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i
ROSANA APARECIDA GARCIA
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO
MUNICIPIO DE CAMPINAS (SP) NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE
INSTITUCIONAL SÓCIO-HISTÓRICA
CAMPINAS
2015
iii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Ciências Médicas
ROSANA APARECIDA GARCIA
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO
MUNICIPIO DE CAMPINAS (SP) NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE
INSTITUCIONAL SÓCIO-HISTÓRICA
Tese apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos para obtenção do Título de Doutora em Saúde Coletiva, Área de Concentração Ciências Sociais em Saúde.
Orientador(a): Profa. Dra. Solange L’Abbate
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA
TESE DEFENDIDA PELA ALUNA ROSANA APARECIDA GARCIA
E ORIENTADO PELA PROF. DRA SOLANGE L’ABBATE
Assinatura do Orientador: _____________________________________________
CAMPINAS – SP
2015
vii
RESUMO
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO MUNICIPIO DE
CAMPINAS (SP) NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE INSTITUCIONAL SÓCIO-
HISTÓRICA
A Vigilância em Saúde é entendida aqui, como uma instituição - conceito base para a
Análise Institucional (AI). Seu processo de institucionalização nos remete à história da
Saúde Pública, impactando no atual modelo de gestão e nas ferramentas de trabalho
utilizadas em sua contemporaneidade. Considerando que a Vigilância em Saúde tem raízes
e processos a partir deste modelo conceitual, há um impacto na prática e estratégias
utilizadas pelos sujeitos que dela fazem parte, marcada, muitas vezes, por modelos
verticalizados e pouco participativos. O objetivo deste estudo foi estudar a trajetória da
Vigilância em Saúde de Campinas (SP) na perspectiva da Análise Institucional sócio
histórica, buscando uma compreensão de sua gênese histórica, social e teórica e seu
processo de institucionalização (duração, temporalidade e historicidade). Neste sentido, a
proposta da Análise Institucional na vertente sócio histórica fundamenta-se na necessidade
de ampliação do conhecimento acerca de fatos no passado, mas que ainda possuem
repercussão no presente. Foram utilizados alguns conceitos chave da Análise Institucional,
como analisador, implicação e instituição – desdobrando em seus momentos instituído,
instituinte e institucionalização. Esse estudo teve natureza qualitativa, teórico e empírico,
com base em entrevistas semiestruturadas e pesquisa documental. As entrevistas iniciais –
chamados de “entrevistas disparadoras” – foram realizadas com os sujeitos que
participaram dos processos iniciais de municipalização, descentralização e regionalização
da Vigilância em Campinas. Em seguida foram entrevistados outros gestores e
trabalhadores dos serviços de saúde que vivenciaram a história mais recente da Vigilância.
A maioria das entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas e enviadas aos
entrevistados para que acrescentassem ou retirassem o que julgassem importantes. Após a
análise das entrevistas e de alguns documentos que trouxeram alguns eventos realizados
pela Vigilância de Campinas, o grupo entrevistado foi convidado para duas oficinas de
restituição para debate sobre os achados e construção do texto. O trabalho demonstrou que
o modelo atual de Vigilância não insere o sujeito dentro de suas ações e nem considera seu
contexto social. Tendo esse pressuposto como modelo, as estratégias utilizadas pela
Vigilância são predominantemente normativas e administrativas, mais ligadas à tecnologia
dura e dura-leve, ou seja, pouco se trabalha com as relações intersubjetivas que estão
diretamente relacionadas com a missão da Vigilância. O modelo de Vigilância de
Campinas, apesar do protagonismo dos sujeitos, mantem pouca articulação com a
sociedade e controle social. Os desafios percebidos são relacionados a investir nas
tecnologias leves (relacionais) no sentido de incluir os diferentes sujeitos no processo de
Vigilância. A possibilidade de intercessão entre suas práticas e a sociedade, deve ser
motivada por um desejo de dar autonomia aos sujeitos que protagonizarão mudanças dentro
da instituição.
ix
ABSTRACT
INSTITUTIONALIZATION OF THE HEALTH SURVEILLANCE IN THE CITY
OF CAMPINAS (SP) THROUGH THE PERSPECTIVE OF THE SOCIO-
HISTORICAL INSTITUTIONAL ANALYSIS
The Health Surveillance is understood in this thesis as an institution – base concept for the
Institutional Analysis. Its process of institutionalization refers to the history of Public
Health, presenting an impact in the present model of management and in the work settings
utilized in its contemporaneity. Since Health Surveillance has its roots and processes
departing from this theoretical model, there is an impact in the practices and strategies used
by the subjects who are part of it; this impact is marked very often by verticalized and non-
participative models. The objective of this project was to study the journey of the Health
Surveillance in Campinas (SP) in the perspective of the socio-historic Institutional
Analysis, aiming at a comprehension of its historic, social and theoretical genesis and its
process of institutionalization (duration, temporality and historicity). Thus, the institutional
analysis purpose in the social-historical field is based in the need of spreading the
knowledge about past facts but which still have repercussion until the present. Some key-
concepts of the Institutional Analysis were used as analyzer, implication and institution –
reshaping its moments as instituted, instituter and institutionalization. This study has a
qualitative, theoretical and empirical nature and it is based on semi-structured interviews
and document research. The early interviews – so called “triggering interviews” – were
made with the subjects who participated in the early processes of municipalization,
decentralization and regionalization of the Health Surveillance in Campinas. Following this
part other managers and health workers who lived the recent history were interviewed.
Most of the interviews was recorded and then transcripted and sent to the interviewees for
them to add or erase any information they could judge important. After the analysis of the
interviews and some documents which brought up events made by the Health Surveillance,
the interviewed group was invited for two restitution workshops for a debate about the
discovers and the construction of the text. The work showed that the present model of
Health Surveillance is not inclusive in its actions nor considers peoples social contexts.
Having this assumption model, the strategies used by the Health Surveillance are mainly
based on rules and administration and are more connected to the hard and hard-soft
technology that means that very few works are done about the inter-subjective relations that
are directly related to the mission of the Health Surveillance. The model of Health
Surveillance, although its subjects are protagonists, keeps few articulations with the society
and its control. The challenges observed are relational to investing in soft technologies
(related) in a way that it includes different subject in the process. The possibility of
interception between its practices and society must be motived by a desire of giving
independence to the subjects who were protagonists in the changes inside of the institution.
xi
RÉSUMÉ
L´institutionnalisation de la surveillance de la santé dans la municipalité de Campinas
(SP) en vue de l´analyse institutionnelle Socio-Historique.
La surveillance de la santé est entendue ici, comme une institution – un concepte de base
pour l´analyse institutionnelle (AI). son processus d´institutionnalisation nous remet à
l´histoire de la santé publique, ayant impact sur le modèle actuel de gestion et sur les outils
de travail utilisés dans sa contemporanéité. en considerant que la surveillance de la santé a
des racines et processus á partir de ce modèle conceptuel, il y a un impacte sur la pratique
et sur les stratégies utilisées par les acteurs qui en font part , et elle est marquée , plusieurs
fois , par des modèles verticalisés et un peu participatifs.L´obectif de cette étude a été
d´étudier la trajectoire de la surveillance de la santé de Campinas (SP) dans la perspective
de l´analyse institutionnelle socio- historique , en cherchant une compréhension de sa
genèse historique , sociale et théorique et son processus d´institutionnalisation ( durée,
temporalité et historicité ). Dans ce sens , la proposition de l´analyse institutionnelle dans
l´aspect socio-historique est basée sur la nécessité de l´approfondissement de la
connaissance des faits dans le passé, et qui ont encore des répercussions sur le présent.
Quelques conceptes clés de l´analyse institutionnelle ont été utilisés, comme analyseur,
implication,et institution – qui se deroulent dans leurs moments fixés, instituant et
institutionnalisation. Cette étude a été de nature quantitative , théorique et empirique , basée
sur des entretiens semi-structurés et sur la recherche documentaire.Les entrevues initiales –
appelés ‘’ entrevues déclanchées’’ – ont été réalisées avec les acteurs qui ont participés aux
processus initiaux de municipalisation, de décentralisation et de régionalisation de la
surveillance á Campinas. Ensuite d´autres gérants et travailleurs des services de santé qui
ont vecu l´histoire la plus recente de la surveillance ont été intewiewé . La plupart des
entretiens ont été enregistrés, transcrits et envoyés aux interviewés pour qu ils ajoutent ou
retirent ce qu´ils jugent important. Aprés l´analyse des entretiens et de quelques documents
apportés par quelques événements réalisés para la surveillance de Campinas, le groupe
interviewé a été invité à deux ateliers de réstitution pour un débat sur les conclusions et les
constructions de textes.Le travail a demontré que le modèle actuel de surveillance n´inclus
pas l´acteur dans ses actions et ne tient pas compte de son contexte social. Ayant cette
hypothèse comme modèle. Les stratégies utilisées par la surveillance sont principalement
réglementaires et administratives, mais liées à des technologies rigides et rigides- legères,
c´est à dire on travaille peu avec les relations interpersonnelles qui sont directement liées à
la mission de surveillance. Le modèle de surveillance de Campinas, malgré le rôle des
acteurs, il maintient peu d´articulation avec la societé et le contrôle social. les défis
remarqués sont relationnés á l´investissement dans la technologie legère (relationnelles)
dans le sens d´inclure les differents acteurs dans le processus de surveillance. la possibilité
d´intercession entre ses pratiques et la societé, doit être motivée par le désire de donner de
l´autnomie aux acteurs qui protagoniseront des changements dans l´institution.
xiii
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA ..................................................................................................... xv
AGRADECIMENTOS .......................................................................................... xvii
EPÍGRAFE ........................................................................................................... xxi
LISTA DE ABREVIATURAS .............................................................................. xxiii
LISTA DE QUADROS ....................................................................................... xxvii
LISTA DE FIGURAS ......................................................................................... xxvii
LISTA DE ANEXOS ........................................................................................... xxix
APRESENTAÇÃO .................................................................................................. 1
CAPÍTULO 1: A SAÚDE PÚBLICA E AS AÇÕES SANITÁRIAS: ELEMENTOS PARA UMA DISCUSSÃO ACERCA DO MOMENTO FUNDADOR DA VIGILÂNCIA ............................................................................................................ 5
CAPÍTULO 2: ANALISANDO AS IMPLICAÇÕES ............................................... 31
CAPÍTULO 3: O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA NO BRASIL E SUA INSERÇÃO NO SUS ............................................................ 39
CAPÍTULO 4: A DESCENTRALIZAÇÃO E MUNICIPALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE DE CAMPINAS ................................................................................. 57
CAPÍTULO 5: ALGUMAS REFLEXÕES ............................................................ 135
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 161
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 165
ANEXOS ............................................................................................................. 181
xv
DEDICATÓRIA
À Deus, pela vida e força.
Aos meus amados pais Luiz e Arminda Garcia, pelo
amor dedicado em minha vida, por eu ser quem sou
hoje, por me criar dando exemplo de princípios éticos e
humanos.
Ao meu irmão Marcos, por nossa “virada” e
crescimento e minha cunhada Márcia pela torcida e
empolgação, motivando-me a escrever.
Aos meus queridos filhos Leandro e Vanessa, que
suportaram minhas ausências, e ao mesmo tempo me
incentivaram a produzir conhecimento ofertando-me
amor incondicional em todo momento.
xvii
AGRADECIMENTOS
Aos companheiros de luta e trabalho do Distrito de Saúde Sudoeste onde iniciei
minha trajetória profissional como auxiliar de saúde pública. Muitos desafios enfrentados
juntos.
À Deise – coordenadora do Distrito de Saúde Sudoeste, pela solidariedade e carinho
oferecido durante a (co) produção deste trabalho. Desde meu Mestrado se mostrou muito
generosa com a construção desse percurso, e fica aqui meu reconhecimento.
Aos trabalhadores do Centro de Saúde Santa Lúcia, aonde comecei na gestão, pelo
saber e conhecimento que (co) produzimos junto aos alunos.
Aos trabalhadores do Centro de Saúde Dic III, por torcer por todo o meu percurso
profissional e acadêmico, em meio a tantas dificuldades que existiram no cotidiano do
serviço.
Aos trabalhadores da Vigilância do Distrito Sudoeste, Célia, Elisângela, Fabiana,
Nídia, Helouse, Andréia, Gláucia, Marta, Marisa, Cássius, Montanari, Edson, Fernando,
Cláudio, Walter e Sylvio por torcerem por mim, mostrando generosidade no
compartilhamento de saberes e conhecimentos.
À Eloísa, farmacêutica da VISA Sudoeste, que torceu por mim em todo momento,
abrindo frentes para debates. Não vou esquecer-me disso, amiga.
À Lucas, trabalhador que teve uma trajetória de municipalização e que de forma
íntegra e responsável tem desenvolvido suas atividades até os dias atuais. Obrigada por
compartilhar sua história comigo.
À Andréia – enfermeira da Visa Sudoeste, um exemplo de luta e determinação no
percurso de vida. Sempre ao meu lado, apesar das distâncias, mostrando a generosidade de
uma real amizade.
À Vigilância do município de Campinas que acompanhou indiretamente esta
produção, motivando-me a escrever sua história.
Aos profissionais entrevistados, que me confiaram suas histórias de vida, seu
percurso profissional, seus desafios, dificuldades, alegrias, tristezas, sendo, portanto,
coautores deste trabalho.
À Brigina que quando soube de meu doutorado mostrou um brilho esfuziante,
facilitou todas as frentes de informação, quis ser a primeira entrevistada, e me acompanhou
xviii
com este brilho, durante todo meu trabalho. Obrigada minha amiga!
À Cléria do DEVISA, companheira que torceu por este trabalho, compartilhou
trajetória profissional, monitorou minha escrita – “e aí, precisa de mais alguma coisa?”, e
sempre me perguntando a data da defesa. Obrigada, amiga, pelo carinho.
À Elen que me antecedeu na coordenação da Visa Sudoeste, me iniciando nesta
nova trajetória profissional. Obrigada também pelas orações e a incomparável candura em
seu olhar que sempre demonstrou a paz com a qual realiza suas atividades.
À Janete, que coordenou a Vigilância Ambiental e depois a Vigilância Sanitária de
Alimentos do DEVISA, por se mostrar efusiva, carinhosa com o meu percurso,
demonstrando a torcida.
À Salma e Mena que apesar da correria de suas vidas profissionais, estiveram
presentes no apoio a este trabalho.
Aos colegas do Departamento de Saúde de Campinas, por torcerem por mim.
A Beatriz e Sandra do Departamento Administrativo, que emanaram luz ao final de
minha tese, mostrando o quanto o ser humano pode fazer trocas afetivas relevantes para a
vida.
À Dr. Abrahão que me confiou sua história profissional, a qual me encantou devido
a importante trajetória percorrida no período anterior e posterior à municipalização e
descentralização da Vigilância em Saúde de Campinas. Meu reconhecimento e profundo
respeito.
Ao Marcelo do CETS por sempre estar tão solidário e me ajudar em minhas buscas
bibliográficas referentes à história da Vigilância em Saúde de Campinas.
À Aleksandra pelas entrevistas realizadas e transcritas, além da empolgação pelo
tema.
À Profa. Dra. Carmen Lavras e Prof. Dr Gastão Wagner – docentes e ex-secretários
de saúde de Campinas, que generosamente me receberam e compartilharam comigo suas
trajetórias durante os períodos de gestão em Campinas.
Ao Prof. Dr. Heleno, por me acompanhar nas lutas do SUS Campinas, pelo trabalho
que realizamos juntos no Centro de Saúde Dic III, por sua incansável solidariedade,
prontidão e generosidade, fazendo parte de um percurso histórico e acadêmico construído
(e em construção) em minha vida.
xix
Ao Prof. Dr. Sérgio Rezende Carvalho que me iniciou aos primeiros passos
acadêmicos, acreditando em mim, em meu Mestrado e me incentivando ao Doutorado.
Ao Prof. Dr. Nelson, por aceitar meu convite para compor a banca de Defesa, pois
além de seu percurso docente memorável, foi ex-secretário de saúde em um dos períodos
contados neste trabalho. Tê-lo na banca é uma responsabilidade. Ousar contar uma parte da
história vivida por ele mesmo é um desafio e tê-lo ouvindo essa história é sentir o quão
generoso ele é ao permitir essa “certa história” contada a partir de um “certo lugar”.
Aos Profs. Dra. Lúcia e Dr. Núncio, por compartilharem comigo o momento da
qualificação e defesa, ajudando a compor esta “certa história” cientifica e afetivamente.
À Profa. Dra. Luciana, pelas contribuições na qualificação, por me estimular a que
eu explicitasse o “certo lugar” de onde eu contei a “certa história”. Obrigada por sua
generosidade, além da torcida.
Aos docentes do Instituto de Salud Colectiva da Universidade Nacional de Lanus -
Buenos Aires/Argentina, em especial ao professor Jorge Arakaki por ter partilhado comigo
a produção de um artigo.
Aos gestores e trabalhadores da Secretaria de Saúde da cidade de Moreno (Buenos
Aires/Argentina) que me receberam em meu estágio em 2011,
À Prof. Dr. Guilles Monceau da Université de Cergy-Pontoise (França), pelo
convite e oportunidade em participar do Simpósio Internacional “Recherche avec”
(Otawa/Canadá), compartilhando conhecimentos com outros países.
Ao Grupo de Pesquisa do CNPq - Análise Institucional e Saúde Coletiva do
Departamento de Saúde Coletiva/Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, Aidê,
Núncio, Lúcia, Kalliny, Ana Lúcia, Cláudia, Luciana, Juliana, Daniel, Camila, Zuza,
Welington, pelas muitas contribuições e debates realizados nesses quatro anos.
Em especial, à Profa. Dra. Solange L’Abbate, minha orientadora e amiga, que com a
singularidade de sua competência profissional, delicadeza e carinho, discutiu minhas
“certas histórias”, revisando, motivando, ajudando a construir e escrever. Profundo respeito
e admiração por ter me aceito como orientanda, pelo companheirismo e pela paciência em
meus limites profissionais. Obrigada por sua generosidade em me permitir este novo
desafio em minha vida acadêmica e profissional, de adentrar em um novo campo de
conhecimento – Ciências Sociais – o que me fortaleceu na gestão.
xxi
EPÍGRAFE
“Ostra feliz não faz pérola”
"A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de si
um grão de areia que a faça sofrer.
Sofrendo, a ostra diz para si mesma:
'Preciso envolver essa areia pontuda que me machuca com uma esfera lisa
que lhe tire as pontas…'
Ostras felizes não fazem pérolas…
Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar.
O ato criador, seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor, Não é
preciso que seja uma dor doída…Por vezes a dor aparece como aquela
coceira que tem o nome de curiosidade.
Este livro (tese) está cheio de areias pontudas que me machucaram.
Para me livrar da dor, escrevi"
Rubem Alves
xxiii
LISTA DE ABREVIATURAS
AI – Análise Institucional
AI-SH – Análise Institucional sócio-histórica
AIS – Ações Integradas de Saúde
ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária
CAST – Coordenadoria de Atenção Secundária
CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho
CCZ – Centro de Controle de Zoonoses
CDC- Centro de Controle de Doenças
CGVAM – Coordenação Geral de Vigilância Ambiental
CEB – Comunidades Eclesiais de Base
CEM – Campanha de Erradicação da Malária
CEP-Comitê de Ética em Pesquisa
CETS – Centro de Educação do Trabalhador da Saúde
CETESB – Centro Tecnológico de Saneamento Básico
CEV – Campanha de Erradicação da Varíola
CENEPI – Centro Nacional de Epidemiologia
CEPEDISA – Centro de Pesquisa em Direito Sanitário
CEREST – Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
CEVI – Centro de Vivência Infantil
CF- Constituição Federal
CS – Centro de Saúde
CIMS – Comissão Intersetorial Municipal de Saúde
CIPA – Comissão Interna Prevenção de Acidentes
CIS – Centro de Informação em Saúde
CHOV – Complexo Hospitalar Ouro Verde
CNS - Conferência Nacional de Saúde
COAS – Centro de Orientação e Apoio Sorológico
CONASP- Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária
CONDEMA – Conselho Municipal de Defesa de Meio Ambiente
COVISA - Coordenadoria de Vigilância e Saúde Ambiental
CRAISA – Centro de Referência de Atenção Integral a Saúde do Adolescente
CRST – Centro de Referência em Saúde do Trabalhador
CS – Centro de Saúde
CSC – Coordenadoria de Saúde Comunitária
CVE - Centro de Vigilância Epidemiológica
xxiv
DAP – Divisão de Alimentação Pública
DANT – Doenças e agravos não transmissíveis
DCMA – Divisão e Controle de Meio Ambiente
DENERu – Departamento Nacional de Endemias Rurais
DEVISA- Departamento de Vigilância em Saúde
DMPS – Departamento de Medicina Preventiva e Social
DNS – Departamento Nacional de Saúde
DRS – Divisão Regional de Saúde
DSC – Departamento de Saúde Coletiva
DID – Departamento de Informação
DIR – Diretoria Regional
ENSP – Escolha Nacional de Saúde Pública
ERSA – Escritório Regional de Saúde
FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
GAS – Gratificação de Autoridade Sanitária
GMVE – Grupo Municipal de Vigilância Epidemiológica
GVE – Grupo de Vigilância Epidemiológica
IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IMV – Inspetoria Municipal de Vigilância
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social
INCQS – Instituto Nacional de Controle e Qualidade de Saúde
LAS – Laudo de Avaliação Sanitária
LCCDMA - Laboratório Central de Controle de Drogas, Medicamentos e
Alimentos.
LF – Licença de Funcionamento
LMC – Laboratório Municipal de Campinas
LOS – Lei Orgânica da Saúde
LP – Linha Privada
NADAV – Núcleo de Assessoramento na Descentralização das Ações de Vigilância
NSC – Núcleo de Saúde Coletiva
OMS – Organização Mundial de Saúde
OPAS – Organização Pan-americana de Saúde
PAM – Plano de Ação e Metas
PMC – Prefeitura Municipal de Campinas
PNI – Programa Nacional de Imunização
PST – Programa de Saúde do Trabalhador
SAR – Secretaria de Ação Regional
SAD – Serviço de Atendimento Domiciliar
xxv
SES – Secretaria Estadual de Saúde
SESP – Serviço Especial de Saúde Pública
SMS – Secretaria Municipal de Saúde
SNS – Sistema Nacional de Saúde
SNVE – Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica
SNVS – Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária
SFPA – Serviço de Fiscalização Sanitária e Alimentação
SPPA – Serviço de Policiamento de Produtos e Alimentação
SUCAM – Superintendia de Campanhas
SVE – Sistema de Vigilância Epidemiológico
SUCEN – Superintendência de Controle de Endemias
SUDS – Sistema Único e Descentralizado de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
SVS – Secretaria de Vigilância Sanitária
TBVE – Treinamento Básico em Vigilância Epidemiológica
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UBS – Unidade Básica de Saúde
VA – Vigilância Ambiental
VE - Vigilância Epidemiológica
VISA - Vigilância em Saúde
xxvii
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Entrevistados: formação e inserção na PMC .................................................................... 27
Quadro 2: Seminário de Vigilância Epidemiológica/ Campinas/ SP (1994) .................................... 97
Quadro 3: Oficina de Vigilância em Saúde / Campinas/SP (1997)................................................. 100
Quadro 4: Oficina de Vigilância Sanitária e Ambiental de Campinas/SP (1997) ........................... 103
Quadro 5: Oficina de Saúde Coletiva/Campinas/SP (2003)............................................................ 111
Quadro 6: Seminário de Saúde Coletiva/ Campinas/SP (2004) ...................................................... 115
Quadro 7: Oficina de Vigilância em Saúde /Campinas/SP (2012).................................................. 131
Quadro 8: Modelos de Vigilância Sanitária .................................................................................... 148
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Mapa da cidade de Campinas dividido por Distritos de Saúde e Centros de Saúde /
Campinas/SP. .................................................................................................................................... 59
Figura 2: Mercado Municipal de Campinas/SP (1930) ..................................................................... 62
Figura 3: Matadouro Municipal de Campinas/SP (1896) ................................................................. 62
Figura 4: Secretarias de Administração Regional (SAR)/ Campinas/SP (1993)............................... 89
Figura 5: Estrutura da SAR Campinas/SP (1993) ............................................................................. 90
Figura 6: Linha histórica das discussões realizadas pela Vigilância em Campinas/SP (2012) ....... 128
Figura 7: Modelo esquemático de articulação entre as áreas de Vigilâncias. ................................. 142
Figura 8: Modelo esquemático de intervenção protocolar e clássica da Vigilância ........................ 145
Figura 9: Modelo esquemático de Intervenção da Vigilância, a partir do compartilhamento dos
saberes. ............................................................................................................................................ 146
xxix
LISTA DE ANEXOS
Anexo 1 Oficio Circular CVE 50/87
Anexo 2 Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Anexo 3 Roteiro de entrevista 2: Trabalhadores e gestores (VISA Distrito e UBS)
Anexo 4
Anexo 5
Parecer Comitê de Ética em Pesquisa
Convites para Oficinas de Restituição
Anexo 6 Questionário de Avaliação das Oficinas de Restituição
Anexo 7 Decreto n° 46 de fevereiro de 1933 – cria a Inspetoria Municipal
Veterinária (IMV)
Anexo 8 Normas Organizacionais e Funcionamento de um serviço de fiscalização
de alimentos (1971)
Anexo 9 Atribuições do fiscal sanitário
Anexo 10
Anexo 11
Anexo 11
Caderneta de Controle Sanitário
Auto de Infração e Multa
Termo de Interdição
Anexo 12 Ocorrências existentes em Caderneta de Fiscalização Sanitária
Anexo 13 Roteiro de Fiscalização
Anexo 14 Campanha Educativa: Você é o fiscal
Anexo 14 Campanha Educativa contra a venda de leite cru
Anexo 14 Material Educativo do SFAP/DCMA: Microbino e Saudino
Anexo 14 Certificado de Saúde e Capacidade Funcional
Anexo 14 Material Educativo: Cartilha do SFAP (1985)
Anexo 15 Seminário de Vigilância Epidemiológica e Sanitária (1993)
Anexo 16 Debates sobre a municipalização e oficina de territorialização e
Vigilância à Saúde (1994)
Anexo 17 I Oficina de Vigilância em Saúde de Campinas (1997)
Anexo 17
I Oficina de Vigilância em Saúde de Campinas: grupos de trabalho
(1997)
xxx
Anexo 18
Oficina para definição de diretrizes e gestão da Vigilância Sanitária e
Ambiental de Campinas (1999)
Anexo 19 VI Conferência Municipal de Saúde em Campinas: diretriz da Saúde
Coletiva no Paidéia (2002)
Anexo 20 Oficina de Vigilância em Saúde (2005)
Anexo 21 Subsídios para a IX Conferência Municipal de Saúde (2011)
Anexo 22 Prioridades Estruturantes para Vigilância Sanitária (2012)
Anexo 23 Oficina Responsabilidade Compartilhadas em Vigilância Epidemiológica
(2011)
Anexo 24 Seminário Modelos e Estratégias em Vigilância em Saúde (2011-2012)
Anexo 25 Carta de Compromisso: documento síntese processo coletivo para
reorganização Vigilância em Campinas (2012)
Anexo 26 Seminário Modelos e Estratégias: registro dos documentos do processo
(2011/2012)
1
APRESENTAÇÃO
MINHAS IMPLICAÇÕES E MOTIVAÇÕES
Contar certa história é o que me moveu a fazer essa pesquisa. Certa história
implicada, envolvida no aqui e agora, de onde vim, as influências e as concepções éticas -
políticas as quais defendo e como este processo aconteceu em minha vida sem uma vontade
ou decisão consciente é um pouco do percurso que passo a relatar agora.
Ouvindo certa história e vivendo-a a partir de 1988, quando fui contratada pela
Prefeitura de Campinas para exercer a função de auxiliar de saúde pública no antigo Posto
de Saúde Marina Acosta, no Parque Universitário no Distrito de Saúde Sudoeste.
Relembrando certa história quando fui ‘treinada’ por auxiliares de saúde mais
experientes e pelos médicos do serviço, havendo somente um enfermeiro fixo na unidade
de saúde e os demais ficavam no nível central da Secretaria de Saúde.
Ouvindo certas histórias durante as entrevistas que fiz, e que se relacionavam com a
minha história, o que me fez relembrar desse tempo, mobilizando grandes emoções e
afetos.
Relembrando o inicio de minha graduação em Enfermagem na UNICAMP (1993), a
formatura em 1996, meu primeiro trabalho como enfermeira no Hospital Celso Pierro
(PUCC), na enfermaria de Psiquiatria, conhecida como Bloco 7 (sete). Meus primeiros
passos na profissão.
[memória]...construção do passado pautado por emoções e vivências. É flexível e
os eventos são lembrados à luz da experiência subsequente e das necessidades do
presente. (FERREIRA, 2000, p. 111).
Ainda recordando minha certa história, quando em 1998, fui chamada pelo
concurso público da Prefeitura de Campinas, assumindo como enfermeira no Centro de
Saúde DIC III – Distrito de Saúde Sudoeste de Campinas. Saudades da equipe que me
recebeu como enfermeira, já tendo eu passado por lá, quando fui auxiliar de saúde pública.
O desejo de estar na gestão. Prestei um processo seletivo em 1999 e fui coordenar o
Centro de Saúde Santa Lúcia, também no Distrito de Saúde Sudoeste. Vivenciei emoções,
afetos, (des) encontros. Época do Projeto Paidéia, as equipes de referência, os alunos de
Medicina do 1° ano e a residência médica do Departamento de Medicina Preventiva e
2
Social da UNICAMP, meu curso de Saúde Pública, a experiência do Núcleo de Saude
Coletiva... Minhas certas histórias...
Nova experiência na gestão: em 2005 peço remanejamento e assumo a coordenação
do CS DIC III, já conhecido de outras certas histórias de minha vida. Novos desafios...
Uma população de maior risco e vulnerabilidade e a necessidade de exercitar novas
ferramentas, dispositivos e arranjos... Meu Mestrado. Novos questionamentos.
Meu Mestrado em Saúde Coletiva... Professor Sérgio Carvalho me ajudou nos
primeiros passos e me orientou no percurso, juntamente com Professor Heleno Rodrigues
Corrêa Filho. E caminhei, aprofundando na Epidemiologia e no Planejamento e Gestão,
quando me deparo com as Ciências Sociais... Minha paixão desde sempre (um dia quis me
graduar na área, não foi possível devido contexto de vida pessoal). Percebi o quanto
precisava conhecer e explorar essa área de conhecimento para potencializar minha gestão.
Durante todo o percurso da gestão de UBS questionei a forma como a Vigilância em
Saúde atuava dentro dos serviços, com uma postura vertical e não parceira e isto causou
muitos estranhamentos e discussões com a coordenação da VISA Distrital.
Uma oportunidade de realizar mudanças... Em junho de 2009 assumi a coordenação
da Vigilância do Distrito Sudoeste (VISA Sudoeste) com o objetivo de desenvolver ações
integradas e articuladas com os serviços de saúde do Distrito.
Minha certa história: aceitar o desafio de debater e utilizar dispositivos que
permitissem com que as relações entre VISA e serviços de saúde pudessem ser mais
compartilhadas, tais como: Núcleo de Saúde Coletiva distrital, apoio matricial às Unidades
de Saúde, capacitações sugeridas de acordo com as necessidades dos serviços, dentre
outros.
Escrevendo nova história: o doutorado na subárea de Ciências Sociais, e minha
afinidade com a Análise Institucional desde as disciplinas ministradas pela Profa. Solange
L’Abbate. Senti a necessidade de aprofundar a área e fui acolhida pelo Grupo de Pesquisa
em Análise Institucional e Saúde Coletiva. Meus amigos. Meus professores. Meus mestres.
O quanto me ensinaram do que hoje coloco em prática.
Minha (sobre) implicação ao ocupar o duplo lugar de pesquisadora e coordenação
de uma das cinco Vigilâncias em Saúde, do município de Campinas. Ousei escrever acerca
de alguns incômodos e inquietações que me moveram a realizar o presente estudo.
3
Hoje não mais inserida na gestão da Vigilância, mas escrevendo ainda... Escrevendo
esta certa história, a partir das experiências vividas e contadas pelos entrevistados... Certa
história por que há outras. Esta é apenas uma delas.
Os depoimentos dos entrevistados e suas certas histórias. Não obstante muitas
vezes a memória resgatada através dos depoimentos ter se mostrado predominantemente
institucional, outras certas histórias, ainda não contadas, puderam ser escritas a várias
mãos. Coautorias.
Consegui contar “A” história da Vigilância de Campinas? Com certeza não.
Reconheço as ausências de alguns fatos que também foram importantes na história
instituída. Não tive, no entanto, a pretensão de restar ”A” história e sim, disparar que outros
contem suas outras certas histórias.
Reflito a partir de Deleuze (1997, 11),
Escrever é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via de fazer-se, e que
extravasa qualquer matéria vivível ou vivida.
A partir desse contexto, tomei a Vigilância enquanto uma instituição histórica e
hegemonicamente construída e consolidada em nossa sociedade, o que me motivou a
estudar a trajetória de institucionalização da Vigilância em Saúde em Campinas e seus
movimentos inovadores – instituinte – nos modos de operar o que está normatizado –
instituídos em um campo de conhecimento.
Alguns questionamentos me vieram quando passei a contar essa certa história: seria
possível (re) inventar a Vigilância em Saúde, a partir de sua trajetória histórica e social?
Seria possível que essa instituição se aproxime da sociedade e dos trabalhadores e
“componha” um novo modo de fazer, mais participativo e inclusivo?
Assim sendo, esta certa história está marcada pela “conjunção e”, como aconteceu
em minha dissertação de mestrado (GARCIA, 2009). “Conjunção e”, pois se abre
possibilidades de novas “certas histórias”.
A despeito de ter o desejo de não esquecer alguns processos de trabalho, alguns
sujeitos importantes nesta certa historia, não dei conta de contar “A” história: por isto me
refiro a esta certa história e deixo para outros seguirem contando novas certas histórias e
utilizando a conjunção “e..
5
CAPÍTULO 1: A SAÚDE PÚBLICA E AS AÇÕES SANITÁRIAS:
ELEMENTOS PARA UMA DISCUSSÃO ACERCA DO MOMENTO
FUNDADOR DA VIGILÂNCIA
Nada do que foi será de novo
do jeito que já foi um dia tudo
passa tudo sempre passará; a
vida vem em ondas como um
mar num indo e vindo infinito;
tudo o que se vê não é igual ao
que a gente viu a um segundo
tudo muda o tempo todo no
mundo [...]. Como uma onda
do Mar (Lulu Santos)
A preocupação com doenças endêmicas como resfriados, caxumbas, pneumonias,
febres e epidemias de malária e difteria e seu impacto sobre as sociedades é antiga, E
segundo Souto, 2004, p. 18, eram importantes problemas de saúde no mundo greco-
romano. Segundo a autora, em civilizações como Grécia, Índia e em Tróia, já se
verificavam.
[...] ações de saneamento e habitação, bem como leis relativas ao planejamento
das cidades indianas, à presença de ruas largas, pavimentadas e drenadas por
esgotos abertos. Escavações feitas em Tróia revelaram nos anos 2000 a.C. um
fornecimento engenhoso de água de beber, sistema de esgotamento e destinos dos
dejetos. Na Índia, em 300 a.C., remédios [...].
A autora prossegue dizendo que no tempo do imperador Nero, em Roma, existia
funcionários da administração pública chamados de aediles que supervisionavam a limpeza
das ruas, mercados públicos e proibiam a venda de alimentos estragados.
Rosen (1994) salienta que durante a Idade Média apesar de um descaso sanitário
inicial em relação à limpeza de ruas, saneamento e controle de dos alimentos, houve uma
preocupação das comunidades com o controle de lixo, dejetos e criação de animais,
surgindo um grande numero de normas e apenações que serviram como base para um
Código Sanitário (p.57).
6
A preocupação com a quantidade de animais criados nas ruas era um problema
crescente e no inicio do século XV foram construídos os primeiros matadouros públicos e
segundo a autora, estas práticas estavam restritas às comunidades (SOUTO, 2004).
A ideia do contágio nos remete às práticas como isolamento e quarentena de doentes
e o controle de mercadorias e navios que surgem no final da Idade Média, consolidando-se
com o processo de urbanização (ROSEN, 1994; SCLIAR, 2002; WALDMAN, 1991).
Segundo os autores, as medidas para a contenção das epidemias, como Febre Amarela,
Tifo, Varíola e Malária, dentre outras doenças vinham dentro do escopo e modelo da Saúde
Pública, bem como o controle de portos nos séculos XVII e XVIII. A estratégia de
contenção das doenças e do impacto no coletivo contribuiu para a construção do que hoje
chamamos de vigilância, cujo termo e etimologia nos remetem à ideia de vigiar – do latim
vigilare.
Souto (2004) afirma que, apesar das práticas sanitárias existirem desde a
antiguidade, foi com o advento do Estado Moderno que surge como política estatal
intervencionista, espelhando-se no modelo da polícia médica. Segundo a autora o termo
polícia médica foi desenvolvido por Veit Ludwig von Seckendorff , e foi a primeira política
estatal de saúde no mundo ocidental, levando às primeiras intervenções do Estado na saúde.
Nesse sentido, segundo Foucault (1984), no século XVIII, houve três experiências
iniciadas na Europa, que constituíram os elementos centrais das atuais práticas da
vigilância: a medicina social, na Inglaterra nos séculos XVI e XVII; a medicina urbana, na
França e a medicina de estado, na Alemanha (Medizínichepolizei) nos séculos XVIII.
Segundo L’Abbate (2009, p. 51), estes modelos surgiram [...] no âmbito da constituição do
capitalismo, sob a forma da produção industrial no processo de urbanização ocorrido na
Europa do século XVII ao século XIX [...].
Concordamos com a autora quando afirma que, no Brasil houve a combinação dos
elementos dos modelos europeus, dentro das respectivas especificidades do
desenvolvimento do capitalismo do país. Corroborando com a autora, Waldman (2012),
afirma que esse processo foi marcado por uma ideologia de proteção à saúde pública e que
utilizou de ferramentas verticais, características de um modelo campanhista e pouco
participativo. Medidas de controle de portos no século XIX e o desafio assumido por
7
destacados sanitaristas como Oswaldo Cruz1, Carlos Chagas, Emílio Ribas e Adolfo Lutz
que enfrentaram as epidemias como Febre Amarela, Tifo, Varíola dentre outras
(WALDMAN, 2012), que são exemplos de tais intervenções estatais, apesar das críticas
que sofrem quando às arbitrariedades.
Com a chegada da Família Real ao Brasil em 1808, inicia-se a criação de
instituições que tinham como objetivo vigiar e realizar o controle de epidemias e sanear o
meio ambiente, através de estratégias como o saneamento do meio, urbanização das cidades
e criação de lazaretos para confinamento e isolamento (quarentena) dos indivíduos
portadores de doenças epidêmicas e cutâneas, dentre outros (L’ABBATE, 2009).
No Brasil Colonial, o modelo exploratório contribuiu para as doenças
transmissíveis2 – chamadas de pestes – como varíola, febre amarela, malária e tuberculose,
as quais eram tratadas com a estratégia de controle do confinamento dos doentes nas santas
casas, com ações voltadas para o indivíduo doente e não para as causas do adoecimento
(WALDMAN, 1998).
A construção de aterros de pântanos, de mercados para que o comércio se efetivasse
sem riscos à saúde, organização dos cemitérios com criação de normas higiênicas para o
enterro, controlar os matadouros, os açougues, criando currais para o gado que era abatido
na cidade, eram algumas das estratégias utilizadas.
Com o advento da era bacteriológica e microbiológica, a partir do final do século
XIX, surgiu a noção do agente etiológico, possibilitando novas formas de enfrentamento
das doenças como a soroterapia e quimioterapia: nascem as estratégias de vacinação como
a antivariólica, reforçando concepção de vigilância restrita ao indivíduo que deveriam ser
controlados, isolados e punidos, caso não respeitassem as ordens (WALDMAN, 1998).
Andrade (2001, p.19) afirma que esse foi o [...] nascimento da saúde pública no Brasil [...].
Waldman (2006) afirma que o termo vigilância pode ter dois significados, sendo o
primeiro, introduzido no final do século XIX – [...] observação dos comunicantes durante o
1 Oswaldo Cruz realizou a campanha de vacinação obrigatória de acordo com Lei Federal nº 1.261, de 31 de
outubro de 1904. Carlos Chagas reestruturou em 1920, o Departamento Nacional de Saúde, então ligado ao
Ministério da Justiça criando órgãos especializados na luta contra a tuberculose, a lepra e as doenças
venéreas. 2 Concepção sobre as causas das doenças baseada na teoria dos miasmas, ou seja, não se conhecia micro-
organismos causadores de doenças, o que aconteceu somente na época da Microbiologia, Histologia e outras
ciências.
8
período máximo de incubação da doença [...] (p.490). O segundo significado é mais
moderno segundo o autor, surge de um novo conceito de vigilância, preocupado com o [...]
acompanhamento sistemático de doenças na comunidade, com o propósito de oferecer
bases científicas para o aprimoramento de estratégias para controle [...] (p. 490).
Segundo Waldman (2006), o desenvolvimento desse conceito vigilância coincide
com o pico da Guerra Fria, final da guerra da Coréia (década de 50), momento de forte
tensão internacional, em que a guerra biológica apresentava risco potencial. Nesse
momento tornou-se necessário, segundo o autor, o estabelecimento de sistemas de
informação de morbimortalidade com rápida identificação e investigação de epidemias (p.
490). A designação inicial de inteligência epidemiológica, instrumento para obtenção de
informações particularmente secretas. Para Waldman, [...] talvez para evitar o estigma do
caráter militar da palavra ‘inteligência’, temos a substituição pelo termo vigilância (p. 491).
Durante o predomínio na sociedade brasileira da economia agroexportadora,
assentada na monocultura cafeeira (século XVIII), o sistema de saúde esteve voltado para
uma política de saneamento destinado aos espaços de circulação das mercadorias
exportáveis e a erradicação ou controle das doenças que poderiam prejudicar a exportação,
predominando o modelo do sanitaríssimo campanhista. Segundo Waldman (1998a) [...] este
conjunto de medidas de tipo restritivo, policial e com caráter punitivo, criava sérias
dificuldades para o intercâmbio comercial entre países.
A partir do controle das epidemias nas grandes cidades brasileiras o modelo
campanhista deslocou a sua ação para o campo e para o combate das endemias rurais, dado
ser a agricultura a atividade hegemônica da economia da época, sendo um modelo de
atuação amplamente utilizado pela Superintendência de Campanhas de Saúde Pública
(SUCAM) no combate a diversas endemias (Chagas, Esquistossomose, e outras),
posteriormente incorporada à Fundação Nacional de Saúde.
Segundo Henriques (2009), a inflexão do modelo de produção agroexportador com
base na mão de obra escrava, levou a necessidade de mão de obra livre, ou seja, imigrantes
estrangeiros. Em meio a este contexto são adotadas novas práticas chamadas de práticas
sanitárias, que envolviam criação de institutos de vacina, comissões de vigilância,
laboratórios bacteriológicos, serviços de desinfecção, o Instituto Butantã (1901) e o
Instituto Pasteur (1903).
9
Apesar dos métodos verticais utilizados, é notável o trabalho do Emílio Ribas no
controle da Febre Amarela, de Oswaldo Cruz no controle da Varíola, através da vacinação
compulsória, além de outros nomes de relevância nacional, mas reforçamos o impacto de
tais práticas ao arcabouço teórico-metodológico da Vigilância que se institucionaliza no
Brasil, na década de 70, denominando-se de Vigilância Epidemiológica e Vigilância
Sanitária.
O modelo campanhista do século XIX, herdeiro de conceitos e jargões militares,
criados na perspectiva do combate das grandes epidemias que ameaçavam a atividade
econômica e o modelo da polícia sanitária, subordinou o individual ao coletivo, utilizando a
aplicação de leis e invadindo a liberdade das pessoas (HENRIQUES, 2009).
Segundo Lucchese (2001), o modelo sanitarista que tem a característica de
enfrentamento de problemas de saúde selecionados e para o atendimento de necessidades
específicas de determinados grupos, através de ações de caráter coletivo (campanhas
sanitárias, programas especiais, ações de Vigilância Epidemiológica e Sanitária), possui
limitações quanto ao atendimento de demandas da população por uma atenção integral,
com qualidade, efetividade e equidade.
Partimos de um pressuposto de que esses processos impactaram sobre o modelo
empregado pela atual Vigilância em Saúde, suas práticas e ferramentas utilizadas, bem
como na forma de participação dos sujeitos no processo como um todo. Isto pode ser
exemplificado, por exemplo, em relação às recentes epidemias de dengue, que segundo
Campos (1989, p. 53), são enfrentadas a partir do
[...] o combate do vetor, e a operação mata-mosquitos é apresentada como capaz
de controlar a difusão da epidemia, sendo que, na realidade, dever-se-iam adotar
medidas de reorganização e humanização do espaço urbano, uma vez que os
focos de infestação do Aedes aegypti e de difusão da moléstia são exatamente
aqueles locais mais carentes de infraestrutura urbana básica.
As medidas de contenção de focos de doenças infecciosas e fiscalização sanitária
tem demonstrado perfil restrito de intervenção nos principais problemas de saúde da
população, que transcendem o modelo acima descrito, exigindo enfrentamentos
relacionados
O importante e estratégico lugar de onde fala e se insere a Vigilância, é estratégico
nos enfrentamentos relacionados à
10
[...] determinantes do processo saúde doença, a ação patogênica do capital, as
perversas condições de trabalho, a mercantilização predominante na produção
de medicamentos e equipamentos médico-hospitalares [...] dentre outros
(CAMPOS, 1989, p. 51).
Segundo Merhy (1987, p. 69), a Constituição de 1891, por exemplo, reforça e
formaliza que os [...] estados são responsáveis pela Saúde Pública nas suas respectivas
áreas [...] e que a gestão destas práticas sanitárias eram de competência ora estadual e ora
municipal.
Campos (1987) ao tratar da subordinação da Saúde Pública à dinâmica de
acumulação capitalista, refere que pode ser considerado um interdito à Saúde Pública os
limites que foram se colocando à sua prática. Segundo o autor, neste momento de ocaso, a
Saúde Pública
[...] viu-se obrigada a renunciar às suas pretensões de regular o ambiente
urbano, a planejar a organização do espaço urbano segundo preceitos da
higiene ambiental [...] a ocupação do espaço urbano obedeceu mais à lógica
da especulação imobiliária, da invasão desordenada de imensos contingentes
migratórios expulsos do campo e dos Estados mais pobres, inviabilizando a
preservação de adequadas condições sanitárias [...] ‘interdito’ político que
inviabiliza o surgimento de um aparelho estatal capaz de regular a poluição do
ar, da água e do solo [...] impossibilidade técnica de se regulamentar a
produção e o consumo de defensivos agrícolas, de alimentos industrializados e
de medicamentos[...] explodem os números e o Brasil se torna campeão em
acidentes de trabalho [...] resposta articulada pelo próprio Estado se dá
principalmente através da assistência médica individual a cargo das próprias
empresas que fabricaram aquelas condições inadequadas ao trabalho salubre
[...] (p. 116).
Campos reforça que apesar dos interditos à Saúde Pública, ao longo dos anos
trinta até os anos setenta há uma modificação na estrutura de morbimortalidade da
população brasileira, já estando controladas as epidemias predominantemente urbanas
como a varíola, a febre amarela, dentre outras. Isto trouxe, uma nova complexidade
sanitária que exigiu a ampliação da cobertura e o acesso à assistência à saúde.
Esta ampliação do acesso, bem como a melhoria nas condições de vida da
população, traz um processo de transição demográfica, epidemiológica e nutricional
desde a década de 60, que segundo Malta & Silva Junior (2013) resultou em uma nova
epidemia mundial: o aumento da prevalência de doenças crônicas não transmissíveis
(DCNT).
11
O inicio do século XX traz avanços científicos e novos conhecimentos e
tecnologias, e uma intensa produção e circulação de mercadorias no contexto de um mundo
globalizado, onde o risco à saúde aumenta a cada dia, extrapolando fronteiras de países, não
abarcando somente cidadãos e consumidores, mas também os produtores.
A crescente e rápida complexidade social, cultural, econômica do país, no âmbito
das relações sociais produção-consumo, onde necessidades são artificialmente criadas a
partir de estratégias mercadológicas tendo como ordem consumir (COSTA, 2009), e traz
novos riscos advindos do progresso da ciência e da descoberta de novos tratamentos
(clonagem, novas técnicas cirúrgicas e terapêuticas, novos medicamentos), além dos já
conhecidos riscos naturais como epidemias, e riscos advindos de atividades humanas
(trabalho, alimentação, consumo, etc.), produzindo reflexos na saúde individual ou
coletiva (AITH, 2007).
Este contexto exige do Estado uma intervenção constante e atualizada, no sentido
de enfrentar o risco posto pela modernidade. A necessidade de regular produtos
potencialmente danosos à saúde e ao ambiente tem sido tema de interesse atual (COSTA,
2009).
O Estado de Direito brasileiro que tem como fundamento jurídico a Constituição
Federal (1988) reconhece normativamente os chamados direitos sociais (BRASIL, 1988),
ainda que coexistindo com omissões sociais. O Código de Defesa do Consumidor (1986),
é um dos dispositivo legais criados para salvaguardar estes interesses públicos.
Surgem ainda, as atribuições constitucionais previstas no SUS – controle,
fiscalização, vigilância, prevenção de riscos e agravos – , as ações específicas voltadas
para a segurança sanitária – ações de Vigilância Sanitária, Ambiental, Epidemiológica e
da Saúde do Trabalhador -, e o polêmico “poder de polícia” (Costa, 2009).
Não obstante a importância da discussão acerca deste tema polêmico, não é nosso
objetivo aprofundar o debate. A despeito disto, cabe ressaltar que o exercício do chamado
poder de polícia, através de atos normativos (contidos em Lei) e atos administrativos
(medidas tomadas com a finalidade de cumprir a lei) têm sido ferramentas prioritárias para
a Vigilância. Costa (2009) classifica os atos administrativos em preventivos – autorização,
licença, fiscalização, vistoria, ordem, notificação – com o objetivo de adequar o
comportamento individual à lei; [...] e medidas repressivas – interdição, apreensão de
12
mercadorias deterioradas, internação de pessoas com doença contagiosa, fechamento de
estabelecimento, etc. – com finalidade de coagir o administrado a cumprir a lei (p.57).
É na Lei nº 5.172/1966 – conhecido como Código Tributário Nacional – , em seu
artigo n° 78 que encontramos a definição jurídica de poder de polícia
[...] considera-se poder de polícia atividade da Administração Pública que,
limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de
ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente a
segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do
mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou
autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à
propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (BRASIL, 1966).
A polêmica existente em torno deste poder de polícia, segundo Costa (2009), está
no fato de que representa a limitação dos direitos e liberdades individuais em beneficio de
um interesse público legalmente protegido. Concordamos com a autora, quando afirma que
o desafio consiste em equilibrar o exercício deste poder, de maneira à [...] evitar, de um
lado, o abuso por parte das autoridades públicas estatal e, de outro, os abusos por parte de
cidadãos pouco cooperativos (p. 57).
Cabe destaque e concordância com Costa (2009, p. 57-8) quando afirma que o
desafio atual é o equilíbrio desse exercício de poder
[...] evitar, de um lado, o abuso por parte das autoridades públicas estatais e,
de outro, os abusos por parte de cidadãos pouco cooperativos [...] organizar
arranjos institucionais capazes de articular as diferentes ‘vigilâncias’ entre si
e com as demais ações de saúde e capacitar o Estado para a obtenção e
análise de informações estratégicas para a proteção da saúde pública [...].
13
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS
A relevância do tema escolhido advém, dentre outros, do contexto de mudanças
sócio-histórica mundial. Neste contexto, dentre outras necessidades da modernidade, a
proteção à saúde dos sujeitos que participam das mudanças, tem sido tema de vários
estudos.
No Brasil, especificamente, a temática relativa à Vigilância em Saúde tem
despertado interesse em níveis federal, estadual e municipal, e de vários autores, dentre os
quais destacamos Costa (2003), Aith & Dallari (2009), Henriques (2009) e Lucchese (2001)
os quais têm se debruçado sobre este objeto e analisado a partir de diferentes vinculações
teórico-metodológicas.
As lacunas e insuficiências no modelo de Vigilância para enfrentamento da atual
complexidade sanitária, me impulsionou a escrever esta certa história. O pouco diálogo,
articulação e integração existente entre a Vigilância e os serviços de saúde do SUS, me
causaram o incômodo que me instigou a escrever.
Meu interesse específico é inerente ao meu próprio percurso histórico na
Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Campinas (SP), nas décadas de 80/90 e por
ter me inserido em diferentes lugares: fui auxiliar de saúde pública e posteriormente me
graduei em Enfermagem, podendo olhar a partir de quem faz a assistência direta ao
paciente e comunidade. Além disto, ocupei cargos de coordenação de Unidade Básica de
Saúde e coordenação de Vigilância Regional de Saúde. Estas diferentes inserções me
possibilitam olhar para o objeto temático a partir de várias perspectivas de análise, ainda
que ‘míopes’. Vale aqui ressaltar que realizar a análise sócio-histórica do objeto em
questão, é realizar a análise de minha própria (sobre) implicação, constituindo-se um
desafio para o presente estudo. Lourau (2004e) nos traz o debate da técnica de análise da
implicação, da qual trataremos adiante.
O município de Campinas (SP) tem um acúmulo histórico que o constitui
vanguarda nas políticas de saúde no Brasil e corroboram para criação de arcabouços legais,
devido sua inserção em movimentos da Reforma Sanitária no país. Algumas áreas
específicas da Vigilância em Saúde de Campinas têm sido objeto de alguns estudos
(BALISTA, 2013; 2008; VILELA, 2005 e NASCIMENTO, 2004), existindo, no entanto,
14
um vácuo em trabalhos que realizem uma análise de seu processo de institucionalização
como um todo, articulando ao contexto sócio- histórico nacional.
A partir de uma análise do processo de institucionalização da Vigilância em Saúde
no município de Campinas, objetivo principal deste estudo, constituiu-se um desafio pensar
na articulação e integração desta, com uma rede de serviços de saúde complexa, composta
por vários níveis de assistência, controle social além de outras instituições fora do setor da
saúde.
OBJETIVOS:
Geral
• Descrever e analisar o processo de institucionalização da Vigilância em Saúde em
Campinas enfocando nas estratégias de descentralização, na perspectiva da gestão
participativa e compartilhada.
Específicos
• Identificar a percepção que os sujeitos envolvidos têm sobre como se deu o
processo de institucionalização da Vigilância em Saúde em Campinas (SP):
evolução do modelo, participação dos trabalhadores, população e articulação inter e
intersetorial.
• Caracterizar as estratégias e dispositivos utilizados com potencialidade para
articular/ integrar a Vigilância em Saúde aos serviços de saúde e população.
A estruturação da pesquisa
A partir da relevância e motivação apontadas, relato como organizei meu
registro. Inicio com Minhas implicações e motivações, ressaltando o local de onde conto
essa certa história e reconhecendo as lacunas que não consegui preencher. No primeiro
capítulo, trago elementos para analisar o momento fundador da Vigilância, a partir da
Saúde Pública. A partir destes elementos, exponho a justificativa da escolha do tema,
minhas implicações e objetivos. Apresento o Referencial Teórico – a Análise Institucional
15
(Lourau) em sua vertente sócio-histórica (Savoye) e sua potência em descrever a
institucionalização da Vigilância, sua duração, temporalidade e historicidade. No Percurso
Metodológico, tomo como uma das referências Baremblitt e esclareço que conto a certa
história da Vigilância de Campinas partindo de um passado histórico que ainda está vivo no
presente e pode determinar ou está determinando o futuro. No segundo capítulo apresento
os núcleos específicos da Vigilância – Epidemiológica, Sanitária, Ambiental e Saúde do
Trabalhador – a partir de suas gêneses teórica, social e histórica. Faço ainda uma breve
discussão de sua inserção no atual contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). No terceiro
capítulo, explicito meus receios e constrangimentos em escrever acerca do tema, devido
implicações psicoafetiva, como também histórico/existencial e estrutural/profissional
(Barbier). Conto que foi durante o momento processual da restituição, que consegui
explicitar aos entrevistados esse meu sofrimento em escrever, fazendo minha análise de
implicação. Pedi ajuda poética para dar conta de escrever essa certa história com mais
leveza. No quarto capítulo faço uma periodização dos governos de Campinas e sua relação
com as mudanças de modelo de saúde e de Vigilância, mais especificamente, sem me
preocupar com a linearidade ou a cronologia dos acontecimentos. A periodização inicia em
1977 até dias 2013, considerando, no entanto, uma história contada por um dos
entrevistados que inicia em 1933 com a criação da Inspetoria Municipal Veterinária de
Campinas, por vislumbrar que tal história impactou diretamente nos anos seguintes. No
entanto, não aprofundo esse período. No quinto capítulo faço algumas reflexões a partir de
algumas categorias de análise, debatendo os achados durante a periodização, e em seguida
faço as Considerações Finais.
Esta pesquisa foi submetida à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da
PUCCAMP, conforme Parecer do CEP n° 236.337 e CAAE n° 14109413.6.0000.5481 de
02/04/13 (ANEXO 1)
16
REFERENCIAL TEÓRICO
O interesse em pesquisar a institucionalização da Vigilância em Saúde em
Campinas, nos moveu a utilizarmos o arcabouço teórico - metodológico da Análise
Institucional.
Segundo L’Abbate (2005, p. 237),
A Análise Institucional nasceu da articulação entre intervenção e pesquisa, entre
teoria e prática [...] tem por objetivo compreender uma determinada realidade
social e organizacional, a partir dos discursos e práticas dos seus sujeitos. [...]
utiliza-se de um método constituído de um conjunto articulado de conceitos,
dentre os quais [...] transversalidade, analisador e implicação, tendo como base
um conceito dialético de instituição. Grifos meus.
Segundo L’Abbate (2013) a Análise Institucional (AI), é “iniciada” na França, na
década de 1960 e no Brasil, na década de 1970, sendo indissociável das condições
histórico-sociais que a produziram3.
Destaco que essa especificidade da Análise Institucional em contestar o que está
instituído, e compreender a realidade a partir dos discursos e práticas dos sujeitos (p. 237)
foi bastante adequada para a análise do objeto dessa investigação, ou seja, o processo de
institucionalização da Vigilância, tanto em sua dimensão macro, relacionada à política de
saúde do estado brasileiro, como na dimensão micropolítica, referente à municipalização
e descentralização – princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) –, no cenário do
município de Campinas/SP.
De acordo com Lourau (1975, 2004), a Análise Institucional buscou inspiração, em
termos conceituais e estratégicos, em diversas correntes do pensamento: na Psicoterapia
Institucional, para elaborar o conceito de analisador e transversalidade; na Pedagogia
Institucional, o conceito de autogestão e na Psicossociologia, os conceitos de encomenda e
demanda.
3 Na França, a Análise Institucional surge em um contexto de fortes movimentos contestatórios, que
questionavam partidos de esquerda, hospitais psiquiátricos, escolas de nível médio, universidades e fábricas
(L’ABBATE, 2012, p. 195). Segundo Rodrigues (1994, 2000 e 2004), as instituições que estavam sendo
postas em xeque foram as instituições políticas, a psiquiatria, educação e trabalho. No Brasil foi difundida a
partir da década de 1970, e segundo L’Abbate (2012), em um contexto político de restrição das liberdades
civis e políticas.
17
O conceito instituição foi desenvolvido por Lourau, a partir de Hegel (1999)4 e
Castoriadis (1982)5 e sistematizado no livro “L’analyse institutionnelle”, publicado em
1970 na França e em 1975 no Brasil.
Esse conceito é considerado por Savoye (2007) como pivô para a Análise
Institucional (AI) ganhando um sentido dinâmico, uma vez que remete a um processo de
produção constante de novos modos de existência, de configuração das práticas sociais.
Destacamos a conceituação dada por Lourau, onde:
“Primeiro, as instituições são normas”. Mas elas incluem também a maneira
como os indivíduos concordam, ou não, em participar dessas mesmas normas.
As relações sociais reais, bem como as normas sociais, fazem parte do conceito
de instituição. Seu conteúdo é formado pela articulação entre a ação histórica
de indivíduos, grupos, coletividades, por um lado, e as normas sociais já
existentes, por outro. Segundo, a instituição não é um nível de organização
social (regras, leis) que atua a partir do exterior para regular a vida dos
grupos ou as condutas
dos indivíduos; atravessa todos os níveis dos conjuntos humanos e faz parte da
estrutura simbólica do grupo, do indivíduo. “Logo, pertence a todos os níveis
da análise: no nível individual, no da organização (hospital, escola, sindicato),
no grupo informal bem como no formal, encontramos a dimensão da
instituição. (2004a, p. 71).
Baremblitt (2012, p. 156-7) concorda com Lourau.
[...] toda instituição compreende um movimento que a gera: o instituinte; a um
resultado, o instituído; e um processo, a institucionalização.
O instituinte [...] é o processo mobilizado por forças produtivo-desejante-
revolucionárias, que tende a fundar instituições ou transformá-las, como parte
do devir das potências e materialidades sociais,
O instituído é o [...] resultado da ação instituinte [...] cumpre um papel
histórico importante porque vigora para ordenar as atividades essenciais para
a vida coletiva.
Lourau define três momentos da instituição. O momento do instituído, ou seja, do
que está posto e estabelecido, as normas, as leis, o que autor chamou de universal. O
momento instituinte, que por sua vez, exprime a particularidade, a negação do instituído,
do universal. Do resultado/relação entre estes dois momentos – instituído e instituinte –
surgem à institucionalização, ou seja, a singularidade.
4 Em Fenomenologia do Espírito (1999, p. 296), Hegel compara o movimento de afirmação/negação da
negação, ao botão que desaparece ao desabrochar da flor, e pode-se dizer que é resultado pela flor.
Igualmente, a flor se explica por meio do fruto como um falso existir da planta, e o fruto surgem em lugar da
flor como verdade da planta. Essas formas não apenas se distinguem, mas se repelem como incompatíveis
entre si. 5 Castoriadis a partir da análise sobre a auto alteração da sociedade, mediante a qual toda instituição social é o
resultado de um movimento dialético contínuo entre instituído/instituinte (L’ABBATE, 2005, p. 238).
18
De acordo com L’Abbate (2005, p. 238),
a novidade do conceito desenvolvido por Lourau é, de um lado, seu caráter dialético
e, de outro, a possibilidade de discuti-lo no interior de várias disciplinas e autores, da
filosofia do direito à sociologia positivista, da antropologia ao marxismo.
Optamos pelo referencial teórico da Análise Institucional em sua vertente sócio-
histórico (AI-SH), formulado por Savoye (1998, 2003, 2007), entendendo que tem a
potência de análise do momento fundador da instituição Vigilância, ou seja, sua missão,
seus objetivos, e seus movimentos instituinte posteriores que negavam esse momento
fundador em um movimento contínuo.
Para Savoye (2003, p. 134-5), a Análise Institucional sócio-histórica pode ter duas
abordagens:
[...] na primeira acepção, a sócio-histórica significa colocar em perspectiva histórica
uma “realidade” estudada em sua atualidade [...] realidade tangível (instituição,
fenômeno, acontecimento) ou abstrata (representação, noção, conceito, teoria) [...] –
Aspas do autor.
Segunda abordagem
[...] significa estudar realidades não contemporâneas, circunscritas no passado (e
consideradas nesse sentido, como longínquas, até mesmo “mortas”) [...] – Aspas do
autor.
Segundo L’Abbate (2013), as duas abordagens podem estar combinadas em uma
pesquisa, quando se busca a gênese histórica, social e teórica do fenômeno. Rodrigues
(2006, p.30) destaca que
[...] a gênese teórica de conceitos e dispositivos institucionalistas se vê posta em
permanente interferência com sua gênese sócio-histórica.
Sól (2011; 2013) utilizou-se dessa vertente ao analisar três programas de
residência em Medicina Geral Comunitária6: dois em Porto Alegre (RS) e um em Mariana
(MG), contribuindo assim para uma reflexão acerca das gêneses histórica, social e teórica
desses projetos, gêneses que, de acordo com Savoye (2003, p. 2), constituem uma
conjugação "de fatores de natureza política, social e institucional que presidem à
emergência da nova práxis cognitiva".
6Segundo Campos (1987, p. 50), a [...] medicina comunitária é modelo assistencial importado no inicio dos
anos setenta e que propunha a incorporação da assistência médica individual aos tradicionais centros de
saúde, objetivando, particularmente, o atendimento de populações colocadas à margem dos serviços
previdenciários [...].
19
Este autor, afirma, baseado em Savoye (1988, 2003 e 2007) que a Análise
Institucional sócio-histórica “mostrou-se a mais indicada [para a análise do seu objeto de
estudo], pois se fundamenta na ampliação do conhecimento acerca de fatos passados,
mas que ainda possuem repercussão no presente (Sól, 2013, p.182). Esta consideração,
sem dúvida, demonstra a utilidade dessa abordagem para a análise das conjunturas,
rupturas, contradições que definiram a Vigilância em Saúde no Brasil, mais
especificamente no município de Campinas (SP).
Nesse estudo, buscamos realizar um diálogo constante entre o processo de
institucionalização da Vigilância desde os primórdios da Saúde Pública e o processo de
constituição do sistema de saúde nacional e especificamente em Campinas. Essae diálogo
trouxe um movimento teórico e sócio-histórico no sentido de compreender como se
constituiu essee processo.
Consideramos a Vigilância em Saúde como uma instituição, pois é composta por
normas, protocolos, legislações, saberes e práticas hegemônicas, construídas e reconhecidas
como verdades e que, de tempos em tempos, são questionadas, atualizando-se.
Olhar para os processos de institucionalização (terceiro momento do conceito de
instituição) é olhar para um processo que se desdobra no tempo e só é perfeitamente
compreensível mediante a reconstituição de seu desenvolvimento diacrônico. A ideia de
institucionalização, portanto, implica raciocinar em termos de duração, temporalidade e
historicidade (SAVOYE, 2007, p. 181).
À luz do referencial teórico da AI-SH, Savoye (2007) nos traz ainda.
[...] dois tipos de institucionalização, correspondentes a dois momentos históricos da
instituição. Quando esta se constitui
Originalmente, pode-se falar em institucionalização fundadora (IF), processo pelo qual
a instituição toma forma, ao mesmo tempo em que cria as condições para sua
perpetuação. Mas estando a instituição fundada, ela é sede de uma dialética entre um
instituído (por mais novo e inédito que seja) e um instituinte (isto é, uma negatividade
que o contesta), dialética que se resolve num processo de institucionalização. Pode-se
então falar de institucionalização ordinária (ou permanente). Esta não é da mesma
natureza que a IF e não colocam radicalmente em questão os fundamentos da
instituição; simplesmente a transforma, infletindo suas orientações, remanejando seu
funcionamento, modificando sua composição social. (p. 5 - 6)
A Vigilância em Saúde tem constantes movimentos de mudanças e transformações
que constituem o instituinte (forças de subversão e de mudança), em confronto
20
permanente com o instituído (o que se procura manter), possuindo, segundo Lourau
(1993) uma dinâmica contraditória.
Segundo Abrahão (2013)
[...] cada Instituição acolhe um tipo de discurso7 sendo verdadeiro [...]
discurso escolhido e construído, não está isento de interesses políticos,
econômicos ou de outras ordens, que se inserem nos argumentos de defesa da
Instituição [...] há várias instituições em ato (p. 317-8).
Concordamos com o pressuposto defendido por Lourau (1993, p. 9) de que todas
as ciências estão baseadas na noção de implicação e desimplicação, não havendo
neutralidade do sujeito e, portanto, utilizaremos outro conceito da Análise Institucional,
buscando explicitar o lugar de onde falamos e de onde falaram os entrevistados: o
conceito de implicação.
Segundo Lourau (2004c) a implicação [...] é um nó de relações; não é ‘boa’ (uso
voluntarista) nem ‘má’ (uso jurídico-policialesco) [...] (p. 190) Guillier (2003) lembra
também que o conceito de implicação guarda alguma relação com o conceito de
contratransferência institucional utilizado por alguns psiquiatras no âmbito da Psicoterapia
Institucional.
Para Passos & Barros, (2000, p. 73), a implicação
[...] não é uma questão de vontade [...] de decisão consciente de ligar-se a um
processo de trabalho. Ele inclui [...] uma análise do sistema de lugares que se
ocupa, que se busca ocupar, e do que lhe é designado ocupar, com os riscos
que isto implica.
Barbier (1985) realizou um recorte do conceito implicação em três níveis em que
ela ocorre, porém articulados entre si: a implicação psicoafetiva, a histórico-existencial e
a estrutural-profissional, ou seja
[...] engajamento pessoal e coletivo do pesquisador em e por sua práxis
científica, em função de sua história familiar e libidinal, de suas posições
passadas e atuais nas relações de produção e de classe, e de seu projeto sócio-
político em ato, de tal modo que o investimento que resulte inevitavelmente de
tudo isso seja parte integrante e dinâmica de toda atividade de conhecimento.
(p. 120)
7 Aqui nos identificamos com Marilena Chauí que denomina discurso ideológico, e que é aquele
cuja força reside em ocultar parte do argumento e produzir lacunas (Chauí, 1988). E complementa
O discurso ideológico é coerente e racional porque entre suas “partes” ou entre suas “frases” há
“brancos” ou “vazios” responsáveis pela coerência. “Assim, ela é coerente não apesar das lacunas,
mas por causa ou graças às lacunas” (p.45).
21
Lourau, (2004d, p. 255-56) distingue, esquematicamente, duas dimensões
principais da implicação, cada uma comportando algumas subdivisões, a saber
[...] Implicações primárias: 1) implicação do pesquisador-praticamente com o
seu objeto de pesquisa/intervenção; 2) implicação na instituição de pesquisa
ou outra instituição de pertencimento [...] 3) implicação na encomenda social e
nas demandas sociais. ((Implicações secundárias: 4) implicações sociais
históricas, dos modelos utilizados (implicações epistemológicas); 5)
implicações na escritura ou qualquer meio que sirva à exposição da pesquisa.
Grifos meus.
Dessa forma, é fundamental o que Lourau (1993, p. 36) chama de análise de
implicação, que além de ser o cerne do trabalho socioanálitico, segundo o autor, não
consiste somente em analisar os outros, mas em analisar a si mesmo a todo o momento.
Concordamos com o autor e julgamos fundamental essa análise da implicação
devido retomar a discussão do lugar ocupado pelo pesquisador diante do objeto de
investigação. Especificamente para mim, essa análise consiste um desafio à zona de
cegueira que se apresenta a partir de minha sobreimplicação8 com o tema e enquanto
pesquisadora que está inserida no campo a ser investigado.
Destacando Pezzato (2009, p. 69)
[...] é muito comum quando um pesquisador que possui um vínculo muito forte
com a instituição na qual a pesquisa irá se realizar influenciar-se no momento
da análise e esta sobreimplicação impedi-lo de ver algumas coisas [...].
Ademais, os lugares ocupados pelos entrevistados – gestores e trabalhadores, tanto
da Vigilância como dos serviços de saúde precisaram ser analisados, visto a
sobreimplicação com o tema, ora por terem sido referência para os processos estruturais
de municipalização ou descentralização, ora por terem executado as ações que esses
processos exigiram.
Colocar em análise o lugar que ocupamos, nossas práticas de saber-poder é a
recusa da neutralidade do analista/pesquisador, procurando romper com as barreiras entre
sujeito que conhece e objeto a ser conhecido.
Conforme afirma Savoye (2007, p. 147)
8 Com o passar do tempo, devido aos inúmeros mal entendidos e modismos relacionados ao conceito
implicação, Lourau retoma o conceito, desenvolve os conceitos de “desimplicação e sobreimplicação”.
(LOURAU 2004c; 2004 d).
22
[...] a análise da implicação supõe interrogar igualmente as condições
sociais, políticas e institucionais que geram uma pesquisa, as modalidades
concretas segundo as quais se efetua, assim como o alcance científico e prático
de seus resultados.
Outro conceito fundamental que nos subsidiará nas análises dessas implicações, é
o conceito de analisador. Segundo Lourau (2004b, p.132), analisadores são
... acontecimentos ou fenômenos reveladores e ao mesmo tempo
catalisadores, produtos de uma situação, que agem sobre ela.
... analisador àquilo que permite revelar a estrutura da organização,
provocá-la, forçá-la a falar (LOURAU, 1993p. 284).
L’Abbate (2004, p. 82) referencia o conceito de analisador, criado por Felix
Guattari como
[...] uma verdadeira inversão epistemológica, pois produzem uma união entre
a análise e o fenômeno que a engendra, provocando uma inversão da relação
entre o objeto real e o objeto de conhecimento, na medida em que eles não são
considerados como entidades separadas.
Ainda segundo Lourau (1994, p. 284) os analisadores revelam a “estrutura da
organização” e provocam a instituição a “falar”, possibilitando o desvelamento do
“como” se deu seu sua construção sócia histórica, além de demonstrar as implicações dos
sujeitos envolvidos no processo.
Acerca do efeito do analisador, L’Abbate (2013, p. 325) refere
[...] sempre revelar algo que permanecia escondido, de desorganizar o que
estava de certa forma organizada, de dar um sentido diferente a fatos já
conhecidos [...].
Para Baremblitt (2002, p. 135), os analisadores podem ser divididos em dois tipos:
[...] os analisadores artificiais ou construídos, que são dispositivos inventados e implantados pelos analistas institucionais para propiciarem a
explicitação dos conflitos e sua resolução. Para tal fim, pode-se valer de
qualquer recurso (procedimentos artísticos, políticos, dramáticos, científicos
etc.), qualquer montagem que torne manifesto o jogo de forças, os desejos,
interesses e fantasmas dos segmentos organizacionais.
[...] e os analisadores "espontâneos" ou "naturais”, [...] produzidos
espontaneamente pela própria vida histórico-social-libidinal e natural, como
resultado de suas determinações e da sua margem de liberdade. Grifos meus.
Nessa investigação utilizamos o analisador natural para a contextualização dos
acontecimentos, [...] resultante de toda uma série de forças contraditórias que se articulam
23
nesse fenômeno que aparece. Cabe destacar que são ‘naturais’ porque não foram fabricados
por um interventor institucional. (BAREMBLITT, 1998, p. 114).
24
PERCURSO METODOLÓGICO
Contar certa história pressupõe partir de algum lugar no passado. Quando inicio
esta pesquisa, o faço por ter sentido alguns incômodos, relacionados a questionamentos que
fazia em relação ao modelo de Vigilância de Campinas. Daí queria escrever. Mas não
queria escrever qualquer história. Queria escrever minha certa história, e me inspirei em
Rubem Alves – “Ostra feliz não faz pérola” e afirmo que esta “certa história” foi escrita a
partir das “areias pontudas que me machucaram”.
Julgo, no entanto, importante diferenciar História de Historiografia. Para tal, me
reporto a Baremblitt (2012, p. 37) que afirma
[...] A historiografia é o registro dos fatos históricos que a gente encontra nos
arquivos e, geralmente, é uma versão que foi conservada e foi publicada porque
coincide com os interesses do Estado, das classes dominantes, do instituído e do
organizado, que têm recursos para resgatar e promover estes documentos [...]
registram aquilo que lhes convém [...] é apenas uma versão tão interesseira, tão
tendenciosa quanto qualquer outra, mas aparece como descritiva como
meramente narrativa [...] História é um processo de conhecimento que pretende
reconstruir os acontecimentos nos tempos, mas que o faz assumindo que
qualquer reconstrução é feita desde uma perspectiva, que qualquer registro
inclui os desejos, os interesses, as tendências de quem faz a História [...]. Grifos
meus.
Baremblitt trata do significado do termo “história” para o Institucionalismo, ou seja,
[...] História não é, apenas, a reconstrução do que já aconteceu e que já está de
alguma maneira, morto, obsoleto, definido [...] consiste em uma localização
daquilo que, de alguma forma começou, teve início em um passado [...] enquanto
ele está vivo no presente, enquanto ele está atuante e pode determinar ou já está
determinando o futuro (p.38)
Apesar do desejo de partir de vários lugares, é importante que se delimite que esta
certa história partiu de certo lugar no passado que inclui o meu presente e vislumbra o
futuro – lugar este o qual estou envolvida com meus interesses e paixões. Por isto, cabe
aqui reforçar que não é o único lugar do qual se pode partir para contar esta história. Há
outros tantos certos lugares para se contar essa história, e [...] não significa que este seja o
único tempo em que se transcorreram todos os processos. (BAREMBLITT, 2012, p. 38).
Assim sendo, essa pesquisa não poderia deixar de ter natureza qualitativa, teórico e
empírico, pois tomou como pressupostos o objeto, as questões e os objetivos da
25
investigação, influenciados pela posição do pesquisador, sua opção metodológica e a
historicidade do objeto do conhecimento (MINAYO, 2007).
Em relação a essa posição que ocupo e minha opção metodológica, ouso dialogar
com Fernando Pessoa – por Alberto Caeiro – O Guardador de Rebanhos,
Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver no Universo...Por isso a minha
aldeia é grande como outra qualquer. Porque eu sou do tamanho do que vejo e
não do tamanho da minha altura [...].
Ao procurar documentos relacionados à história da Vigilância, no Centro de
Documentação (CEDOC) da Secretaria de Saúde de Campinas, deparei-me com uma
escassez destes de registros. Isto me causou estranhamento, pela minha vivência na rede de
saúde de Campinas e a percepção de que muita coisa aconteceu na Vigilância de Campinas.
Não obstante tal dificuldade inicial, os entrevistados foram me cedendo alguns
documentos os quais associei aos meus próprios registros enquanto estive na coordenação
da VISA Sudoeste.
Pela escassez de documentos encontrada, foram selecionados nomes de pessoas
consideradas como “chave” na constituição dessa história instituída. Essas pessoas foram
selecionadas a partir de uma trajetória e posição que ocupavam ante a instituição: ex-
secretários de saúde, diretores departamentais da Vigilância, referências técnicas da
Vigilância em nível central (município e estado).
Estas entrevistas foram consideradas como “disparadoras” e resgataram o percurso
sócio-histórico instituído, dada à relevância do lugar institucional que ocuparam (ocupam)
os entrevistados.
L’Abbate (2010, p. 45), ao realizar suas entrevistas para o doutorado, utilizou-se
também dessa estratégia e afirma que
[...] entrevistas com representantes [...] escolhidos [...] a partir da relevância do
seu papel no processo histórico [...] á época, esses sujeitos eram porta-vozes dos
diferentes discursos que justificavam e interpretavam as práticas [...]
Não obstante a importância das entrevistas disparadoras, o fato de eu ter sido
auxiliar de saúde pública e vivenciado outra certa história relacionada à Vigilância,
mobilizou-me um sentimento de exclusão da história contada. Assim sendo, autorizei-me
escolher outros sujeitos chave para contar outras certas histórias, permitindo a reconstrução
a partir de outros lugares ocupados. A escolha dos sujeitos estarem inseridos no Distrito
26
Sudoeste foi pela facilidade de ser o Distrito onde trabalhei durante o período que fiz a
pesquisa.
Sendo assim, selecionei antigos auxiliares de saúde pública, enfermeiros, um
engenheiro, um visitador sanitário que vivenciaram os processos iniciais de
municipalização, descentralização e regionalização da Vigilância em Campinas a partir de
outros lugares de inserção. Também selecionei trabalhadores – Vigilância e Assistência –
que vivenciaram o período pós-municipalização e descentralização, para contar outra certa
história mais recente da Vigilância.
Reconheço o limite de não ter dado conta de mapear todos os sujeitos envolvidos
neste processo de institucionalização da Vigilância em Saúde de Campinas, que contariam
outras certas histórias igualmente importantes. A despeito do limite desta pesquisa, trato
esta incompletude como fato motivador para que surjam novos trabalhos com novas certas
histórias (GARCIA, 2009, p. 138).
Certa história não contada ainda? De certa forma sim, visto que eram contadas nos
corredores, mas não escritas, segundo os próprios entrevistados,
[...] e aqui você de alguma certa forma tá fazendo isto, contando e escrevendo
esta história, eu agradeço e acho que esta história tem que ser dita sim;
[...] eu sinto a vontade de falar e aproveito esta oportunidade que você está
registrando isto na história;
[...] escreve isto aí, Rosana [...].
[...] não se esquece de escrever isto [...]
[...] Penso que ao final somos todos autores desta história.
[...] indiretamente sou coautora do trabalho. Grifos meus.
27
Quadro 1: Entrevistados: formação e inserção na PMC
Formação Inserção PMC
GESTÃO – Departamento de Vigilância
Enfermeira GMVE/DCMA/ COVISA /DEVISA 1987
Enfermeira VE (DCMA, VISA-SAR, COVISA e
DEVISA)
1988
Médico (CVE/DCMA/COVISA) 1978
(Estado/Município)
Médico Veterinário (SFSAP/ DCMA/COVISA) 1979
Enfermeira (CCD,CVE, COVISA) 1986
(municipalizada)
Farmacêutico (DCMA, VISA -SAR, COVISA,
DEVISA)
1992
GESTOR – Departamento de Saúde
Médica (Secretária de Saúde) – 1993 Pesquisadora
UNICAMP
Médico (Secretário de Saúde) -1989 e 2001 Docente
UNICAMP
Farmacêutica (Diretora Distrital) 2001
Médica (Coord. Laboratório Municipal) 2001
TRABALHADOR – Vigilância em Saúde
Farmacêutico (VISA) 2003
Visitador Sanitário (CS Faria LIMA/
CRST/CEREST/VISA)
1983
(municipalizado)
Enfermeiro (VISA) 2000
Enfermeiro (VISA) 2000
TRABALHADOR: Unidade Básica de Saúde
Enfermeira de Equipe de Referência UBS 1990
Auxiliar de Enfermagem UBS (ex auxiliar de saúde) 1985
Auxiliar de Enfermagem UBS (ex auxiliar de saúde) 1980 e 1985
Todos os entrevistados receberam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecidas
(TCLE) autorizando as entrevistas (ANEXO 2).
As entrevistas foram semiestruturadas, tendo um roteiro como eixo condutor
(ANEXO 3), dando liberdade aos entrevistados para incluírem informações que julgassem
relevantes. Por julgar embaraçoso entrevistar algumas pessoas por estarem próximas de
mim (cargo), contratei uma entrevistadora e algumas entrevistas foram feitas por ela, e a
maioria feita por mim mesma, com autorização dos entrevistados.
28
A maior parte das entrevistas foi gravada e após as transcrições, todas foram
devolvidas para os entrevistados, para que acrescentassem ou excluíssem alguma
informação que julgassem relevantes ou não relevantes.
Para registrar aqui os depoimentos contidos nas entrevistas utilizei-me da fonte
itálica, e para os registros de fragmentos teóricos encontrados em livros, periódicos e
similares utilizei fonte comum. Esta descrição mais pormenorizada foi feita por L’Abbate
(2012) e optei por seguir a metodologia descrita pela autora.
[...] O sinal [...] significa que houve interrupção do discurso. Palavras ou frases
entre parênteses em letra comum são explicações da autora ou ligação entre
palavras dos entrevistados. A transcrição das falas foi a mais fiel possível, mas,
em várias ocasiões, foram retiradas as expressões com “né” “tá” e outras
semelhantes. Os trechos sublinhados correspondem, em sua maioria, a ênfase do
entrevistado (a). Os grifos da autora serão informados ao leitor [...].
Após elaborar um texto preliminar com base nas entrevistas e documentos
encontrados, chamei os entrevistados um momento de restituição, o qual foi planejado para
ocorrer em uma oficina. Os presentes, no entanto, solicitaram um segundo encontro para
[...] diálogos das várias implicações em jogo, que se reconhecerão dando
sentidos entre si, mesmo que se oponham, posicionando-se no espaço público
quanto a este processo de validação do saber e de suas consequências (MERHY,
2002, p. 6).
Com base nos documentos, entrevistas e nas oficinas de restituição, escrevi certa
história da Vigilância de Campinas a partir do que L’Abbate (2005) chamou de análise de
papel. A autora esclarece que esse é um momento no qual o pesquisador se debruça sobre o
material empírico constituído de documentos, observações e entrevistas (p. 237).
A partir dessas histórias, construí um dialogo com as políticas de saúde nos
governos que assumiram Campinas, a partir de 1977 até primeiros meses de 2013. Para tal,
utilizei-me do que Savoye (2007, p. 187-8; 93) chamou de “periodização”
[...] um instrumento indispensável para delimitar com maior precisão as fases da
institucionalização, seus momentos decisivos e suas inflexões [...].
[...] Por periodização deve-se entender uma operação essencial que torna
inteligível uma sequência histórica, rompendo a linearidade da cronologia dos
acontecimentos mediante a construção de períodos segundo critérios derivados
da problemática geral da pesquisa.
Essa periodização foi realizada a partir da inserção dos diferentes governos que
assumiram a Prefeitura de Campinas, iniciando em 1977 até dias 2013, por entendermos
que a cada troca de administração municipal, mudanças eram impostas não somente no
29
setor saúde, mas em outras áreas, para imprimir a marca de cada governo.
Não desconsiderei, no entanto, a certa história trazida por um dos entrevistados, ao
me apresentar o Decreto que criou a Inspetoria Municipal de Veterinária (1934) e outros
marcos importantes que dialogam com a Vigilância de Alimentos. Por isto faço um breve
percurso nessa certa história, sem ater-me em analisa-la.
Autorizei-me, no entanto, a fazer movimentos de “ir e vir” em alguns momentos, e
não fiquei preocupada com a linearidade das certas histórias contadas. Concordamos com
Baremblitt (2012p. 39,) que afirma que
[...] não existe uma progressão predeterminada das etapas históricas [...] o que
se repete na História é a diferença, é o acaso, é o inesperado, o acontecimento, o
imprevisível, o aleatório. [...]. Grifos meus.
Os períodos utilizados foram:
Data Governo
1977 a 1982 Prefeito: Francisco Amaral (1° mandato)
1983 a 1988 Prefeito: Magalhães Teixeira (1° mandato)
1989 a 1993 Prefeito: Jacó Bittar
1992 a 1996 Prefeito: Magalhães Teixeira (2° mandato)
Assume o vice-prefeito: Edivaldo Orsi
1997 a 2000 Prefeito: Francisco Amaral (2° mandato)
Assume o vice: José Nassif Mokarzel (final do mandato)
2001 a 2004 Prefeito: Antonio da Costa Santos (Toninho) - assassinado
Assume vice-prefeita Izalene Tiene
2005 a 2008 Prefeito: Dr. Hélio de Oliveira Santos ( 1° mandato)
2009 a 2012 Prefeito Dr. Hélio (2° mandato) - cassado em 2011
Assume o vice-prefeito: Demétrio Vilagra - afastado do
cargo
Assume o Presidente da Câmara Municipal: Dr. Pedro
Serafim Junior.
2013 Prefeito Jonas Donizete (dias atuais)
A despeito de tal periodização, não desconsiderei certa história contada por um dos
entrevistados que data de 1930, quando inicia a Inspetoria Municipal Veterinária (IMV),
entendendo que esta história ilumina e dialoga com nosso objeto de estudo no presente.
Ao descrever o processo de institucionalização da Vigilância, busquei um diálogo
30
contínuo com as políticas de saúde do município, nos diferentes governos e ousei trabalhar
com o
[...] passado que está composto por uma série de potencialidades que o presente
ativa, que o presente ilumina, que o presente deflagra [...] o presente que
explora, que aproveita que atualiza as potencialidades do passado para construir
um porvir (BAREMBLITT, 2012, p. 38-9)
Nesta perspectiva, com finalidades também metodológicas, construí algumas
categorias que dialogaram com o passado, composto por potencialidades que se ativam no
presente, iluminando-o e explorando-o, a saber:
1. A Vigilância em Saúde: sua história e processos de mudança
2. A Vigilância e ações articuladas e integradas (intra e
intersetorialmente): limites e possibilidades
3. Estratégias e ferramentas adotadas para fazer Vigilância
4. Mudança do modelo de Vigilância nos dias atuais
5. A participação dos trabalhadores e da sociedade
6. Desafios atuais para a Vigilância no atual contexto do SUS
31
CAPÍTULO 2: ANALISANDO AS IMPLICAÇÕES
O ato criador que, segundo Rubem Alves “surge sempre de uma dor” e que é
caracterizado pelo grande escritor como não necessariamente uma dor doída, mas podendo
ser uma coceira que tem o nome de curiosidade, pode, algumas vezes, causar embaraços,
constrangimentos e dificuldades. Isto porque criar é nos autorizarmos a inventar, desafiar o
novo, o não conhecido. Então, criar, é nos submeter a achados não esperados. É a partir
destes achados não esperados, que inicio o resultado e as análises desta pesquisa.
2.1 Durante as entrevistas
Durante as entrevistas tive a percepção de grande sofrimento durante a fala,
momentos de lágrimas, olhares parados fixando o horizonte, muitas hesitações, rupturas nas
frases, demonstrando que contar esta história foi como relembrar o complexo jogo de
interesses e poderes envolvidos no tema. Implicações psicoafetivas e estrutural –
profissional.
Durante as entrevistas me tocou que algumas denúncias tardias eram trazidas
com certos pudores, ou seja, falas entrecortadas, cuidadosas, muitas pausas, e até a
encomenda de que eu zelasse pela forma como eu escreveria alguns depoimentos.
O primeiro dos “embaraços” que tive, foi quando levei a entrevistadora –
também profissional de saúde - até um Centro de Saúde onde seriam entrevistadas duas
pessoas. Ao chegar ao local, apresentei-a para as entrevistadas que foram naturalmente nos
convidando a entrar em uma sala, sentando-se juntas (as duas entrevistadas) e quando falei
em sair, elas disseram que “não viam motivo para tal”.
Fiquei desconcertada com a situação, e sem saber ao certo como proceder,
perguntei se não queriam fazer as entrevistas separadamente, garantindo a privacidade da
fala de cada uma. Sem qualquer constrangimento disseram que não, que estavam tranquilas
com relação a isto. Mantive a formalidade: apresentei a pesquisa, entreguei os termos de
consentimento, solicitei permissão para gravar, e o momento foi conduzido pelas
entrevistadas. Este constrangimento pode ser explicado pelo distanciamento exigido nas
pesquisas científicas e exercitar a ‘permissão’ de nos inserir no processo leva a tais
constrangimentos, que devem ser explicitados e discutidos.
32
Pareceu-nos – a mim e a entrevistadora -, que nos esperavam para um “bate-
papo” agradável, relembrando suas “certas histórias”. A “entrevista” acabou sendo
realizada “em pequeno grupo” (quatro pessoas, sendo duas entrevistadas e duas
entrevistadoras), onde as entrevistadas dialogavam entre si, dizendo: “lembra, fulana, que
ano mesmo foi ?” e cortando a fala uma da outra dizendo “espera, isto foi depois, antes veio
...”.
Ao sairmos da “entrevista”, eu e a entrevistadora comentamos sobre o ocorrido,
sem saber ao certo como transcreveríamos. Rimos. Isto reforça o quanto somos (estamos)
despreparados para sermos sujeitos e objetos a ser pesquisado. Optamos por uma
transcrição única, a qual foi lida pelas duas entrevistadas, e acrescentados alguns
comentários.
2.2 Restituição: minhas dificuldades em compartilhar e registrar alguns depoimentos
e contar a certa história a partir de certo lugar
Alguns depoimentos durante as entrevistas me causaram constrangimentos.
Constrangimentos pelo fato de perceber em algumas falas, denúncias institucionais.
Senti a dificuldade referida por Pezzato (2009) em relação a ser pesquisadora e
ocupar o cargo de coordenação da Vigilância em Saúde do Distrito Sudoeste de Campinas,
e ser influenciada no momento da análise, não enxergando algumas coisas devido a essa
(sobre) implicação estrutural/profissional (BARBIER, 1985). Tive receios até se deveria
registrar alguns depoimentos, evitando o que Lourau (1993, p. 52) chamou de denúncias de
outrem,
[...] não cair na denúncia meramente recriminatória [...] indiscrição, a acusação
revanchista, as denúncias impotetizantes, as alianças espúrias e, até, irrefletidas
[...] deve-se enunciar “coisas”, e não denunciar outrem. Minha implicação.
Alguns passos metodológicos foram essenciais no sentido de compartilhar essa
responsabilidade na escrita final. Tive o cuidado de transcrever as entrevistas realizar um
processo de restituição dinâmico, ora devolvendo as transcrições para os entrevistados
excluírem ou acrescentarem “coisas”, ora me reportando diretamente a eles, tirando dúvidas
das falas. E assim a restituição foi se processando, com os entrevistados escrevendo comigo
o texto.
33
Também propus uma oficina com os entrevistados, para debater os alguns
achados durante as entrevistas, e colocar meu “eu implicado” enquanto pesquisadora
inserida no campo de análise onde circunstancialmente também exercia a gestão. Na
verdade ocorreram duas oficinas, mais a frente trato disso.
Durante todo o processo das entrevistas e o que estas enunciavam
(denunciavam), travei uma luta interna, sentindo muita dificuldade em escrever devido
minha (sobre)implicação. Tive a certeza da necessidade de analisar essa implicação para
desatar os nós que me dificultavam escrever.
Busquei então, ajudas poéticas, dentre elas a de Rubem Alves, metaforizando o
momento de sofrimento em relação a como escrever: uma areia pontuda que me machuca,
como refere Rubem Alves, e que por vezes me imobilizou de criar.
A areia pontuda que me machucava – minhas (sobre) implicações - era (é)
fruto de [...] um processo político, econômico, social, etnológico, heterogêneo e que deve
ser examinado em todas suas dimensões [...], segundo Baremblitt (2012, p. 136). Assim
sendo, a análise de minhas implicações foi essencial para a compreensão dessas dimensões
interpenetradas e interagindo com minha “certa história”.
Fui então, para a oficina de restituição com os entrevistados. A proposta inicial
era a realização de uma oficina que ocorreu em 10 de abril de 2014. O contexto na cidade
era muito adverso, pois vivenciávamos uma grande epidemia de Dengue o que restringiu a
presença de alguns entrevistados que gostariam de participar e justificaram ausência.
Apesar do contexto adverso, os presentes solicitaram outro encontro para ampliar o debate
iniciado. O segundo encontro ocorreu em 08 de maio de 2014.
O convite foi realizado formalmente (ANEXO 5 e 6) aos entrevistados e o local
escolhido foi o CETS, pensando na proximidade do local, e garantindo a privacidade nas
discussões. A orientadora da pesquisa esteve presente, fato esse que foi considerado por
alguns, como um “motivador” para a presença, além do simbólico explicitado por outros,
relacionados à “valorização da Universidade em relação à Vigilância”.
Já na primeira oficina, compartilhei meus receios em relação à escrita dos
achados nas entrevistas. Falei acerca de minha preocupação, que me capturou e quase me
imobilizou em escrever. Citei fragmentos das entrevistas, os quais me tocaram e me (i)
mobilizaram no processo de escrita.
34
[...] Vigilância que corre atrás do leite derramado,
[...] Vigilância como DNA separado do SUS,
[...] Vigilância que discute muito e quem decide são sempre as mesmas pessoas,
[...] descentralização desrespeitosa e irresponsável,
[...] sentimento de invisibilidade da Vigilância, de não conseguir espaços nos
debates políticos
Esse momento foi interessante, pois abriu meu olhar para enxergar e perceber
outras (sobre) implicações, desta feita dos entrevistados. .
Conforme escrevi em um capítulo de livro que conta parte de minha dissertação
de mestrado
Meu desafio [...] fazer um movimento que ousasse ir além das formas,
explorando o entre, o além, e o através [...] precisei colocar-me em análise como
pesquisadora implicada [...] (GARCIA & CARVALHO, 2009, p. 220).
Lembrei-me das três dimensões descritas por Barbier (1985): dimensão
psicoafetiva, a dimensão histórica/existencial e a dimensão estrutural/profissional. É fato
que essas dimensões se interpenetram a todo o momento, em um processo dinâmico.
Minha implicação psicoafetiva, me aproximava de sujeitos e não me permitia escrever
acerca de “coisas” que pudessem feri-los, pelo carinho e respeito que tinha (tenho) por eles.
Mas percebi que eu escreveria acerca do que Lourau chamou de “coisas” e não de
“outrem”. Isso me tranquilizou.
Compartilhei com os participantes das oficinas o fato de ter me identificado
com as criticas feitas ao Modelo de Vigilância realizadas por alguns entrevistados. Ao
mesmo tempo em que queria escrever sobre isso, minha implicação estrutural/profissional
exigia uma lealdade institucional. Isso me cerceou a escrita até meu compartilhamento na
oficina de restituição, quando ouvi dos participantes que o dito nas entrevistas é público,
não é escondido, é conhecido. Apenas nunca foi escrito.
Historicamente vivi a municipalização e descentralização, e me senti importante
quando comecei a fazer vacina, por exemplo. Aprendi a fazer BCG! Por isto ouvir as
críticas quanto a esses movimentos, me incomodavam devido minha implicação
histórico/existencial. Mas isso não aconteceu só comigo.
Durante as entrevistas e nas discussões ocorridas nas oficinas de restituição, as
pessoas contavam como foi o movimento de descentralização e municipalização e traziam
35
suas implicações psicoafetivas: se emocionavam, choravam, contavam do entusiasmo e
efervescência que foi no momento.
Não obstante esse entusiasmo, ouvir o outro contando a mesma história a partir
do lugar de onde houve a execução direta dessa mudança, não contemplou tanto entusiasmo
e euforia. Alguns dos participantes da oficina de restituição verbalizaram sua preocupação
por nunca imaginar que alguém na rede de Campinas, pudesse falar que foram ações
impostas “goela abaixo”. Houve emoção nessa fala.
A descentralização e a municipalização foram projetos políticos importantes
para alguns entrevistados militantes nessa luta: foi um processo no qual algumas pessoas
vestiram a camisa e defenderam o processo, enquanto projeto ético/político. E a fala de
outro dizendo: [...] só se foi para você que estava ‘lá em cima’, por que para nós foi muito
tenso e gerou muita insegurança.[...], causou silêncios e troca de olhares, que também
enunciavam “coisas”.
Igualmente interessante foi a polêmica que causou a discussão relacionada a um
depoimento de um entrevistado que afirmou que a Vigilância tem DNA próprio e por isso
fica a parte do SUS. Como dizem popularmente: “pintou um clima” no grupo, nesse
momento. Eu, que vim de um lugar de muitas críticas ao modelo de Vigilância que não se
articulava aos serviços, me senti contemplada nesse depoimento acerca do DNA próprio.
Meu receio, no entanto, era quanto a registrar ou não essa fala, e se registrar
como o fazer para não cair na [...] mera indiscrição, acusação revanchista, denúncia
impotetizante, alianças espúrias e, até irrefletidas [...] (LOURAU, 1993, p. 52). Não
houve estranhamento pela maioria dos presentes na oficina, quanto a esse depoimento, mas
houve posicionamentos de defesa do modelo, demonstrando a implicação estrutural-
profissional dos envolvidos, referindo até possibilidades da mutação genética em relação ao
processo de mudanças na Vigilância.
Por fim, a oficina de restituição foi importante para que os presentes se
colocassem em análise. Explicitamos nossos “nós” (sobre) implicados e me senti autorizada
a escrever sobre as questões que, inicialmente foram por mim consideradas como
constrangedoras.
Não obstante a afirmação do grupo de que eu estava autorizada a escrever, e de
que a dificuldade que eu sentia era analisada pelos participantes como maior em mim
36
mesma do que em quem falou, não me esquecia de que alguns depoimentos foram
literalmente confidenciados na perspectiva de que eu saberia como fazer para escrever
sobre o que foi dito. Então, penso que minha dificuldade em escrever não se deu por acaso.
Alguns desabafos e indignações vivenciadas durante as entrevistas terminavam
sempre com a encomenda,
[...] escreve isso aí, não esquece! Agradeço pela oportunidade de poder contar
isto, por que nunca tinha falado sobre esse meu sentimento [...]. Grifo meu.
Na segunda Oficina de Restituição (08/05/14), apesar da adversidade da
epidemia de dengue em Campinas, que novamente limitou a participação de alguns
entrevistados, dialogamos e (re) visitamos a história construída da Vigilância em Campinas,
reconhecendo os avanços e os limites. Uma das participantes da oficina disse
[...] hoje me sinto mais contemplada, mais próxima do diálogo do que
anteriormente (cita o ano)... hoje conversamos e ouvimos os diferentes lugares e
como aconteceu aquilo que tanto criticamos no nosso dia-a-dia”.
[...] Me vi em alguns trechos e pude identificar falas de outras pessoas da
vigilância. Acho que sou uma parte pequena de uma história que vem se
construindo ao longo de muitos anos. Grifos meus.
O questionário de avaliação das Oficinas (ANEXO 7) revelaram outros
sentimentos ainda não expressos, nem durante as entrevistas e nem durante os debates na
oficina. O primeiro deles é de que os participantes se viram como coautores e coprodutores
deste trabalho.
Além disso, o momento de debates possibilitados pelas duas Oficinas de
Restituição foi avaliado pelos participantes como,
[...] importante por que tive a oportunidade de ver a história contada pelos
diversos atores.
[...] um momento de oportunidade de falar sobre o tema dialogando com outros
atores do processo de construção do sistema de Vigilância Municipal.
[...] momento agradável, mas também surpreendente no sentido de ser revelador
dos motivos que originaram consequências vividas na atualidade [...].
Não obstante essas avaliações positivas, uma das participantes avaliou a oficina
de restituição como não contemplando uma discussão que ela esperava que fosse mais
ampliada e voltada para a história das periferias de Campinas.
37
Após os diálogos nas duas oficinas, e o resultado dos questionários de avaliação
das Oficinas, (re) visitei meus receios iniciais, e pude fazer novas reflexões poéticas,
identificando-me com o que escreve Clarice Lispector em Um sopro de vida (Pulsações),
Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no
que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes
submersas em profundidade do mar. Tenho medo da cilada das palavras:
as palavras escondem outras – quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra
lançada no poço fundo” (Grifo meu).
Por fim, autorizei-me a escrever, sem preocupações com a ordem cronológica
dos fatos9, visto que os documentos estavam dispersos, ora em um lugar, ora em outro.
Muitos sem data. Muitas lacunas que causaram não compreensão de alguns fatos que
narrei. Mas autorizei-me a viajar livremente, sem amarras com o início e o fim, mas
exercitando minha atenção ao percurso.
Desafiei minha zona de cegueira e assumi o limite de algumas lacunas e
ausências em minhas reflexões. Como escrevi em minha dissertação de Mestrado:
[...] me vi capturada por uma dada memória instituída, que não me permitia
vazar para novos territórios a serem descobertos. Não percebi isso, inicialmente.
Tive medo. Foi difícil dar conta disto. Mas ousei... Se não consegui, senti-me
satisfeita por ter tentado: continuarei ousando em outras descobertas e novas
viagens. (GARCIA, 2009, p. 137). Grifo da autora.
GARCIA (2009) descreve os cuidados que teve com capturas por definição
prévia de um caminho a chegar (pré-estabelecido). A autora refere que este rigor
metodológico – ideia de hodos meta10-, muitas vezes a tolheu de novos voos,
[...] Durante a viagem, no entanto, alguns acontecimentos produziram rupturas e
novas análises e fluxos provocando, assim, desvios na pesquisa. As mudanças
produzidas nas estratégias [...] não me permitiram a restrição a um método ‘a
priori’ [...] a viagem foi se construindo de forma “ad hoc” [...] (re) criação e
reinvenção metodológicas [...] (p. 104-5).
Utilizei-me de poemas em alguns momentos em que tive dificuldade em me
expressar e escrever. Solicitei ajuda poética e me permiti alçar voos
O problema do escrever: o escritor, como diz Proust, inventa na língua uma nova
língua, uma língua de algum modo estrangeira. Ela traz à luz novas potências
gramaticais e sintáticas. Arrasta a língua para fora de seus sulcos costumeiros,
leva-a a delirar. (DELEUZE, 1997, p. 9).
9 Segundo Chauí (1989), em grego, kronos significa tempo, donde cronologia - cronômetro, etc.; acronia
significa: sem tempo, ausência do tempo (p. 62). 10Segundo Garcia (2009, p. 104)) a tradução etimológica da palavra Método nos aponta para meta (alvo) e
hodos (caminho), ou seja, um caminho que antecede a meta.
39
CAPÍTULO 3: O PROCESSO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
VIGILÂNCIA NO BRASIL E SUA INSERÇÃO NO SUS
3.1 - A institucionalização da Vigilância Epidemiológica no Brasil
“O tempo rodou num instante...”
Roda Viva - Chico Buarque de Hollanda
Segundo Pimenta (1997), a Fisicatura-Mor, órgão de origem portuguesa e
composta por boticários, médicos, cirurgiões, parteiras, curandeiros e sangradores, era um
órgão do governo português que regulamentava as práticas de cura em todo o Império,
realizando, dentre outros a expedição de cartas e licenças até o ano de 1828, quando foram
extintos os cargos de Físico-Mor e Cirurgião-Mor do Império.
A partir deste momento de extinção e desautorização da Fisicatura-Mor, a
regulamentação das práticas terapêuticas fica a cargo da Câmara Municipal, sendo que essa
não emitiria novas autorizações e sim só autorizaria a prática dos agentes que já fossem
autorizados (PIMENTA, 1997).
No início do século XX (1902) quando eclodiu a epidemia de peste no Rio de
Janeiro, o Congresso Nacional impôs bases legais para a defesa sanitária, dentre elas a
imposição da notificação obrigatória dos casos de tifo, cólera, tuberculose e lepra. Segundo
Albuquerque (2002) a omissão desta notificação estariam sujeitas ao rigor do Código Penal,
podendo sofrer penalidades desde multas até prisão.
Em 1953 foi criado no Brasil o Ministério da Saúde, através do desdobramento do
então Ministério da Educação e Saúde em dois Ministérios: Saúde e Educação e Cultura.
Neste contexto histórico, já havia o Departamento Nacional de Saúde (DNS), estruturado
para atender aos importantes problemas da saúde (BRASIL, 1953).
No ano de 1956, surge o Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERu),
que tinha como finalidade organizar e executar os serviços de investigação e de combate à
malária, leishmaniose, doença de Chagas, peste, brucelose, febre amarela e outras endemias
existentes no país.
40
Serviços como o Instituto Oswaldo Cruz mantinham a missão de investigação,
pesquisa e produção de vacinas e a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) incumbia-se
da formação e aperfeiçoamento de pessoal e o antigo Serviço Especial de Saúde Pública
(SESP).
A necessidade de reduzir a morbimortalidade entre crianças e jovens e a
permanência de grandes epidemias, levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a
Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), a incentivarem a criação de Sistemas de
Vigilância Epidemiológica nos países em desenvolvimento. Foi o momento de criação da
Unidade de Vigilância Epidemiológica da Divisão de Doenças Transmissíveis da OMS,
ampliando as ações para um conjunto maior de doenças transmissíveis (BARRADAS,
1993; WALDMAN, 2012) e consagrando internacionalmente a designação de Vigilância
Epidemiológica (VE).
É inegável o fato que programas como o de erradicação da malária - na década de
50 e da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV) - 1966-1973-, são marcos de
institucionalização da Vigilância Epidemiológica no Brasil.
Cabe, no entanto, ressaltar que o desenvolvimento econômico da época - milagre
econômico -, [...] tornava evidente a debilidade da teoria que imaginava o
desaparecimento destes problemas como uma decorrência direta do crescimento
econômico [...], conforme refere Campos (1989, p. 90) além da preocupação restrita dos
problemas de saúde coletivos e dos meios para controlá-los, a saber:
[...] extensão dos programas materno-infantis, da cobertura vacinal, com a
produção e distribuição de imunobiológicos e fármacos [...} e a ênfase aos
subprogramas de controle da tuberculose, hanseníase, esquistossomose etc.,
medidas estas que objetivavam atenuar o peso que as doenças transmissíveis
ainda tinham na morbimortalidade brasileira” (p. 91).
Em 1963, em meio ao contexto sócio/ econômico de desigualdade social e
concentração de renda, ocorre um marco da história da saúde: a III Conferência Nacional
da Saúde (CNS), propondo, dentre outros, uma nova divisão das atribuições e
responsabilidades entre os níveis político-administrativos da Federação visando, sobretudo,
a municipalização.
Em 1964 há um golpe civil e militar e os militares assumem o governo e é
reiterado o propósito de incorporar ao Ministério da Saúde à assistência médica da
Previdência Social. Em 1967, ficou estabelecida a responsabilidade do Ministério da Saúde
41
em formular e coordenar a Política Nacional de Saúde - o que até então não havia saído do
papel - tendo como áreas de competência à política nacional de saúde, as atividades
médicas e paramédicas, as ações preventivas em geral, a Vigilância Sanitária de fronteiras e
de portos marítimos, fluviais e aéreos, o controle de drogas, medicamentos e alimentos e
pesquisa médico-sanitária.
O Ministério da Saúde passou por diversas reformas na estrutura, até que na
reforma de 1974, as Secretarias de Saúde e de Assistência Médica foram incorporadas,
passando a constituir a Secretaria Nacional de Saúde (SNS), com o objetivo de reforçar o
conceito da não dicotomia entre Saúde Pública e Assistência Médica.
O contexto na década de setenta, de surto do desenvolvimento econômico,
ocorrido após a recessão que se seguiu ao golpe de 1964, colocaram novos desafios ao
poder público, além da necessidade [...] inadiável da superação “[...] da incapacidade da
Saúde Pública de controlar os principais problemas coletivos de saúde” (CAMPOS, 1989,
p. 90).
Em 1976 surge a SUCAM, como resultado da fusão do DENERu, das Campanhas
de Erradicação da Malária (CEM) e da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV), órgão
que passa a se subordinar diretamente ao Ministro do Estado, elevando-se a órgão de
primeira linha, anteriormente ocupadas pelas Delegacias Federais de Saúde. A SUCAM é
herdeira dos modelos de organização de ações de saúde pública do Brasil, denominado
sanitarismo campanhista, que teve como premissa a revolução pasteuriana (Louis Pasteur) e
foi implementado pelo médico-sanitarista Oswaldo Cruz, na primeira década do século
XX.
A V Conferência Nacional de Saúde (CNS) realizada em 1975, recomendou a
criação da Vigilância Epidemiológica, que se institucionalizou através do Sistema Nacional
de Vigilância Epidemiológica (SNVE) e foi definida no país com bases legais - Lei Federal
n° 6.259 de 1975 -, instituindo normas relativas à notificação compulsória de doenças11 e
definindo as linhas gerais deste subsistema da Vigilância em Saúde (BRASIL, 1975).
Conforme apontado anteriormente, Waldman (2006) afirma que o
desenvolvimento do conceito moderno de vigilância deu-se a partir da criação do Serviço
42
de Inteligência para Epidemias do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) de
Atlanta (EUA), em 195112.
Para Waldman (1998, 11),
[...] o uso do termo 'epidemiológica' para qualificar vigilância é equivocado,
uma vez que epidemiologia é uma disciplina abrangente, que incorpora a
pesquisa e cuja aplicação nos serviços de saúde vai além do instrumento de
Saúde Pública que denominamos Vigilância.
Segundo o autor, seu reconhecimento internacional como um instrumento para o
controle de doenças, vinculou-se a criação de serviços de saúde pública relacionados à
Campanha de Erradicação da Varíola no Brasil.
A década de 80 no Brasil foi marcada por uma conjuntura política de transição
democrática, ampliando espaços de discussões acerca do sistema de saúde, da melhoria das
condições de vida e de saúde da população, exigindo a reorganização dos serviços de saúde.
Considerando que esta reorganização proposta não é um fato isolado e está relacionado à
dinâmica institucional do setor saúde, foi indissociável do processo de descentralização da
VE.
Neste contexto, em 1985 foi criado o Centro de Vigilância Epidemiológica para
coordenar o Sistema de Vigilância Epidemiológica, que era anteriormente alocado no
Centro de Informação de Saúde (CIS), e a coordenação técnica do Programa Estadual de
Imunização ficou sob a responsabilidade da Divisão de Imunização.
Esta reorganização impulsionou a criação de níveis regionais (estaduais) de
Vigilância Epidemiológica, denominados de Grupos de Vigilância Epidemiológica (GVE)
que se formaram, com o objetivo de controlar e supervisionar as ações de Vigilância
Epidemiológica e articular estas ações entre os diferentes serviços municipais.
A preocupação crescente e contínua com o contexto da magnitude e complexidade
das ações de controle de doenças, bem como da necessidade de expansão do sistema
11A Lei Federal n° 6.259 de 01 de dezembro de 1975 regulamentou as ações de Vigilância Epidemiológica no
Brasil, dispondo sobre o Programa Nacional de Imunizações (PNI), estabelecendo normas relativas à
notificação compulsória de doenças e definindo as linhas gerais deste subsistema da Vigilância em Saúde. 12 O Centros de Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Disease Control and Prevention -CDC) é uma
agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, e que tem como objetivo a
proteção da saúde pública e a segurança da população. Juntamente com a State Research Center of Virology
and Biotechnology (VECTOR) da Rússia, guarda uma das duas únicas amostras do vírus da varíola existentes
no mundo, que pode ser considerada uma das mais temíveis armas biológicas do mundo, dada sua alta
infecciosidade, transmissibilidade e mortalidade.
43
envolvendo outros quadros nosológicos, como as doenças e agravos crônico-degenerativos,
infecções hospitalares e outros, levou o CVE, a partir de seu diretor Técnico – Dr.
Alexandre Vranjac – a trazer um debate que foi anterior ao SUS: a necessidade da
municipalização da Vigilância Epidemiológica.
Este momento fundador da municipalização da VE teve como contexto político de
saúde o SUDS (Sistema Único e Descentralizado de Saúde), o qual representava um
[...] rearranjo institucional, objetivando prioritariamente a universalização do
atendimento com a redefinição dos princípios de integração, integralidade,
hierarquização, regionalização do sistema de saúde, e controle social. Sua
implementação se deu mediante convênios firmados entre o Instituto de
Assistência Médica e Previdência Social e as Secretarias Estaduais de Saúde
havia dificuldades como falta de pessoal, estrutura por parte do município para
absolverem e desempenharem as atividades de VE, e para tal, foram propostas
estratégias para que os municípios passassem a executar todas as ações de
Vigilância Epidemiológica sob a coordenação do SUDS regional, participando
ativamente do sistema estadual [...] (p. 27).
Dentre as estratégias propostas pela Direção do CVE, destacamos: execução das
ações de notificação de doenças submetidas à notificação compulsória, através do registro
em um impresso chamado SV2 e enviando semanalmente boletins chamados de SV3 aos
órgãos regionais de Vigilância. Estas notificações seriam feitas a partir de registros de casos
das unidades de saúde do município e implantação da busca ativa dos faltosos.
Estas ações foram divididas por etapas, tendo como objetivo final a implantação
de um órgão ou Grupo Municipal que se responsabilizasse pelas ações de Vigilância,
havendo necessidade de uma adequação do chamado nível central em sua estrutura e perfil
dos profissionais que se adequassem para este tipo de atividade - Oficio Circular CVE
50/87 (ANEXO 4).
Considerando o processo de restruturação da Secretaria da Saúde, que objetiva a
integração, hierarquização e regionalização dos serviços de saúde que a compõem, em 1986
foram criados em São Paulo, os 57 Escritórios Regionais de Saúde (ERSAs), através do
Decreto nº 25.519, de 17 de julho de 1986, que definiu e teve como finalidade a consecução
de um novo modelo de assistência à saúde da população da área de sua abrangência,
mediante:
I - a integração, hierarquização e regionalização dos serviços de saúde que o
compõem;
II - a integração dos recursos de saúde, a nível Federal, Estadual e Municipal,
existentes na área de sua abrangência” (Ibidem Artigo 5°, seção III)
44
Dessa forma, a necessidade de uma equipe mínima para a VE nos Escritórios
Regionais de Saúde foi apontada, e estes profissionais ficaram vinculados
administrativamente aos ERSAs e tecnicamente ao CVE, que coordenava o SVE no Estado.
Em 1988, o CVE expõe que as ações de Vigilância Epidemiológica estavam sendo
desenvolvidas quase que exclusivamente pelo Estado, tendo pouca participação municipal.
O CVE é enfático na defesa do sistema municipalizado e propõe a implantação da
municipalização da Vigilância Epidemiológica, conforme a capacidade de cada município.
Também define estratégias para melhor adequação a cada realidade local, e para que as
ações sejam municipalizadas processualmente sob a coordenação do SUDS regional.
Para a execução de certas políticas de Vigilância Epidemiológica, o MS conta,
ainda, com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), criado em 1991. Define também a
necessidade da existência de um órgão ou um grupo especifico de trabalho em Vigilância
Epidemiológica, junto ao município.
Nos dias atuais, temos no Ministério da Saúde a Secretaria de Vigilância em
Saúde. Quanto a Secretaria de Vigilância em Saúde, Aith & Dallari (2009, p. 111-13)
chamam a atenção
[...] embora o nome da Secretaria seja Secretaria de Vigilância em Saúde, suas
competências referem-se especificamente aos sistemas de Vigilância
Epidemiológica e Ambiental, aí inserido o meio ambiente do trabalho [...]
verifica-se a ordenação jurídica e administrativa, uma fragmentação da noção de
Vigilância em Saúde em várias vigilâncias, fragmentando-se também a própria
organização do serviço estatal de Vigilância em Saúde. Assim, temos vários
sistemas de Vigilância: o sistema de Vigilância Epidemiológico, o sistema de
Vigilância Sanitária e o sistema de Vigilância Ambiental.
3.2 - A institucionalização da Vigilância Sanitária no Brasil
Segundo Costa (2003) e Dallari (1988) a ancestralidade das preocupações com o
nocivo é anterior ao modo de produção capitalista, uma vez que, segundo os autores, desde
a Antiguidade, havia o reconhecimento social da importância de ações de enfrentamento
dos problemas relacionados à conservação de alimentos e de medicamentos13.
A instauração da nova ordem econômica e social, a partir do século XVI, assinalou
a constituição do Estado Moderno, e da intervenção estatal sobre as questões da saúde da
13 Costa (2003) apud Mackrey (1980) refere que os achados arqueológicos do século XVI a.C. demonstram a
habilidade em compor drogas, e como conservá-las. Os antigos códigos como Hamurabi, Manu e o Antigo
Testamento, já traziam normas de cuidados à saúde e sanções para quem as descumprissem.
45
população, que serviu como base para a concepção de controle sanitário, baseado em um
sistema autoritário de controle da população (COSTA, 2003).
A partir da Segunda Guerra Mundial, surge a preocupação com as calamidades
ligadas à contaminação de alimentos e do meio ambiente. Foi a partir de tragédias como do
medicamento Talidomida, utilizado para enjoo, que provocou má formação recém -
nascidos, na década de 60 que a Vigilância Sanitária adquire maior relevância.
Um arcabouço legal inicia-se na década de 50 - normas técnicas de caráter legal
com o objetivo de regulamentar a fabricação e o comércio dos produtos de interesse a
saúde incluindo as responsabilidades criminais. Nesse contexto, em 1954 foi criado o
Laboratório Central de Controle de Drogas, Medicamentos e Alimentos (LCCDMA). Em
1981, o LCCDMA foi substituído pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade
em Saúde (INCQS). (BRASIL, 2007).
A Vigilância Sanitária (VS), enquanto denominação consagrada foi introduzida no
Brasil em meados da década de 70, em resposta à ordem econômica/ política/ institucional/
social e técnico-científica do país, não apresentando, no entanto, uma estruturação
sistêmica14 (LUCCHESE, 2001).
A partir da relação produção-consumo, a Vigilância Sanitária desenvolve função
Estatal de regulação, com dinâmica vinculada ao desenvolvimento científico e tecnológico
e a um conjunto de processos que perpassam o Estado, o mercado e a sociedade.
Costa (2009) destaca que a complexidade social traz consigo o aumento contínuo
de riscos e Aith (2007) especifica riscos naturais (epidemias, doenças, calamidades); riscos
advindos progresso da ciência e da descoberta de novos tratamentos (clonagem, novas
técnicas cirúrgicas e terapêuticas, novos medicamentos); e riscos advindos de atividades
humanas que possuem reflexos na saúde individual ou coletiva (trabalho, alimentação,
consumo, etc.). É fato que estes riscos são de interesse público, mas concordamos com
Costa (2009) que há competência exclusiva do Estado de adotar medidas que evitem estes
riscos e reduza os efeitos causados.
14 Trata-se da criação da criação da Secretaria de Vigilância Sanitária. Somente no final da década de 80 e
inicio da década 90 esse arranjo institucional foi repensado e criado o Sistema Nacional de Vigilância
Sanitária (SNVS).
46
A partir deste contexto, a década de 80 foi marcada pela necessidade de organizar
as ações de Vigilância Sanitária por meio da Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária
(SNVS) do Ministério da Saúde (MS), que incorporou o antigo Serviço de Fiscalização da
Medicina e Farmácia e o Laboratório Central de Controle de Drogas, Medicamentos e
Alimentos.
No final da década de 90, em meio a um contexto de suspeitas de corrupção e
escândalos ocorridos em 1996, 1997 e 1998 na área de medicamentos, há uma
reformulação organizacional criando uma agência reguladora nacional - Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (ANVISA) -, para coordenar o Sistema Nacional de Vigilância
Sanitária (SNVS) - Lei n° 9.782/1999. Esta legislação indica
[...] promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle
sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à
Vigilância Sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das
tecnologias a eles relacionados, bem como o controle dos portos, aeroportos e
fronteiras (BRASIL, 1999).
A fragmentação da compreensão e da prática da Vigilância em Saúde no Brasil e
seus reflexos também podem ser verificados no âmbito da organização interna das
estruturas administrativas das diferentes unidades federativas brasileiras, percebido, por
exemplo, em relação à ANVISA, que tem regime jurídico diferenciado, o que lhe confere
independência administrativa, estabilidade dos diretores e autonomia financeira.
É inegável que esse contexto histórico/ social e seus processos institucionais/
organizacionais dentro do Ministério da Saúde e da ANVISA contribuiram para certa
dicotomia entre a Vigilância Sanitária e a Vigilância Epidemiológica como se fossem duas
vigilâncias (COSTA, 2003), posto que estão inseridas em espaços institucionais distintos,
com legislações específicas, bem como processos de trabalhos construídos com tecnologias,
objetos e agentes específicos. Ademais, Aith & Dallari (2009) chamam a atenção para a
superposição entre as diferentes Vigilâncias (p. 108).
Apesar das diretrizes do SUS apontarem para uma concepção ampliada de
Vigilância em Saúde, a lógica jurídica e a fragmentação entre os núcleos - Vigilância
Epidemiológica, Sanitária, Saúde do Trabalhador e Ambiental -, impactou na organização
dos serviços de Vigilância em Saúde, que passaram a operar por campos de especialidade
específicos, mantendo as reproduções do modelo fragmentado (VILELA, 2005).
47
Desta forma, conviver com os problemas antigos como epidemias de Dengue,
Leptospirose, Febre Maculosa, ratos, lixo, falta de saneamento básico) e os problemas
novos (Lesões por esforços repetitivos (LER) e Doenças Ocupacionais Relacionadas ao
Trabalho (DORT), câncer, Hantavirose, ionização por antenas de rádio, TV e celulares,
alimentos transgênicos, contaminação ambiental por produtos químicos, violência, dentre
outros), requer revisão do atual modelo de Vigilância em Saúde, suas estratégias e práticas.
3.3 A Vigilância em Saúde Ambiental e a Vigilância em Saúde do Trabalhador
A suposta preocupação com problemas ambientais é recente, e tem levado a
discussões ampliadas. Na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, ocorrida
em 1972 em Estocolmo, foram discutidas as preocupações com os problemas ambientais.
A criação e estruturação da Vigilância em Saúde (VSA) Ambiental é recente –
2005 -, e foi implantada na Coordenação Geral de Vigilância em Saúde Ambiental
(CGVAM) com uma resposta do setor saúde ao movimento mundial ao processo intenso de
deterioração do ambiente e da degradação progressiva dos ecossistemas.
A crescente contaminação do ar, da água e do solo são problemas que devem ser
priorizados, e tem relação com as fontes de riscos advindas de processos produtivos
passados ou presentes, como a disposição inadequada de resíduos industriais, a
contaminação de mananciais de água e as péssimas condições de trabalho e moradia.
Cabe destacar, no entanto, que a implementação de uma Vigilância Ambiental
possui características que diferenciam das práticas de Vigilância Epidemiológica, visto que
muitos dados e informações sobre exposição aos fatores ambientais são obtidos fora do
setor saúde, exigindo uma intensa articulação intersetorial (BRASIL, 2007).
Apesar dos limites, as preocupações com o meio ambiente, no entanto, são
anteriores à criação da VSA, e existem programas já implantados como é o caso Programa
Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental Relacionada à Qualidade da Água para
Consumo Humano (VIGIAGUA), criado em 1999 que tem como missão, realizar ações de
vigilância sistemática da qualidade da água consumida pela população.
48
Outros programas foram implantados como o Programa Nacional de Vigilância em
Saúde Ambiental relacionada à Qualidade do Ar (VIGIAR) em 200115 e o programa de
Vigilância em Saúde Ambiental relacionada aos riscos decorrentes dos desastres naturais
(Vigidesastres), 200316.
Apesar da existência de programas instituídos para lidar com problemas de
relevância na área de Saúde Ambiental, é inegável a existência de interesses econômicos
que atravessam tais programas, gerando a omissão e até a prevaricação estatal em relação
aos crimes ambientais. São exemplos: a exposição ao risco como de radiações, utilização de
agrotóxicos, empresas que contaminam solo e água e/ou geram poluentes no ar, além dos
resíduos descartados de forma inadequada. A intervenção da Vigilância Ambiental se
restringe a tais interesses econômicos.
A Vigilância em Saúde do Trabalhador dentro do SUS vem sendo construída
conforme prevê a Lei No 8.080/90, nas diversas experiências desenvolvidas por programas,
centros de referência, serviços, núcleos ou coordenações em Estados e municípios,
possuindo diferentes graus de organização, competências, atribuições, recursos e práticas
de atuação.
Segundo Machado e Porto (2003) as ações em saúde do trabalhador no Brasil
iniciaram- se em meados dos anos 80, sendo influenciadas pelas contribuições da medicina
social latino-americana e da reforma sanitária italiana.
As características básicas do campo de práticas e saberes denominado Saúde do
Trabalhador são: compreensão das relações entre o trabalho/ saúde/ doença dos
trabalhadores, para fins de promoção e proteção e a prevenção de agravos; assistência
mediante o diagnóstico, o tratamento e a reabilitação; ênfase nas transformações dos
processos e ambientes de trabalho, com vistas à sua humanização, dentro de uma
abordagem multiprofissional/interdisciplinar/ intersetorial; a participação fundamental dos
trabalhadores como sujeitos no planejamento e implementação das ações.
15Este programa tem como objetivo de responder a uma demanda social e legal do país e estabelece modelo,
campo e forma de atuação desta vigilância e tem como objetivos a promoção saúde da população exposta aos
fatores ambientais relacionados aos poluentes atmosféricos. 16Este programa tem por objetivo desenvolver um conjunto de ações a serem adotadas continuamente pelas
autoridades de saúde pública para reduzir a exposição da população e dos profissionais de saúde aos riscos de
desastres e a redução das doenças decorrentes deles.
49
Atualmente fala-se em rede de vigilância em saúde do trabalhador, partindo da
relação entre o processo de trabalho e a saúde, e as esferas que condicionam a qualidade do
trabalho nas empresas e, tendo no centro, os trabalhadores e o ambiente de trabalho.
De uma maneira geral, estas redes são constituídas, a partir de seus núcleos, por
denúncias dos trabalhadores envolvidos diretamente em situações de risco ou que se
tornaram casos de doenças relacionadas com o trabalho. Essas denúncias chegam às
instituições via representantes e comissões dos trabalhadores, Comissões Internas de
Prevenção de Acidentes (CIPA), associações, sindicatos, centrais sindicais, ONG e mídia
em geral. As instâncias executivas da rede de VST representam a primeira camada ou nível
de contato direto com o núcleo – trabalhador e ambiente de trabalho –, sendo as duas
instituições principais o SUS e o Ministério do Trabalho.
O SUS exerce função múltipla, configurando um espaço estruturador de conexões
das redes, tendo em sua estrutura, basicamente, os serviços assistenciais, de vigilância
epidemiológica e sanitária e os programas de saúde do trabalhador, executando
diretamente, as funções de referência clínica, vigilância sanitária e epidemiológica dos
agravos relacionados ao trabalho constitui um subsistema de vigilância em saúde do
trabalhador e desencadeiam um processo de vigilância por meio da integração das ações em
torno de casos específicos.
Dentre as instituições que compõem uma rede de vigilância em saúde do
trabalhador (RENAST) estão: órgãos ambientais, as Secretarias de Estado de Trabalho, as
instâncias ligadas à Previdência Social (perícia médica e a reabilitação), articulando-se com
o Ministério Público Estadual e o Ministério Público do Trabalho17.
Dentre os autores que têm se debruçado sobre o tema, e dentre eles destacamos
Pinheiro (1996), que aponta as fissuras e contradições intersetoriais relacionadas à
fiscalização dos ambientes de trabalho e a relação com o Ministério do Trabalho,
historicamente responsável por essa ação (vigilância x fiscalização).
17Segundo Machado & Porto (2003) “As ações do Ministério Público ocorrem, principalmente, em situações
críticas de maior conflito e resistência, e funcionam como elemento desestabilizador de práticas gerenciais
atrasadas e ainda freqüentes em vários setores econômicos e regiões do país”.
50
Balista (2013) reforça a criação da Portaria n° 1.823/2012 que instituiu a Política
Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, para o desenvolvimento da atenção
integral à saúde do trabalhador, com ênfase na vigilância, apontando os limites relacionados
ao trabalhador informal.
Em Campinas (SP), houve um movimento também inovador, desde a década de
90, na perspectiva da descentralização das ações de Saúde do Trabalhador, para as VISAS
Distritais, em parceira com as Unidades Básicas de Saúde. Foram momentos de criação do
Centro de Referencia em Saúde do Trabalhador (CRST), fruto de uma discussão dentro da
Política de Saúde do Trabalhador (PST iniciada em 1986. Atualmente o CRST foi
denominado de CEREST.
Ainda não há um cenário que articule as Vigilâncias Ambiental, Saúde do
Trabalhador, Epidemiológica e Sanitária, havendo até situações de disputas institucionais
(BRASIL, 2007). A sugestão seria de trabalhar com o conceito ampliado de Vigilância em
Saúde e não com uma somatória de vigilâncias.
Quanto à exposição de trabalhadores a exposição a agrotóxicos, Silva et al (2005,
p. 6) referem
Em certa medida, pode-se dizer que a realidade cotidiana de trabalho observada
na agricultura, especificamente no que se refere à utilização de agrotóxicos,
expressa as políticas governamentais historicamente adotadas para o setor [...]
Ou seja, as condições concretas e atuais de utilização dos agrotóxicos pelos
trabalhadores rurais encontram suas raízes e seu pleno desenvolvimento
alicerçados naquela política.
Outro exemplo é a contaminação das chácaras vizinhas à área onde esteve
instalada a fabrica da SHELL de Paulínia, com agrotóxicos organoclorados Endrin,
Dieldrin e Aldrin encontrados no lençol freático sob as chácaras localizadas entre a fábrica
e o Rio Atibaia, um dos principais afluentes do rio Piracicaba e que abastece de água, entre
outras, as cidades de Americana e Sumaré.
3.4. A Constituição Federal de 1988 e o Sistema Único de Saúde (SUS): como a
Vigilância se inseriu nesse novo contexto?
Em 1986, o movimento da Reforma Sanitária, e o evento da VIII Conferência
Nacional de Saúde, tencionaram para a institucionalização da saúde como direito do
51
cidadão e dever do Estado. A Constituição Federal (CF) de 1988 que, dentre outros,
instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), constituiu-se em um projeto contra hegemônico
e que potencializa a garantia do direito a saúde.
Concordamos com Balista (2013, p. 38), quando afirma que o SUS
[...] teve caráter contra hegemônico na política do Brasil uma vez que os
princípios do estado mínimo dominaram as políticas públicas, constrangendo o
SUS em uma época em que a carência de recursos orçamentários era
determinada por restrições ao tamanho do aparelho de estado, embora o SUS
necessitasse se expandir.
A Constituição Federal (1988) eleva a saúde à categoria de direito social e confere
a competência ao Estado de executar este direito, garantindo-o enquanto dever. Os
princípios de construção do SUS não se limitam apenas ao setor saúde em si, e sim a partir
da melhora da qualidade de vida e saúde da população e de como a sociedade se organiza e
prioriza suas necessidades.
Em seu capítulo Seguridade Social, Seção II, da Saúde, art. 198, a CF estabelece
como se organizará as ações e serviços públicos de saúde:
[...] integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema
único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização, com
direção única em cada esfera de governo, atendimento integral, com prioridade
para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais e
participação da comunidade.
Não obstante ter encontrado sujeitos implicados com a proposta inovadora de
reorganização, reorientação e de abordagem integral à saúde, encontrou também muitas
resistências ao processo como um todo.
Apesar de ter uma legislação anterior à Constituição Federal (1988), a Vigilância
passa a ocupar um papel de prevenção, de promoção e fiscalização, o que exige a mudança
de paradigma e uma visão de processo saúde-doença, centrada nos processos sociais que
promovem ou agravam a saúde das populações de uma dada sociedade. As legislações
anteriores ao SUS – Lei n° 6.259 de 1975 e Lei n° 6.360 de 1976 – que institucionalizaram
a Vigilância Epidemiológica e Vigilância Sanitária, respectivamente, foram recepcionadas
pela Constituição Federal. Não obstante esta recepção, são legislações sem uma visão
sistêmica por terem sido escritas em um contexto de repressão social, e isso impacta no
atual modelo da Vigilância no Brasil.
52
Para regulamentar a estrutura e o funcionamento do SUS foi aprovada a Lei
Orgânica da Saúde n° 8.080 de 19 de setembro de 1990, que dispõe sobre as condições para
a promoção, proteção e recuperação da saúde, e a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes. Essa Lei afirma, em seu art. 6º, que estão incluídas, no campo de
atuação do SUS, a Vigilância Epidemiológica, a Vigilância Sanitária, a Saúde do
Trabalhador, assim conceituadas:
Vigilância sanitária – [...] um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou
prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do
meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de
interesse da saúde. (art. 6º, § 1º). Grifos meus.
Vigilância epidemiológica [...] um conjunto de ações que proporcionam o
conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores
determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade
de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou
agravos (art. 6º, § 2º).
(BRASIL, 1990). Grifo meu.
Aith & Dallari (2009) destacam a superposição de competências entre as
diferentes Vigilâncias, advindas de seu modelo fragmentado e que não foi ampliado na
Constituição Federal e tampouco na LOS. Os autores referem que foi reforçado a existência
de setores especializados de Vigilância e que demonstra as dificuldades conceituais
advindas da lógica fragmentada.
[...] A lógica jurídica de fragmentação da Vigilância em Saúde em Vigilâncias
Epidemiológica, Sanitária e Ambiental acabou se refletindo na organização dos
serviços estatais de Vigilância em Saúde, que passaram a operar por campos de
especialidades específicos [...] pode-se perceber que há certa desarticulação
entre os agentes públicos responsáveis pelas diferentes vigilâncias, ocasionando
ora duplicidade de ações, ora mobilização desnecessária de agentes públicos e
ora omissões graves.(p. 108-9)
Com relação às competências da Vigilância dentro do SUS, concordamos com
Costa (2009) quando reafirma as competências e descreve como imprescindíveis que essas
ações não fiquem restritas ao setor saúde, e, sim, sejam realizadas intersetorialmente.
[...] controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse
para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos,
imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos [...]
Com relação aos problemas de saúde nos quais a Vigilância deve fazer
intervenção, destaco as questões trazidas por Paim & Teixeira (1992, p. 102-3)
53
[...] problemas de saúde não se restringem a óbitos, sequelas, doenças e agravos.
[...] ampliar o leque de problemas de saúde reconhecendo os indícios de danos
(assintomáticos), os indícios de exposição (suspeitos), a situação de exposição
(expostos), condições e fatores de risco (grupos de risco) e as necessidades
sociais de saúde (classes e grupos sociais) [...] incorporar [...] os condicionantes
–– modo de vida (condições e estilo de vida), e os determinantes sócio--
ambientais (...) poderia se articular com um conjunto políticas econômicas e
sociais visando ao controle de “causas”. Grifo meu.
Dessa forma, os autores reafirmam que a complexidade atual, desafia a todo o
momento o modelo tradicional de Vigilância, exigindo redefinições e ampliação de seus
conceitos e alargando seu escopo (promoção e proteção) construído a partir do conceito
ampliado de saúde e dos princípios do SUS. Paim (2008), corrobora com essa discussão,
ao afirmar que o processo de institucionalização do SUS exigiu novas concepções e
conformações institucionais para as “vigilâncias”.
Em meio a esta conformação institucional, houve várias experiências desafiadoras
que buscaram uma integração e articulação entre os núcleos específicos da vigilância,
utilizando preposições para conectar os termos vigilância e saúde (em, a, de), não se
tratando apenas de uma discussão semântica, no entanto, mas conceitual e paradigmática.
Segundo Paim (2008) a Vigilância “da” Saúde
[...] pode atuar sobre problemas (danos, riscos e determinantes) que requerem
atenção e acompanhamentos contínuos, mediante a articulação entre ações
promocionais, preventivas e curativas sobre o território, a partir de operações
intersetoriais [...] combinando saberes e tecnologias de diferentes campos de
atuação (p. 71)
Segundo Barradas (1993) as discussões sobre vigilância “à” saúde, desdobra-se em
uma tendência que defende a necessidade de superar a dicotomia entre a prática da
vigilância epidemiológica e da vigilância sanitária, diluindo-as em um único bloco - ações
coletivas de saúde e outra tendência relacionada à Vigilância “à” Saúde, é de certa
especificidade dos objetos e métodos de intervenção, suficientes para caracterizar dois
conjuntos de atividades separadas, porém, integradas.
Paim, citando Teixeira et al (1998) que defende a Vigilância “em” Saúde
composta não somente por trabalhadores da saúde mas incorporando novos sujeitos, e
buscando envolvimento efetivo da população organizada, na perspectiva de um modelo
assistencial que supere os modelos vigentes, e provoque a mudança das relações técnicas e
sociais, dos processos de trabalho, da redefinição do objeto, e da "cultura sanitária".
54
Alguns autores trouxeram propostas relacionadas a esta integração: Paim e
Teixeira (1992) construíram o projeto da Vigilância à Saúde, na tentativa de uma
organização das ‘Vigilâncias’ no SUS – Vigilância Epidemiológica (VE), Vigilância
Sanitária (VS), Vigilância Ambiental (VA) e, Vigilância em Saúde do Trabalhador (VST).
É fato, no entanto, de que essas denominações dadas por vários autores têm visões
de mundo e sociedade diferentes, sendo convergentes em alguns aspectos, bem como
divergentes em outros. Outra questão importante é a integração interna das “vigilâncias”,
tanto em seus processos históricos diferentes, em suas fundações, como nas organizações
funcionais e organizativas.
Segundo Paim (2008, p. 62),
As tensões organizativas e funcionais entre as “vigilâncias” não parecem
expressar dificuldades conceituais ou técnicas, mas disputas de poder diante de
interesses diversos. Grifo meu.
Se analisarmos, por exemplo, as várias instituições que cercam estas “vigilâncias”
- SNVS, SNVE, SVS e ANVISA -, e seus respectivos arcabouços teórico-práticos,
podemos perceber atravessamentos internos e externos, impactando no cotidiano destes
serviços, na prática institucional dos trabalhadores da Vigilância, na relação em rede com
os serviços de saúde e com o Controle Social, sem significativas mudanças em sua
capacidade operativa.
Na tentativa de uma estratégia de enfrentamento dessas dicotomias e
atravessamentos, em 2003 foi criada a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) do
Ministério da Saúde, através do Decreto n° 4.726 de 09 de junho de 2003, com o objetivo
de assumir a função de coordenar o Sistema Nacional de Vigilância em Saúde (SNVS).
Em 2005 é estabelecido o Regulamento Sanitário Internacional (RSI) que
estabelece a necessidade de aperfeiçoamento das capacidades dos serviços de saúde pública
para detectar, avaliar, monitorar e dar resposta apropriada aos eventos que se possam
constituir em emergência de saúde pública de importância internacional, oferecendo a
máxima proteção em relação à propagação de doenças em escala mundial, mediante o
aprimoramento dos instrumentos de prevenção e controle de riscos de saúde pública.
Em 2009, a Portaria n° 3.252 aprova as diretrizes para execução e financiamento
das ações de Vigilância em Saúde pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios e
avança na competência e objetivo da Vigilância em Saúde em realizar análise permanente
55
da situação de saúde da população, mantendo a articulação com um conjunto de ações
visando o controle dos determinantes, riscos e danos à saúde garantindo a integralidade da
atenção, tanto no plano da abordagem individual como coletiva dos problemas de saúde.
Em seu capítulo II, artigo 17, afirma que o Sistema Nacional de Vigilância em
Saúde (SNVS) é coordenado pela SVS/MS no âmbito nacional e é integrado por:
I - Subsistema Nacional de Vigilância Epidemiológica, de doenças transmissíveis
e de agravos e doenças não transmissíveis;
II - Subsistema Nacional de Vigilância em Saúde Ambiental, incluindo ambiente
de trabalho;
III - Sistema Nacional de Laboratórios de Saúde Pública, nos aspectos
pertinentes à Vigilância em Saúde;
IV - Sistemas de Informação de Vigilância em Saúde;
V - programas de prevenção e controle de doenças de relevância em saúde
pública, incluindo o Programa Nacional de Imunizações;
VI - Política Nacional de Saúde do Trabalhador; e
VII - Política Nacional de Promoção da Saúde.
Traz também como inovação, a Vigilância da Situação de Saúde através de ações
de monitoramento contínuo (País, Estado, Região, Município ou áreas de abrangência de
equipes de atenção à saúde) através de estudos e análises que identifiquem e expliquem
problemas de saúde e o comportamento dos principais indicadores de saúde.
Essa Portaria descreve em seu capitulo 1, seção 1, artigo 2, os núcleos específicos
como:
I - vigilância epidemiológica: vigilância e controle das doenças transmissíveis,
não transmissíveis e agravos [...];
II - promoção da saúde: conjunto de intervenções individuais, coletivas e
ambientais responsáveis pela atuação sobre os determinantes sociais da saúde;
IV - vigilância em saúde ambiental: conjunto de ações que propiciam o
conhecimento e a detecção de mudanças nos fatores determinantes e
condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana [...];
V - vigilância da saúde do trabalhador: visa à promoção da saúde e à redução
da morbimortalidade da população trabalhadora, por meio da integração de
ações que intervenham nos agravos e seus determinantes decorrentes dos
modelos de desenvolvimento e processo produtivos; e
VI - vigilância sanitária: conjunto de ações capazes de eliminar, diminuir ou
prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do
meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços do
interesse da saúde, abrangendo o controle de bens de consumo, que direta ou
indiretamente se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e
processos, da produção ao consumo, e o controle da prestação de serviços que se
relacionam direta ou indiretamente com a saúde.”(BRASIL, 2009).
O Decreto nº 6.860 de 2009, tem sido uma inovação ao aprovar a estrutura
regimental do Ministério da Saúde, estabelecendo as competências da SVS/MS como
gestora do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde e como formuladora da Política de
56
Vigilância Sanitária, em articulação com a ANVISA. Apesar deste avanço, tanto a
ANVISA como a SVS/MS mantém uma distância em seu arcabouço jurídico e conceitual,
tendo o desafio de se articular em suas políticas e ações.
Mais recentemente o Decreto n° 7.508 de 28 de junho de 2011, além de
regulamentar a Lei n° 8.080 de 1990, traz conceitos inovadores, como as regiões de saúde e
mapa da saúde, redes de atenção à saúde; protocolo clínico e diretriz terapêutica, dentre
outros e que devem ser incorporados e debatidos na Vigilância, impulsionando mudanças
de modelo.
57
CAPÍTULO 4: A DESCENTRALIZAÇÃO E MUNICIPALIZAÇÃO
DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE DE CAMPINAS
A persistência da memória (Salvador Dali)
“Datas
Datas. Mas o que são datas?
Datas são pontas de icebergs.
O navegador que singra a imensidão do mar
bendiz a presença dessas pontas emersas, sólidos geométricos,
cubos e cilindros de gelo visíveis a olho nu e a grandes distâncias.
Sem essas balizas naturais, que cintilam até sob a luz noturna
das estrelas, como evitar que a nau se espedace de
encontro às massas submersas que não se veem?”
(BOSI, 1992, p. 19)
58
O processo de institucionalização da Vigilância em Campinas, tanto em sua
dimensão macro, relacionada à política de saúde, como na dimensão micropolítica,
referente à municipalização e descentralização, enquanto principio organizativo do SUS é
aqui descrito a partir da constituição do sistema de saúde de Campinas.
Para facilitar as discussões, foi feita a periodização por governos, devido
similaridade de projetos políticos que impactam na área da saúde. Os períodos elencados
foram a partir de 1977 até 2013.
Não obstante tal periodização considerei a história contada por um dos
entrevistados que data de 1930, quando inicia a Inspetoria Municipal Veterinária (IMV),
entendendo que esta história ilumina e dialoga com nosso objeto de estudo no presente.
Não aprofundo, no entanto, as discussões.
A singularidade da história de Campinas e sua construção específica na área da
saúde tornou-a referência para o setor saúde, apesar da crise18 evidenciada nos últimos
anos, crise esta que ultrapassa o setor saúde, mas que impacta diretamente em estagnações e
até perdas nas construções acumuladas até então.
Campinas é uma cidade polo metropolitano que esta situada há cerca de 100 km de
SP, mais especificamente na região oeste. De acordo com o censo de 2012 do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), Campinas possui uma população de cerca de
1.098.630 habitantes, sendo o terceiro município mais populoso do estado de São Paulo
(perde somente para Guarulhos e a capital).
A complexidade do Sistema de Saúde em Campinas levou à distritalização, que é o
processo progressivo de descentralização do planejamento e gestão da Saúde para áreas
com cerca de 200.000 habitantes. Existem cinco Distritos de Saúde em Campinas (sul,
leste, sudoeste, noroeste e norte) com suas cinco respectivas Vigilância em Saúde (VISA).
18 Segundo Baremblitt (2012, p.143) em sua origem grega a palavra krisis significava interpretação, seleção,
juízo fase de definição, no sentido da melhoria ou da piora do curso de uma enfermidade. O autor explica que,
provavelmente com a extensão da noção médica, o conceito de crise toma outros sentidos como de [...] um
ponto de desequilíbrio (desorganização, desordem) mais ou menos imprevisível na sua aparição e em seu
desenlace [...].
59
Figura 1: Mapa da cidade de Campinas dividido por Distritos de Saúde e Centros de Saúde
/ Campinas/SP.
Fonte: Portal da Saúde de Campinas/SP: http://2009.campinas.sp.gov.br/saude/
A cidade de Campinas foi fundada em 1755 e beneficiou-se por ser entroncamento
de diversos caminhos que percorriam o interior do país (Santos, 2002). As ações de
vigilância tem interface direta com este contexto de desenvolvimento das atividades
econômicas e os diversos ciclos produtivos - a cana-de-açúcar e o café e os investimentos
no desenvolvimento industrial e a construção de uma rede importante de infraestrutura:
estradas de ferro e rodovias.
Cano (1998) destaca que a partir da década de 1970, houve um impulso importante
do processo de interiorização da indústria no Estado de São Paulo, que transformou
Campinas na segunda maior concentração industrial do país, atrás apenas da Região
Metropolitana da capital de São Paulo.
A Secretaria de Saúde de Campinas foi criada em 1968 e, nesse momento, havia
uma crise específica no setor saúde e as prefeituras de alguns municípios brasileiros
tiveram governos comprometidos com a defesa e interesses da maioria da população, além
de um forte movimento social existente na época. Para tal, estruturaram serviços de saúde
com recursos próprios, e, segundo Queiroz (1993) o município de Campinas foi pioneiro
60
em muitos aspectos, tanto na implantação do novo sistema de saúde19 quanto nas
proposições referentes ao sistema de Vigilância.
A complexidade do Sistema de Saúde em Campinas levou a debates sobre a
descentralização e um processo de distritalização para áreas com cerca de 200.000
habitantes, que foram chamados de Distritos de Saúde em Campinas, hoje totalizando cinco
(cinco) Distritos com suas respectivas Vigilância em Saúde (VISA).
Não é objetivo de nosso estudo o aprofundamento dessa história, pois a mesma
tem sido objeto de debates de vários autores, como Queiroz (1993), Smeke (1993),
L’Abbate (2010), Balista (2013), Garcia (2009) dentre outros. Esses debates nos
interessam, pois a atualização que a Vigilância vem fazendo nos últimos anos, está
intimamente relacionada a esse contexto sócio-histórico-político, e por este motivo,
sintetizamos estes momentos, com base nestes autores, em nossa exposição e análise das
construções e rupturas existentes nesta área.
Conforme apontado na história da Vigilância no Brasil, muitos desafios existentes
foram enfrentados, mas nem todos os limites foram superados, e outros desafios foram
incorporados.
O município de Campinas tem uma tradição acumulada tanto no que diz respeito
ao modelo de atenção em saúde, quanto ao modelo de vigilância. A Vigilância em Saúde de
Campinas passou por intensas transformações na década de 80 e início dos anos 90, e tem
vivido outras mudanças nos dias atuais.
As ações relacionadas à Vigilância Sanitária de Campinas têm uma historia que
remonta a década de 60/70, pouco contada e registrada, mas merecedora de destaque, pois
ajuda a iluminar o objeto pesquisado e fazer análises sobre o mesmo. A respeito disso, um
dos entrevistados afirma
[...] é uma história de Campinas que parece não tem valor. Quando a gente olha
para a Vigilância de Campinas, essa Vigilância passou por grandes
transformações [...] mas existe uma história que não deve se perder. Grifos meus.
19 Queiroz (1993), analisando a evolução da implantação da rede municipal de serviços da saúde em
Campinas de 1977 até 1988, distingue 3 fases distintas: o período "heroico-romântico" da administração
Francisco Amaral e do Secretário Sebastião de Moraes; o período de consolidação dos convênios de
integração institucional do Secretário Nelson Rodrigues dos Santos e, por fim, a fase da revolução gerencial
61
Considerações gerais a partir de 1930
A década de 1930 no Brasil foi caracterizada por grandes transformações sociais,
políticas e econômicas. No plano econômico, mais especificamente, houve o surgimento da
indústria no Brasil. Segundo Murilha (2011) no ano de 1940, Campinas tinha um
Matadouro e um Mercado municipais20.
O autor refere ser este um período com construções públicas destinadas à
ordenação de espaços urbanos e responsabilizando as autoridades públicas por zelar por
estes espaços. A construção de mercados e matadouros públicos teve um contexto
higienista garantindo a qualidade do abate, comércio e consumo destes alimentos,
prevenindo a exposição de riscos de contaminação (água, ar e solo).
Com relação ao abate do gado, a construção do matadouro público era uma
reivindicação da população, devido ao fato dos animais serem criados em meio urbano e
abatidos de forma irregular e clandestina, nos fundos de quintais, ruas e terrenos baldios,
atraindo moscas e outros insetos, exalando mau cheiro que incomodava a população.
A construção do mercado municipal, por sua vez, tem sua construção datada do
final do século XVIII e inicio do século XIX, tendo licença renovada anualmente,
intransferível, cumpridos os dispositivos do Código Comercial do Império, o que
assegurava a arrecadação, defendia o consumidor e garantia a mão de obra escrava.
que se inicia na administração PT, sofrendo uma paralisação durante a crise que acompanhou o rompimento
entre o prefeito e o partido e tendo continuidade com a administração do PSDB. 20A existência de Mercado Municipal em Campinas é anterior a 1940.
62
Figura 2: Mercado Municipal de Campinas/SP (1930)
Fonte: http://pro-memoria-de-campinas-sp.blogspot.com.br/2011/09/curiosidades-mercado-municipal-
1930.html
Figura 3: Matadouro Municipal de Campinas/SP (1896)
Fonte: http://pro-memoria-de-campinas-sp.blogspot.com.br/2008/08/memria-fotogrfica-matadouro-
municipal.html
63
Com o objetivo de prevenir e controlar os riscos oriundos deste abate e
comercialização de animais e outros, foi instituída em Campinas, a Inspetoria Municipal de
Veterinária (IMV), através do Decreto n° 46 de 4 de fevereiro de 1933 do então prefeito,
Alberto de Cerqueira Lima (ANEXO 5) e regulamentada em 9 de fevereiro de 1934 pelo
prefeito Perseu Leite de Barros (CAMPINAS, 1934).
Segundo um dos entrevistados, à época, o gado de Campinas vinha pela ferrovia e
fazia o percurso da Avenida Amoreiras até chegar ao Matadouro Municipal, que se
localizava perto do córrego do Piçarrão. A IMV encarregava-se de fazer a inspeção da
qualidade da carne e dos produtos dos animais abatidos neste matadouro, que
posteriormente iam para o então Mercado Municipal de Campinas. Este, por sua vez, tinha
um laboratório que fazia análise da qualidade dos alimentos que eram colocados lá para
comercialização e verificava a qualidade de carnes a qualidade de pescados.
Com o crescimento da cidade, acidentes começaram a acontecer devido ao trânsito
do gado pela Avenida Amoreiras tornando-se inviável também economicamente a
manutenção deste matadouro que, em 1979 já não funcionava mais, mas sua inovação
acumulada resultou em um modelo que foi adotado pelo Instituto Brasileiro de
Administração Municipal (IBAM), nos anos 60 e 70, sendo exportado para outros
municípios e países.
L’Abbate (2010) apud Gonçalves & Semeghini (1987) afirma que a década de 50
teve um “movimento da industrialização pesada21, o que contribuiu para que iniciasse em
Campinas, no final dessa década, uma intensificação na população urbana.
O Serviço de Policiamento de Produtos e Alimentação (SPPA) foi criado pelo
prefeito Rui Hellmeister Novais e instituído através da Lei n° 3.436 de 30 de março de
1966. O SPPA estava vinculado à Secretaria de Saúde e Higiene de Campinas, fazendo
parte da Divisão de Alimentação Pública (DAP). O SPPA tinha equipes denominadas de
Comando Sanitário que possuía ação educativa, fiscalizatória e punitiva22. Uma das
21 L’Abbate (2010), cita Semeghini, 1991, p.108-113) ao afirmar que esse foi o período de instalação de
algumas importantes indústrias do município de Campinas, e cita: Bosch, Clarck, General Electric, Dunlop,
Merk e Sharp, dentre outras. A autora refere que antes da criação desses estabelecimentos, já se registrara um
aumento significativo do pessoal empregado na indústria, havendo uma variação de 72,6% nessa categoria,
entre os anos 1939 a 1949 (p. 59). 22 As ações eram desenvolvidas em mercados, entrepostos, açougues e frigoríficos; vacarias, granjas leiteiras
e leiterias; frutas, frutarias e casas comerciais para venda de víveres; peixes e caças; fábricas de produtos
64
exigências legais do SPPA era a Carteira/Caderneta de Controle do Serviço de
Policiamento dos produtos de alimentação da Prefeitura Municipal de Saúde obrigatória,
instituída através do Decreto n° 2.844 de 8 de setembro de 1966, a qual era utilizada pelo
fiscal para registrar e manter um histórico dos estabelecimentos. Essa Caderneta era de
renovação anual e continha as ocorrências existentes, devendo ser revalidada anualmente
pelos serviços de saúde (CAMPINAS, 1966).
Em 1971 foram elaboradas as normas de organização e funcionamento de um
serviço de fiscalização de alimentos da Prefeitura (ANEXO 6) e a partir de 1975 passa a
existir o Serviço de Fiscalização Sanitária e Alimentação Pública (SFSAP), dentro da
Secretaria de Saúde, e tendo a descrição das atribuições do fiscal sanitário (ANEXO 7) que
exercia o papel de “polícia administrativa”, no campo da higiene pública.
Esse órgão tinha como instrumentos normativos a expedição de alvarás de
funcionamento e das Cadernetas de Controle Sanitário (ANEXO 8) investigação de surtos
de toxinfeccções alimentares, a coleta de amostras alimentos para análise, a lavratura de
autos a aplicação de penalidades aos infratores (interdição de estabelecimentos a
inutilização de produtos). (ANEXO 9).
Segundo depoimento de um dos entrevistados, à época não havia pessoas formadas
para essa área e a formação de fiscais era realizada em serviço, já em contato com o “modus
operandi da repartição”, com todas as ordens de serviço, realizando a leitura de processos
nos quais as empresas eram multadas/autuadas. O engenheiro era responsável pela
avaliação final acerca da situação sanitária de prédios destinados ao comércio de alimentos:
situação hidráulica, ventilação, revestimento de parede, dentre outros23.
Esse profissional tinha um roteiro de fiscalização (ANEXO 10) e quando
encontrava um estabelecimento novo, fazia a notificação para se regularizar. O trabalho dos
“fiscais” era alternado, ou seja, havia um rodízio entre os setores, e um fiscal conferia o
trabalho do outro, estratégia para tentar controlar vícios.
alimentícios; feiras livres; cafés, hotéis, restaurantes, pensões, etc., no que se refere à alimentação e cães e a
vacinação destes contra a raiva.
23 Com a mudança de governo, a maioria desses profissionais foi transferida para o Departamento de
Urbanismo.
65
O SFSAP também realizava atividades educativas instruindo aos contribuintes e
aos munícipes das normas de higiene e alertando sobre os riscos (ANEXOS 11)
Segundo um dos entrevistados, nessa época Campinas já fazia Vigilância Sanitária
de Alimentos de forma concorrente ao estado, que tinha a Divisão de Policiamento de
Alimentação Pública Estadual, o que gerava muitos conflitos nas ações. Campinas era
dividida em setores relacionados aos logradouros onde ficavam os estabelecimentos. O
SFSAP tinha um coordenador e em torno de dez a doze fiscais que percorriam os
estabelecimentos utilizando o roteiro de fiscalização.
A discussão do que chamamos de fiscal sanitário, tem essa origem histórica no
município de Campinas, e mantém uma polêmica nacional atual que é descrita por Costa
(2008), o fiscal faz parte do modelo tradicional da Vigilância Sanitária, que tem como
objeto de ação o produto (medicamento, cosmético, alimento, etc.) e os meios de trabalho
privilegiados são as inspeções e fiscalizações para cumprimento de normas, explicitando
dada forma de exercício do poder de polícia.
Fazendo uma analogia ao que Merhy (2000, p.109) chama de caixa de ferramentas
tecnológicas, percebemos que a tecnologia leve-dura (saberes estruturados) e tecnologia
dura (equipamentos e materiais), eram priorizados nas práticas desses fiscais. Não obstante
esta priorização, podemos perceber que havia a utilização da tecnologia leve e implicada
com a produção das relações entre os sujeitos, a qual pode ser percebida através da ação
educativa.
Nos dias atuais, Costa (2000) defende a tese de um novo modelo de Vigilância
Sanitária – que chama de “nova” Vigilância – que tem como sujeitos a equipe da VS com
tarefas específicas, mas integrando um conjunto de profissionais e trabalhadores de saúde
em ação conjunta com eles e outros sujeitos coletivos e representantes da população
organizada. Neste novo modelo, o objeto da VS é reconceitualizado, tendo enfoque no
risco, danos, necessidades sanitárias e determinantes do processo saúde/doença/qualidade
de vida/cuidado.
66
Período de 1977 a 1982
Esse período que corresponde ao primeiro governo de Francisco Amaral (MDB)24,
tendo como Secretário de Saúde Dr. Sebastião de Moraes25, deixou uma memória afetiva
nos que participaram e vivenciaram o momento, contado com um carinho nas falas,
lembranças e recordações dos entrevistados.
Foi um momento de muitas mudanças na conformação da rede municipal de saúde
de Campinas. Dr. Sebastião de Moraes era muito querido pela população, devido seus
trabalhos voltados para a comunidade.
A respeito de Dr. Sebastião de Moraes, Queiroz (1993, p. 10), aponta
tinha ideias progressistas ligado à igreja Católica, que contava com o apoio do
Departamento de Medicina Preventiva da UNICAMP. Numa perspectiva
humanista, ele advogava a ideia de que a expansão dos serviços de saúde deveria
estar colada à participação social e o caminho era a construção de postos
simples, de baixo custo.
Um dos entrevistados, demonstrando afeto durante a fala, recorda [...] Na época, o
Secretário de Saúde era o Sebastião de Moraes, uma pessoa muito humana, na época a
gente achava que era quase que um Deus para nós [...].
Não obstante o contexto político repressivo da época, Lavras (2013) aponta que
foi um momento caracterizado por grande efervescência e muito entusiasmo, e
desenvolvimento de projetos com a Universidade. Ao referir acerca do projeto do
Laboratório de Ensino em Medicina Comunitária, desenvolvido pelo Departamento de
Medicina Preventiva e Social (DMPS) da UNICAMP, a autora conta que
[...] fomos apresentados a Sebastião de Moraes [...] que não só acolheu o projeto
com muito entusiasmo como também propôs sua expansão [...] praticamente dez
anos antes da criação do SUS. (p. 263).
Segundo Queiroz (1993, p. 9), a plataforma política desse governo foi à expansão
da assistência médico-sanitária à população considerada marginalizada. Corroborando com
o autor, L’Abbate (2012) aponta que nesse governo municipal, o prefeito definiu como
principal objetivo de sua gestão obter o máximo benefício social (p. 113).
24 É importante destacar que, na conjuntura política, só existiam dois partidos políticos: Aliança Renovadora
Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). 25 Dr. Sebastião de Moraes era médico e trabalhava na Casa de Saúde de Campinas.
67
Ainda segundo a autora, era uma época em que os moradores de vários bairros de
Campinas lutavam em busca de soluções de problemas de saúde e de condições de vida.
Uma das entrevistadas disse que a região onde ela morava era muito pobre,
não tinha escola não tinha posto de saúde. Esse foi o período no qual a entrevistada
referiu ter iniciado suas atividades junto à comunidade:
[...] eu morava na periferia de Campinas (moro) e junto com a Sociedade Amigos
de Bairros ajudei a comunidade a abrir um posto de saúde [...] a prefeitura
resolveu alugar uma casinha [...] e conseguiu um médico [...]. Grifo meu.
Destaco o registro feito por Lavras (2013, p. 265-66), com relação a esse período
de governo
[...] Dr. Sebastião de Moraes tornou-se um grande articulador do movimento
municipalista em Campinas e, por meio de Arouca, foi apresentado aos
secretários de saúde de Londrina e de Niterói que comandavam experiências
municipais semelhantes.
Lavras ainda descreve que em 1978 foi realizado o I Encontro Municipal de
Saúde, com a participação desses profissionais dos dois municípios, e com a presença do
secretário estadual de saúde – Walter Leser. Era o embrião do Movimento de Reforma
Sanitária.
A partir daí estabeleceu-se um permanente intercâmbio profissional entre esses
grupos e novas articulações foram sendo consolidadas. Nesse contexto a SMS de
Campinas se transformou em espaço de luta pela redemocratização do país
[...].(p. 265-66).
Com relação ao movimento popular de saúde de Campinas, L’Abbate (2010)
afirma que os moradores de vários bairros de Campinas, começaram a se agrupar em busca
de soluções para problemas de saúde e condições de vida, e foram o embrião das futuras
Comissões de Saúde (p. 205). Ainda segundo a autora, essas comissões tiveram sua origem
nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e, em menor número, em entidades mais
antigas e tradicionais como as Sociedades Amigos de Bairros (SABs). Em 1987, a partir de
um Seminário, essas comissões passaram a utilizar a denominação de Movimento Popular
de Saúde (MOPS).
68
Quanto ao modelo de assistência à saúde, segundo Junqueira & Inojosa (1990),
havia uma proposição de revisão se conformando nos anos 70
[...] Nos anos pós-64, ocorreu um movimento de centralização de recursos e
decisões, no nível federal, hipertrofiando o Poder Executivo central [...] até o
final da década de 70, conformou-se no país um modelo assistencial de saúde
fragmentado e desarticulado em relação ao papel dos três níveis de governo,
dividindo a clientela entre "previdenciários" e "não previdenciários" e
dicotomizando ações de prevenção e cura. (p. 7-8)
Em um contexto de elevado crescimento industrial que ocorreu na década de 70,
associado a um processo de modernização agrícola, Cunha & Oliveira (s/d) afirmam que foi
determinante para que a cidade de Campinas se tornasse um importante polo regional (p.
352).
L’Abbate (2010) corrobora com a afirmação e acrescenta
É o início da configuração chamada de ‘periferia’26, que se estendeu, sobretudo
na direção da zona sudoeste do município [...]
[...] para essa periferia foi empurrada e segregada grande parte da população
trabalhadora, sobretudo de mais baixa renda, nela incluindo o grande
contingente migratório que ocorreu à cidade na década de 70. Tal contingente
era o principal responsável pelo aumento do número de favelados [...]. (p. 59 e
73). Grifos meus.
Essa explosão migratória, segundo Abrahão (1994), determinou uma pressão por
serviços de atenção à saúde pública e gratuita direcionada à população recém-chegada à
periferia de Campinas.
Para L’Abbate (2010, p. 75)
É no interior desses processos de explosão urbana e da piora do nível de
qualidade de vida da grande maioria da população habitante da periferia,
ocorridos a partir dos anos 70, que se observará, em Campinas, o aumento
significativo de serviços do setor público de saúde [...].
A década de 70 foi uma época intensa de ampliação da rede de postos de saúde
municipais, da criação do primeiro hospital público do município de Campinas – Hospital
Dr. Mário Gatti – pois, até então havia somente os hospitais filantrópicos e os hospitais do
estado. Segundo L’Abbate (2010), na década de 80 foram criados os dois hospitais
26 Segundo Chauí (1987, p. 73) [...] a população das grandes cidades se divide entre um “centro” e uma
“periferia”, o termo periferia sendo usado não apenas no sentido espacial-geográfico, mas social,
designando bairros afastados nos quais estão ausentes todos os serviços básicos (luz, água, esgoto,
calcamento, transporte, escola, posto de atendimento medico). Condição, alias, encontrada no “centro”, isto
é, nos bolsões de pobreza, os cortiços e as favelas. População cuja jornada de trabalho, incluindo o tempo
69
universitários – PUCCAMP e UNICAMP. Ainda segundo a autora, com base em estudo de
Semeghini (1991), os primeiros hospitais criados no final do século XIX foram a Santa
Casa de Misericórdia (atual Hospital Irmãos Penteado), a Beneficência Portuguesa e o
Circulo Italiani (atual Santa Casa).
Os postos de saúde municipais foram se formando a partir das regiões periféricas
de Campinas, buscando dar conta das necessidades daquela população que era
socioeconomicamente carente (Smeke (1989), L’Abbate (2010) e Nascimento (2006), e
implantados em casas alugadas com influência das Comunidades Eclesiais de Bases
(CEBs)27, ligadas às Pastorais da Saúde da Igreja Católica.
Queiroz (1993) aponta que durante o ano de 1977 foram instaladas duas unidades
de saúde pela Prefeitura e, a partir de então, novas unidades foram criadas. Segundo o
autor, ao final de 1979, a rede contava com 22 e, em inícios de 1981, 36 Postos de Saúde no
município. Foram instalados dezesseis postos de saúde municipais em bairros de periferia,
que se somaram aos quatro postos de saúde da PUC já existentes. Os postos de saúde eram
implantados na perspectiva do Programa de Medicina Comunitária em parceria com o
Departamento de Medicina Preventiva e Social (DMPS) da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) e o Departamento de Medicina Social e Preventiva (DMSP), da
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), foram fortes aliados para a
revisão do sistema de saúde de Campinas. Além destes, havia cinco centros de saúde da
Secretaria Estadual de Saúde que funcionavam separados dos postos de saúde municipais.
Julgo importante destacar que, as unidades de saúde eram instaladas a partir de
estudos do território, como afirma Lavras (2013, p. 264)
[...] desenvolvemos uma metodologia de reconhecimento do território e
caracterização das condições de vida e saúde da população residente nos locais
onde se pretendia instalar uma unidade de saúde [...] unidades orientadas pela
concepção de Medicina Comunitária [...].
Segundo Garcia (2009), o sistema de saúde nessa época era gerenciado pelo INPS
e consistia em consultas especializadas e atendimento fragmentado e pouco resolutivo.
gasto em transportes, dura de 14 a 15 horas, e, no caso das mulheres casadas, inclui o serviço doméstico e o
cuidado com os filhos. 27 As CEBs – Comunidades Eclesiais de Base ligadas à Igreja Católica, incentivadas pelo Concílio do
Vaticano (1962 – 1965) espalharam-se no Brasil principalmente nas décadas de 70 e 80 durante a luta contra
Ditadura Militar no país.
70
As unidades de saúde do estado, por sua vez, desenvolviam ações programáticas
em função do quadro epidemiológico vigente na época: saúde da mulher, saúde do adulto,
saúde da criança, gestante e outros atendimentos como hipertensão, diabetes, saúde mental,
vacinação, vigilância, odontologia, dentre outros.
Alguns dos entrevistados fizeram parte desse processo de construção e
demonstram muito afeto ao relembrarem desse momento histórico. Em suas falas, tanto
durante as entrevistas quanto durante o debate no momento da Oficina de Restituição,
causavam uma comoção percebida através de olhares brilhantes e distantes – olhando para
o horizonte como se buscando reviver o momento. Houve um silêncio respeitoso e a
verbalização do sentimento de “saudades”.
Nessa interface da criação de um sistema de saúde contra hegemônico ao instituído
na esfera federal e estadual, os entrevistados relembram com carinho as ações de Vigilância
Epidemiológica e contam acerca do Centro de Saúde Estadual da Avenida Faria Lima –
denominado de “CS 1” –, que tinha uma região de abrangência e tratava hanseníase, fazia
vacinas, cuidava da Tuberculose, dentre outros, sendo referência para os postos de saúde
municipais.
Os profissionais contratados na época eram médicos, dentistas e auxiliares de
saúde pública para fazer as ações de saúde. Estes eram representantes eleitos pela
comunidade e que não tinham uma formação específica para isso. Posso orgulhar-me em
dizer que fiz parte desta categoria de auxiliares de saúde pública, pois foi dessa maneira que
me inseri na Prefeitura Municipal de Campinas.
Segundo Queiroz (1993, p. 10-11), todos profissionais deveriam ser
[...] recrutados no próprio meio social em que iriam atuar para que pudessem
servir de elo entre a comunidade e a equipe de saúde. Após terem sido treinados,
eles deveriam transmitir à comunidade uma mensagem educativa [...]
antagonizar os perigos da excessiva medicalização promovida pela sociedade de
consumo [...] ensinar que grande parte dos problemas de saúde não necessitam
obrigatoriamente da intervenção médica; [...] Uma parte importante deste
projeto deveria ser de responsabilidade da própria população de usuários que
seria envolvida pela equipe de saúde no sentido de sentir-se responsável pelo
sucesso do mesmo. Para a execução destas ideias, o poder público municipal
iniciou a construção de uma rede de postos de saúde localizados na periferia
urbana.” (p. 10 -11). Grifos meus.
Foi com emoção que ouvi alguns entrevistados contarem essa história
especificamente, pois fui auxiliar de saúde pública e vivenciei e experimentei o período em
71
que os médicos assumiam a preparação dos auxiliares de saúde pública28, capacitando
técnica e politicamente, realizando atividades atribuídas ao médico e enfermeiro e
participando de reuniões de conscientização política num processo de democratização da
própria instituição Secretaria (L’ABBATE, 2010).
Assim sendo, me identifico nos depoimentos de quem foram auxiliares de saúde,
como eu
[...] a comunidade nos indicava e a gente ia fazer a entrevista e aprendia na
raça. Na época não tinha faxineiro, ‘fechava’ o posto de saúde a tarde e todos
faziam a limpeza e a população sabia disto [...]Grifos meus.
L’Abbate (2010) contribui ao destacar a interlocução entre os profissionais de
saúde recrutados na comunidade e os moradores
[...]já mobilizados em torno dos problemas de saúde do bairro, e outros grupos,
constituídos a partir da atuação dos profissionais de saúde que vieram trabalhar
nos postos, envolveram-se organicamente em todas as atividades necessárias à
implantação e manutenção das unidades de saúde. (p.206). Grifos meus.
Lavras (2013, p. 265) corrobora com L’Abbate
[...] aos poucos foram incorporados à equipe da Secretaria, profissionais,
sobretudo médicos, oriundos de vários locais do país: eram pessoas
consideradas “de esquerda”, muitas das quais perseguidas pela ditadura militar
vigente ou ainda apenas identificadas com os ideais que ali prosperavam. A
unidade dessa equipe se construiu em torno do compromisso do grupo com a
organização dos serviços locais de saúde e com a luta pela redemocratização do
país [...].
É importante destacar que algumas ações de vigilância já eram realizadas pelos
serviços de saúde, apesar de ainda sem uma sistematização na rede de Campinas. Os
entrevistados relatam que os auxiliares de saúde pública tinham dúvidas acerca da tosse que
passa para o outro paciente e que era chamada de Tuberculose. O que seria isso afinal? Na
época, os pacientes que apresentavam sintoma de tosse eram diagnosticados como
pneumonia e tratados com penicilinas. Era solicitado o retorno do paciente e, quando as
auxiliares de saúde percebiam que o paciente estava piorando, dúvidas e questionamentos
motivavam, o que um dos entrevistados chamou de olhar vigilante.
28 Segundo Garcia (2009), para essa função era feito um processo seletivo e tinha que ser maior de idade,
alfabetizado, ter domínio da escrita e ser morador da área e ter interesse pelos problemas do bairro. A Lei do
Exercício Profissional da Enfermagem (1986) regulamentou a profissão de auxiliar e técnico de enfermagem,
colocando em extinção o antigo atendente de enfermagem e mexendo com funções como do auxiliar de saúde
pública. Na década de 90 inicia-se um Projeto Municipal de formação dos auxiliares de saúde pública que se
chamou Projeto Larga Escala.
72
[...] Quando a gente começou a ouvir a falar em tuberculose, a gente pensava:
meu Deus, o que será que é isto, aquela tosse, será que passa para o outro
paciente? Grifos meus.
Outras recordações de situações as quais exigiam esse olhar vigilante da equipe de
saúde, por serem de risco e vulnerabilidade. Foi contada a história de uma lagoa no bairro
do Jardim Marajó, e que segundo a entrevistada, era foco de esquistossomose chamada, na
época, de barriga d’agua e xistosa. Eram realizadas visitas pelos auxiliares de saúde
pública para discutir com a população acerca do risco existente no local.
Outra situação trazida por um dos entrevistados, e que merece destaque, foi sobre
o olhar mais apurado das auxiliares de saúde pública, para os “cachorros que tinham parte
da orelha faltando”. Não sabiam ao certo o que seria, mas tinha-se a certeza de que não era
algo normal. As auxiliares de saúde pública29 iam estudar sobre o assunto, discutir com o
médico e “vigiar o local”.
[...] A gente sabia por trabalhar e procurar [...] encontrava um cachorro que
faltava um pedacinho a orelha, e íamos vigiar e olhar e ver. [...] Eu tinha
curiosidade de ver por que os cachorros tinham o pedaço da orelha faltando [...].
Um depoimento acerca das campanhas de vacinação dos cachorros, chamou
minha atenção
[...] era o exercito quem fazia, eu ficava doida com aquilo, por que eles
enfiavam as agulhas e contaminavam e fiz um documento, comprei uma briga,
falei que tinha conhecimento de como conservava a vacina, como fazer a técnica
[...] e conseguimos qualificar isto [.] depois nas campanhas e eu aproveitava e
anotava os matadouros clandestinos e vigiava e denunciava. Eu tinha uma visão
mais avançada [...]. Grifos meus.
Os casos de acidentes de trabalho tinham seu primeiro atendimento no posto de
saúde e depois eram encaminhados para o Hospital Irmãos Penteados, que era a Unidade
cadastrada pelo Ministério do Trabalho.
29 Em 1987, houve o primeiro e único curso de auxiliar de enfermagem pelo SENAC que a prefeitura bancou
para alguns dos auxiliares de saúde pública. Em seguida tivemos o grande projeto Larga Escala.
73
Períodos de 1983 a 1988
Em um contexto de profunda crise econômica do Estado, José Roberto Magalhães
Teixeira (PSDB) assumiu como prefeito de Campinas. O Secretário de Saúde indicado foi
Dr. Nelson Rodrigues Santos30.
Segundo Queiroz (1993), a administração municipal que se iniciou em 1983,
encontrou a rede em situação precária devido à carência de recursos existentes. Ainda
segundo o autor, o Plano CONASP e o Pró-Assistência foram projetos que tinham como
objetivo transformar a da rede básica num sistema de saúde descentralizado, hierarquizado
e regionalizado.
O município de Campinas, em meio às dificuldades encontradas inicialmente, deu
resposta imediata ao Pró-Assistência e ao Plano CONASP, constituindo um colegiado
Interinstitucional formado por representantes da UNICAMP, da PUCCAMP, das
Secretarias Estadual e Municipal de Saúde e do INAMPS.
Segundo L’Abbate (2010,p. 114)
Nesse contexto, um grupo de técnicos de algumas instituições do setor público de
saúde de Campinas, basicamente das secretarias estadual e municipal de saúde e
das universidades, iniciou um processo de integração entre os vários serviços.
Desse esforço, resultou a proposta do Pró-Assistência I.
Corroborando com a autora, Queiroz (1993) aponta que apesar do protagonismo de
Campinas, em reação aos projetos a integração interinstitucional do setor público em saúde
em Campinas ocorreu em 1983, através do Pró-Assistência I envolvendo a UNICAMP,
PUCCAMP, Secretarias Municipal e Estadual de Saúde, Ministério da Previdência e
Assistência Social (Agência Regional do INAMPS) e Ministério da Saúde (Delegacia
Federal de Saúde). O autor reforça que apenas em 1984, após a assinatura do convênio com
o Ministério da Previdência e Assistência Social houve maior regularidade de repasses
financeiros. (p. 15)
A partir do Pró-Assistência, em 1984, inicia-se o convênio das Ações Integradas
de Saúde (AIS) (promovido pelo governo federal), que envolvia convênios tripartites e
30 Dr. Nelson é médico docente do antigo DMPS e atual DSC da FCM/ UNICAMP, já havia coordenado a
Secretaria Técnica do Programa de Interiorização das Ações de Saneamento (PIASS), o que, segundo
L’Abbate (2010) foi a primeira experiência institucionalizada envolvendo Cuidados Primários à Saúde, além
de ter sido diretor do Centro de Saúde Escola de Paulínia no período de 1978 a 1982.
74
assinatura de termos de adesão envolvendo os três níveis de governo. Em Campinas
estiveram envolvidos a Prefeitura, UNICAMP, Estado, INAMPS e PUCCAMP.
Segundo L’Abbate (2010), neste período, a rede básica municipal contava com 48
Centros de Saúde (36 da SMS, oito da SES e quatro da PUCCAMP em convênio com a
SMS) localizados em bairros centrais e na periferia de Campinas e com baixa capacidade
de atendimento, sendo necessário à reorganização dessa rede.
De acordo com Queiroz (1993), em 1986 foi implantado o Programa de Saúde do
Trabalhador implantado, numa ideia de intervenção em cuidados aos pacientes que
extrapolavam o modelo médico-centrado, e orientava o trabalhador a se proteger
juridicamente em casos de acidente de trabalho (p. 16-17).
Nesse contexto, foi criado em 1985 no estado, o Centro de Vigilância
Epidemiológica (CVE), através do Decreto n° 24.565 de 1985 e os Escritórios Regionais de
Saúde (ERSAs) em 1986. Foi um momento de discussões acerca da municipalização da
Vigilância, mais especificamente da Vigilância Epidemiológica, pois havia uma convicção
de que seu núcleo estava mais ligado à rede, havendo interface com a assistência. Segundo
documentos resgatados da época, o sistema de Vigilância Epidemiológica foi constituído
por 3 níveis: Centros de Saúde, ERSA (ou SUDS – Regional) e CVE, permanecendo o
papel complementar do Instituto Adolfo Lutz e SUCEN (BRASIL, 1985).
A partir do diagnóstico de que as ações de Vigilância Epidemiológica eram
desenvolvidas, quase que exclusivamente pelo estado, com pequena participação do nível
municipal, o que contribuía para um modelo verticalizado e pouco resolutivo, houve a
determinação da premissa de que o SVE deveria ser municipalizado,
[...] que a implantação da municipalização se faça, conforme a capacidade do
município em absorver as atividades de Vigilância Epidemiológica [...]
necessidade de definir estratégias [...] coordenação do SUDS Regional [...].
Em 1987 o diretor do CVE de São Paulo – Dr. Alexandre Vranjac – indica que
cada ERSA deveria ter sua Vigilância Epidemiológica, composta por uma equipe
especializada na área, que se vincularia administrativamente ao ERSA e tecnicamente ao
CVE.
Cabe destaque para essa conformação institucional – vínculo administrativo a um
órgão e vínculo técnico a outro –, que apesar de serem estratégias para a municipalização,
causaram ruídos entre os trabalhadores durante o processo de descentralização da
75
Vigilância para os Distritos de Saúde, também se vinculando administrativamente aos
Distritos e tecnicamente ao nível central da Vigilância. Mais adiante retomarei essa
estratégia com os questionamentos feitos pelos trabalhadores de Vigilância de Campinas.
Dr. Carlos Eduardo Cantuso Abrahão (ou Abrahão, como é conhecido) foi um dos
profissionais indicados por Dr. Vranjac para esse desafio e ocupou o cargo de Diretor
Técnico do GVE da Secretaria de Estado da Saúde (São Paulo) no período de 1985 a 1989,
e assumindo o desafio de implantar o Sistema de Vigilância Epidemiológica do Estado de
São Paulo, na região de Campinas – composta por 83 municípios vizinhos (ABRAHÃO,
1994).
[...] vim para a Regional de Campinas, para o Grupo de Vigilância
Epidemiológica (GMVE) da DRS, e o diretor do CVE – Dr. Alexandre Vranjac –
que tinha clareza da importância da VE e escolhia pessoas chaves para cumprir
este papel [...] e foi um rompimento de paradigma na época [...] e a Brigina e o
Sérgio foram selecionados – e com uma equipe própria começou o GMVE
(Grupo Municipal de Vigilância Epidemiológica) e depois foram a Daise31, a
Dolores, e outros. Assim começa a Vigilância Epidemiológica municipal. Grifos
meus.
Um grande desafio estava posto para os municípios e a encomenda era ainda
maior. A estratégia, segundo este entrevistado, foi de municipalizar em três fases
[...] 1° fase: todos os municípios deverão executar as ações de notificação de
doenças submetidas à notificação compulsória, registo das mesmas no SVE e o
envio semanal do boletim ao CVE e aos órgãos regionais de Vigilância [...]
2° fase: o município deverá estar capacitado a implantar a busca ativa de casos,
realizar a análise dos dados epidemiológicos, propor e executar medidas de
controle [...] necessário à existência de um órgão ou grupo específico de
trabalho em Vigilância Epidemiológica, junto ao município [...] 3° fase: deverá o
nível municipal, estar capacitado para avaliar continuamente todo o sistema e
subsistemas, inclusive todos os demais órgãos e instituições de saúde e de
capacitação pessoal [...] (Texto mimeo / s/d - Secretaria de Estado da Saúde).
Em 1986 foi realizada a VIII Conferência Nacional da Saúde (CNS), considerada
um marco histórico que consagra os princípios preconizados pelo Movimento da Reforma
Sanitária, instituindo em 1987, Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS),
consolidando as Ações Integradas de Saúde (AIS).
As ações de Vigilância Epidemiológica estavam concentradas nos Centros de
Saúde do estado, enquanto que nos postos de saúde municipais só eram realizadas ações de
31 Daise e Maria Dolores Pezato.
76
diagnóstico inicial, encaminhando posteriormente para as referências estaduais. Um
exemplo foi à vacinação antirrábica: o paciente ia para o posto de saúde municipal, que
fazia o curativo e preenchia a ficha de notificação – conhecida como a ficha rosa – e depois
encaminhava o paciente para vacinação no Centro de Saúde Faria Lima (estadual).
Em relação à Tuberculose, os postos de saúde municipais faziam o diagnóstico
inicial e depois encaminhar para tratamento no Ambulatório de Tisiologia do Centro de
Saúde Faria Lima, demonstrando a “expertise” da rede de saúde municipal para ações de
vigilância.
Segundo uma das entrevistadas,
[...] No tempo que não tinha o enfermeiro no serviço, havia uma enfermeira que
vinha do CS Esmeraldina para fazer o BCG uma vez por semana com toda
aquela coisa: a tenda, sala escura, dava medo, flambava a agulha, eu tinha medo
[...].
Neste contexto, em 1987 estrutura-se em Campinas o Grupo Municipal de
Vigilância Epidemiológica (GMVE) através da Comissão Interinstitucional Municipal de
Campinas (CIMS)32 – AIS, que ficava no antigo Escritório Regional de Saúde 27
(ERSA)33, depois chamado de Diretoria Regional (DIR). Ao falar sobre este período, os
entrevistados diretamente envolvidos demonstraram muita emoção e afeto. Os olhares
novamente miravam o infinito, como que revivendo o momento.
Balista, et al (2011) afirma que as ações de Vigilância Epidemiológica foram
assumidas integralmente pelo município de Campinas, desde a criação do GMVE,
antecipando-se à municipalização formal, que ocorreu em 1988.
O GMVE, composto dentre outros pela Enfermeira Brigina Kemp e Dr. Sérgio
Cavallari, é considerado com uma ruptura de paradigma na época e Campinas protagonizou
esta municipalização.
[...] foi apresentada para mim o que era a Vigilância Epidemiológica, o que se
esperava, eu fiquei assim extasiada, animada, [...] É isso o que eu quero.[...]
Abrahão foi uma pessoa fundamental, tanto para a minha formação, quanto pra
criação desse grupo, no qual ele investiu muito [...] Foi um momento de criação
que eu acho emocionante e, eu diria glorioso (ênfase da entrevistada). Grifos
meus.
32 Segundo L’Abbate (2010) a primeira CIMS do Brasil nasceu em Campinas era composta pela Secretaria
Municipal de Saúde, Hospital Mário Gatti, Escritório de Ação Regional, INAMPS (representando os Postos
de Assistência Médica), UNICAMP, PUCCAMP, hospitais filantrópicos (p.100 e 117). 33 Ainda segundo L’Abbate (2010), o ERSA, na realidade, era o próprio SUDS, passando a exercer a
intermediação entre o nível federal e o municipal, quanto ao repasse de verbas, assinatura de convênios,
avaliação e controle das atividades (p. 117).
77
Assim começa a Vigilância Epidemiológica municipal. Os “bloqueios de
meningite” foram relembrados nas entrevistas de gestores e trabalhadores, como um
momento de grande aprendizagem por ser feito “junto com” o GMVE.
[...] Então nós fazemos busca ativa em todos os hospitais da cidade, quando
tinha alguma ação pra fazer visita domiciliar, nós que íamos fazer. Em algumas
situações nós ainda avisávamos o Centro de Saúde, olha tá tendo uma ação aí na
sua área de abrangência. [...] Grifos meus.
Após a VIII Conferência Nacional de Saúde (1986) que aprovou as diretrizes para
organização do Sistema Nacional de Saúde, em outubro de 1988 é promulgada a nova
Constituição Federal, que estabeleceu tais diretrizes. Foi o momento de criação do Sistema
Único de Saúde (SUS) e instituindo a saúde como direito de todos e dever do Estado (art.
196), além de trazer entre os princípios e diretrizes deste sistema de saúde, a integração da
Vigilância dentro do SUS.
Acerca do SUS enquanto política de Estado, Santos (2012) propõe o seguinte
debate,
Sob o ângulo jurídico-legal, desde a Constituição Federal até a recente Lei
n°141/2012, a implantação do SUS pode ser considerada concluída, e a Reforma
Sanitária Brasileira encerra sua contribuição para um sistema público
plenamente instituído. Contudo, sob o ângulo da real política de Estado, o SUS
encontra-se contra hegemônico, ainda engatinhando, com exaustão em quase
todas as frentes de luta pela implementação de suas diretrizes constitucionais
[...] a maior parte do que foi instituído legalmente, permanece, na prática,
instituinte. Grifos do autor (p. 9).
78
Período de 1989 a 1992
Em 1989 assumiu o governo de Campinas o Partido dos Trabalhadores, tendo com
prefeito Jacó Bittar34 e como secretário de saúde Dr. Gastão Wagner de Souza Campos35.
Segundo L’Abbate (2010) havia uma crise na assistência à saúde, devido aos poucos
recursos financeiros que não mudaram com o SUDS, respondendo a [...] 50% do
financiamento dos serviços públicos de saúde” (p. 148).
Quanto ao contexto da municipalização, um dos entrevistados ressalta
[...] A municipalização não foi problema no estado, visto que o estado não
resistiu e integrou rápido [...] tivemos a lei que foi para a Câmara, da isonomia
salarial. Quem resistiu foi o antigo INAMPS. Grifos meus.
Com relação à ampliação da rede de serviços de saúde, um entrevistado conta
[...] havia políticas de governo muito claras: ampliação da rede que era pequena
e o orçamento era pouco; o numero de enfermeiros era em cerca de oito e houve
um aumento para quarenta; houve um aumento de numero de unidades de cerca
de dezessete para trinta e seis unidades. Mas tinha um desafio dado que era a
mudança da prática, dos paradigmas hegemônicos na época e trabalhar com o
conceito de territorialização, uma de nossas marcas de governo [...] Mas havia
dificuldades na rede por ser pequena e com baixa capacidade de gestão.
Segundo L’Abbate, apesar de ter havido uma ampliação do número de Centros de
Saúde da rede municipal36 e melhora das instalações, equipamentos e recursos humanos [...]
a rede não havia perdido totalmente seu caráter ‘de serviço de saúde para pobre’ (p. 148).
Um exemplo citado pela autora foi da cobertura de vacinação de crianças nos Centros de
Saúde da época, - 55% da população menor de um ano.
Apesar de compreender o limite de uma reforma cultural, Campos (1991) acredita
que,
34 Foi um governo que ao final sofreu uma crise , caracterizada pelo conflito entre o prefeito e o Partido dos
Trabalhadores, que culminou com o desligamento do prefeito municipal do PT e a renúncia do secretário de
Saúde – Dr Gastão Wagner. 35 Gastão Wagner de Sousa Campos, docente do antigo DMPS e atual DSC da FCM/ UNICAMP e que
antes de assumir como secretário de Saúde de Campinas, era diretor do Centro de Saúde-Escola de Paulínia. 36 L’Abbate aponta que há estudos que demonstravam que a rede básica do município contava, de 48 Centros
de Saúde (36 da SMS, 8 da SES e quatro da PUCCAMP, em convênio com a SMS) localizados em alguns
bairros centrais e da periferia da cidade [...] só conseguindo atender a cerca de 20% da população [...] tornava-
se necessário repensar a organização dessa rede (p. 114).
79
[...] talvez a principal obra do governo municipal na área da saúde nesta época,
tenha sido a instauração de um novo clima de debates sanitários, serviços e
programas de assistência, dando espaço a um Movimento Cultural, que para os
padrões brasileiros pode ser considerado inusitado [...] Resgatou-se o direito à
dúvida, estimulou-se o debate entre diferentes concepções, sistematicamente
foram questionados os limites de atuação dos vários atores sociais [...] abertura
para a diversidade, este reconhecimento da legitimidade do conflito de opiniões,
fez renascer a esperança entre vários desses sujeitos sociais potencialmente
interessados na implementação de mudanças (p. 140).
Segundo o autor, uma das diretrizes do governo para a saúde partiu do
reconhecimento da crise vivenciada pelo modelo médico-hospitalar no Brasil e sua
incapacidade de resolver os problemas de saúde da população, exigindo não somente uma
expansão na rede pública, mas também uma reformulação das concepções e das práticas da
administração sanitária e dos modos de se organizar a atenção à saúde (p. 144).
Dessa forma, a partir de 1989, os chamados “Centros de Saúde” (que eram
estaduais), foram municipalizados e todos os postos de saúde passaram a ser denominados
de Centro de Saúde37 e as ações de vigilância foram descentralizadas desde 1987 com a
criação do GMVE, e formalmente a partir de 1988.
Os Centros de Saúde, segundo Campos (1991), deveriam ser capacitados para
absorver a demanda espontânea, não sendo cooptados pela lógica do modelo de pronto-
atendimento, mantendo a integralidade da atenção e também realizando Vigilância
Sanitária e Epidemiológica, avaliação de riscos ambientais em fábricas, creches, escolas,
etc. (p. 145).
A descentralização das ações de saúde trazia o modelo de uma rede básica de
saúde, atuando como porta de entrada do sistema de saúde, através de um modelo de
atenção integral à saúde. Os antigos problemas que eram tratados na rede básica passam por
uma sistematização. A esquistossomose, por exemplo, foi novamente trazida por um dos
entrevistados, desta feita como um momento de “aprendizado muito grande”, pois a
37 Me identifico com a diferenciação entre Posto de Saúde e Centro de Saúde, proposta por L’Abbate (2010),
a saber: “ à época da Medicina Comunitária nos anos 70 [...] Postos de Saúde significava um serviço com
menos recursos e instalações mais precárias. Mas, a partir dos anos 1990, ou até um pouco antes, com a
melhoria das instalações e a maior complexidade da equipe de saúde [...] a expressão Centro de Saúde passou
a ser usada como mais adequada, embora muitos continuem até os dias de hoje, a chamar os Centros de Saúde
de “Postos” ou até de “Postinhos” (p. 110).
80
Vigilância Epidemiológica estava mais próxima, e a Vigilância Sanitária atuava junto e
integrada, colaborando para que a lagoa fosse despoluída, e o problema resolvido.
Outra diretriz de governo, segundo Campos (1991), foi a necessidade de reforma
da estrutura administrativa, dos mecanismos de gestão e da organização do processo de
trabalho da Secretaria de Saúde. Nesse contexto, houve a criação de várias instâncias
colegiadas de direção do sistema, com objetivo de democratizar a gestão e que, segundo o
autor, tinha duas dimensões: uma intra-institucional e outra ligada à sociedade (p. 150-
151)38.
Neste contexto o GMVE foi integrado pela Secretaria Municipal de Saúde à
Divisão de Controle do Meio Ambiente (DCMA), que também era composta pelos Serviços
de Controle de Zoonoses, Serviço de Fiscalização Sanitária e da Alimentação Pública39.
Nessa época, Dr. Abrahão foi convidado para coordenar esta Divisão e teve a encomenda e
o desafio de realizar um trabalho de integração e reordenação na lógica dos Sistemas de
Vigilância no município de Campinas, em suas áreas: epidemiológica, sanitária, zoonoses e
depois ambiental.
[...] Abrahão foi convidado pra formar e pra agrupar os serviços de vigilância,
que já funcionavam, mas separadamente. Então o Abrahão veio pra cá pra
colocar a vigilância epidemiológica dentro da estrutura. Até porque já tinha
ocorrido o SUS, já estava ocorrendo à municipalização, não tinha mais sentido
ter aquele grupo interinstitucional que ia deixar de existir porque estava
ocorrendo à municipalização. [...] Aí juntou a epidemiológica, o antigo canil [...]
juntou o trabalho ambiental e juntou área de alimentos. [...] Foi um período
também de extrema produção, produção de gestão, produção técnica, produção
de modelo, e aí estavam trazendo pra rede coordenadores [...] a secretaria de
saúde era bem menor. Todas as reuniões eram na secretaria inteirinha [...].
Grifos meus.
Segundo Vilela (2001) as práticas de Vigilância estavam, tradicionalmente, sendo
desenvolvidas de forma fragmentária pelo gestor estadual do sistema de saúde e com o
advento da municipalização, no inicio dos anos noventa, foram assumidas pelo gestor
38Campos (1991) destaca a criação de Colegiado de Governo (secretário de saúde, diretores e assessores
diretos) e Colegiado de coordenadores ou diretores de serviços com a finalidade de deliberar sobre políticas e
como implementá-las e apresentá-las à sociedade. Na dimensão ligada à sociedade, houve a criação de
Conselhos Locais e o Conselho Municipal de Saúde, instância máxima do sistema, com o objetivo de discutir
e aprovar o Plano Municipal de Saúde. 39Na área das ações de Vigilância Sanitária, mais sistematizada e antiga, conforme visto anteriormente, havia
o Serviço de Fiscalização Sanitária da Alimentação Pública que se mantinha, havendo um coordenador para a
área.
81
municipal. A autora aponta que este gestor por sua vez se viu atabalhoado e engolido pelos
problemas da organização da assistência individual aos seus cidadãos (p. 2).
[...] a vigilância sempre teve várias visões, direitos trabalhistas diversos (faltas,
licenças, abonos) e tinha que fazer sempre negociações. Em meio a mudanças
houve muitos atritos devido culturas diferentes.Quem mais se integrava era o
pessoal da Epidemio [...] havia estilo de gestão com pouca negociação. Houve
a criação da COVISA, apesar de querermos que fosse o Departamento de Saúde
Coletiva, devido ao paradigma que influencia a transversalidade – voto vencido.
Montamos o Colegiado da Vigilância para servir de gestão compartilhada. As
dificuldades que encontramos foi do perfil dos profissionais e a ideologia que
carregavam de uma tradição fiscal [...]. Não mudou muito o modelo. A VE
mudou e integrou-se a rede, já tinha história anterior e acúmulo, capacitou à
rede. Então recriamos algumas coisas [...].
Muitos debates foram realizados no sentido de construir diretrizes para o novo
modelo, no qual a Vigilância Epidemiológica, Sanitária e Controle de Zoonoses
participassem da atenção integral à saúde e buscando estratégias de enfrentamento das
dicotomias assistência X vigilância, com incorporação das ações de vigilância para todos os
Centros de Saúde.
Em relação à operacionalização da descentralização e as estratégias utilizadas pelo
DCMA em relação ao trabalho com os Centros de Saúde, foi dito que
[...] A primeira coisa que, nós da gestão descentralizamos foi a vacina
antirrábica. Porque a vacina não tinha ainda um controle, [...] Quando a gente
identificava um caso, a gente preenchia a ficha, fazia um atestado e qualquer
ação na família, no território que era pra fazer, era com o CS. A gente entrava
em contato: “olha, nós vamos aí, estamos investigando um caso de leptospirose,
alguém tem que ir junto com a gente. Não era assim “você pode?”, não, era a
regra. Então nós íamos e fazíamos a ação em conjunto com o CS. E a ideia deles
era pra ir capacitando. [...] E aí isso foi tomando dimensão. Aí fomos dizendo
que isso não dava mais. Grifos meus.
Segundo alguns dos entrevistados foi um momento de instituir o que já era feito de
maneira não sistematizada. Apesar de um momento marcante para gestores, trabalhadores
da saúde e população, foi relatado por alguns entrevistados que trabalhavam nos Centros de
Saude, que a descentralização de instrumentos administrativos – fichas de notificação, por
exemplo-, geravam um incômodo nas unidades de saúde, pois havia
82
[...] muitos papéis para preencher, depois enviava pela perua do malote, mas
voltava muita ficha marcada de amarelinho, destacando campos não preenchidos
[...]
[...]. E quando vem a coisa: vocês estão com tudo no colo, e a gente já fazia e
nem se dava conta que fazia, “toma que o filho é teu “mas tem coisas que a gente
fazia aqui e a gente participou e ficou engavetado, a gente brigava que tinha uma
lagoa contaminada e tratava, tratava e ninguém fazia nada. (Grifos meus).
Vários desafios se impuseram no momento, tais como: a integração entre serviços
de vigilância e a população e a participação da sociedade civil: popular, sindical e
empresarial; a vigilância calcada no trabalho educativo e tendo a fiscalização como um dos
instrumentos de atuação, dentre outros.
Além desta integração entre as “vigilâncias”, a aproximação desta com a rede de
saúde, trazia maior agilidade na resposta aos problemas de saúde e em seu enfrentamento.
A comunicação entre a rede de saúde de Campinas e o nível central da Secretaria de Saúde
era feito através de uma linha telefônica privada – chamada por todos de LP. Os
entrevistados relembram dos casos discutidos através da LP e esse momento de resgate
mobilizou muitos olhares distantes, buscando uma lembrança de fatos, que traziam
comoção aos olhares que brilhavam.
[...] Era uma linha direta com o CS, a gente falava com o CS o dia inteiro,
orientando, recebendo notificação, combinando as coisas, agendando as coisas.
Nesta época não havia informatização na rede, mas iniciaram os primeiros FAX, o
que também facilitou a comunicação direta e mais ágil. Um dos entrevistados, de maneira
sensível enfatiza “nossa, quanta evolução para aquele momento!”.
As ações de Vigilância começaram a ser realizadas pelas Unidades de Saúde em
parceria com a Vigilância regional, investigações de toxiinfecções nas empresas, bloqueios
de doenças como meningite, busca ativa nos hospitais, coordenação das campanhas de
vacinação – “comandos”, dentre outras ações.
Apesar dos avanços em relação à descentralização da Vigilância, alguns
entrevistados tiveram uma percepção inicial de que havia um “cumpra-se” que foi descrito
por uma entrevistada através da expressão “toma que o filho é teu de agora em diante”.
[...] começamos a fazer a vacina (antes era só no Faria Lima) e [...] fizemos
campanhas de vacinação. Percebemos que no inicio, tinha participação de
muitas pessoas nas campanhas de vacinação – filas quilométricas e tinha que
aprender o calendário na raça e nos integramos as ações de saúde com a
vigilância e nos despertávamos do por que (significado) eu faço isto e
entendíamos mais do serviço [...]. Grifos meus.
83
Não obstante a referência de alguns entrevistados que afirmaram que sentiram um
processo vertical, algo que não podia ser negado, e sim, cumprido, ou seja, a
descentralização das ações de Vigilância, uma entrevistada que foi auxiliar de saúde
pública relembrou
[...] Na época tinha muitas capacitações, reciclagens, [...] e era tudo novo:
Reciclagem de Tuberculose. A descentralização já fazíamos, e oficializou o que
já fazíamos.[...] até então, a gente fazia e a gente mandava. Mas veio manual e
normas, é aquela coisa quadradinha e mudanças. E aí a sensação do primeiro
momento da descentralização foi de que foi jogado no colo da gente. [...] Grifos
meus
Segundo alguns dos entrevistados, a Secretaria de Saúde sempre foi “uma grande
escola de saúde pública”, contando acerca dos investimentos em termos de capacitação e
preparo técnico que foram realizados para os trabalhadores da saúde assumirem estas novas
atribuições da Vigilância nas unidades de saúde de Campinas. Os treinamentos e as
“reciclagens” eram muito esperados pela rede de serviços de saúde. E chegaram os manuais
e as normas de rotina, profissionalizando as ações descentralizadas.
Na época, houve a municipalização dos postos de atendimento médico do
INAMPS, os funcionários federais e estaduais foram municipalizados. Até que em 1990
houve a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo os entrevistados, para os
trabalhadores do estado que foram municipalizados, foi um momento de imposição, ou
seja, não havia escolha, “tinha que municipalizar”. O comando passou a ser do município e
não houve muita informação e diálogo, segundo entrevistados, a não ser que seriam
transferidos para as prefeituras.
Em relação à descentralização e municipalização contida nas diretrizes do SUS,
podemos dizer, com base nas entrevistas, que a Vigilância teve um processo distinto em
relação aos demais serviços que compunham a rede do SUS, ou seja, a Vigilância –
especificamente a Sanitária - chegou um pouco depois deste movimento nacional, após
verem que o SUS estava se consolidando. Este ritmo empreendido pela Vigilância
contribuiu, segundo alguns entrevistados, para que a Vigilância tivesse uma construção
separada da história da assistência, reforçando a dicotomia que hoje é um desafio a ser
enfrentado.
84
Apesar do acúmulo de Campinas na área de Vigilância de Alimentos, houve uma
dificuldade na descentralização relacionada à Vigilância Sanitária de bens e serviços de
interesse da saúde - tecnologias de beleza, limpeza e higiene, tecnologias de produção
industrial e agrícola, tecnologias médicas, tecnologias do lazer e tecnologias da educação e
convivência. Por desenvolver a Vigilância Sanitária de forma concorrente ao estado, o
município de Campinas vivenciou situações de conflito, pois as empresas buscavam o
estado para questionar as ações administrativas, como autuações de estabelecimentos
realizadas pelo município.
Nesse momento foi realizada uma reunião no ERSA 27 para pactuar como se daria
a municipalização da Vigilância Sanitária o que deixou os trabalhadores da Vigilância,
“apavorados” por perceberem o tamanho da responsabilidade e por não ter havido
treinamento e nem preparo para receber a municipalização.
Durante as entrevistas e nas oficinas de Restituição foi dada muita ênfase a esta
questão, quase como uma denúncia tardia de algo não resolvido e que deixou lacunas
[...] com munícipes entrando e pedindo documentos, licenças de funcionamentos
e os trabalhadores pouco sabiam sobre como atuar tendo esta nova competência
técnica. [...] Então as empresas baixavam ali, um volume de processos absurdo
e pouca gente para olhar”. Grifos meus.
[...] começamos a receber carrinhos e carrinhos com processos que vieram do
estado para o município e as empresas nos pressionando para dar licenças e nós
sequer formos capacitados para fazer isto [...] avalio que a municipalização foi,
por assim dizer, um tanto irresponsável [...].
Para alguns entrevistados, a Vigilância Sanitária sofreu um “[...] processo de
municipalização e descentralização atropelado, equivocado em dimensionamento de RH
[...] foi uma diretriz forte e, de certa forma, executada de maneira pouco
responsável e sem preparo e capacitação para procedimentos administrativos
nas diversas áreas, e sem investimento em RH”. foi um processo
[...] olha de agora em diante a Vigilância Sanitária é sua, por que descentralizar
é melhor”!
[...] olha de agora em diante a Vigilância Sanitária é do município”.
Cabe destacar a contribuição de L’Abbate (2010) ao estudar, dentre outros, a
constituição do sistema de saúde em Campinas, e, para tanto, entrevistando muitos dos
principais “personagens” desse processo. Um destes entrevistados, então presidente do
INAMPS na época, reconheceu que a mudança proposta em 1987, com a implantação do
85
SUDS, foi atropelada, e muito rápida, mas que ele entendia que se não tivesse sido desta
maneira, não haveria exequibilidade devido as fortes pressões existentes na época (p. 134).
Neste período – década de 90 -, não foram municipalizadas as ações de Vigilância
Sanitária dos serviços de alta complexidade - hemoterapia, hemodiálise, banco de tecidos e
órgãos -, por não haver profissionais disponíveis e capacitados para esta tarefa, mantendo o
estado como referencia e retaguarda destas ações. Segundo um dos entrevistados foi “um
suadouro para o município incorporar”, “aí a coisa ‘empapuçou’”.
Na maioria dos municípios, não havia equipes mínimas e nem infraestrutura física
e a maioria das ações de média e alta complexidade, como hemoterapia, hemodiálise, banco
de tecidos e órgãos (Balista, 2011; Abrahão, 1994) – as quais continuaram a ser
desenvolvidas em nível estadual, por não haver profissionais capacitados no município para
fazer estas ações.
É interessante comparar os vários olhares que existem sobre processo de
descentralização da Vigilância Sanitária, pois dependendo do lugar de onde o entrevistado
fala, há uma percepção sobre este processo.
A despeito do acúmulo na Vigilância de Alimentos, com Legislação Sanitária
desde 1933, segundo um dos entrevistados não houve uma integração interna, entre os
núcleos de Vigilância Epidemiológica e Vigilância Sanitária. A Vigilância Sanitária de
Alimentos era considerada pelos entrevistados como tendo uma equipe
[...] “mais fortinha”, [...] era uma equipe mais estruturada, e não estava
participando desta municipalização, apesar de já estar estabilizada e ser mais
antiga [...].
Cabe aqui destacar, o motivo pelo qual inseri a história da Inspetoria Municipal de
Alimentos (1933), uma vez que esse percurso para a Vigilância de Alimentos permitiu o
fortalecimento da área, conforme referido pelo entrevistado. Ainda segundo os
entrevistados, o processo de municipalização e descentralização da Vigilância Sanitária
(produtos e bens de consumo), não teve o apoio técnico como o processo da Vigilância
Epidemiológica, que já tinha uma construção anterior e protocolos integrados no município.
Por não haver o preparo técnico e investimentos em capacitação para a
municipalização da Vigilância Sanitária, os trabalhadores de Vigilância chamavam os
profissionais do estado para ajudar a fazer as inspeções, pois não havia outro mecanismo
86
para serem capacitados. Os entrevistados enfatizaram o sentimento de insegurança, medo e
solidão.
Isto contribuiu para uma dicotomia entre estas áreas de fiscalização e a
epidemiologia. A maior valorização (visibilidade) da Vigilância Epidemiológica e
Ambiental, segundo os entrevistados, se deve ao fato de terem o núcleo [...] mais ligada à
rede assistencial [...].
Além deste processo ter sido solitário, como referiram alguns entrevistados
também existia o preconceito culturalmente construído em relação à Vigilância Sanitária e
que precisava ser enfrentado. Os entrevistados relacionam este contexto a uma história da
Vigilância Sanitária que a condena do ponto de vista de ação, que apontava fiscais
corruptos no estado, além de autoritários.
O ‘modus operandi’ está diretamente relacionado com pressões no segmento
econômico, gerando incômodo para o setor regulado. Segundo os entrevistados, [...] nossas
ações são consideradas “antipáticas” e dependendo da forma desenvolvida, pode levar o
setor regulado à falência e desempregar muitas pessoas.
Sobre tais afirmações, concordamos com Lucchese (1992) que refere que a
Vigilância Sanitária é uma área crítica das relações entre Estado e Sociedade e justifica
tal afirmação referindo que ao lidar com produtos, processos, serviços, trabalho e
ambiente, entra em contato com uma diversidade de interesses e expressa várias
contradições sociais, e até mesmo a pressões dos setores do próprio Estado.
Também foi mencionado por alguns entrevistados que a área de Vigilância
Sanitária não tem um reconhecimento acadêmico, e até há uma “desimportância” em
relação à Universidade, o que impacta na formação dos profissionais.
Com relação ao que foi /abordado pelos entrevistados, destacamos os autores
Vecina, Marques & Figueiredo (2006) que fazem um debate acerca da relação entre
Vigilância Sanitária e os campos político, econômico e de saúde na perspectiva das
negociações das ações de controle de risco sanitário. Assim sendo, o modelo de Vigilância
Sanitária impõe as ferramentas que serão adotadas para momentos que muitas vezes são
tensos, como os acima descritos pelos entrevistados.
Em relação aos que eram chamados de fiscais sanitários, o contexto na nova
Constituição (1988) e da Lei Orgânica da Saúde (1990) impulsionou o ordenamento
87
jurídico com a promulgação da Lei Municipal 6.764/91, que segundo Abrahão (1994),
estabeleceu processos administrativos e definiu a figura da autoridade sanitária nos diversos
níveis de poder do executivo municipal. Esta legislação permitiu ao município a adoção da
legislação federal e estadual concernentes às ações de vigilância em saúde e meio ambiente,
incluído o de trabalho, com o respectivo processual administrativo.
O exercício do “poder de policia”, nos limites da discricionariedade legal para
proteção à saúde pública, implica o desafio de equilibrar abusos por parte destas
autoridades, o que não significa que as ações desenvolvidas sejam “simpáticas” aos olhos
de todos. O desafio que se põe é de equilibrar o papel de proteção à saúde – cobrado pela
sociedade - sem contudo deixar de considerar que
[...] há uma ambivalência na cobrança de que temos excesso de formalidades e
normatizações, mas temos que fazer cumprir a lei em situação de conflito entre
empresa e trabalhador, estabelecimento comercial e munícipe, e, ao mesmo
tempo, nos cobram quando não fazemos isto”. Grifo meu.
Na área específica da Vigilância em Saúde do Trabalhador, Medeiros (2001) relata
que a trajetória do Programa de Saúde do Trabalhador (PST) teve início em meados de
1990, quando se inicia um processo de descentralização dessas ações para o território. Foi
de grande relevância então, a criação, em 1993, do Centro de Referência em Saúde do
Trabalhador (CRST), como um organismo municipalizado e de abrangência regional.
Segundo Balista (2011), em 1994 foi descentralizada para a rede básica de saúde o
atendimento de acidentes de trabalho que não necessitassem de atendimento hospitalar,
com o respectivo preenchimento da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT). Ainda
segundo a autora, a rede foi capacitada para assumir estas ações, que tinham como objetivo
dar condições para que o CRST realizasse sua missão de prestar atenção à saúde do
trabalhador (p. 218).
Segundo um dos entrevistados que saiu/passou do âmbito estadual para o
município, um dia alguém o chamou e disse [...] você vai ser municipalizado [...]. Em
seguida, os profissionais, alguns dos entrevistados, foram descentralizados para as
regionais, sem um diálogo ou direto de escolha.
88
[...] Do CS Faria Lima (estadual) fui trabalhar no CRST, hoje chamado CEREST
e ali tinha engenheiros, técnicos de segurança do trabalho e visitador sanitário
[...] depois teve outra descentralização e fui para o Distrito de Saúde, sem
escolha, e chegamos sem lugar para ficar, fomos colocados em uma sala que já
tinha muitas pessoas, com uma mesa de perna quebrada, uma condição precária,
e sem um projeto claro do que faríamos ali. Ficamos.”
Período de 1993 a 1996
No ano de 1993, durante o segundo mandato do prefeito Magalhães Teixeira40, foi
realizado o processo de reorganização administrativa da Prefeitura Municipal de Campinas,
acrescendo cinco Secretarias Municipais subordinadas diretamente ao Prefeito Municipal:
Secretaria de Governo, Secretaria de Recursos Humanos, Secretaria de Ação Regional
(SAR), Secretaria de Esportes e Secretaria de Agricultura e Abastecimento. A Lei 7.421 de
janeiro de 1993 descreve a competência de cada Secretaria, bem como sua composição.
Dra. Carmen Cecília de Campos Lavras41, então Secretária de Saúde, é relembrada
durante as entrevistas realizadas, devido o impacto de tais diretrizes para a área da saúde
em Campinas.
Segundo a Lei 7.421/1993
Art. 9º - As Secretarias de Ação Regional, em número não superior a 4
(quatro), terão as seguintes responsabilidades básicas, no âmbito de suas
regiões:
I - gerenciamento, planejamento de operação e execução das atividades e
serviços definidos como passíveis de descentralização;
II - coordenação do processo de implementação das políticas, diretrizes e
normas fixadas para o Município;
III - desenvolvimento de procedimentos internos que possibilitem maior
rapidez no atendimento à população;
IV - participação nos Conselhos da Administração Municipal.
Art. 10 - Os Secretários de Ação Regional terão, entre outras, as seguintes
competências:
I - gerenciar e administrar os recursos humanos e materiais à disposição de
sua Secretaria;
II - assessorar o Prefeito em assuntos de sua competência;
III - garantir a realização das prioridades definidas pelo Governo
Municipal;
IV - participar do processo de integração e descentralização administrativa;
V - garantir a implementação das Políticas gerais e setoriais da
Administração.
40 Magalhães Teixeira faleceu em 29 de fevereiro de 1996, assumindo a prefeitura o vice Edivaldo Orsi
(PSDB) de 01 de março a 31 de dezembro de 1996. 41 Medica Sanitarista com graduação na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas (1977) e doutorado em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de Campinas (2003).
Atualmente é pesquisadora no Núcleo de Estudos em Políticas Públicas da UNICAMP.
89
As regiões administrativas das Secretarias de Ação Regional (SARs) foram
delimitadas por perímetros específicos descritos no Decreto n° 11.080 de janeiro de 1993.
É importante ressaltar que o artigo 11 da Lei 7.421 criou três unidades
administrativas de Departamento, para cada Secretaria de Ação Regional, assim
definidas:
I - Unidade de desenvolvimento dos Serviços Urbanos;
II - Unidade de Desenvolvimento Social;
III - Unidade de desenvolvimento Administrativo.
Figura 4: Secretarias de Administração Regional (SAR)/ Campinas/SP (1993)
Fonte: Cunha, J.M.P.;Oliveira, A.A.B. População e Espaço intra-urbano em Campinas.
Publicação Nepo, p. 355. Texto online. (s/d).
As quatro Secretarias de Ação Regionais (SARs) – Norte, Sul, Leste e Oeste.
Essas SARs foram compostas pelas áreas de promoção social, saúde, educação, cultura e
90
habitação) e tinham a responsabilidade de gerenciamento, planejamento de operação e
execução das atividades de serviços passíveis de descentralização.
Figura 5: Estrutura da SAR Campinas/SP (1993)
Fonte: Texto Mimeo (s/d)
Segundo uma entrevistada, a diretriz de governo estava baseada na
descentralização político-administrativa, reduzindo os níveis hierárquicos e
horizontalizando as estruturas gerenciais, o que foi descrito por uma entrevistada como
[...] um nível central mais enxuto [...] a prioridade desse governo foi a formação
de um quadro de gestão para ‘projetos intersetoriais’ a serem desenvolvidos nas
SARs, tendo como diretriz a base territorial e intersetorial realizado não somente
na saúde42. (Grifos meus).
A diretriz de governo partia da premissa de que a saúde não deveria
responsabilizar-se exclusivamente pelos fenômenos que impactavam no processo saúde-
doença, em concordância com o pressuposto contido na Lei n° 8.080/1990, artigo 3°.
42 A entrevistada menciona que foi um momento de contratualização com hospitais, criação de estruturas
regionais – Coordenadoria de Vigilância em Saúde (COVISA), DID, Departamento de Planejamento e Gestão
e Departamento de Saúde, além da elaboração de um Plano de Expansão dos Centros de Saúde. Nesse
contexto, segundo as informações, foram criados vários serviços de referência, a saber: VISA Regional;
Serviço de Atendimento Domiciliar (SAD); Prontos Atendimentos vinculados ao SAMU (ex: Anchieta),
Centro de Referência DST/Aids; Programa de Saúde do Trabalhador e depois Centro de Referencia de Saúde
(PST) do Trabalhador (CRST), Centro de Referência Atenção Integral a Saúde do Adolescente (CRAISA);
Centro de Vivência Infantil CEVI; Centro Reabilitação; Centro de Orientação e Apoio Sorológico (COAS),
dentre outros.
SECRETARIA
Dir. Des. Social Dir. Obras Dir. Admin.
Coord.
Saúde
Coord
.
Educ.
Coord.
Prom.
Social
Coord.
Esp.Cult
91
A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre
outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o
trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso a bens e serviços
essenciais [...]
Dessa forma era imprescindível a articulação intra e interinstitucional entre as
áreas e níveis como Coordenadoria Ambiental, CETESB, DRT, ERSA-SUCEN, Defesa
Civil, dentre outros, além da integração entre serviços de Vigilância e a população com
participação da sociedade civil: popular, sindical e empresarial.
Seguindo os debates internacionais e nacionais acerca da reorganização de
serviços de saúde, considerando o perfil epidemiológico e com base populacional definida
na Secretaria de Saúde de Campinas são iniciadas discussões acerca de conceitos como
Distrito Sanitário unidade operacional mínima do sistema de saúde e território como
processo (MENDES et al, 1999)43.
Segundo a secretária municipal de saúde Dra. Carmen Lavras, os debates iniciais
acerca da distritalização e territorialização foram realizados especificamente na área da
saúde, porém a morte de duas crianças por desnutrição no município foi um disparador da
necessidade de ampliar os debates para outras secretarias por iniciativa do prefeito.
No interior desse governo municipal e especificamente do modelo de gestão, a
Vigilância foi inserida em debates acerca de sua construção histórica, conforme relato de
uma das entrevistadas
[...] uma história da Vigilância que a compromete nacionalmente, devido
verticalismos e autoritarismos; uma construção separada da história da
assistência, o que pode ter contribuído para uma dicotomia atual – algo do tipo
‘ter DNA separado e lutar contra isto nos dias atuais é quebrar concepções; a
Vigilância é de todos e não apenas um setor – a assistência também faz
vigilância; a Vigilância tem que apoiar a clínica”. Grifos meus.
Não obstante haver um reconhecimento de que foi uma mudança muito rápida e
que, em muitos momentos, alguns profissionais não conseguiram acompanhar, uma das
entrevistadas referiu que
43 Segundo Paim (1999) esse conceito apresenta-se como “principio ou diretriz a embasar o movimento da
Reforma Sanitária” (p. 188) e segundo Arouca (2003) começa a ser difundido como um “conceito
estratégico” da Reforma Sanitária.
92
[...] havia no governo municipal uma janela de oportunidade e um contexto
promissor de total e incondicional apoio do prefeito que era legitimo e tinha
governabilidade [...] reconheço que a mudança foi muito rápida e até atropelou
sujeitos em alguns momentos [...] se tivesse que fazer de novo, eu faria, pois a
prefeitura era forte e tinha as rédeas, além do contexto nacional de profundas
mudanças [...]. Grifos meus.
Outros entrevistados apesar de sentir o atropelamento referiram
[...] a forma foi muito dolorosa, chegou a ser desrespeitosa com alguns. No
entanto, não sei se teria possibilidade de ser diferente [...]. Grifos meus.
Outros entrevistados correlacionaram esse sofrimento vivenciado na época com o
medo de, ao descentralizar, serem deslocados do setor saúde,
[...] cria a SAR e carrega partes da prefeitura que tinha prestação de serviços
mais direta [...] e com esta equipe vai as supervisões chamadas de 1,2,3 [...]
[...] a gente ficou muito assustada, e hoje fico bastante tranquila de falar porque
a gente não acreditava que tinha que desmanchar o nível central, a gente ficou
com muito medo de sair da saúde, mas não houve escolha [...]
[...] uma funcionária grudou papeizinhos nas coisas e nas pessoas escritos norte,
sul, oeste, leste [...]
“[...] retornei de férias e não tinha mais minha mesa, nem cadeira, nem armário:
somente um ‘saquinho” com minhas coisas pessoais e a notifica: agora você não
trabalha mais aqui, por que tudo descentralizou”.
[...] foi extremamente traumático [...] uma das coisas mais sofridas que a gente
já viveu (ênfase da entrevistada)Um projeto político muito correto do ponto de
vista teórico conceitual, mas a forma sofridíssima (nova ênfase da
entrevistada)”. Grifos meus.
Cabe aqui destacar minha percepção quando entrevistava as pessoas e falávamos
desse momento específico de governo: senti que havia muita dificuldade na expressão
verbal das pessoas, silêncios, pausas nas frases e um pensar para falar. A tonalidade da voz
mudava quando falavam de como se sentiram quando foram descentralizados: referiam que
tinham sido [...] tirados de um local de trabalho, e sem escolha, serem remanejados para
outros locais, como se fossem móveis [...]. Quantos afetos e subjetividades mobilizamos ao
realizar mudanças e quantas marcas deixamos!
Apesar disso, alguns dos entrevistados relembraram e contaram essa história
referiram que sentiam saudades de um governo que tinha um projeto político explícito e das
experiências positivas em relação a esse modelo organizacional. Além disso, referiram que
conceito de Vigilância em Saúde foi bem trabalhado na SAR, pois foram trabalhadas as
93
dimensões de ações intersetoriais, e apesar das adversidades das faltas de estrutura, os
processos se tornaram mais solidários e integrados.
Nesse contexto a Divisão de Controle de Meio Ambiente (DCMA) foi
descentralizado para as SARs e as ações de vigilância foram hierarquizadas em um sistema
municipal de vigilância em saúde, com responsabilidades definidas para os níveis centrais,
regionais e locais. Em nível central foram mantidos alguns técnicos das Vigilâncias para
aglutinar a política municipal de saúde: um médico, um enfermeiro, um veterinário, um
farmacêutico, um arquiteto e um físico, sob a responsabilidade de um coordenador.
Foi o momento de criação da Coordenadoria de Vigilância e Saúde Ambiental
(COVISA) nas VISAs- SAR. Segundo Abrahão (1994), a COVISA organizou-se em quatro
áreas programáticas, cada uma com uma coordenação técnica: doenças transmissíveis,
doenças não transmissíveis, produtos-serviços-processos de trabalho e saúde ambiental.
Uma das entrevistadas relembra de como se deu a municipalização da Vigilância
Sanitária e relaciona como foi difícil descentralizar para a SAR
[...] A Vigilância Sanitária municipaliza em 1992 e em 1993, mal tinha ‘pego o
pacote’, descentraliza [...], a forma foi muito dolorosa, chegou a ser até
desrespeitoso.
Abrahão (1994), descreve que dentre as diretrizes do modelo de saúde
implementadas nesta época de governo, destacaram-se
[...] ações de vigilância em todas as áreas e serviços de saúde; a VS e a VE
contidas na atenção integral à saúde; vigilância com enfoque epidemiológico e
de risco e calcada em trabalhos educativos, tendo a fiscalização como um dos
instrumentos de atuação; descentralização competente, respeitando os níveis de
complexidade e territorialização; níveis central e regionais com equipe
multidisciplinar atuando como referências técnicas; respeito às prioridades e
características regionais-locais; participação popular; integração matricial e
interinstitucional; garantia de informação em todos os níveis; gerência com
autonomia a nível regional baseada em diretrizes apontadas pelo governo,
conselhos e colegiados. (texto online).
Segundo uma das entrevistadas, para manter a articulação entre as vigilâncias
descentralizadas com as mesmas diretrizes,
[...] foi criado o arranjo de Colegiado de Vigilâncias, com reuniões periódicas e
Dr. Abrahão orientou que as reuniões fossem realizadas em espaços revezados
das distintas SARs.
Esse Colegiado era um fórum de decisão que tinha como atribuições: elaborar
ações de Vigilância à Saúde através de projetos municipais, propondo e discutindo
94
normatizações; analisar e estabelecer prioridades e promover a integração entre as equipes
das SARs.
Na perspectiva de agregar conceitos e implementar um modelo de Vigilância que
fizesse interlocução com os debates feitos acerca de território, foram elaboradas oficinas
regionais com a participação ampliada de outros secretários, diretores e coordenadores das
regiões, para elaboração de planos emergenciais para enfrentamento de problemas.
Segundo um entrevistado:
[...] era prioridade de governo que se conhecessem as barreiras físicas,
geográficas, equipamentos sociais desse território e se atuasse de forma
integrada, havendo um grande investimento em projetos de desenvolvimento
social [...].
Para realizar o debate acerca da territorialização e distritalização, foi convidado
Dr. Eugênio Vilaça Mendes – Coordenador da Área de Infraestrutura de Sistemas de Saúde
da OPAS, que contribuiu para discussão do modelo de Vigilância de Campinas na
perspectiva da concepção da OPAS sobre Vigilância à Saúde.
O modelo tecnológico de Vigilância à Saúde era discutido em vários estados e
municípios brasileiros, em especial na década de 90 (COELHO, 2009) e trazia como pilares
a territorialização, denominada segundo este autor de distritalização, a interdisciplinaridade,
a utilização da Epidemiologia e o Planejamento Estratégico como ferramentas para
definição de prioridades das ações a serem implementadas, além da participação social
nestas intervenções.
A velocidade das mudanças era intensa e no mesmo ano de posse do novo
governo, mais precisamente em julho de 1993, foi realizado um Seminário de Vigilância
Epidemiológica e Sanitária (ANEXO 12).
Esse seminário trouxe debates acerca da inserção da Vigilância no organograma
geral da Secretaria de Saúde, além de reflexões acerca das concepções e diretrizes para
construção de novos modelos da Vigilância Epidemiológica e Sanitária para Campinas, e
especificamente para as áreas do Meio Ambiente (produtos, serviços, resíduos e poluentes),
Saúde Ocupacional, Centro de Referência de Saúde do Trabalhador (CRST) e Centro de
Zoonoses e suas atividades em nível regional/local e sua configuração como centro de
referência.
95
Além desses debates, foi trazido o tema polêmico até os dias atuais acerca do
papel da autoridade sanitária – criado no Plano de Cargos, Carreiras e Salários, com a
família ocupacional da saúde, no qual há a descrição do cargo e atribuições, de quem
comporia a Vigilância – denominados de autoridade sanitária. Essa nomeação de
‘autoridade sanitária’ foi desenvolvida em uma lógica na qual esse sujeito seria responsável
por um território – coordenadores de unidades de saúde, coordenadores distritais e também
o Secretário de Saúde – e seria nomeado para essa responsabilização e não com finalidade
de uma gratificação financeira. O Secretário de Administração Regional seria a autoridade
sanitária IV, o que, nos dias atuais, é a designação do Secretário Municipal de Saúde.
As polêmicas quanto às competências das autoridades sanitárias inseridas nos
diversos níveis da atenção em saúde, levaram ao questionamento sobre se o Centro de
Saúde poderia ter a atribuição de fiscalização. Alguns debates acerca das estratégias de
trabalho da Vigilância Sanitária também foram colocados em pauta, como a discussão
acerca de ter um grupo de “fiscais” para atuar nas áreas (alimentos, ambientes de trabalho,
etc.) ou uma “equipe de fiscais” para atuar em todas as áreas.
Foi um momento de discussões acaloradas acerca das práticas de Vigilância
construídas e instituídas historicamente a partir de ações de notificação, investigação,
consolidação de dados e adoção de medidas de prevenção e controle ligadas
prioritariamente às doenças transmissíveis e descontextualizadas das práticas sociais.
Segundo Waldman (1998), tal fato foi transformando a Vigilância em práticas burocráticas,
sem atuação como instrumento de apoio técnico aos serviços de saúde.
Uma das entrevistadas trouxe questões fundamentais que eram consideradas como
pressupostos básicos na época [...] que a informação epidemiológica não tinha (não tem)
‘dono’ e ainda segundo a entrevistada, não era propriedade exclusiva da vigilância [...].
Drumond Jr. (2004) discute sobre os limites dos sistemas de informação e lacunas
no conhecimento sobre a saúde da população, devido à falta de acesso, análise e agilidade
nas informações para uma ação local. Dra Carmem Lavras, complementa acerca dos
instrumentos utilizados para responder às necessidades de informação para a ação
[...] os bancos de dados eram vistos como um trabalho complexo, pois além da
alimentação, havia necessidade de uma análise e transferência da informação
em tempo real – “tempo zero” – para que houvesse uma ação no território [...]
96
A respeito do uso e acesso à informação, Drumond Jr. (2004) aponta a questão
específica da democratização no acesso a informações públicas e gratuitas e afirma
[...] A dificuldade de acesso às informações populacionais ou epidemiológicas
muitas vezes decorre de uma apropriação de dados públicos em políticas de
divulgação restritivas pelos “donos de dados” [...] nada justifica que as
informações dos sistemas públicos não sejam amplamente democratizadas,
resguardado o direito sobre o sigilo do caso, que não deve ser confundido com
omissão ou seu desconhecimento pelas equipes responsáveis [...] (p. 178).
Dra. Carmen Lavras fez a analogia da informação em saúde à “corrida de bastão”
referindo que se o bastão não fosse passado na hora certa, perde o sentido para a ação.
Drumond Jr. (2004) discute a importância de aproximar a Epidemiologia (ciência do
conhecimento) da intervenção e radicalizar sua articulação com as áreas da saúde pública e
de outros setores da sociedade, produzindo uma epidemiologia do cotidiano dos serviços de
saúde.
Concordamos com a questão do significado da alimentação de bancos e dados,
pois, muitas vezes, a Vigilância se comporta como um “alimentador de bancos” sem um
retorno para os sujeitos que enviam os dados e precisam do retorno para a ação.
Em 1994 foi realizado outro Seminário de Vigilância Epidemiológica e Sanitária
da SMS (ANEXO 13) tendo como referência o relatório final do Seminário Nacional de
Vigilância Epidemiológica e os debates acerca da reorganização do Sistema de Vigilância
Epidemiológica na perspectiva do SUS e tendo como textos de referência o Boletim do
CENEPI de novembro de 1992.
Segundo alguns registros encontrados em relatórios desse Seminário, foram
debates conflituosos na perspectiva conceitual e operacional e focavam no que seria a
Vigilância à Saúde:
[...] algo tão amplo quanto inviável, um “sonho frente à realidade nacional, um
“delírio” para aqueles que vivem “ilhas de fantasia”; uma necessidade e um
desafio para a saúde “planetária”, do ponto de vista das cidades e metrópoles,
na “virada do milênio”; um novo marco metodológico que ameaça programas
verticais, procedimentos burocráticos e outros atavismos dicotômicos como
prevenção-cura, profilaxia-assistência, competências estaduais-municipais, VE-
VS( SEMINÁRIO VIGILÂNCIA, Texto Mimeo, 1993).
97
Quadro 2: Seminário de Vigilância Epidemiológica/ Campinas/ SP (1994)
Temas Centrais Debates e desafios
Descentralização das ações:
gradual, por etapas, progressiva mas
imediata nos fluxos.
Processo de municipalização
da saúde: modelo de atenção
descentralizado, horizontalizado e
hierarquizado intra-municipio.
Definição das competências
central, regional e local.
- VE, VS e controle de zoonoses estão
contidas na atenção integral
- trabalho intra e interinstitucional (Coord.
Ambiental, CETESB, ERSA-SUCEN, Defesa Civil,
etc.)
- Vigilância à Saúde calcada no trabalho
educativo – fiscalização como um dos instrumentos
de atuação.
- Integração entre serviços de vigilância e a
população – participação na sociedade civil popular,
sindical e empresarial.
- respeito às prioridades e características
regionais
Segundo a ex-secretária de Saúde – Dra. Carmen Lavras
[...] passados quinze anos desta gestão, esta concepção para mim, ainda é atual.
Tem que ter conhecimento do território e de suas diversidades e tomar cuidado
com as padronizações [...] tem que ter a vivência e não fazer teorias e um
discurso mantra [...]. Grifos meus.
Vale destacar que a partir de 1994, muitas mudanças foram se instituindo na saúde
e especificamente na área da Vigilância. Campinas foi referência no Brasil para a
implantação do SINAN de forma descentralizada para os serviços de Vigilância em Saúde
(VISA) das SARs. Nesse período houve a também a descentralização das Comunicações de
Acidentes de Trabalho (CATs) para as VISAS/SARs, o que foi um grande avanço.
Durante esse percurso de mudanças rápidas, avançando no sentido da
descentralização das ações de saúde, houve grandes desafios para a saúde e para a
Vigilância. Cito um deles, pois foi lembrado por vários entrevistados, que demonstraram
emoção ao relembrarem do momento vivenciado e da integração entre a rede de saúde e
outros setores, no sentido de enfrentar a situação. Havia um contexto de picos sazonais de
incidência da doença meningocócica na região de Campinas no período de 1993 a 1998. A
doença meningocócica tipo C preocupava a todos, pois havia óbitos registrados.
98
Uma campanha de vacinação em massa contra a meningite foi iniciada no
município de Campinas, e houve reações adversas durante a aplicação da vacina – febre,
vômitos e dor de cabeça. A imprensa chegou a registrar uma parada respiratória de uma
criança de três anos (não houve óbito). Foi um momento de muito sofrimento para a rede de
saúde, pois as reações adversas aconteceram em todos os Centros de Saúde e não havia
contingente de transporte para conseguir cobrir o evento adverso.
Segundo um entrevistado, a FIOCRUZ – que produziu a vacina – [...] ‘tirou’ o
corpo fora, nos deixaram sozinhos e disseram que foi ‘erro de aplicação’ [...]. Houve muita
emoção na descrição desses momentos.
[...] e vem aquela campanha da Meningite C, que foi um auê na cidade inteira,
[...] fomos ameaçados de morte, as pessoas desmaiando, a ordem de nível central
: “para tudo”. Caminhões para carregar pacientes, o Hospital Mario Gatti
cheio. Foi muito traumatizante para a gente, até hoje lembramos disso [...].
A campanha de vacinação foi suspensa e Dra. Carmen Lavras e outros
entrevistados relembram do momento com emoção dizendo que o enfrentamento foi feito a
partir da organização territorial e com o apoio irrestrito e incondicional dos médicos da rede
de saúde, infectologistas e trabalhadores da saúde em geral, que segundo ela, se uniram na
causa com muita solidariedade e responsabilidade.
Na trajetória histórica, a partir de 1990, também foram descentralizados o
ambulatório DST/ AIDS, e o BIP da Vigilância, dentre outros.
99
Período de 1997 a 2000
Em 1997, durante o segundo governo de Francisco Amaral, a Vigilância de
Campinas mantinha os debates para aprofundar acerca de qual Vigilância se desejava para
Campinas. O nível central foi recomposto e as Vigilâncias se mantiveram nos Distritos de
Saúde – VISAS Distritais.
[...] havia um movimento nacional e a gente propõe uma oficina e saímos
estudando o que era a Vigilância em Saúde [...] fomos estudar obras, textos e
chamamos a rede inteirinha, todos os CSs e apresentamos as propostas e fizemos
um debate. E fomos juntando mais propostas e falamos: ‘esta será a Vigilância
em Saúde de Campinas’[...]
Em meio às intensas buscas, estudos e reflexões, foi realizada a I Oficina de
Vigilância em Saúde em Campinas, em fevereiro de 1997 (ANEXO 14)
Essa oficina fomentou discussões conceituais sobre Vigilância em Saúde a partir
das contribuições de autores como Paim & Teixeira (1993) que discutem que essa
concepção considera três dimensões das necessidades de saúde: danos, riscos e as
necessidades de saúde.
Definições estabelecidas em lei, além de serem bastante abrangentes (não se
restringem às doenças transmissíveis, muito menos às doenças de notificação
compulsória) e de envolverem a adoção de medidas de controle, permitem
considerar uma concepção ampliada de vigilância em saúde que reúna o
conjunto de saberes e campos de ação da epidemiologia (vigilância
epidemiológica, vigilância sanitária, programação em saúde, etc.), no sentido de
redimensionar o
escopo das intervenções sanitárias. (Paim & Teixeira, 1992, p.29). Grifos meus.
O eixo condutor das discussões era de uma Vigilância baseada na promoção à
saúde, no risco (passado, presente ou potencial), descentralizada e integrada, com
planejamento ascendente e participativo, realizando análise continua da situação de saúde.
Segundo documentos existentes da época, a Vigilância mantinha as diretrizes
anteriores em todos os níveis e serviços, definidas com base nos estabelecimentos de riscos
à saúde, trabalho interdisciplinar, participação da população e utilizando os instrumentos da
Epidemiologia, dentre outros.
A partir dessas diretrizes, foi proposto o debate a partir de três vertentes
conceituais:
100
Quadro 3: Oficina de Vigilância em Saúde / Campinas/SP (1997)
Temas Centrais Debates e desafios
a) Vigilância Clássica
b) Vigilância em Saúde:
dano, riscos e necessidades
sociais (Paim,Teixeira,
Castellanos, OPAS).
c) Vigilância à Saúde:
projeto de governo (concepção
OPAS, 1993 – Eugênio Vilaça
Mendes)
- conceituação vigente na Lei Orgânica n° 8.080/90:
VE e VS dicotomizadas
- Portaria 1.565/94, que define o Sistema Nacional
de Vigilância Sanitária: conceitua a VS e VE como somatória
orgânica que resulta na Vigilância em Saúde.
- uso da epidemiologia e sistemas de informação
- enfoque de risco na Vigilância Sanitária e
aplicação do Direito Sanitário
- Politica de RH e Educação em Saúde na
Vigilância
- Necessidade de suporte jurídico especializado em
Direito Sanitário dentro da SMS
Os relatos dos entrevistados e alguns registros documentais encontrados
demonstram que foi um processo de atualização da Vigilância construída com a rede de
serviços de saúde do SUS. As denominações distintas dadas à Vigilância traduziam
diferentes concepções e projetos distintos, sendo uma polêmica entre os profissionais da
área.
O grupo que debateu o tema do enfoque epidemiológico e sistemas de informação
durante a Oficina discutiu a importância da utilização da Epidemiologia para aquém do
reconhecimento do território, planejamento, tomada de decisões e avaliação; o excesso de
dados e falta, desarticulação e verticalidade na produção e comunicação das informações de
interesse local e a falta de capacitação dos profissionais para trabalhar com o instrumental
da Epidemiologia.
Na síntese apresentada por esse grupo, é reconhecida a necessidade de redefinição
do conjunto de dados e informações epidemiológicas para os diferentes níveis do sistema;
necessidade de revisão e ampliação das práticas tradicionalmente existentes (cobertura
vacinal, morbimortalidade) e incorporação de novas metodologias (inquéritos, amostras,
eventos sentinelas, etc.), dentre outras.
101
Fialho (2004) em sua dissertação de mestrado discute a informação a partir dos
indicadores tradicionais e a criação de bancos novos com informações até então existentes
nos sistemas formais. O autor aponta para utilização do que chama de indicadores mais
“caseiros”
[...] a utilização das informações já disponíveis no espaço local, quando
incorporam o olhar e as práticas desenvolvidas pelos serviços, aproximam mais
da “vida real”, permitindo análises que vão desde a avaliação do que e como
estamos fazendo, bem como do impacto que as nossas ações têm alcançado. Para
esta maior aproximação, podemos fazer alguns recortes das informações que
dispomos ou até agregar outras que necessitamos conhecer (p. 124). Grifos
meus.
Uma entrevistada enfatiza o que Fialho chama de indicadores “caseiros”
[...] a ficha dos recém-nascidos de alto risco chega com dois meses de atraso e
não sei se a criança esta viva e isto falo do público por que o particular nem
vem.
A vigilância de óbitos que eu faço, consegui mostrar para a coordenação qual
equipe mostra mais jovem e mais idosos, e começamos a estudar os óbitos por
causas, e por região. E agora a vigilância tá melhor, e eu informo todas as
equipes e passo para as equipes, eu recebo recém-nascidos de risco, a mesma
coisa. Tudo eu informo por equipe, por que eu mostro pra as equipes para eu
cobrar delas, por que a vigilância não é só ficar sentado na mesa é participar da
ação [...]. Grifos meus.
Para o tema enfoque de risco na Vigilância Sanitária e aplicação do Direito
Sanitário, o grupo trabalhou na perspectiva de rever o instrumental teórico/técnico
utilizado, buscando estratégias de integralização, utilizando planejamentos a partir do nível
local, processando demandas trazidas através de denúncias da população, processos de
alvarás de funcionamento, solicitação de outros órgãos, etc.; trabalho conjunto com o nível
local. Além desses debates, foram incluídas discussões acerca da demanda x prioridades x
ações programadas e classificar risco
Em termos de discussão municipal, destacamos o fragmento de fala de uma das
entrevistadas
[...] saímos estudando e dissemos: essa será a vigilância em saúde de Campinas.
Até então, a gente não usava o nome ‘Vigilância em Saúde, a gente usava
Vigilância Sanitária e Vigilância Epidemiológica [...] a gente passa a usar
Vigilância em Saúde, e aí os termos Vigilância Sanitária e Epidemiológica foram
vetados. A gente não podia nem pensar desse jeito [...] a gente se reorganiza
internamente e troca todos os nomes”. Grifos meus.
Vale a pena ressaltar que esse debate conceitual ainda é polêmico nos dias atuais e
que alguns entrevistados referiram que [...] Campinas tem um modelo de Vigilância
102
híbrido e confuso conceitualmente [...] e que [...] utiliza Vigilância em Saúde com o sentido
de Vigilância da Saúde [...]
Teixeira (1998) refere que há distintas vertentes em torno da Vigilância e uma
variedade de variações terminológicas. Concordamos com Paim (2008), que faz uma
síntese das diferentes concepções de Vigilância
[...] Vigilância à Saúde: relacionada com um modelo assistencial que tomaria
como objeto os problemas de saúde de enfrentamento contínuo em um dado
território, com a articulação de ações visando superar a dicotomia entre as
práticas coletivas e as práticas individuais.
Vigilância em Saúde: ampliação do âmbito de atuação do Sistema Nacional de
Vigilância Epidemiológica para além das doenças transmissíveis, mantendo a
especificidade quanto ao objeto e ao método de intervenção.
Vigilância da Saúde: utilizada por secretarias estaduais e municipais para
denominar unidades responsáveis por atividades de vigilância epidemiológica,
vigilância sanitária e de saúde do trabalhador, unificadas mediante reformas
administrativas [...] .
Quando questionados acerca do tema, os entrevistados relataram que [...] uma
coisa é trabalhar com o conceito de Vigilância em Saúde do ponto de vista da instituição e
outra é Vigilância em Saúde do ponto de vista conceitual [...].
Em março de 1997, foi proposta uma nova Oficina para definição de diretrizes e
gestão da Vigilância Sanitária e Ambiental de Campinas, tendo como contexto o
desenvolvimento tecnológico da Vigilância em Saúde a partir da esfera municipal do SUS
(ANEXO 15).
Essa oficina trouxe um aprofundamento nos debates relacionados a Vigilâncias
Sanitária e Ambiental, além da discussão acerca do enfoque de risco.
103
Quadro 4: Oficina de Vigilância Sanitária e Ambiental de Campinas/SP (1997)
Temas
Centrais
Debates e desafios
Eleição de
prioridades por doenças,
dano ou agravos do
enfoque trabalhado.
Grupo 1: Correlatos, Saneamento e Violências
Grupo 2: Dengue e Zoonoses urbanas
Grupo 3: outros serviços de interesse da saúde44,
agrotóxicos e poluição do ar.
Grupo 5: serviços de saúde de alta complexidade45
As conclusões preliminares dessa oficina foram de que havia a necessidade área
jurídica específica para vigilância (“vista a camisa”), bem como de um Laboratório de
Saúde Pública, protocolos para padronização das ações e a capacitação para
descentralização de instituições de longa permanência, creches, escolas, berçários, dentre
outros, para os Centros de Saúde, para inspeção e licenciamento dado pelo CS com o
coordenador designado autoridade sanitária.
Em 2000 houve a V Conferência Municipal de Saúde que reforçou a importância
do trabalho articulado e integrado da Vigilância como um sistema configurado a partir dos
Centros de Saúde e Distritos e ressaltou a necessidade de haver um alerta permanente por
parte das equipes de saúde, quanto à prevenção e controle de agravos e doenças.
Segundo Nascimento (2004, p. 27) os relatos desta Conferência afirmam que
[...] cabe, em nível local, aos Centros de Saúde, o reconhecimento dos riscos à
saúde, prevenção e controle das epidemias por meio dos programas e campanhas
e intervenção efetiva sobre os riscos de adoecimento dos indivíduos e da
coletividade, através da execução de atividades de orientação e educação
sanitária e intervenção sobre o ambiente e meio social.
44Barbearias, escolas, creches, instituições coletivas, institutos e salões de beleza, academias de esporte e
ginástica, piscinas coletivas e clubes, hotéis, motéis, pensões e sauna, estação rodoviária, aeroporto, estação
ferroviária, terminal de carga, tosa e banho de animais e comércio de produtos para animais, etc. 45Hospitais, hemoterapias, hemodiálise, banco de órgãos e sangue, nutrição parenteral, quimioterapia,
medicina nuclear e de radiodiagnostico, laboratórios de análises e patologia clínica, urgência e emergência,
endoscopia, resíduos de serviços de saúde.
104
Período de 2001 a 2004
Em 2001, houve o retorno do governo petista tendo como prefeito inicialmente
Antônio da Costa Santos (‘Toninho do PT’) que foi brutalmente assassinado em 10 de
setembro de 2001, assumindo como prefeita a então vice Izalene Tiene (PT).
Inicialmente assume novamente como Secretário de Saúde o Dr. Gastão Wagner
de Sousa Campos – professor titular do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de
Ciências Médicas da UNICAMP –, que, resgatando a Saúde Coletiva46, empreendeu uma
reorganização do modelo de atenção à saúde em Campinas, através da proposta do Modelo
Saúde Paideia. (Campos, 2000 e 2003)47.
Segundo um dos entrevistados [...] foi um período de muita produção, muita
efervescência, muitos trabalhos bons, muita garra, apoio jurídico para a Vigilância [...].
A rede de saúde de Campinas possuía na época quarenta e seis Centros de Saúde,
três policlínicas, quinze serviços de atenção especializada (Saúde Mental, Centro de
Referência e Treinamento em DST AIDS, Reabilitação, etc.), três serviços de Urgência, um
hospital de Urgência/Emergência – Hospital Mário Gatti – e serviços de Vigilância à Saúde
(Campos, 2003). O Sistema Municipal de Saúde estava estruturado em três níveis de
hierárquicos gerenciais: nível local, distrital e o nível central (CAMPOS, 2003).
46 Os estudos pioneiros de Arouca (1975) e Donnangelo (1976) inauguraram uma reflexão sobre a Medicina
Preventiva e Comunitária. Donnangelo (1982) aponta que a saúde coletiva deve ser entendida como conjunto
de saberes que subsidia práticas sociais realizadas por distintas categorias profissionais e outros atores sociais
que se mobilizam para o enfrentamento dos problemas de saúde, na busca de respostas que ultrapassam a
organização do cuidado individual e podem incidir sobre seus determinantes sociais e históricos. Paim
(1982,p.18-19) afirma que a saúde coletiva compreende a investigação dos determinantes da produção social
das doenças e da organização dos serviços de saúde e o estudo da historicidade do saber e das práticas sobre
as mesmas. Teixeira (1985, p. 89) define a saúde coletiva como área de produção de conhecimentos que tem
como objeto práticas e saberes de saúde, referidas ao coletivo enquanto campo estruturado de relações
sociais onde a doença adquire significação. Testa (1992) entende a saúde coletiva como uma prática social,
uma construção histórica que supõe o redimensionamento teórico da saúde como “campo de força” da
produção científica e âmbito de aplicação da tecnociência. 47 Após um ano e meio Dr. Gastão sai da SMS e assume Dra. Maria do Carmo Cabral Carpintéro.
105
Campos (2003) aponta alguns diagnósticos realizados na rede de saúde de
Campinas, que indicaram:
[...] Há filas, espera, sobrecarga de trabalho e dados que indicam a
incapacidade de esse sistema absorver a demanda ou mesmo atender às
necessidades básicas de saúde. A grande parte da demanda ambulatorial é
atendida em PSs ou PAs e não pelas Equipes Locais: há pouco trabalho de
promoção à saúde e baixa capacidade de atenção no domicílio ou na
comunidade. O acesso está burocratizado [...] clinica de baixa capacidade de
resolver problemas de saúde. Há pouca educação em saúde e investe-se pouco
em ampliar a autonomia e capacidade de autocuidado dos pacientes e
comunidades [...] equipes locais são multiprofissionais, mas trabalha-se de
maneira isolada, vertical havendo grande dificuldade [...] trabalho
interdisciplinar (p. 156.).
Foi proposto o que Campos (2003) chamou de “método novo” (p. 153) – Método
Paidéia48·–, considerado pelo autor como um “novo paradigma em saúde” (106), tendo
como objetivo a mudança na concepção da prestação da assistência à saúde, reorganizando
a prática clinica e privilegiando as ações coletivas, além de reforçar o principio da
integralidade. Esse modelo ficou conhecido como Projeto Paidéia de Saúde da Família (p.
154), tendo a rede básica de saúde como espaço prioritário de reorientação do novo modelo.
Segundo Vilela (2005), o objetivo era de melhorar o vínculo, ampliação da clinica,
responsabilização, garantindo o acesso e a atenção prestada aos usuários do SUS. Segundo
um dos entrevistados
[...] era uma mudança de modelo bem radical em Campinas: houve muito choque
com a proposta de governo. De 140 Equipes de Referência passamos para 240,
concomitante com o aumento de numero de Generalistas, ACS e Enfermagem.
Além disso, havia muita capacitação. Tinha capacitação para tudo [...].
Momento de emoção do entrevistado.
“[...] muito investimento na Educação Permanente [...].
As diretrizes do modelo foram: clínica ampliada, ampliação das ações de saúde
coletiva em nível local, cadastro de saúde da população e vinculação de famílias à Equipe
Local de Referência, acolhimento e responsabilização, sistema de cogestão, dentre outros
(CAMPOS, 2003)49.
48Paidéia, segundo o Campos (2003) é um conceito grego que significa desenvolvimento integral do ser
humano. 49 Esse modelo estava baseado na corrente Defesa da Vida, que teve origem em Campinas, na Universidade
Estadual de Campinas e foi implementado em várias Secretarias de Saúde, dentre elas Betim (MG)
(COELHO, 2008,p. 120).
106
Não obstante ter sido um período de intenso investimento em encontros, oficinas,
capacitações, seminários, durante uma das entrevistas, a chamada “Capacitação Paidéia” –
que foi direcionada à rede de saúde de Campinas –, foi relembrada por não inserir a
Vigilância, que [...] entrou na ‘rabeira’, pois não houve incentivo à participação.
Tendo em vista a singularidade e peculiaridade do processo instaurado, o qual
pressupunha redefinições de papéis, foi convidado um grupo de seis profissionais dos
campos da Análise Institucional e do Grupalismo para realizar uma intervenção
institucional e acompanhamento junto às equipes dos Distritos de Saúde e do Hospital
Municipal Mario Gatti, de acordo com proposta feita pelo secretário de Saúde e aprovada
em Colegiado de Gestão da Secretaria de Saúde (MOURA et al, 2003).·.
A despeito da inovação trazida pelo projeto, houve muita polêmica e conflitos ao
mexer no status quo e nas zonas de conforto. Vivenciei esse momento com muita
intensidade, e “vesti a camisa” na implementação das diretrizes. Durante as entrevistas, no
entanto, percebi as lacunas existentes nesse projeto, que, ao mesmo tempo em que ampliou
a clínica e envolveu muitos sujeitos, também “silenciou vozes”. Houve muitas hesitações
dos entrevistados ao falar sobre o tema, alguns silêncios e receios. Lembrei-me do governo
de 1993, quando foram implantadas as SARs.
Como em toda mudança, alguns reconhecem como um novo desafio e outros como
um momento de imposição e do “cumpra-se”. Foi interessante ouvir o depoimento de
alguns entrevistados, a partir do lugar “Vigilância em Saúde”.
[...] um dos governos mais fortes e no qual a Vigilância teve dificuldade em
participar, ser reconhecida e valorizada [...];
[...] as inovações propostas não contemplaram o modelo da Vigilância, apesar
das tentativas teórico/conceituais [...] um modo mais virgulado, cavando espaços
[...] tínhamos contribuições para dar, mas o diálogo estava muito difícil [...]
todas politicas eram voltadas para fortalecer as Unidades Básicas de Saúde, [...]
e o Distrito responsável pelo território com a missão de oferecer o apoio para
desenvolver sua ação [...]. Nesse sentido, as ações de Vigilância ficaram em
segundo plano”. Grifos meus.
R G I
Um momento estratégico na implementação desse novo modelo foi a realização da
VI Conferência Municipal de Saúde em 200250, que reafirmou as diretrizes da Saúde
50 Essa Conferência Municipal foi preparatória para a XII Conferência Nacional de Saúde que ocorreu em
dezembro de 2003 – saúde um direito de todos e um dever do Estado. A saúde que temos, o SUS que
107
Coletiva no Modelo Paidéia e fez interface com a Vigilância em Saúde instituída no
município de Campinas.
Segundo o texto de apoio da VI Conferência Municipal de Saúde (ANEXO 18), a
Saúde Coletiva utiliza-se dos conhecimentos da
[...] Vigilância Epidemiológica (controle de doenças, vacinação, investigações e
controle de surtos), da Vigilância Sanitária (produção e comércio de alimentos,
medicamentos, equipamentos de uso na saúde, funcionamento de clínicas,
consultórios, hospitais), de Controle de Zoonoses (raiva, controle de vetores,
ratos, escorpiões, morcegos, cobras), de Saúde do Trabalhador (acidentes e
doenças relacionadas ao trabalho, o ambiente de trabalho) e da Vigilância
Ambiental (água e áreas contaminadas ou expostas, desastres naturais, acidentes
com produtos perigosos, exposição a radiações, manejo de resíduos). Grifos
meus.
A partir desta concepção da integralidade, foram discutidos alguns referenciais
teóricos como território, responsabilização, clinica ampliada e dispositivos e arranjos que
facilitavam a gestão compartilhada e participativa – Colegiado Gestor e Núcleo de Saúde
Coletiva (CAMPOS, 2003).
Segundo Vilela (2005), o Núcleo de Saúde Coletiva e o Colegiado Gestor foram
arranjos e dispositivos instituídos/ instituinte implantados com o objetivo de romper com a
verticalidade e duplicidade das linhas de vigilância e da assistência individual (clinica) e
ampliar as ações coletivas nesses serviços através das atividades de prevenção e de
promoção de saúde.
Segundo Nascimento (2004) no Núcleo de Saúde Coletiva
[...] lançou-se mão dos saberes da epidemiologia, da clínica e da educação em
saúde objetivando intervenção preventiva; bem como da articulação
interdisciplinar e intersetorial para o estabelecimento de ações de promoção da
saúde. O NSC é um arranjo institucional que visa facilitar a execução de práticas
de prevenção a agravos e de promoção à saúde, de forma organizada e
permanente, buscando responder à demanda por maior abrangência e eficácia
das ações em saúde (p. 28).
O Núcleo de Saúde Coletiva foi objeto de análise de alguns autores como Vilela
(2005) e Nascimento (2004), e a despeito das distorções e compreensões equivocadas
quanto a sua operacionalização dada a heterogeneidade dos NSC, cumprindo funções
queremos, antecipada para haver consonância com as mudanças no Ministério da Saúde, diante da posse do
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2003, marcando um novo momento histórico para o Brasil.
108
diferentes e em alguns deles a Vigilância ficou invisível, segundo um dos entrevistados, o
dispositivo é considerado potente para ampliação discussão da Saúde Coletiva.
Outros, no entanto, reconhecem que o Núcleo de Saúde Coletiva foi um arranjo
que ganhou dimensões muito interessantes, mas apontaram alguns limites relacionados à
negação de processos mais estruturados:
[...] desconstrução do que já estava sistematizado: ao mesmo tempo em que o
Centro de Saúde ampliava clinica, não cobria a tuberculose, o instrumento do
SVE2 tornou-se burocrático e foi dividido por equipe de referência, diluindo os
casos e dificultando o monitoramento em nível local [...]. Grifos meus.
Para alguns dos entrevistados, na Vigilância houve a perda do olhar integral, pois,
ao “dividir” os pacientes por equipe de referência, havia outros “imbróglios” como com
equipes incompletas: dificuldade de trabalho em equipe, pois os trabalhadores da saúde
tinham que [...] pedir favor para outras equipes atenderem seus pacientes ou até mesmo
deixar o individuo sem atendimento, chegando a um ponto onde, segundo uma das
entrevistadas, cada equipe de referência tem seu livro de vigilância, atende seus “casos” e
faz suas vacinas.
Apesar da controvérsia que pode causar, concordamos com Vilela (1999) que
aponta.
[...] algumas práticas consideradas tradicionais e herdeiras da Saúde Pública
não podem ser perdidas, devendo fazer parte da ‘agenda’ de rotina da unidade
de saúde (ex: notificação de doenças, busca de faltosos em imunização,
cobertura vacinal, busca ativa de agravos à saúde na comunidade, entre outros
[...] estas práticas são vistas como atividades burocráticas, exigências de órgãos
centrais da vigilância.
Não obstante a utilização dos instrumentos utilizados pela Saúde Pública –
notificação obrigatória (compulsória) de doenças, por exemplo–, a falta do envolvimento
dos diferentes sujeitos inseridos no contexto de produção do processo saúde e doença é um
dos determinantes para que essas práticas sejam percebidas como verticais e autoritárias.
Um dos entrevistados relata:
[...] eu queria que a Vigilância incluísse o usuário como parceiro, que atuasse de
forma preventiva e não somente fiscalizatória. Uma clinica compartilhada, com
apoio institucional para a rede e com a participação dos donos de
estabelecimentos, para defesa do consumidor e garantia de sobrevivência dos
pequenos empresários [...]. Grifos meus.
109
Tocou-me muito esse depoimento, pois o avalio como emblemático e uma
proposta de mudança de paradigma, onde a Vigilância deixa de trabalhar com o indivíduo
como doença e objeto e passa a considerá-lo um sujeito inserido em um contexto social, no
qual as intervenções realizadas pela Vigilância impactam de alguma forma.
[...] A Vigilância tem um modelo embasado no CDC que as protege [...] avalio
que ela tem medo de mudar (pelo impacto coletivo) e de ousar essa tradição e
utiliza-se das ferramentas da compulsoriedade (vacina compulsória, notificação
compulsória) – não é só a lei, também é! Mas tem que haver
corresponsabilização e não somente uso da lei. Grifo meu.
Segundo Drumond Jr. (2003)
[...] a abordagem dos objetos complexos exige pluralidade metodológica e
interdisciplinaridade [...] desafio fascinante, pois traz a necessidade da
construção de pontes entre as diferentes visões dos fenômenos analisados [...]
visões derivadas de diferentes disciplinas” (p. 101).
Ainda nos reportando ao modelo de atenção à saúde instituído em Campinas, um
dos entrevistados apontou que
[...] a área de Vigilância em Saúde do CS perdeu construções como do
profissional de referência (não a ‘moça da vigilância’51) da área técnica que
discutia de forma transversal com as equipes e levava os problemas relacionados
à Vigilância [...]. Grifo meu.
Apesar dessa “perda do profissional de referência” mencionada na entrevista, esse
modelo de atenção à saúde tinha como uma das diretrizes a Vigilância como apoio
matricial52 das Unidades de Saúde e do próprio NSC, atuando de modo a estimular o
protagonismo dos cidadãos. Essa diretriz foi executada de forma exitosa em muitas
Unidades de Saúde, porém teve limites relacionados à própria capacitação dos técnicos da
Vigilância para fazer este papel matricial.
Ademais, espaços coletivos foram se fortalecendo e ampliando, delineando novas
estratégias de integração dos serviços de saúde com a Vigilância:
51 Vilela (1999) chama de “moça da Vigilância” o profissional (geralmente da Enfermagem) que referencia as
ações de Vigilância Epidemiológica na Unidade de Saúde. 52Campos (1999) explica que o apoio matricial direcionado às equipes de referência são arranjos
organizacionais para o trabalho em saúde. Segundo Oliveira (2008), o apoio matricial consiste em “[...]
arranjo de gestão [...] estratégia para ampliar as possibilidades de continuidade da atenção com gradientes
maiores de vinculo com responsabilização [...] trocas de saber entre profissionais de saúde em diversos níveis
110
[...] tinha reuniões semanais e iam todos os coordenadores das Unidades, e o
coordenador da Visa também participava. O laboratório municipal começou a
participar53 e começa uma aproximação com a Vigilância. Tinha a Robertinha,
que era a coordenadora da VISA [...].
Cabe destaque a inserção do Laboratório Municipal de Saúde (LMC) de Campinas
nesse processo de ampliação da Saúde Coletiva em níveis central, regional e local. Um dos
entrevistado relembra as estratégias utilizadas para essa integração:
[...] e começa um período bastante interessante onde o Laboratório começa a
fazer exame de imunologia que não fazia anteriormente e, junto com os exames
de imunologia, começa uma aproximação com a Vigilância [...] e o Laboratório
passa a ser o observatório da rede [...] e passa a ‘contar’ para essa Vigilância
quais exames alterados que precisariam ser notificados [...] passamos a fazer
isso com uma série de exames, mas o de tuberculose foi o grande disparador e
estendemos para outros exames como Hepatites, HIV e sífilis em gestantes [...]
conseguíamos detectar um surto [...] quando percebíamos que exames de rotina
(como Hepatite A) aumentavam [...] ou então de sífilis através da mudança da
metodologia da qual o Laboratório foi pioneiro no país [...] percebemos muita
sífilis congênita [...]. Grifos meus.
Ainda em relação ao Núcleo de Saúde Coletiva, um dos entrevistados relembra:
[...] depois começamos a montar o NSC do Laboratório e veio junto o
ambulatório de especialidades [...] mas o Pronto Socorro se recusou a fazer
parte do NSC [...] gerávamos uma série de dados, mas não estávamos
apropriados para saber o significado deles para a condução do processo saúde
doença [...] foi muito rico (ênfase da entrevistada) [...] e o pessoal da Vigilância
veio dar suporte para nossas reuniões, fazendo discussões com a gente [...].
Grifos meus.
Dando continuidade às discussões sobre a essência da Saúde Coletiva no nível
central, regional e local, na perspectiva de superação da dicotomia entre promoção,
prevenção e assistência, foi realizada uma Oficina de Saúde Coletiva, em 13 de março de
2003.
de atenção, favorecendo, também, maior articulação e qualificação da rede de serviços que compõem o
sistema de saúde”(p.273). 53 Cabe destacar que o Laboratório Municipal de Campinas estava anteriormente ligado ao nível central da
Secretaria de Saúde – Coordenadoria de Atenção Secundária (CAST) e, a partir de 1999, foi descentralizado
para os distritos, assim como outros serviços de referência.
111
Quadro 5: Oficina de Saúde Coletiva/Campinas/SP (2003)
Tema Central Debates e desafios
Discussão ampliada sobre a
essência da Saúde Coletiva no
nível central, regional e local.
- Fortalecimento da gestão descentralizada;
- Responsabilização das UBSs pelas ações locais de saúde
coletiva;
- Vigilância em Saúde estimulando o protagonismo do
cidadão;
- Ter oficialmente Assessoria Jurídica;
- Nível central mais próximo do nível regional e local.
Destaco aqui, alguns debates polêmicos e não consensuados com base no relatório
da Oficina e nas falas de alguns entrevistados, como a mudança do nome de Departamento
de Vigilância a/em/da Saúde ou Saúde Coletiva. Alguns consideravam que a denominação
Vigilância em Saúde, ao invés de Saúde Coletiva, poderia significar um reducionismo –
“cortar as pernas do gigante para ele caber na cama”.
Importante também destacar que o debate acerca do conceito “Saúde Coletiva” foi
intenso, considerado como “mais atraente, dando ideia de modernidade”, de novas
possibilidades, de diminuição do “peso” da fiscalização e com potencial para superar a
dicotomia entre promoção, prevenção e assistência.
O conceito da Saúde Coletiva foi debatido em Colegiados de Gestão da Secretaria
de Saúde (25 de fevereiro e 15 de abril de 2003) além da ampla discussão em Oficina
Municipal realizada em março de 2003, a proposta de reorganização da Coordenadoria de
Vigilância em Saúde (nível central). Houve uma reformulação e redefinição das três
coordenações de áreas técnicas: Vigilância Epidemiológica, Vigilância Sanitária e
Vigilância Ambiental, coordenadas, respectivamente, por Brigina Kemp, Dr. Vicente Pisani
Neto e Dr. Abrahão. A nova estrutura organizacional foi composta por duas coordenações,
a saber: “Informação Epidemiológica” e outra chamada de “Apoio”.
A proposta da nova estrutura incorporou a mudança do nome da Coordenadoria de
Vigilância em Saúde (COVISA) para Departamento de Saúde Coletiva e o conceito que
moveu essas mudanças foi descrito em um texto intitulado “A Saúde Coletiva no Modelo
Paidéia” (s/d):
112
[...] Fazer ações de Saúde Coletiva ou de Vigilância à Saúde a partir da
perspectiva Paidéia, significa faze-las com as comunidades, estimulando o
protagonismo do cidadão e a sua corresponsabilização com a sua saúde, com a
do meio ambiente e do seu território, inclusive com a fiscalização (Texto mimeo,
s/d).
A Coordenadoria de Informação Epidemiológica teve como atribuição, trabalhar
com o instrumental epidemiológico e com os bancos de dados, realizando análises e
elaborando indicadores.
A Coordenadoria de Apoio foi organizada a partir de sete “núcleos” com as
respectivas pessoas de referência. Os núcleos foram assim organizados: Agravos de
Notificação Compulsória (substituiu as Doenças Transmissíveis e incorporou intoxicações
por agrotóxicos, acidentes por animais peçonhentos, câncer, dentre outros); Imunização;
Zoonoses e “Bicho Legal” (programa de posse responsável e castração de cães e gatos);
Saúde do Trabalhador; Alimentos; Serviços relacionados à Saúde – serviços de saúde,
medicamentos e correlatos (equipamentos, cosméticos e higiene, materiais, órtese e prótese,
etc.) – e Meio Ambiente.
No que diz respeito à Gestão Participativa o Colegiado da Vigilância, foi
estruturado com a seguinte participação: Direção do Departamento de Saúde Coletiva
/Vigilância à Saúde, Coordenações/referências de apoio do Departamento, Coordenações
de VISAs, Coordenação do CCZ e Coordenação do CRST. O objetivo desse colegiado era
resolver problemas da área específica, com autonomia relativa, remetendo ao Colegiado de
Gestão da Secretaria de Saúde os temas com decisões de maior relevância.
Nessa reestruturação da antiga COVISA e atual Departamento de Saúde Coletiva,
entendeu-se que a Dengue necessitaria de uma coordenação central54, devido ao contexto
da grande epidemia vivenciada em Campinas em 2001/2002.
[...] Um momento de enfrentamento: Epidemia de Dengue, e havia necessidade
de uma Vigilância que também fizesse ação intersetorial. Foi um momento de
muitas tensões, atritos e cobranças e olhares diferentes sobre a questão
protocolar: ‘jogamos ou não o veneno para conter a Dengue’? Nessa época
contratamos os Agentes Comunitários de Saúde para fazer também essas ações,
mas não tínhamos dinheiro para comprar os equipamentos necessários para a
nebulização e somente a SUCEN tinha. E essa discussão foi muito tensa.
Eu acreditava no “cata bagulho” e no veneno perifocal.
54 As áreas Aids, Tuberculose e Hanseníase seriam “programas especiais”, co-gerenciados pelo Departamento
de Saúde.
113
Dr. Abrahão, que já possuía um acúmulo no processo de municipalização regional
e municipal55, era o coordenador da Área de Saúde Ambiental na Secretaria Municipal da
Saúde de Campinas56. No contexto da epidemia, quando o estado determinou a utilização
do controle químico, além das ações já preconizadas pelo Programa da Dengue, Dr.
Abrahão se posicionou técnica e politicamente contra o modelo por ele chamado de
“químico-paternalista tradicional”.
Em um artigo57 Dr. Abrahão, aponta:
[...] o uso indiscriminado com amplas exposições diretas (não através de
alimentos), e sem controle adequado de diluição e dispersão, talvez se possa
estar causando danos tóxicos ao sistema hematopoiético, ao sistema nervoso, ao
sistema imundo- alérgico, com potencial carcinogênico, para os sensíveis ou com
propensão genética, constitucional [...] Outro aspecto grave é que os venenos
não estão controlando as epidemias de dengue no país. É notório. Não seria só
pelo desenvolvimento de resistências em curso, como se observa em insetos e
bactérias. Seria também porque técnicos e população acreditam na eficácia da
parafernálica síntese de substâncias químicas, de uma forma quase que
mitológica. A culpa da falha do “Programa de Erradicação” recai nas
Prefeituras, que pedem mais veneno. Pirotecnia política. Quem distribui veneno
colhe doença e não controla epidemias.(2001 - Artigo online)
Dr. Abrahão defendia o trabalho preventivo realizado pelas equipes de saúde, mais
especificamente pelos Agentes Comunitários de Saúde, e defendia a participação e
envolvimento da sociedade, estimulada pelo poder público, tanto para maior eficácia no
controle de dengue, quanto para menor agressão às pessoas e ao meio ambiente; foi
emblemático e polêmico, causando muitos atritos com outros atores da Secretaria
Municipal de Saúde de Campinas.
Parece-nos que a disputa de poder entre estado e município é assimétrica, ou seja,
alguém manda mais, apesar da municipalização e da descentralização. Penso que em muitas
situações não se enfrenta o nível estadual, dado as tensões políticas que resultarão, sendo
55 Dr. Abrahão foi chefe da Divisão de Controle do Meio Ambiente da Secretaria Municipal de Saúde de
Campinas (1989-1993), como servidor estadual municipalizado e Diretor Técnico do Grupo de Vigilância
Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde (São Paulo) para a implantação do Sistema de Vigilância
Epidemiológica do Estado de São Paulo na região de Campinas - 83 municípios (1985-1989). 56 Devido ao seu acúmulo na área, foi eleito Presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente
(CONDEMA), no período de 2001 a 2003 e vice-presidente de 2003 a 2005.
57Artigo elaborado como tréplica do artigo "Veneno não é remédio e pode matar", publicado no Jornal
"Correio Popular" de 26/7/2001, e do artigo "A outra face da moeda", publicado também no "Correio
Popular" de 02/8/2001.
114
mais “confortável”, cumprir o protocolo. A epidemia de Dengue foi enfrentada então
também (não só) com o controle químico e tem desafiado o poder público a cada ano.
Outra discussão realizada foi acerca dos protocolos da Vigilância, uma postura
considerada por um dos entrevistados como apostolar e sacralizada, não permitindo,
segundo o entrevistado, que a complexidade do mundo real fosse contemplada.
A Vigilância participou das discussões, que foram, segundo os entrevistados,
muito interessantes e exemplificaram,
[...] o tratamento supervisionado de tuberculose, a gente, em Campinas, deu o
nome de tratamento supervisionado modificado. Então vieram projetos
terapêuticos, singulares. E aí cada CS, cada equipe de referência dava um nome,
tratamento supervisionado modificado alterado, tratamento supervisionado
modificado sujeito [...].
O debate que se fazia no chamado “antiprotocolo” era da inclusão do sujeito no
processo, deixando de ser um doente apenas, para ser uma pessoa inserida em processo
social e em momento de vulnerabilidade. Um dos entrevistados referiu que acreditava que
não devia ser somente o mecânico/tecnê e que havia a necessidade de ressignificar esse
processo o qual foi chamado de antiprotocolo.
A partir dessas discussões, poderia ser compreendido porque um “caso de
tuberculose” não encerrava o tratamento e/ou seu monitoramento não era linear, como
proposto pelo Banco de Tb. O alcoolismo, a drogradição, o paciente itinerante não são
contemplados nos clássicos bancos de dados do sistema. Isso causa muito enfrentamento
entre os serviços de saúde que são cobrados de estarem “em dia com o banco de dados”
quando seus pacientes não são “monitoráveis” na lógica administrativa.
Existe um contexto social que atravessa esses monitoramentos. Enquanto
coordenava um Centro de Saúde, vivenciei situações nas quais o paciente expressava
claramente que “não queria se curar” por que deixaria de receber uma “ajuda de custo” que
era dada pela Vigilância, motivando a cura. Como fazer uma Vigilância que seja sensível a
esse contexto e cumpra seu papel de monitorar os casos para fazer intervenções? Eis um
dos desafios posto.
Dando continuidade aos espaços de discussão acerca do novo modelo de saúde, de
outubro a 06 de dezembro de 2004 foram realizados Seminários de Saúde Coletiva tendo
como participantes os coordenadores das Unidades de Saúde, representantes dos Núcleos
de Saude Coletiva, representantes dos serviços de Vigilância em Saúde e do CETS.
115
Os temas propostos para discussão foram o Núcleo de Saúde Coletiva e o Modelo
de Vigilância em Saúde de Campinas e os debates sobre o processo de descentralização
com autonomia, a ação no território com enfoque de risco e o desenvolvimento dos sujeitos,
são discussões centrais nesse Seminário. Além disso, houve a discussão sobre o “fazer com
e não fazer sobre ou para”.
Quadro 6: Seminário de Saúde Coletiva/ Campinas/SP (2004)
Temas Centrais Debates e desafios
Tema 1: Núcleo de Saúde
Coletiva
- Fortalecimento entre NSC e Equipe de Referencia;
- Aproximação NSC e VISA;
- Integrar VISA e CSs;
- Trabalhar com “dados indignantes” além dos prevalentes;
- Criar espaços periódicos como os “TBVE”s;
- NSC trabalhando com dados epidemiológicos da Unidade.
Tema 2: Modelo de
Vigilância em Saúde de
Campinas
-na prática das vigilâncias e a intersetorialidade;
- processo de descentralização com autonomia;
- Ação no território com enfoque de risco;
- Desenvolvimento de sujeitos: o fazer “com” e não o fazer
“sobre ou para”.
Os temas foram amplamente discutidos e reafirmadas as diretrizes da Vigilância
em Saúde em Campinas a partir dos temas pautados. Esse seminário apontou a necessidade
de revisão e aperfeiçoamento do processo de trabalho da Vigilância em Saúde a fim de
obter maior resolutividade, maior impacto na Saúde Pública, com a indicação de realizar
uma oficina de trabalho com essa finalidade, a qual foi realizada em 2005, no contexto de
uma nova gestão.
O tema 1 – Núcleo de Saúde Coletiva –, foi discutido na data de 27 de outubro de
2013 e cada Distrito de Saúde fez um debate o qual permitiu a produção de uma síntese que
foi intitulada “Propostas de como avançar na Saúde Coletiva”.
O tema 2 – Modelo de Vigilância em Saúde de Campinas –, foi debatido em 6 de
dezembro de 2003 e dividido em quatro grupos – Integralidade na prática das vigilâncias e
intersetorialidade; O processo de descentralização com autonomia; Ação no território e
116
enfoque de risco e Desenvolvimento de sujeitos (o fazer com e não sobre ou para). Todos
os grupos apresentaram em plenária os avanços reconhecidos, entraves e dificuldades a
serem superadas e propostas de enfrentamento.
Os debates apontaram como desafios a realização do planejamento ascendente
aproximado ao nível local, a necessidade da equipe local ser sujeito do processo de
mudanças, a necessidade da participação popular, as ferramentas utilizadas na Vigilância –
ações fiscalizatórias é uma delas, mas não a única e principal –, a dicotomia assistência X
vigilância e agora incorporando a gestão e a falta de agilidade na informação para a ação
nos serviços de saúde.
A partir dos debates realizados no Seminário de Saúde Coletiva, e do
reconhecimento dos avanços, dos entraves e dificuldades vivenciadas, foram feitas e das
propostas para enfrentamento, discutiu-se acerca de novas práticas e da necessidade de um
novo paradigma para a Vigilância. Campos (2000) chama a atenção para armadilhas e
reforça que, para tratarmos dessa armadilha, temos que falar sobre núcleo e campo, ou seja
[...] O campo de competência teria limites e contornos menos precisos e o
núcleo, ao contrário, teria definições as mais delineadas possíveis (CAMPOS,
1997, p. 143).
Avalio que, em meio a uma discussão acerca da insuficiência das práticas clínico-
sanitárias em lidar com a necessidade de saúde atual, devido às constantes transformações
sociais do mundo contemporâneo, resgatar o conceito da Saúde Coletiva enquanto um
campo de conhecimento que possibilita trabalhar com olhar e clínica ampliada, temos a
potência de enfrentar os atuais problemas sociais que cercam, e possibilitamos sair do
paradoxo citado por Campos (2000, p. 220),
[...] o do isolamento paranoico ou o da fusão esquizofrênica – [...]
Metaforicamente, os núcleos funcionariam em semelhança aos círculos
concêntricos que se formam quando se atira um objeto em água parada. O
campo seria a água e o seu contexto. Grifo meu.
Práticas que promovem rupturas nos limites das disciplinas são exigências para
enfrentar os problemas de saúde que se impõem atualmente: o trabalho interdisciplinar é a
tradução dessas rupturas. Mas não se trata, no entanto, de diluição desses limites,
desconsiderando núcleos, o que geraria perdas, como as referidas em relação aos trabalhos
estruturados tradicionalmente pela Vigilância Epidemiológica (monitoramento das ações,
registro de doenças de notificação compulsória, coberturas vacinais, etc.).
117
Campos (2003, p. 23-5) traz uma discussão acerca da Vigilância à Saúde e da
Saúde Coletiva. Segundo o autor,
[...] a Vigilância à Saúde é também um conjunto de conhecimentos (um pedaço
da Saúde Coletiva) [...] herdeira da Saúde Pública e da Medicina tradicionais –
costuma esquecer-se de que atua sobre pessoas, valorizando regras voltadas
para as doenças e para o ambiente. Estuda epidemias como se não houvesse
sujeitos envolvidos. Intervém sobre situações de risco como se não mexesse com
a vida de um monte de gente [...] esta obrigada a atuar segundo a Lei: nesse
sentido seus agentes atuam sobre a sociedade valendo-se de regras e normas
para constranger comportamentos considerados inadequados [...] valendo-se do
poder do Estado. Em muitos casos, não há como fugir dessa responsabilidade: a
Vigilância Sanitária e a Epidemiológica estão obrigadas a exercer controle
sobre a sociedade. Impor limites, multar, fiscalizar, fechar estabelecimentos, etc.
O problema estaria em reduzir a Vigilância a somente esta dimensão: ‘Agir
segundo regras’, o exercício rigoroso de controle sobre setores da sociedade [...]
a Vigilância tem também sua dimensão política [...] os agentes do Estado estão
obrigados a construir aliados e parceiros na sociedade civil [...] em defesa de
sua própria saúde [...] desde o momento de elaboração dessas normas e regras, e
não somente quando de sua aplicação. Grifos meus.
Apesar de tais investimentos e debates, há uma fala consensuada e coletiva de que
houve uma desvalorização da Vigilância por essa gestão, que valorizava mais a assistência
e que causou uma grande tensão com os trabalhadores e até resistência em alguns dos
trabalhadores da Vigilância, sendo, assim, apontado pelos entrevistados:
[...] houve uma crítica contundente quanto ao excesso de formalidade, papel de
polícia administrativa, e
[...] fala do secretário de saúde dizendo que, se não ajudassem (Vigilância),
também não deveriam atrapalhar.
Cabe destaque ainda a I Conferência Nacional de Vigilância Sanitária,
recomendada pela XI Conferência Nacional de Saúde (2000) e realizada em 2001, que foi
lembrada por um dos entrevistados como trazendo um debate interessante e com o tema
central “Efetivar o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, proteger e promover a saúde
construindo cidadania”.
[...] nós fomos à Conferência defender que precisava haver um processo que, ao
criar a ANVISA, os municípios pudessem não ficar subordinados a essa
autarquia, mas que pudessem criar seus sistemas próprios de Vigilância em
Saúde, integrando as vigilâncias; Só que isso não aconteceu. Na prática, criou-se
a ANVISA, e a Vigilância Epidemiológica ficou no Ministério da Saúde com a
SVS [...] ficando desintegrada e com pouca interface [...] se houvesse integração
entre as Vigilâncias Federal, Estadual e Municipal, a gente conseguiria
desenvoltura global maior no modo de fazer [...] reproduzimos um sistema
burocratizado, fragmentado e separado que existia no MS e foi reproduzido no
município [...]
118
Período de 2005 a 2008
A partir de 2005, no primeiro governo de Hélio de Oliveira Santos (PDT), assume
como Secretário de Saúde o Dr. Gilberto Luiz Moraes Selber (até 2006) e em seguida, o Dr.
José Francisco Kerr Saraiva.
A rede de saúde possuía 47 Centros de Saúde e 13 Módulos de Saúde da Família
(criados para ampliar a cobertura dos Centros de Saúde).
A Vigilância retomou as recomendações do Seminário de Saúde Coletiva realizado
em 2004, na perspectiva de continuidade às diretrizes da Vigilância em Saúde:
integralidade, descentralização com autonomia, ação no território com enfoque de risco,
desenvolvimento dos sujeitos e intersetorialidade. Este seminário apontou a necessidade de
revisão dos processos de trabalho da Vigilância para obtenção de maior resolutividade e
para tal, indicou uma oficina.
A Oficina teve como objetivo discutir a revisão e aperfeiçoamento do processo de
trabalho da Vigilância em Saúde (ANEXO 19) e, como estratégia para os debates, foram
distribuídos cento e dez questionários a todos trabalhadores dos serviços de saúde que
integram o Sistema de Vigilância em Saúde do município de Campinas, com as seguintes
questões:
1. Problemas identificados em relação a casos/surtos/agravos ou outros problemas de
saúde coletiva conduzidos na rede de saúde de Campinas (fluxo, investigação, adoção de
medidas de controle, conclusão do caso ou problema);
2. Problemas identificados no processo de trabalho dentro da equipe considerando a
especificidade do núcleo de atuação (alimentos, medicamentos, correlatos, serviços de
saúde, saúde do trabalhador, controle de zoonoses, saúde ambiental, Vigilância
Epidemiológica, informação em saúde);
3. Opinião quanto às relações que se estabelecem entre a vigilância (entre si) e os
outros espaços da gestão (apoio, rede de assistência).
O grupo organizador da Oficina agrupou os problemas levantados por temas,
dentre eles: infraestrutura precária e insuficiente; recursos humanos insuficientes;
desconhecimento e falta de capacitação; comunicação deficiente entre os serviços e dentro
das próprias equipes; desconhecimento e desintegração dos serviços do sistema de
119
vigilância entre si e com os diferentes níveis de gestão; procedimentos não padronizados;
processos de trabalhos heterogêneos; dificuldades em priorizar as ações em função do risco
devido os diferentes interesses existentes e definição de competências não clara.
Alguns temas considerados polêmicos (re) surgem para debates, a saber: a
descentralização das ações de Vigilância e a dificuldade na integração e articulação de
VISAs e Distritos e nível central, a heterogeneidade entre as Visas, a relação VISA e
Apoio, a comunicação e a integração dos serviços, responsabilização pelo cuidado e como
se faz vigilância em saúde na prática, dentre outros.
Essa Oficina contou com uma convidada da Secretaria de Saúde de Recife, mais
especificamente do Departamento de Epidemiologia e Vigilância em Saúde de Recife, que
compartilhou a experiência de organização do processo de trabalho da Vigilância nessa
cidade.
A síntese da Oficina foi agrupada segundo operacionalidade da implementação, ou
seja, as ações a serem realizadas em prazo imediato, as ações que requeriam mais
elaboração e discussão e as ações que requeriam mais reflexão e/ou encontros. Houve
também a produção de um documento de subsídio para discussões em Vigilância na IX
Conferência Municipal de Saúde (ANEXO 23).
Ainda em outubro de 2005 foi publicado o Decreto n° 15.297 que instituiu o
Laudo de Avaliação Sanitária (LAS), fornecido pelo Departamento de Urbanismo, e
condicionando as Licenças de Funcionamento (LF) e Cadastros a esse documento prévio.
Segundo um dos entrevistados:
[...] nós, na Vigilância, trabalhamos com Licença de Funcionamento para
empresas, pressupondo que haja uma avaliação do risco da atividade
desenvolvida, necessidade de inspeção local, dentre outros. Ocorre que essa
Licença de Funcionamento está atrelada a outro documento dado pelo
Departamento de Urbanismo – Laudo de Avaliação Sanitária. Se a empresa tiver
quaisquer problemas relacionados ao Departamento de Urbanismo, isso impede
a emissão do LAS e consequentemente não nos permite emitir a Licença de
Funcionamento, o que deixa as empresas na ilegalidade – como é o caso de
farmácias, drogarias, correlatos, etc.[...]. Grifo meu.
Em 2007, o Plano de Cargos, carreiras e vencimentos dos servidores públicos de
Campinas – Lei n° 12.985 em seu artigo 31 – faz a referência quanto à designação dos
funcionários como Autoridade Sanitária como cargo, mediante portaria do Prefeito
Municipal, ou seja, uma nomeação específica que traz as seguintes atribuições:
120
I - vedação do exercício de sua profissão em caráter privado ou em outro cargo
público, ainda que em outro ente, no Município, quando houver conflito de
interesses;
II - atribuições para aplicação e fiscalização do cumprimento do Código
Sanitário e demais disposições sanitárias; e
III - possibilidade de convocação e exercício de suas atribuições em dias e
horários distintos da jornada.
Esses profissionais nomeados com o cargo de “autoridades sanitárias” recebem
uma “gratificação de autoridade sanitária” conhecida pela sigla de GAS e escalonada em
seus valores a partir de uma gradação de responsabilidades: autoridade I (servidores de
nível médio), II e III (servidores de nível superior) e IV (servidores responsáveis pela
coordenação da Vigilância em Saúde do Município).
Outro grande marco para a história da Vigilância de Campinas, foi Plano de Ação
e Metas (PAM) da Vigilância, realizado em 2008 com participação de todos trabalhadores e
gestores da Vigilância, e sintetizado na cidade. Destaco aqui, os principais debates e
encaminhamentos feitos pelos trabalhadores da Vigilância que já manifestavam a
necessidade de revisar o modelo de Vigilância do município, cobrar assessoria jurídica e
assessoria de imprensa, padronizar os procedimentos administrativos da Vigilância
Sanitária, revisar o vínculo e as competências da COVISA e Apoio Distrital junto às
VISAs, repensar os grupos técnicos, estruturas físicas das VISAs, equipamentos e
materiais, dentre outros.
Cabe destaque para debates realizados no planejamento de 2006, 2007 e 2008, que
apontavam para revisão das diretrizes da Vigilância em Campinas, principalmente as
relacionadas à Vigilância Sanitária e sua inserção nos Distritos de Saúde.
Havia um sentimento de desarticulação, segundo um dos entrevistados e contextos
epidemiológicos adversos como a Epidemia da Dengue e posteriormente o H1N1.
[...] os debates com os Distritos foram sendo prejudicados não somente pelo
contexto epidemiológico, mas também pela não possibilidade de se pautar uma
conversa a respeito da inserção da Vigilância Sanitária nos Distritos [...] era
algo muito forte naquele momento, e o grupo de trabalhadores das VISAs
queriam falar sobre isso, discutir [...] tinha muitas lacunas, muitas coisas
acumuladas. Grifos meus.
121
Apesar de dezesseis anos ininterruptos de serviços prestados ao SUS Campinas e
ao acúmulo na área da Vigilância, em 1993 Dr. Abrahão ‘saiu’ do cargo que ocupava –
Coordenação de Vigilância Ambiental. Inegavelmente uma perda.
Período de 2009 a 2012
Em 2009 houve novas eleições e Dr. Hélio de Oliveira Santos (PDT) foi reeleito
como prefeito de Campinas. Esse foi um período de denúncias de corrupção, que culminou
com a cassação do prefeito em 2011, assumindo o vice – Demétrio Vilagra (PT). Vilagra,
no entanto, foi afastado temporariamente (90 dias) pela Câmara Municipal de Campinas em
19 de outubro de 2011 para realização de investigações de suposta responsabilidades
administrativa em relação às denúncias anteriormente feitas ao prefeito Dr. Hélio de
Oliveira Santos. Durante esse período, assumiu interinamente o presidente da Câmara
Municipal de Campinas – Dr. Pedro Serafim Junior (PDT).
Em 03 de novembro de 2011, Demétrio Vilagra é reconduzido ao cargo de prefeito
através de uma liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo cassado em 21 de
dezembro de 2011. Dr Pedro Serafim Junior (PDT) assumiu a prefeitura a partir de 22 de
dezembro de 2011 até 01 de janeiro de 2013.
Vale ressaltar que essa crise ética e política instalada no contexto geral do governo
impactou em vários setores da Prefeitura de Campinas. A área da saúde, especificamente,
vivenciou períodos de terceirização e sucateamento da Atenção Básica de Saúde, além de
um enfraquecimento dos espaços coletivos.
[...] à medida que entra um governo muito fraco, as coisas tendem a se acomodar
e o próprio rumo da Vigilância foi se adequando a essas coisas;
[...] o nível central da Secretaria estava muito desarticulado e vivendo a agonia
de um governo que tinha pouco rumo [...] Não se conseguia fazer uma discussão
qualificada [...] tinham tantas outras coisas ‘pegando fogo’.
[...] Havia pouco espaço para discussão política dentro da Secretaria e as coisas
‘iam ficando’.
[...] momento no qual cada um cuidava de seu espaço local, sobrevivendo [...]
mas as discussões mais macro foram perdendo espaço e culminou com a crise em
2011 [...] muito do que se foi construindo por anos, foi se perdendo [...]. Grifos
meus.
A despeito de mais adiante fazer uma discussão acerca dessa crise enquanto um
analisador natural que surge durante essa investigação, por ora ressalto o quanto foi difícil e
sofrido para mim, participar de um momento como esse, e escrever essa certa história. A
122
análise de minha implicação foi um processo construído com os entrevistados, e que foi
colocado em debate durante as Oficinas de Restituição.
O impacto da crise ética e política municipal puderam ser evidenciados no Sistema
de Vigilância de Campinas e, acerca disso, destaco o depoimento de um dos entrevistados,
que relembra o trabalho integrado que existia entre Vigilância e o Laboratório Municipal de
Campinas (LMC)
[...] em nenhum momento a Vigilância sentou aqui para discutir os resultados
de exames conosco, como era feito anteriormente.[...] às vezes chamava o
Laboratório para conversar, mais no sentido de ‘chamar a atenção’[...] É ‘via
de mão única’ [...] sinto um descompasso. Grifo meu.
Não obstante esse descompasso mencionado não somente no Laboratório, mas em
toda rede de saúde de Campinas, foi citado por outro entrevistado que
[...] havia respeito e reconhecimento pela história da Vigilância, mas, ao mesmo
tempo, o isolamento foi muito forte, tanto que as pessoas falavam que a
Vigilância ‘não aparecia’. Talvez a crise tenha sido importante para parar e
pensar um pouco sobre tudo isso [...]. Grifos meus.
Esse depoimento me fez recordar da Oficina da Atenção Básica de 2009, quando
eu já estava na coordenação da VISA Distrital Sudoeste e fiquei responsável por conduzir
um grupo de discussão, durante a etapa distrital. Havia três grupos de discussão com seus
respectivos temas e os participantes poderiam escolher. O grupo vermelho discutiu o
acolhimento, adscrição de clientela, vinculo e responsabilização; o grupo amarelo fez o
debate acerca das linhas de cuidado e Vigilância em Saúde e o grupo verde discutiu o
trabalho em equipe e participação dos trabalhadores na gestão.
Causou-me espanto e estranhamento quando fui ver a lista com as escolhas dos
participantes e percebi que somente duas pessoas tinham se inscrito para o grupo amarelo, o
qual eu ia coordenar. Sem saber ao certo o que fazer, reportei-me à Coordenação Distrital,
que orientou aos demais grupos para se redividirem. Isso me tocou, pois não obstante a
importância dada à Vigilância havia temas considerados pelos gestores e trabalhadores
como emergentes e “mais” prioritários.
Com relação ao contexto adverso vivenciado mais especificamente na Vigilância
em Saúde, havia uma preocupação na COVISA, a respeito das perdas de construções
históricas no modelo Vigilância. As mudanças demográficas e epidemiológicas em
123
Campinas e o aumento da complexidade e do tipo de demanda na área da saúde, já fazia
parte dos debates prioritários internos. Ademais, havia uma preocupação em como estava
sendo operado o Sistema de Vigilância Municipal – competências e atribuições –, frente a
essas mudanças.
Na área de Vigilância Sanitária, mais especificamente, havia um ano e meio,
aproximadamente, que não havia uma coordenação municipal e essa lacuna na gestão era
conduzida pelo grupo em nível central. Havia muito clamor por mudanças e por
reorganizações.
Dada a prioridade que o Colegiado da Vigilância apontou para essa área, Elen
Fagundes Costa Teli58, até então coordenadora da VISA Sudoeste, assumiu a Coordenação
da Vigilância Sanitária do município de Campinas e iniciou um resgate de produtos de
discussões anteriores feitos pela Vigilância Sanitária e apresentou a proposta denominada
de Prioridades Estruturantes em Vigilância Sanitária (ANEXO 22).
Foram criadas frentes de trabalho para dar respostas a antigas reivindicações da
Vigilância Sanitária, e montados grupos articuladores para os temas, envolvendo o nível
regional e central. Alguns dos eixos estruturantes foram a Minuta de Lei para revisão da Lei
Municipal n° 15.297 de 2005, que instituiu o Laudo de Avaliação Sanitária condicionando
à emissão Licenças de Funcionamento, a inspeção com classificação de risco, discussões
acerca da Vigilância dos serviços públicos, dentre outros. Foi construída uma rede de
petições e compromissos na qual havia o espaço de escuta e repactuação. A adesão a esse
projeto inovador para a área da Vigilância Sanitária, no entanto, foi baixa e as resistências
inúmeras, segundo um dos entrevistados.
Isso causou certo estranhamento, pois o clamor vinha das VISAs, mas o
envolvimento na mudança era pouco. Para um dos entrevistados, mudar exige coragem e
nem todos têm essa coragem, ou não querem mexer em sua zona de conforto.
Na área da Vigilância Epidemiológica, havia um diagnóstico feito pela COVISA
de que os bloqueios das doenças transmissíveis, como por exemplo, sarampo e varicela,
estavam sendo realizados tardiamente, assim como as busca-ativas de Dengue no território.
Além disso, a ficha de notificação epidemiológica estava sendo tratada como instrumento
burocrático, o que dificultava o encerramento dos casos.
124
A partir desse diagnóstico, apesar do contexto adverso na cidade de Campinas, em
2011 a Vigilância Epidemiológica (nível central) propôs uma oficina que foi intitulada
“Responsabilidades Compartilhadas em Vigilância Epidemiológica” (ANEXO 23). Essa
Oficina tinha como objetivos: aprimorar e atualizar o sistema de Vigilância Epidemiológica
e produzir responsabilidades compartilhadas; rever as ações desenvolvidas na área da
Vigilância Epidemiológica por todos os serviços que compõem o sistema e os
compromissos assumidos mediante as esferas estadual e federal e reorganizar o
funcionamento da Vigilância Epidemiológica nos diversos serviços, sem fragmentação.
Havia também uma proposta de divulgar as experiências das ações de Vigilância
Epidemiológica nos serviços de Saúde – Mostra “VISA que dá certo”.
Para tal foi organizado um grupo tarefa que elaborou a estratégia metodológica
inicial que foi a aplicação de um roteiro em cada VISA/apoio dos Distritos de Saúde no
primeiro semestre de 2011 para aprofundar o diagnóstico acima descrito. Cada Distrito teve
a autonomia de escolher a estratégia para os debates. Cabe destacar que no Distrito
Sudoeste houve essa discussão ampliada, através de uma Oficina Distrital com a presença
de todos os serviços, inclusive o Laboratório Municipal de Campinas, o Complexo
Hospitalar Ouro Verde (CHOV), Centro de Testagem Sorológica (CTA) e Botica da
Família.
Na ocasião, houve um debate muito acalorado e ao mesmo tempo afetivo, onde os
serviços de saúde solicitavam a retomada das construções anteriormente realizadas em
parceria com a Vigilância de Campinas. A partir das discussões da Oficina Distrital
Sudoeste, foi produzido um documento base para a Oficina Municipal de Vigilância
Epidemiológica.
O momento de crise vivenciada em Campinas se intensificou e o grupo
organizador optou pela não realização da oficina naquele contexto. O principal motivo foi
uma crise interna na Vigilância do município. Para o Distrito de Saúde Sudoeste – único
Distrito que aplicou o roteiro e fez a Oficina Distrital – isso gerou uma frustração e foi
verbalizado o sentimento de processo interrompido/abortado.
58 Bióloga e sanitarista. Coordenou a VISA Sudoeste e a Vigilância Sanitária do município de Campinas.
125
Crise no modelo de gestão da Vigilância em Saúde de Campinas
Conforme dito anteriormente, o contexto político no governo municipal e o
momento de crise evidenciada na saúde de Campinas afetaram a Vigilância em Saúde.
[...] A crise ético-política da Vigilância já estava latente há anos [...] pode ser
observada em todos os espaços de discussão. Ocorre, no entanto, que os conflitos
se davam de maneira pontuais, localizadas e até referenciadas a algumas
pessoas [...]. Grifos meus.
Foi um analisador histórico natural que, segundo Monceau (1996) e Baremblitt
(2012), são produzidos a partir de determinações históricas, culturais, sociais, políticas,
ideológicas e econômicas.
Spagnol (2013; 2006), descreve a trama de conflitos vivenciada pela equipe de
enfermagem no contexto hospitalar e a respeito dos conflitos, especificamente, a autora
descreve:
[...] deve ser compreendido para além da luta de opostos e das divergências de
ideias, valores e percepções entre as pessoas, pois esse fenômeno também surge
em decorrência do fato de a organização se constituir por indivíduos que
demarcam uma posição, disputam projetos, têm olhares e ações interessadas,
sendo suas relações atravessadas o tempo todo por diversas instituições [...]
considera-se que as relações de conflito são processos dinâmicos e complexos
que necessitam ser analisados, constantemente, pelas equipes inseridas nas
organizações, a fim de encontrarem estratégias que explicitem cada vez mais os
ruídos presentes no cotidiano (2006, p. 333).
Alguns entrevistados avaliaram que esses conflitos sempre estiveram presentes e
latentes, e quando vem à tona, “explodem” e precisam ser sistematizados e debatidos
amplamente dentro do contexto no qual foram produzidos. No caso específico da crise
mencionada na Vigilância, houve uma lacuna política no governo municipal. Antigos
problemas que já existiam desde o momento da municipalização da Vigilância em
Campinas e que não foram resolvidos (encaminhados) permaneceram latentes e (re)
surgiram de maneira intensa no momento em que disparou a crise.
Esse contexto, segundo uma das entrevistadas, traz à tona todas
[...] as coisas que estavam engavetadas [...] levantou a tampa da panela devido a
um contexto de um governo que contribuía para que houvesse uma desmotivação
e acomodação dos trabalhadores da saúde em geral e o próprio rumo da
Vigilância foi se adequando a essas coisas [...] o isolamento foi muito forte e
uma crise teve início (ou estava latente)? Grifos meus.
Cabe destacar que dentro da Vigilância, essa crise foi desencadeada por uma
gratificação financeira que foi dada aos profissionais da COVISA e questionada pelos
126
demais trabalhadores das VISA s. A partir desse disparador da crise, iniciaram-se ruídos
muito fortes acerca de qual seria o papel da COVISA, que atribuições tinham para que esta
gratificação fosse dada.
Segundo Baremblitt (2012, p. 143)
As crise são etapas de mudanças para o bem ou para o mal, mas em geral
aceleradas e radicais. Alguns atribuem as crises à exacerbação das contradições
de um sistema ou acúmulo de mudanças quantitativas que desembocam de um
sistema ou transformação qualitativa. Outros sustentam que são períodos ou
espaços de transição entre tempos e lugares precisos e conhecidos, enquanto há
os que pensam que se trata dos prolegômenos do surgimento do absolutamente
novo [...] Para o Institucionalismo, então enquanto campo de análise como de
intervenção, os estados de crise são considerados fecundos, na medida em que
envolvem a falência do instituído – organizado – e a emergência do instituinte –
organizante – no seio da ‘desordem criadora’”.
Com relação à gratificação que foi o disparador da crise, destacamos L’Abbate
(2004, p. 98), que aponta que [...] os efeitos do dinheiro como analisador permite lançar luz
sobre as relações entre pessoas, grupos e instituições [...].
A partir do questionamento dessa gratificação da COVISA (analisador dinheiro),
(re) aparecem as polêmicas já tratadas anteriormente em outros espaços, e mais
especificamente, segundo uma das entrevistadas, durante o Plano de Ação e Metas (PAM)
da VISA em 2008, onde houve grupos técnicos, reuniões e seminários discutindo os temas
que (re) surgiram durante o momento da crise.
Segundo os entrevistados
[...] há um discurso que o município de Campinas ouve os trabalhadores [...]
ouve mas não escuta. Quem está lá em cima não consegue enxergar e também
não escuta os que estão aqui em baixo [...] Não podemos negar que existe
participação dos trabalhadores, mas quem decide não é o trabalhador e sim,
quem detém o poder político [...] sempre foi assim e é desanimador. A gente
discute, discute, perde tempo e continua tudo como antes por que as pessoas que
estão ‘lá’ querem desse jeito [...]. Grifos meus.
Uma fala comum durante as entrevistas e que teve destaque nos debates das
oficinas de Restituição foi,
[...] As coisas mais profundas da Vigilância nunca foram valorizadas [...] as
pessoas sabiam da angústia, mas nunca isso foi pauta na Secretaria de Saúde. Os
Distritos viviam outras demandas muito mais emergenciais. O tempo inteiro
nesses últimos oito anos, as discussões ou eram acerca do Cândido Ferreira
(Saúde Mental) ou eram acerca da RH [...] Alguns gestores nos apoiavam, mas
isso não aconteceu institucionalmente [...]. Grifos meus.
127
Alguns dos entrevistados relacionaram a crise com a história da criação da
Vigilância e com a municipalização das ações e seus vinte anos de escolhas de modelos,
arranjos e diretrizes que necessitavam ser revisados. Essa revisão foi sentida como
emergente, devido ao aumento da complexidade da área da Vigilância, com a incorporação
da Vigilância Ambiental e Vigilância Saúde do Trabalhador, às doenças e aos agravos
crônicos, à mudança do perfil da cidade e dos processos e produtos (globalização) e às
doenças emergentes e permanentes, que contribuíram para o esgotamento do atual modelo,
dando uma sensação de
[...] roupa que não serve mais por que o filho cresceu e se tornou adulto,
[...] incompatíveis com as necessidades do atual sistema de Vigilância e
principalmente para a Vigilância Sanitária,
[...] modelo que não contemplou as inovações e complexidades atuais, tanto do
ponto de vista teórico/conceitual quanto das práticas [...].
Além disso, problemas antigos reverberaram, causando fortes tensões e conflitos:
sentimento de frustração das VISAs Distritais pelo estranhamento em relação à função
gestora da COVISA; lacunas existentes na compreensão acerca das atribuições e
responsabilidades entre COVISA, VISAS Distritais, Centro de Controle de Zoonoses
(CCZ) e Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST); insatisfações com
demandas e acúmulos de respostas não atendidas na área de Vigilância Sanitária e a
necessidade de ajustes imediatos no modelo de gestão da Vigilância em Saúde.
A Vigilância Sanitária apontou a necessidade de revisão da inserção dentro dos
Distritos de Saúde:
[...] há muita confusão devido o comando duplo - COVISA apoia tecnicamente e
Distrito apoia administrativamente [...] causando [...] quem é nosso pai, quem é
nossa mãe, e a quem devemos responder? – questionavam algumas VISAs
Distritais [...]. Grifos meus.
Para ajudar na gestão dessa crise instaurada, a Vigilância de Campinas contou com
o apoio e mediação do Centro de Educação do Trabalhador da Saúde (CETS) e da
Assessoria do Gabinete da SMS. A partir de dezembro de 2011 foi criado um grupo
técnico – composto por trabalhadores de diferentes serviços de Vigilância – e iniciaram-se
as discussões acerca do esgotamento do atual modelo de gestão da Vigilância, desgastes nas
relações e desalinhamentos das estratégias de gestão. Foi feito o resgate do documento do
PAM da Vigilância (2008) e incorporado às discussões do grupo.
128
A condução dos trabalhos foi pautada em metodologia participativa, conforme
figura a seguir, tendo como marco inicial a chamada dos trabalhadores da Vigilância e
Distritos para a realização da Metodologia do pensamento paralelo59 (dezembro de 2011).
Figura 6: Linha histórica das discussões realizadas pela Vigilância em Campinas/SP (2012)
Esse foi um processo tenso e conflituoso para os sujeitos envolvidos, pois ocorreu
em um contexto de quebra de confiança e ausência de diálogo entre profissionais e
gestores, e entre VISAS e COVISA. Um dos entrevistados avaliou
[...] tanta conversa, tanta conversa, e acaba tendo desrespeito de outro jeito, do
interminável, do não fazer, da tortura, honestamente não sei qual é pior [...] a
liberdade de expressão que vai extrapolando a autonomia e a educação, hoje dou
muito desconto para o que achei errado há anos atrás [...]. Grifos meus.
59 Foi utilizado o método Six Thinkings Hats (Seis Chapéis Pensantes)� criado por Edward de Bono, para
iniciar o debate da crise. Nesse método, são utilizados seis diferentes chapéus imaginários que podem ser
tirados e colocados conforme o momento. Cada chapéu teve uma cor diferente e representa um modo
diferente de pensar.
129
Os (novos) velhos temas (re) surgem
Quando eu vim para esse mundo,
Eu não atinava em nada
Hoje eu sou [Gabriela]
[Gabriela], ê ...meus camaradas!
Eu nasci assim, eu cresci assim
E [não] sou mesmo assim
[Nem] vou ser sempre assim
Dorival Caymmi (1975)
Dorival Caymmi, ao escrever a Modinha para Gabriela em 1975, me fez associar
essa letra com a Vigilância em seu momento de crise. A Vigilância nasce da Saúde Pública,
vive com ferramentas e modelo da Saúde Pública, mas alguns tentam não ser mesmo assim
e nem ser sempre assim. Acredito que os temas que aparecem nas discussões da Vigilância,
na cidade de Campinas, demonstram isso.
Segundo Merhy (2009, p. 290)
[...] a ideia de ruído vem da imagem de que cotidianamente as relações entre os
agentes institucionais ocorre no interior de processos silenciosos até o momento
que a lógica funcional, predominante e instituída, seja rompida. Porém, esse
rompimento é normalmente percebido como uma disfunção, como um desvio do
que se deveria ocorrer, o que não expressa o fato real de que todo o processo é
produtor de ruídos entre si [...] a quebra do silêncio do cotidiano pode ser, e
deve ser, percebido como a presença de processos instituinte que não estão sendo
contemplados pelo modelo de organização e gestão do equipamento institucional
em foco, mostrando os distintos possíveis caminhar dos processos de ações dos
agentes envolvidos, e, portanto, abrindo possibilidades de interrogações sobre o
modo instituído como se opera o trabalho e o sentido de suas ações, naquele
equipamento. Grifos meus.
A Vigilância (sujeitos em movimentos instituintes) “gritaram” que queriam (re)
discutir o processo de descentralização, os múltiplos comandos (Distrito e COVISA),
debater acerca do papel da COVISA e das VISAs no Sistema de Vigilância. Além disso, a
Vigilância (sujeitos em movimentos instituíntes) demonstrou querer por pra fora os
sentimentos acumulados por anos e relacionados ao descrédito, às decepções vividas, às
desmotivações, dentre outros. Por fim, e não menos importante, a explosão da crise exige o
enfrentamento do desafio acerca do isolamento da Vigilância em relação à SMS.
130
Novamente nos reportamos a Merhy (2009, p. 290-91)
A possibilidade de escutar os ruídos do cotidiano institucional é parte de
ferramentas analisadoras dos processos institucionais e pode permitir a
reconstrução dos novos modos de gerir e operar o trabalho em saúde [...] lugar
que revela, no interior do processo de trabalho em saúde, o encontro de
instituíntes que querem falar e ser escutados em suas necessidades-demandas,
um ao outro.
As discussões realizadas no Encontro de dezembro de 2011 foram sintetizadas e
categorizadas por conteúdos, que foram apresentados em Plenária dos trabalhadores em
janeiro/fevereiro de 2012.
As categorias identificadas foram: sentimentos; gestão (estrutura, processo,
resultado e perfil); processos de trabalho; relações de trabalho; recursos humanos
(indicadores, perfil e capacitação); recursos (material, insumos e equipamentos) e causas
externas à SMS e/ou PMC.
Cabe destaque para os sentimentos (já antigos somados a outros que resultaram da
crise vivenciada) no atual momento político da cidade: desmotivação, desânimo, confusão,
estranhamento, fragmentação, não pertencimento, falta de confiança, falta de transparência,
vaidades, falta de solidariedade,”vai desmoronar”, isolamento, intolerâncias, ”salve-se
quem puder”, dentre outros.
A área específica de Vigilância em Saúde do Trabalhador trazia como uma
dificuldade em seu processo de trabalho, o fato de ter ações descentralizadas nos Distritos
de Saúde e serem coordenadas tecnicamente pelo CEREST e administrativamente pelo
Departamento de Vigilância em Saúde.
Segundo Balista (2013), apesar de documentos da Secretaria Municipal de Saúde
expressarem que a diretriz de descentralização – tanto da assistência como da vigilância –
como estratégia de aumento da resolutividade e abrangência dos serviços, foi constatado
que a descentralização da Vigilância da Saúde do Trabalhador ocorreu de forma parcial,
necessitando revisão e redefinições dos papéis e atribuições dos serviços integrantes do
sistema de saúde de Campinas, bem como estabelecimento de fluxos, rotinas e
procedimentos, capacitação e envolvimento das equipes.
Os debates foram dinamicamente se realizando e sempre compartilhando com os
demais gestores e trabalhadores da SMS. Com relação às discussões realizadas acerca do
modelo de Vigilância, foram apresentadas em 14 de fevereiro de 2012 no Colegiado de
131
Gestão da SMS na presença do Secretário de Saúde e em reunião do Colegiado Ampliado
da Vigilância em março de 2012, tendo a participação dos Coordenadores e Apoiadores
Distritais, Grupo Técnico da Vigilância, representantes de trabalhadores da rede de saúde
de Campinas e Coordenadores de VISA e COVISA. O momento de compartilhamento e
discussão foi mediado pela representante do CETS e do Gabinete do Secretário.
A síntese das discussões foi sistematizada por eixos, a saber: Organograma e
Arranjos de Gestão; Gestão e processos de trabalho; Modelo; Políticas de RH;
Informatização e Sistemas de Informação e Infraestrutura, recursos, manutenção e
segurança.
Elenco abaixo, alguns dos nós críticos apontados nos debates por eixos:
Quadro 7: Oficina de Vigilância em Saúde /Campinas/SP (2012)
EIXOS NÓS CRÍTICOS
Eixo 1: Organograma e
Arranjos de Gestão
- organograma oficial de 1990 (ultrapassado);
- o organograma pactuado e o organograma executado;
- divergências sobre natureza e autonomia dos Colegiados e GTs;
- cargos e atribuições na COVISA, critérios para exercer a função e o
pagamento da gratificação.
Eixo 2: Gestão e
processo de trabalho
- atual estrutura administrativa e linhas de gestão e fragilidades e diferenças nas
coordenações de VISAS;
- Vigilância dos serviços públicos (próprios): entraves e conflitos;
- Ação da Autoridade Sanitária sem o respaldo jurídico.
Eixo 3: Modelo
- Esgotamento do modelo de Vigilância atual e necessidade de revisões;
- Disputas entre modelos: VISAs ligadas diretamente a COVISA ou VISAS
ligadas aos Distritos.
Eixo 4: Politica de RH
- Subdimensionamento e falta de reposição da equipe de RH da Vigilância;
- Inadequação dos processos de Capacitação: não acompanham a
evolução/produção cientifica e tecnológica dos tempos atuais.
Eixo 5: Informatização e
Sistemas de Informação
- Sistema de informação desintegrado;
- Prejuízo no tratamento dos dados, gerenciamento das informações e
planejamento das ações.
Eixo 6: Infraestrutura,
Recursos, Manutenção e
Segurança
- Instalações prediais inadequadas para a natureza do serviço;
- Subdimensionamento de carros para rotina do trabalho;
- Equipamentos não ergonômicos;
- Falta de EPIs obrigatórios;
- Insegurança patrimonial e pessoal.
A partir do mês de março de 2012 iniciaram-se discussões, desta feita com o
objetivo de realizar um Seminário Municipal de Vigilância em Saúde e discutir os
problemas apresentados nos vários espaços de gestão e com trabalhadores. O objetivo geral
132
desse Seminário foi promover um espaço democrático para a construção e definições
técnicas, políticas e ideológicas que norteiem a elaboração de um novo Modelo Municipal
de Vigilância em Saúde.
Para tal, foram propostas três etapas prévias, com caráter preparatório para o dia
do Seminário, sendo elas: preparação das equipes (até 16 de abril de 2012); Pré-Seminário
(segunda quinzena de abril de 2012)60 e um Seminário Municipal de Vigilância em Saúde
(ANEXO 24), que ocorreu na segunda quinzena de maio de 2012).
As VISAs Distritais e a COVISA realizaram debates e discussão acerca de quais
ações deveriam ser centralizadas e o que manter descentralizado e quais critérios
fundamentariam tais escolhas. A síntese foi compartilhada no Seminário Municipal sobre
Modelo e Estratégias de Vigilância em Saúde para o município de Campinas (ANEXO 27).
Em junho de 2012, após vários debates com a rede de saúde de Campinas, foi
escrita uma Carta de Compromisso dos trabalhadores e gestores dos serviços de Vigilância
Municipal (ANEXO 25), representantes dos coordenadores de serviços, apoiadores
institucionais, apoiadores pedagógicos, diretores de distrito e outros representantes do
Colegiado de Gestão da SMS, com propostas para o enfrentamento dos principais entraves
do atual sistema de Vigilância, contemplando um modelo de estratégias de Vigilância em
Saúde para o Município
Um pouco do período de 2013
No ano de 2013 assumiu a Prefeitura de Campinas Jonas Donizete (PSB), que
nomeia como Secretário de Saúde Dr. Cármino Antônio de Souza, médico hematologista da
UNICAMP.
60 O Pré-Seminário teve como objetivos: debater o Sistema de Vigilância, problematizando os diversos
modelos/estruturas em disputas, convergências e incongruências entre federação, estado e município, com
momentos de detalhamento da Vigilância Sanitária; explicitar diferenças entre Epidemio x Ambiental x Saúde
do Trabalhador e as diferentes necessidades de gestão, processos e ideologias. Foram convidados: Doriane
Patrícia Ferraz de Souza – Coordenadora do Núcleo de Assessoramento na Descentralização das Ações de
Vigilância Sanitária (NADAV)/ANVISA; Clélia Maria Aranda – Diretora Técnica do Grupo de Planejamento
e Avaliação da Coordenadoria de Controle de Doenças da SMS/SP; Elizeu Diniz – Representante do CVS/SP;
Cristina Magnobosco – Gestora do Departamento de Higiene e Proteção da Saúde – Guarulhos/SP; Cláudio
Mayerovitch – representante do Ministério da Saúde; Fernando Aith – docente do Centro de Pesquisa em
Direito Sanitário (CEPEDISA) – USP/SP.
133
A mudança no modelo de gestão causou estranhamentos em alguns profissionais e
gestores da própria Vigilância, que foram minoria na tomada de decisão por parte da rede
de assistência em saúde, julgando que a centralização (ou concentração, como foi chamada)
da Vigilância Sanitária, poderia contribuir para que a Vigilância ficasse mais coorporativa e
distante do cotidiano.
[...] é distorção acreditar que o CS tem capacidade técnica e profissionais
específicos para realizar ações específicas da Vigilância Sanitária e [...] e não é
pecado reconhecer isso [...], mas centralizar a Vigilância Sanitária é um
retrocesso de um processo histórico construído em Campinas por equipes que
descentralizaram sem ‘know how’ e conseguiram construir. Temo por se
tornarem ‘anvisinhas’ em um grande prédio e deslocando-se para um cidade do
porte e complexidade de Campinas. Grifo meu.
Nesse contexto, foi formalizada a COVISA como departamento, passando a se
chamar Departamento de Vigilância em Saúde (DEVISA). A organização do DEVISA
ocorreu de forma a contemplar as grande áreas da Vigilância em Saúde: Sanitária,
Epidemiológica, Ambiental, Saúde do Trabalhador e Controle de Zoonoses. As VISAs
distritais passam a responder hierarquicamente ao DEVISA e não mais aos distritos e
passam a ser denominadas VISAs Regionais.
Algumas experiências iniciais foram feitas nas duas áreas, na perspectiva da
concentração e desconcentração, ou seja, os trabalhadores das áreas técnicas específicas
eram chamados por uma referência municipal (atualmente coordenação da área), para ações
no território.
A descentralização da Vigilância foi revista e foram criados alguns serviços
centralizados e compostos por trabalhadores das VISAs Regionais tendo coordenação
própria, como: o Setor de Vigilância de Serviços de Diagnósticos Laboratoriais e Terapias
Especializadas (SEDITE) e a equipe de Vigilância de Alimentos centralizada.
135
CAPÍTULO 5: ALGUMAS REFLEXÕES
Não me lembro mais onde foi o começo,
foi por assim dizer escrito
todo ao mesmo tempo.
“Escrevendo” - Clarice Lispector.
5.1 A Vigilância, sua história e processos de mudanças
Com relação à história da Vigilância, cabe destaque inicial que a Vigilância
comunga da gênese teórica e social da Saúde Pública, ou seja, prevenção da doença,
promoção da saúde mediante estratégias de saneamento do meio, o controle das infecções,
atuando em fatores condicionantes e determinantes processo saúde/doença e controlando a
incidência de doenças nas populações através de ações de vigilância e intervenções
governamentais.
Não obstante a importância de seu papel, ainda que muitas vezes vertical e pouco
participativo, me questiono qual seria o motivo pelo qual a Vigilância é referida por alguns
entrevistados como não percebida e até invisível nos debates do SUS. Causa-me
estranhamento ouvir esses depoimentos, e acrescente-se a eles, a fala do quanto é difícil
colocar a vigilância na pauta do dia dos debates políticos. Penso que essa referida
invisibilidade é um analisador dos imbróglios conceituais contidos no Modelo de
Vigilância que pouco acompanha as necessidades presentes na sociedade.
Apesar das diretrizes do SUS, ouso escrever que houve um descompasso da
Vigilância em relação ao sistema de saúde como um todo, uma vez que seus serviços e
ações permaneceram centralizados até o século XX. Esta fragmentação e dicotomia
também são verificadas no âmbito da organização interna das estruturas administrativas das
diferentes unidades federativas brasileiras (COSTA, 2003).
Na perspectiva da Análise Institucional, este descompasso da Vigilância em relação
às proposições políticas nacionais pode estar relacionado, ao movimento dialético entre o
instituído e o instituinte, colocando em dúvida a fundação do instituído, negando-o e/ou
buscando sua manutenção.
Os debates realizados durante os movimentos instituintes da Reforma Sanitária se
institucionalizaram no município de Campinas, anterior à sua instituição através da
136
Constituição Federal (1988). Esses movimentos instituíntes tiveram a participação de
gestores, trabalhadores, comunidade e a Universidade, dentre outros. .
Um questionamento me ocorreu: teria a Vigilância participado desses debates
instituíntes, e colocando-se enquanto sujeitos, cavando espaços políticos, como trouxe um
dos entrevistados? Não encontrei registro acerca dessas participações, tampouco ouvi relato
a respeito disso, durante as entrevistas. A visibilidade reivindicada pela Vigilância não
passaria pelo processo de protagonizar debates em fóruns e movimentos populares e
intersetoriais?
Os antigos auxiliares de saúde pública, como eu, mesmo sem uma formação para a
área, tinham uma visão integral. Novamente destaco um depoimento que me chamou a
atenção de uma ex-auxiliar de saúde pública que referiu o quanto estranhava que faltavam
pedacinhos das orelhas dos cachorros. Também referiu a barriga d’agua que era causada
por nadar em lagoa contaminada.
Na época, nós auxiliares de saúde pública, não tínhamos conhecimento
aprofundado acerca das zoonoses causada pela picada de um inseto hematófago
contaminado pelo protozoário do gênero Leishmania. Tampouco tínhamos aprofundamento
acerca do agente etiológico que causava a Esquistossomose - Schistosoma mansoni. O que
sabíamos é que “havia algo de errado” e que precisaríamos falar sobre isso com a
comunidade para prevenir contaminação.
Foi uma época na qual as pessoas vestiam a camisa (sobreimplicação) e realizavam
ações coletivas em prol da comunidade, andando muitos quilômetros a pé, para chegar a
locais distantes da área urbanizada, e prestar serviço à comunidade.
No momento da municipalização Campinas foi protagonista desse processo, e
especificamente a Vigilância Sanitária de Alimentos e Vigilância Epidemiológica ousaram
fazer diferente do país, conforme foi visto através de grupos instituintes como o GMVE.
Destaco novamente o motivo pelo qual inseri a história da Vigilância de Alimentos desde
sua época enquanto inspetoria sanitária (1933), pois sua maturidade, referida por um dos
entrevistados, contribuiu para esse protagonismo junto com a Vigilância Epidemiológica.
Os (des) encontros relatados pelos entrevistados, durante o processo de
municipalização e descentralização, me causaram novo estranhamento, visto a verticalidade
137
com a qual foram empreendidos, e me levou a outro questionamento acerca do papel da
gestão durante esses processos de mudança.
Onocko-Campos (2003) entende a gestão enquanto
[...] espaço de intervenção e análise de especificidades técnicas [...] uma
instância, um lugar e um tempo [...] gestão nos seus aspectos técnicos:
oferecendo arranjos e dispositivos [...] não salvos de serem capturados pela
lógica dominante [...] gestão como produtora de intersubjetividade e processos
intermediários [...] gestão como intervenção [...] gestão como lócus privilegiado
para instituir mudanças [...] gestão na sua dimensão interpretativa [...] modo de
funcionamento entre o sentido e o acontecimento [...] gestão enquanto
permanente produtora de processos de institucionalização (p. 122 -46).
Identifico-me com esse modo de ver a gestão, porém me questiono como os
gestores operacionalizaram essas mudanças, que foram tão fortemente questionadas pela
maioria dos entrevistados causando ruídos que ficaram latentes por anos, especificamente
na Vigilância, e explodindo em meio à crise ética e política vivenciada a partir do governo
2009/2012,
[...] Cheguei e minhas coisas estavam em um saco plástico [...] agora você não
trabalha mais aqui, tem que ir para a SAR [...]
[...] olha, agora você vai trabalhar no município por que tem uma diretriz para
municipalizar e a partir de amanhã você começa lá [...]
Interessante ouvir os sujeitos que executaram as mudanças, com todos os ruídos
que esses processos geraram e continuaram gerando. Campos (2009, p. 244) traz reflexões
importantes acerca desse tipo de mudança institucional,
A mudança resultando da combinação de uma racionalidade fria do cálculo
político com a desrazão louca dos que se conforma com a racionalidade dos
poderosos [...] temos de mexer, simultaneamente, com as pessoas, com as
estruturas e com as relações entre elas. Isto nos parece óbvio, mas
frequentemente nos esquecemos desta antiga evidência, assumindo desvios
unilaterais. Temos valorizado ora reformas estruturais [...] o desafio de nossa
época estaria em inverter este sentido: governar para produzir sujeitos!
Penso que a janela de oportunidade mencionada por um dos entrevistados, ao
referir o momento político no qual as mudanças tinham que acontecer devido o apoio do
governo, leva outros governantes a esse descompasso entre o sujeito que sofre a mudança
(executa) e a mudança pretendida. A mudança ocorre em outras velocidades e outros
tempos. Penso que esse descompasso gere analisadores potentes para reflexões sobre outros
modos de fazer e incorporar os sujeitos nessas janelas de oportunidades políticas.
138
Onocko-Campos (2003,p. 139) utiliza a metáfora do caminhão para falar sobre a
tensão entre o estímulo que os sujeitos necessitam para uma mudança – o que é suportável
em cada contexto, grupo ou situação:
[...] Imaginemos uma viagem. Uns querem ir a Roma, outros a Paris. Uns vão a
Roma porque querem ver o papa, outros somente querem conhecer Roma. Às
vezes, na gestão, força-se o rumo, coloca-se todo o mundo no mesmo caminhão,
antes de saber para onde (e por que) querem – uns e outros – ir. Não é de se
estranhar que tombos aconteçam, e fiquem todos, e suas coisas, espalhados pelo
chão. Grifos meus.
Especificamente na Vigilância, independente dos tombos, essa institucionalização
aconteceu, ora por interesses políticos/partidário-econômicos/econômicos/sociais, ora por
que as instituições precisam de contínua revisão e de um processo contínuo de
transformações (LOURAU, 1996). Compartilhamos da discussão feita por Abrahão (2013,
p. 317-18), que afirma,
[...] considerando a saúde como um plano com várias Instituições, os serviços de
saúde (assistência e gestão) se lançam cotidianamente na produção de modos de
fazer que tecem movimentos em defesa de seus regimes de verdades, ou seja,
cada Instituição acolhe um tipo de discurso como sendo verdadeiro. Esse
discurso escolhido e construído, não está isento de interesses políticos,
econômicos ou de outras ordens, que se inserem nos argumentos em defesa da
Instituição.
Não é por acaso que, ao nos debruçarmos sobre a realidade não contemporânea
circunscrita ao passado (SAVOYE, 2003), ouvimos dos gestores que empreenderam certas
mudanças, o reconhecimento de que atropelaram sujeitos em determinados momentos,
tencionaram em outros, mas que, segundo eles, não havia outra forma de “empreender a
mudança”.
Onocko- Campos (2003), após a metáfora do caminhão, nos ajuda novamente
falando a respeito das mudanças
[...] Penso que almejamos mudanças e sofremos as mudanças. Toda mudança
implica uma escolha, e nas escolhas ganham-se coisas e perdem-se outras. Acho
que há uma tensão entre o estímulo à mudança e o que é suportável em cada
contexto [...] Penso que toda mudança é doída [...] podemos concordar com o
sentido de uma dada mudança, mas, ainda assim, teremos um papel de
questionar as maneiras e os tempos de experimentar essa mudança [...] (p. 138-
40). Grifos meus.
Destaco aqui, o reconhecimento público escrito em livro (CAMPOS, 2009), de um
ex-secretário municipal de saúde, avaliando como se deu essas mudanças,
139
[...] Nas duas últimas décadas, empenhamo-nos muito mais na mudança do
aparato legal e da estrutura político-administrativa, esquecendo-nos das pessoas
concretas que operariam e usufruiriam dessa máquina que criávamos. O
resultado disso está sendo um impasse. Mudou-se muito, para pouquíssimos
resultados concretos (p. 247).
[...] o breve período, dois anos e meio, em que estive à frente da Secretaria de
Saúde de Campinas (SP) [...] percebemos a necessidade de combinar noções de
reforma da estrutura – descentralização, regionalização e hierarquização de
serviços – com outras mais ligadas às práticas clínicas e de saúde pública. (p.
256) Grifos meus.
Apesar das críticas apontadas por vários estudiosos acerca do processo de
municipalização, principalmente relacionado à questão do recurso financeiro (SANTOS,
2013; CAMPOS, 2006, dentre outros), há o reconhecimento do quanto esses processos
impactaram socialmente,
Não fosse a municipalização, não teríamos conseguido incluir tantos brasileiros
no SUS [...] isso fez com que o sujeito considerado indigente [...] pudesse hoje,
como cidadão, ser respeitado [...] (LAVRAS, 2013, p. 271).
Não foi nossa pretensão, aprofundar as críticas acerca da municipalização e
descentralização, e sim, dar voz aos sujeitos que viveram essas mudanças ocorridas durante
o processo de municipalização e também de descentralização.
Ouvir outras certas histórias e permitir que os sujeitos contassem essa certa história
de outros lugares e ouvisse o outro contando do seu lugar específico.
Isso marcou para mim, durante as oficinas de Restituição, bem como para os
entrevistados que escreveram sobre isso na avaliação da oficina. A história da
municipalização e da descentralização da Vigilância em Campinas, contada a partir de
outros certos lugares – não os oficiais e instituídos -, permitem novas reflexões sobre
futuros processos de mudanças.
[...] A restituição foi a oportunidade de falar sobre o tema
(descentralização e municipalização), dialogando com outros atores do processo
de construção [...]
[...] ouvindo vocês, fiquei aqui pensando e me causa certa tristeza em
pensar que todo esse processo que, para nós (gestores) foi intenso, esfuziante,
não tenha conseguido ser democrático, apesar de pensarmos que foi e nos
esforçarmos para que fosse. Grifos meus.
Tive muita dificuldade de escrever sobre isso, pois fui executante desses processos,
e apenas mudei. Mudei por que me falaram que era para mudar. Mudei por que me
disseram que agora mudou.
140
Por esta sobreimplicação, convidei Clarice Lispector para me ajudar com seu poema
“Mude”,
Mude, mas comece devagar, porque a direção é mais importante que a
velocidade [...] Veja o mundo de outras perspectivas [...] Tente o novo todo dia,
o novo lado, o novo método, o novo sabor, o novo jeito, o novo prazer, o novo
amor, a nova vida. Tente. Escolha outro [...] Troque [...] Mude [...] Lembre-se de
que a Vida é uma só.
[...] Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as. Seja criativo. [...]
Experimente coisas novas.
Troque novamente. Mude de novo. Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores e coisas piores de que as já
conhecidas, mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia.
5.2 A Vigilância e ações articuladas e integradas (intra e intersetorialmente): limites,
possibilidades e cuidados
Conforme vimos anteriormente a Vigilância Epidemiológica, Vigilância Sanitária,
Vigilância Ambiental e Vigilância em Saúde do Trabalhador, possuem processos históricos
e organizacionais distintos (fundação), e seus objetos de trabalho ora se relacionam e ora se
distinguem.
Dessa forma, contradições são observadas nesse momento de fundação das
Vigilâncias e estendem em seu processo de manutenção do instituído.
Aith & Dallari (2009, p. 111-12) apontam uma das contradições,
[...] A Secretaria de Vigilância em Saúde é o órgão específico singular do
Ministério da Saúde [...] compete a SVS coordenar a gestão do Sistema Nacional
de Vigilância Epidemiológica, do Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em
Saúde [...] portanto embora o nome da Secretaria seja de Vigilância em Saúde
suas competências referem-se especificamente aos sistemas de Vigilância
Epidemiológica e Ambiental, aí inserido o meio ambiente do trabalho [...].
[...] Já a Vigilância Sanitária, outra parte integrante da Vigilância em Saúde,
encontra-se organizada em apartado da SVS, sendo de competência da ANVISA
[...] A ANVISA compõe o Sistema Único de Saúde, competindo-lhe coordenar o
Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. Grifos meus.
É possível experimentar com frequência o impacto dessas dicotomias entre os
diferentes órgãos responsáveis pelos Sistemas que pertencem à Vigilância em Saúde e
ocupam lugares institucionais distintos, com legislações distintas, ferramentas, processos de
trabalho, dentre outras.
No caso específico de Campinas, apesar dos avanços inquestionáveis e
protagonismo em relação à municipalização e descentralização da Vigilância, há que se
141
considerar que, de certa forma, Campinas reproduziu muito do sistema fragmentado e
burocratizado que existe em nível federal e estadual. Isto levou alguns dos entrevistados a
referirem a esse processo como sendo anvisinhas com equipes praticamente separadas –
grupo da VS e grupo da VE.
[...] tentamos fazer esta reengenharia aqui, mas a gente não conseguiu, por que a
pressão de se fazer do jeito que o Estado e a União queriam era muito grande, as
corporações são todas formadas nesta logica, então quando o município quis
reinventar esta lógica neste momento, não tinha mais força política e técnica. E
ai eu acho que a gente entrou um pouco na “vala comum” e poderia ter
acumulado muito mais: é uma boa vigilância, tem boas pessoas que trabalham
com muita seriedade, sem dúvida [...] Hoje só repetimos o que o Estado e a
União quer que façamos, com pouca reinvenção e sem grande criatividade.
Grifos meus.
No modelo de Vigilância de Campinas, seus processos de descentralização
demonstram momentos nos quais “todos tinham que fazer tudo” para serem entendidos
como Vigilância em Saúde. Entendemos que isto foi uma armadilha que contribuiu para
aumentar a dicotomia hoje existente entre as áreas especificas da Vigilância e os serviços
de saúde.
É fato que a articulação tem o limite da competência entre as áreas, ou seja, muitas
vezes o município de Campinas acreditou numa articulação total com serviços de saúde, o
que não é possível, em minha opinião. Acredito ser possível fazer uma articulação para que
as unidades de saúde possam fazer esse trabalho de instruir o cidadão o que é vigilância, o
que seria a Vigilância Sanitária, o que seria também a Vigilância Epidemiológica,
Vigilância Ambiental, Saúde do Trabalhador.
Assim sendo, eu utilizaria o modelo esquemático que contem a intercecção entre as
Vigilâncias, e vendo possibilidades de interface (campo), mas respeitando o que é
competência específica (núcleo).
142
Figura 7: Modelo esquemático de articulação entre as áreas de Vigilâncias.
Fonte: Elaboração própria.
As ações de articulação e de integração podem ser vistas a partir de várias
perspectivas. Há autores, como Vilasboas (1998) que debatem a integração entre as
vigilâncias epidemiológicas e sanitárias, em uma concepção ampliada dentro do modelo
assistencial.
Rangel-S (2009) aponta que se as práticas predominantes em Vigilância forem
autoritárias e normatizadoras – é proibido fumar, por exemplo -, na perspectiva de mudança
de comportamentos e atitudes, haverá pouca adesão da população aos projetos, e, portanto,
com dificuldade em articular os diferentes saberes das áreas.
Sendo assim, há pouca possibilidade de articular e integrar as Vigilâncias, a partir
do modelo atual (dicotomizado e fragmentado). O que vemos é uma sobreposição de ações
e competências, e as disputas internas por poder.
Vigilância
Saúde Trab. Vigilância
Ambiental
Vigilância
Sanitária
Vigilância
Epidemiológica
143
Penso que quando falamos em integrar e articular, ousamos falar na perspectiva
referenciada por Henriques (2009):e a integração “horizontal” – que delimita as
competências entre as vigilâncias - e a integração “longitudinal” ou seja, interfederativa.
5.3 Estratégias e ferramentas adotadas para fazer Vigilância
A gênese histórica e social da Vigilância foi construída a partir de ações autoritárias
e verticais, que limitam o olhar para a complexidade e não permite a um olhar para o sujeito
em seu contexto social. As intervenções reduzem o sujeito à condição de objeto ou doença
a partir da utilização de estratégias de controle restrito ao indivíduo doente e da
compulsoriedade das notificações para alimentação de bancos de dados que pouco
impactam na intervenção em tempo oportuno.
Há que se destacar em relação à sua gênese teórica, que as legislações específicas
da Vigilância Epidemiológica e Vigilância Sanitária foram escritas no final dos anos 1960 e
inicio dos anos 1970, ou seja, no período da ditadura militar, e apesar de terem sido
recepcionadas pela Constituição Federal (1988), não há uma visão sistêmica nessas
legislações (AITH & DALLARI, 2009; COSTA, 2003).
Não obstante o poder de polícia ser considerado inerente a diversas esferas da
Administração Pública, seu exercício não assegura os direitos individuais e coletivos e nem
possíveis suas colisões, como afirma o Código Tributário Nacional, e nem teríamos tantas
desigualdades, iniquidades e injustiças sociais. Vejo como pares de opostos
coercibilidade/autonomia. Contudo, não quero descaracterizar a importância desse poder,
em dados momentos, visto que em algumas situações essa tecnologia dura – poder de
polícia -, mostra-se necessário61.
Mas é importante que não se esqueça de que as exigências de controle e regulação
sanitária vão se conformando conforme se constitui a sociedade e seu modo de produção,
bem como sua complexidade, mas segundo Costa (2003, p. 189),
61 A Vigilância Sanitária lida com a heterogeneidade social e assim sendo, há situações de risco não somente
sanitário (tráfico, contrabandos, medicamentos e materiais clandestinos ou falsificados, etc.) como de risco de
vida. São nessas situações extremas nas quais defendo o exercício do poder de polícia pela Vigilância
Sanitária, salvaguardando que os que seja exercido com respeito e seguindo os princípios constitucionais da
razoabilidade e proporcionalidade (artigo 37 CF).
144
[...] conquanto a ampliação da função fiscalizatória devida às características do
mercado, as práticas da Vigilância tampouco devem ser resumidas ao
cumprimento da Lei [...] outros instrumentos devem ser utilizados:
monitoramento da qualidade de produtos e serviços, vigilância epidemiológica
de eventos adversos à saúde relacionados com atividades profissionais, riscos
ambientais, consumo de tecnologias médicas, água e alimentos, pesquisas
epidemiológicas e de laboratório, a educação e informação sanitárias e
comunicação social [...].
As mudanças nas tecnologias acontecem em ritmo acelerado, induzindo ao consumo
através de estratégias mercadológicas alienantes. A ideologia do consumo desenfreado e
sem limite, induz o consumidor a novas necessidades, reais ou fictícias, segundo Costa
(2003). As leis da concorrência obrigam as empresas a ampliar mercados e avançar
territórios (p. 189). Sabe-se que a incorporação de novas tecnologias não é neutra, e sua
absolutização ou glorificação deve ser avaliada a partir dos interesses que a fazem ser
criadas.
A Vigilância fica refém de acompanhar e capacitar-se para tal contexto de mudanças
sociais, mas o cerne da questão a ser enfrentada deveria ser quais são mesmo, as
necessidades prioritárias do ser humano. Na contramão, por não haver um trabalho que
protagonize questionamentos e enfrentamentos de novas tecnologias recém-chegadas ao
mercado, há o viés do papel de polícia em fiscalizar e regular as relações produção-
consumo.
Chamo a atenção quanto ao fato de que o poder de polícia não é o problema nessas
situações e sim, a redução do papel da Vigilância a esse poder, limitando as ações à
fiscalizações e inspeções e pouco (ou nada) investindo na construção da cidadania dos
sujeitos.
Acho oportuno, novamente, trazer as reflexões de Onocko-Campos & Campos
(2006, p. 684), que não são específicas para o tema, mas que dialogam com nossas práticas
que geram autonomia nos sujeitos.
[...] nossas práticas estão aumentando o coeficiente de autonomia desses
usuários e comunidade? Ou, pelo contrário, produzindo um exército de seres
pedintes e tutelados que em nada se responsabilizam pela própria vida, nem pela
produção de condições de vida mais saudáveis na sua própria comunidade?
Grifos meus.
Tomo emprestado o modo esquemático criado por Merhy (2009, p. 287) para
discutir as relações entre trabalhador da saúde e usuário e o espaço intercessor, e modifico-
145
o para ilustrar o modelo que toma a sociedade como exército de pedintes e tutelados em
relação às ações da Vigilância em seu modelo tradicional.
Figura 8: Modelo esquemático de intervenção protocolar e clássica da Vigilância
Fonte: Elaboração própria.(modificado de Merhy, 2009)
Percebemos através desse esquema, que a sociedade sofre a ação desenvolvida pela
Vigilância, ou seja, é ‘protegida’ pela Vigilância que tem seus conhecimentos e saberes
instituídos. Participei de muitas ações dentro desse modelo tradicional de Vigilância, e
percebi que a sociedade cobra a realização de ações que não permitam práticas abusivas
contra o consumidor e ao mesmo tempo, que traga a harmonia das relações produção-
consumo, sem prejuízos e/ou práticas fraudulentas e danosas (LIMA, et al, 1993). Acredito
que seja pouco (ou nada) possível haver essa harmonia nas relações produção-consumo e
não haver práticas abusivas, pois é um modelo de sociedade e não somente uma prática de
Vigilância.
Em outro esquema, também emprestado do mesmo autor, e modificado para nosso
debate, procurei inserir a sociedade nas ações
Vigilância
em Saúde Sociedade
Proteção à
Saúde
Pública
Saberes
instituídos
Saberes
populares
146
Figura 9: Modelo esquemático de Intervenção da Vigilância, a partir do compartilhamento
dos saberes.
Fonte: Elaboração própria.
Muitos perguntariam: mas a intervenção clássica “sobre” o território não tem
mostrado ser resolutiva para questões emergentes? Eu responderia que Oswaldo Cruz foi
efetivo quando fez a campanha de vacinação compulsória contra varíola, mas não ousou
enfrentar as causas sociais que causavam a doença. Hoje temos outras possibilidades de
análise e intervenção baseadas em caixas de ferramentas com tecnologias leve, dura-leve e
dura (Merhy, 2000) e que nos permitem ações compartilhadas, articuladas e participativas.
Sabemos, no entanto, que as tecnologias não são neutras e a Vigilância tem que
estar atenta quando utiliza as tecnologias duras como a interdição de um estabelecimento,
restringindo o direito da propriedade e ao mesmo tempo não oferecendo (ou oferecendo
inadequadamente) informações à sociedade para que faça sua escolha em relação a querer
Sociedade Vigilância
em Saúde Saberes
instituídos +
Saberes
populares
Proteção
à Saúde
Pública
147
ou não possuir um bem. De Seta et al (2008) reforça tal crítica em relação a ausência ou em
Saúde inadequação das informações da Vigilância à sociedade, e aponta,
As informações fornecidas não precisam ser
exaustivas e apresentadas em linguajar técnico ou científico, pois é necessário
que sejam compreendidas por quem as recebe. Defende-se eticamente a
utilização de linguagem simples, aproximativa, respeitosa e inteligível para os
receptores de acordo com as suas condições culturais (p. 66).
Assim sendo, concordamos com De Seta et at quando afirma que a tecnologia
excessiva pode levar à passividade das pessoas, impedindo que tomem decisões
conscientes. Em uma sociedade hegemonicamente consumista e o individualista, inserir o
Controle Social possibilitando que as políticas da Vigilância tenham real participação da
comunidade, consiste em um grande desafio para os dias atuais.
É fundamental que se exerça a Vigilância inserindo os trabalhadores, produtores e a
comunidade que através de mecanismos de participação popular, podem (re) inventar as
práticas e ações desenvolvidas atualmente pautadas nas tecnologias duras. Peço licença ao
grande Oswaldo Cruz, mencionado anteriormente, e faço uma analogia à possibilidade da
(re) invenção de suas práticas em relação a vacinação obrigatória contra a varíola, se
houvesse envolvimento social. A população adequadamente informada acerca dos riscos
existentes em relação a varíola, com certeza realizaria um papel de conscientização em
relação a vacinação, não sendo necessário o uso da compulsoriedade da mesma.
É evidente, no entanto, que não podemos ter uma visão romântica acerca desta
relação sociedade, trabalhadores e Estado, uma vez que as políticas de saúde devem vir
acompanhadas das políticas sociais, caso contrário, mantemos uma sociedade formada por
pessoas passivas e seres pedintes de proteção.
148
Quadro 8: Modelos de Vigilância Sanitária
Modelo Sujeito Objeto Meios de
Trabalho
Formas de
organização dos
processos de
trabalho
Vigilância
sanitária
tradicional
Fiscal Produtos,
serviços
Inspeção,
fiscalização,
“blitz”
Gerenciamento
por áreas
(produtos,
serviços,
atendimento à
demanda
espontânea)
“Nova”
Vigilância
Equipe de Saúde/
Vigilância
Sanitária/
representantes
das distintas
instâncias do
SNVS e da
população,
organizada
Riscos, danos,
necessidades
sanitárias e
determinantes do
processo saúde -
doença -cuidado-
qualidade de
vida.
Tecnologias
sanitárias
ampliadas;
Tecnologias de
comunicação
social
Planejamento
estratégico,
integração e
ações
intersetoriais,
orientadas por
políticas públicas
saudáveis.
Fonte: Costa (2008, p. 86)
Acima, Ediná Costa debate acerca do trabalhador da Vigilância ou um fiscal. Ediná
aponta a possiblidade de uma “nova vigilância”, fato esse que não é consensuado nos dias
atuais. Recordo-me que em debate realizado no Seminário de Vigilância (2012) em
Campinas, a professora Ediná Costa, faz uma analogia da Vigilância aos dozes Deuses de
Olimpo62, mantendo olhos fechados e como “guardiões do SUS” e discutindo a suposta
proteção dada pela Vigilância aos direitos dos cidadãos.
62 Segundo a mitologia grega, os doze deuses olímpicos, na religião helênica, eram os principais deuses do
Panteão grego residentes em um palácio no topo do Monte Olimpo, em uma montanha que ultrapassaria
o céu.
149
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b7/Olympians.jpg
A partir desse contexto, acreditamos que seja emergente rever as ferramentas
utilizadas pela Vigilância, como afirma Merhy (2000, p. 109)
[...] caixas de ferramentas tecnológicas, enquanto saberes e seus
desdobramentos materiais e não materiais que fazem sentido de acordo com os
lugares que ocupam naquele encontro e conforme as finalidades que o mesmo
almeja [...]. Grifos meus.
A partir dessa conceituação de caixas de ferramentas tecnológicas, podemos olhar
para os dias atuais e refletir acerca das tecnologias que poderão ser utilizadas pela
Vigilância, para dar conta de regular os produtos potencialmente danosos à saúde.
Ricardo Bruno Mendes Gonçalves (1994, p. 109) trouxe o debate das tecnologias
materiais (instrumentos) e não materiais (conhecimento técnico) e Merhy aprofunda o
debate
[...] tecnologias leves implicadas com a produção das relações entre os sujeitos,
que só tem materialidade em ato [...] tecnologias leve-duras [...] saberes bem
estruturados como a clínica e epidemiologia e [...] tecnologias duras [...]
equipamentos, materiais [...]. Grifos meus.
Seguindo esse referencial teórico e reportando para as práticas da Vigilância,
podemos perceber que há uma predominância da tecnologia dura, mais especificamente da
150
Vigilância Sanitária. Isso pode ser explicado pela sua fundação, que já traz consigo o
protótipo do poder de polícia, ao lidar com os conflitos de interesses, principalmente
econômicos.
Avalio que a caixa de ferramentas do trabalhador da Vigilância, que é composta
prioritariamente por tecnologias duras, mantém a tradição da Saúde Pública. Penso que a
utilização de instrumentos como a inspeção, a fiscalização normativa, emissão de autos de
infração, multas e interdições, não sejam por si só, indicativos de práticas verticais e
autoritárias. A redução das ações de Vigilância às ferramentas duras, como as listadas, é
que configura o problema.
Ademais há também outras formas de agir, utilizando os saberes e conhecimentos
(tecnologia leve-dura) e relacional (tecnologia leve), quando forem realizadas inspeções
sanitárias. Massuda (2013) compartilha sua experiência durante o estágio de Residente em
Medicina Preventiva, na área de Vigilância de Alimentos. De Campinas. Sua experiência
demonstrou a possibilidade de articular outros sujeitos como o Centro de Saúde, a
comunidade e outros setores. Essa experiência foi realizada a partir da descrição de
identificação de problemas e classificação de riscos para os problemas identificados, e
posterior avaliação de quais problemas demandariam ação imediata ou programada.
Alguns podem questionar experiências mais participativas, referindo que há
situações nas quais isto é totalmente inviável (sigilo exigido pela CF). Concordamos com
este fato, apesar sabermos que essas situações são raras e não podem ser transformadas na
regra ou no modelo. São exceções.
Acredito que utilização de novas tecnologias como ferramentas de atuação para os
profissionais de Vigilância, potencializam novas formas de produzir o trabalho,
incorporando novos sujeitos ao processo.
[...] aqui em Campinas não se tem nenhum trabalho com a comunidade, [...] a
vigilância não tem um site pra colocar lá, dizendo para o cidadão em quais
estabelecimentos que eles podem consumir, como que eles podem consumir,
como pode utilizar todos os serviços [...] eu acredito que toda a sociedade
acabaria fiscalizando junto com a gente. Grifos meus.
Por fim, e não menos importante, para uma verdadeira mudança de modelo
pressupõe a inclusão de outros saberes e outros sujeitos que participam destes processos,
com responsabilidades e competências específicas: entidades não governamentais,
151
representantes e técnicos de órgãos governamentais, outros setores além da saúde, a
população organizada, dentre outros.
5.4 A participação dos trabalhadores e da sociedade
Teixeira et al (1998) defendem a Vigilância composta não somente por
trabalhadores da saúde, mas incorporando novos sujeitos, e buscando envolvimento efetivo
da população organizada, na perspectiva de um modelo assistencial que supere os modelos
vigentes. Este exercício de cidadania é fundamental para que as ações de Vigilância sejam
mais efetivas.
De acordo com alguns entrevistados, a Vigilância em Campinas tem a tradição de
discussões coletivas com trabalhadores. São realizadas muitas oficinas, seminários, debates
coletivos, etc. A queixa de alguns entrevistados é que somente alguns conflitos são
pautados e têm respostas e outros sequer são valorizados (acolhidos) pela gestão.
Nessa perspectiva, Franco & Merhy (2009, p. 304) apontam o cuidado com sujeitos
[...] implicados com a produção de um cotidiano que não lhes agrada também podem
reproduzi-los [...].
Campos (2007, p. 235) alerta para relações mais horizontais e (co) produzidas
Tornar a reinvenção uma possibilidade cotidiana e garantir participação da
maioria nesses processos são maneiras de implicar trabalhadores com as
instituições e com os pacientes. Neste sentido, a Gestão Colegiada de serviços de
saúde pode servir como um dispositivo desalienante. Um modo de comprometer
trabalhadores com a missão e com os projetos institucionais.
Especificamente com relação à Vigilância e a inserção junto à movimentos sociais,
participação popular, controle social do SUS, dentre outros, chamou minha atenção o fato
de somente um entrevistado ter falado sobre o tema. Por que será que a Vigilância que
refere ser a ‘protetora da saúde pública’ não coloca a população para falar sobre a proteção
que precisa ter e a forma com a qual vai ser construída esta proteção?
Segundo Merhy (2009, p. 288), falando a respeito das possibilidades em relação ao
jogo de necessidades que se coloca para o processo de trabalho,
[...] no processo de trabalho em saúde há um encontro do agente produtor, com
suas ferramentas (conhecimentos, equipamentos, tecnologias de um modo geral),
com o agente consumidor, tornando-se em parte objeto da ação daquele
produtor, mas sem que com isso deixe de ser também agente que, em ato, coloca
tanto seus conhecimentos e representações, quanto seu próprio corpo e afetos,
152
expressos como um modo de sentir e elaborar inclusive as necessidades de saúde
para o momento do trabalho [...]
[...] que no seu interior há uma busca de realização de um produto/finalidade
expresso de distintos modos por estes agentes, que podem até mesmo coincidirem
[...]
De acordo com alguns entrevistados, há uma concepção de que a Vigilância foi
constituída [...] para cuidar da saúde e proteger a população [...] – o fazer para ou fazer
sobre. As bases da fundação da Vigilância – sua gênese histórica e social -, não
incorporaram os movimentos sociais, e no município de Campinas, apesar do protagonismo
dos sujeitos em relação à descentralização e regionalização da Vigilância, essa tradição de
não participação popular se reproduziu.
Campos (2003, p. 44) faz uma reflexão de ações verticais feitas pela Saúde Pública
no início do século XX
[...] A população era vista como ‘objeto’ a ser protegido mediante procedimentos
realizados com exclusividade pelo Estado. Assim, apoiados na força da lei e
agindo com mão de ferro, alterariam a vida em nossas cidades [...]
Será que mudou muita coisa em relação a essas práticas existentes no inicio do
século XX? Houve a inserção da cultura popular para intervenções mais potentes e efetivas,
e trazendo o debate com a sociedade, usuários de serviços de saúde, controle social,
consumidores, produtores, etc? Faz parte, sem dúvida, dos desafios para a Vigilância.
Segundo uma entrevistada,
[...] eu acho que a gestão precisa mudar essa visão dela sectária [...] os gestores
vão ao conselho de saúde, [...] a maioria dos nossos gestores não sabe como
dialogar com a população. Chega ao Conselho de Saúde, os conselheiros tem as
suas demandas e as vezes as demandas deles não são aquelas que nós pensamos,
a gente não ouve, não acolhe aquela oitiva para transformar aquilo num projeto
técnico. O que os nossos gestores tem feito quando vão ao conselho de saúde?
Vão rebater o que os conselheiros reclamam, esse é o papel político do governo,
eles vão lá para fazer o papel político do governo.[...] Grifos meus.
Com relação ao direito da informação, Onocko-Campos e Campos (2006, p. 671)
alertam,
[...] A coprodução de maiores graus de autonomia depende do acesso dos
sujeitos à informação, e mais do que isso, depende da capacidade de utilizar esse
conhecimento em exercício crítico de interpretação [...].
Cabe destaque que os meios de comunicação utilizados pela Vigilância, foram
questionados pelos entrevistados que o julgaram pouco efetivos para formar cidadãos que
fiscalizem os ambientes de trabalho, consumo, dentre outros. Além disto, foi apontado que
153
a gestão do SUS também pouco se envolve (ou não é envolvida) a estes processos para
servirem de “porta-voz/multiplicadores” das informações para a população.
O clássico papel estabelecido entre gestores/trabalhadores da saúde e conselheiros
de saúde, ainda se mantém, segundo os entrevistados, na perspectiva de “se criticarem eu
tenho que me defender”, o que não garante o diálogo e isto se reproduz com mais
intensidade quando se fala em Vigilância dentro do Controle Social.
Segundo alguns dos entrevistados, os diálogos se restringem a momentos de
epidemias, às questões de contaminação que impactam na mídia, mas não há um trabalho
preventivo e educativo que dialogue permanentemente com a sociedade.
Reiteramos o alerta feito por Onocko-Campos & Campos (2006) ao questionar se
nossas práticas estão produzindo um exército de seres pedintes e tutelados e sem uma
responsabilidade pela própria vida (p. 684). Gestores e trabalhadores precisam debater mais
acerca disso.
5.5 Exigências de mudança do modelo de Vigilância nos dias atuais
Gostaria de associar aqui, a mudança com a crise que eclodiu na Vigilância em
2011, apesar de sua latência por anos e anos. Penso que foi um analisador natural que,
conforme descreve Sól (2011), são o ‘motor’ da análise, pois.
[...] permitem fazer a análise ao revelarem dimensões que permaneciam
encobertas. São altamente provocadores, por que obrigam [...] a falar, a mostrar
faces que permaneciam à sombra. Ao serem identificados [...] revelam,
sobretudo, as relações de pessoas, grupos, classes, instituições e organizações e
também seu modo de funcionar [...] (p. 93). Grifos meus.
A permanente tensão entre o instituinte e o instituído gera o conflito entre processos
heterogêneos, muitas vezes avaliados, de maneira “míope”, como opostos – certo/errado e
bom/mau.
Novamente Onocko-Campos comparece com uma metáfora, desta feita acerca de
cascas e membranas,
[...] Se o grupo não mexe e está muito cristalizado fica cascudo. É essa a
verdadeira resistência à mudança [...] nada os toca, estão fechados – defendidos
– no próprio interior [...] membrana seletiva. Se estiverem nesse ponto e
questionam diretrizes, chefe, ordem recebida, isso não é resistência (no sentido
psicanalítico), é resistência no sentido político [...] (p. 143-4). Grifos meus.
154
Julgo interessante avaliar o que é realmente ser resistente e o que é ser cascudo em
relação às mudanças. Avalio que os processos de mudanças na Vigilância de Campinas, em
dados momentos foram doídos, pois mexeram com a zona de conforto de alguns sujeitos
diretamente envolvidos.
Acerca dos ruídos, Merhy (2009, p. 290) afirma,
[...] ideia do ruído vem da imagem de que cotidianamente a relação entre os
agentes institucionais ocorre no interior de processos silenciosos até o momento
que a lógica funcional, predominante e instituída, seja rompida. Porém, este
rompimento é normalmente percebido como uma disfunção, como um desvio do
que se deveria ocorrer, o que não expressa o fato real de que todo o processo é
produtor de ruídos em si [...].
Na trajetória da Vigilância de Campinas, como em todas as instituições, sempre
existiu ruídos e tensões contínuas, frente às questões que ficam sem resposta. Um dos
entrevistados referiu que alguns questionamentos foram empurrados para futuras
discussões. Um dos exemplos é o constante questionamento em relação à Vigilância
Sanitária descentralizada nos Distritos de Saúde. O discurso de deixar para discutir depois
e aprofundar melhor em outro momento podem ser estratégicos para garantir a manutenção
da instituição, e pode ser utilizado intencionalmente ou não, mas contribuindo para que as
contradições não sejam reveladas.
Esse pode ser um exemplo do que Hess & Authier (1994; 2007) chamam de
falsificação, ou seja, o instituído desenvolve essa lógica na perspectiva de garantir as bases
fundadoras questionadas a todo o momento pelo instituinte.
Corroborando com o descrito, Abrahão (2013, p.320) aponta,
As Instituições [...] fabricam pequenas falsificações instituídas, desviando o foco
de questões, que por vezes, estariam abalando sua sobrevivência, ou buscam, em
um movimento de (re) institucionalização manter, sem abalos, a missão, a
verdade e os objetivos de sua fundação [...] A falsificação do instituído por vezes,
é construída como um discurso instituinte, com propostas avançadas que
questionam o que está posto, sugere formas diferentes de gerar e cuidar. São
argumentos que quando analisados traduzem, o mesmo regime de construção que
forjam os atos e ações que estão, aparentemente, sendo questionados, mas com
um verniz diferente. Grifos meus.
155
Concordando com a autora que me fez refletir sobre um dos depoimentos de uma
entrevistada,
[...] há um discurso que o município de Campinas ouve os trabalhadores [...]
ouve, mas não os escuta [...] a gente não pode negar que existe participação de
todos, só que quem decide não são os participam são aqueles que já estão com
poder político na mão e que já pensam daquele jeito. [...]a gente discute, discute,
perde tempo [...] e continua tudo como antes as pessoas lá querem desse jeito, é
desse jeito que eles fomentam os debates [...] Grifos meus.
Uma das análises possíveis para esse tipo de ruído é de que o principio da
falsificação ocorre quando alguns debates realizados na Vigilância, com a finalidade de
acolher os ruídos e escutar os trabalhadores, muitas vezes ocorrem a partir de propostas
previamente delineadas para provocar o desvio dos debates originais.
Se tomarmos o exemplo da crise na Vigilância, disparada pela gratificação
financeira da COVISA: as reivindicações feitas pelos trabalhadores não tinham relação com
questões somente administrativas como de organograma, por exemplo. Mudar o
organograma e vincular hierarquicamente as VISAs relacionando-as diretamente ao
DEVISA e centralizar algumas áreas da Vigilância Sanitária, nos parece um desvio dos
ruídos e questionamentos originais, latentes há anos, configurando, a meu ver, verniz
diferente, como descreve Abrahão.
Nesse sentido, Merhy (2009, p. 290) aponta,
[...] a quebra do silêncio do cotidiano, pode ser, e deve ser percebida como
presença de processos instituíntes que não estão sendo contemplados pelo
modelo de organização e gestão do equipamento institucional [...] abrindo
possibilidade de interrogações sobre o modo instituído como se opera o trabalho
e o sentido de suas ações, naquele equipamento. Grifos meus.
Entendo que a crise revelou, dentre outros, um questionamento acerca da inserção
da Vigilância no território, próxima dos sujeitos e realizando intervenção e respeitando a
singularidade das diferentes realidades existentes no município. Essa Vigilância que se
aproximou da realidade na qual intervém, com certeza teve insegurança, pois essa realidade
é dinâmica e imprevisível (foge ao protocolo). Uma Vigilância clássica não consegue
apreender essa complexidade, e (re) inventar práticas que desafiem os problemas sociais
que impactam no sujeito adoecido. Não seria esse um dos questionamentos contidos nos
ruídos apresentados?
156
Nesse sentido, novamente Merhy (2009, p.299) nos ajuda a refletir no conjunto de
ferramentas analisadoras que nos instrumentalizem pelos menos para três tipos de
interrogações,
[...] devem ter a capacidade e sensibilidade, como qualquer instrumento, para
abrir a caixa-preta sobre ‘o como’ se trabalha [...] revelar a construção de certo
modelo de atenção em serviços concretos; [...] devem ter a capacidade e
sensibilidade de revelar ‘o que’ este modo de trabalhar está produzindo [...] tipo
de produtos e resultados [...] devem também, pelo menos, ter a capacidade e
sensibilidade de permitir a interrogação sobre o ‘para quê’ se está trabalhando,
tentando revelar os interesses efetivos que se impõem [...] este momento é
privilegiadamente uma interrogação sobre os princípios éticos-políticos que
comandam [...] Grifos meus.
Dessa forma, concordo com os entrevistados quando afirmam que a crise trouxe
questões que estiveram encobertas há anos, e apesar de bem conduzida no sentido da
participação dos sujeitos em processos de discussões ampliadas, compreendo que foi dada
uma nova roupagem.
Creio que o poema de Fernando Teixeira de Andrade, intitulado “Tempo de
Travessia”, ilustra bem o que descrevo.
Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma
do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos
mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos
ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.
Entendo que não é possível abandonar e esquecer nossas histórias. Os caminhos
trilhados nos servem como pistas para novos percursos, novos encontros. Não entendo o
discurso de alguns vigilantes que afirmam que a Vigilância se despiu de suas roupas
antigas, pois o filho cresceu se tornou adolescente/adulto. Isso seria como se vivêssemos
uma vida linear, com começo, meio e fim.
Por fim, concordamos, portanto com Onocko-Campos (2003) que descreve a crise
como lugar de passagem e não como perda definitiva da história (p. 140).
5.6 Desafios para a Vigilância no atual contexto do SUS
Apesar das diretrizes do SUS, e da reformulação institucional, que apontava para
mudanças de concepção, na perspectiva do entendimento da Vigilância em Saúde (conceito
157
ampliado), a lógica jurídica de fragmentação da Vigilância em Saúde em “Vigilâncias”
Epidemiológica, Sanitária, Saúde do Trabalhador e Ambiental refletiu na organização dos
serviços de Vigilância em Saúde, que passaram a operar por campos de especialidade
específicos, mantendo as reproduções do modelo fragmentado (VILELA, 2001).
Os diferentes processos sócio-históricos e políticos nos quais se desenvolveram a
institucionalização do Sistema de Vigilância em Saúde de Campinas contribuíram para
ações que pouco se articularam internamente entre os seus núcleos específicos e
externamente, com outros setores.
Dentro do desafio da articulação da Vigilância em Saúde são emergentes novos
processos de trabalho e um novo olhar para o território, e novos processos de trabalho e de
gestão, enquanto instituição: é o desafio de fazer compartilhado e ‘junto com', e não
somente um “verniz diferente” (ABRAHÃO, 2013, p. 320).
Segundo um dos entrevistados, não houve uma regressão no modelo da Vigilância
de Campinas, mas houve uma “perda do bonde”, um “passar a fazer o mesmo, sem criar,
reproduzindo o que é imposto” e “marcar passo”.
[...] Vigilância em saúde é estar atento vigilante e não esperar a coisa acontecer
pra correr atrás do prejuízo, ter estratégia, metas para evitar que as doenças
tragam prejuízo em grande escala para as pessoas.
[...] não “correr atrás do leite derramado” [...] para evitar ações,
principalmente da VS que não tem impacto nenhum sobre a saúde das pessoas e
ocupa um tempão.
Outro desafio a ser enfrentando é o resgate do significado das ferramentas utilizadas
para gerar informação na Vigilância - como o Sistema Nacional de Vigilância de Agravos
Notificáveis (SINAN), o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (SI-
PNI), o Sistema de controle de pacientes com tuberculose (TB-Web), dentre outros.
As fichas de investigação epidemiológica têm se transformado em instrumentos
meramente burocráticos, preenchidas muitas vezes de forma inadequada pelas equipes de
saúde, e uma possível explicação para o fato pode ser a falta de retorno das informações em
tempo ágil para as intervenções.
158
Além disto, os clássicos (e importantes) bancos de dados estão baseados em doenças
e exigem que haja uma articulação do sujeito dentro de uma linha de cuidado e rotulados
como, ‘caso de tuberculose', ‘atraso vacinal', ‘ paciente com dengue', dentre outros.
A partir desse novo olhar, seriam considerados os limites que levam os serviços de
saúde a fechar uma ficha em tempo hábil esperado pela Vigilância, no tempo hábil de
alimentação dos sistemas de informação em saúde. Seria o aprender fazendo e produzir
aprendendo, modificando seu próprio modo de estar no mundo e no trabalho (NUNES,
2008, p. 274).
Os limites são os clássicos tempos que a Vigilância tem para alimentar os bancos de
dados e que muitas vezes não é o tempo da vida de nossos usuários e de nossas equipes.
Entramos então em conflitos como, por exemplo, os atrasos em alimentar os bancos que são
cobrados pelos entes federados e que devem ser enfrentados na perspectiva de uma nova
concepção de fazer vigilância: Vigilância do que, para o quê e para quem. Se isto não for
enfrentado, corremos o risco de mantermos as práticas verticais e autoritárias, utilizadas
pela Saúde Pública e pela Vigilância.
Merhy (2000, p. 113) aponta para o cuidado da redução e endurecimento da caixa de
ferramentas tecnológicas
[...] garantia de procedimentos focais cada vez mais restritos e válidos em si
mesmos, [...] A valise das tecnologias leves, foi substituída nesse processo por
uma relação privilegiada das outras duas, e o trabalho vivo em ato [...] tende a
ser capturado e expresso por saberes tecnológicos que reduzem seu foco à
produção dos procedimentos [...]. Grifo meu.
Por fim, a complexidade dos desafios postos à saúde nos dias atuais, e
especificamente à Vigilância, exige a mudança de concepções e paradigmas, construções
ainda que “doídas”, e não fazer “cerzidos” convivendo com o descosturado, como bem
descreve Onocko-Campos (2003)
A crise como perda de limites espaciais, que devem ser experimentadas, para
reconstruir um novo espaço [...] porém nos demandando ajuda para cerzir
algumas questões de maneira tal que, apesar da incerteza e das dores, seja
possível operar no seu (deles) campo de trabalho. Digo cerzir, pois me parece
que não é esta uma costura que não deixe marcas, pelo contrário. No cerzido o
descosturado convive com a possibilidade de manter alguma utilidade ou
função” (p. 140-1). Grifos meus.
159
Outro enfrentamento a ser feito, talvez um dos mais desafiadores, é a mudança da
lógica de trabalho, no qual as várias instituições que atravessam a Vigilância possam ser
questionadas em suas demandas muitas vezes verticais e que não têm significado social e
para a rede de serviços de saúde, gerando um tempo gasto em ações burocráticas e pouco
compartilhadas.
161
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta análise demonstra que, passados mais de vinte anos de criação do SUS, há
vários desafios a serem enfrentados, dentre eles, a recomposição da integralidade do objeto
da Vigilância, o fortalecimento político dessa instância no cenário do Ministério da Saúde e
o estabelecimento de uma gestão participativa. Essas práticas ainda se mantêm isoladas
entre os próprios setores clássicos da vigilância, com recortes específicos de objeto de
controle e intervenção.
A lógica clássica de intervenção dos problemas de saúde em “compartimentos
setoriais” das vigilâncias não dá conta da atual complexidade da sociedade quando
tratamos, por exemplo, de mortes por causas externas e doenças crônico-degenerativas.
Torna-se, necessário, portanto, avançar nas práticas intersetoriais e de relação com a
sociedade, potencializando os processos decisórios nas políticas públicas.
As instituições oficialmente criadas com o objetivo de executar medidas para
controle de problemas de saúde, de maneira geral, têm se pautado em práticas verticais e
pouco participativas.
O modelo de Vigilância, atualmente existente em Campinas, e, apesar dos avanços,
provavelmente em outros municípios brasileiros, deixa lacunas e mostra insuficiências em
explicar e intervir nos atuais problemas de saúde.
Reconhecer tais limites tem motivado os sujeitos a buscar novas formas de fazer
Vigilância, de modo que se avance nos atuais reducionismos e contribua para uma mudança
paradigmática, tendo como pressupostos as responsabilidades compartilhadas e respeitando
a autonomia dos sujeitos e a especificidade do território.
Além disso, a revisão do modelo de Vigilância preconiza um trabalho em rede e um
maior investimento nos profissionais envolvidos para que possam ampliar o olhar para além
da ”doença e da alimentação de bancos de dados”. Ademais, insere todas as pessoas,
sobretudo aquelas em sofrimento e submetidas a situações de risco e vulnerabilidade.
A despeito das dificuldades enfrentadas nos processos de descentralização, a
experiência vivenciada em Campinas demonstrou avanços na aproximação da Vigilância
em Saúde com os outros serviços de saúde.
162
Como limites, pudemos perceber a existência de uma insuficiente aproximação da
Vigilância com a sociedade mais ampla e pouca articulação com os espaços de controle
social. As ações de comunicação, educação para a saúde e as informações à comunidade
são pouco realizadas e, quando são, tem o caráter técnico e científico que não permite a
compreensão da população acerca do risco ao qual está exposto. Isto contribui para
manutenção de seres pedintes de proteção pelo Estado, tornando-os passivos e não os
incluindo nas decisões.
A relação estabelecida entre a Vigilância em Campinas e a sociedade de uma
maneira geral, estimula a relação entre Estado e consumidor, que está inserido em uma
sociedade hegemonicamente consumista e que não inclui o cidadão como sujeito de direitos
e de escolhas que devem ser feitas por ele mesmo.
Apesar das divergências, conflitos e crises, a Vigilância em Campinas tem buscado
se (re) inventar nos dias atuais, ainda que timidamente em relação a seu protagonismo em
sua trajetória inicial.
Há reconhecimento de que a Vigilância em Campinas protagonizou vários processos
instituintes que atualmente se institucionalizaram no país, com visibilidade em outros
países. Não obstante tais avanços, ainda há certa timidez em enfrentar problemas entre os
diferentes entes federados.
A recomposição da integralidade do objeto da Vigilância, pressupõe uma mudança
de paradigma que exige a inserção da Vigilância como parte de um todo e não somente
como um conjunto de ações pontuais realizadas “sobre” e “para” a sociedade, sem haver
um controle social sobre a mesma.
Este paradigma deve ser guiado pela responsabilidade social e pelo princípio da
equidade e não somente por interesses (tecnologias) econômicos ou produtivos. Este
conflito entre a utilidade social e a equidade pode ser enfrentado a partir da concepção da
Vigilância enquanto espaço de exercício da cidadania.
Enfim, concordando com um de nossos entrevistados:
[...] Vigilância em Saúde é estar atento e vigilante e não esperar a coisa
acontecer para correr atrás do prejuízo. É ter estratégias e metas para evitar que
as doenças tragam prejuízo em grande escala para as pessoas. É não correr atrás
do leite derramado, perder o bonde... Para evitar ações que não tenham impacto
nenhum sobre a saúde das pessoas.
163
As reflexões trazidas por essa investigação demonstram a relevância de futuras
pesquisas e investigações neste campo e a aplicabilidade deste percurso teórico-
metodológico em outras áreas como Educação (formação em saúde das diversas categorias
profissionais, pesquisas realizadas nas Universidades e o impacto social, dentre outros) e
serviços de saúde (Atenção Básica de Saúde, serviços de Média e/ou Alta Complexidade,
Urgência/Emergência e sua missão dentre do SUS, dentre outros).
Outrossim, a (co) relação das áreas citadas (e outras) com a Saúde Coletiva,
estabelecendo diálogos e questionamentos que tencionarão os processos de
institucionalização sócio-históricos, tem a potência de (re) significar esses processos e
desafiar a superação de outras desigualdades que forem encontradas, como em nossa
pesquisa.
165
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ANEXO 2 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)
Pesquisadora: Rosana Aparecida Garcia Enfermeira, Mestre em Saúde Coletiva (Unicamp), Sanitarista e Especialista em Educação (Unicamp). Aluna regular do Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva. RA: 068954 – Fone: 019- 21215167/94194909 Orientadora: Profa. Dra. Solange L’Abbate
Sujeito Participante Convidado(a): ________________________________________
Função/ Cargo/ Ano que admissão na PMC: ________________________________
Estou realizando um estudo em meu Projeto de Doutorado intitulado “Institucionalização da Vigilância em Saúde em um dos Distritos de Saúde de Campinas (SP): estratégias de descentralização e de integração/articulação com a rede de serviços de saúde”, que pretende problematizar e refletir sobre o processo de institucionalização da Vigilância em Saúde no Município de Campinas e, mais especificamente no Distrito de Saúde Sudoeste, tendo como pressuposto o principio constitucional da descentralização das ações e do trabalho em rede.
Solicito permissão para esta entrevista bem como sua gravação e informo que você terá acesso aos originais transcritos a qualquer momento que desejar. É compromisso obrigatório da pesquisadora assegurar o sigilo, a identidade e a privacidade dos sujeitos da pesquisa, quando da transcrição das falas e da incorporação das informações em textos acadêmicos.
A pesquisadora responsável o acompanhará e assistirá quando você precisar durante este estudo ou quando você solicitar para quaisquer problemas ou dúvidas a respeito do mesmo. Contato com pesquisadores: Pós-graduanda Rosana Aparecida Garcia e-mail [email protected], telefone (19) 94194909. Em caso de dúvida quanto aos seus direitos como participante da pesquisa, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade da PUC - Campinas, onde o projeto foi aprovado, situado na Rodovia Dom Pedro I, km 136, Parque das Universidades, Campinas-SP, CEP:13086-900, horário de funcionamento de segunda a sexta feira das 08h00 as 17h00., fone (019) 3343-6777, e-mail: [email protected].
Você tem a garantia de esclarecimentos antes, durante e depois da realização deste estudo. Os pesquisadores também assumem o compromisso de dar as informações obtidas durante o estudo, mesmo que isso possa afetar sua vontade em continuar participando do mesmo. Você tem liberdade para retirar seu consentimento ou se recusar a continuar a participar do estudo, a qualquer momento
185
e caso deixe de participar por qualquer razão, você não sofrerá qualquer tipo de prejuízo. Enquanto pesquisadora me comprometo resguardar todas as suas informações acerca da pesquisa e tratar estas informações com impessoalidade, não revelando sua identidade.
DECLARAÇÃO DE CONSENTIMENTO
Tendo lido as informações dadas sobre a pesquisa e tendo tido a oportunidade de fazer perguntas e ter recebido respostas que me deixaram satisfeita(o), tendo recebido uma via deste termo de consentimento e tendo entendido que tenho o direito de recusar-me a participar da pesquisa, sem que isso traga conseqüências para mim, aceito participar desta pesquisa.
Campinas, ___/___/_____.
_________________________________ _____________________________ Assinatura do (a) participante Assinatura da Pesquisadora
186
ANEXO 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTA
1. Formação, data de entrada na PMC ou na SME, local onde iniciou suas atividades
2. O que é para você “Vigilância em Saúde” e quais atribuições você entende que esta
Vigilância deva ter?
3. Em seu entendimento, estas atribuições devem ser realizadas em articulação e/ou
integração com os demais serviços de saúde do SUS e/ou ser realizadas de forma
intersetorial (outras secretarias, órgãos)? Justifique.
4. Como eram as ações desenvolvidas pela Vigilância em Campinas e como se
modificaram? (modelo de gestão? Modelo de assistência? Projeto de governo?
Politicas públicas? outros)
5. Quais atribuições foram incorporadas por esta Vigilância e como foi conformado o
Sistema de Vigilância em Saúde no município de Campinas?
6. Você vivenciou alguma mudança nesta Vigilância ao longo do tempo - nível
central, distrital ou local. Em caso positivo, que estratégias, arranjos, dispositivos,
foram utilizados?
7. Como se deu a (não) participação dos sujeitos (da Vigilância, gestores e da
assistência) e do controle social nestas mudanças? Fale sobre isto, se possível.
8. Que limites e avanços você acredita haver para uma articulação e integração entre a
Vigilância, a rede de serviços de saúde e o controle social?
9. Você acredita que o trabalhador da Vigilância em Saúde/ assistência e gestores
tenham necessidade de alguma “capacitação/formação” especifica? Se sim qual?
Em caso positivo, cite situações concretas.
190
ANEXO 5 – CONVITE PARA OFICINAS DE RESTITUIÇÃO
CONVITE
Por meio deste, convidamos xxxxx, que teve participação ativa no processo de Institucionalização da
Vigilância em Saúde do Município de Campinas (SP), a participar da OFICINA DE
RESTITUIÇÃO, momento no qual serão realizadas discussões e debates a partir dos achados nas
entrevistas realizadas pela Aluna de Doutorado em Saúde Coletiva – Rosana Garcia.
DATA: dia 10 de abril, de 2014
Horário: das 9 as 12 hs
Local CETS/SMS/Campinas
Sala: 22 (2° andar)
Antecipamos nossos agradecimentos pelo compartilhamento inicial deste processo sócio-histórico e
aguardamos sua presença que enriquecerá o produto final deste trabalho.
Rosana Aparecida Garcia Profa Dra Solange L’Abbate Doutoranda em Saúde Coletiva Profa Associada
DSC/FCM/UNICAMP (Livre Docente) – Colaboradora
DSC/FCM/UNICAMP
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Ciências Médicas
Departamento de Saúde Coletiva
OFICINA DE RESTITUIÇÃO “ANÁLISE DO PROCESSO SÓCIO-HISTÓRICO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
VIGILÂNCIA EM SAÚDE NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS (SP)
191
CONVITE
Por meio deste, convidamos a participar da II OFICINA DE RESTITUIÇÃO, momento no qual
alguns resultados obtidos nas entrevistas e na I Oficina de Restituição serão coletivizados, dando voz
e dialogando com os saberes dos diferentes sujeitos que ocuparam diferentes lugares durante o
processo. Na transversalidade dos debates, a implicação da pesquisadora será posta em análise pelos
presentes, que auxiliarão na (re)escrita do texto síntese da tese de Doutorado.
DATA: dia 08 de maio, de 2014
Horário: das 9 as 12 hs
Local CETS/SMS/Campinas
Sala: 22 (2° andar)
Antecipamos nossos agradecimentos pelo compartilhamento inicial deste processo sócio-histórico e
aguardamos sua presença que enriquecerá o produto final deste trabalho.
Rosana Aparecida Garcia Profa Dra Solange L’Abbate Doutoranda em Saúde Coletiva Profa Associada
DSC/FCM/UNICAMP (Livre Docente) – Colaboradora
DSC/FCM/UNICAMP
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Ciências Médicas
Departamento de Saúde Coletiva
II OFICINA DE RESTITUIÇÃO “ANÁLISE DO PROCESSO SÓCIO-HISTÓRICO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
VIGILÂNCIA EM SAÚDE NO MUNICÍPIO DE CAMPINAS (SP)
192
ANEXO 6 – QUESTIONÁRIO DE AVALIAÇÃO DAS OFICINAS DE
RESTITUIÇÃO
PRESSUPOSTOS ACERCA DA RESTITUIÇÃO (...) uma atividade intrínseca à pesquisa (...). Ela nos faz considerar a pesquisa além dos limites de sua redação final; ou
melhor, de sua transformação em mercadoria cultural para servir unicamente ao pesquisador e à academia (LOURAU,
1993:50). A idéia é que o trabalho do pesquisador está saturado de subjetividade. As instituições científicas vão ter as suas próprias
ideologias. Elas não são particularmente objetivas, mesmo se elas tentam nos fazer acreditar nisso. [...] podemos
perguntar quais são as conseqüências da implicação do pesquisador na sua produção científica. A questão não é que
devamos nos livrar de nossas ideologias, mas tentar analisá-las coletivamente. O verdadeiro trabalho científico deve estar
aí. (MONCEAU 2008. P.22)
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Faculdade de Ciências Médicas
Departamento de Saúde Coletiva
QUESTIONARIO DE AVALIAÇÃO SOBRE OS MOMENTOS DE RESTITUIÇÃO ESCRITA E ORAL “ANÁLISE DO PROCESSO SÓCIO-HISTÓRICO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA EM SAÚDE NO
MUNICÍPIO DE CAMPINAS (SP)
1. Como foi para você, participar destes momentos de Restituição (escrita e oral)?
2. Você acredita que ajudou a (re) escrever o texto trazido pela pesquisadora, sentindo-se co-
autor do trabalho?
3. Estes momentos trouxeram alguma contribuição para sua prática atual? Em caso positivo,ou
negativo, descreva.
4. Você tem alguma sugestão para a escrita geral deste trabalho (temas não abordados, por
exemplo)?
213
ANEXO 16: DEBATES SOBRE A MUNICIPALIZAÇÃO E OFICINA DE TERRITORIALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA À SAÚDE (1994)
216
ANEXO 18: OFICINA PARA DEFINIÇÃO DE DIRETRIZES E GESTÃO DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA E AMBIENTAL DE CAMPINAS (1999)
217
ANEXO 19: VI CONFERÊNCIA MUNICIPAL DE SAÚDE EM CAMPINAS: DIRETRIZES DA SAÚDE COLETIVA NO PAIDÉIA (2002)
228
ANEXO 25: CARTA DE COMPROMISSO: DOCUMENTO SÍNTESE PROCESSO
COLETIVO PARA REORGANIZAÇÃO VIGILÂNCIA EM CAMPINAS (2012)