu e v e n t a cláçsico foi substituido por um ponto de partida subjetivo. ~ m b a s sde de Paficipe (vontade de tomar parte num fato alheio) que n ã o concepcoeç que, n a t e ponto, são diametralrnente opostas, gualam-se,Possuem existência real. a concepção parte da premissa de que entretanto, em um aspecto: ambas possuem uma base ontológica. Auma distinção objetivwntre as formas de contribuicão seria impossí- finalidade é um conceito ontológico, como o é do mesmo modo, avel, já que todas contribuições causais para o acontecimento seriam causalidade , afirma O próprio WeIze1.'equivalentes. A teoria finalista da ação formulou o injusto e a culpabilidade

    f) T-~ouco pode a culpabilidade ser compreendida como u sobre fundamentos essencialmente aperfeiçoados, de forma que suafenameno Puramente subjetivo. D e pronto, isso vãilido para a culpa ressonãncia internacional é bastante compreensível. N ã o se pode mes-inconsciente, na qual as circunstãncias que fundamentam a culpabili- mo compreender o injusto, por exemplo, do furto ou do estelionatodade M o stão de todo contidas na consci@ncia o autor. ou ainda da tentativa sem recorrer a o s fins subjetivos propostos pelo

    g As causas de exwlpaCão, como O estado de n e c s i d a d e excul- autor. E quando se conceitua a culpabilidade - c o m o az a teoria f im-pante, excesso na legitima defesa e mesmo a incapacidade de lkta da açáo - não c o m o conceito compreensivo dos elementos sub-

    jetivos, rnaç como reprovabilidaden, nela podem ser integrados, s e m6 Compare-se a respeito ROXIN, Str~frechtliche 1973, problema algum, os elementos objetivos de que depende a reprovaçáo

    P. 82- CNT Existe tradução portuguwa - de acesso relativamente difkil da culpabilidade.- de lavra de A M Pauia dos Santos Luts Natscheradeh, tada pel V=-a, de Lisboa. 7 W E ~ E L m diefinale Hundlunglehre. 1949, p. 7

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    O finalismo também conduziu a resultados aceitos posterior-mente pelo legislador alemão, de modo que eles encontram acolhidana práxis jurídica, já independentemente da validade teórica dessadoutrina, Assim, a distinção legislativa entre o erro de tipo excludentedo dolo e o erro de proibição exdudente da culpabilidade em caso deinevitabilidade foi consolidada pela teoria finalista da ação. Afinal, en-quanto a falta de direcionamento da ação exclui o dolo, a falta deconscigncia d o injusto não altera o consciente domínio do curso cau-sal, nem, portanto, a finalidade e o dolo, podendo influenciar apenas aexistência e a quantificação da reprovabilidade. Também o fato de oC6digo Penal alemão apenas permitir participação e m ato dolosa § §26, 27 StGB) pode ser reconduzido a teoria finalista da ação. Isso emrazão da consideração de que se o njusto tipico pressupõe o dolo doautor no sentido de uma consciente dominabilidade do curso causal,deve igualmente ser exigido o dolo na correspondente participação.

    A despeito das vantagens e consequencias práticas enumeradas,o sistema finalista de Direito Penal possui também pontos fracos que

    impossibilitaram sua imposiçãio generalizada na Alemanha e tambémno cenário n te rna~ iona l .~ penas resumo os seus principais deficits:

    a) A teoria finalista da açáo não consegue esclarecer de formasatisíatória nem os delitos culposos, nem os delitos omissivos. Afinal,aquele que atua culposamente não dirige o curso causal no sentido doresultado. O njusto do delito culposo não está no fim proposto peloautor. mas sim na =?cão evitilvel de um rai l tado n l o querido. Foijustamente esse fato que possibilitou ao sistema clássico de delito, quese contentava com a causalidade da a@o culposa, resistir por tantotempo As invwtidas finalistas. Da mesma forma fracassa a teoria fina-Lista da ação diante dos delitos ,omissivos, como, aliás, o admitem osprdprios finalistas desde o escrito de habilitação de Armin K~ufmnnn.~Afinal, aquele que se omite não domina n e n h u m curso causal, e o que

    8. Estabeleci especialmente uma discussao com a teoria da açao Furalistaem duas oportunidades: e m meu trabalho Zur Kritik der finalen b n -dlungslehre. ZStW 74 19621, p. 51 c ss. (também publicado e m tra-

    frechtIickc Grundlagenprobleme, 1973, . 72 e ss.). Após em: Festschrijtfir Andnnrlakis, 2003. p. 573 e ss. ( Vondige und Defizite des Finalis-mus. Eine Bilanz ).

    9. n w ~ AUFMANN,ie Dogmatik dh nterlassungs likte, 1959.

    IREITO PENAL

    çe lhe reprova é não ter intervindo num curso causal dele indepen-dente.

    b) Q finalismo é capaz de limitar drasticamente. e verdade, o am-plo conceito de injusto d o sistema clássico, á que consegue explicarsem problemas permanecerei c o m o exemplo utilizado acima - porque o fabricante e o vendedor do carro acidentado n ã o realizaram oinjusto de homicídio. Ocorre que também a explicação finalista estende demais ãmbito obSetivo do injusto. Afinal, no nosso exemplotambém ela enxerga como preenchido o tipo objetivo de um homici-dio e pode apenas afastar o tipo com considerações relativas a falta dodolo. E quando, por acaso, a vontade do agente esteja sim dirigida arealização do resul~ado o vendedor de carro vende ao odiado comprador u m a r r o de corrida com um bom desconto, porque quer queo comprador morra - necessitará a teoria finalista da ação de procu-rar, em vão, por razões concluden tes para a negaçáo do homicidio do-loso.

    c TamMm a teoria finalista da ação não esclarece corretamenteo ignificado so cial do injusto quando surgem elementos normativosdo tipo não dirigiveis pela vontade. No exemplo da injúria, supracita-do para criticar a compreensáo causal do injusto, tampouco a teoriafinalista da ação significa um avanço. Afinal, continua sem sentidobuscar compreender a injuria c o m o a direção final das ondas sonorasno sentido do tímpano do afetado.

    d Pode-se igualmente criticar os resultados obt ida pela teoriafinalista da ação na medida e m ue náo é possível deduzir soluções deproblemas jurídicos de dados ontolbgicos como a finalidade da açãohumana. As soluçòes apenas podem ser alcançadas a partir de vaiora-çaes e nunca a partir de meros dados do ser. Quando os finalistas su-

    pbem, seguindo a chamada teoria estrita da culpabilidade, que noscasos de legitima defesa putativa existe um fato punivel doloso, pois avontade final do autor se dirige à 1 0 ou morte da vit ima, estamosdiante de u m a orma de argumentar equ iv~ cad a.'~ final é uma ques-tão valorativa se diante de casos como esse devemos afirmar uma açaodolosa ou cuiposa. Ocorre que essas razões valorativas, nesse caso e-v a m a que se afirme u m ato culposo, na medida em que o autor errou

    10. Nesse sentido também rito como a nota de rodapk n 2 p. 71).

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    sobre as circunstâncias de fato e a ele é apenas reprovivel sua falta de da teoria do dolo e da participação em fato não doloço - isso se deveatenção, o que é característico dos delitos culposos. Em razão disso é não a leíç do ser, mas a valoraçfies político-criminais que até hoje,que a teoria estrita da culpabilidade foi recusada pela magistratura e

    com são controvertidas.pela opinião da doutrina amplamente dominante. Ela tampouco foi

    ,- Por fim, nem tarnpouco a compreensão da culpabilidade cocodificada pelo legislador alemão. N o encanto, mesmo ali onde o le-mo reprovabilidade, que já havia s ido desenvolvida no período pré-fi-

    gislador alemão adotou poçicionamentos finalistas-

    como n a recusa naliçta 12 satisfaz completamenie. Afinal, não se tem, de n e n h u m aforma, informação respeito de por q u e O au to r é reprovado pelo seu

    11 . (NT) em pelo legislador brasileiro. Esse lato foi ignorado por aqueles ,tuar injusto. O conteúdo d o concei to de culpabilidade permanece,que afirmaram e afirmam que a reforma da parte geral de nosso Código em razão diçso, arbitrário.ocorrida em 1984 teria adotado o finalismo. Diferentemente do legisla-dor aremão, que preferíu o siléncio e parece ter compreendido bem o 4. A CONCEK O SIÇTEMIC E HEGELIANA DE J KOBSpapel que lhe cabia diante de tema tào cantrovertido, nosso legisladorafirmou ter adotado a chamada teoria limitada da culpabilidaden. Na Em franca oposição ao sistema clássico e ao sistema finalistaa f i r m a e o transparece uma aparente definição do legislador apta a calar funda Jakobs sua concepção de Direito Penal não a partir de pressu-os esforços doutrinários. Ocorre que essa afirmação não deve s e r toma- poçtoç ontológicos, mas sim a partir de pressupostos normativos, a

    como uma decisão definitiva e m azào da heterogeneidade de funda- saber: oç fins da pena. Ele enxerga o fim d a pena na manutenção ementaçòes q u e essa teoria possui (abstraindo do problema c o n f i m ~ á o a validade da norma, em conformidade com as teses daterminolbgico que envolve essa teoria denunciado especialmente por

    HRUSCHKA ieso ist die eígenschrânkte Schuldtheorie cigenschrankt? moderna socioiogia sistêmica. Segundo sua posição, o delinquenteIn: Festschrifi Roxin 2001, p. 441 e ss.. que coloca em questão at t que afirma a náo validade da norma no caso concreto , enquanto a penaponto ess teoria propõe realmente uma limitaçiio , concluindo que a a incompetencia do autor para t a l afirmação e assim, adenomina@o é equivocada, porque o termo teoria limitada tem o validade da noma .13 Crime é, portanto, o fato de o autor desacredi-sentido de que não se segue de forma consequente as premissas de que a no-an.14 D e orma mais çimplificada:15 o fato l e i o n a a valida-parte, e a teoria limitada d a culpabilidade náo realizaria essas correç8es de da norma; a pena é a eliminaçao dessa lesiío . A pena e suade rota). Não por outro motivo fala Roxin em u m caos de t eor ias em

    execu@o possuem fundamen talrnen te uma função simbólica, n o exa-torno do t e m a do erro nas causas de justificação (ROXIN, Strafrecht, All-gemsiner Teil Bd. 4. Aufl., 2006, . 626 . A homogmida& no nome to sentido hegeliano de negaçáo da negaçSo do Direito : elas restabe-'teoria limitada da culpabilidade - ou seja, o fato de todas as funda- lecem o Direito leçionado, independentemente de todas asrnentac- serem reunidas sob a mesma rubrica e m raráo da c o m - consequências sociais dai advindas.quencia comum a q u e chegak (auséncia de puniçáo dolosa em caso de Essa concepç50 sistemática é, de fato, notmativa, mas diçpençaerro de tipo permissivo) - TiáO deve esse caso, esconder a htttrogenei-dnde na sua undamenta~o. diferença no que se refere h fundamenta- tanto questões valorativas c o m o empfricas. Ela dispensa questões va-@o posçui relevantes consequ&ncias istematicas e prdticaç. S i s t m d t i c n s lorativas na medida em que M o eva e m anta o conteúdo da norma aao projetar seus efeitos para a teoria da participacão e da tentativa. Prd-t icas em raziio de se poder chegar h soluçào da punibilidade ou da não 12. Fundamental a respeito da histbria dogmática do conceito de culpabili-punibilidade a depender da fundamentação da qual se parta. Vale dizer: dade ACHENBACH, istorische u d ogmatuche GnindIagen der strarechtsnosso art. 20, 1.- e o n. 17 de nossa exposiflo de motivos da nova s y s t m t i s c h SchuIdlchre 1974.parte geral não são o ponto de chegada, mas sim o ponto de partida da 13. AKOBS Das Strafrecht zwlschen Funktionalismus uns alteuropãkchendiscussão e m orno do tema. Sobre esse ponto eçpecffico a respeito da Prinzipdenken, ZStW 107 (1995). p. 843 e SS. (p. 849).heterogeneidade nas fundamentações da teoria limitada da culpabilida- 14. JAKOBS Was Ghatz das Strafrecht: Rechtsgüter oder ~ormgeltung?de ver G ~ N WA L D , u den varianten der eingeçchrãnkten Schuldtheorie. Fesachrifi Saito, p. 17 e ss. (p. 33 .ln: Geddchhiisschrijt Peter Noli, 1984, . 183 e ss. 15. J ~ u o e s como na nota de roda* n. 14, p. 3 5 .

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    s e r estabilizada . Ela se adequa, como o próprio Jakobs afirma,16 a umEstado escravocrata como, da mesma forma, a nossa moderna socie-dade livre. Em ambos os casos, o Direito Penal estabiliza a validadedas respectivas normas. Tampouco o reconhecimento de uma autono-mia pessoal dos cidadãos está necessariamente ligado a uma teoriadesses moldes,17 pois a estabilizaCão normativa independe dessa auto-nomia.

    Essa concepção não sd não leva em consideração questóes valo-rativas cornu também dispensa questões empiricas. A pergunta sobrequais consequências psicológicas ou sociais produz a pena é. parala-kobs, indiferente, já que a seu ver, com a pena o Direito lesionado jáfoi restabelecido. C o m o afirma Jakobs,18 não se trata de evitar que oviolador da norma pratique novos fatos, nem tampouco se trata deconter as inclinações para a lesão da norma existente s em outras pes-soas . Em outra paççagem:19 com a execução da pena seu fim estásempre alcançado. .. Se serão produzidos tambem efeitos psicoló-gico-individuais ou psicológico-sociais intimidação, exercicio de

    confiança no Direito, entre outros - nga é essencial para o fim da pe-nab.Dessa ideia de conçtrução do Direito Pena l a partir de considera-

    çdes normativas, mas sem levar em conta questões valorativas e empi-ricas, pode-se retirar duas consequências fundamentais para aconstruçáo sistemática. Gostaria de Limitar minhas considerações aelas.

    Primeiramente desaparece a separaçáo entre injusto e culpabili-dade. Pelo conuário, todo injusto penai e mesmo toda ação relevantepara o Direito Penal passam a pressupor a culpabilidade do autor. Afi-nal se para o Direito Penal apenas importa o fato de o autor desacre-

    ditar a norma, a lesãoà

    validade desta, então apenas um autorculpavel pode leçionar a norma. O fato realizado por um doente

    16. AKOBS (como na nota de r d a p k n. 13, p, 854).1 7 J m w como na nota de roda@ n. 13, - 854): O imperativo jurtdico de

    que se deve respeit r o outro como peçsoa seri 'compatfvel com u mponto de vista funcional. embora outras concepções permaneçam comopossiveis .

    18 - Norm Person Geselfschcrft 3. ufl., 2008 p. 114.19. mnç como na nota de rodapt n. 14, p. 34).

    mental não é um questionamento da validade da norma, mas, comoafim a k o b s l ~ ma comequtncia da pessoa como natureza, e nãocomo participante competente da comunicaç~o . Também 0 s seusalunos se manifestam nesse sentido. iesch afirrna:lL injusto penal é aprópria culpabilidade jurídico-penaln. e culpabilidade é o njusto pe-

    nar. ambém P a ~ l i h : ~ ~partindo-se de um conceito de crime que co-loca em primeiro plano a contradição entre a vontade do autor e d avontade geral ...I, não há espaço para u m njusto independente daculpabilidade .

    Em segundo lugar, a o se partir das premissas jurídico-penais deJakobs, a culpabilidade perde sua função de limitação da punibilidade.Afinal, se a pena serve apenas para a estabilizaçáo da norma e a garan-tia da autonomia pessoal não é pressuposto necessário para a sua ad-missão então é possível que doentes mentais devam ser punidosquando isso for necessário para estabilização da norma. Nesse senti-do é o exemplo bastante citado ao qual também %dto s refere:

    assim, a exculpaçao de autores por impulso (Triebtdter) tornou-sediscutível somente quando medicina chegou ao ponto de oferecer re-

    II ceitaç para tratá-los*. Numa publicação do ano de 2008 se manifesta

    Jakobs:I4 que juúo de culpabilidade apenas pode ser individualiza-do (OU seja, ocorrer uma ex- ou des-culpa , quando isso não violar atarefa de ordenaçáo social da norma (Ordnungsaufgabe der Norm)

    Essa doutrina quase não possui mais semelhanças com o sistema'clássico e com o finalista. Embora eu compartilhe seu ponto de par-tida normativo e sua preocupação com os f ins da pena, tenho contraela no mlnimo quatro objeções, da m e s m a forma que as tinha quandoda análise do sistema c b i c o e do finalista, e que passo a expor deforma resumida:

    20. JAKOBS (corno na nota de roda* n. 13, . 8W).21. M er Verbrechensbegrifi Grundlinien einer funlt t ion~lm Rmision,

    1999. p. 205.22. PAWLIK, er wichtigste dogmatische Fortschritt der ietzten Mençch-1-

    ter? Anmerkungen zur Unterscheidung von Unrecht und Schuld imStrafrecht, Festschríjt Otto 2007 . 133 e ss. p. 147).

    23. BRITO corno na nota de rodapt n. 2. p. 71 .24. JAKOBS (como na nota de roda@ n. 18, . 107).

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    3 6 REVIST RR 4SILEIRA DE CIENCI S C R I M f N A I S 2 1 R C C R I M 8 2 DIREITO P E N A L 3 7

    a) O desvalor de um comportamento delitivo não está n a produ- proibição diz respeito ao injusto e se dirige a todos os cidadáos comoção de uma lesão abstrata d a norma, mas na Iesào real a bens. Jakobs máxima apta a guiar seus comportamentos, enquanto a culpabilidadeinverte as coisas quando, por exemplo, enxerga a relevância social de é sempre uma questão de responsabilidade individual após o cometi-um homicídio não na lesão do corpo da vitima ou no extermínio mente do fato. Igualar esses dois aspectos diversos significa substituirde sua consciência , mas na afirmaçào do autor de que o corpo e a a ,-Iareza a q u e se chegou a p ó s longo labor dogmático por uma confu-consciência não devem ser respeitado^ .^^ Não é já a opinião do autora respeito da norma que é çocialmenie lesiva, mas apenas a lesão leva-d a a cabo. O argumento de que não se poderia proibir algo a um sujeito

    que ele não esteja em condiçóes d e seguir, que sempre surge em favorb) Tarnpouco o f im do Direito Penal e da execução da pena está fusão entre injusto e culpabilidade, é falso. Também o doente men-

    apenas no reforço da norma. Afinal, se se tratasse apenas o reforço tal acaba p o r violar a proibição de matar seria equivocado supor queda norma, ser ia possível renunciar a outras consequencias e s con- ele mata em conformidade ao direito. O que ocorre é que ele não podetentar com u m a desaprovaçao publica do fato. O reforço da norma é

    çer punido por isso.inútil se não vier acompanhado de uma redução de novos fatos puní-veis. Dessa forma, quando fahobs considera as finalidades preventivo- Apenas o m o argumento adicional poder-se-ia mencionar que ogerais e preventivo-especiais da pena como não essenciais para o nivelamento das duas categorias sistemáticas do Direito Penal nãofim por ele proposto, acaba por ignorar a tarefa de condução social merece aplauso, pois a premissa de q u e parte, a saber, da compreen-que cabe a o Direito Penal. são do fato punível como agresção a validade da norma, e errônea.

    c) A equiparaçSo entre injusto e culpabilidade viola o Direito po- d) Por fim, n ã o posso aceitar a tese de que a culpabilidade devesitivo e nivela a diferença material existente entre infração da n o m a ser não segundo as capacidades individuais do autor, masproibitiva e necessidade de puniçáo. sim segundo necessidades es ta ta i s a tarefa de ordenação social da

    norman). Isso porque assim se resolve a relação d e tensão existenteComecemos com conçidera~ões e Direito positivo. O Código

    entre direitos de interven-o do Estado e a liberdade dos cidadãosPenal alemáo diferencia claramente os fatos que náo são antijuridi-unilateralmente em favor dos interesses estatais em estabilizar a nor-cos 3 § 32, 34 StGB daqueles que não são culpáveis 8 § 17, 2ma. Direito Penal no seio de um Estado de Direito funda-se, o en-

    StGB). Além disso, o s s i v e l se defender de agressbe nho culpáveis,mas náo contra agressões que não sejam antijuridicas 8 32 StGB).Também o tratamento da falta de conçciencia do injusto c o m o poççi-vel causa de exculpação 9 17 StGB) pressupbe a separaDo entre in-j u t o e culpabilidade. Por fim. as medidas de segurança está0 ligadasao injusto, c a pena culpabilidade.

    despeito das consideraçües de Direito positivo, a distinção en-tre injusto e culpabilidade é materialmente fundada, o que é turvadocom a equiparaçáo das categorias. Trata-se de duas perguntas copple-tamente diferentes, saber se se deve comunicar a todos os cidadãos apunibilidade de u comportamento ou se. apbs a infraçáo dessa nor-ma em todos os casos a punição 6 permitida ou necessãiria. A

    25 JAKOBS (como na nota de rodapé n. 14, . 33 .

    tanto, no dever de respeito do Estado para om a autonomia e direitosfundamentais de seus cidadãos, como está disposto na Constituiçãoalemá. O Tribunal Constitucional alemão reconduziu, com razão oprincipio da culpabilidade dignidade humana (art. da Lei Funda-

    mental alemã). Na medida e m que um sistema de Direito Penal violeessa diçposição, não pode pretender ter qualquer validade.

    5. A P R ~ P R I A ONCEP~AO FUNDADA mtfftco-CRIMINALMENTE

    5 1 njusto

    Também eu discordo, nesse particular com Jakobs das já critica-das fundamentações ontolbgicas do injusto e busco deduzir ascategorias do injusto normativamente dos i n s do Direito Penal. Ocor-re que a alternativa formulada por J a k o b ~ ~ ~O que protege o Direito

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    3 8 R E V I S T B R S I L E t R O € C I ~ N C I S RIMIN IS 2 1 R B C C R I M 82

    Penal: bens jurídicos ou a validade da norma? respondo de formadiversa já que para mim o objeto de proteção do Direito Penal é obem jurídico e não a validade da norma.

    Assim. conceituo be ns juridicos como dados mprescindiveis pa-ra a livre e pacifica convivtncia dos seres humanos sob a garantia detodos os direitos assegurados pela Constituição. São bens juridicoç,por exemplo, a vida humana a integridade física a autodeterminaçãosexual, a propriedade e pat r imõnio e também os chamados bens jurí-dicos da coletividade como moeda e a administraçáo d justiça. Afi-nal s e m uma moeda intacta e u m a administração da justiça quefuncione não é possível uma livre e pacifica convivência na sociedademoderna. Tarefa do Direito Penal e a proteçáo de bens jurídicos ape-nas quando essa proteção náo possa ser alcançada por meio de outrasmedidas sócio-políticas menos gravosaç (como o Direito Civil o Di-reito ablico ou o Direito de contraordenações), pois o princípio daproporcionalidade exige que o Estado se dê por satisfeito com inter-venção menos intença possivel. Em breves palavras isso significa: ta-refa do Direito Pena1 é a proteção subsidiária de bens jurídicos.Injusto é todo comportamento a que deve ser cominada uma pena porrazões ligadas a proteçáo de bens juridicos.

    e início um conceito de injusto desses moldes diferencia-se daverçáo que compreende o injusto como viola@o da validade da normaem dois pontos centrais. Ao contrário da l&o a validade da normaque representa uma atribuição abstrata e possui uma existência pura-mente ídeal, a violaqo do bem juridico é algo real. Não é necessárioque sempre se esteja diante de uma ealidade fisica c o m o no homici-dio. Basta unia realidade social, como ocorre nos crimes contra a hon-ra, ou airida de uma víolayáo psiquica corno ocorre noconstrangimento ilegal (Nõtigung, 8 240 StGB). Além disso, esse con-

    ceito de injusto não se adequa a no- de conteúdo qualquer, senãoque toma como undamento valorativo nossa Constitui@o: a discri-minação de minorias étnicas ou o tolhimento do direito de exerciciode crença sao violações de bens jurídicos, corretamente comina* depena 9 130 166 StGB). E está correto, pois tais comportamentosnão são compatíveis com uma livre e pacifica convivencia humanasob o dominio d Lei Fundamental. De fato, o ponto de partida da

    26. JAKOBScomo na nota de rodapé n. 14) .

    DIREITO PENAL

    aqui desenvolvida concepção de injusto é normativo na medida emque é teconduzido ao fim do Direito Penal c omo proteção subsidiáriade bens jurídicos. Ocorre, no entanto, que esse padráo normat ivo sematerializa na plenitude das manifestações da vida. e por levar emconta essa realidade k çaturado de dados empiricos.

    O conceito de injusto aqui mencionado possui também váriasconçequtncia~ ara a dogmática d o injusto penal que não eram acessí-veis as propostas ontologicas de sistema: ele funda a teoria da imputa-ção objetiva atualmente u m tema central d a dogmática jurídico-penaldentro da discussão alemá e internacional. Se a tarefa do Direito Penalrepousa na proteção do bem juridico e se se lança pergunta de co-mo o legislador pode alcançar tal objetivo então a resposta só podeser uma: roibindo todas as ações que representem um risco não per-mitido para o bem juridico protegido e imputando ao autor o resulta-do típico, que surge como realização de um risco nao permitido. Ocaracterístico de um a ação de homicidio não está na causalidade parao resultado ou na sua produção finalisticamence orientada, m as simno fato de que no reçultado morte se realiza u m risco não permitidopara a vida humana criado pelo autor.

    Aquele que por exemplo, produziu um acidente fatal em razãode uma violaçáo de dispositivos de tránsito, realizou uma açáo (cul-posa) de hom icidio. No entanto quele que apesar da cuidadosa aten-çao prestada a todos os dispositivos se envolveu num acidente fatalnão é autor de u m a a e o de homicidio mas sim u m cocausador deu m a infelicidade que agiu atipicamente. Evidentemente a teoria daimputação objetiva náo s esgota nessa ideia bãsica que demonstreiatravés de meu exemplo. Muito mais ela se estende por todo o injus-to, em uma estruturada rede de regras de imputação. Também estáprovado que uma concepçgo de njusto assim construida oferece uma

    capacidade de rendimento na resolução de problemas juridicos práti-cos que não foi alcançada pelas outras concepções siste&ticas e quenão se deixa abalar por eventuais vozes críticas que aparecem na lite-r a t ~ r a . ~ ~

    Por fim, deve ser destacado que minha co ncepmo de injusto al-anca de três formas algo que as citadas propostas de sistemas não nos

    27 Detalhadamente .a respeito RoXIN. Strafrecht Allgernt-iner Teil Bd. I 4.Auflage 2006 § 11 Rn. 4 e ss

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    4 R. VlST 4 6 m S I L E l R A t I E N IAS CRIM/AfAIS 0 1 0 R C C K I M 8 2 DIREITO P E N A L 41

    puderam dar ou que sequer foi por elas ambicionado: um tra tarnento humana de nelhor forma a o se proibir completamente a circulação desistemãit ico do equilíbrio entre interesses de proteçao e interesses de carros, acabando, assim, com os acidentes auromobilísticos fatais.liberdade. essencial para o moderno Direito Penal. Ocorre que içço significaria que o tráfego a mobilidade das pessoas

    A primeira manifestacão desse equilibrio de interesses está no fa- limitados de uma das formas mais drásticas imagináveis. A teo-to de apenas lesões d e bens juridicos poderem ser objeto do injusto ,ia da imputação possibilira a q u i um equilíbrio de interesses,

    penal. ~ i o l a ç ó e s moral o u outros comportamentos desaprovados azravés de um cuidadoso trabalho de distinguir no interior da rede denão justificam a proibição, enquanto a convivência pacífica dos rida- regras de trânsito ent re aqueles riscos que são permitidos e aquelesdãos não f o r por eles ameaçada. Infelizmente, isso foi ignorado pelo que já não o ã o e que possibilitam um a imputaçào jurídico-penal.nosso Tribunal C o n s t i t ~ c i o n a l ~ ~ m recente decisáo ao responder afir Após tudo isso dificilmente será colocado em d ú v i d a q u e umamativamente à pergunta sobre a constitucionalidade da proibicào pe- fundamentagàlo sistemática do conceito de injusto ~ e n a l os moldesna1 do incesto entre irmãos. Apenas o Prof Hdsssrner o único da aqui desenvolvida difere essencialmente em seu conteúdo e tarn-penalista entre os juízes da Corte que votaram no caso, opinou bem possui vantagens n a aplicação prática se comparada com a recon-inconstitucionalidade d o dispositivo, com base na concepção de bem du -ão do injusto a causalidade, a finalidade ou à violaçãojuridico par ele e também por mim defendida. da validade da norma. Alegra-me muito saber que nosso homenagea-

    do o Proj. Brito, encontra se no mesmo caminho quando descreve serA segunda manifestação desse equilíbrio entre interesses de pra-

    a valoraqão do injusto comrruida sobre a lesão do b e m juridico oute@o e interesses d e liberdade está contida no princípio da p r o t e ~ ã odo desvalor d e ação uma d a s tres valorações fundamentais de seu

    subsidiária de bens jurídicos. Ali onde bastem possibilidadeç de prote- sistema de delito. A referência ao desvalor de ação não significa ne-Cão menos gravosas, não é necessária Direito Penal. Por exemplo,diverg&ncia da minha concepção, pois se refere à tentativa, te-provavelmente o problema da distorção da concorréncia nos esportes ma que não pude tratar especificamente no presente texto.profisçionais causado pelo dcrping pode ser solucionado de melhor for-

    ma por meio de u m ontrole mais intenso por parte dos otganismoç 5 2 Culpabilidade e responsabilidadeesportivos do que por meio do Direito Penal, desde que se condicioneo repasse de recursos públicos à efetividade esse controle. Posso aççim.paççar para a análise do próximo degrau sisternáti-

    co, tradicionalmente denominado culpabilidade. Ao contrário dasEm terceiro luga também a teoria da imputação objetiva contri- concepcõ~s á referidas, não vejo a culpabilidade nem como conceito

    bui para que os nteresses sociais de iberdade e de livre desenvolvi- compreensivo dos elementos subjetivos do delito, nem c o m o eprova-memo sejam resguardados em relação iguahente importante bilidade e n e m tampouco como imputa@o realizada segundo fins esnecessidade de segurança. E evidente que se poderia garantir a vida tatais. Por culpabilidade entendo a realizaçáo d o injusto apesar da

    idoneidade para ser destinatArio de normas. Idônea para ser destinatá-28 A w e espeito uateí de forma mais aproximada em ROXIN. treitfragen ria de no- C qualqmer pessoa que esteja fundamentalmente embei der obj ktiven Zurechnung estschrijt Maiwald a ser publicado em

    2010. condiçóes de compreender as proibiçóes e mandatos penais e orientar29. BVerfG 2 BvR 392f07 de 26 02 2008 seu comportamento de acordo c o m eles. Para avaliar se alguern posu i30 A esse respeito ROXIN, oping e direito penal. Trad. Alaor Leite e revisão essas condiçaes normalmente basta a observação das outras pessoas,

    de Luís Greco d o original Doping und Strafrecht texto d e palestra profe- ou, nos c sos duvidosos, essas condiçbes podem ser determinadas porrida no dia 01.07.2009 na Ludwig Maximllians Univerçitãt München. meio de u m parecer psicolõgico ou psiquiátrico. Um conceito de cul-

    NT) O texto referido parte de um livro a respeito do doping e de seu pabilidade construído sobre essas bases possui um duplo signíficadotratamento no Direito Penal ROXIN; L. GRECO, oping e ireito penal.Trad. e introduçao por Alaor Leite, no prelo.

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    E V t TA B R A S IL E t R A DF C I ~ N C I A S R I M I N A I S L07 BCC KIM 82 DtRElTO P f N A L 5

    Se a necessidade de complementação do critério da culpabilidadepermaneceu oculta nas antigas concepções sistemáticas, isso não sedeve apenas à força que a filosofia idealista (Kant e Hegel) possui natradição do Direito Penal alemão, m a s ambém circunstância de que,em regra, uma punição faz-se necessária, por razões preventivas, após

    a realização culpável de um injusto penal.Ocorre que o próprio Direito positivo fornece exceç ões a essa re-

    gra. Quando o Código Penal alemào resolve não punir o chamado ex-cesso na legí~ima efesa § 33 StGB), ou seja, a situação daquele queultrapassa s limites permitidos da egítima defesa em razão de desori-entaçáo, medo o u susto, náo está declarando ausente a culpabilidadedo autor, ainda que se admita que aqui ela é bastante r e d u ~ i d a . ~ ' fi-nal, quando o legislador obriga o agredido a se manter dentro de de-terminados limites, supõe o legislador que uma pessoa normal estejaem condiçãeç de respeitar essas fronteiras. Quando são ultrapassadosos limites da legitima defesa estamos diante não apenas de um injustopenal por exemplo, ma lesáo corporal), m a s de um injusto culpável,na medida em que o autor poderia ter se orientado de acordo as deter-minações da legitima defesa. A pergunta a ser feita e: será necessáriauma punição nesses casos por razões preventivas? A essa pergunta olegislador com razão espondeu negativamente. Primeiramente, oautor não necessita de uma intervenção por razões preventivo-espe-ciais, pois ele M O agiu por motivações criminosas, m a s deixou de se-guir As exigências le ais apenas numa situação incornum e queprovavelmente não s8 epetirá. Tambem por razões preventivo-geraisa punição t desneceççária, pois uma reaçào excessiva causada por m e -do não convida à imitação e porque os demais cidadáos demonstram-se compreensivos, entendendo o comportamento da vítima de u m aagressão antijuridica como algo contingente, dependente da situação,s e m entirem qualquer necwidade de punição.

    Essas conçideraç6es valem tam&rn para o estado de necessidadeexculpante B 35 StGB , como na situação daqude que lesiona umterceiro para salvar de u m perigo uma pessoa prbxima. É posçive1,de-duzir da categoria da necessidade preventiva de pena, acreçcida A cul-pabilidade, mesmo uma causa supralegal de exclusáo daresponsabilidade. Gostaria de clarificar isso com a ajuda de u m açoespetaculoso ocomdo na Alemanha no ano de 2004. O presidente dapolicia de Frankfurt coagiu um sequestrador, ameaçando tortud-10, a

    indicar o local o n d e teria escondido o refém. O presidente da policiaqueria salvar a vida do ovem sequestrado, o que não foi possível, poíso jovem j havia morrido anteriormente. ssa ameaça de tor tura foiuma realização antijuridica do tipo de constrangimento ilegal 5 240StGB , na medida em que não apenas o Direito positivo alemào, mas

    também vários dispositivos internacionais cogentes proíbem semqualquer excecão a ameaça de tortura. A coação era igualmente culpá-vel, já que o presidente da polícia conhecia tais dispositivos, e poderia

    32. NT) mportante apenas esclarecer que o excesso na legítima defesacausado (ou no mínimo cocausado) por desorientação, medo ou susto

    chamados estados ou afetos astênicoç é expressamente regulado nocitado 8 Ç t G B como causa de exculpação. dispositivo que inexiste noCódigo P e n a l brasileiro. A discussão a que Roxin se refere e a respeitodos fundamentos que sustentam a exclusão de culpabilidade no caso doexcesso n a legítima defesa. A doutrina dominan te fundamema a excul-pação do excesso em dois pensamentos principais, a saber: (a) a dimi-nuição do conteúdo de injusto que ocorre diante da existencia dasituação j ustificante de legítima defesa des8gua na consequente diminu-ição da culpabilidade do autor o excesso na legitima defesa representa-ria uma espécie de -justificação parcial ); b) o fato de o autorultrapassar os imites da legítima defesa e m azáo de estar sob influên-cia d e eçtados ou afetos astênicos desorientação, medo ou susto) difi-culta a configuração de uma vontade conforme a norma, que diminuia culpabilidade do autor. Sobre essa fundamentacão, que na doutrinarecebe o nome de 'dupla diminuiçáo da culpabilidade (doppelteSchulbmindmng), ver ~ N G I E R , trufrecht Allgemeiner Td, 009, p.258-259 e WESSELÇ; ELRKE, trafrecht Allgemeiner Teil, 39. Aufl., 2009,p. 159. Roxin, o contrário da doutrina dominante, fundamenta a ex-culpaçao na de s ne dd ad e preventivo-geral e especial de pena, afir-mando a exktencia de culpabilidade nesse caso como o texto ex:larece.

    Para mais detalhe ver R o x r ~ , trafrecht, Allgmeiner TeiZ, Bd. I, 4 Aufl.,2006, p. 992; ogo após a reforma do C6digo Penal alemão manifesta-va Roxin a mesma opiniáio: ROXIN Über den Notwehrexzess, FestschriftSchaflstein 1975, p. 126. A opinião dominante na Alemanha apenasaceita o chamado a c a s o intensivo, ou seja, o ato de extrapolar a neces-sidade na utilizaçfio dos meios de defesa em razão de desorientação,medo ou susto. e não o xcesso extensivo referido atualidade da agres-são F w m , Strafrecht, Allgmeiner Tcil , 4. Aufl., 2009 p. 202 . É dis-cutível ,tam&m se a exculpa@o do 33 StGB 6 aplicãvel aos casos emque aquele que extrapola os limites da legitima defeça provocou ante-riormente a situacão justificante:

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    ter agido de outro modo. Mas será que havia aqui uma necessidadepreventiva de pena? Isso pode ser colocado e m dúvida ao se refletiracerca do fato de que o autor queria salvar u m a vida humana e agiusegundo a sua consciência não por motivações criminosas. Decerto,a determinação dos pressupostos de uma exclusáo supralegal da res-ponsabilidade desses moldes exige ainda algumas precisões, o quepertence as tarelas do futuro.

    A categoria sistemática da responsabilidade aqui desenvolvidapossui, então um potencial de inovação. Também ela alcança aquiloque no ãrnbito do injusto através da prorecão subsidiária de bens jurí-dicos e da imputação objetiva já tinha sido alcançado: um justo equilí-brio entre o poder de sancionar e a garantia da liberdade. Afinal, apossibilidade de punição que se abre após a realização do injusto peloautor e limitada duplamente: por meio da culpabilidade e de sua ex-temão de um lado e por meio da exigência de necessidade preventivade punição por outro.

    Para mim representa uma especial alegria perceber que os cami-

    nhos pelos quais me movimento = o m categoria sistemática da res-ponsabilidade foram igualmente percorridos pelos pensamentos doProf. Brito. Quando ele, como foi citado logo n o início ndica como

    RENZIKOWÇKL er verschuldeten Notwehrexzess, Festschrijt Lenckner,1998. p. 2 e S. especialmente p. 260. No Brasil, Brandão e Cirinodos Santos defendem, a meu ver corretamente, a exculpa@o nos casosde excesso intensivo, a despeito de não existir regulamentação expressana Iegisla@o brasdixa (BRANDAO, urso e direito p d , 008 . 199 eC m OS SANTOS. Direito penal 3. ed. 2008. p, 338 e ss. que se mostraigualmente shpatico admissão da exculpa- no excesço extensivo).lnreressante seria propor uma aplicaç&o amlbgim do dispositivo vigen-te previsto no C a g o Penal Militar, de redado semelhante ao existente

    no natimorto Código de 1969: Excesso culposo. Art. 45 O agente que.e m qualquer dos casos de exclusao de rime, excede culposamente oslimites da necessidade responde pelo fato, se este é punlvel a titulo deculpa- Exccsso escudvel. Parágrafo único. Nao C punivel o excessoquando resulta de escusável surpreça ou p f i u r b a e o de animo, e m aceda situaflo. Excesso doloso Art. 46 O juiz pode atenuar a pena aindaquando punfvel o fato p o r excesso doloso . Sobre o tratamento em ge-ral do excesso na doutrina brasileira ver também as exposicões deBITENCOURT, r de direito penal 14 ed. 2009. vol. 1. p. 350 e ss eM m m , Manual direito penal. 1999. p. 195 ss.

    DIREITO PENAL 7

    segunda das t r k s valoraçóes fundamenrais que compõem s u siste-ma teleológico e político-criminal a valoraçáo da culpabilidade ba-seada na realização do injusto apesar da idoneidade para serdestinatário de normas e caracteriza como a terceira a valoração dapnibilida de reconduzida à necessidade de pena , então concordamosern todas as ideias principais que compõem o conteúdo da categoriasistemática da responsabilidade por mim desenvolvida.

    Se encerro meu contriburo com os carinhosos cumprimentos pe-lo 70.O niversário de meu amigo Sousa e Brito isso n3o ocorre apenaspor razões pessoais, mas também por ligação científica.