Roxin A t

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    A teoria da imputao objetiva*

    Claus RoxinProf. Dr. h. c. mult. Univ. Munique - Dr. LL. h. c. Univ. Hanyang

    Dr. h. c. Univ. Urbino - Dr. h. c. Univ. Coimbra - Dr. h. c. Univ. Complutense,

    Madrid - Dr. h. c. Univ. Central, Barcelona - Dr. h. c. Univ. Komotini

    Dr. h. c. Univ. Atenas - Dr. h. c. Univ. Lusada, Lisboa

    I. Problemas do tipo na teoria causal e final da ao

    II. Linhas mestras da teoria da imputao objetiva

    1. A criao de um risco no permitido.

    2. A realizao do risco no permitido.

    3. O alcance do tipo e o princpio da auto-responsabilidade

    III. Outras consequncias da teoria da imputao objetiva

    1. A diminuio do risco2. O risco permitido

    3. O fim de proteo da norma de cuidado em sua importncia para o critrio

    da realizao do perigo

    4. A atribuio ao mbito de responsabilidade de terceiros

    IV. A importncia da imputao objetiva para a moderna teoria do tipo. Sobre a

    confuso entre o objetivo e o subjetivo.1. O deslocamento do centro de gravidade para o tipo objetivo

    2. A reestruturao do ilcito culposo

    * (N. do T.) Traduo, de LUS GRECO, autorizada pelo autor, do estudo Die Lehre von derobjektiven Zurechnung, originalmente publicado em Chengchi Law Review, vol. 50, Maio 1994,(Edio especial para o Simpsio Taiwans-Alemo-Espanhol de Direito Penal).Abreviaturas: AT = Allgemeiner Teil (Parte Geral); BGH = Bundesgerichtshof (Tribunal Federalequivalente a nosso STJ); BGHSt = decises do Bundesgerichtshof em matria penal; FS =Festschrift (Estudos em Homenagem); JZ = Juristenzeitung; JA = Juristische Arbeitsbltter; NJW =Neue Juristische Wochenschrift; NStZ = Neue Zeitschrift fr Strafrecht; OLG = Oberlandesgericht(Tribunal Superior do Land); RGSt = Decises do Reichsgericht (Tribunal do Reich) em matria

    penal; Rn = Randnummer (nmero de margem); StGB = Strafgesetzbuch (Cdigo Penal alemo);StPO = Strafprozeordnung (Cdigo de Processo Penal alemo); ZStW = Zeitschrift fr die gesamteStrafrechtswissenschaft.

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    3. A importncia da imputao objetiva para os delitos dolosos

    4. O subjetivo na imputao objetiva

    I. PROBLEMAS DO TIPO NA TEORIA CAUSAL E FINAL DA AO

    O sistema jurdico-penal clssico alemo, desenvolvido na virada do sculo

    principalmente por LISZT e BELING, fundamentava o tipo no conceito de

    causalidade. O tipo considerava-se realizado toda vez que algum constitua uma

    condio para o resultado nele previsto, ou seja, toda vez que algum o causava, no

    sentido da teoria da equivalncia dos antecedentes. Acabava o tipo, assim, com uma

    grande extenso. Afinal, nesta perspectiva, praticou uma ao de matar no s aquele

    que disparou o tiro mortfero, mas todos os que contriburam para o resultado comuma condictio sine qua non: o fabricante e o vendedor do revlver e da munio,

    aqueles que ocasionaram a desavena da qual resultou o tiro, at mesmo os pais e

    outros ascendentes do criminoso. As necessrias restries responsabilizao

    jurdico-penal da resultantes teriam de ser realizadas em outros nveis do sistema: na

    antijuridicidade ou, principalmente, na esfera da culpabilidade, onde se localizavam

    todos os elementos subjetivos do delito.

    Contra este sistema levantou-se, por volta da dcada de 1930, a teoria finalistada ao, fundada principalmente por WELZEL, que v a essncia da ao humana

    no no puro fenmeno natural da causao, e sim no direcionamento, guiado pela

    vontade humana, de um curso causal no sentido de um determinado fim antes tomado

    em vista. Esta compreenso da conduta como um ato finalstico, orientado a um

    objetivo, evita consideravelmente o regressus ad infinitum da teoria causal da ao,

    eis que, ao contrrio dela, j analisa o dolo no nvel do tipo, como a parte subjetiva

    deste. Em virtude disso, o posicionamento do dolo no tipo aceito quase

    unanimemente pela cincia jurdica alem.

    O grande progresso que trouxe a teoria finalista da ao limita-se, porm, ao

    tipo subjetivo. Para a realizao do tipo objetivo, considera ela suficiente a mera

    relao de causalidade, no sentido da teoria da equivalncia. Com isso, o tipo

    continua demasiado extenso. Esclarecei o que tenho em mente atravs de trs grupos

    de casos, guisa de introduo:

    1. Consideremos, agora, que A deseje provocar a morte de B! A o aconselha a

    fazer uma viagem Flrida, pois leu que l, ultimamente, vrios turistas tm sidoassassinados; A planeja que tambm B tenha esse destino. B, que nada ouviu dos

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    casos de assassinato na Flrida, faz a viagem de frias, e de fato vtima de um delito

    de homicdio. Deve A ser punido por homicdio doloso? Se reduzirmos o tipo

    objetivo ao nexo de causalidade, esta seria a concluso. Afinal, A causou, atravs de

    seu conselho, a morte de B, e almejava esse resultado.

    Ou pensemos no caso do homem de aparncia suspeita que vai comprar um

    punhal afiado em uma loja! O vendedor (V) pensa consigo: Talvez ele queira matar

    algum com o punhal. Mas isto deve ser-me indiferente. Tem V de ser punido por

    homicdio praticado com dolus eventualis, na hiptese de o comprador, realmente,

    apunhalar algum? Objetivamente, V constituiu uma causa para a morte da vtima, e

    subjetivamente assumiu o risco de que tal resultado ocorresse.

    2. Problemas similares ocorrem nas hipteses de grande relevncia prtica que

    so as de desvios na causalidade. Limito-me ao conhecido exemplo escolar, em que Aatira em B com inteno de mat-lo, mas somente o fere. O ferido levado por uma

    ambulncia a uma clnica; mas ocorre um acidente de trnsito, vindo B a falecer.

    Cometeu A um delito consumado de homicdio? Ele certamente causou a morte de B

    no sentido da teoria da equivalncia, e tambm a almejou. Se ainda assim no deve

    haver um delito consumado de homicdio, isto difcil de fundamentar do ponto de

    vista de uma compreenso causal do tipo objetivo.

    3. Como exemplo do terceiro grupo de casos quero lembrar a hipteseextraordinariamente comum da entrega de txicos. Imaginemos que A venda herona

    a B! Os dois sabem que a injeo de uma tal quantidade de txico gera perigo de vida,

    mas assumem o risco de que a morte ocorra; A o faz, porque o que lhe interessa

    principalmente o dinheiro, e B, por considerar a sua vida j estragada e s suportvel

    sob estado de torpor. Deve A ser punido por homicdio cometido com dolus

    eventualis, na hiptese de B realmente injetar em si o txico e, em decorrncia disso,

    morrer? A causalidade de A para a morte de B, bem como seu dolo eventual,

    encontram-se fora de dvida. Se considerarmos a causalidade suficiente para a

    realizao do tipo objetivo, teremos que concluir pela punio.

    II. LINHAS MESTRAS DA TEORIA DA IMPUTAO OBJETIVA

    A teoria da imputao objetiva tenta resolver os problemas que decorrem

    destes e de outros grupos de casos, ainda a serem examinados. Em sua forma maissimplificada, diz ela: um resultado causado pelo agente s deve ser imputado como

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    sua obra e preenche o tipo objetivo unicamente quando o comportamento do autor

    cria um risco no permitido para o objeto da ao (1), quando o risco se realiza no

    resultado concreto (2), e este resultado se encontra dentro do alcance do tipo (3)1.

    1. A criao de um risco no permitido.

    O primeiro grupo de casos por mim mencionado refere-se criao de um

    risco no permitido. Instigar algum a uma viagem Flrida, ainda que, em seu

    aspecto objetivo, constitua a causa de uma morte, e, subjetivamente, tenha por

    finalidade a morte da vtima, no pode sequer objetivamente constituir uma ao de

    homicdio, porque tal conduta no criou um perigo de morte juridicamente relevante,

    e no elevou de modo mensurvel o risco geral de vida. duvidoso que uma viagem

    Flrida tenha aumentado o pequeno risco de ser vtima de um delito de homicdio,existente em qualquer pas. Ainda assim, enquanto no imperar o caos em

    determinado Estado, a ponto de que os pases de onde saem os visitantes

    desaconselhem, em razo do perigo, uma viagem para l, um eventual aumento do

    risco ser juridicamente irrelevante, tendo em vista os milhes de turistas que voltam

    para casa ilesos. A morte do viajante no pode ser portanto imputada ao provocador

    da viagem como ao de homicdio. Isto significa que sequer o tipo objetivo do

    homicdio est preenchido, de modo que a pergunta a respeito do dolo sequer secoloca.

    Em meu outro exemplo, o da venda de um punhal a uma pessoa de aparncia

    suspeita, ter-se- de admitir a existncia de um certo risco. Mas este risco permitido.

    Pois uma vida ordenada em sociedade s possvel se o indivduo, em princpio,

    puder confiar em que as pessoas com quem interage no cometero delitos dolosos.

    Do contrrio, alm de punhais, igualmente no poderiam ser vendidos ou emprestados

    materiais inflamveis, fsforos, machados, enxadas. Por ex., possvel partir o crnio

    de algum com um caneco da Baviera. Mas o risco de uma tal utilizao abusiva

    permitido pelo Estado, pois a sociedade no pode funcionar sem bens passveis de

    abuso.

    Vigora aqui oprincpio da confiana2, conhecido do direito penal de trnsito:

    pode-se confiar em que os outros se comportaro conforme ao direito, enquanto no

    existirem pontos de apoio concretos em sentido contrrio, os quais no seriam de

    1 Mais detalhadamente, com minuciosas referncias, ROXIN, Strafrecht - Allgemeiner Teil (AT), Vol.

    I, 1992, 11, Rn. 36 e ss..2 Veja-se, mais aprofundadamente, ROXIN, Bemerkungen zum Regreverbot(Observaes sobre aproibio de regresso), Trndle-FS, 1989, p. 177 e ss.; o mesmo,AT, vol. I, 1992, 24, Rn. 26 e ss..

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    mais antiga, que tambm defendida pela jurisprudncia, exclui somente o dolo. Na

    verdade, a considerao de que aqui se trata de um problema de dolo uma soluo

    aparente. Pois o decisivo justamente se existe ou no um desvio essencial, e isto

    um critrio objetivo. De fato, trata-se de um ponto de vista bastante vago, pois o

    conceito de essencialidade ainda precisa ser preenchido com algum contedo. Mas

    se tentarmos concretiz-lo, chegaremos concluso de que um desvio essencial,

    quando nele no se realiza o risco contido na ao de tentativa. Da se v que o

    deslocamento do problema para a doutrina do dolo no faz mais que dar uma

    roupagem subjetiva a uma questo de imputao objetiva, obscurecendo, alm disso,

    a soluo, atravs do uso de elementos pobres de contedo como a essencialidade.

    3. O alcance do tipo e o princpio da auto-responsabilidadeEm meu terceiro grupo de casos, que caracterizei atravs do exemplo da

    entrega de herona, o ato de entregar a droga constitui uma criao de um risco no

    permitido. A criao de um tal risco proibida, pois a entrega do txico, por si s, j

    punvel com uma pena grave segundo o direito alemo [ 29, pr. 1, n. o 1, Lei de

    Txicos (Betubungsmittelgesetz)]. Alm disso, o risco no permitido se realizou,

    pois aquele que recebeu a droga faleceu graas injeo de herona. E, ainda assim, a

    causao de uma morte com dolo eventual que o que podemos constatar notraficante no uma ao de homicdio. Pois, de acordo com o direito alemo,

    sequer a participao dolosa em um suicdio, ou seja, no ato doloso de matar-se a si

    prprio, punvel. Um simples argumentum a maiore adminus chega ao resultado de

    que tambm no poder ser punvel a participao em uma auto-colocao em perigo,

    quando houver por parte da vtima uma completa viso do risco, como no nosso caso,

    em que existe um suicdio praticado com dolo eventual. O alcance do tipo

    (Reichweite des Tatbestands) no abrange esta hiptese; pois, como demonstra a

    impunidade da participao em suicdio, o efeito protetivo da norma encontra seu

    limite na auto-responsabilidade da vtima4,5.

    4 Veja-se, com referncias tambm da jurisprudncia ROXIN,AT, vol. I, 1992, 11, Rn. 86 e ss..5 (N. do T.) Como sabido, o direito brasileiro, ao contrrio do alemo, pune a participao emsuicdio, de modo que os argumentos expendidos pelo autor no so vlidos em face de nossoordenamento. Porm, isto no implica que, automaticamente, se deva optar pela punibilidade daqueleque participa em uma auto-colocao em perigo, mas to-s que, qualquer que seja a soluodefendida, ela precisar basear-se em outros fundamentos. Para uma exposio do problema e destespossveis fundamentos em ordenamentos jurdicos que punem a participao em suicdio, vejam-seCANCIO MELI, Conducta de la vctima e imputacin objetiva en Derecho penal, Bosch,

    Barcelona, 1998, p. 42 e ss., e COSTA ANDRADE, Consentimento e acordo em direito penal,Coimbra Editora, Coimbra, 1991, pp. 281/283, autores que se mostram de acordo com a soluo daimpunidade.

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    Inicialmente, o Bundesgerichtshof (BGH) punia, em casos desta espcie, o

    traficante por homicdio, mesmo que s se conseguisse provar a culpa, como na maior

    parte dos casos. Somente em 1984, numa espetacular mudana jurisprudencial (alis,

    sob a imediata influncia de um estudo de SCHNEMANN6), que negou o Tribunal

    a existncia de um delito de homicdio, decidindo (BGHSt 32, p. 262): Auto-

    colocaes em perigo, desejadas e realizadas de modo responsvel, no esto

    compreendidas no tipo dos delitos de homicdio ou leses corporais, ainda que o risco

    que se assumiu conscientemente se realize. Aquele que instiga, possibilita ou auxilia

    uma tal auto-colocao em perigo no punvel por homicdio ou por leses

    corporais. Esta deciso o principal sucesso que a teoria da imputao objetiva

    conseguiu at hoje na prxis jurisprudencial alem.

    III. OUTRAS CONSEQUNCIAS DA TEORIA DA IMPUTAO

    OBJETIVA

    Meus exemplos introdutrios abrangem unicamente uma pequena parcela da

    multiplicidade de problemas que se podem solucionar atravs da teoria da imputao

    objetiva. Alguns outros (mas no todos) campos de aplicao desta doutrina sero, aomenos, esboados.

    1. A diminuio do risco7

    Aes que diminuam riscos no so imputveis ao tipo objetivo, apesar de

    serem causa do resultado em sua forma concreta e de estarem abrangidas pela

    conscincia do sujeito. Quem convence o ladro a furtar no 1.000, mas somente 100

    marcos alemes, no punvel por participao no furto, pois sua conduta no elevou,

    mas diminuiu o risco de leso. O mesmo vale para a reduo de leses corporais em

    rixas, bem como para vrios casos anlogos.

    2. O risco permitido8

    A importncia do risco permitido vai bastante alm do caso do princpio da

    confiana, acima referido. Sempre que, em virtude de sua preponderante utilidade

    6Fahrlssige Ttung durch Abgabe von Rauschmitteln? (Homicdio culposo atravs da entrega de

    txicos?), NStZ 1982, p. 60.7 Mais aprofundadamente, ROXIN,AT, vol. I, 1992, 11, Rn. 43 e ss..8 Mais aprofundadamente, ROXIN,AT, vol. I, 1992, 11, Rn. 55 e ss..

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    social, aes perigosas forem permitidas pelo legislador em certos casos, sob a

    condio de que se respeitem determinados preceitos de segurana e, mesmo assim,

    ocorra um resultado de dano, esta causao no deve ser imputada ao tipo objetivo.

    Isto vale em especial para o trfego de veculos. Aquele que respeita as regras de

    trnsito e, ainda assim, acaba se envolvendo em um acidente com consequncia de

    leses a bens jurdicos no praticou ao de homicdio, leses corporais ou dano; pois

    as leses aos bens jurdicos no decorreram de um risco proibido, e sim de um risco

    tolerado pela lei.

    Este ponto de vista possui grande relevncia tambm para os riscos advindos

    de modernos complexos industriais. Acidentes que ocorram apesar do respeito aos

    padres legais de segurana sequer objetivamente constituem aes de leses

    corporais. O fato de que, possivelmente, eles tenham sido calculados, bem como o deque o risco de sua ocorrncia tenha sido assumido, no o bastante para fundamentar

    um dolo de leses corporais, pois sequer o tipo objetivo, a que o dolo deve referir-se,

    est preenchido. Nestes casos, o legislador quem suporta os riscos. Se, por outro

    lado, o risco permitido for ultrapassado, atravs, por ex., de desrespeito s normas de

    segurana, a causao de um resultado de leses corporais decorrente desta violao

    representar uma ao de leses corporais, que ser punvel a ttulo de dolo ou culpa,

    a depender da disposio psquica do responsvel.

    3. O fim de proteo da norma de cuidado9 em seu significado para o critrio

    da realizao do perigo

    A teoria da imputao objetiva desenvolveu critrios de imputao ainda mais

    precisos: para o preenchimento do tipo objetivo no basta que haja um nexo entre o

    resultado e o risco no permitido criado pelo causador. preciso, alm disso, que o

    resultado esteja abrangido pelo fim de proteo da norma de cuidado. Veja-se o caso

    julgado pelo Tribunal do Reich (RGSt 63, p. 392):

    Dois ciclistas passeiam um atrs do outro, no escuro, sem estarem com as bicicletas

    iluminadas. Em virtude da inexistncia de iluminao, o ciclista que vai frente colide com

    outro ciclista, vindo da direo oposta. O resultado teria sido evitado, se o ciclista que vinha

    atrs tivesse ligado a iluminao de sua bicleta.

    9 (N. do T.) A palavra alem Gefahrvermeidungsvorschrift, que, literalmente, se traduziria pordispositivo de evitao do perigo. Dei preferncia, porm, a uma frmula mais simples e clara.

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    Aqui est claro que o ciclista que vem frente deve ser punido por leses

    corporais culposas. Pois o dever de utilizar o farol tem por fim evitar colises. O

    primeiro ciclista, ao dirigir sem iluminao, criou o perigo no permitido de uma

    coliso, e este perigo tambm se realizou. Mas deve-se imputar o resultado tambm

    ao ciclista de trs, de maneira que ele tenha de ser punido por leses corporais

    culposas? Leve-se em conta que tambm ele criou o perigo de que o primeiro ciclista

    provocasse uma coliso. Afinal, a simples iluminao da segunda bicicleta teria

    evitado o acidente com o primeiro ciclista; e este perigo se realizou da mesma forma

    que o criado pelo outro ciclista. Mas, e neste ponto que se encontra a diferena

    decisiva: a finalidade do dever de iluminao evitar colises prprias, no alheias!

    O resultado deveria ser imputado ao segundo ciclista somente se fosse ele a colidir

    com um terceiro. O seu dever de iluminar no tinha de impedir que outro ciclistacolidisse com um terceiro. O segundo ciclista no realizou o risco no permitido que a

    lei queria evitar atravs de seu comando, podendo ele, portanto, ser acusado pela falta

    de iluminao, mas no punido por leses corporais culposas.

    Acontecimentos nos quais o fim de proteo da norma de cuidado desempenha

    um papel decisivo so bastante frequentes. Desta multiplicidade de exemplos tomarei

    somente os casos em que um motorista ultrapassa a outrem de modo contrrio ao

    dever, vindo o condutor do carro ultrapassado a morrer, por causa de um infartoprovocado pelo susto (OLG Stuttgart, NJW 1959, p. 2320), ou porque, em virtude de

    um irreconhecvel defeito material, se quebra a roda do carro ultrapassante, da

    decorrendo uma coliso (BGHSt 12, p. 79). A ultrapassagem contrria norma de

    cuidado representa um risco no permitido e tambm est causalmente vinculada ao

    resultado. Mas a proibio de ultrapassagem tem unicamente a finalidade de evitar

    colises resultantes do processo perigoso de ultrapassagem em si prprio. O

    impedimento de uma parada cardaca ou da quebra de uma roda no esto

    compreendidos no fim das normas sobre a ultrapassagem. Da porque se deva negar,

    em ambos os casos, um homicdio culposo.

    4. A atribuio ao mbito de responsabilidade de terceiros (Zuordnung zum

    Verantwortungsbereich anderer)

    O critrio do alcance do tipo, que, inicialmente, expliquei atravs do princpio

    da auto-responsabilidade o caso da entrega de droga ser agora esclarecido, se me

    permitirem os senhores, atravs de um segundo exemplo, que versa sobre a

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    delimitao de mbitos de responsabilidade. Escolherei um caso julgado pelo OLG de

    Celle (NJW 1958, p. 271):

    A bate seu carro contra uma rvore, por desateno. Um passageiro fratura o quadril

    esquerdo. No hospital, morre ele por causa de uma sepsemia (envenenamento do sangue) 10,

    decorrente de desateno mdica.

    Tambm em casos desta ordem costumam nossos tribunais condenar o

    primeiro causador por homicdio culposo. Eles partem da premissa segundo a qual se

    deva sempre contar com erros leves ou de gravidade mdia da parte dos mdicos, de

    modo que seus efeitos ainda representariam uma realizao do risco do acidente. Isto

    pode ser verdadeiro. Contudo, a jurisprudncia ainda no percebeu que a pergunta a

    ser formulada , muito mais, a seguinte: no dever o mdico sozinho responder por

    estes erros? E a resposta afirmativa. Afinal, a partir do transporte para o hospital, o

    tratamento do paciente se torna problema exclusivo dos mdicos. Se no conseguirem

    eles impedir a morte, deve-se punir o primeiro causador por homicdio culposo, j

    que os mdicos no criaram um perigo de morte, mas somente no puderam eliminar

    um perigo j existente. Em nosso caso a situao diversa. A fratura da perna no

    gera perigo de vida. Um tal perigo foi, isso sim, criado e realizado unicamente pelo

    comportamento dos mdicos. Como o primeiro causador no pode vigiar ocomportamento dos mdicos, no deve ele tambm responder por aquilo que eles

    faam. O alcance do tipo no compreende uma imputao to extensa.

    Isto se aplica genericamente a todo erro mdico que se encontre fora do risco

    tpico de leso11. Se o paciente morre no por seu ferimento, mas por um erro na

    narcose, cometido pelo anestesista, o primeiro causador no ser responsabilizado por

    homicdio culposo. Tais erros, mesmo que previsveis, j no se encontram no mbito

    de responsabilidade do primeiro causador, no sendo, portanto, alcanados pelo tipo 12.

    10 (N. do T.) No original, a palavra Sepsis. Porm, em nosso idioma, o termo sepse no significaenvenenamento do sangue, e sim intoxicacao causada pelos produtos de um processo putrefativo(R. PACIORNIK,Dicionrio Mdico, 3a edio, Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro, 1992). Daporque, orientado pelo prof. Dr. TALVANE DE MORAES, preferi o termo sepsemia, que designaum quadro patolgico tipico, causado pela disseminao de microrganismos patognicos e toxinascirculantes do sangue, atravs da corrente sangunea.11 Veja-se, a respeito, SCHNEMANN, Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlssigkeits-und Gefhrdungsdelikte (Tendncias modernas na dogmtica dos delitos culposos e de perigo), JA

    1975, p. 719.12 Veja-se, para outros problemas de imputao no comportamento mdico, ROXIN,AT, Vol. I, 11,Rn. 108 e ss..

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    IV. A IMPORTNCIA DA IMPUTAO OBJETIVA PARA A MODERNA

    TEORIA DO TIPO. SOBRE A CONFUSO ENTRE O OBJETIVO E O

    SUBJETIVO.

    1. O deslocamento do centro de gravidade (Akzentverlagerung) para o tipo

    objetivo

    A teoria da imputao objetiva confere ao tipo objetivo uma importncia

    muito maior da que ele at ento tinha, tanto na concepo causal, como na final.

    a) A teoria causal da ao reduziu o ilcito dos delitos de resultado ao nexo de

    causalidade. Numa aplicao consequente, isto conduz ao conhecido regressus ad

    infinitum, do qual falei inicialmente. claro que, por ex., dar luz o assassino uma

    condictio sine qua non para a morte da posterior vtima, mas ainda no representauma ao de matar. A teoria causal da ao e do tipo falha por completo diante do

    problema de delimitar o tipo de delito (Deliktstyp) do respectivo crime13.

    exatamente esta tarefa que a teoria da imputao objetiva procura resolver. Ela

    fornece regras genricas a respeito de quais causaes de uma morte, de leses

    corporais ou de um dano constituem aes de matar, lesar ou danificar, e quais no.

    Com isto ela possibilita no s uma descrio plstica da face objetiva de cada ilcito

    tpico, mas tambm soluciona, como demonstraram meus exemplos, inmerosproblemas concretos de punibilidade. Acima de tudo, ela possibilita uma limitao

    poltico-criminalmente plausvel da responsabilidade por culpa, que foi demasiado

    extendida pela jurisprudncia alem, nas trilhas do pensamento causal.

    b) Atravs da moderna teoria da imputao, o tipo objetivo aumenta em

    importncia tambm em relao quilo que lhe conferia a teoria finalista, e isto s

    custas do tipo subjetivo. verdade que o posicionamento do dolo no tipo subjetivo

    plenamente compatvel com a teoria da imputao objetiva. Mas a concepo da ao

    tpica bem diferente. Enquanto os finalistas consideram ao de matar unicamente o

    direcionamento consciente do curso causal no sentido da morte, de acordo com a

    concepo aqui defendida, toda causao objetivamente imputvel de uma morte ser

    uma ao de matar, e isto tambm quando ela no for dolosa. O dolo no algo que

    cria a ao de matar, mas algo que pode nela existir ou estar ausente. Enquanto os

    13 (N. do T.) A palavra Deliktstyp significa que o tipo no concebido de maneira formal, comoconjunto de elementares desconexas unidas unicamente pela vontade de um legislador, e sim como aindividualizao de uma conduta ilcita, compreendendo as elementares que a caracterizam como

    conduta proibida diversa das demais (veja-se ROXIN, AT, Vol. I, 10, Rn. 19). Critica-se a teoriacausal justamente porque, ao considerar tpica toda condicio sine qua non do resultado, no consegueela construir o tipo como Deliktstyp.

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    finalistas no consideram o homicdio culposo uma ao de matar apesar de uma

    causao punvel de uma morte para a teoria da imputao objetiva so justamente o

    homicdio, a leso etc., culposos que constituem o prottipo da ao de homicdio ou

    de leso. S por causa disso, o ponto de gravidade do delito j se desloca para a face

    objetiva do tipo14.

    2. A reestruturao do ilcito culposo

    Mesmo entre aqueles que em princpio seguem a teoria da imputao objetiva,

    ainda pouco foi reconhecido que ela permite, pela primeira vez, construir um sistema

    do ilcito culposo. De acordo com esta viso, ser culposo aquilo que, de acordo com

    os princpios acima expostos, possa ser imputado ao tipo objetivo. Os conceitos com

    os quais a dogmtica tradicional tentou apreender a culpa violao do dever decuidado, previsibilidade, reconhecibilidade, evitabilidade so suprfluos e podem

    ser abandonados. Pois aquilo que se deseja dizer atravs deles pode ser descrito de

    modo bem mais preciso pelos critrios de imputao por mim expostos.

    certo, apesar de meio impreciso, que a causao de resultados e de cursos

    causais imprevisveis pense-se em meus exemplos da viagem Flrida e da morte

    pelo acidente com a ambulncia! no gera qualquer culpa. Mas isto se explica

    melhor atravs da considerao de que, no primeiro caso, no foi criado perigo nopermitido e de que, no segundo, o perigo criado no se realizou. A referncia

    imprevisibilidade acaba por esconder o problema. Pois, teoricamente, todos os cursos

    causais possveis segundo uma lei natural so previsveis. O decisivo aquilo que, de

    acordo com parmetros jurdicos, se obrigado a prever e exatamente isto que

    determinado pelos critrios de imputao.

    O mesmo ocorre com a evitabilidade. Quando se dizem inevitveis e, portanto,

    no culposos, os acidentes de trnsito ocorridos apesar do respeito a todos os

    dispositivos legais, isto corresponde linguagem cotidiana; porm, no se trata de

    uma expresso juridicamente exata. Pois claro que os riscos ligados ao trnsito de

    veculos so evitveis, bastando que nele no se participe, e se ande a p. A razo

    decisiva para inexistir culpa est em que, em tais acidentes, o que se realiza um

    risco permitido. A argumentao atravs da inevitabilidade completamente

    suprflua.

    E, por fim, fazendo referncia s mais a este conceito central do arsenal da

    antiga dogmtica do delito culposo, diga-se que tambm o critrio da violao do14 A respeito de um outro aspecto desse deslocamento do centro de gravidade, veja-se abaixo, IV, 3.

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    dever de cuidado nada mais que uma denominao que compreende em si os

    pressupostos cuja existncia leva criao de um risco juridicamente desaprovado.

    Mas uma caracterizao destes pressupostos j no consegue ele fornecer. Ela s pode

    ser obtida atravs de parmetros, como as normas jurdicas, normas de trnsito, o

    princpio da confiana, a figura comparativa diferenciada15 etc., que descrevi mais

    detalhadamente noutra sede16. Quanto chamada omisso do cuidado devido, esta

    expresso, alm de no dizer nada, tambm substancialmente incorreta, pois gera a

    falsa impresso de que o ilcito da ao culposa consista em uma omisso. Se, por ex.,

    algum provoca um incndio em virtude de um manejo pouco cuidadoso de fsforos,

    a culpa se localiza em um agir positivo, a saber, na criao de um perigo no

    permitido, e no na omisso de medidas de cuidado. Com acerto diz JAKOBS17: No

    mbito da comisso, no se comanda um uso cuidadoso e fsforos, mas se probe ouso sem cuidado, inexistindo dever de uso.

    A teoria da imputao objetiva cria, portanto, uma dogmtica do ilcito

    culposo completamente nova. Este fenmeno ainda foi pouco reconhecido. Se

    abrirmos nossos comentrios e manuais, veremos que os antigos critrios do delito

    culposo ainda so utilizados de modo irregular18, simultaneamente s regras de

    imputao acima desenvolvidas, no ficando esclarecida qual a relao entre eles. Ao

    invs disso, deveria consolidar-se o conhecimento de que a imputao da culpa naesfera do tipo determinada unicamente pelos critrios da imputao objetiva19.

    3. A importncia da imputao objetiva para os delitos dolosos

    A teoria da imputao objetiva tem maior relevncia prtica na determinao

    do ilcito culposo, embora tambm nos delitos dolosos mostre ela sua importncia.

    Meus exemplos introdutrios j o devem ter comprovado (o caso da Flrida, da

    ambulncia, da venda do punhal e da entrega de herona), pois todos foram

    construdos de modo que a ocorrncia do resultado morte fosse desejada ou, pelo

    menos, aceita pelo autor. Se nestes casos no h como falar em homicdio doloso, isto

    15 (N. do T.) A palavra alem differenzierte Mafigur, e designa aquilo que entre ns se costumachamar de modelo do homem prudente e consciencioso (CIRINO DOS SANTOS, A modernateoria do fato punvel, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 2000, p. 104).16 ROXIN,AT, vol. I, 1992, 24, Rn. 14 e ss.17AT, 2a edio, 1991, 9/6.18 Vejam-se as referncias em ROXIN,AT, vol. I, 1992, 24, Rn. 8 e ss..19 Neste sentido tambm YAMANAKA, Die Entwicklung der japanischen Fahrlassigkeitsdogmatikim Lichte des sozialen Wandels (A evoluo da dogmtica da culpa luz da mudana social), ZStW

    102 (1990), p. 928 e ss. (p. 944): A contrariedade ao cuidado objetivo no deveria ter qualquersignificado autnomo dentro do conceito de culpa, mas ser absorvida no critrio da imputaoobjetiva.

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    se deve a que o tipo objetivo no est preenchido; assim, a vontade de realizao do

    autor no est direcionada a um objeto com relevncia jurdico-penal. A ausncia do

    dolo decorre da negao do tipo objetivo, de modo que a teoria da imputao objetiva

    tambm acaba, mediatamente, por estreitar o campo do dolo. Se considerssemos o

    tipo objetivo realizado, teramos que aceitar o dolo nestes casos, e assim o problema

    seria erroneamente solucionado no sentido da punibilidade.

    Isto questionado por aqueles que tentam eliminar acontecimentos no

    imputveis atravs da negao do dolo, entre os quais se encontram principalmente os

    finalistas. Voltaremos a este ponto logo adiante, ao nos enfrentarmos com as mais

    novas crticas imputao objetiva (V, 3, a, b). Demonstrei atravs do exemplo da

    ambulncia (II, 2) que, nos desvios causais, est fadada ao insucesso a tentativa de

    considerar o tipo objetivo preenchido, negando-se o dolo sob o fundamento de que oautor no previu de modo suficientemente exato o curso causal.

    A mesma coisa deve ser esclarecida luz do risco permitido. ARMIN

    KAUFMANN20 construiu o seguinte exemplo: o motorista M inicia, de modo

    cuidadoso, a ultrapassagem de um automvel e da motocicleta que est logo atrs

    deste, na conscincia de que o motociclista X, subitamente, sem se certificar da

    situao ou tampouco sinalizar, poderia tentar ele mesmo a ultrapassagem,

    provocando uma coliso com M que teria consequncias mortais para X. Seconsiderarmos que M se arrisca e que realmente ocorre o caso previsto, no se pode

    punir M por um homicdio, a no ser que o comportamento errneo de X fosse

    reconhecvel j no incio da ultrapassagem. Pois o desenrolar do acontecimento se

    encontra no mbito do risco permitido, e no preenche, portanto, o tipo objetivo do

    delito de homicdio. Se afirmssemos sua realizao com base unicamente na

    causao da morte, recusando a teoria da imputao objetiva, no escaparamos da

    punio. Afinal, haveria dolo21.

    Chega-se concluso de que tambm nos delitos dolosos no possvel tornar

    a teoria da imputao objetiva suprflua, atravs da negao do dolo em casos que

    sejam intudos como no merecedores de pena. Neste aspecto, a teoria da imputao

    objetiva provoca um deslocamento do ponto de gravidade para o tipo objetivo

    tambm nos dolosos.

    20 Objektive Zurechnung beim Vorsatzdelikt? (Imputao objetiva no delito doloso?), Jescheck-FS,

    1985, p. 251 e ss..21 Isto tambm admitido por ARMIN KAUFMANN, que chega ao mesmo resultado atravs de umainterpretao restritiva da elementar matar (como a nota 20, p. 267/268).

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    4. O subjetivo na imputao objetiva

    A imputao objetiva e isto mais um captulo na confuso entre o

    objetivo e o subjetivo22 depende no s de fatores objetivos, como tambm de

    subjetivos. No exame da pergunta quanto a se existe uma criao no permitida de um

    risco, decisivo o ponto de vista que teria tomado um observador prudente

    (einsichtig) antes da prtica do ato; mas a este observador devem-se acrescentar os

    conhecimentos especiais do autor concreto. Por isso inexiste criao no permitida de

    perigos quando algum convence outrem a fazer uma viagem, na qual o avio cai. Se

    aquele que induz viagem tiver, porm, informaes de que est planejado um

    atentado ao avio, torna-se ele ceret paribus punvel pelo ato culposo (e tambm por

    doloso, a depender da disposio de sua vontade). O conhecimento especial do autor,

    ou seja, um dado subjetivo, fundamenta aqui a criao do perigo e, assim, aimputao ao tipo objetivo!

    Fatores subjetivos desempenham comumente um papel decisivo tambm no

    alcance do tipo. Assim que, no caso da entrega de herona (II, 3), coloquei que a

    imputao ao tipo objetivo encontra seus limites na auto-responsabilidade da vtima.

    Quando, porm, o fornecedor da droga conhecer a periculosidade do material bem

    melhor que o comprador, o vendedor ser o responsvel, de maneira que tambm aqui

    o conhecimento do autor se torna importante para a imputao ao tipo objetivo.STRUENSEE23 chegou mesmo a desenvolver a tese segundo a qual o delito

    culposo sempre pressuporia um tipo subjetivo, consistindo este no conhecimento e na

    realizao finalista de fatores fundamentadores do risco. Aquele que, por ex., sabe

    que est dirigindo pelo cruzamento com o sinal vermelho, ou que est ultrapassando

    em uma curva sem visibilidade, realiza de modo culposo o acidente que da decorre.

    STRUENSEE engana-se, contudo, ao considerar o conhecimento dos fatores

    fundamentadores do risco um pressuposto necessrio da culpa24: quem for to

    desatento a ponto de sequer notar o sinal vermelho ou a curva, tambm cria um risco

    no permitido e age culposamente. Mas ainda assim correto que o conhecimento das

    22 (N. do. T.) ROXIN se refere crtica comumente feita pelos finalistas, de que a teoria daimputao objetiva, ao resolver casos de desvios causais, dolus generalis, e ao levar em consideraoconhecimentos especiais do autor, estaria, na verdade, etiquetando de objetivos problemas do tiposubjetivo, numa inaceitvel confuso entre os dois lados do tipo, to meticulosamente separados umdo outro pelo finalismo (assim, por ex., ARMIN KAUFMANN, nota 20, p. 260 e ss.).23Der subjektive Tatbestand des fahrlssigen Delikts (O tipo subjetivo do delito culposo), JZ 1987, p.

    53 e ss..24 Quanto a isto ROXIN, Finalitt und objektive Zurechnung(Finalidade e imputao objetiva),Gedchtnisschrift fr Armin Kaufmann, 1989, p. 237 e ss. (p. 249 e ss.).

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    circunstncias fundamentadoras do risco seja um fator relevante para a imputao ao

    tipo objetivo.

    Nada disto, contudo, um argumento vlido contra a teoria da imputao

    objetiva. Fica provado, unicamente, que tambm fatores subjetivos podem

    desempenhar um papel na imputao objetiva. A imputao objetiva se chama

    objetiva no porque circunstncias subjetivas lhe sejam irrelevantes, mas porque as

    a ao tpica constituda pela imputao o homicdio, as leses, o dano etc. algo

    objetivo, ao qual s posteriormente, se for o caso, se acrescenta o dolo, no tipo

    subjetivo. Ao tipo subjetivo pertencem somente elementos subjetivos do tipo, como o

    dolo e os elementos subjetivos do injusto. Contedos de conscincia que no so

    elementares do tipo, mas que tm importncia unicamente para o juzo de perigo ou

    para a distribuio da responsabilidade entre os diversos participantes, dizem respeito imputao ao tipo objetivo25. De qualquer maneira, deve-se ter em mente que a

    imputao objetiva tambm influenciada por critrios subjetivos. Aes humanas, e

    tambm aes tpicas, consistem sempre em um entrelaamento de momentos

    objetivos e subjetivos.

    V. O DESENVOLVIMENTO DA TEORIA DA IMPUTAO OBJETIVA ESEUS ATUAIS OPOSITORES

    1. O surgimento e a consolidao da moderna teoria da imputao

    A teoria da imputao objetiva, tal como ela hoje se desenvolveu, surgiu

    aproximadamente em 1970. A idia do risco, que acima esbocei em diversos mbitos

    de aplicao, foi desenvolvida por mim anteriormente26, enquanto meus alunos

    RUDOLPHI27 e SCHNEMANN28 deram contribuies essenciais para a

    25 Mais detalhes em ROXIN, como a nota anterior, p. 250 e ss..26 Gedanken zur Problematik der Zurechnung im Strafrecht (Reflexes sobre a problemtica daimputao no direito penal), Honig-Festschrift, 1970, p. 133 e ss. (tambm em : StrafrechtlicheGrundlagenprobleme, 1973, p. 123 e ss.) A teoria do aumento do risco, por mim criada, de que notrato neste estudo, surgiu j no ano de 1962 (ROXIN, Pflichtwidrigkeit und Erfolg bei fahrlssigenDelikten (Violao de dever e resultado nos delitos culposos), ZStW, Vol. 74, 1962, p. 411 e ss.;tambm em Strafrechtliche Grundlagenprobleme, 1973, p. 147 e ss..)** (N. do. T.) Ambos os estudos encontram-se traduzidos para o portugus, no vol. ProblemasFundamentais de Direito Penal, 2a edio, Vega Universidade, Lisboa, 1993, trad. ANA PAULANATSCHERADETZ.27 Vorhersehbarkeit und Schutzzweck der Norm in der strafrechtlichen FahrlssigkeitslehrePrevisibilidade e fim de proteo da norma na doutrina jurdico-penal da culpa), JuS 1969, p. 549 e

    ss..28 Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlssigkeits- und Gefhrdungsdelikte (Tendnciasmodernas na dogmtica dos delitos culposos e de perigo), JA 1975, p. 575 e ss., p. 715 e ss..

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    fundamentao da idia do fim de proteo e para a definio do alcance do tipo 29,30.

    A teoria da imputao objetiva hoje aceita de modo quase geral na literatura de

    manuais e comentrios31, e tem sido levada adiante em seu desenvolvimento por

    grandes monografias32. Entre os seus defensores existem, obviamente, opinies

    diversas a respeito de vrios problemas individuais. Em suas linhas mestras metdicas

    e substanciais, contudo, a teoria da imputao objetiva consolidou-se na literatura

    alem.

    2. Sobre a antiga histria dogmtica da teoria da imputao

    As razes histrico-espirituais da teoria da imputao objetiva remontam at a

    filosofia jurdica de HEGEL. Dela que LARENZ, no ano de 192733, extraiu uma

    concepo da imputao objetiva, que logo depois foi aplicada por HONIG34

    especialmente na dogmtica jurdico-penal. Foi a HONIG (e, claro, tambm a

    LARENZ) que me referi ao desenvolver em 1970 aquilo que denominei de princpio

    do risco35, que desde ento tem feito uma carreira repleta de sucessos. Alguns36 vm

    duvidando, ultimamente, se esta correlao entre a concepo moderna e a antiga

    justificada.

    De fato, em LARENZ e HONIG pode-se encontrar no mais que uma ponto

    de partida, que no d idia alguma do desenvolvimento ulterior da concepo. DizLARENZ37: A imputao ... tem a ver com a pergunta quanto ao que se deve

    adscrever a um sujeito como sua ao, pela qual deve ele ser feito responsvel. Isto29 Veja-se tambm ROXIN, Zum Schutzzweck der Norm bei fahrlssigen Delikten (Sobre o fim deproteo da norma nos delitos culposos), Gallas-FS, 1973, p. 241 e ss..** (N. do T.) Este estudo tambm est traduzido para o portugus, encontrando-se na coletnea citadana ltima nota do tradutor.30 Veja-se, sobre estas questes histrico-dogmticas, o apartado sobre a evoluo histrica da teoriada imputao objetiva em TOEPEL, Kausalitt und Pflichtwidrigkeitszusammenhang beim fahrlssigen Erfolgsdelikt(Causalidade e nexo de violao do dever no delito culposo de resultado),1992, p. 136 e ss. HIRSCH, em sua crtica, refere-se teoria da imputao objetiva... introduzida por ROXIN [ Die Entwicklung der Strafrechtsdogmatik nach Welzel (O desenvolvimento dadogmtica penal depois de Welzel), em: Festschrift der Rechtswissenschaftlichen Fakultt zur 600-Jahr-Feier der Universitt zu Kln (Edio comemorativa da Faculdade de Direito para a festa de 600anos da Universidade de Kln), 1988, p. 403 e ss.].31 Vejam-se unicamente as referncias em ROXIN,AT, vol. I, 1992, 11, Rn. 41, nota de rodap 62.32 BURGSTALLER, Das Fahrlssigkeitsdelikt im Strafrecht (O delito culposo no direito penal),1974; WOLTER, Objektive und personale Zurechnung von Verhalten, Gefahr und Erfolg in einem funktionalen Straftatsystem (Imputao objetiva e pessoal do comportamento, perigo e resultado emum sistema funcionalista do fato punvel), 1981; W. FRISCH, Tatbestandmiges Verhalten undZurechnung des Erfolges (Comportamento tpico e imputao do resultado), 1988.33Hegels Zurechnungslehre und der Begriff der objektiven Zurechnung (A teoria da imputao deHegel e o conceito de imputao objetiva), 1927.34Kausalitt und objektive Zurechnung(Causalidade e imputao objetiva), Festgabe fr Frank, vol.I, 1930, p. 174 e ss.35 Como a nota 25, Honig-FS, p. 135.36 Veja-se TOEPEL, como a nota 29, p. 140 e ss..37 Como a nota 32, p. 51.

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    corresponde exatamente concepo atual. Mas o autor restringe a importncia

    prtica da idia excluso do caso fortuito38: A imputao no outra coisa que no

    a tentativa de distinguir o prprio ato de acontecimentos casuais. O critrio de

    HONIG, da direcionabilidade objetiva a um fim39 fundamenta-se sobre a mesma

    idia40: imputvel aquele resultado, que pode considerado posto de modo final.

    Com isso, exclui-se da imputao, novamente, nada mais do que o caso fortuito, que

    no pode ser objetivamente finalizvel.

    Enquanto isso, a nova teoria da imputao se ocupa, verdade, de excluir os

    acontecimentos fortuitos do tipo, como deveriam mostrar os casos da Flrida e da

    ambulncia (acima, II, 1, 2). Mas os resultados que ocorrem por ocasio de uma

    diminuio do risco ou de um risco permitido, bem como aqueles que se encontram

    fora do fim de proteo da norma de cuidado ou fora do alcance do tipo, no sofortuitos, e ainda assim no so imputados. A moderna teoria da imputao possui,

    portanto, um campo de aplicao bem mais extenso que em seus primrdios, com

    LARENZ e HONIG. Os resultados da teoria antiga limitavam-se, em essncia, quilo

    que j poca se podia obter atravs da teoria da adequao ou da relevncia41.

    3. Opositores atuais da teoria da imputao objetiva

    A jurisprudncia alem at agora no acolheu de modo expresso a teoria daimputao objetiva, mas dela se aproximou reiteradamente42, aceitando-a em

    algumas partes; j expus isso no que se refere ao princpio da auto-responsabilidade

    (acima, II, 3). De qualquer forma, uma posio decididamente contrria no tomada

    pela jurisprudncia. Uma recusa, em princpio, imputao objetiva encontra-se hoje

    somente entre o muito reduzido crculo dos finalistas, os quais no desejam levar a

    cabo a exposta mudana do ponto de gravidade dogmtico para o tipo objetivo, e sim

    manter a dominncia do lado subjetivo do tipo, favorecido pela teoria finalista da

    ao. As mais ambiciosas tentativas neste sentido partiram de ARMIN

    38 Como a nota 32, p. 61; com palavras quase idnticas, p. 75, p. 84.39 (N. do T.) O termo alemo, s dificultosamente passvel de traduo para nossa lngua, objektiveZweckhaftigkeit. ELENA LARRAURI, Notas preliminares para una discusin sobre la imputacinobjetiva, Anurio de Derecho Penal y Ciencias Penales, n. 41, 1988, p. 715 e ss., (p. 739), o traduz demodo a meu ver excessivamente simplificador: objectiva finalidad.40 Como a nota 33, p. 184.41 Veja-se, sobre a teoria da adequao e da relevncia, ROXIN,AT, vol. I, 1992, 11, Rn. 31 e ss.42 Neste sentido, o juiz federal GOYDKE, Probleme der Zurechnung und Schuldfhigkeit imStrafverfahren (Problemas de imputao e capacidade de culpabilidade no processo penal), em:Verkehrsstrafverfahren usw. (Processo penal de trnsito etc.), Deutscher Anwaltverlag, 1992, p. 8.

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    KAUFMANN43e STRUENSEE44. J as discuti de modo crtico em outro local, a que

    fao agora referncia45. Hoje aparecem principalmente HIRSCH46 e seu discpulo,

    KPPER47, como defensores das antigas posies. Seja-me permitido dizer algumas

    palavras a este respeito.

    a) Sobre o problema da criao do perigo

    HIRSCH48 ocupa-se principalmente de casos em que falta a criao de um

    risco, que explicitei atravs do caso da Flrida (II, 1). Ele deseja considerar

    preenchido o tipo objetivo, negando, porm, o dolo. Pois a representao do autor se

    refere unicamente ao risco comum e geral da vida social, que o de tornar-se vtima

    de um acidente, e no a um acontecimento lesivo concreto. Trata-se, portanto, de no

    mais que um desejar, nunca de uma vontade direcionadora. O que aqui se diz sobre o

    dolo est, em si, correto, mas na verdade isto acaba confirmando a teoria daimputao objetiva. Pois o dolo est ausente, se escutarmos mesmo a formulao de

    HIRSCH, s porque ele no tem ponto de referncia objetivo algum, j que esta

    espcie de causao de um resultado no pode ser considerada um acontecimento

    lesivo (isto , uma realizao de um risco no permitido). Se o assassinato do turista

    fosse um homicdio objetivamente imputvel ao provocador da viagem, de modo que

    o tipo objetivo estivesse preenchido, o dolo tambm teria de ser afirmado, porque o

    homem de trs intencionava exatamente aquilo que objetivamente ocorreu.KPPER49 argumenta de outra maneira, negando o domnio do fato do

    causador em todos os casos de ausncia de criao de perigo. autor aquele que,

    conhecendo as circunstncias fundamentadoras do domnio do fato realiza um tipo

    penal ... como obra sua. Da decorre que ... sob a perspectiva da teoria finalista da

    ao, no sobra lugar para um juzo objetivo de imputao. Tambm este argumento

    apia, em verdade, a teoria da imputao objetiva, que se empenha exatamente em

    determinar aquilo que o autor realiza como obra sua. Claro que correto que aquele

    que no cria perigo no domine o curso causal objetivamente causador do resultado.43 Objektive Zurechnung beim Vorsatzdelikt? (Imputao objetiva no delito doloso?), Jescheck-FS, 1985, p. 251 e ss.44Der subjektive Tatbestand des fahrlssigen Delikts (O tipo subjetivo do delito culposo), JZ 1987, p.53 e ss..45Finalitt und objektive Zurechnung(Finalidade e imputao objetiva), Gedchtnisschrift fr ArminKaufmann (Estudos em memria de Armin Kaufmann), 1989, p. 237 e ss..46Die Entwicklung der Strafrechtsdogmatik nach Welzel (O desenvolvimento da dogmtica penaldepois de Welzel), em: Festschrift der Rechtswissenschaftlichen Fakultt zur 600-Jahr-Feier derUniversitt zu Kln (Edio comemorativa da Faculdade de Direito para a festa de 600 anos daUniversidade de Kln), 1988, p. 403 e ss.47 Grenzen der normativierenden Strafrechtsdogmatik (Limites da dogmtica jurdico-penal

    normativizante), 1990, p. 83 e ss..48 Como a nota 46, p. 405.49 Como a nota 47, p. 92/93 (p. 93).

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    Mas a falta de dominabilidade um critrio objetivo, para a qual fins e representaes

    subjetivos do autor so completamente irrelevantes. E ao declarar: A imputao

    objetiva integra o conceito de ao, isto s est correto, porque aquilo que

    objetivamente se considera uma ao de homicdio, leses etc., determinado pelos

    critrios de imputao. Mas nada disso tem algo a ver com a finalidade.

    b) Sobre o problema dos desvios causais.

    Quanto aos desvios causais, que foram exemplificadas atravs do caso da

    ambulncia (II, 2), HIRSCH50 ainda pensa que se trate de um caso em que o

    resultado ocorre de maneira diversa da representada pelo autor ... O deslocamento da

    questo para o tipo objetivo parece errneo51. Mas como j foi colocado, o decisivo

    no que o curso desvie da representao do autor (pois desvios que se mantiverem

    no mbito do risco criado no impedem a imputao). Importa, isso sim, se o desvio essencial, e tal essencialidade s pode ser definida luz dos critrios da imputao

    objetiva, como acima foi colocado (II, 2).

    KPPER52, ao contrrio de HIRSCH, reconhece que nos desvios causais

    introduzido um elemento objetivizante na apreciao do lado subjetivo: o juzo de

    adequao (que, at aqui, idntico idia da realizao do risco). Ainda assim,

    persiste ele em sustentar que se trata de um problema de finalidade: O controle53

    voluntrio da causalidade pressupe o critrio da adequao. Aquilo que oultrapassa ... no mais finalmente direcionvel e, por isso, no pode ser

    objetivamente imputvel. Assim, juzo objetivo de adequao realizado

    psicologicamente. Claro que ningum pode controlar um curso causal inadequado.

    Mas a imputao fracassa unicamente por uma falha na realizao objetiva do perigo

    (por inexistir a adequao do curso causal), e completamente irrelevante o que o

    autor realiza psicologicamente com isso. No haver homicdio consumado nem

    mesmo se ele acolhe um sua vontade a circunstncia de que o ferido morra no

    caminho para o hospital em um acidente de trnsito.

    c) Sobre a unidade temtica da imputao objetiva

    Por ltimo, no se pode desconhecer que HIRSCH e KPPER sequer

    questionam as solues essenciais da teoria da imputao objetiva para os delitos

    50 Como a nota 46, p. 404.51 (N. do T.) HIRSCH utiliza a palavra sachwidrig, que, literalmente, se traduziria por contrrio coisa. Esta expresso bastante corrente entre o finalismo ortodoxo, ontologista, que procuraadequar a valorao jurdica natureza da coisa.52 Como a nota 47, p. 96/97.53 (N. do T.) A palavra original Indienststellen, verbo substantivizado que significa que colocaoem servio, colocao disposio. Creio que controle d uma idia mais exata daquilo de quese est a falar.

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    culposos, somente voltando-se contra a sistematizao destas solues em uma teoria

    da imputao. HIRSCH54pensa que por baixo da etiqueta de imputao objetiva so

    reunidos problemas das mais diversas espcies, que tambm so levados em

    considerao sem esta teoria, e de maneira mais precisa. (Ocorre que ele no

    menciona quais sejam estas maneiras supostamente mais precisas de considerar os

    problemas). E KPPER55 questiona se, nos delitos culposos e qualificados pelo

    resultado, sua natureza peculiar j exige critrios especiais, que posteriormente sero

    posicionados sob o largo teto da assim chamada imputao.

    Quanto a isto necessrio mais uma palavra. correto que a teoria da

    imputao objetiva no consegue mais reduzir-se a um nico ponto de vista, como

    ocorria com LARENZ e HONIG, aos quais interessava unicamente a excluso do

    acaso. Criao de risco e superao do risco permitido, diminuio do risco e fim de proteo da norma de cuidado, os princpios da responsabilidade da vtima e de

    terceiros caracterizam, cada qual, aspectos diversos de imputao. Mas isso no faz

    deles um conglomerado arbitrrio de perspectivas heterogneas de soluo de

    problemas, eis que tais critrios dizem, em seu conjunto, que caractersticas deve ter o

    vnculo entre o comportamento e o resultado, para que se esteja diante de uma ao

    de matar, lesionar ou danificar que realize o tipo objetivo.

    Estes pontos de vista, que ainda poderiam ser complementados por outros, noresultam do acaso, mas fundam-se nos princpios poltico-criminais de uma proteo

    de bens jurdicos dentro dos limites do Estado de Direito, que aquilo para que serve

    o nosso direito penal. Quem deseja proteger jurdico-penalmente bens que no podem

    ser protegidos de outra forma, deve tornar a criao e a realizao de um risco no

    permitido para estes bens o critrio central de imputao, mas deve tambm utilizar o

    risco permitido, o fim de proteo da norma de cuidado bem como a auto-

    responsabilidade da vtima e a esfera de responsabilidade de terceiros, para uma

    limitar a responsabilidade, o que necessrio em razo do bem comum e da liberdade

    individual.

    A teoria da imputao objetiva possui, portanto, uma vasta base terica e

    satisfaz perfeitamente as exigncias de uma sistemtica fundada sobre finalidades

    poltico-criminais56. De qualquer maneira, a teoria est bem longe de constituir

    54 Como a nota 46, p. 407.55 Como a nota 47, p. 91.56 (N. do T.) Esta concepo de um sistema fundamentado sobre valoraes poltico-criminais o

    chamado sistema funcionalista, teleolgico-racional, teleolgico-funcional do delito foi esboada,primeiramente, em 1970, no livro Kriminalpolitik und Strafrechtsystem, 2a edio, DeGruyter, Berlin,1972, de que foi recentemente publicada traduo brasileira: Poltica Criminal e Sistema Jurdico-

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    unicamente uma etiqueta para uma srie de problemas diversos e desconexos, como

    pensa HIRSCH. Ao contrrio da opinio defendida por HIRSCH, parece-me que

    exatamente a teoria da imputao objetiva que tambm est a demonstrar que a

    moderna dogmtica jurdico-penal no pode ficar parada nos conhecimentos obtidos

    por WELZEL e pelo finalismo.

    Penal, Renovar, Rio de Janeiro, 2000 (trad. Lus Greco). Para mais detalhes sobre a evoluo dateoria do delito, em especial sobre a superao do finalismo pelo funcionalismo, vejam-se

    FIGUEIREDO DIAS, Sobre a construo dogmtica do fato punvel, em: Questes fundamentais dedireito penal revisitadas, RT, So Paulo, 1999, p. 187 e ss.; LUS GRECO, Introduo dogmticafuncionalista do delito, Revista Brasileira de Cincias Criminais n. 32, p. 120 e ss..