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1 Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Programa de Pós-Graduação em História Social Romanização e Reforma Católica Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora: projeto e limites(1890-1924) por: Mabel Salgado Pereira Dissertação apresentada ao Departamento de História, no IFCS, UFRJ, como requisito para obtenção do grau de Mestre em História. Orientador: Prof. Dr. Francisco José Silva Gomes Rio de Janeiro, 2002

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais

Programa de Pós-Graduação em História Social

Romanização e Reforma Católica Ultramontana da Igreja de

Juiz de Fora: projeto e limites(1890-1924)

por: Mabel Salgado Pereira

Dissertação apresentada ao Departamento

de História, no IFCS, UFRJ, como requisito

para obtenção do grau de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Francisco José Silva Gomes

Rio de Janeiro, 2002

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Banca Examinadora

________________________________________

Prof. Dr. Francisco José Silva Gomes – Orientador

Universidade Federal do Rio de Janeiro

_______________________________________

Prof. Dr. Marcos Luiz Bretas da Fonseca

Universidade Federal do Rio de Janeiro

______________________________________

Prof. Dr. Marcelo Ayres Camurça

Universidade Federal de Juiz de Fora

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Para minhas filhas Marina e Marcela,

pelo amor e tudo mais que nos une.

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RESUMO

Na presente dissertação procuramos analisar os principais movimentos que

permeiam o processo de Romanização e de Reforma Católica Ultramontana na

Igreja de Juiz de Fora e seus limites. A análise foi realizada levando em

consideração os seus principais agentes: episcopado, clero diocesano e regular, e

os seus destinatários, os fiéis.

Iniciamos em meados do século XIX, quando encontramos a presença de um

catolicismo tradicional, herdado do passado colonial, dominante. O nosso recorte

temporal concentra-se porém nos anos de 1890-1924, por considerarmos ser este o

momento da implantação das diretrizes reformadoras em Juiz de Fora.

Na análise foi utilizado um corpus documental de diversas procedências, no

qual se destacam as fontes da própria Igreja, documentos oriundos do poder civil e

jornais.

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RÉSUMÉ

Cette dissertation a pour but d’ analyser les principaux éléments qui intègrent

le processus de Romanisation et de la Réforme Catholique Ultramontaine dans

l’Eglise de Juiz de Fora et ses limitations. L’analyse a tenu compte des principaux

agents de ce mouvement : l’épiscopat, le clergé séculier et régulier et de leurs

destinataires - les fidèles.

On commence vers le milieu du XIXème siècle, avec la présence d’un

catholicisme traditionnel, dominant, héritié du passé colonial. Notre périodisation se

concentre cependant entre les années 1890 et 1924, car c’est le moment par

excellence de l’implantation des directrices réformatrices à Juiz de Fora.

On a utilisé un corpus documentaire de différents provenances, où se

distinguent surtout les sources de l’ Église même, des documents du pouvoir civil et

des journaux.

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AGRADECIMENTOS

Neste momento, ao finalmente parar para pensarmos nas pessoas e

instituições que tornaram possível, de uma forma ou de outra, que este trabalho

fosse levado a cabo, percebemos que, ao contrário do que pensávamos, não foram

poucos os que nos apoiaram. Assim, com carinho faço aqui meus agradecimentos e,

assumo desde já, os equívocos e possíveis falhas que devem ser creditadas

inteiramente a minha pessoa.

Começo, primeiramente, agradecendo às instituições. À Capes, pela bolsa de

pesquisa concedida, que tantas facilidades me proporcionou e, sem a qual a

consecução deste trabalho se tornaria muito difícil. Sou também extremamente grata

aos diretores do Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio e da Escola

Modelo Monteiro Lobato, ambos de Juiz de Fora, por minha liberação das atividades

acadêmicas.

Beatriz V. Dias Miranda e Riolando Azzi são os grandes colaboradores pela

realização deste trabalho. Ambos despertaram-me para questões pertinentes ao

meu tema de pesquisa sobre as quais eu ainda não havia refletido. A afinidade foi

tão grande que passamos a trabalhar juntos em vários outros projetos. A eles

agradeço a amizade, o estímulo e a confiança em mim depositada.

Ao Prof. Francisco José Silva Gomes, meu orientador desta dissertação, eu

agradeço pelo estímulo constante nestes meus primeiros passos como historiadora

e por sua generosidade intelectual.

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Aos professores Marcos Luiz Bretas da Fonseca e Marcelo Ayres Camurça,

pela colaboração de ambos enquanto leitores críticos e avaliadores dessa

dissertação.

Ao professor Newton Barbosa de Castro, sempre solícito às minhas consultas,

agradeço pela confecção dos mapas em anexo desta dissertação. De maneira

especial, também agradeço aos funcionários responsáveis pelos vários arquivos

visitados, nos quais o espírito de solidariedade sempre nos acompanhou; a todos

deixo aqui meu reconhecimento.

Aos meus familiares, em especial e de forma muito carinhosa, à minha tia-

mãe Vitória de Oliveira Salgado, que, sempre presente, dispensou cuidados

especiais não só a mim, mas principalmente às minhas filhas, permitindo desta

forma o meu crescimento enquanto pesquisadora.

À minha secretária Josilene de P. da Silva, que durante todos estes anos

cuida carinhosamente minhas filhas, agradeço a confiança que possibilitou-me a

tranquilidade necessária para este êxito.

Por fim, a todos os meus amigos, aos que hoje estão no Rio de Janeiro e me

hospedaram durante os períodos em que cumpria os créditos e aos que

permanecem lado a lado na nossa caminhada diária, em especial a Helô que ainda

contribuiu com a revisão do texto.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................12

1- DA VILLA DE SANTO ANTÔNIO DO PARAHYBUNA À MANCHESTER

MINEIRA - JUIZ DE FORA: A CIDADE EM QUESTÃO..................................19

1.1- A cidade: uma herança .......................................................................21

1.2- Vanguardas ........................................................................................26

1.3- Em busca de um espaço urbano ideal................................................32

1.4- A Imprensa.........................................................................................40

2- UM MODELO DE CATOLICISMO TRADICIONAL – AS TRADIÇÕES

RELIGIOSAS EM JUIZ DE FORA ......................................................................44

2.1- Irmandades religiosas em Juiz de Fora no século XIX..........................47

2.2- A presença de um clero tradicional........................................................64

3- ROMANIZAÇÃO E REFORMA CATÓLICA ULTRAMONTANA DA IGREJA DE

JUIZ DE FORA – A AÇÃ REFORMADORA......................................................73

3.1- Afirmação do clero diocesano reformado................................................78

3.2- A força das congregações religiosas.......................................................93

3.3- O enquadramento dos fiéis....................................................................110

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4- OS LIMITES DA ROMANIZAÇÃO E DA REFORMA CATÓLICA

ULTRAMONTANA - UMA SITUAÇÃO DE GRANDES DESAFIOS..................138

4.1- Os principais adversários da Instituição Eclesiástica.............................148

4.1.1- Os protestantes...........................................................................148

4.1.2- O Espiritismo...............................................................................157

4.1.3 A Maçonaria.................................................................................160

CONCLUSÃO........................................................................................................164

Anexos....................................................................................................................167

Fontes ....................................................................................................................177

Bibliografia..............................................................................................................180

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LISTA DE ABREVIATURAS

ACRCG-JF – Arquivo da Comunidade Redontorista do Curato da Glória –

Juiz de Fora

AEAM – Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana

AHMJF – Arquivo Histórico Municipal de Juiz de Fora

BSM-LMFMJF – Biblioteca Saldanha Marinho – Loja Maçônica Fidelidade Mineira de

Juiz de Fora

CMIJF-AHPHOF - Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora – Arquivo Histórico

Padre Henrique Oswaldo Fraga

SMBMMM – Setor de Memória da Biblioteca Municipal Murilo Mendes

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Parodiando Carlos Drumond de Andrade:

Merci, merci, merci.

Estou empapelada!

Deixo, feliz, aqui,

o meu muito obrigado

a Ti.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como tema o estudo da Romanização e Reforma Católica

Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora: projeto e limites. O seu objeto está

circunscrito num dos aspectos mais relevantes da História da Igreja no Brasil no

século XIX, o movimento de Reforma Católica, realizado sob a liderança do

episcopado, e que teve como um dos principais pólos propulsores a Diocese de

Mariana, à qual pertencia a paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora.

Entende-se por Romanização o processo de centralização, com vistas a uma

uniformização, da Igreja romana na vida aclesial e eclesiástica da Igreja no Brasil.

Esta ação assumia os objetivos da Reforma Católica Tridentina. Por isto mesmo,

tanto a Romanização quanto a Reforma Católica partiam dos bispos auxiliados pelo

clero, com o objetivo de enquadrar a vida dos fiéis nas diretrizes de um novo modelo

de catolicismo e de Igreja, que denominamos ultramontanismo.

O recorte temporal que apresentamos como marco inicial deste processo é o

ano de 1890, ano em que identificamos as primeiras medidas reformadoras e a

presença em Juiz de Fora dos principais agentes eclesiásticos imbuídos deste ideal.

O marco final é o ano de 1924, momento da criação da Diocese de Juiz de Fora.

Para entendermos o real valor deste movimento fez-se necessário, um retorno ao

período que antecede o movimento reformador, abrangendo, desta forma, o período

de criação do próprio povoado, em 1850.

Este retorno a 1850 nos permitirá a compreensão de uma sociedade em

mudança, na qual é manifesto um certo conflito de mentalidades. De um lado, o

imaginário do progresso, pautado pela possibilidade da criação de um espaço

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urbano ideal, incentivado por padrões capitalistas, pela presença de grupos de

imigrantes de várias nações, e pela difusão dos valores da modernidade. Por outro

lado, encontramos uma sociedade marcada pela tradição, com a presença de uma

aristocracia da terra voltada para os valores do catolicismo luso-brasileiro, com suas

crenças nos santos e sem o controle efetivo das instituições eclesiásticas.

A escolha deste objeto teve duas motivações. Primeiramente a escassez de

estudos sobre o mesmo. Não há uma tradição historiográfica em Juiz de Fora, como

vem ocorrendo em âmbito nacional, que esboce uma análise sistemática sobre a

experiência da Igreja católica juizforana, especificamente quanto ao fenômeno da

Romanização.

A outra razão está vinculada à relevância do tema. A partir do momento da

implantação das diretrizes reformadoras em Juiz de Fora, constata-se,

principalmente no setor educacional voltada para as elites, um controle hegemônico

da Igreja que permanece até nossos dias. Desta forma, para o entendimento da

sociedade juizforana, hoje, torna-se necessário um olhar para as transformações

ocorridas no contexto do processo de Romanização e Reforma Católica

Ultramontana na cidade.

A consecução da análise foi possível através da utilização de um múltiplo

conjunto de fontes variadas, as quais receberam um tratamento qualitativo e

quantitativo. Estas podem ser agrupadas da seguinte forma: a documentação interna

das irmandades, a documentação eclesiástica em geral, a documentação do poder

público e a imprensa liberal local.

O primeiro conjunto de fontes é composto pelos compromissos das

irmandades. Com esta documentação foi possível afirmar a presença e a

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organização destas associações, assim como, a compreensão de sua vivência

devocional.

As fontes eclesiásticas em geral são formadas por um corpus documental de

diversas procedências que abrange: cartas pastorais individuais, coletivas e

reservadas ao clero; correspondência de padres das congregações religiosas ao

bispo diocesano; correspondência das congregações aos seus superiores na

Europa; livros de tombo e livros de crônicas. Através desta documentação foi

possível identificar as principais linhas das diretrizes reformadoras em Juiz de Fora.

A documentação do poder público possibilitou-me a compreensão da

formação do espaço urbano em questão, a cidade de Juiz de Fora, além das

relações entre instituição Igreja e as instâncias do poder municipal. Estão reunidos

neste conjunto de fontes os projetos, os ofícios e a correspondência enviada à

Câmara Municipal, documentos que fazem referência ao projeto de construção de

um espaço urbano ideal, além daqueles outros referentes, especificamente, às

questões da Igreja Católica.

Entre os jornais utilizados dois são católicos, a saber: Lar Catholico e O Lar

Catholico, que apesar do mesmo nome, tiveram sua existência em momentos

distintos. O primeiro circulou nos primeiros anos que identificamos como sendo o

momento da implantação das medidas reformadoras em Juiz de Fora, entre os anos

de 1891 e 1892. O segundo, de vida mais longa, passou a circular no início do

século XX e permaneceu em atividade para além de 1924. Através destes é possível

reconstruir o pensamento da Igreja Católica e suas principais preocupações naquele

momento.

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Os outros jornais utilizados foram o Jornal do Commercio, O Pharol e Diário

de Minas. Estes, de maneira específica, permitiram-me acompanhar determinados

acontecimentos relacionados à história da Igreja de Juiz de Fora, possibilitando-me

uma visão mais geral de determinados acontecimentos, de um ponto de vista não

especificamente católico e, neste sentido, serviram como complemento às demais

fontes.

Além destas fontes fiz uso de uma vasta historiografia sobre temas

relacionados com a Romanização e Reforma Católica Ultramontana e com a

História da Igreja no Brasil de maneira mais geral. Porém, vale destacar que a

bibliografia utilizada não esgota o tema, tendo sido indicada as obras e os artigos

consultados e usados.

O plano teórico desta dissertação insere-se no quadro de uma História

Institucional, porém, por vezes em diálogo com elementos da História Cultural, por

considerarmos que a implantação do processo romanizador e reformador pode ser

entendida como um movimento social, já que “os movimentos não seriam

movimentos se não tivessem os seus emblemas, os seus sinais exteriores, o seu

estilo de comportamento, de discurso e de indumentária”1 podendo, desta forma,

ocorrer diferentes graus de convicção, vários níveis de lealdade, consciente ou não.

Disso resulta que não há um único sistema de representação, mas vários,

caracterizando a existência de lutas e representações, onde o que está em questão

a ordenação da realidade, logo, a própria hierarquia da estrutura social. Assim,

entendo que as práticas do episcopado, seu discurso, as novas devoções, entre

1 GOMBRICH, H. E. Para uma História Cultural. Lisboa, Gradiva, 1994, p. 79.

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outros, são representações que deram ao mesmo o instrumental necessário para a

implantação do modelo romanizador e reformador.

Enquanto globalizantes, deformantes e concorrentes, os sistemas de

representação e construção de significado do mundo social comportam esperanças

e utopia. Dar à representação uma função criadora implica atribuir-lhe uma

capacidade inventiva para criar a realidade. Nesse sentido as representações

podem impulsionar práticas que contribuem para dinamizar o movimento da história.

Entendido dessa maneira o conceito de representação, acredito que as

práticas, idéias e valores veiculados pelo episcopado reformador contribuíram para a

afirmação de um novo modelo de igreja, além de construir um novo modelo de

compreensão da ordem social.

Além deste diálogo com a História Cultural, esta dissertação, por ter um

recorte geográfico centrado na cidade de Juiz de Fora, serve -se também da

metodologia da micro -história e busca retificar afirmações que a historiografia de

malha mais larga faz sobre o movimento de Reforma Católica de maneira mais

geral. O caso de Juiz de Fora, neste sentido, não se insere totalmente no modelo de

reforma implementado em Minas Gerais a partir do movimento do primeiro Bispo

reformador de Mariana, Dom Viçoso.

A dissertação está dividida em quatro capítulos, cada um deles divididos em

tópicos para uma melhor compreensão dos elementos abordados. O capítulo 1 – Da

Villa de Santo Antônio do Parahybuna à Manchester Mineira - Juiz de Fora: a cidade

em questão – busca analisar a formação da cidade de Juiz de Fora, ressaltando

primeiramente a historiografia existente sobre o município para, em seguida,

abordar os principais elementos formadores que permeiam a construção da cidade.

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Neste capítulo, nosso objetivo foi demonstrar que a cidade de Juiz de Fora não se

enquadra no modelo urbano do “tipo sacramental” de Mariana, sede do bispado à

qual pertencia a paróquia do município.

O capítulo 2 – Um Modelo de Catolicismo Tradicional - As tradições religiosas

em Juiz de Fora – tenta analisar as tradições religiosas existentes em Juiz de Fora

desde o momento de sua criação, em 1850. As irmandades religiosas e a presença

de um clero tradicional, herdados do passado colonial, ganham espaço na tentativa

de demonstrar que o movimento religioso, que se desenvolveu até a implantação

das medidas reformadoras, enquadra-se no contexto de um catolicismo tradicional

de cunho mais popular e não se difere das demais cidades brasileiras.

O capítulo 3 – Romanização e Reforma Católica Ultramontana na Igreja de

Juiz de Fora - A ação reformadora – trata das posturas e dos discursos e das

práticas reformadoras dos agentes eclesiásticos, da chegada das Congregações

religiosas européias e suas estratégias que visavam a intensificação da implantação

do novo modelo reformador e, finalmente, o enquadramento dos fiéis nesta nova

ordem, destacando neste sentido, as novas devoções e simbologias religiosas que

se firmaram em detrimento das antigas devoções.

O capítulo 4 – Os Limites da Romanização e da Reforma Católica

Ultramontana - Uma situação de grandes desafios – dedica-se, inicialmente, à

observação das dificuldades vividas pelos próprios agentes reformadores, em

especial os europeus. Em seguida, observo a presença de outras tendências

religiosas e o embate que se desenvolveu entre elas e a Igreja Católica.

Cientes de nossas limitações e das várias possibilidades de investigação e

interpretação do nosso tema, introduzimos este estudo sobre a Romanização e

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Reforma Católica Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora com a intenção de que

possa ser uma contribuição a mais no conjunto de estudos que enriquecem a

História Regional, aliando-se às obras já existentes sobre a cidade de Juiz de Fora.

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1- DA VILLA DE SANTO ANTÔNIO DO PARAHYBUNA À MANCHESTER

MINEIRA - JUIZ DE FORA: A CIDADE EM QUESTÃO

Uma das notas características da história da Igreja do Brasil no século XIX é o

movimento de Romanização e Reforma Católica Ultramontana que se estabelece

sob a orientação do episcopado. A Igreja devia ser compreendida como uma

“societas perfecta”2 hierarquizada e autônoma, sob a chefia direta do Pontífice

Romano.

O objetivo do nosso trabalho é analisar o desenvolvimento deste processo na

Igreja de Juiz de Fora. Assim, neste primeiro capítulo a intenção é apresentar a

cidade em questão, valorizando os aspectos gerais, porém, enfatizando o processo

modernizador da segunda metade do século XIX do ponto de vista urbano,

considerando ser impossível uma compreensão clara do processo, sem o

entendimento do espaço urbano e da própria organização social nos quais o mesmo

se estrutura.

Esta é a tarefa que se coloca neste primeiro capítulo e que poderia ser

desenvolvida sob diversos aspectos, dada a riqueza de documentos que se

encontram preservados nos diversos arquivos históricos do município, além da

vasta bibliografia já desenvolvida por diversos estudiosos que se interessam pela

sua história.

2 A auto compreensão da Igreja na Teologia ultramontana passava por uma concepção societária da Igreja, definida em termos canônicos como “societas perfecta”. Cf. CIFUENTAS, Rafael . Relações entre a Igreja e o Estado. Rio de Janeiro, José Olímpio, 1989, p. 31. Apud.: GOMES, Francisco José S. De súdito a cidadão: os católicos no Império e na República Velha(1822-1930). In: XII Congresso Internacional da Associação de Historiadores Latino-Americanistas – AHILA, Portugal, 1999, p. 10.

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A bibliografia encontrada pode ser dividida em três eixos: no primeiro,

encontra mos estudos realizados por intelectuais sem formação específica no campo

da história, mas em diversas outras áreas do saber, muitos deles pertencentes ao

Instituto Histórico e Geográfico de Juiz de Fora, criado em 1956, e à Academia

Mineira de Letras, fundada na cidade, em 1909.3

Em segundo lugar, sem necessariamente pretender colocar numa ordem as

leituras sobre a história do município, encontramos os trabalhos de literatos que

interpretaram a história de Juiz de Fora e a sociedade em suas memórias, poesias e

outros gêneros.4

E, recentemente, encontramos os trabalhos desenvolvidos pelos professores

do Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora5. Reunidos

em torno do Núcleo de História Regional, eles contribuem também com diversos

artigos para a revista do departamento, “LOCUS”. A revista conta também com a

colaboração de professores de outros departamentos do Instituto e de outras

Universidades.

3 Ver ESTEVES, Albino & LAGE, Oscar Vidal Brabosa. Álbum do Município de Juiz de Fora; OLIVEIRA, Paulino de. História de Juiz de Fora; OLIVEIRA, Almir de. A imprensa em Juiz de Fora; BASTOS, Wilson de Lima. O Engenheiro Henrique Halfeld; STEHLING, Luiz. Os alemães em Juiz de Fora; LESSA, Jair. Juiz de Fora e seus pioneiros, entre outros. Ainda não temos na historiografia regional um trabalho de avaliação desta fase, o número de livros publicados é relativamente grande, sendo que alguns autores nesta fase, como é o caso de Wilson de Lima Bastos, deixaram coleções. 4 Vale destacar os trabalhos de NAVA, Pedro. Baú de Ossos ; JARDIM, Rachel. Os anos 40; MENDES, Murilo. A Idade do Serrote; RANGEL, José. Como o tempo passa; BRAGA, Belmiro. Redondilhas . Sem a pretensão neste momento de citar todas as obras destes autores. 5 Ver CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. A Europa dos pobres – a belle-époque mineira; ANDRADE, Silvia Maria Belfort Vilela de. Classe operária em Juiz de Fora; RIBEIRO, Cláudia Maria. Diferentes atores em papéis diversos; a barguardia política no palco da gestão participativa em Juiz de Fora, 1983-1988. (Dissertação de Mestrado); MIRANDA, Sônia Regina. Cidade, Capital e Poder: políticas públicas e questão urbana na Velha Manchester Mineira(Dissertação de Mestrado); OLIVEIRA, Mônica Ribeiro. Imigração e industrialização: os alemães e os italianos em Juiz de Fora - 1854 a 1920(Dissertação de Mestrado); PIRES, Anderson Pires. Capital agrário, investimento e crise na cafeicultura de Juiz de Fora – 1860-1930(Dissertação de Mestrado); ANDRADE, Rômulo. A escravidão na Zona da Mata de Minas Gerais(Tese de Doutorado)

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Assim, diante da riqueza dos temas já tratados por todos estes estudiosos,

gostaríamos de apresentar a cidade de Juiz de Fora a partir e sob o olhar de um

grupo de homens ilustrados, integrado por engenheiros, sanitaristas, jornalistas,

entre outros. Acreditamos que os projetos apresentados à Câmara Municipal, da

época da fundação da Villa de Santo Antônio do Parahybuna até o início do século

XX, visando o processo de construção de um modelo de cidade ideal, são fontes

capazes de fornecer-nos precioso caminho para tentarmos entender como esta elite

pensava a sociedade de seu tempo.

Nesta leitura nossa intenção será a de compreender os processos e as

operações pelos quais este grupo particular atribui sentido ao mundo e, como indica

Chartier, “descrevem a sociedade tal como pensam que é ou como gostariam que

fosse”.6

O capítulo desenvolvido desta forma se justifica porque pretendemos,

quando analisarmos as tradições religiosas, o processo de Romanização e a

Reforma Católica Ultramontana e seus limites, demonstrar seu diálogo com as

outras formas de representação na cidade em ques tão. Interessa-nos perceber a

presença destas outras representações em seu encontro e confronto com o

processo de Romanização e Reforma Católica Ultramontana.

1.1- A cidade: uma herança

Diante da documentação existente sobre o surgimento do município,

podemos afirmar que a “Villa de Santo Antônio do Parahybuna” nasce ao longo do

6 CHARTIER, Roger. A História Cultural. Entre Práticas e Representações . Rio de Janeiro/Lisboa, Bertrand Brasil/Difel, 1990, p. 19.

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Caminho Novo para as Minas, uma ‘picada’ idealizada pelo sertanista Garcia

Rodrigues Pais por volta de 1701, ligando a região das minas ao Rio de Janeiro,

com o objetivo de facilitar o transporte do ouro extraído e controlar o contrabando.

A capitania das Gerais encontrava-se dividida em quatro grandes comarcas:

Vila Rica de Ouro Preto, Vila Real de Sabará, Vila do Príncipe do Sêrro Frio e a da

Vila de São João del’Rei do Rio das Mortes. Esta última, com sede na Villa de

mesmo nome, abrangia vasto território, que ia desde Paraopeba e Congonhas, rumo

ao Sul, até o legendário rio Paraibuna e a serra da Mantiqueira, compreendendo a

região onde mais tarde surgiria a Villa de Santo Antônio do Parahybuna.7

Os registros dos viajantes europeus, como o de Saint-Hilaire, confirmam os

encantos da região em suas: Voyages dans les provinces de Rio de Janeiro et de

Minas Geraes, afirmando que:

“A paizagem que se oferece aos olhos do viajante quando chega á entrada da comarca do Rio das Mortes ás margens do parahybuna tem qualquer coisa que surprehende por um mixto de desordem e regularidade selvagem. Por todo a parte o rio é dominado por altas montanhas”.8

Destas altas montanhas, na região em foco, temos a memória do morro da

Boiada. Segundo Albino Esteves, o morro da Boiada “era um amontoado de casas,

ranchos para as tropas; pousadas (...) A Boiada chegou a possuir uma capelinha.

(...) em direção mais ou menos com o tunnel dos Marmellos.” Citando Saint-

Hilaire o autor confirma: “A uma legoa e tres quartos do Marmello, encontra-se a

7 Cf. Enciclopédia dos Municípios Brasileiros . Vol. XXV, Rio de Janeiro, 1959. 8 HILAIRE, Saint. Voyages dans les provinces de Rio de Janeiro et de Minas Geraes. In: ESTEVES, Albino & LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do Município de Juiz de Fora . Bello Horizonte, Imprensa Official do Estado de Minas, 195, p. 46.

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pousada de Juiz de Fóra, nome que, sem duvida, provém do cargo que occupava

seu primeiro proprietario.” 9

Assim, encontramos os primeiros referenciais: o rio Paraibuna, o morro da

Boiada, Marmellos e Juiz de Fora. Os documentos mais antigos, encontrados nos

arquivos municipais sobre o início do povoamento, datam de 1741 e tratam do

pedido de construção da primeira capela em devoção a Santo Antônio, expedido

pelo luso-espanhol Antônio Vidal à Diocese do Rio de Janeiro. O vigário confirma a

necessidade da construção ao seu superior justificando que:

“Tambem he certo que a capella qe o supp te quer emergir hé necessaria e util, não só pa elle e sua familia mas tambem pa os vizinhos, e passageiros de q. hé muy frequentado este camo por ser hoje quasi o único por onde se comunicão todas as minas.” 10

Desta forma, podemos constatar a importância do culto aos santos na

implantação da fé católica na região de Juiz de Fora, sendo Santo Antônio, o santo

mais popular entre os portugueses, o primeiro a ser cultuado na região.

Sobre este primeiro povoado somente o grupo dos primeiros estudiosos fez

registros em diversas obras. Deste período encontramos hoje em Juiz de Fora

apenas documentos de pedido de levantamento da igreja, os quais nos remetem

sempre ao nome de Antônio Vidal como o responsável pela organização social

neste início. O povoado da Villa Santo Antônio do Parahybuna se desenvolve

inicialmente apenas na margem esquerda do rio Paraibuna; no lado direito onde está

hoje situado o centro da cidade, não havia habitações, nem passagens.

9 Idem, ibidem, p. 46. 10 CMIJF / AHPHOF. Fundo Arquidiocese/Paroquial, Pasta Matriz de Santo Antônio.

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24

A um Antônio sucedeu outro Antônio, nas terras de Santo Antônio. O

segundo, Antônio Dias Tostes, estabeleceu-se na região por volta do início do

século XIX. Jair Lessa afirma ter sido em 1812 o momento em que:

“cessaram as atividades da família Vidal em nossas paragens(...) com a venda feita em 30 de junho, no Cartório de Barbacena, por José Vidal, na qualidade de herdeiro universal, da “Fazenda do Juiz de Fora” e da “Fazenda do Marmelo” , ao tenente Antônio Dias Tostes. Reza a escritura que a primeira possuia casa de sobrado, capela, e mais cinco sesmarias anexas”. 11

A organização do espaço urbano na margem direita do rio Paraibuna, onde

hoje se encontra o centro do munícipio, teve início com a partilha dos bens do

tenente Tostes, entre seus doze filhos. Um engenheiro, o alemão Henrique

Guilherme Fernando Halfeld, casado com Cândida, umas das herdeiras, será o

responsável pelo desenho da planta que registra esta partilha, de 1844, guardada

hoje no Arquivo Público Mineiro da capital, Belo Horizonte.

Pela Lei Provincial no 472, artigo 8, de 31-05-1850, o povoado é elevado à

categoria de Villa de Santo Antônio do Paraybuna, sendo a nova paróquia

incorporada à diocese de Mariana, à frente da qual se encontrava Dom Antônio

Ferreira Viçoso. Em 02-05-1856, pela Lei Provincial no 759, a Villa passa à categoria

de cidade e, finalmente, em 19-12-1865, pela Lei Provincial no 1.262, passa a ser

cidade do Juiz de Fora.

Mesmo com a queda da extração do ouro, o Caminho Novo continua sendo a

referência enquanto ponto de ligação com a Corte. A Villa continua a se desenvolver

e, por volta de 1865, se faz sentir plenamente, no plano econômico, a importância do

11 LESSA, Jair. Juiz de Fora e seus pioneiros . Juiz de Fora, UFJF – Funalfa, 1985, p. 32.

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café. O município tinha no cultivo da rubiácea o principal fator de sua estabilidade

econômica e financeira.

Com a expansão cafeeira instalou-se definitivamente na região a mão-de-

obra escrava. “Em 1855(...) havia um total de 4.000 escravos para 2.400 homens

livres e, em 1872, havia 18.775 escravos para 11.604 livres.”12 Assim, podemos

constatar por estes dados um número bem superior de escravos com relação aos

homens livres, bem como o rápido crescimento demográfico do município.

Em Minas Gerais, a principal região produtora de café foi a Zona da Mata. Em

1847/48 a produção alcançou o número de 743.707 arrobas, sendo 183.895 arrobas

saídas da região de Juiz de Fora.13 Os recursos gerados por este passado glorioso

do café e concentrados nas mãos dos fazendeiros foram repassados para outros

setores da economia, possibilitando a criação de:

“condições efetivas para o avanço da modernização capitalista nos vários vetores em que ocorreu(estruturação do mercado de trabalho livre, diversificação econômica, industrialização, investimento e comportamento econômico da aristocracia rural, poder político das elites locais etc.)14

Assim, passada a fase áurea do café, surgia no final do século XIX “a era da

indústria, o ciclo industrial (...) o progresso da metrópole. Neste setor, foi tão grande

e apresentava índices financeiros tão apreciáveis”15, que foi denominada por Rui

Barbosa de “Manchester Mineira”.

No plano do desenvolvimento das relações políticas podemos perceber que

12 OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. Juiz de Fora – Vivendo a História. Juiz de Fora, EDUFJF, 1994, p. 26. 13 Cf. GIROLETTI, Domingos. Industrialização de Juiz de Fora. Juiz de Fora, EDUFJF, 1988, p. 31. 14 PIRES, Anderson. Tendência da produção agroexportadora da Zona da Mata de Minas Gerais – 1870/1930. Juiz de Fora, Revista Locus, vol. 3, n. 2, 1997, p. 154. 15 Enciclopédia dos Municípios Brasileiros . Op. Cit., p. 385.

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Juiz de Fora não se distingue dos demais municípios brasileiros. Ocupavam os

cargos na Câmara Municipal aqueles que eram considerados homens bons, capazes

de defender os interesses da localidade, que muitas vezes se confundiam com a

defesa do seu próprio grupo. Segundo Patrícia F. Genovez, “uma Câmara de

Compadres onde se formaram grupos tradicionais atraindo, para sua órbita famílias

influentes da localidade”16, assim vemos repetidas vezes os nomes: Halfeld, Tostes,

Paula Lima, Penido, Lage, Horta. . . todos compadres.

Vale destacar a presença na Câmara Municipal de clérigos ilustrados, com

participação ativa na vida política de Juiz de Fora, na tradição de um clero politizado

da primeira metade do século XIX. Nesse sentido merece destaque o cônego José

de Souza e Silva Roussin que, nas eleições para vereador de 1860, foi o segundo

mais votado com 460 votos, além de exercer o cargo de vereador em outros dois

mandatos, de 1865 a 1868 e 1869 a 1872.17

1.2- Vanguardas

Ao longo do seu processo de formação, a cidade participou diretamente de

grandes momentos da história nacional. No campo da criação de rodovias e da

implantação da iluminação pública, a cidade tornou-se pioneira. O espírito dos

homens ilustrados deste período é homenageado hoje nas placas da cidade, como

herança de um olhar voltado para a ciência e a tecnologia.

A gênese da primeira estrada de rodagem do Brasil, “e a maior obra de

16 GENOVEZ, Patrícia Falco. Câmara dos Compadres: Relações familiares na Câmara Municipal de Juiz de Fora(1853-1889). Juiz de Fora, Revista Locus, vol. 2, n. 2, 1996, p. 79. 17 Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal – A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Juiz de Fora, Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora, 2001, p. 73.

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engenharia em seu tempo na América Latina, deu-se a 7 de agosto de 1852, quando

o dinâmico e visionário Mariano Procópio Ferreira Lage”18, obteve do Imperador a

autorização para a sua construção. Batizada como “União e Indústria”, a estrada

possuía 144 km, de Petrópolis a Juiz de Fora, que podiam ser percorridos em 12

horas de diligência.

No contrato, assinado entre o governo imperial e Mariano Procópio Ferreira

Lage, duas cláusulas merecem ser destacadas:

“que as despesas de construção e manutenção corressem por sua conta, usufruindo a Companhia que para tal fim ele organizasse, os lucros que fossem obtidos com o tráfego, durante meio século. Condição contratual: a Companhia não poderia usar mão-de-obra escrava.”19

Em primeiro lugar, vale destacar o espírito empreendedor do construtor. Não

se trata apenas da abertura de uma estrada mas também de sua manutenção,

exploração, cobranças de pedágio e serviços de transportes, durante 50 anos,

caracterizando uma nova visão, de longo prazo.

O fato de não empregar mão-de-obra escrava, considerada aqui como sinal

da antiga ordem, contribuiu para o desenvolvimento das relações de

trabalho assalariado na região, criando desta forma:

“oficinas de serralheiros, de ferreiros, de carpinteiros, de marceneiros, serviços de bombeiros , de mecânica, etc., com que a empresa dava trabalho a mais de 150 operários livres(...), além de 100 aprendizes e serventes.”20

18 VASQUEZ, Pedro Karp. Álbum da estrada União e Indústria. Rio de Janeiro, Edição Quadratim G – Concer, 1997, p. 23 19 LESSA, Jair. Juiz de Fora e seus pioneiros . Op. cit., p. 68. 20 BASTOS, Wilson de L. Mariano Procópio Ferreira Lage. Juiz de Fora, Edições Paraibuna, 1991. p. 27.

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A necessidade de mão-de-obra especializada, elemento raro em nossas

terras, levou seu idealizador a recorrer à imigração européia, assim:

“Manda vir da França a afamada dupla de engenheiros Garou e Flajelat que, segundo as más línguas da época, ‘garrou a flagelar’ as atrizes francesas da Corte e só planejou lá de longe, não vindo aqui para o mato. Talvez tenha havido exagero e a função deles fosse mesmo sobre a prancheta. Uma intriga franco-prussiana, pois os engenheiros que vieram logo em seguida e sujaram as botas na tabatinga paraibunense eram alemães: Gambes, Lallemant, Gieber, Keller e Mynssen.(...) Já em 1856 chegaram os funcionários alemães, especialistas em pontes -de-ferro, mecânicos, carpinteiros, ferreiros, construtores.(...) Da segunda remessa, agora de colonos, no ano de 1858,(...)508 mulheres para 636 homens.” 21

Em sua construção, empregou-se o que havia de mais moderno, de forma a

garantir que permanecesse trafegável mesmo na época das chuvas. O projeto foi

inaugurado em 1861, com uma viagem da família imperial e sua comitiva, de

Petrópolis a Juiz de Fora.

A estrada União Indústria teve papel proeminente para o desenvolvimento da

província de Minas Gerais, facilitando o escoamento da produção e regularizando o

abastecimento da mesma. A construção merece destaque, também, pela

formação em Juiz de Fora de uma colônia de imigrantes ale mães que muito

contribuiu para o desenvolvimento de manufaturas, embrião do desenvolvimento

industrial que marcará a cidade no final do século XIX e início do XX.

A presença positiva dos imigrantes pode ser observada, segundo Silvia Maria

B. V. de Andrade, também na formação de uma classe operária combativa no início

do século XX22, composta não só de alemães, mas também de italianos,

portugueses, turcos, espanhóis e outros. Influenciados por doutrinas européias,

21 LESSA, Jair. Juiz de Fora e seus pioneiros . Op. cit., p. 69 22 Cf. ANDRADE, Silvia Maria B. Vilela de. Classe Operária em Juiz de Fora. Juiz de Fora, EDUFJF, 1987.

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serão alvo constante de reclamações por parte da Igreja. O Pe. Julio Maria acusa

Juiz de Fora de ser uma nova Nínive, e assim se dirige aos operários:

“Quantos são os operários que nesta cidade procuram a Igreja já não digo para a confissão e comunhão, mas simplesmente para a assistência à missa? De cada centena se pode tirar um?

De fato os operários estão afastados da Igreja; nem sequer de espaço em espaço a procuram.

Jesus Cristo é o Deus dos pobres, dos miseráveis, dos proletários. É principalmente para atraí-los a Jesus Cristo que a Igreja não se cansa de lembrar o seu amor pela pobreza, a sua renúncia dos bens do mundo, a fome e a sede que sofreu . . . Quantos são os proletários que procuram a Igreja? Pelas ruas veremos muitos; na Igreja nenhum.”23

Apesar deste apelo do Pe. Júlio Maria aos operários, por não

freqüentarem a Igreja e não participarem dos sacramentos, é possível verificar a

presença do catolicismo devocional no primeiro momento da chegada dos imigrantes

a Juiz de Fora. Capelas foram erguidas com a finalidade de agradecer a intercessão

dos santos na proteção durante a travessia do Atlântico, e os registros nos revelam a

construção de capelas destinadas ao culto das comunidades, assim como capelas

particulares.24

Assim, cumpre chamar a atenção para a especificidade de Juiz de Fora,

que distante das cidades barrocas que se formaram e se guiaram pelos sinos das

igrejas, a população teve sua vida normatizada pelos apitos das fábricas e o bater

dos tamancos de seus operários de ambos os sexos e diversas nacionalidades, bem

como uma burguesia nascente de forte tendência secularizante.25 Porém, insistimos

em mencionar que o catolicismo devocional se encontra presente nas

23 BEOZZO, José Oscar. Pe. Júlio Maria. In: História da Teologia na América Latina . São Paulo, Ed. Paulinas, 1981, p. 118. 24 Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950) Op. cit., p. 34. 25 Cf. CHRISTO, Maraliz de C. Vieira. Europa dos pobres – a belle-époque mineira. Juiz de Fora, EDUFJ, 1994, p. 10.

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manifestações religiosas destes imigrantes. Templos foram erguidos para a devoção

aos seus santos protetores: Nossa Senhora da Glória, São Pedro e São Roque.

Outro empreendimento notável, que mais uma vez colocou o município na

vanguarda das cidades brasileiras, despertando a atenção das administrações

municipais de todo o país, refere -se à primeira experiência com a energia elétrica.

A idéia de substituir a iluminação a gás por energia elétrica é obra do mineiro

Bernardo Mascarenhas que, após enfrentar muitas dificuldades, inaugurou a

iluminação pública na cidade no dia 05 de setembro de 1889. Coube à

Companhia Mineira de Eletricidade construir aquela que é considerada a primeira

usina hidroelétrica da América do Sul. Assim, pela primeira vez na América do Sul,

assiste-se ao espetáculo das luzes geradas pela força motriz de um rio, no caso,

através da cachoeira de Marmelos, no rio Paraibuna.

Toda a trajetória de Bernardo Mascarenhas e a história deste grande

empreendimento já se encontra registrada em muitas obras26. Nestas podemos

observar as dificuldades com os equipamentos, com técnicos e engenheiros, assim

como a própria obsessão deste pioneiro em colocar seu projeto em funcionamento.

Importante observar que Mascarenhas, além das dificuldades técnicas

encontradas, foi surpreendido também pela reação do público. Artigos

publicados no jornal Diário de Minas alertavam a população contra os possíveis

perigos trazidos pela energia elétrica, causando pânico entre a população e

26 Para este estudo vale destacar os trabalhos de: OLIVEIRA, Paulino de. Companhia Mineira de Eletricidade ; MASCARENHAS, Nelson Lage. Bernardo Mascarenhas: O surto industrial de Minas Gerais ; BOTTI, Carlos Alberto Hargreaves(org.). Companhia Mineira de Eletricidade .

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obrigando o empreendedor a esclarecer no mesmo jornal as dúvidas relativas aos

riscos da eletricidade.27

Com o objetivo de destacar, mais uma vez, o papel pioneiro de Juiz de Fora

neste campo, vale destacar que:

“a construção da Usina I,(...), que, finalmente, entra em funcionamento em 1896, com dois grupos de geradores bifásicos, de 300 kW cada um, de acordo com o projeto de Bernardo Mascarenhas, de 1892. Dois anos mais tarde, em 28 de agosto, são inaugurados dois motores, de 30 HP e 20 HP respectivamente, que movimentam os sessenta teares da Tecelagem Mascarenhas e mais o maquinário das oficinas da Pantaleone Arcury e Timponi.”28

Assim, concretiza-se o sonho de Mascarenhas: a utilização da energia elétrica

para fins industriais. Conseqüentemente, este fato atraiu para Juiz de Fora outros

empreendimentos industriais, que levou a cidade a ser denominada neste momento

glorioso como “Manchester Mineira”, resultado da comparação com a famosa

cidade industrial da Inglaterra, vitrine da Revolução Industrial.

Estes dois grandes empreendedores, Mariano Procópio Ferreira Lage e

Bernardo Mascarenhas, não tinham formação em engenharia, porém, podemos

situá-los no universo mental das elites ilustradas do século XIX; seus projetos

demonstram-nos características essenciais do olhar científico, técnico, e por que

não, progressista.

Para concluir este item vale lembrar as palavras, já em 1873, de Dom Viçoso,

Bispo de Mariana, que atribui ao progresso local o afastamento dos sacramentos:

“Que progressos são estes modernos, com que tanta gente enche a boca? (...)

27 BOTTI, Carlos Alberto Hargreaves(org.). Companhia Mineira de Eletricidade . Juiz de Fora, UFJF, Cemig, 1994, p. 36 28 Idem, ibidem, p. 43.

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Progressos, progressos! (...) Muitos progressistas abstêm-se destas coisas [os

sacramentos] nem nelas cuidam, e se riem ao ouvir estas palavras!”29

1.3- Em busca de um espaço urbano ideal

Compartilhando do princípio que os engenheiros e os sanitaristas

problematizam a cidade, atuam sobre ela com um olhar instruído pela ciência e a

técnica, pretendo demonstrar neste pequeno item como criaram seus principais

projetos, levando a cidade a avançar num processo modernizador.

Vale destacar, neste momento do texto, que a historiografia regional ainda

não se debruçou sobre esta temática e não pretendemos, de maneira alguma,

esgotar a documentação sobre o assunto em Juiz de Fora. Pretendemos somente

dar uma visão daquele grupo de homens ilustrados, ressaltar nos seus projetos a

vontade de modernização e verificar como permitem ler a cidade através de seus

projetos.

Assumimos, desta forma, o pressuposto de olhar a cidade não como um

dado, mas como um espaço em construção, buscando entender os processos e

operações desta ordem representativa, tida como progresso e modernização.

Pretendemos analisar o debate promovido por este grupo, porém, interessa -nos não

tanto o seu aspecto operacional, ou seja, as aplicações na prática das medidas

discutidas, mas a própria discussão em si.

A preocupação com o projeto de uma cidade como modelo ideal abrangem as

atividades de vários engenheiros. O primeiro deles, Henrique Guilherme Fernando

29 VIÇOSO, Antônio Ferreira. Pastoral. Mariana, 01/08/1873, p. 2.

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Halfeld, nasceu a 23 de fevereiro de 1797, na cidade de Klausthal Zellerfeld, Reino

de Hanover. Diplomou-se na ‘Bergakademie Clausthal’ , ocupou posto de capitão

nas tropas alemãs contra Napoleão Bonaparte e lutou na Batalha de Waterloo.

Chegou ao Brasil no ano de 1825, após obter baixa do exército, acompanhado da

primeira esposa, a alemã Dorothéia Augusta Filippina. Fora contratado como oficial

mercenário do Corpo de Tropas Estrangeiras do Exército Brasileiro, do qual teve

baixa em 1830, com o objetivo de trabalhar na “S. John Del-Rey Minnig Company” ,

onde permaneceu como engenheiro até 1834.30

Para abertura da Estrada Nova do Paraibuna, o Governo de Minas contratou

o engenheiro Halfeld,

“seu início se dera um ano depois da Lei n0 18, do dia 10 de abril de 1835, a qual se estabelecia um plano de estradas ligando Ouro Preto à capital do Império e aos quatro pontos cardeais da Provínia. Trata-se de uma lei histórica, de que foi, possivelmente, a Estrada do Paraibuna o primeiro fruto, tendo desempenhado(...) o papel meritório de caminho da integração da veneranda Província de Minas com a Corte, sendo Juiz de Fora importante ponto obrigatório de passagem.”31

Após o falecimento de sua primeira esposa, em 1839, e de contrair núpcias

com Cândida Tostes, em 1840, o engenheiro passou a viver definitivamente na

região de Juiz de Fora, passando, então, a comprar terras na margem direita do rio

Paraibuna, embora tenha sido considerado inexperiente para estes negócios, pois

adquiria terras tidas como ruins para a agricultura.

A discrepância entre a visão do agricultor e a do engenheiro pode ser

observada nestas aquisições. As terras poderiam não ser boas para o cultivo do

30 Cf. BASTOS, Wilson de L. Engenheiro Henrique Halfeld. Juiz de Fora, Edições Paraibuna, 1975, p. 13. 31 Idem, ibidem, p. 18.

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café, porém, com as técnicas da engenharia podiam ser aproveitadas,

transformadas e usadas em outra função. Este era o pensamento do engenheiro

Halfeld, transformar aquelas terras em um espaço urbano ideal, construir uma nova

cidade.

Para construir a Estrada Nova do Paraibuna, aproveitou a maior parte do

Caminho Novo, exceto na região que analisamos, quando, vindo de Barbacena,

atravessou o rio Paraibuna e, agora pela margem direita, traçou uma grande reta, de

3 Km de extensão. Assim, Juiz de Fora pode ser considerada como uma das

primeiras cidades pré -traçadas do Brasil.

Desta forma, principia-se o processo de construção da cidade. O plano de

1853 registra os elementos históricos delimitadores da ocupação urbana: a grande

reta traçada inicialmente, registrada no plano como ‘Estrada actual’, a ‘rua da

California’ e o tracejado da ‘Estrada da Companhia’, formando um triângulo

imaginário. Ou, se considerarmos apenas a grande reta da ‘Estrada actual’ e o

tracejado da ‘Estrada da Companhia’, podemos vislumbrar a figura de um compasso.

Assim, sob os símbolos da Maçonaria, o triângulo e o compasso, nasce uma nova

cidade.32

A linha reta, que formaria um dos lados do triângulo ou do compasso,

registrada por Pedro Nava, imortalizou a tra jetória inicial de todo o processo

32 Ver plano em anexo n. 01. O original encontra-se no Arquivo Histórico Municipal de Juiz de Fora. O engenheiro Henrique Guilherme Fernando Halfeld tem seu nome registrado no Livro de Matrícula Geral dos Irmãos da Loja Maçonica Fidelidade Mineira de Juiz de Fora, sob o número 43, página 2, como membro inaugurador, ‘filiado’ no dia 01-06-1873, o que quer dizer que, sendo filiado, o mesmo já era membro da Maçonaria.

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urbanístico do centro da cidade: a rua Direita. Aberta pelo engenheiro Halfeld, ficou

na memória como “a reta onde cabem todas as ruas de Juiz de Fora”.33

No plano da engenharia, faz-se importante tal consideração sobre este

processo inicial. Com relação às ruas é necessário observar que,

diferentemente das demais cidades que se formam neste momento nas quais as

ruas seguem os caminhos traçados pela natureza, rios, montanhas e encostas, no

caso específico de Juiz de Fora, a técnica da engenharia é utilizada para trabalhar

esta natureza no sentido de transformar suas ruas. Assim, podemos observar no

traçado urbanístico da cidade, ruas sempre em linha reta.

O traçado da rua retilínea é justificado no modelo cartesiano como um

princípio racionalista:

“como rua da ciência, do geômetra, ela expressa plenamente o triunfo do sujeito do conhecimento em dirigir os acontecimentos e submeter a natureza e o acaso aos imperativos do impulso ordenador e controlador do espaço, transformando-o (...) Invenção da razão, a rua reta é a imagem perfeita da imposição de ordem ao mundo.”34

Descartes ressalta que “as ruas curvas e desiguais, dir-se-ia que foi mais o

acaso do que a vontade de alguns homens usando da razão que assim os dispôs”35.

Nesse sentido a retilinidade e uniformidade das ruas de Juiz de Fora podem ser

vistas como princípios de uma engenharia ordenadora, confiante na direção do fim

que se pretendia atingir: o progresso.

Progresso que não tardou a chegar, veio seguindo as curvas do traçado da

33 NAVA, Pedro. Baú de Ossos . Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1983, p. 53. 34 NUNES, Clarice. KROPF, Simone. HRESCHMAMN, Micael. Missionários do Progresso. Rio de Janeiro, Diadorim, 1996, p. 112. 35 DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo, Abril Cultural, 1983, p. 34.

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Estrada União Indústria e, posteriormente, os trilhos da estrada de ferro D. Pedro II,

que aqui chegaram na década de 1870. Neste contexto, o crescimento populacional

da cidade no final do século XIX nos revela os seguintes números: “em 1890, o

município de Juiz de Fora contava 55.185 habitantes, (...) em 1907 verifica-se (...)

85.450 habitantes.36

Diante do crescimento populacional, a cidade, que fora construída em terras

desprezadas pelos agricultores, pântanos e alagadiços, levou à urbanização de toda

a área da várzea do Paraibuna. Desta forma, encontramos as autoridades

envolvidas, a partir da segunda metade do século XIX, com problemas de

saneamento do solo, esgoto, abasteciemento de água, entre outros.

O primeiro passo importante para o processo de solução da insalubridade da

cidade foi dado em 1863 pela Câmara Municipal, com a publicação do edital para a

construção do primeiro cemitério público. Até este momento os sepultamentos eram

realizados em cemitério perto da Igreja Matriz de Santo Antônio, porém, diante da

ameaça da epidemia de “Cólera Morbus”, sendo as autoridades municipais alertadas

pelos profissionais da área de saúde, resolveu a Câmara processar tal obra.

Segundo Paulino de Oliveira, desde 1853 este grupo ilustrado reclamava pela

construção do cemitério municipal37, entretanto, diante da documentação existente,

podemos confirmar que somente uma década depois realmente o debate em torno

desta questão surge como preocupação na Câmara Municipal.

36 ESTEVES, Albino & LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do Município de Juiz de Fora. Bello Horizonte, Imprensa Official do Estado de Minas, 195, p. 83. 37 OLIVEIRA, Paulino. História de Juiz de Fora. Juiz de Fora, Companhia Dias Cardoso, 1953, p. 32.

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Este movimento higienista, que levou ao rompimento da tradição de enterrar

os mortos junto e dentro das igrejas e capelas, encontrou resistências junto ao clero

e a setores largos da população. Em 1865 a Câmara Municipal indeferiu pedido feito

por sacerdotes para a construção de um cemitério nos fundos da Igreja Matriz, o

qual teria por finalidade servir aos Irmãos falecidos da Irmandade de Santo Antônio

e da Irmandade do Santíssimo Sacramento.38

Através do contrato de arrematação das obras para a frente do cemitério,

documento de 18-01-1873, podemos observar a divisão do cemitério entre católicos

e protestantes, nos seguintes termos:

“O portão do Cemiterio Catholico será de gradil de ferro conforme a planta conjuntamente com um gradil em cada lado com vinte palmos cada um, devendo o portão ter dois metros e meios de largura e ser firmado em dous pilares de Cantaria. O portão do Cemiterio dos protestantes tambem cerá de gradil de ferro com dous metros de largura firmados em pilares de tijolos e assentados em soleira de cantaria.”39

Duas entradas distintas, uma para católicos e outra para protestantes,

justifica-se porque o cemitério protestante não poderia ficar junto ao católico, por ser

o catolicismo a religião oficial do Estado e os bispos não permitirem o enterramento

de acatólicos.

Porém, interessa-nos neste ponto demonstrar como a postura das

autoridades locais, sua preocupação de uma intervenção, tida como regeneradora,

capaz de corrigir os desvios e assegurar as condições vitais para o seu

desenvolvimento, é proclamada. Portanto, tarefa a ser desenvolvida diretamente

pela competência destes homens, pois somente eles detinham o acesso a uma

38 Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p. 67. 39 AHMJF – Fundo Câmara Municipal Império. Sessão 104. Ver em anexo n. 02 o projeto dos portões.

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informação abalizada para legislar sobre tudo o que dissesse respeito ao espaço

urbano.

Assim, encontramos nos estudos para o saneamento do solo, realizado pelo

diretor de obras municipais, datado de 17 maio de 1900, a seguinte observação:

“como medida urgente e imprescendivel para a salubridade desta cidade, a

drenagem do subsolo da parte baixa”.40 Dentro deste mesmo processo, o diretor

envia, ainda no mês de maio, correspondência à Câmara Municipal, comentando as

discussões levantadas na imprensa local. Neste podemos observar o desconforto do

diretor ao propor:

“A nomeação de um medico hygienista notavel e de um engenheiro nas mesmas condições, que possam fallar com plena isenção de espirito, que revendo os meus estudos começados, acompanhando os que se estão fazendo, e fazendo-os separadamente por conta propria , possam com inteira liberdade manifestar-se sobre as medidas propostas, aconselhando, então, aquellas que devem ser emprehendidas; a nomeação dessa comissão, repito, porá termo, de uma vez, à discussão sobre o assumpto, permittindo assim que os habitantes desta cidade, aguardem com inteira confiança a execução dos trabalhos que forem aconselhados.”41

Não nos interessa neste processo chegar à resolução do problema do

saneamento do solo que se coloca em questão, pretendemos apenas salientar como

a figura de um engenheiro acompanhado de um médico sanitarista, era

representada como sinal de confiança para a população e para o próprio diretor.

Importante sublinhar, mais uma vez, que ao focalizarmos as

transformações necessárias sobre a reforma urbana, interessa-nos problematizar

40 AHMJF - Fundo Câmara Municipal República Velha. Sessão 53. 41 Idem.

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somente a importância simbólica das ações tomadas: a representação da cidade

como problema e projeto.

Outro ponto importante que se deve considerar refere-se à amplitude e

supremacia que ganha a voz dos engenheiros no que diz respeito ao

equacionamento dos problemas urbanos, assim como a colaboração dos

profissionais da área de saúde, assim:

“O pressuposto comum que une as análises destes dois grupos de intelectuais sobre a cidade é o diagnóstico quanto ao principal fator que justifica as necessidades concretas mais imediatas da remodelação urbana: a questão da insalubridade.”42

Os surtos de epidemia que grassavam sobra a cidade no final do século XIX e

início do XX, colocam a questão da salubridade numa perspectiva de urgência

quanto à concretização de obras saneadoras. Sobre esta urgência, com base nas

justificativas dos processos dos engenheiros enviados à Câmara Municipal43,

podemos situar a cidade de Juiz de Fora como um espaço moderno, processado por

um grupo de engenheiros e sanitaristas que assumem a responsabilidade de um

olhar competente sobre o município.

Assim, confirmamos o que o historiador James William Goodwin Júnior

registra em seu trabalho sobre a atuação da Câmara Municipal:

“A leitura dos dados quantitativos, e a leitura qualitativa de alguns documentos relativos à atuação da Câmara Municiapal de Juiz de Fora, apontam para a mesma direção geral. Há basicamente duas grandes prioridades para a Municipalidade

42 NUNES, Clarice. KROPF, Simone. HRESCHMAMN, Micael. Op. cit., p. 98. 43 AHMJF - Fundo Câmara Municipal República Velha. Sessão 64. Dentre os projetos apresentados à Câmara Municipal vale destacar os projetos dos engenheiros: José Joaquim de Moraes Sarmento para a construção do matadouro, do mercado municipal e o calçamento da rua Direita; de Heitor Jovem para a construção do mercado, uma cópia do modelo da planta do mercado da cidade de Torin, Itália; do francês G. Howyan para o abastecimento de água, que dividiu opiniões de várias famílias de Juiz de Fora, além de se manifestarem os mais ilustres profissionais do país, com publicações de artigos na imprensa mineira e carioca.

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neste período: a estruturação institucional e a urbanização da cidade.”44

Prioridades que chamam a atenção e revelam uma cidade atípica,

confirmando sua distância das tradicionais cidades mineiras, nas quais o centro da

cidade gira em torno de uma igreja, rodeada por uma praçinha e coreto, local por

excelência de expressão do sagrado.

Desta forma, acreditamos ser possível perceber um projeto de sociedade

através de um projeto de cidade, ou seja, ver na forma idealizada de seus projetos,

seus princípios, normas e valores que a desenham previamente à sua possível

concretização no real, a forma e os significados de uma ordem social que se

pretende erigir e, no caso deste grupo de homens ilustrados, o obje tivo era a

construção de um espaço urbano ideal, moderno.

1.4- A imprensa

O recorte temporal que demarcamos para a pesquisa(1890-1924) inclui um

momento de apogeu econômico e cultural de Juiz de Fora. Até o final da terceira

década do século XX, Juiz de Fora conservou a liderança política, econômica e

cultural de Minas Gerais, quando passou a perder gradativamente para Belo

Horizonte.

No plano cultural, merece destaque o papel desenvolvido pela imprensa com

um número bastante significativo de jornais em circulação, alguns de vida bastante

44 JUNIOR, James William Goodwin. A Modernidade como projeto conservador: a atuação da Câmara Municipal de Juiz de Fora-1850/1888 . Juiz de Fora, Revista LOCUS, vol. 3, n.1, 1997, p. 127.

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efêmera e outros que fizeram história e que hoje servem aos historiadores como

fonte privilegiada para suas investigações.

Assim como não temos, na historiografia regional, uma pesquisa sobre o

último item abordado, o papel dos engenheiros e sanitaristas na construção do

espaço urbano ideal, não encontramos também um trabalho mais crítico sobre a

papel da imprensa em Juiz de Fora no final do século XIX e início do XX, uma

temática em aberto para futuros pesquisadores.

Um levantamento do número de jornais, período de circulação de cada um

deles pode ser encontrado na obra de Almir de Oliveira, porém, o próprio autor

reconhece em seu livro que um estudo crítico da imprensa periódica, o que ela

representou para a cidade e o Estado como manifestação do pensamento e veículo

de idéias aguarda o seu historiador.45

Dentre os jornais diários que tiveram vida longa, no final do século XIX,

merecem destaque ‘O Pharol’, o ‘Jornal do Commercio’ e o ‘Correio de Minas’. O

primeiro ‘O Pharol’, começou a circular em 1871 como semanário, passando em

1874 a ser bissemanal, em 82 a trissemanal e, em 85 a diário. Passou por várias

alterações em sua orientação, liberal, conservador e imparcial. Circulou até o ano de

1939, quando numa fase tenebrosa da vida nacional, durante a ditatura de Getúlio

Vargas, a imprensa brasileira se viu aferrolhada.46

O ‘Jornal do Commercio’ fundado em dezembro de 1896, também encerrou

suas atividades em 1939, no mesmo contexto de dificuldades da ditadura do Estado

45 Cf. OLIVEIRA, Almir. A Imprensa em Juiz de Fora. Juiz de Fora, Imprensa Universitária/UFJF, 1981. 46 Idem, ibidem, p. 17-18.

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Novo, sendo que neste momento pertencia ao mesmo proprietário de ‘O Pharol’.47

Segundo Almir de Oliveira, o jornal teve larga influência política, passando pelas

mãos de vários políticos importantes, homens, todos eles, de reconhecido valor

cultural e literário, que mantiveram o jornal em nível elevado e influente.48

O ‘Correio de Minas” foi a “Nona publicação diaria. Orgam republicano

dedicado aos interesses do estado de Minas. Appareceu em maio de 1894, sahindo

tres vezes por semana. Passou a ser diario em 1895.”49 O jornal sofreu breves

interrupções, porém, durou até o ano de 1949, experimentando várias orientações

políticas.50

Segundo Almir de Oliveira, “das 60 publicações, postas em circulação em

Juiz de Fora, de 1870 até o final do século, 5 foram revistas e 2 foram

almanaques.”51 Números surpreendentes, que nos revelam uma sociedade com

desejo de padrões de civilização, de leitura e informação.

Considerando a imprensa como um importante instrumento de manipulação

de interesses e intervenção na vida social, a imprensa juizforana oferece amplas

possibilidades para investigação histórica, pois permite perceber a vida cotidiana em

seus múltiplos aspectos, fazendo emergir sujeitos dotados de consciência em

determinadas épocas e suas práticas sociais.

Assim, acreditando que “fontes documentais” não devem ser estudadas

isoladamente, mas em relação com outras fontes que ampliem sua compreensão,

faremos uso da imprensa juizforana em alguns momentos de nosso trabalho,

47 ESTEVES, Albino &LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do Município de Juiz de Fora. Op. Cit., p. 324. 48 OLIVEIRA, Almir. A imprensa em Juiz de Fora. Op. Cit., p. 28. 49 ESTEVES, Albino &LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Álbum do Município de Juiz de Fora. Op. Cit., p. 325. 50 OLIVEIRA, Almir. A imprensa em Juiz de Fora. Op. Cit., p. 27-28. 51 Idem, Ibidem., p. 28.

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pressupondo, conforme Capelato, a imprensa como um espaço de representação do

real, ou melhor, de momentos particulares da realidade.52

Desta forma, com o objetivo de encerrar este capítulo sobre a cidade de Juiz

de Fora, no qual procuramos destacar marcos de sua história, ressaltando princípios

constitutivos de uma nova ordem social no momento de sua formação, como seu

plano urbanístico inicial, a presença de engenheiros e sanitaristas e uma imprensa

atuante no final do século XIX, sendo por isto considerada por muitos historiadores

como moderna, gostaríamos de registrar a observação do padre da Congregação

do Santíssimo Redentor, em 1893, no momento da escolha da cidade para fixação

da Congregação no Brasil. O Padre Matias Tulkens, primeiro redentorista em Juiz

de Fora, assim escreve em sua correspondência para o provincial holandês:

“...Parece ser a cidade mais civilizada do Brasil”. 53

52 Cf. CAPELATO, Maria Helena R. Imprensa e História do Brasil. São Paulo, Contexto/EDUSP, 1994, p. 24. 53 LEITE, Pe. João B. Boaventura. Igreja N. Sra. da Glória – JF – 1a Fundação. Redentoristas no Leste Brasileiro. Juiz de Fora, (Mimeo), v. 1, 1976, p. 25.

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2- UM MODELO DE CATOLICISMO TRADICIONAL: AS TRADIÇÕES

RELIGIOSAS EM JUIZ DE FORA

Esta nossa tentativa de descrever as tradições religiosas presentes em Juiz

de Fora no período que antecede ao processo de Romanização e Reforma Católica

Ultramontana na cidade de Juiz de Fora(1890-1924), deve ser entendida numa

perspectiva de longa duração dos movimentos internos à Igreja no Brasil e de

formação da própria cidade. No entanto, tal processo conheceu ritmos diferenciados

em toda a Diocese de Mariana, o que se comprova no caso específico de Juiz de

Fora, na qual o processo começou tardiamente.

A criação da Villa de Santo Antônio do Parahybuna, em maio de 1850,

juntamente com a criação da nova paróquia, incorporada à diocese de Mariana, a

qual tinha à sua frente um bispo do movimento reformador, Dom Antônio Ferreira

Viçoso(1844-1875), nos revela o que acima se afirmou. O movimento na Igreja de

Juiz de Fora, apesar de pertencer à Diocese de Mariana, não pode ser analisado à

luz das medidas reformadoras de Dom Viçoso.

A Reforma Católica Ultramontana tinha como um dos seus objetivos a

afirmação clerical, a subordinação do laicato às medidas reformadoras dos bispos de

Mariana. Tais medidas não penetraram na cidade, com facilidade, antes do ano de

1890, data da morte do último vigário representante do catolicismo tradicional. Até

esta data podemos observar que a religiosidade que se desenvolve na cidade tem

suas raízes plantadas na prática do catolicismo tradicional e popular, herdado do

período colonial.

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De maneira geral, entende-se por catolicismo popular “todas aquelas crenças

e práticas religiosas da população católica que não se enquadram no que é

oficialmente proposto pela hierarquia.”54 Porém, segundo estes mesmos autores, o

conceito é vago, pois é definido por aqueles que não o praticam, a própria

hierarquia. Desta forma, preferem adotar em suas análises o conjunto de crenças e

práticas como sendo a maneira do povo praticar seu catolicismo, adotando o termo

‘catolicismo do povo’.55

Em Minas Gerais o desenvolvimento do catolicismo nos revela uma

experiência diferenciada das outras capitanias, motivada sobretudo por razões

econômicas56. Lá não encontramos não encontramos as tradicionais Ordens e seus

conventos. Porém, a historiografia nos duas situações de exceção no século XVIII: o

recolhimento feminino de Nossa Senhora de Macaúbas, em Macaúbas, no Rio das

Velhas, fundado em 1714; e a Casa de Oração do Vale de Lágrimas, no vale do

Jequitinhonha, na divisa da província da Bahia com Minas Gerais, fundada no ano

de 1750. Estes recolhimentos eram um misto de recolhimento e escola para

meninas.57

Como contrapeso a esta proibição em Minas Gerais temos a proliferação de

irmandades e confrarias, que se incumbiam de custear, erigir e adornar as igrejas.

Três características destas organizações chamam atenção: 1) Sua direção estava

54 OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de, VALLE, J. Edênio, ANTONIAZZI, Alberto. Evangelização e Comportamento Religioso Popular. Petrópolis, Vozes, 1978, p. 23. 55 Idem, ibidem, p. 23-24. 56 A política religiosa em Minas Gerais era caracterizada pela proibição da fixação de ordens religiosas no seu território e por variadas limitações que, sob o Padroado, o Estado impôs ao clero secular. O principal motivo destas proibições refere-se ao controle sobre o contrabando do ouro extraído nas minas. 57 Cf. DEL PRIORI, Mary. Religião e religiosidade no Brasil colonial . São Paulo, Ática, 1997, p. 64. Cf. HOORNAERT, Eduardo(coord. Área Brasil). História Geral da Igreja na América Latina. Tomo II/I. Petrópolis, Vozes, 1992, p. 232.

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nas mãos dos leigos, sendo o capelão contratado pela mesa provedora da

irmandade para prestar seus serviços religiosos; 2) Cada irmandade era uma

entidade autônoma e isolada, já que, uma vez aprovados os estatutos pela

autoridade diocesana e pelo Rei de Portugal, cada irmandade seguia seus próprios

caminhos; 3) Das irmandades dependia o brilho das festas religiosas, especialmente

as procissões. Toda organização e desenrolar das festas corria por conta das

irmandades.58

Esse catolicismo de base leiga, popular, desenvolve-se ao lado da

organização eclesiástica institucional. Em Minas Gerais a criação da diocese de

Mariana data de 1745, com uma vasta extensão que se prolongava por toda a região

centro-oeste do país e foi a sede de vários bispos zelosos.59

O clero mineiro, no caso exclusivamente secular, destes primeiros tempos,

enquadra-se no modelo tradicional, no qual o primeiro aspecto que se pode realçar é

o seu caráter bem próximo ao de um funcionário eclesiástico. Recebendo côngrua

do governo, o padre é considerado como se fosse um funcionário público incumbido

de exercer as funções litúrgicas próprias do catolicismo, que era a religião oficial do

Estado. A evangelização, catequese e conversão do povo eram tarefas relegadas a

um segundo plano, pois se supunha que a fé fazia parte da própria tradição cultural

da sociedade. Em geral, a formação teológica dos clérigos era bastante limitada,

58 Cf. OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de, VALLE, J. Edênio, ANTONIAZZI, Alberto. Evangelização e Compor tamento Religioso Popular. Op. Cit., p. 17-18 59 Cf. OLIVEIRA, Ronald Polito de(Estudo introdutório). Visitas Pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade(1821-1825). Estabelecimento de textos e índices de José Arnaldo Coêlho de Aguiar Lima e Ronald Polito de Oliveira. Belo Horizonte, Centro de Estudos Históricos e Culturais, Fundação João Pinheiro, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, 1998. Nesta obra, além da publicação de todos os registros das visitas pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade, é possível perceber a ação de outros bispos no texto introdutório.

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porém o nível cultural é ainda bastante elevado com relação à população. Era

comum neste período que os clérigos fossem absorvidos por atividades profanas,

seja de caráter comercial, ou profissional, seja de participação política.60

Assim, a formação juizforana, a partir do momento de sua fundação como

vila, deve ser entendida como um espaço de tentativa de afirmação de dois grupos:

em primeiro lugar encontramos a presença de pessoas vinculadas à antiga tradição

senhorial, aristocrática e católica, que defendiam a permanência dos valores

religiosos herdados do catolicismo tradicional; e em segundo lugar, um grupo mais

vinculado às necessidades de uma rápida adaptação a um projeto modernizador de

cunho secularizante, conforme a análise desenvolvida no primeiro capítulo.

A documentação existente sobre a atuação de Dom Viçoso na paróquia da

Villa de Santo Antônio do Parahybuna não nos permite afirmar que o grupo

reformador de Mariana pudesse constituir um terceiro grupo de disputa nestes

primórdios da formação da sociedade juizforana, pelo contrário, a sua ausência é

sempre realçada em vários escritos.

2.1- Irmandades religiosas em Juiz de Fora no século XIX

As irmandades61, associações religiosas nas quais se reuniam os leigos no

catolicismo tradicional, “funcionavam como agentes de solidariedade grupal,

60 Cf. HOORNAERT, Eduardo(coord. Área Brasil). História Geral da Igreja na América Latina . Op. Cit., p.183-184. 61 Caio César Boschi aponta no seu trabalho “Os leigos e o Poder: Irmandades e Política Colonizadora em Minas Gerais” para uma variada terminologia dessas associações, porém, ressalta que o Código do Direito Canônico, no Cânon 700, aponta somente para três classes de associações: ordens terceiras, confrarias e pias uniões, observando ainda que, na legislação portuguesa para o ultramar , só se tratava de irmandades e ordens terceiras. Assim, tendo consciência da distinção jurídica entre estas associações , convencionarei a utilizar somente o termo irmandade, visto que, no caso de Juiz de Fora, encontramos somente a ação deste organismo.

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congregando, simultaneamente, anseios comuns frente à religião e perplexidades

frente à realidade social.”62 De origem medieval, tiveram no Brasil seu período áureo

na colônia e perduraram com bastante força no período imperial.63

Cada irmandade tinha registrado seu estatuto ou compromisso, com elenco

de direitos e deveres a serem cumpridos por seus membros. Desde os primórdios, a

aprovação de tais estatutos competia ao poder civil e ao eclesiástico, durante:

“o período colonial esses compromissos eram enviados a Lisboa para receberem a aprovação da Mesa de Consciência e Ordens, criada em 1532. Com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, no início do século XIX, foi para aqui transferida a Mesa de Consciência e Ordens. Após a independência, foi mantida, até 1828 , tratando dos negócios eclesiásticos e, consequentemente, das irmandades. A partir de 1828, os negócios eclesiásticos passaram a integrar o Ministério da Justiça. E em 1861, passaram para a alçada do Ministério dos Negócios do Império.”64

Com base nestes estatutos podemos observar que o processo de afiliação de

um irmão não significava uma mera formalidade, mas sim compromisso, prevendo

uma participação muito ativa e um envolvimento constante no desenvolvimento de

suas atividades.

A cidade de Juiz de Fora conheceu a organização das irmandades logo após

os primeiros anos de sua fundação. Porém, segundo Riolando Azzi, não

encontramos na prática deste catolicismo popular a força das irmandades do período

colonial e, ao analisar a pouca representatividade destas associações na cidade,

ressalta que: ”um aspecto tornou-se fator decisivo para que estas organizações não

62BOSCHI, Caio César. Os leigos e o Poder: Irmandade e Política Colonizadora em Minas Gerais . São Paulo, Ática, 1986, p. 14. 63 Na República as irmandades diminuíram em número e importância, mas resistem até hoje. 64 OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Devoção e Caridade: Irmandades Religiosas no Rio de Janeiro Imperial(1840-1889). Niterói, 1995. 306 p. Dissertação(Mestrado em História)-ICHF, UFF, p. 56

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vingassem: o caráter de modernidade secular que marcou desde o início sua

formação social.” 65

Os registros nos revelam que, no dia 06 de agosto de 1854, um grupo de

homens liderados pelo Barão de Bertioga, José Antônio da Silva Pinto66, redigiram o

compromisso da primeira irmandade da cidade, “Irmandade de Nosso Senhor dos

Passos”. Constituído por sete capítulos e quarenta e um artigos, tal estatuto nos

revela que a Irmandade de Nosso Senhor dos Passos apresenta características que

se encontram nas demais existentes no Brasil na época imperial. Sua aprovação

pelas autoridades competentes, poder civil e eclesiástico, datam do ano de 1855.67

A aprovação do estatuto pelo presidente da província de Minas Gerais

adverte que o artigo número 20, sobre a competência do escrivão, e 36, sobre os

livros da irmandade, devem estar em conformidade com as leis do Império. A

aprovação por parte do poder eclesiástico destaca o mesmo artigo 36, ressalta que

aprova o compromisso da irmandade com exceção do dito artigo, argumentado: “que

se deve observar as Leis em vigor, respeito a rubricas e sellos, ficando sempre salvo

os direitos parochiaes e os de Fabrica da Igreja Matriz.”68

65 AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal. A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Juiz de Fora, Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora, 2001, p. 35. 66 José Antônio da Silva Pinto foi um rico proprietário que fez fortuna com o café, nascido em 1785 estabeleceu-se na região de Juiz de Fora, vindo de Simão Pereira, por volta de 1830. Recebera o título de Barão de Bertioga por decreto imperial de 16 de maio de 1861, coincidindo com a data da visita do Imperador a Juiz de Fora. O Barão de Bertioga era também irmão da Ordem Terceira do Carmo de Ouro Preto, remido e filiado na mesma Ordem no Rio de Janeiro, da Ordem Terceira de São Francisco de Paula, bem como da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, e ainda, do Santíssimo Sacramento na freguesia de Santa Rita e, finalmente da Irmandade de Nossa Senhora Mãe dos Homens do Caraça e de Barbacena. Faleceu a 06 de maio de 1870 com 85 anos de idade. Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850/1950). Op. Cit., p. 37-45. 67 O compromisso manuscrito datado de 1854 encontra-se arquivado na Provedoria da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, assim como, os manuscritos da aprovação do poder eclesiástico e do poder civil, datados de 1855. Utiliza mos para este trabalho uma cópia do original de toda esta documentação que se encontra no Arquivo Histórico Padre Henrique O. Fraga do Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora. 68 CMIJF / AHPHOF - Documento de aprovação da Irmandade de N. S. dos Passos pelo poder eclesiástico. Pasta Santa Casa de Misericórdia. Cópia.

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A preocupação do Estado e Igreja em manter as irmandades sob rígida

vigilância pode ser observada nestes documentos de aprovação. O limite entre as

jurisdições destes poderes não parece claro, apesar de elas serem de direito misto,

o que permite que ambas as partes possam tentar controlar tais organizações e

eventualmente entrar em conflito.

Podiam participar desta irmandade, segundo o artigo número dois, católicos

de ambos os sexos de condição “livre” e de “reconhecida moralidade”. Seu primeiro

provedor, Antonio José da Silva Pinto, esteve à frente da administração da mesma

até a data de sua morte, 06 de maio de 1870, conforme se encontra

registrado no artigo 9o:

“O irmão(...) Comendador José Antonio da Silva Pinto de sua propria espontaneidade hé o Provedor perpetuo da Irmandade e seo Benfeitor, e durante a sua vida não se procederá a elleição pa preencher aquelle cargo.”69

Promover o culto católico e socorrer os irmãos mais pobres, esta é a principal

finalidade da Irmandade de N. S. dos Passos. O culto devocional, a organização da

procissão do Senhor dos Passos ocupa todo o artigo número 30, todos os detalhes

da procissão devem ser observados, desde o depósito da imagem no dia anterior

até os andores e tochas que devem levar os irmãos. O dia designado para a festa

dos Passos era o primeiro domingo de maio.

Participar de uma irmandade no Brasil significava ter assistência em

vida e, principalmente, no momento da morte. Os mortos eram preocupação

fundamental nos estatutos de tais organizações. Os funerais se revestiam sempre de

importante caráter social, sendo sempre acompanhados pelos irmãos vestidos com

69 CMIJF / AHPHOF - Estatuto da Irmandade de Nosso Senhor dos Passos. Pasta Santa Casa de Misericórdia. Cópia.

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suas opas. Esta preocupação pode ser observada, no artigo número 35 da

Irmandade de N. S. dos Passos, no qual destaca que às custas da irmandade serão

sepultados os irmãos que tiverem caído em extrema pobreza e, no artigo número

33, ressalta o número de missas que deveriam ser ditas para cada um dos irmãos,

vinte e cinco para aqueles que possuíram cargos, e para aqueles não ocuparam

cargos o número de seis missas.

A preocupação com os funerais aparece ainda no artigo número 34, este

destaca que, como a irmandade não possuísse cemitério próprio os irmãos deverão

ser sepultados no cemitério geral enquanto não se realizar esta construção. Assim

como muitas outras irmandades no Brasil possuíam seus próprios cemitérios, em

geral atrás da capela, a Irmandade do N. S. dos Passos em Juiz de Fora também

pretendia construir o seu, porém, não temos notícia de que este projeto tenha sido

tentado.70

A prática da caridade, que foi outro fator fundamental destas organizações

durante todo o período de sua existência, a exemplo de umas das mais antigas

irmandades no Brasil, a Irmandade da Misericórdia71, foi seguido em Juiz de Fora

pelos irmãos da Irmandade de N. S. dos Passos. A preocupação com a caridade

aparece no artigo número 40, destacando que o provedor perpétuo da irmandade

tem o desejo de fundar ao lado da Capela de N. S. dos Passos uma Casa de

Caridade. Desta forma: “em 1859 a Casa da Caridade já estava levantada e

70 Vale destacar que estamos tratando de um período em que se iniciava a discussão da criação dos cemitérios municipais(públicos). 71 Cf. HOORNAERT, Eduardo(Coord. Área Brasil). História Geral da Igreja na América Latina., Tomo II/1, Op. Cit., p. 235, a Irmandade da Misericórdia se encontra presente desde os primeiros tempos no Brasil, na Bahia a irmandade aparece no momento da fundação da cidade, no Rio de Janeiro começou a se formar por volta de 1560. A Irmandade da Misericórdia manteve um aspecto nitidamente social, através de sua atividades de assistência social aos pobres e enfermos contribuiu para melhorar as condições de vida da sociedade.

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prestava serviços à Vila, em uma construção de apenas um pavimento, ao lado da

capela”.72

A construção desta casa de assistência aos enfermos pela Irmandade de N.

S. dos Passos tomará todo o final do século XIX, receberá posteriormente o nome

de Santa Casa da Misericórdia. Segundo as notícias e artigos que aparecem no

jornal O Pharol, podemos considerar que esta foi a principal obra da dita irmandade,

sendo a sua grande preocupação a manutenção da mesma.

Em 1881, com dois anúncios no jornal O Pharol, a preparação da festa dos

Passos, a procissão aparece como preocupação:

“Os abaixo-assignados tendo dirigido circulares á muitos fazendeiros e á diversas Exmas. Sras. Fazendeiras, pedindo-lhes donativos ou esmolas, para se fazerem as procissões de N. S. dos Passos e Dôres, na Quaresma que está a entrar, e não tendo ainda recebido resposta, pedem de novo a esses Exms. Srs. e Sras., se dignem a responder quanto antes ás ditas circulares, visto que o tempo urge e é preciso saber-se com quem se pode contar para esse fim. José Joaquim da Silva João Baptista da Silva” 73 “No sabbado, 9 do corrente, pelas 7 horas da noite, terá lugar o deposito da imagem de N. S. dos Passos, que sahirá de sua Capella e virá para a de S. Sebastião, afim de ter lugar a procissão no Domingo 10 pelas 3 ½ da tarde. Pede-se portanto a todos os fieis não só o seu comparecimento no deposito, como na procissão e que todos os moradores da rua Direita até a Praça Municipal illuminem as frentes de suas casas, e a todos os moradores das ruas da Imperatriz, Imperador e Halfeld, para que se fação o mesmo nos dias das procissões, e mandem todos limpar e varrer as suas testadas. E espera-se que todos assim o farão. José Joaquim da Silva João Baptista da Silva”74

Os pedidos de ajuda, as observações quanto à iluminação, a limpeza da

frente das casas, todos estes detalhes nos levam a crer que a procissão promovida

72 TRAVASSOS, Miriam. Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora – Uma reportagem para a História. Juiz de Fora, Esdeva, 1993, p. 29. 73 SMBMMM - O Pharol , Ano XV, 30 de Janeiro de 1881. 74 SMBMMM - O Pharol , Ano XV, 07 de Abril de 1881.

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pela irmandade de Nosso Senhor dos Passos era realmente um momento especial

para os irmãos como para a cidade, ocasião de reunião social. A teatralidade da

festa, tochas, velas, janelas enfeitadas acabava por evidenciar o prestígio da

irmandade. Porém, um elemento chama atenção nestes anúncios. Os artigos

editados nos jornais não aparecem assinados pelo provedor da irmandade, como é

comum naqueles recorrentes às questões da Santa Casa da Misericórdia.

As publicações que aparecem no mesmo jornal O Pharol sobre esta

irmandade, no ano de 1885, nos parece bastante reveladoras:

“Está marcada para o dia 21 do corrente, para ter lugar a reunião dos membros da Irmandade do Nosso Senhor dos Passos, afim de se proceder á aleição de uma nova mesa, visto ter sido dissolvida a antiga.

Os irmãos que forem eleitos para os cargos administrativos, terão não somente de cumprir os deveres religiosos impostos pelo compromisso, como ainda de se ocuparem com os negócios da Casa de Caridade. È de esperar que, comprehendendo a importância do assumpto reunão-se irmãos em número sufficiente para se proceder á eleição da mesa; se assim não acontecer, a irmandade será extinta pelo juiz competente, passando a pertencer ao Estado todos os bens que a referida irmandade possuir. E é justamente o que cumpre evitar, não se deve consentir que fique assim perdido o muito que se fez em favor da Misericórdia o finado Barão de Bertioga, e que passe a pertencer á fazenda publica o dinheiro com que concorrerão tantos cidadãos caritativos e religiosos, afim de que possuisse esta cidade um hospital em que possão ser recolhidos os enfermos desvalidos. Estamos certos de que tal não acontecerá, e que a reunião convocada para o dia 21 comparecerá numero sufficiente de irmãos afim de se fazer a eleição da mesa. É impossivel que em um municipio como este, em que se tem levantado centenas de contos de réis para a construção da matriz, Forum, theatro, linhas de bondes e estradas de ferro, não se consiga construir um a casa de caridade, principalmente quando já existe quantia mais que sufficiente para se começarem as obras. Basta para isto um pouco de boa vontade e o comparecimento dos irmãos á reunião convocada pelo Sr. Dr. J. C. Moraes e Castro, administrador da irmandade de Nosso Senhor dos Passos.”75

75 SMBMMM - O Pharol , Ano XIX, 19 de Abril de 1885.

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Neste momento de crise da irmandade, a grande preocupação é a Santa

Casa da Misericórdia. A possibilidade de todos os seus bens passarem para a mão

do Estado parece o maior temor do administrador naquele momento. Outro detalhe

importante é a interferência do Estado na questão, dissolvendo a mesa e colocando

prazos a serem cumpridos.

A situação parece resolver-se, mas os problemas financeiros relacionados

com a obra parecem se estender por todo o final do século. Em maio de 1887, o

provedor da irmandade se dirige à Câmara Municipal nestes termos:

“A mesa administradora, ainda em exercício, da Irmandade de N. S. dos Passos, estando construindo o hospital da Misericórdia e precisando para enfim a quantia de R2:000$000 que pela Assembleia Provincial foi votada para esta instituição, conforme votada para essa instituição, conforme o orçamento vigente, vem requerer a V. S. Sos se dignem de solicitar o pagamento dessa verba, sirvindo-se informar que as obras estão em andamento e carecem do auxílio pedido”76

Neste caso fica claro que os membros da irmandade estão, neste momento,

em aliança com o poder civil e, para uma cidade que buscava estar próxima da

modernidade, um hospital deveria ser obra de todos. Porém, podemos observar

que, mesmo com todas as alianças realizadas pelos irmãos da Irmandade de N. S.

do Passos, a construção de sua maior obra não foi fácil. As notícias que aparecem

nos jornais nos mostram uma história de lutas e glórias:

“Informamos que, por falta de recursos necessários á sua manutenção, acha-se em vesperas de fechar-se esse nosso estabelecimento de caridade, que, forçoso é, reconhenhel-o já tem prestado muitos relevantes serviços às classes desfavorecidas da fortuna”. 77

“Para commemorar o primeiro anniversario da fundação do hospital, foi hontem, ás 10 horas do dia, celebrada uma missa

76 AHMJF - Fundo Câmara Municipal Império. Sessão 59/5. 77 SMBMMM - O Pharol , Ano XXIV, 08 de Março de 1890.

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solenne na capella dos Passos pelo padre Hyppolito de Campos, capellão da irmandade.”78

Desta forma, podemos perceber que a Irmandade de Nosso Senhor dos

Passos, ao nascer, tem preocupações que a aproximam das demais irmandades do

período colonial, porém, no desenvolvimento de suas funções e a partir da criação

da Santa Casa de Misericórdia sua principal preocupação passará a ser a

construção e a manutenção da mesma, além da administração dos demais bens que

tomam cada vez mais espaço nas reuniões dos irmãos:

“O Dr. Provedor apresentou á mesa uma proposta de João Cordeiro de Couto que pede o arrendamento de duas casas pertencentes á Misericórdia, por espaço de oito annos e pela quantia de 30$ mensais, fazendo, porém, os pagamentos trimestrais vencidos(...) O irmão thesoureiro informou á mesa, achar-se o individuo de nome Boaventura atrazado nos alugueis da casa em que está residindo em cerca de 300$000, e propoz recisão de contracto(...)”79

Um balanço mais detalhado dos bens da Irmandade de Nosso Senhor dos

Passos pode ser observado nos trabalhos de Albino Esteves, destacando que no

ano de 1897, a irmandade possuía além de imóveis, apólices da dívida pública e

municipais e letras hipotecárias, tudo no valor de 39:200$000.80

Cabe destacar, com relação a esta questão de caráter econômico, que a

irmandade que valoriza especialmente sua tarefa caritativa, tinha que dar caráter

predominante à gestão de suas receitas e despesas, caso quisesse manter em

primeiro plano sua ação caritativa, numa época em que cada vez mais se aprecia o

caráter filantrópico das instituições.

78 SMBMMM – Diário de Minas, Ano II, 03 de Julho de 1889. 79 SMBMMM – Diário de Minas, Ano II, 04 de Agosto de 1889. 80 Cf. ESTEVES, Albino & LAGE, Oscar Vidal Barbosa. Album do Municipio de Juiz de Fora. Bello Horizonte, Imprensa Official do Estado de Minas, 1915, p. 252.

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Encontramos também em Juiz de Fora a presença da Irmandade do

Santíssimo Sacramento. Esta irmandade, muito difundida no período colonial e

imperial, era reservada apenas aos homens e congregava nos principais centros

urbanos pessoas destacadas da elite local. Sua função era a promoção do culto do

Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Os irmãos vestiam opa vermelha e se

destacavam por estarem mais próximos aos sacerdotes, junto ao altar-mor.81

Não encontramos para este trabalho o compromisso da Irmandade do

Santíssimo Sacramento, porém, é possível encontrar registros de sua existência

ainda no século XIX, através de cha madas nos jornais para as reuniões dos irmãos:

“O abaixo assignado convida aos membros da mesa administrativa da irmandade do Santissimo Sacramento a se reunirem no proximo Domingo, depois da missa conventual, no consistorio da matriz desta cidade. Juiz de Fora, 20 de janeiro de 1881 – O Provedor Manoel Vidal Barbosa Lage”82

Vale destacar que o fato dos irmãos serem convocados, no ano de 1881,

através da imprensa liberal, confirma a presença de um grupo de elite. Já que

grande parte da população não conhece as letras, tal fato nos revela ser este o

espaço de um grupo muito reservado. É de se destacar o local das reuniões: o

consistório da Igreja Matriz.

Da mesma forma que encontramos na imprensa liberal, no ano de 1885,

registros de momentos de dificuldades da Irmandade de Nosso Senhor dos Passos,

também a Irmandade do Santíssimo Sacramento teve sua mesa dissolvida pelo juiz

da provedoria:

“O abaixo assignado, nomeado administrador da Irmandade do Santissimo Sacramento, por despacho do meretissimo Dr. Juiz

81 Cf. HOORNAERT, Eduardo(Coord. Área Brasil) História Geral da Igreja na América Latina. Tomo II/1.Op. Cit., p. 236. 82 SMBMMM – O Pharol , Ano XV, 20 de Janeiro de 1881.

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da provedoria, publicado em audiencia de 21 de Março findo, convoca os irmãos da respectiva irmandade para no dia 26 de do corrente mez, comparecerem na igreja matriz, ao meio dia, para elegerem a nova mesa visto estar dissolvida a existente.(...) O administrador da Irmandade do Santissimo Sacramento, Marcelino de Assis Tostes.”83

Este registro nos confirma, mais uma vez, a presença da elite à frente da

irmandade. Nomes como os de Vidal Barbosa Lage e Assis Tostes estão

relacionados com as famílias mais importantes da cidade, de muitas posses.

Dificuldades à parte, observa-se a presença atuante desta irmandade junto à

matriz de Santo Antônio em documentos enviados à Câmara Municipal no ano de

1888:

“A Meza Administrativa da Irmandade do Santissimo Sacramento d’esta Cidade, pelo seu provedor, abaixo assignado, requer a Vas Exas se dignem ordenar a entrega ao Thesoureiro da mesma Irmandade, da quantia liquida existente no Banco do Brazil e proveniente das loterias pertencentes às obras da Igreja Matriz d’esta cidade, visto a mesma Irmandade ter de dar começo as obras da mesma Igreja Matriz.”84

Além de estar à frente das reformas da igreja matriz, a Irmandade não deixa de

realizar as tarefas do culto para a Semana Santa de 1890: “A irmandade do

Santissimo Sacramento pretende solemnizar este anno alguns actos da Sagrada

Paixão de Christo, para o que conta o auxilio dos habitantes desta cidade”.85 É de

destacar o papel importantíssimo desta irmandade no sentido da promoção do culto

e da manutenção do templo.

Diante da falta de documentação desta irmandade, não podemos conhecer

com precisão a data de sua criação, assim como suas principais atividades. Porém,

vale destacar que a Irmandade do Santíssimo Sacramento sobrevive até a presente

83 SMBMMM – O Pharol , Ano XIX, 25 de Abril de 1885. 84 AHMJF – Fundo Câmara Municipal Império, Sessão 59/5 – Irmandades. 85 SMBMMM – O Pharol , Ano XXIV, 12 de Fevereiro de 1890.

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data e com toda a pompa de sua roupagem vermelha ainda anima o culto na

Catedral Metropolitana, antiga Matriz de Santo Antônio, e tem sua sede na sacristia

da mesma.

Outra irmandade presente no século XIX em Juiz de Fora é a Irmandade de

Santo Antônio que, mesmo não tendo sido preservado seu compromisso, é possível

confirmar sua existência também através de anúncios de jornal.

A mesma dificuldade vivida pelas irmandades já citadas, no ano de 1885,

quando tiveram suas mesas dissolvidas pelo juiz provedor, pode ser observada

também com a Irmandade de Santo Antônio. Pelo jornal, o administrador da

irmandade “convida os irmãos a se reunirem no dia 03 de Maio proximo futuro, no

consistorio da matriz, depois da missa conventual, afim de se proceder á eleição de

uma nova mesa, visto ter sido dissolvida a antiga.”86

Este documento nos revela que a Irmandade de Santo Antônio estava, assim

como a Irmandade do Santíssimo Sacramento, ligada à Igreja Matriz. Porém, a

ausência de registros não nos permite fazer conclusões mais aprofundadas sobre

esta irmandade.

É provável que a simultaneidade das crises em 1885, nas três irmandades

citadas, se deva a uma maior fiscalização por parte das autoridades civis, tentando

responder a uma insistente demanda dos bispos reformadores que estavam

novamente recuperando a aliança tradicional do trono e o altar, após a turbulenta

crise conhecida como “Questão Religiosa(1872-75)”.87

86 SMBMMM – O Pharol , Ano XIX, 28 de Abril de 1885. 87 Exemplo do auge das divergências entre poder temporal e espiritual no Brasil revela -se na “Questão Religiosa”, na qual os bispos do Pará e Pernambuco, D. Macedo Costa e D. Vital, lançaram interdito sobre as confrarias religiosas que mantinham maçõns entre seus membros. Essas associações apelaram para a Coroa, a qual em força dos direitos do Padroado, solic itou aos bispos a revogação das penalidades eclesiásticas, sob a

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Além do registro das três irmandades citadas, encontramos ainda, no final do

século XIX, o compromisso da Irmandade do Rosário. Presente no Brasil desde os

tempos coloniais, a devoção a Nossa Senhora do Rosário progressivamente passou

a ser um espaço devocional exclusivo de negros, livres ou escravos.

Segundo Boschi, alimentando a ilusão de igualdade com os brancos no plano

da religião, os negros incorporaram os padrões de organização da classe

dominante, minimizando a expressividade cultural de seus grupos originais. Ao

permitir a formação destas associações, o Estado visava preservar as relações de

dominação e submissão, não resultando em um espaço de conscientização de

classe, pelo contrário, acabaram se tornando uma manifestação conformista das

classes inferiores.88

Entretanto, sem a pretensão de discordar da tese de Boschi, vale ressaltar que

a historiografia mais recente afirma o importante papel das irmandades negras,

demonstrando que o movimento não deve ser visto como conformista, pelo contrário,

é no interior desta organização cultural que estes se encontram numa rede de

solidariedade étnica, de reivindicação social e conservação dos valores de suas

religiões nativas.89

alegação de estarem interferindo em estatutos de entidades aprovadas pelo governo imperial. Fiéis ao princípio de que se deveria obedecer às leis do Estado até que não entrassem em conflito com com os direitos da Igreja, os bispos recusaram-se a obedecer, sendo em seguida presos e processados. Cf. AZZI, Riolando. O altar unido ao trono. São Paulo, Paulinas, 1992, p. 69; Cf. GOMES, Francisco José Silva. Le Projet de Neo-Chretienté dans le Diocese de Rio de Janeiro de 1869 a 1915 . These de Doctorat, Toulouse, Université de Toulouse le Mirail, 1991, Tome II, p. 347-349. 88 Cf. BOSCHI, Caio César. Os Leigos no Poder: Irmandade e Política Colonizadora em Minas Gerais. Op. Cit., p. 156. 89 Cf. OLIVEIRA, Anderson José Machado de . Devoção e Caridade: Irmandades Religiosas no Rio de Janeiro Imperial(1840-1889). Op. Cit., p. 125-129.

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O compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário de Juiz de Fora

data de 22 de abril de 1888, ou seja, 21 dias antes da abolição da escravidão e

chama atenção pelo conteúdo dos seus artigos. A respeito dos seus membros:

“Serão admittidos como Irmãos todas as pessoas de um e outro sexo, sem distincção de côres, e condições, exigindo-se sómente, que não estejam ligados com censuras eclesiasticas , e que não pertençam a sociedade prohibidas pela Igreja.” 90

Num momento em que o aparelho eclesiástico buscava um maior controle

sobre as irmandades, principalmente contra a presença nestas associações de

pessoas ligadas à maçonaria, a advertência citada revela-nos um compromisso

desta associação com os objetivos da hierarquia eclesiástica. Além disto, a presença

de irmãos sem distinção de cores mostra-nos uma abertura que a distingue do

tradicional modelo das irmandades do Rosário do final do período colonial,

exclusivas de negros.

Porém, o compromisso revela-nos que, mesmo permitindo a presença de

brancos, era este um movimento liderado por negros. O primeiro detalhe que

podemos observar refere-se aos membros. Encontramos como secretário a

assinatura de Feliciano Mendes Ribeiro, irmão do vigário da Igreja Matriz Tiago

Mendes Ribeiro, negro. Além disto, diversos membros têm seu nome inscrito no

modelo “arrogo”, o que nos permite concluir que esta associação era formada por

uma maioria de analfabetos, o que era muito comum entre negros no final do século

XIX.

90 CMIJF – AHPHOF. Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário(1888). Fundo Arquidiocese/Paroquial, Pasta Igreja do Rosário. Cap. 1, art. 3.

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A presença de um rei e uma rainha91 na Irmandade do Rosário de Juiz de

Fora remonta à figura de Francisco da Natividade, o famoso Chico-Rei de Vila Rica.

Antigo rei na África, foi vendido escravo e trazido para o Brasil. Após conseguir sua

alforria e de sua família, chega a liderar um grupo de negros forros. Era devoto de

Nossa Senhora do Rosário.92 A presença de reisado, no entanto, aparece como uma

das principais características das irmandades de negros no Brasil.

Os irmãos de Juiz de Fora se comprometem com a “celebração da

festividade de Nossa Senhora do Rosário, de São Benedicto, São Eslebão e Santa

Efigenia”93, sendo que:

“A festividade da Santissima Virgem do Rosario terá lugar no primeiro Domingo de Outubro, precedida de Novena; constando a Festa de Missa cantada, Sermão ao Evangelho, Procissão a tarde. Sermão e Te-Deum na entrada da Procissão, o que tudo se fará com a pompa devida, segundo os recursos da Irmandade.”94

Sendo que a “Festa de São Benedicto, São Eslebão e Santa Efigenia poderá

ser feita no dia designado pela Mesa administrativa, reunindo-se em um só festejo

os tres Gloriosos Santos”95, na qual devem comparecer todos os irmãos,

independentes de convite ou não, com a opa branca. O fato da irmandade festejar

no mesmo dia os três santos de devoção negra, confirma a hipótese de ser a

associação predominantemente de negros.

Além das preocupações com os tradicionais festejos dos santos, o

compromisso revela a preocupação tradicional com os enterramentos dos irmãos.

91 Idem. Cap. 1, art. 4. 92 Cf. GOMES, Núbia P. de Magalhães & PEREIRA, Edimilson de Almeida. Negras Raízes Mineiras: Os Arturos. Juiz de Fora, EDUFJF, 1988, p. 182. 93 CMIJF – AHPHOF. Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário(1888). Fundo Arquidiocese/Paroquial, Pasta Igreja do Rosário. Cap. 1, art.7. 94 Idem. Cap. 11, art. 35. 95 Idem. Cap. 11, art. 36.

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Nestes momentos, “A Irmandade acompanhará de cruz alçada a todos os Irmãos

fallecidos”96, e de acordo com a hierarquia interna da organização, o número de

missas pela alma de cada um dos irmãos se encontra estipulado da seguinte forma:

“Os que tiverem servido a cargo de Rei ou Rainha doze Missas, de Juiz e de Juiza serão suffragados com oito Missas. Os que tiverem occupado o cargo de Secretario, Thesoureiro e Procurador com seis Missas. Os Irmãos e Irmães de Mesa com cinco Missas. Todos os Irmãos e Irmãos que tiverem servido cargos com tres Missas.”97

O projeto de ter um cemitério próprio, elemento muito comum nas

irmandades do período colonial, também é preocupação dos irmãos pois: “Logo que

a Irmandade disponha de recursos sufficientes mandará construir um Cemiterio para

o sepultamento dos seus Irmãos”.98 Porém, não temos registro na cidade de nenhum

cemitério pertencente a estas organizações analisadas.

Neste sentido vale lembrar que na Corte, Rio de Janeiro, os cemitérios

públicos foram estabelecidos pelo decreto n0. 583 de 1850, que autorizou o governo

a determinar o seu número e a localização.99 Em Juiz de Fora, o edital para a

construção do cemitério público data de 1863, e o contrato de arrematação das

obras para a frente do cemitério tem data de 1873.100

Sobre as atividades da irmandade de Nossa Senhora do Rosário

encontramos, além do compromisso original, apenas um documento enviado à

Câmara Municipal no qual:

“A meza administrativa da Irmandade de Nossa Senhora do Rozario, por meio de secretario abaixo assignado, vem respeitosamente requerer a Vsa licença para construir o adro

96 Idem. Cap. 11, art. 39. 97 Idem. Cap. 11, art. 40. 98 Idem, Ibidem. Cap. 11, art. 41. 99 Cf. RODRIGUES, Claúdia. Lugares dos mortos na cidade dos vivos . Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, 1997, p. 124. 100 AHMJF – Fundo Câmara Municipal Império. Sessão 104.

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da Capella de N. S. do Rozario, em construção na Rua de Antonio Dias, esquina da de Progresso n’esta cidade, mandando o alinhador fazer o respectivo alinhamento, pago os direitos da lei. Nestes termos pede deferimento.

Juiz de Fora, 10 de agosto de 1893 O Secretario da Irmandade Gabriel Silino de Oliveira Junior”101 Com base neste documento, podemos concluir que a irmandade esteve à

frente da construção do templo em devoção a Nossa Senhora do Rosário, num

momento em que a Igreja de Juiz de Fora se encontrava na fase inicial de afirmação

do poder clerical, com o início da implantação da Reforma Católica Ultramontana.

A presença de uma irmandade que, ao que parece, é predominantemente de

negros, mesmo após a escravidão, releva-nos que estas continuaram funcionando

como instrumento de distância entre as classes sociais, conservando, desta forma, a

antiga ordem social fundamentada em critérios de hierarquia e cor.

Desta forma, diante da documentação encontrada sobre as irmandades, vale

a pena voltar as palavras de Riolando Azzi, que conforme citado no início, coloca-

nos que estas não tiveram na cidade grande representatividade. Com este pequeno

estudo podemos observar que elas tiveram seu espaço, como no caso da Irmandade

de Nosso Senhor dos Passos, na construção do primeiro hospital da cidade, no

projeto de reforma e (re)construção da Igreja Matriz pela Irmandade do Santíssimo

Sacramento e na construção da Igreja do Rosário pela sua irmandade. Assim,

acreditamos que não podemos, sem um estudo mais aprofundado de suas

atividades, concordar com a hipótese de pouca representatividade destas

associações, mesmo nos dando conta que, neste momento, elas estão deixando de

ser tão expressivas no Brasil. Desta maneira, reconhecemos que esta temática

ainda persiste como um desafio para os pesquisadores.

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É de se ressaltar que só foram encontradas, até a data de 1890, data que

consideramos como marco do início do processo de Romanização e Reforma

Católica Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora, apenas quatro irmandades, o que

não elimina a possibilidade da existência de outras. Das quatro analisadas acima é

de se salientar que duas são predominantemente ligadas às elites. Uma, a do

Rosário, está ligada à população de ex-escravos e seus descendentes, já que foi

criada dias antes da abolição da escravatura. A de Santo Antônio parece ser uma

devoção mais genérica, até porque está ligada à devoção do orago da vila, o que

supõe uma reunião de uma população mais geral. E ainda vale lembrar que a

devoção do Santíssimo Sacramento está ligada ao culto Eucarístico, a do Senhor

dos Passos à Paixão de Cristo em direção à cruz. Estas devoções eram típicas do

Brasil colonial, ambas herdadas do Portugal tardo-medieval.

Quanto à devoção a Santo Antônio, o mais popular dos santos portugueses,

a tradição popular liga-se a várias considerações: capitão do mato, protetor nos

interesses de conquista e expansão e, mais tarde, santo casamenteiro. E finalmente,

a devoção ao Rosário liga-se ao fator cultural de que os negros, por não saberem

ler, apenas rezavam as contas do rosário, contas que lembram seus colares e os

reportavam, em certa medida, à tradição de seus cultos da África.

2.2- A presença de um clero tradicional

Até a data da criação da Villa de Santo Antônio do Parahybuna, em maio de

1850, a capela de Santo Antônio estava na alçada da vizinha paróquia de Simão

101 AHMJF - Fundo Câmara Municipal República Velha. Série 226.

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Pereira. Desmembrada da antiga sede e elevada à categoria de Matriz teve como

principal sacerdote a figura do Padre Tiago Mendes Ribeiro102, que durante os anos

de 1859 e 1890 foi o responsável pelos serviços religiosos da nova paróquia.

O ano de 1859 registra a posse do Pe. Tiago Mendes Ribeiro como vigário

colado nos seguintes termos:

“Aos 25 de novembro de 1859, nesta cidade Parahybuna, em a Igreja matriz de S. Antonio por occazião da Chrisma que ia administrar Sua Exa Rmo o Sr D. Antonio Ferreira Viçoso, Bispo de Marianna, reunido grande numero do povo, li a Carta Imperial, auto de Collação do Pe Thiago Mendes Ribeiro.”103

Porém, a presença do vigário na Matriz pode ser observada em data bem

anterior ao momento de sua posse. O diário escrito por Dom Pedro II sobre sua

visita a Juiz de Fora no ano de 1861 nos revela que:

“Dia 26 de junho: Às 8 almoçei, falei com o vigário, que se chama Tiago Mendes Ribeiro, e estudou no colégio de Congonhas as humanidades, e depois teologia moral, residindo nesta freguesia a dez anos , primeiramente como coadjutor do finado vigário. Disseram -me hoje que ele jogava.”104

A presença do Pe. Tiago, em período posterior a sua posse, aparece

também na obra do Cônego Francisco M. de Oliveira, na qual confirma que:

“Enquanto esperava sua nomeação definitiva ou colação, o Pe. Tiago foi assistido por outros sacerdotes, mas orientado principalmente pelo líder Pe. Joaquim Furtado de Mendonça, cujo nome integrou as primeiras comissões de urbanização da nova cidade.”105

102 O nome do Padre Tiago Mendes Ribeiro aparece em muitos documentos como ‘Thiago”, com TH, porém, sua assinatura aparece sem o H. Portanto, sempre que o seu nome aparecer em nota seremos fiéis ao documento. 103 CMIFJ / AHPHOF. Arquidiocese/Sacerdotal - Provisão do Primeiro Vigário de Juiz de Fora, p. 13. A paróquia só passou a ter pároco colado nove anos após sua elevação, porque isto dependia da postulação para o Pe. Tiago que já era cura de uma vaga que exigia um concurso público. Uma vez nomeado pároco colado era preciso que o mesmo fosse canonicamente instalado pelo bispo, o que ocorreu aproveitando a visita de D. Viçoso à nova paróquia para realizar a crisma. 104 Diário de Dom Pedro II. In: STEHLIG, Luiz José. Juiz de Fora – Companhia União Indústria e os Alemães . Projeto Documento – Coleção Juiz de Fora I, Prefeitura Municipal, 1979, p. 228. (Grifo nosso) 105 OLIVEIRA, Francisco M. de. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo I. Juiz de Fora, Esdeva, 1976, p. 41.

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Assim, com base nestes registros, podemos confirmar que desde os

primeiros anos da fundação da cidade(1850) até a data de sua morte(1890), o

modelo de catolicismo praticado na paróquia de Juiz de Fora está ligado diretamente

aos trabalhos realizados pelo Pe. Tiago.

Porém, o modelo praticado pelo vigário encontrava-se longe do pretendido

pelo Bispo de Mariana, Dom Viçoso. No plano de sua vida pessoal ele vivia

publicamente em concubinato, rodeado de filhos numa chácara ao lado da Igreja

Matriz, o que parece não ter incomodado a sociedade juizforana, já que o povo

estava acostumado a conviver com sacerdotes que possuíam famílias106. Além disto,

como confirma o diário de Dom Pedro II, era adepto do jogo e temos notícia de que

participava ativamente da política local.

No plano político podemos observar que seu nome aparece sendo indicado

a compor diversas comissões, como esta:

“Indico que para dar seu parecer sobre as obras do Cemiterio Publico, examinando se estão conforme o plano, se nomeia a comissão composta dos cidadãos Comdor Halfeld, Dr. Miguel Alves Villela e Revdo Vigario Thiago Mendes Ribeiro, a qual se fornecerá copia do contrato.” 107

Certamente, as obras do cemitério público eram de interesse da Igreja,

porém, a presença do padre em atividades políticas se encontra registrada em

outros momentos, como por exemplo, sua participação como candidato a vereador

nas eleições de 1860, na qual obteve apenas 16 votos.108

106 Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p. 61. 107 AHMJF – Fundo Câmara Municipal Império. Sessão 156. 108 Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p. 73.

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Definitivamente, sabemos que este não era o modelo de vigário pretendido

pelo movimento episcopal que em Mariana esteve representado pelo seu bispo,

Dom Viçoso, iniciador do movimento reformador no Brasil que desejava um clero

obediente, principalmente no que se referia à questão do celibato, dedicado

exclusivamente à sua missão religiosa, sem envolvimento em questões políticas.

Outro detalhe sobre a pessoa do Padre Tiago Mendes Ribeiro refere-se a

sua cor, era negro. Uma referência sobre sua cor encontra-se no diário de Dom

Pedro II:

“Dia 4 de junho: Ao chegar à porta da igreja um cônego soltou um viva à minha católica majestade, e fui aspergido pelo vigário, que já me tinha dado o crucifixo a beijar na porta da Câmara. O vigário é preto como carvão, mas informaram-me muito favoravelmente de sua inteligência e qualidade morais, parecendo abastado, pois que possui uma boa casa de sobrado onde mora”.109

Digna de nota são as palavras de cunho racista do Imperador Dom Pedro II

ao se referir ao Padre Tiago. A presença de negros ocupando postos importante no

século XIX, em meio a uma sociedade escravista, não era nada comum, o que

chamou a sua atenção foi que além da cor o padre era dado ao jogo, mas tudo isto,

aos olhos do Imperador é compensado por suas qualidades, sua inteligência e pela

manutenção de um status digno de um sacerdote, já que vivia em uma casa de

sobrado e era abastado. Outro detalhe importante nas suas anotações refere -se às

“qualidades morais” do padre, o que confirma que o fato do clero viver em

concubinato não significava para a população uma desqualificação moral.

Sobre o desenvolvimento das atividades religiosas na Igreja Matriz assim se

109 STEHLING, Luiz José. Juiz de Fora – Companhia União Indústria e os Alemães. Op. Cit., p. 226.(Grifo nosso)

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refere um estudioso:

“os principais ‘inimigos’ do catolicismo em Juiz de Fora: a falta de catequese, a instrução religiosa, os escândalos do clero, o indiferentismo religioso, a falta de militância dos católicos, acomodados e adormecidos, embalados pelo Padroado.”110

Considerando o novo modelo sacerdotal pautado pelos padrões tridentinos,

o estudioso descreve a figura do padre com tintas carregadas de negatividade,

completa sua análise reforçando que a sua presença à frente da Igreja Matriz

atrasou a reforma católica segundo os cânones tridentinos, iniciada em Minas Gerais

por Dom Viçoso, nos anos quarenta.

A presença do Bispo Diocesano não era muito comum na cidade,

acostumado ao clima religioso de sua sede episcopal, Juiz de Fora fugia ao controle

eclesiástico. Em visita pastoral à cidade no ano de 1859, ano da posse do padre

Tiago, o presidente da Câmara Municipal assim escreve ao Bispo: “A visita

verdadeiramente apostolica de sua V. Exa Rma era á muito almejada por esta parte

do numeroso rebanho confiado aos fraternaes cuidados de V. Exa Rma.”111

Como se pode verificar, as visitas pastorais de Dom Viçoso não eram

mesmo freqüentes, fato que pode estar relacionado com a presença de um vigário

que não se encaixava no modelo marianense.

Porém, não podemos pensar que Pe. Tiago não correspondia às

necessidades do seu cargo, no plano de defesa dos interesses da Igreja. Junto ao

poder temporal municipal reclamou seus direitos, como se pode verificar nesta

110 AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. Evolução do Catolicismo em Juiz de Fora. Juiz de Fora, Revista Rhema, 1997, n 10, vol. p. 109. 111 AHMJF - Fundo Câma ra Municipal Império, Sessão 59/3.(Grifo nosso)

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correspondência de Dom Viçoso, datada de 05 de fevereiro de 1866, enviada à

Câmara municipal:

“Queixa-se o Vigario collado da Freg. de Sto. Antonio do Paraybuna Thiago Mendes Ribeiro contra as posturas da Camara da mesma Cide como oppostas ás Leis da Igreja, ás Leis Mineiras, e aos Direitos do mesmo Parocho: eis os capitulos de sua queixa.

1- Consente a Camara que se sepultem os cadaveres sem sciencia, nem consentimento do Parocho, o que he

10) Contra a Constituição do Bispado que no n0. 849 diz assim= Ordenamos e mandamos, qe nas Igrejas, Capellas, Cemiterios, ou qualquer outro lugar sagrado do nosso Bispado, se não abra sepultura para se enterrar algum defunto, posto que seja creança de pouca idade, sem licença do Parocho da Igreja.(...)

1- 1- Priva o Parocho de passar a certidão de obito, qe lhe pertense e a faz passar pelo guarda do mesmo cemiterio.

2- Oppõe-se a Lei de Mariana n0. 258 de 23 de Maio de 1844: 1) 1) Quando a Lei exige 2$000 a Camara exige 6$000 2) 2) Os rendimentos da fabrica são pela Lei applicados em

beneficio da Igreja; mas a Camara ainda depois de endenizar do que dispedeo no Cemiterio publico continuará a applicar a si o que pertence a Igreja.”112

3) Os conflitos entre poder temporal e espiritual, principalmente durante o

período do Segundo Reinado, tiveram em vários momentos espaço privilegiado nas

relações entre os dois poderes. No caso de Juiz de Fora, como se pode notar, estas

questões também se faziam presentes, e o Pe. Tiago encontrava-se atento,

cumprindo suas obrigações e levando ao conhecimento do seu bispo as

divergências entre os poderes no espaço de sua paróquia.

Sobre suas atividades religiosas não existem muitos registros. Do período de

seu paroquiato não existe livro de tombo, o que dificulta analisar esta questão,

porém, é possível encontrar na imprensa liberal chamados do vigário, como este:

“Sexta-feira, 1 de Maio, terá começo na matriz desta cidade, ás 6 horas da tarde, o muito importante e piedoso exercicio do Mez de Maria. Convido, pois, aos meus parochianos para celebrarem os seus louvores, e prestarem reverente homenagem a esta Virgem poderosa, Virgem cheia de bondade, nossa advogada e protectora.

112 AHMJF – Fundo Câmara Municipal Império. Sessão 20.

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Juiz de Fora, 25 de Abril de 1885 – Vigário Thiago Mendes Ribeiro”113

Assim, um balanço mais conclusivo sobre as atividades religiosas do Pe.

Tiago pode parecer prematuro diante da falta de documentos. Torna-se necessário

neste caso entender que ele representa o modelo de clérigo tradicional, o que não

quer dizer que sua atuação junto aos fiéis tenha sido negativa, muito pelo contrário,

cumpridor dos seus deveres e sacerdote devoto, eram condições indispensáveis

para o apreço de um padre no Brasil tradicional.

Os últimos dias de sua vida são acompanhados pela imprensa local sempre

com muito pesar:

“Foi hontem accomettido de uma congestão pulmonar, acompanhada de fortissima hemoptyse, o rvdm. Padre Thiago Mendes Ribeiroa, digno vigario desta freguezia. O respeitavel sacerdote apresentava para a tarde algumas melhoras, conquanto seja ainda muito melindroso o seu estado. Juntamos os nossos votos aos de toda a população desta cidade, pelo prompto restabelecimento do verando vigario.”114

“Tem experimentado animadoras melhoras podendo -se,

felizmente, considerar livre de perigo, esse estimado sacerdote.”115

Diante das notícias publicadas referentes à sua enfermidade, podemos

constatar que o padre tinha boa aceitação na sociedade. Esta boa receptividade

pode também ser apreciada pelo amplo noticiário no momento de sua morte:

“Para se avaliar quão dolorosa foi para toda a população desta cidade a notícia do falecimento do nosso venerando vigário, seria preciso que em extenso artigo enumerássemos todos os atos de cavalheirismo, de caridade evangélica, e de admirável abnegação, que caracterizavam o bondoso sacerdote, durante os trinta anos que aqui exerceu o cargo de vigário colado.

Humilde e afastado da sociedade, quando a estima e consideração de que gozava, davam -lhe o direito de viver obscuramente, o virtuoso ministro de Cristo empregava grande parte do tempo, que lhe sobrava dos misteres de sua profissão,

113 SMBMMM – O Pharol, Ano XIX, 26 de Abril de 1885. 114 SMBMMM – O Pharol, Ano XXIV,28 de Fevereiro de 1890. 115 SMBMMM – O Pharol, Ano XXIV, 01 de Março de 1890.

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em mitigar os sofrimentos de quantos desgraçados se lhe aproximavam, certos de que não seriam repelidos, antes, acolhidos com sincera benevolência e cavalheiresca solicitude. Idolatrado por todos os seus paroquianos, o vigario Tiago impunha-se á estima e ao respeito de quantos o conheciam de perto, pela lhaneza e afabilidade com que a todos tratava, e pela rara abnegação com que procedia sempre, revelando-se sem ambições, desinteressado e indiferente em questões fortuna que conseguiu acumular, durante os longos anos em que paroquiou esta freguezia, que, incontestavelmente, dispõe de elementos bastantes para lhe ter proporcionado a aquisição de abastados haveres.

E a população desta cidade tanto reconheceu as elevadas qualidades do pranteado sacerdote que, desde que soube prostrado pela violenta enfermidade, que lhe roubou a preciosa existencia, acompanhou-o com solicitude e carinho até seus últimos momentos. Dir-s e-ia que todos queriam por essa forma demonstrar ao ilustre enfermo, as dedicações que ele despertara em torno de si, e o reconhecimento de que se fizera credor, desempenhando condignamente e elevado cargo que lhe fora confiado pela Igreja. Curvamo-nos respeitosos ante a sepultura do venerado sacerdote que foi o exemplo de acrisoladas virtudes evangélicas.”116

Mesmo levando em conta o caráter de laudatório presente em elogios

fúnebres, fica visível o reconhecimento da sociedade juizforana para com o seu

vigário. Podemos enquadrar o Pe. Tiago, diante dos dados disponíveis, no modelo

tradicional, como um dedicado funcionário eclesiástico disposto a atender as

necessidades da comunidade. Porém, conforme a nota, o padre vai além disto, por

suas qualidades elevadas, seus atos de cavalheirismo, sua afabilidade, humildade,

sincera benevolência e vi rtudes evangélicas, que ficam bastante claras através da

visão de uma população que chora a sua morte.

Na análise do Pe. Henrique Oswaldo, em seu estudo sobre “A evolução do

catolicismo em Juiz de Fora”, a morte do vigário aparece da seguinte forma:

“a morte do velho vigário, aos 12 de março de 1890 foi um grande alívio. Enterrado o Vigário Thiago, podemos dizer que se enterrou em Juiz de Fora um modelo de catolicismo brasileiro que tão bem conhecemos e que já era descrito por Saint-Hilaire.”117

116 SMBMMM - O Pharol , Ano XXIV, 13 de Março de 1890.(Grifo nosso) 117 AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. Op. Cit., p. 109.

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Não pretendemos neste ponto julgar a análise do referido estudioso,

queremos apenas ressaltar que sua opinião quando diz ‘alívio’, mostra uma

perspectiva ligada não à continuidade, mas à ruptura que representou os primeiros

passos da implantação da Romanização e Reforma Católica Ultramontana na Igreja

de Juiz de Fora.

Assim, podemos concluir que o quadro clerical presente em Juiz de Fora na

segunda metade do século XIX não se enquadrava no modelo da Reforma Católica

Ultramontana, que a espiritualidade vivida pe los fiéis remonta ao quadro de

irmandades, de devoção aos santos, de uma prática típica do catolicismo tradicional.

Trata-se, portanto, no contexto da Diocese de Mariana, de um caso entre outros, em

que a ação reformadora não obteve imediatamente e integralmente resultados

positivos no século XIX.

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3- ROMANIZAÇÃO E REFORMA CATÓLICA ULTRAMONTANA DA IGREJA DE

JUIZ DE FORA - A AÇÃO REFORMADORA

A Reforma Católica Ultramontana teve início no Brasil a partir da década de

40 do século XIX, no contexto de pacificação do país e do golpe da Maioridade.

Nesta época, os padres Antônio Ferreira Viçoso e Antônio Joaquim de Melo

assumiram posição declarada em favor da legalidade, constituindo desta forma,

elemento importante para que o Imperador os designasse como bispos. Dom

Antônio Ferreira Viçoso foi nomeado bispo de Mariana em 1844 e Dom Antônio

Joaquim de Melo de São Paulo, em 1851.118

A obra reformadora dos bispos deste período desenvolve-se com base em

três linhas principais: a corrente tradicionalista, que assume como matriz do seu

pensamento o conceito de pátria católica119; o enfoque tridentino, que tem como eixo

básico a concepção de mundo dividido em duas “sociedades perfeitas”, a civil e a

eclesiástica, ambas autônomas e com finalidades distintas120; e a perspectiva

ultramontana, na qual a Igreja devia ser compreendida como uma sociedade

hierarquizada e autônoma, sob a chefia direta do Pontífice Romano 121. Embora

distintas, as três linhas apresentam formas de reflexão filosófico-teológica

interligadas. Entendemos que o modelo do “catolicismo reformador” predominante

no Brasil era igualmente pensado em termos de europeização, uniformização e

centralização, a que chamamos de Romanização.

118 Cf. AZZI, Riolando. O Movimento Brasileiro de Reforma Católica Durante o Século XIX. Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 34, fasc. 135, setembro 1974, p. 646-662. 119 Cf. AZZI, Riolando. O Estado Leigo e o Projeto Ultramontano. São Paulo, Paulus, 1994, p. 72-73. 120 Cf. AZZI, Riolando. O Altar Unido ao Trono. São Paulo, Paulinas, 1992, p. 57. 121 Cf. AZZI, Riolando. A Crise da Cristandade e o Projeto Liberal . São Paulo, Paulinas, 1991, p. 226.

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A principal preocupação dos reformadores orientava-se em duas direções:

definição da ortodoxia católica no campo doutrinário e a reforma dos costumes

morais da Igreja, estendendo-se desde a hierarquia até os fiéis católicos. O baixo

nível de cultura religiosa, quer do povo, quer do próprio clero, pode ser visto

como decorrência das restrições impostas pela Coroa lusitana durante o período

colonial, dentro de uma herança regalista que o Império reforçou. O esforço pela

afirmação de determinados valores morais foi realizado tanto em relação ao clero

quanto em relação aos leigos.

Com relação ao clero, o esforço orientou-se no sentido da restauração da

observância do celibato eclesiástico e da preocupação com a santidade do

clero. Além da castidade, o padre deve mostrar-se diante do povo como

verdadeiro homem de Deus. Era a afirmação do modelo tridentino, reforçado pela

escola francesa de espiritualidade do século XVII.

A manifestação mais importante da santidade devia ser a preocupação com o

culto divino e com as funções eclesiásticas. O lugar próprio para o padre era o

recinto das igrejas, onde ele deveria atuar principalmente no púlpito, pregando as

verdades religiosas e conclamando o povo à observância das regras morais; no

confessionário perdoando os pecadores e orientando-os na prática dos deveres

cristãos e, por fim, no altar, no exercício do seu ministério, onde ele exerce a

mediação entre a divindade e a humanidade pecadora. A aliança entre Igreja e

Estado Imperial , a partir do Segundo Reinado, desejava reconduzir o clero às suas

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funções puramente eclesiásticas, retirando-o da sua participação direta no campo

político.122

Para tal empreendimento, os bispos de Mariana e de São Paulo encontraram

o sólido apoio dos Padres da Missão, religiosos europeus que desembarcam no

Brasil com esta função específica. Dom Viçoso, ele próprio lazarista, conta

com a colaboração dos lazaristas franceses, enquanto Dom Antônio Joaquim

conta principalmente com o apoio dos Padres Capuchinhos da província de

Sabóia, na França. Os novos prelados afastam-se decididamente de uma

participação direta nas atividades políticas do país, passando a se dedicar

exclusivamente à sua missão pastoral.123

A diocese de Mariana, tendo à frente D. Viçoso, que além de atuar dentro

das preocupações já mencionadas,

“abre duas frentes de combate: em primeiro lugar contra o próprio governo imperial, opondo ao seu regalismo uma atitude ultramontana de fidelidade irrestrita à Santa Sé; em segundo lugar, contra os maçons e liberais, mantendo uma postura conservadora, autoritária e anti-liberal em matéria religiosa, também aqui fiel às diretrizes de Roma, expressas no longo pontificado de Pio IX(1846-1878)”. 124

Dom Viçoso pretendia a formação de um clero santo, dedicado

exclusivamente à missão religiosa e exigia o não envolvimento deste em questões

políticas. Porém, boa parte do clero nacional encontrava-se imbuída das concepções

liberais e/ou regalistas em termos políticos; muitos deles tinham se envolvido com a

formação política e cultural do país, principalmente na época do Movimento de

122 Cf. LIBÂNIO, J. B. A Volta à Grande Disciplina. São Paulo, Loyola, 1983. 123 Cf. AZZI, Riolando. O Movimento Brasileiro de Reforma Católica Durante o Século XIX. Op. Cit., 650-653. 124MATOS, Henrique C. J. História do Cristianismo – Estudos e Documentos – Vol. IV. Belo Horizonte, direitos reservados, 1990, p. 149.

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Independência e na Regência. Estavam convictos de suas crenças religiosas, mas

tinham um envolvimento com a instituição clerical que deixava a desejar, segundo a

ótica dos bispos reformadores. Estes padres eram conhecidos como clérigos

ilustrados ou iluministas125. Dom Viçoso reprovará a atitude deste clero por não se

dedicar integralmente à pastoral e em razão do seu envolvimento político.

O bispo marianense não deveria apenas reformar o antigo clero para pôr em

prática as reformas e as lutas pretendidas, era preciso também preocupar-se

diretamente com as novas gerações de sacerdotes. Para este último

empreendimento, dedicou todos os esforços na reorganização do seminário

diocesano, convidando os Padres Lazaristas a assumirem a direção do mesmo.

Outro meio utilizado para a implantação da reforma em Minas Gerais por Dom

Viçoso foram as visitas pastorais. Na sua carta pastoral de 05-05-1844, escreve:

“Também se pode considerar um bispo como um servo de todos os seus diocesanos, servo que com a tocha na mão vai para alumiar-lhes o caminho na noite tenebrosa desta vida, notar-lhes os tropeços e precipícios que lhes podem servir de ruína na jornada, até as pôr junto a porta do céu, abrir-lha e entrar com eles”. 126

Através desta ação episcopal tridentina, bem em sintonia com Roma, o bispo

mineiro introduziu um modelo de reforma e fez escola, formando diversos discípulos

que prosseguiram fiéis aos rumos por ele traçados em várias dioceses no Brasil, que

chegou a contar com 12 circunscrições eclesiásticas no Império.

Tal modelo de reforma eclesiástica será introduzido em Juiz de Fora somente

no ano de 1890, ano da morte do padre Tiago Mendes Ribeiro, estando à frente do

125 Cf. WERNET, Augustin. A Igreja Paulista no Século XIX. São Paulo, Ática, 1987. 126 VIÇOSO, Antônio Ferreira. Pastoral. Mariana. In: MATOS, Henrique C. J. História do Cristianismo – Estudos e Documentos . Op. Cit., p.152.

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governo diocesano neste momento Dom Antonio Maria Corrêa de Sá e

Benevides(1876-1896), que atacado por várias enfermidades, entrega efetivamente

a Dom Silvério Gomes Pimenta(1890-1922), Bispo Auxiliar, o governo da diocese.

Em 1890, a reforma eclesiástica não sofre mais as ingerências do Estado, já que a

separação da Igreja e do Estado acabara de se consolidar com o advento da

República em 1889 e com o decreto de Separação, de janeiro de 1890.

Dom Silvério127 foi o primeiro bispo sagrado após a proclamação da

República. A cerimônia se deu em São Paulo por estarem reunidos nesta cidade, em

agosto de 1890, quase todos os bispos brasileiros, que em reuniões de estudos

buscavam posicionar-se diante da nova situação colocada à Igreja pelo decreto que

oficializou a separação entre Igreja e Estado. “Tornou-se a principal figura do

episcopado na liderança do movimento reformador nos primeiros lustros da

República. Foi o redator dos principais decretos do episcopado nesse período.”128

Formado em Mariana, fiel discípulo de Dom Viçoso, herdando-lhe plenamente

o espírito reformador, garantiu a estabilidade e a continuidade da Reforma Católica

em Minas Gerais. Assim, foi sob o báculo deste bispo que a Igreja de Juiz de Fora

passou de um catolicismo de tradição lusa, de caráter predominantemente leigo,

para um catolicismo romano e clericalizado. Em 1922, ano de sua morte, a Igreja

local encontrava-se em sintonia com o movimento reformador em âmbito tanto

127 Sobre a vida e a obra de Dom Silvério existe uma vasta bibliografia. Ver ASSIS, Antônio Augusto. Os últimos dias de D. Silvério. Mariana, Tipografia Arquiepiscopal, 1922; SOUZA, Joaquim Silvério de. Vida de Dom Silvério Gomes Pimenta, 1o Arcebispo de Mariana. São Paulo, Escolas Profissionais do Liceu Coração de Jesus, 1927; OLIVEIRA, Alípio Odier de. Traços Biográficos de D. Silvério Gomes Pimenta , 1o Arcebispo de Mariana. São Paulo, Escolas Profissionais Salesianas, 1940; ORTIZ, Benedito. O Arcebispo Negro: Ensaio de uma Síntese da Vida e Obra de D. Silvério Gomes Pimenta. Petrópolis, Vozes, 1942, entre outras. 128 AZZI, Riolando. O Movimento Brasileiro de Reforma Católica Durante o Século XIX. Op. Cit., p. 652.

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nacional quanto da Igreja Católica em geral, cabendo ao seu sucessor, Dom

Helvécio Gomes de Oliveira, a criação da diocese de Juiz de Fora, realizada em 01

de fevereiro de 1924.

A Reforma Católica Ultramontana transplantada tardiamente para a cidade de

Juiz de Fora, a partir de 1890, sob o báculo episcopal de Dom Silvério pode ser

analisada a partir de três eixos que lhe deram sustentação: a ação do clero

diocesano, a força das congregações religiosas e a participação dos leigos. Na

realidade estes elementos se inter-relacionam num todo único: o processo de

construção de uma identidade católica reformada na cidade.

3.1- Afirmação do clero diocesano reformado

A construção de uma nova identidade para a Igreja de Juiz de Fora resulta da

recuperação de elementos positivos já presentes, da negação das falhas e limites

desta herança e da implantação das orientações reformadoras. Assim, se durante o

episcopado de Dom Antônio Ferreira Viçoso as visitas pastorais à paróquia de Santo

Antônio não eram muito comuns, ao contrário, Dom Silvério “realizava aqui quase

anualmente o retiro de uma parte de seu clero(...) recrutando todos os seus padres,

vigários e curas de almas dessa parte sul de sua arquidiocese”.129

Nesse sentido nos interessa perceber como no processo de criação de uma

nova identidade religiosa, a presença do bispo reformador atuou como um

socializador no enquadramento do clero no novo projeto, como uma primeira etapa

do desenvolvimento de sua ação com relação aos fiéis.

129 OLIVEIRA, Francisco Maximiano. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo II. Juiz de Fora, Gráfica Esdeva, 1978, p. 15.

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Além dos retiros anuais, os livros de tombo registram a presença do bispo

diocesano na cidade em outras ocasiões, por motivo das mais diversas naturezas. A

autoridade pastoral faz-se assim presente em momentos de dificuldade e de

festejos, demonstrando ser um bispo de grande zelo apostólico.

Devido à posição geográfica de Juiz de Fora, caminho de Mariana para o Rio

de Janeiro, sua presença se torna uma constante, os registros revelam que: “Dom

Silvério, que ontem chegou e pernoitou(...) Amanhã(...) sairá para Petrópolis e dalí

para Roma.”130 Ou ainda, “O nosso bispo, Dom Silvério, que chegou por acaso à

cidade e passou a noite num hotel, celebrou aqui cedo e deu às irmãs a sua

benção.”131

Estas notas, além de registrar a freqüência das visitas e das passagens do

bispo pela cidade, revelam também o exercício de seu múnus episcopal, elemento

fundamental na formação da nova identidade católica que marca o reforço da

autoridade episcopal junto ao clero e aos fiéis. Sua presença na cidade é registrada

até o ano de 1921; a última visita pastoral ocorreu “um ano antes de sua morte(...)

veio a Juiz de fora presidir os exercícios espirituais do clero.”132

Vale ressaltar o destaque que é dado à cidade ao sediar o Primeiro

Congresso Católico Mineiro, realizado na Academia de Comércio entre 01 e 06 de

janeiro de 1910. Nele se reuniram os católicos de projeção de toda a arquidiocese,

sendo a comissão central formada por representantes vicentinos de Juiz de Fora e

130 CMIJF - AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894 -1923). Cópia, p. 56. 131 Idem, p. 45 v. 132 OLIVEIRA, Francisco Maximiano. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo II. Op. Cit., p. 15.

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de Ouro Preto 133. E, no final do período que elegemos para este trabalho, em 1923,

sob o báculo episcopal de Dom Helvécio Gomes de Oliveira, no mesmo local:

“Realizou-se mais uma vez a importante Conferencia dos Exmos Snrs Bispos da Archidiose de Marianna. Coube a Juiz de Fora tão subida honra. Estiveram presentes na sessão inaugural, no dia 19 de Abril os seguintes Prelados: o Exmo Snr D. Henrique Gasparri, DD. Nuncio Apostolico; O Exmo Snr Helvecio Gomes de Oliveira, nosso digno Arcebispo, os Exmos Srs D. João de Almeida Ferra, Bispode Campanha; D. Carloto Fernandes Tavora, de Caratinga, D. Octavio Chagas de Miranda, de Pouso Alegre; D. Manoel Nunes Coelho de Aterrado; D. Ranulpho da Silva Faria, de Guaxupe, D. Antonio dos Santos Cabral de Bello Horizonte; e D. Manoel Gomes de Oliveira, de Goyas. Foram recebidos com os mais puros sentimentos de alegria de fé e sympathia pela população de Juiz de Fora.”134

Fazer-se presente à frente de seu rebanho, não descuidar do zelo pastoral e

prestigiar a cidade como sede de encontros importantes, talvez por considerar bem

avançado o processo de reforma na cidade, são aspectos que devem ser

considerados como elementos positivos da obra, inicialmente de Dom Silvério e,

posteriormente, do seu sucessor, Dom Helvécio.

Ao lado deste aspecto fundamental, da presença do bispo, o enquadramento

do clero na construção da nova identidade se torna outro fator primordial. Assim, a

escolha de padres em sintonia com o processo reformador foi preocupação do

pastor logo no início. No contexto das celebrações da Semana Santa de 1891

observamos o seguinte artigo:

“Terão começo hoje os actos da Semana Santa , havendo bençam de Ramos, procissão em roda da egreja, textos e missa solemne, ocupando a tribuna sagrada o revd. Vigario dr. Venancio Café.(...) Entre os sacerdotes, que se farão ouvir na tribuna durante as solenidades, notámos com verdadeira estranheza e sincero pezar que não tenha sido incluido o provecto orador sagrado,

133 Primeiro Congresso Cathólico Mineiro – Trabalhos e Resoluções. Ouro Preto, Typ. d’O Regenerador, 1910. 134 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p. 74v-75.

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revd padre-mestre João Roussin, cuja eloquencia é justamente apreciada pelos nossos conterraneos. È realmente lamentavel que se tenha dado semelhante lacuna, sabendo-se que aquelle sacerdote, como pessoalmente nos disse, prestava-se de boa vontade a tomar parte nas referidas solenidades.”135

O descontentamento do editor do jornal evidencia o lamento de toda a

sociedade juizforana com a medida de afastamento do padre, porém, falta -lhes o

entendimento de que no novo projeto, que começava a se firmar na cidade, a

presença de sacerdotes ligados a movimentos da política não são mais bem vindos.

O padre-mestre João Baptista de Souza Roussin participava ativamente da política

local, tendo sido eleito vereador, e conforme nos indica o mesmo jornal, chegado à

presidência da Câmara Municipal no ano de 1885.136

O afastamento do padre das celebrações desta Semana Santa de 1891 leva à

reação de parte da sociedade numa atitude bastante tradicional:

“Ante-hontem, por ocasião de sair da matriz a procissão do Enterro, quebrou-se a imagem de N. S. das Dores, que por isso, foi immediatamente recolhida á egreja.

Numerosas pessoas que se achavam no atrio da egreja, disseram que havia muita relação de dependencia entre aquelle incidente e o facto de não ter sido convidado a tomar parte nos festejos da Semana Santa o ilustrado João Baptista Roussin.”137

A mentalidade do povo manifestava uma certa confusão entre as fronteiras do

sobrenatural e das realidades terrestres. Os religiosos reformadores consideravam

que essas massas viviam mergulhadas na noite da ignorância religiosa e da

superstição. As fantasias humanas não tinham limites no seu processo de

criatividade. Este é, em parte, o clima religioso que o bispo Dom Silvério irá

encontrar ao encetar as primeiras medidas reformadoras na cidade.

135 SMBMMM – O Pharol, Ano XXV, 22 de Março de 1891. 136 SMBMMM – O Pharol, Ano XIX, 24 de Janeiro de 1885. 137 SMBMMM – O Pharol, Ano XXV, 29 de Março de 1891.

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Nos primeiros anos da década de 1890, a escolha de três sacerdotes

impulsionou o movimento na paróquia de Santo Antônio em Juiz de Fora, são eles:

Padre Dr. Venâncio Ribeiro de Aguiar Café, Padre Júlio César de Moraes Carneiro e

o Padre João Emílio Ferreira da Silva.

O primeiro, Pe. Café, fez seus estudos secundários no Colégio do Caraça,

transferindo-se em seguida para o seminário de Diamantina onde iniciou sua

formação sacerdotal já dentro do espírito ultramontano. O seminário era dirigido pelo

lazarista francês Francisco Xavier Bartolomeu Sipolis. Ordenado sacerdote em 1873,

foi designado como pároco de sua cidade natal, a freguesia de Nossa Senhora do

Porto de Ganhães.138

Sua atuação na cidade do Porto de Ganhães não nos revela ainda um pároco

completamente identificado com o modelo reformador ultramontano, chegando,

inclusive, a ser eleito Deputado Estadual, em 1880, pelo Partido Liberal. Em 1886

transfere -se para Diocese de Mariana, vindo a residir em Juiz de Fora.139

A passagem por Juiz de Fora neste período foi breve, já que dois anos após

sua chegada à cidade, seguiu o Pe. Café para Roma. Sua passagem por Roma nos

revela um quadro de aperfeiçoamento nos estudos eclesiásticos:

“A Cúria de Mariana possue o registro de seus títulos acadêmicos mais importantes obtidos em Roma: o de Doutor em Sagrada Teologia, conferido -lhe aos 19 de dezembro de 1889 e o de Doutor em Direito Canônico, passado aos 29 de março de 1890 pela Universidade Pontifícia de Santo Apolinário. Durante sua estada em Roma lecionou no Colégio Pio Latino-Americano onde se hospedou como aluno e trabalhou como professor.”140

138 Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Juiz de Fora, Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora, 2001, p. 101. 139 Cf. AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. A Evolução do Catolicismo em Juiz de Fora(1741-1925). Juiz de Fora, Revista Rhema, n. 10, 1997, p. 112. 140 Idem, Ibid. p. 113.

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Sua permanência em Roma reforçou-lhe o espírito do catolicismo reformado

e, ao retornar ao Brasil, assumiu plenamente seu compromisso com este modelo.

Em 1890, foi nomeado vigário da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora,

tomando posse a 18 de junho do mesmo, substituindo o Pe. Tiago recentemente

falecido.141

Sua primeira ação foi a criação do Jornal Lar Cathólico. O primeiro número

circulou em fevereiro de 1891 e o último em setembro de 1892. Apesar da curta

duração, foi através deste jorna l que o Pe. Dr. Café, redator chefe, pôde veicular

suas idéias renovadoras e reformadoras, tentando doutrinar os fiéis ainda pouco

romanizados e divulgar os documentos de Roma e do Episcopado Nacional.

O Jornal Lar Catholico que nasceu na conjuntura do estabelecimento da

República brasileira, acentuadamente positivista, maçônica, liberal e anti-clerical,

encontrou em Juiz de Fora um campo fértil no sentido da defesa dos interesses

católicos na cidade. Muitos destes que a Igreja considerava seus “inimigos”, já se

encontravam presentes na cidade e suas instituições bem organizadas. A luta

contra eles traduzia-se no jornal pelo tom apologético, guerreiro, de defesa da Igreja

e dos seus dogmas.

A Constituição de 1891 abriu espaço para a liberdade de ação dos diversos

cultos. Sobre esta questão o jornal traz o seguinte comentário:

“Liberdade de cultos , é um termo equivoco, um laço armado, contra a religião catholica.(...) Um governo, pois, que admitte a liberdade de cultos , admitte a confusão, consagra a perseguição contra a religião catholica, e se colloca, em relação á religião – em estado atheu”142

141 Cf. Capítulo I, p. 64 -72. 142 CMIJF – AHPHOF. Isaho. X. D - Jornal Lar Catholico. Anno I, N. 14, 19 de Março de 1891, p. 3, Cópia.

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De acordo com a linha de atuação do episcopado brasileiro, o jornal procurou

reagir àquelas questões fundamentais para a Igreja naquele primeiro momento do

rompimento do sistema de cristandade, herdado da colônia. O casamento civil é

visto pelo redator como a “mancebia civil, ou o que elles chamam, por verdadeira

injuria da palavra, casamento civil.”143 O cemitério na cidade de Juiz de Fora que já

se encontrava em poder do município desde a década de 1870, volta à tona por

ocasião da secularização dos cemitérios no início da República, destacando que:

“A moderna theoria da neutralisação dos cemiterios, dando logar á promiscuidade das sepulturas, onde se enterrem os mortos pertencentes a todos os cultos, e mesmo aquelles que morrem na impiedade e no atheismo, tira ás necropoles catholicas o seu caracter sagrado e religioso, e derrocando o Cruzeiro, que lhes é indispensavel, destróe este eloquente signal da communhão ou solidariedade da Egreja dos vivos com a dos mortos.

Para a Egreja, portanto, a secularização dos cemiterios é uma horrivel profanação de seu culto divino, e um atroz attentado ás suas leis santas.”144

Além desta típica reação às novas leis que se colocavam com a separação

entre Estado e Igreja, o jornal do Pe. Dr. Café trazia também uma defesa

contundente dos dogmas e da disciplina da Igreja, alertando, por exemplo, para a

importância do celibato eclesiástico com as seguintes palavras:

“O sacerdote, com efeito, que pertence a uma mulher, não pertence mais a seu rebanho, nem bastantemente a si proprio. Com o cuidado em seus filhos não se deixaria jamais levar pelos movimentos de seu coração: a esmola, a attenção, o conselho ás ovelhas, tudo seria prejudicado.”145

A preocupação em elevar o nível moral do clero, fundamental no processo

reformador, recebe neste sentido atenção especial do redator. Porém, outros

elementos estruturais da reforma como a luta pela prática religiosa dos fiéis merece

143 Idem, 18 de Outubro de 1891. 144 Idem, 22 de Fevereiro de 1891. 145 Idem, 05 de Novembro de 1891.

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destaque em diversos artigos intitulados “Deveres Christãos”, assinados pelo padre

Franco. Num deles argumenta:

“Eu sou christão porem não pratico. A referida maxima é mais que uma contradição; é um atheismo pratico; porque quem, professando -se catholico, não exercita as praticas do culto de sua religião, por qual outra maneira honra a Divindade?”146

O certo é que a organização dos fiéis em torno das novas associações

religiosas, típicas deste período, ainda não existia neste primeiro ano da presença

do movimento reformador em Juiz de Fora, o que parece aos olhos do padre como

uma dificuldade para uma prática mais sistemática dos deveres religiosos.

Para fechar a análise do jornal o Lar Catholico vale destacar a tese da

infalibilidade da Igreja e do Papa, cujos princípios são assim descritos:

“A infallibilidade da Egreja é o dom sobrenatural que Nosso Senhor Christo lhe fez, em virtude do qual ella não póde errar em materias de doutrina e de crença.

A infallibilidade da Egreja é o signal supremo da divindade de sua missão. Se Jesus Christo é Deus, e se a Egreja Catholica é a sua Egreja, segue-se que ella deve possuir a infallibilidade, isto é, a soberania do ensino.”147

Na mesma linha afirma:

“A infallibilidade doutrinal do Chefe da Egreja acha-se tão claramente ensinada no Evangelho, que realmente não se póde conceber, como a não viram lá certos espiritos sérios. Para semelhante evidencia, foi mister lançar mão de todas as sutilezas da trapaça, de todas as argucias manhosas do orgulho, que se não quer submetter.”148

Desta forma, o Pe. Dr. Café confirma, através do seu jornal, uma das tônicas

principais do pensamento ultramontano, ou seja, a Igreja romana como a única

representante verdadeira de Deus no mundo, não podendo existir liberdade para

opção alternativa. Esta perspectiva teológica de exclusividade da fé católica glorifica,

146 Idem, 11 de Junho de 1891. 147 Idem, 03 de Setembro de 1891. 148 Idem, 24 de Setembro de 1891.

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consequentemente, o dogma da infalibilidade pontifícia149, que se traduz na

possibilidade de uma diretriz segura e infalível, em matéria de dogma e de

costumes, nos múltiplos caminhos da história.

Provavelmente por falta de leitores, o periódico não conseguiu sobreviver,

porém confirma-nos o espírito reformador do Pe. Dr. Café que permaneceu à frente

da Igreja Matriz de Santo Antônio até a sua morte, ocorrida no ano de 1898.

O segundo padre citado, Júlio César de Morais Carneiro, natural de Angra

dos Reis-RJ, formou-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São

Paulo, no ano de 1874. Passou a ocupar o cargo de Promotor Público na cidade de

Mar de Espanha, em 1876, aproximando-se de Juiz de Fora. Em Mar de Espanha,

casou-se em 1877 com Ana Clementina Rothier Duarte que vem a falecer, ainda

jovem, dando à luz a uma menina. Casou-se novamente com Joana Batista de

Menezes Carneiro, com quem teve mais três filhos. Em 1884, mudou-se para a

cidade de Rio Novo e passa então a frequentar a Igreja e os sacramentos. Neste

período, começa a manifestar seu ideal apostólico. Após as missas dominicais,

expõe a doutrina católica que passa a anunciar com paixão. Viúvo pela segunda

vez, em 1889, ingressa no Seminário Maior de Mariana. Enfim, sua história de vida

nos revela um caso raro na Diocese de Mariana.150

Sua formação sacerdotal no Seminário Maior de Mariana, considerado um

modelo na formação reformada, será dirigida pelo reitor lazarista Pe. João Batista

Cornaglioto. Ordenado em 29 de novembro de 1891, aos 41 anos, passaria a

149 Este dogma foi proclamado pelo Concílio Vaticano I(1869-1870), sendo então uma questão muito cadente até para os próprios católicos. 150 Cf. AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. A Evolução do Catolicismo em Juiz de Fora(1741-1925). Op. Cit, p. 118-9

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assinar Júlio Maria em homenagem a Nossa Senhora. Em 1892, inicia sua vida

sacerdotal em Juiz de Fora como capelão da igreja de São Sebastião.151

Sua atuação evangelizadora em Juiz de Fora orientava-se para dois temas

centrais: 1) a ênfase na Eucaristia e na comunhão sacramental, denunciando a “falta

de consciência” da devoção popular; 2) a necessidade da confissão sacramental.

O ano de 1895 encontra a paróquia num crescente movimento reformador. O

Pe. Júlio Maria faz uso da imprensa liberal na tentativa de convencimento dos mais

recalcitrantes na prática dos deveres cristãos, como neste pequeno artigo intitulado:

“Capela de São Sebastião: o confessor diário”, no qual anunciava à cidade que:

“Resolvi impor a mim próprio a obrigação que, desde hoje, 5 de fevereiro, assumo perante a população de, diariamente, salvo caso de força maior, conservar-me na Capela de São Sebastião das 6 às 7 horas da tarde. Com resultado ou sem ele, mas em todo o caso para a glória de Deus e salvação das almas, fica assim instituido desde hoje, naquela capela – O confessor diário – (...) Um meio cômodo e facílimo de cumprir o preceito sem cujo cumprimento não há vida cristã nem a mínima garantia de salvação e é dirigido a todos: à senhora, o negociante, o operário, o empregado público, o escolar, o caixeiro, o criado, o industrial, o artista, o homem de letras, o professor – qualquer desses poderia muito facilmente sem aparatos e nenhum acanhamento, procurar o confessionário.”152

Numa época em que a religião era considerada coisa para mulher, podemos

perceber que o esforço de confessor diário do Pe. Júlio Maria estava diretamente

direcionado aos homens, visto que estes temiam ser ridicularizados ao se

aproximarem do confessionário. Era preciso renovar o sentido religioso da

comunidade que se encontrava em estado lastimável quanto à evangelização,

segundo a opinião dos reformadores ultramontanos.

151 AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1959). Op. Cit., p. 103-4. 152 Cf. AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. A Evolução do Catolicismo em Juiz de Fora(1741-1925). Op. Cit. p. 124.

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Desta forma, o Pe. Júlio foi o braço direito de Pe. Dr. Café no exercício de

transmitir aos católicos a essência da fé, sendo orador sacro em quase todos os

acontecimentos importantes da paróquia e da cidade. Em decorrência da sua

capacidade intelectual, direcionava seus sermões às elites locais, objetivando

fornecer um substrato racional para sua crença religiosa.

Entretanto, o pensamento e ação do Pe. Júlio Maria não se restringia ao

espaço da sacristia e de Juiz de Fora. Vai muito além das fronteiras do modelo do

clero piedoso, limitado aos recônditos da sacristia, cumprindo seu ofício litúrgico,

distante do novo mundo que se anunciava, impulsionado pelas descobertas da

ciência e da técnica. Nesse sentido apresenta-se como parte de um clero culto e

audacioso, que se atreve a discutir no púlpito as exigências dos novos tempos,

principalmente no que se refere à nova situação da Igreja Católica diante do governo

republicano.

A partir de 1894, seu âmbito de ação se amplia, iniciando uma série de

conferências nas principais cidades de diversos estados brasileiros. Os principais

temas de suas conferências são sintetizados por João Fagundes Hauck da seguinte

forma:

“mostrava a possibilidade de acordo entre o sistema democrático e a Igreja, entre o clero e a república; lembrava que a Igreja não é contra a ciência e o progresso; insistia muito na necessidade de a igreja assumir a causa do povo, ocupando-se dos assuntos políticos, econômicos e sociais; exigia que a pregação da Igreja não se restringisse a panegíricos, mas fosse encarnada na realidade social.”153

Na mesma linha de referência ao pensamento do Pe. Júlio Maria, José Oscar

Beozzo, com muita acuidade, analisa seu pensamento teológico como um retorno

153 Cf. AZZI, Riolando. O Estado Leigo e o Projeto Ultramontano. Op. Cit., p. 105.

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parcial às teses do clero liberal dos fins do século XVIII e início do XIX, porém, com

fundamento nas próprias diretrizes da Santa Sé e baseando-se, principalmente nas

teses de Leão XIII, procura justificar que a Igreja não deve se opor a nenhuma forma

de governo, mas apenas na recusa de leis constitucionais que se oponham aos

interesses católicos.154

O ano de 1905 marca a entrada do Pe. Júlio Maria para a comunidade da

Congregação do Santíssimo Redentor, onde, apesar de todas as resistências,

tornou-se o primeiro sacerdote redentorista brasileiro155. Em 1907 foi transferido para

o Rio de Janeiro e continuou fazendo fama com seus sermões, muitos deles

dirigidos principalmente aos positivistas, agnósticos e intelectuais ateus. Morreu em

1916 no Rio de Janeiro.

Para completar o quadro dos três primeiros padres reformadores da paróquia

de Juiz de Fora, vale destacar a presença do sacerdote João Emílio Ferreira da

Silva. Nascido em 1863 na cidade de Queluz(hoje Conselheiro Lafayette). Iniciou

seus estudos em Congonhas cursando Humanidades, transferiu-se para o Seminário

de Mariana sendo ordenado por Dom Antônio Maria Corrêa de Sá e Benevides no

ano de 1886. Em 1888, já se encontrava em Juiz de Fora onde foi Capelão de São

Sebastião, dos Passos e da Santa Casa de Misericórdia e, após a morte do Pe.

Tiago Mendes Ribeiro, exerceu o cargo interino de vigário da Matriz de Juiz de

Fora.156

154 Idem, Ibid. p. 105-6. 155 Cf. WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Vol. I. Aparecida, Editora Santuário, 1995, p. 240-245. 156 Cf. AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. A Evolução do Catolicismo em Juiz de Fora(1741-1925). Op. Cit., p. 87.

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Vale observar que os três sacerdotes, que se encontravam neste momento

inicial da reforma católica da Igreja de Juiz de Fora, possuem uma

característica comum: são homens de cultura bastante elevada, uma necessidade

para a afirmação da reforma junto à elite burguesa que se afirmava neste centro

urbano em crescimento.

Ao Padre João Emílio coube a tarefa de coordenar a ação social da paróquia

de Juiz de Fora. Sua grande obra, “Associação Protetora da Probreza”, tinha como

objetivo abrigar os mendigos que vagavam em grande número pelas ruas da cidade,

consequência da abolição da escravidão, urbanização acelerada, industrialização e

êxodo rural, fenômenos presentes em Juiz de Fora no final do século XIX e início do

século XX.

A solução encontrada pelo Pe. João Emílio seguia a orientação apresentada

pelos documentos pontifícios, os quais pedem que:

“Appliquem a isto os ministros sagrados todas as forças de sua alma e todas as industrias de seu zelo; e, que sob a auctoridade de vossas palavras e de vossos exemplos, Veneraveis Irmãos, não cessem de incutir nos homens de todas as classes as regras evangelicas da vida christã; com todo o seu poder trabalhem para a salvação dos povos, e mais que tudo se esforcem por nutrir em si mesmos e em excitar outros a caridade, rainha e mestra de todas as virtudes.”157

Com efeito, trata-se da encíclica Rerum Novarum de Leão XIII(1878-1903),

que segundo Francisco J. S. Gomes:

“foi a primeira intervenção oficial do magistério da Igreja católica sobre a Questão Social.(...) A encíclica surgiu tardiamente, recorre a uma argumentação abstrata(da neo-escolástica), está presa nostalgicamente a um modelo retrospectivo de sociedade – a sociedade rural e artesanal da Cristandade medieval pré-capitalista – e contém considerações moralizantes. A bem da verdade, a RN foi inspirada em parte

157 CMIJF – AHPHOF – Documentos Pontifícios. Carta Encíclica “Da Condição dos Operários” do Papa Leão XIII. Roma, 15 de maio de 1891. Traduzida e publicada pela Typografia de J. A. R. de Moraes, Mariana-MG, p. 50.

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pelo temor de que os operários católicos aderissem ao socialismo.”158

Ainda no ano de 1890, o Pe. João Emílio lança a campanha para a

construção de um “Asilo de Mendigos”. Chegou a receber a doação de um

terreno próximo à Igreja do Rosário para a obra, porém, uma comissão da

Sociedade de Medicina julgou inadequado o local para a construção, alegando o

perigo de disseminação de doenças contagiosas. Confirma-se a preocupação de um

grupo de engenheiros e médicos sanitaristas, presentes na cidade no final do século

XIX, conforme ressaltamos no capítulo I, que tinham preocupações em construir uma

cidade como modelo ideal, onde as obras eram planejadas e discutidas dentro dos

preceitos da modernidade.

Entretanto, numa época em que a filantropia era prática comum das elites

dirigentes, não parece ter sido difícil para o padre conseguir outro terreno. O jornal

local registra que:

“O infatigável Padre João Emílio, depois de grandes dificuldade e dissabores, conseguiu ontem, da generosidade do Sr. Comendador Gervásio Antônio Monteiro da Silva, o terreno necessário para a fundação do asilo de mendigos, tendo-se passado a competente escritura de doação. O terreno é situado no prolongamento da Rua Direita, junto à chacara do Revm o Padre João Roussin, a sua área é de 27.600 metros quadrados. Devem, pois, começar em breve as obras de construção do asilo que tantos benefícios vai prestar aos desprotegidos da sorte.”159

Em artigos publicados no mesmo jornal sob o título “As Instituições de

Caridade”, o sacerdote busca nas mulheres apoio para a sua obra. Ressalta a

158 GOMES, Francisco José S. Verbete Rerum Novarum . In: SILVA, Francisco Carlos T. da, MEDEIROS, Sabrina E., VIANNA, Alexandre M. Dicionário Crítico do Pensamento da Direita: Idéias, Instituições e Personagens. Rio de Janeiro, FAPERJ -Mauad, 2000, p. 395-396. 159 SMBMMM – O Pharol, Ano XXV, 20 de Março de 1891.

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importância de sua generosidade observando que: “Onde não está a mulher, chora e

geme o pobre”160 Nos textos fica evidente que o padre não é capaz de discernir as

causas sociais e econômicas que geram o empobrecimento de muitos

membros da sociedade. O pobre aparece como um modo de ser e estar no

mundo, onde tudo é vontade de Deus. Inscrevia-se portanto na mentalidade

dominante na época. Faleceu no ano de 1899.

Estruturava-se, desta forma, em Juiz de Fora, o esquema eclesiológico

tridentino: o Papa em Roma, Dom Silvério em Mariana e os ilustres padres em

Juiz de Fora. Porém, este esquema de afirmação dos padres diocesanos teve na

paróquia de Juiz de Fora vida efêmera, devido à morte prematura do Pe. Café(1898)

e do Pe. João Emílio(1899) e a transferência do Pe. Júlio Maria para o Rio de

Janeiro, sendo seus postos ocupados progressivamente por religiosos europeus.

Para finalizar, vale ressaltar que os sacerdotes que estavam à frente da

implantação das diretrizes reformadoras em Juiz de Fora encontravam-se afastados

da participação da vida política. Mas aos poucos desenvolveram-se relações

amistosas com o poder civil, como podemos observar pela correspondência do

Padre Frederico Hellenbrock, pároco da Igreja Matriz nos anos de 1900-1908,

enviada ao Presidente da Câmara Municipal, nestes termos:

“Em resposta á consulta que V. Exa. teve occasião de fazer -me sabado p. cumpre-me communicar-lhe que desejo que o pagamento das quotas da Loteria Mineira seja feito mensalmente. E quanto á reconstrução do paredão espero – depois se ser pago as dividas da Matriz que são cerca de 3:000$000 Rs – achar um meio que esteja ao alcance meo para assumir a responsabilidade de uma obra, cuja execução exige certos e sufficientes recursos. A Matriz não os tem, a não ser a subvenção da Loteria Mineira, cujo producto é destinado principalmente para a conservação do adro e do edificio da egreja. Iniciarei os trabalhos logo que estiver nas

160 SMBMMM - O Pharol, Ano XXVIII, 12 de Março de 1894.

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condições de fazel-o. Certo que V. Exa. Reconhecerá a prudencia d’esta medida, que a situação financeira me dicta, subscrevo-me com toda estima e consideração.”161

Assim, podemos concluir que a concepção tridentina que permeia a

implantação do processo reformador em Juiz de Fora é fundamentada na

cooperação entre os dois poderes. A vinculação deste empreendimento da Igreja

com o poder civil fazia-se de muitas maneiras e, como podemos observar nesta

nota, a Igreja juizforana pôde contar com os recursos do Estado.

3.2- A força das congregações religiosas

Uma das principais características do movimento de Romanização e Reforma

Católica Ultramontana no Brasil foi a colaboração de novos institutos vindos da

Europa. A Pastoral Coletiva de 1901 destaca que:

“È de maximo proveito para o progresso espiritual das dioceses, no clero e no povo, a existencia de Ordens e Congregações Religiosas, principalmente das que se dedicam às missões urbanas e ruraes; por conseguinte os Srs. Bispos procurarão os meios praticos de ter em suas dioceses residenciais desses missionarios e lhes prestarão todo o auxilio moral que hajam mister para bem se dedicarem ao seu sancto ministerio.”162

Neste contexto, encontramos em Juiz de Fora a presença de duas

congregações masculinas: os redentoristas holandeses e os verbitas alemães; e três

congregações femininas: as religiosas de Santa Catarina, as Servas do Espírito

Santo e as do Bom Pastor, que confirmam a orientação reformadora.163

161 AHMJF – Fundo Câmara Municipal República Velha. Série 226(Igreja Matriz) 162 CMIJF – AHPHOF. Documentos episcopais. Carta Pastoral Collectiva de 1901, Rio de Janeiro, Typografia Leuzinger, 1902, p. 70-71 163 Vale destacar que estiveram presentes também em Juiz de Fora os Salesianos e as Irmãs da Congregação de Nossa Senhora do Sion, porém, não permaneceram na cidade. Os Salesianos, em 1900, quando receberam a doação da Academia de Comércio, porém transferiram a doação para a Congregação do Verbo Divino em fevereiro de 1901. As Irmãs da Congregação de Nossa Senhora do Sion desembarcaram no final da década de 1890, chegaram a ter um colégio na cidade, que foi fechado no ano de 1900 em consequência da febre amarela

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Os primeiros missionários a se estabelecerem em Juiz de Fora, foram os

padres holandeses da Congregação do Santíssimo Redentor, fundada por Santo

Afonso Maria de Ligório, formando assim sua primeira comunidade no Brasil, em

1894.164 O primeiro pedido de missionários redentoristas foi feito em 1843 pelo

padre Antônio Ferreira Viçoso, poucas semanas antes de ser nomeado bispo de

Mariana, diocese da qual tomaria posse em 1844. Dom Viçoso pedira missionários

redentoristas para pregar as Santas Missões na diocese de Mariana e ensinar

Teologia no Seminário de Mariana. Não tendo sido aceito o convite, o bispo volta a

insistir entre 1857/58. Posteriormente, outros bispos brasileiros também fizeram

pedidos à Congregação do Santíssimo Redentor para obter misssionários.165

Na continuação da obra reformadora de Dom Viçoso, Dom Silvério, entre

outras medidas, empenhou-se com obstinação em obter congregações religiosas

para sua diocese e, com a Separação entre Estado e Igreja, estava aberta a

possibilidade da entrada destas. Assim, “na última década do século XIX se

estabeleceram na diocese de Mariana os salesianos em Cachoeira do Campo, as

filhas de Maria Auxiliadora em Ouro Preto e Ponte Nova, os maristas em Congonhas

do Campo e os redentoristas em Juiz de Fora”166

Além de Juiz de Fora foi oferecida, como local para a fundação da

comunidade redentorista, a cidade de Congonhas do Campo, local de peregrinação

que assolou o município. Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p. 121-124, 155-156. 164 Os primeiros padres holandeses chegaram em Mariana em 1893, foram eles: Matias Tulkens e Francisco Xavier Lohmeyer. Cf. WERNET, Augustin, Os Redentoristas no Brasil. Vol. I. Op. Cit., p. 14. 165 Cf. WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Vol. I. Op. Cit., p. 10-11. 166 AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p. 96.

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popular. Os motivos da escolha de Juiz de Fora são assim descritos no livro de

crônicas da casa dos redentoristas:

“Primeiro porque Congonhas ficava à distância de mais ou menos duas horas e meia da estrada de ferro com caminhos péssimos ao passo que havia em Juiz de Fora duas estações. Segundo porque Congonhas, fora do tempo das romarias em setembro, não haveria bastante serviço o que haveria de sobra em Juiz de Fora durante o ano todo. Finalmente porque era impossível chegar a um entendimento com a irmandade que em Congonhas administrava os rendimentos do santuário.”167

Com a escolha da cidade de Juiz de Fora, o Pe. Matias Tulkens, primeiro

redentorista a chegar à cidade, deixou Mariana e passou a residir em Juiz de Fora

ainda em dezembro de 1893, sendo hospedado inicialmente na residência do Pe.

Dr. Café, vigário da Matriz. Em carta pastoral de 1895, Dom Silvério se dirige aos

fiéis de Juiz de Fora:

“Aos fiéis da ilustre cidade de Juiz de Fora e de sua Comarca Eclesiástica, Saúde, Paz e Benção em Jesus Cristo Nosso Senhor. Há mais de um ano pudemos obter para esta diocese os primeiros filhos de Santo Afonso de Ligório e foi a opulenta Juiz de Fora o primeiro teatro escolhido pela misericórdia providência, para o centro das operações de tão insignes campeões da Religião de N. Senhor Jesus Cristo.

Desde o princípio de seu episcopado desejou o Sr. D. Antônio Ferreira Viçoso; de saudosíssima memória, introduzie entre nós os Congregados Redentoristas de Santo Afonso de Ligório; e para isto deu passos tão acertados que já estava quase resolvida a vinda deles, quando uma dificuldade posta pelo governo então da Itália foi causa que tudo se suspendesse. Não era chegada a hora determinada nos conselhos de Deus. Quase 50 anos depois, governando a diocese, o ilustre sucessor de D. Viçoso, o Exmo. Sr. D. Antônio Maria Corrêa de Sá e Benevides, em cujo nome por cuja autoridade vos falo, podemos alcançar o por que suspirava D. Viçoso; e aí temos já a primeira colônia desses obreiros da vinha santa.”168

167 CMIJF – AHPHOF. Livro de Crônicas da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923). Cópia. p. 13. 168 Citado por OLIVEIRA, F. Maximiano de. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo I. Op. Cit., p. 48

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Assim, Dom Silvério recorda ao povo uma história de 50 anos de tentativas do

estabelecimento desta Congregação em Minas Gerais. Em Juiz de Fora, os padres

redentoristas holandeses iriam assumir a Igreja de Nossa da Glória, denominada

pelo povo de ‘Igreja dos Alemães’, pois esta havia sido construída em 1858, no

Morro da Gratidão, para servir aos imigrantes da colônia alemã que se

estabeleceram na cidade em função da construção da antiga estrada União e

Indústria. A posse pelos Redontoristas da ‘Igreja dos Alemães’, assim como do

cemitério atrás da mesma, será motivo de discórdia entre os imigrantes alemães

dirigentes do ‘Culto Católico Mariano Procópio’, que até então eram responsáveis

pela igreja e cemitério, e os padres holandeses. Estas divergências aparecem nos

livros de tombo como a “Questão Alemã”.

Após escolhido o local para a primeira fundação, tiveram início os primeiros

acordos entre os padres e o bispo Dom Silvério, ficando estabelecidas as seguintes

claúsulas:

“1o - A igreja dos alemães em Juiz de Fora fica entregue aos redentoristas de modo que poderão regular os exercícios na igreja sem nenhuma dependência do Vigário da paróquia. 2o - Não são obrigados a prestar contas dos rendimentos da igreja a alguma fábrica ou irmandade. 3º - Poderão aumentar a igreja, se assim o julgarem necessário, e não lhes poderá ser tirada a igreja a não ser que eles mesmos por livre e espontânea vontade queiram abandoná-la. 4o – Doação de um terreno para a igreja e, em redor da mesma, outro para construírem um convento e fazer um jardim.”169

O acordo, celebrado no dia 20 de janeiro de 1894, promovia a igreja a curato

e nomeava o Pe. Matias Tulkens para o cargo de primeiro cura, de tal modo que

ficaram os redentoristas totalmente independentes da Igreja Matriz. Diante das

169 WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Vol I. Op. Cit., p. 16-7.

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atividades que passaram a desenvolver no Curato da Glória observa-se que os

missionários se enquadravam “perfeitamente na conjuntura da Reforma Católica

Ultramontana da segunda metade do século XIX por causa de seu compromisso

com o catolicismo tridentino, da fidelidade e valorização do papado.”170

De acordo com o livro de tombo do Curato da Glória, os padres holandeses

exerceriam autoridade e jurisdição dentro dos seguintes limites:

“Deste o Morro da Gratidão da dicta cidade até o termo da freguesia em Benfica(isto de Sul a Norte) De leste a oeste desde a divisa com a freguesia de Chacara na altura da capella de Gramma, vindo em linha para a Tapera e seguindo nesse rumo até as colonias de dentro a todos aquelles limites, onde estão as colonias com as freguesias de S. Francisco e Rosario. E quanto aos limites com Chapeu D’Uvas e Agua Limpa até a Capella da Barreira e por alli até a Serra da Agua Limpa, e pelos limites com a Chacara até as alturas da Gramma.”171

Apesar de traçar de forma complicada os limites do Curato da Glória, fica-nos

bastante claro que estes limites eram extensos e, segundo os trabalhos de

assistência espiritual registrados no mesmo livro, os padres holandeses ficaram

responsáveis por três capelas filiais: Capela de Nossa Senhora das Dores em

Grama, Capela de São Pedro, na colônia de mesmo nome, e Benfica172. Para os

holandeses, cuja referência eram as paróquias da Holanda, o Curato da Glória

representava uma imensa paróquia rural, equivalente na sua extensão a uma

diocese da Holanda.

Neste primeiro momento dos redentoristas na cidade, eles registram suas

impressões sobre o povo da seguinte maneira:

“Em geral o povo é bom e pacifico, mas o indiferentismo religioso é grande. Antes de nossa chegada 80 porcento não ia

170 Idem, Ibid, p. 22. 171 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925). Cópia. p. 2. 172 Ver anexo n. 3 mapa da cidade de Juiz de Fora, em destaque os limites da extensão do Curato de N. S. da Glória.

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à missa aos domingos e festas de guarda e pior ainda era o número dos que não faziam a páscoa. Muitíssimos viviam e vivem em uniões ilícitas e a maior parte morria sem os sacramentos.(...) Por aí pode formar-se alguma idéia do nível religioso e moral desta pobre terra.”173

Diante deste quadro e na tentativa de impor sistematicamente seus valores

religiosos e suas tradições européias, os redentoristas encontraram desde o início

de sua atuação uma forte oposição e resistência. Sobre as festas populares de

devoção aos santos suas críticas são freqüentes:

“Hoje é a festa de Sto. Antônio, padroeiro da paróquia. Já na véspera soltaram-se por tôda parte foguetes. Aqui fazem tudo para exterioridades, solenidades, procissões etc. Oxalá assistissem antes a missa aos domingos”174

Não é difícil encontrar nos livros de Tombo e de Crônicas as reclamações

dos padres, o que nos revela que o processo de aculturação não parece ter sido

tarefa muito fácil para os holandeses, neste primeiro momento.

Em 1899, chegaram a Juiz de Fora os padres alemães da Congregação do

Verbo Divino(SVD). A história desta segunda congregação a se instalar na cidade se

relaciona com a saída do 5 o vigário da Igreja Matriz, Pe. Hipólito de Oliveira Campos.

Neste momento passava o vigário por uma séria crise espiritual que termina com sua

renúncia ao cargo de vigário da Igreja Matriz, abandonando o sacerdócio da Igreja

Católica e passando para a Igreja Metodista.

Porém, Dom Silvério já havia conversado nesse ano, em Roma, por ocasião

do Concílio Plenário Latino Americano, com o Padre Arnaldo Janssen, fundador da

SVD, sobre a possibilidade do estabelecimento desta Congregação em Juiz de Fora.

Ao retornar de Roma, o bispo de Mariana entra em contato com o Pe. Frederico

173 CMIJF – AHPHOF. Livro de Crônicas da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora. Cópia. p. 14. 174 Idem, p. 18.

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Hellenbrock, verbita que se encontrava em Petrópolis à frente do seminário

diocesano. O convite para os verbitas se instalarem em Juiz de Fora e assumirem a

Igreja Matriz era a tentativa do bispo de manter em andamento o processo de

Romanização e Reforma Católica Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora, sobretudo

depois do abandono da Igreja Católica pelo Pe. Hipólito de Oliveira Campos.

A saída do padre diocesano marca a transferência do cargo de vigário da

matriz para as mãos de religiosos europeus que estiveram à frente dos

trabalhos na Igreja Matriz por duas décadas e meia(1900-1925). Durante o período

da Primeira Guerra Mundial, a paróquia foi confiada interinamente a padres

diocesanos, porém, os verbitas continuaram como coadjutores e, passado o

momento da guerra, retornaram aos seus postos.

A história da chegada desta congregação também está ligada à história da

Academia de Comércio de Juiz de Fora, instituição de ensino comercial superior, a

primeira do genêro no país. Idealizada por Francisco Baptista de Oliveira, foi

constituída em 1891 a Sociedade Anônima Academia de Comércio. No mesmo ano

foi lançada a pedra fundamental e tiveram início as obras. No dia 26 de julho de

1894 foi inaugurada a Academia de Comércio de Juiz de Fora.

Mesmo com todo o esforço desenvolvido pelos acionistas, o ensino

profissional era ainda visto como um curso de segunda categoria. Assim, diante das

dificuldades e dos problemas financeiros que se avolumavam, resolveram os

acionistas entregar o instituto a uma congregação religiosa e entraram nesta

sondagem sucessivamente a Companhia de Jesus, a Congregação do Sagrado

Coração de Maria e os Salesianos. Finalmente a doação foi feita aos Salesianos.

Porém, poucos meses após ter sido lavrada a escritura de doação, os Salesianos

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transferiram a doação para a Congregação do Verbo Divino. Segundo Maraliz

Christo, três motivos podem ser apontados para esta transferência: “a abertura de

um novo colégio em Salvador, na mesma data, o reduzido número de padres, e a

existência na cidade de duas outras congregações: os Redentoristas e os do Verbo

Divino”175

Foi assim que, no dia 08 de abril de 1901, a Congregação do Verbo Divino

tomou posse do prédio da Academia de Comércio, com os compromissos

especificados na escritura de doação de prosseguir as obras que demandavam

conclusão, a abertura de um curso ginasial e a manutenção do curso de comércio.176

O tempo confirmou a lisura dos propósitos científicos e culturais dos padres

da Congregação do Verbo Divino, contratando professores leigos credenciados para

o ensino e enviando sacerdotes para a Europa com o propósito de se habilitarem a

dirigir o curso comercial anexo ao Ginásio. Em 1915, existiam os seguintes cursos:

“Commercial, Commercial Nocturno, Eletrotechnico, Gymnasial, Preparatorio,

Preliminar(primario).”177

Indiretamente coube a Dom Silvério a glória do feito. Vemos asssim, adiantar-

se na cidade as orientações do episcopado brasileiro sobre a necessidade da

educação da mocidade, pois acreditavam que “é a educação base da felicidade

175 CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Europa dos Pobres: a belle-époque mineira. Juiz de Fora, EDUFJF, 1994, p. 94. 176 Cf. BASTOS, Wilson de Lima. Academia de Comércio de Juiz de Fora. Juiz de Fora, Edições Paraibuna, 1982, p. 123. 177 ESTEVES, Albino & LAGE, Oscar V. Barbosa. Album do Municipio de Juiz de Fora. Bello Horizonte, Imprensa Official do Estado de Minas, 1989. p. 261.

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temporal e eterna do indivíduo, o mais poderoso fator da vida e prosperidade dos

povos, esperança e força da Sancta Madre Egreja.”178

O empenho dos Verbistas alemães à frente da Academia, transformando-o

num importante centro de educação católica para os filhos dos proprietários rurais da

região e da burguesia urbana, também é analisado por muitos estudiosos como uma

resposta católica à fundação do primeiro colégio protestante na cidade, o Instituto

Grambery, fundado no ano de 1890.

A Academia de Comércio e o Colégio Grambery disputavam a formação dos

moços que fariam o projeto de modernização da cidade. A valorização da

democracia liberal pregada pelos protestantes metodistas, a consequente

incompatibilidade entre católicos e prostestantes provocou a reação dos

conservadores católicos.

Entretanto, o projeto educacional dos padres verbitas no momento de sua

chegada em Juiz de Fora não se limitava a sua atuação na Academia de Comércio.

O primeiro verbita a tomar posse na Igreja Matriz, Pe. Frederico Hellembrock, fundou

em 1903 a “Escola Parochial Menino Jesus”. O livro de matrícula registra no ano de

sua fundação 128 alunos matriculados, entre 05 e 14 anos, de ambos os sexos.179 O

relatório anual do movimento religioso na Igreja Matriz de 1912, registra o seguinte

número da “Escola Parochial: meninos 103; meninas 118; Escola S. Vicente 50”180, o

que indica a abertura de mais uma sala além da já existente na Igreja Matriz.

178 CMIJF – AHPHOF. Documentos episcopais. Carta Pastoral Collectiva de 1901, Rio de Janeiro, Typografia Leuzinger, 1902, p. 22. 179 CMIJF – AHPHOF. Livro de Matrícula da Escola Paroquial Menino Jesus, Igreja Matriz, p. 3. 180 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p. 54 v.

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Seguindo de perto o dever de auxiliar “seus Parochos na obra de fundar e

sustentar as escolas primarias parocchiaes”.(C.P.L.A.n.679)181, Dom Silvério

concedeu licença em 1912 para “se construir, em prolongamento à Igreja Matriz de

Santo Antônio de Juiz de Fora, um edifício, para a escola paroquial, o que foi

feito”.182

O álbum do município, editado em 1915, registra uma foto dos alunos da

Escola Parochial S. C. de Jesus acompanhados de duas Irmãs. Tudo nos leva a crer

que esta é a turma da Escola Paroquial Menino Jesus, da Igreja Matriz, pois as

Irmãs que acompanham os alunos vestem o hábito da Congregação das Servas do

Espírito Santo, que chegaram em Juiz de Fora em 1902 e , como têm o mesmo

fundador da Congregação do Verbo Divino, ajudaram estes certamente nas tarefas

da Escola Paroquial.183

Outra obra de destaque dos verbistas, na qual também mostraram o espírito

reformador, refere-se à imprensa. Nesse sentido seguiam as orientações do

episcopado brasileiro, enviando quantias anuais para a Diocese em auxílio à Boa

Imprensa184, além de criar um jornal católico semanal para a cidade. O novo jornal

ganhou o nome do antigo ‘Lar Catholico’, acrescentando apenas o artigo “o”, porém,

ao longo do tempo houve mudanças e passou a se chamar ‘A Bússola’, voltando

depois a ser ‘O Lar Catholico’.

181 CMIJF – AHPHOF. Documentos Episcopais. Carta Pastoral Coletiva de 1904, Rio de Janeiro, Typografia Leuzinger, 1904 p. 49. A sigla C.P.L.A. refere-se ao Concílio Plenário Latino Americano. 182 OLIVEIRA, Francisco M. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo I. Op. Cit., p. 63. 183 Cf. ESTEVES, Albino. Op. Cit., p. 260. 184 CMIJF – CMIJF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p. 50, 54v. A obra Boa Imprensa foi criada, na primeira década do século XX, no contexto da Reforma Católica Ultramontana, pelos franciscanos em Petrópolis, com o apoio de todo o episcopado brasileiro, cujo objetivo principal era fazer oposição direta à imprensa liberal e maçonica , com seus ataques à instituição católica.

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Sobre a Bússola encontramos o seguinte registro feito pelos redentoristas no

ano de 1917:

“Na ‘Bússola’ dos padres da Academia veio Domingo passado uma gravura conhecida: encontro no deserto dum viajante com um leão sem comentário. Alguns acharam uma afronta feita ao Brasil interpretando o leão forte como a Alemanha e o viajante em frente de gatinhos o Brasil além disso parecia o viajante mais com um macaco. Já antes ameaçaram a tipografia dos padres por ser de alemães e porisso foi publicada no Diário Mercantil uma explicação do revmo. Leopoldo Pfad, provincial e vigário da cidade, dizendo que nada disto estava na intenção da revista. O clichê já tinha sido encomendado na Estamparia Mineira da cidade muito antes de se romperem as relações com a Alemanha. Em lugar da ‘Bússola’ será publicada um jornal revista ‘Sacrário do Amor’ que será semanal.” 185

Do ‘Sacrário do Amor’ não existe nenhum registro, o jornal voltou a se chamar

novamente ‘O Lar Catholico’ e com este nome se firmou como semanário católico da

paróquia de Santo Antônio. Da mesma forma não existem registros sobre

perseguições aos padres alemães no período da guerra. A orientação do jornal é

voltada para a formação da família, com regras de civilidade, normas sobre moda e

cinema, entre outros.

Para alimentar ainda mais o projeto Romanização e Reforma Católica do

episcopado de Mariana, Dom Silvério pôde contar com a ajuda efetiva de três

congregações femininas: em 1898 chegaram as Irmãs de Santa Catarina e, em

1902, chegaram as Irmãs Servas do Espírito Santo e as Irmãs do Bom Pastor.

As primeiras Irmãs de Santa Catarina que chegaram em Juiz de Fora vieram

a pedido do provedor da Santa Casa de Misericórdia, Dr. Braz Bernardino Loureiro

Tavares, no ano de 1898. Assim se encontra registrado no seu relatório esta

passagem:

185 CMIJF – AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894 -1923). Cópia, p. 207v.

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“No meu relatório passado vos comuniquei que havia contratado com Frei Cyriaco, Superior dos Franciscanos de Petrópolis, a vinda de tres Irmãs de Santa Catarina para tomarem conta da administração interna do Hospital. Com efeito, em 11 de janeiro deste ano, chegaram a esta cidade as tres Irmãs contratadas; e depois de algum tempo de estada no hospital, foi tal a ordem e a economia que se notou neste, que vos pedi logo autorização para contratar mais tres Irmãs, pois as tres eram insuficientes para o serviço, e estas chegaram em junho, sendo uma farmacêutica habilitada em Berlim.”186

O entusiasmo do provedor com o trabalho das Irmãs é tal que chega a

comentar que:

“a dedicação e a caridade com que os enfermos são tratados pelas filantrópicas irmãs que muitos , mesmo depois de curados, não querem sair, sendo preciso usar -se de energia para fazê-los retirar-se do estabelecimento”. 187

Além dos cuidados com os enfermos, o provedor destaca que as Irmãs

conservavam a Capela no maior asseio e ordem, e confeccionavam belos

paramentos.

A partir de 1901, os padres do Verbo Divino assumiram também a assistência

espiritual da Santa Casa de Misericórdia, o culto na Capela dos Passos e a pastoral

dos doentes. Desde então quase todos os pacientes podiam receber os

sacramentos, o que não era sempre possível no tempo em que a assistência era

feita pelos redentoristas, dada a distância entre a Santa Casa e o Curato da Glória.

As Irmãs faziam seu retiro anual, parte na Santa Casa de Misericórdia, e parte em

Petrópolis.

Outro grupo de Irmãs de Santa Catarina chegou à cidade em janeiro de 1900.

Estas vieram a pedido do vice-cônsul alemão George Francisco Grande para se

186 CMIJF – AHPHOF. Isaho. V. I. 11 - Histórico da Santa Casa , p. 1. 187 Idem, p. 2.

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dedicarem à instrução e à educação das crianças da Escola Católica da Colônia dos

Alemães, que neste momento se encontrava fechada por falta de professores.

Num primeiro momento, as Irmãs ficaram hospedadas no Asilo João Emílio. A

Escola Católica ficava do outro lado da cidade, hoje bairro Fábrica, na rua conhecida

como ‘Rua das Escolas’, pois lá já estavam instaladas também a Escola Agrícola e a

Escola Evangélica. Na Escola Católica, as aulas eram ministradas em classes para

crianças brasileiras e classes para crianças que só falavam alemão.

Devido à distância ser bastante grande entre a residência das Irmãs e a

Escola, uma benfeitora ofereceu às Irmãs alguns quartos vazios anexos à Escola

Agrícola. Mudaram-se para lá desejando ficar mais próximas do Curato da Glória,

para frequentarem diariamente os sacramentos. E mais tarde, as Irmãs se mudaram

para a rua dos Artistas, em frente ao Curato da Glória.188

Passaram a lecionar também, a partir deste momento, na Escola Paroquial

criada pelos Redentoristas, que funcionava no Salão São Geraldo em frente ao

Curato. Porém, continuaram as Irmãs com as aulas na Escola Católica até o final do

ano de 1907, ano em que a ‘Questão Alemã’ vem novamente à tona, sendo que

desta vez os representantes do Culto Católico Mariano Procópio colocaram para as

Irmãs a necessidade da escolha: dar apoio à comunidade alemã ou aos

Redentoristas. As Irmãs ficaram do lado dos redentorsitas e a Escola Católica foi

fechada.189

As Irmãs abriram uma classe destinada a meninas que podiam pagar

mensalidade, continuaram a lecionar na Escola Paroquial dos Redentoristas e foram

188 Ver anexo n. 4 mapa “Pontos importantes de referência para a História da Igreja de Juiz de Fora” 189 CMIJF – AHPHOF. Isaho. V. I 3-4 - Colégio Santa Catarina, p. 2.

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convidadas a lecionar também na Escola Agrícola. Em 1908, os padres redentoristas

com o objetivo de:

“continuar com as escolas parochiaes, cuja manutenção, desde que o tal ‘Culto Cathólico’ dispunha para outros fins os rendimentos do cemiterio que antes servião para manter as escolas, cuja manutenção digo se tornava cada vez mais difficil, para aumentar esta obra tão necessaria, para qual as Irmãs de Sta Catharina, que abandonarão as escolas dos ‘revolucionarios’ erão cooperadoras generosas; o Rvmo. Capellão Cura lembrou-se em boa hora de juntar, com plena approvação do Exmo. Diocesano uma associação appropriada.”190

Assim, foi criado no Curato da Glória a Sociedade Propagadora do Ensino

Primário, cujo objetivo principal seria “Fundar e sustentar escolas parochiaes no

Curato da Gloria. Fazer todo o possivel para tornar o ensino primario, nas escolas

parochiaes, accesivel a todas as classes de pessoas.”191

É possível observar que o projeto educacional criado pelos padres

holandeses recebe colaboração direta das Irmãs de Santa Catarina. Um panfleto da

Sociedade destinado às matriculas traz as seguintes informações:

“Durante o mez de janeiro acha-se aberta a matricula de alunnos e alunnas para as escolas parochiaes das Rev. Irmãs de Santa Catarina no prédio do morro da Gratidão e para a escola diurna e nocturna de S. Roque na Tapera”. 192

Porém, o projeto educacional das Irmãs de Santa Catarina não ficou limitado

à cooperação nas Escolas Paroquiais dos Redentoristas. Neste mesmo ano, 1908,

elas compraram um terreno no Morro da Gratidão e iniciaram a obra do seu próprio

colégio. Os Redentoristas registraram desta forma o acontecimento:

“Hoje realizou -se um fato muito importante para o nosso Curato, a saber o lançamento solene da primeira pedra do Colégio de Sta Catarina.(...)A alta sociedade estava presente entre outros o prefeito Antônio Carlos e Esposa.(...) Após a solenidade foram

190 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925). Cópia, p. 85. 191 ACRCG-JF. Pasta Escola Paroquial 192 Idem.

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os senhores para o nosso Convento e as Senhoras para a casa das irmãs. Pobre Culto Católico! Como devem ter ficado sentidos!”193

Em 1909, já se encontrava o colégio funcionando em um prédio de dois

andares e uma capela provisória. A obra ficou aos cuidados da Companhia

Panteleone Arcuri & Spinelli, construtores imigrantes italianos, que mesclaram com

tijolinhos coloridos influências da arquitetura neogótica, renascentista italiana e

romântica.194 O projeto da Escola Paroquial ganhou reforço das Irmãs com a

construção de quatro salas dentro do próprio colégio em 1910, sendo para lá

transferidas as aulas do Salão São Geraldo.

Em 1915, o número de alunos matriculados era de 370, sendo alunas internas

e externas, e a Escola Paroquial. O ensino compreendia: curso primário e

secundário; línguas portuguesa, francesa, alemã, doutrina cristã, história universal,

história do Brasil, história sagrada, caligrafia, geometria, lições de cousas, geografia,

história natural, física, canto, desenho, trabalhos de agulha, além de um curso

especial de música, pintura e inglês.195

Diferente das Irmãs de Santa Catarina que se encontravam na Santa Casa,

as Irmãs educadoras sofreram ameaças no período da Primeira Guerra Mundial.

Não foram atingidas diretamente, porém, o ano de 1917 foi especialmente crítico

com notícias alarmantes nos jornais anunciando que o Colégio estava em chamas.

O jornal ‘A Noite’ chegou mesmo a publicar fotos do colégio em chamas.196

193 CMIJF – AHPHOF. Livro de Crônicas da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923). Cópia, p. 128v-129. 194 Álbum Juiz de Fora em Dois Tempos. Juiz de Fora, Tribuna de Minas, s/data, p. 87. 195 Cf. ESTEVES, Albino. Op. Cit., p. 263. 196 CMIJF – AHPHOF. Isaho. V. I. 3-4 – Colégio Santa Catarina, p. 3.

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Entretanto, o sensacionalismo das notícias serviu apenas para tornar o

Colégio Santa Catarina ainda mais conhecido e aumentar o número de alunas. Em

1924, foi construído um novo pavilhão de três andares, o número de alunas internas

neste ano chegou a oitenta com aumento também de alunas externas. Desta forma,

as Irmãs marcaram presença ativa na área educacional na cidade, famílias ricas

confiavam suas fi lhas ao Colégio, de modo que as dificuldades iam sendo vencidas.

Outro reforço importante na área da educação pode ser analisado com a

chegada na cidade, em setembro 1902, das Irmãs da Congregação das Servas do

Espírito Santo, cujo fundador foi o Pe. Arnaldo Janssen, também fundador da

Congregação do Verbo Divino. Muitos registros se referem às Irmãs como sendo do

Verbo Divino, como este:

“Em nome do Sr. Bispo, vai o padre Reitor às 17 hs à estação receber as irmãs do Verbo Divino que abrirão em frente à igreja dos passos, um novo colégio. Acompanhado do revmo. Padre Matias foi o padre reitor em seguida à Matriz e dalí ao novo Colégio. Além das filhas de Maria e algumas senhoras não havia quase ninguem.”197

Se a recepção não foi tão calorosa, segundo o nosso cronista, a chegada das

Irmãs trouxe mais fôlego à obra reformadora de Dom Silvério. Em 1903, fundaram o

Colégio ‘Stella Matutina’ , inicialmente em frente à Capela dos Passos, destinado

exclusivamente à educação feminina. A partir de 1905 as Irmãs se instalaram em

local mais próximo do centro urbano, dando início à obra do Colégio que ficou pronta

em 1917, em estilo gótico, uma réplica exata da casa central das Servas do Espírito

Santo, originária da Alemanha e com sede na Holanda.198

197 CMIJF – AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora. Cópia, p. 86v. 198 Cf. Álbum Juiz de Fora em Dois Tempos. Op. Cit., p. 36.

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Albino Esteves registra em 1915 o número de 170 alunas matriculadas, com

fotos de alunas internas e externas. No quadro de professores deste ano apenas um

leigo, o ‘Sr. Pharmaceutico Palleta’, sendo o restante dominado pelas Irmãs.199

Seguindo as orientações típicas dos colégios católicos do início do século,

nos quais a cultura ornamental da educação feminina realizada através de regras

rígidas de comportamento e vestuário, destinadas principalmente a preparar a

mulher para o casamento, as irmãs transformaram mais este estabelecimento em

lugar especial das filhas “das classes mais distintas” da sociedade juizforana.

Para os trabalhos de assistência social do Asilo Padre João Emílio, chegaram

também em 1902, as Irmãs da Congregação do Bom Pastor, fundada em Angers, na

França. Através de uma carta, o vigário geral de Mariana, Mons. José de Souza

Teles Guimarães, comunicava ao pároco de Juiz de Fora que:

“Tive grande júbilo quando por telegrama me foi comunicada a chegada das religiosas do Bom Pastor nessa cidade. Na conversa com o Exmo. e Revmo. Sr. Bispo Diocesano, depois de ter agradecido à Revma. Superiora, e aos Exmos. Srs. Braz Loureiro e Felício dos Santos a delicada comunicação, confirma por esta o meu telegrama de ante-ontem, pedindo a V. Revma. O favor de representar na festa de instalação do Instituto em Juiz de Fora a autoridade diocesana, e mais uma vez me congratulo com a Revma. Madre Superiora, com a v. Rvma., e com os fiéis dessa cidade, pela vinda das religiosas, e pela fundação da primeira casa do Bom Pastor nesta diocese de Mariana.”200

Assim que as Irmãs chegaram, instalaram-se no Asilo e passaram a dirigir a

casa. Neste período, a administração era feita por uma mesa, a qual não conseguiu

entendimento com as Irmãs. O problema foi resolvido com a ent rega definitiva do

Asilo ao Bispo Diocesano, que conservou as Irmãs na direção, nomeando seu

199 Cf. ESTEVES, Albino. Op. Cit., p. 263. 200 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p. 21v.

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procurador e representante, em todos os negócios temporais e materiais, o Dr. Braz

Bernardino Loureiro Tavares, também dirigente da Santa Casa de Misericórdia.201

Em 1915, encontramos registro de “Religiosas em número de 12 que são

empregadas alternativamente na instrução, moralização e vigilancia das internadas.

Existem matriculadas 83 asyladas.” 202 Os padres do Verbo Divino eram

responsáveis pela assistência espiritual do Asilo. Nos relatórios anuais do

movimento religioso da Paróquia encontramos registros do números de comunhões,

que no ano de 1915 foi de 17.054, somente no Asilo.” 203

Desta forma, podemos observar que o processo de Romanização e Reforma

Católica Ultramontana da Paróquia de Juiz de Fora teve orientação de religiosos

europeus, com a atuação de três nacionalidades diferentes: holandesa, alemã e

francesa.

3.3- O enquadramento dos fiéis

A tarefa de transformação da prática religiosa preocupada com as

necessidades imediatas da vida terrestre, para uma religião sobrenatural da

salvação eterna, não foi tarefa simples. Segundo Libânio, não se trata apenas de

um processo de criação, que deve se fundamentar principalmente em dois campos:

doutrinal e sacramental, implica também na demolição do antigo edifício, ligado ao

catolicismo tradicional. Este processo de demolição e criação de um novo imaginário

201 Cf. OLIVEIRA, Francisco Maximiano. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo I Op. Cit., p. 57. 202 ESTEVES, Albino. Op. Cit., p. 263. 203 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora. Cópia, p. 67.

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religioso social foi obra da conjugação de um expressivo trabalho do clero e de

medidas práticas dentro de um novo espírito de busca de eficácia.204

A reforma dos costumes do próprio clero e a criação de uma nova imagem do

padre visavam gerar uma presença mais significativa junto ao povo. O principal

centro de revitalização deste processo foi a paróquia, investir-se-á muita energia em

diversos movimentos paroquiais procurando sedimentar uma nova identidade

religiosa junto aos fiéis.

No período que identificamos como o da Romanização e Reforma Católica

Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora encontramos os seguintes registros sobre

templos religiosos católicos: “Dentro do perímetro urbano existem três igrejas: a

Matriz com o vigário da vara Dr. Café, a igreja dos Passos com dois sacerdotes, e a

igreja alemã”205, assim registraram os Redentoristas em seu livro de crônicas

quando chegaram. No jornal Lar Catholico do Pe. Café, de 1891, na descrição do

número de padres e da extensão da sua “freguezia”, ele revela-nos um número

expressivo de padres: 07206 “vigários de Deus” trabalhando nas igrejas acima citadas

pelos redentoristas, acrescentando ainda ser território de sua paróquia a Capela de

Matias Barbosa.207

Porém, no relatório anual do movimento religioso da paróquia de Juiz de Fora,

do ano 1903, enviado ao Bispo de Mariana, encontramos também dados referentes

à comunidade de Coronel Pacheco, localidade que não aparece registrada no livro

204 Cf. LIBÂNIO, J. B. A volta à grande disciplina. Op. Cit., , p. 60. 205 CMIJF – AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923). Cópia, p. 14. 206 Joaquim X. Lopes Cançado, Adolfo Januscka, João B. da Fonseca, Cesar Megale, João Emilio F. da Silva, João Sabino Las Casas, João B. de Souza Roussin, porém não podemos afirmar que todos tinham se identificavam com o projeto de Romanização e Reforma Católica Ultramontana. 207 CMIJF – AHPHOF. Jornal LAR CATHOLICO, Anno I, N. 61, 03 de setembro de 1891, p. 01. Cópia.

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de tombo da Igreja Matriz. Esta informação nos leva a crer que outras comunidades

foram contempladas neste processo de enquadramento dos fiéis no contexto de

implantação das medidas reformadoras.208

No álbum do município de 1915209 aparecem, além das três igrejas já citadas

pelos redontoristas, a Igreja de São Sebastião, Igreja do Rosário, Igreja de São

Mateus e Igreja de São Roque. A Igreja de São Sebastião, situada atrás do Parque

Halfeld, “foi construída em terreno doado pelo Comendador Halfeld, em 1872.”210 .

Em 1892, o Pe. Júlio Maria inicia suas atividades em Juiz de Fora como capelão

desta Igreja, porém os Redentoristas não a registram em seu livro de crônicas. A

construção da Igreja de Nossa Senhora do Rosário foi iniciada pela Irmandade de

mesmo nome211, sendo:

“abandonada por algum tempo, sua construção foi reiniciada, após a instituição universal do mês do Rosário em outubro. O reinicio das obras e o acabamento da igreja deve-se a uma comissão encabeçada pelo Cel. Alfredo de Souza Bastos, Pantaleoni Arcuri e outros.”212

Tudo indica que diante da abolição da escravidão, da separação entre Igreja

e Estado e de um maior controle da Igreja sobre as Irmandades, o movimento em

torno da devoção à Nossa Senhora do Rosário foi perdendo força até a paralisação

da obra. Porém, não se deve desconsiderar a construção da Igreja como obra da

Irmandade, sendo que a comissão só cuidou do acabamento do templo. Em 1906,

através de uma portaria de Mariana, assinada pelo Mons. Cônego José Maria

208 AEAM – P7,A4,G4 – Relatórios Paroquiais. 209 Cf. ESTEVES, Albino. Op. Cit., p. 337-9. 210 OLIVEIRA, Francisco Maximiano. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo I. Op. Cit., p. 38. 211 Cf. capítulo II, p. 58. 212 OLIVEIRA, Francisco Maximiano. Sinais da Igreja no Juiz de Fora. Tomo I. Op. Cit., p. 38. Grifo nosso.

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Rodrigues de Moraes, encontramos o registro que: “permitte conservar o SS.

Sacramento na Capella de Nossa Senhora do Rosario d`esta cidade, contanto que

haja ao menos uma missa cada semana”213. Mesmo estando em construção no

momento da chegada dos Redontoristas, a Igreja não aparece citada por estes.

A Igreja de São Mateus surgiu de um cruzeiro, no caminho da Fazenda de

São Mateus, que os habitantes construíram dando o testemunho de sua fé.

Inicialmente, no lugar do cruzeiro, foi feita uma pequena sala onde se reuniam os

moradores da rua São Mateus em dias de festa, quando a imagem do Apóstolo e

Evangelista São Mateus era trazida da Fazenda São Mateus emprestada para

abrilhantar o movimento. Aos poucos a Igreja surgiu: uma pequenina sala a

princípio, um pouco maior logo depois e, em 1913, a Capela de São Mateus recebeu

do Sr. Francisco Valadares a imagem do santo.214

A Capela em devoção a São Roque foi obra dos imigrantes italianos que, em

torno da Irmandade de São Roque fundada em 08 de agosto de 1902, tinham

o objetivo de edificar uma capela com a invocação de seu patrono. A capela foi

inaugurada em 1907 e, a partir desta data, inicia-se a famosa "Questão São Roque",

tensão entre os Redontoristas holandeses e os membros da Irmandade de São

Roque, que se arrasta até o ano de 1920 quando a Irmandade já desgastada

publicamente e economicamente assinou escritura de doação da Capela de São

213 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio(1900 -1925). Cópia, p. 31. 214 CMIJF – AHPHOF. Revista das Bôdas de Prata da Paróquia de São Mateus(1927-1952). Arquidiocese/Paroquial/ São Mateus. p. 23-24.

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Roque à Diocese.215 Vale ressaltar que a Capela de São Roque foi construída nas

mediações do Curato da Glória.

A Capela de São José que, apesar de não aparecer nos registros do Álbum

do Município de 1915, aparece no relatório do movimento religioso anual do mesmo

ano, no livro de tombo da Igreja Matriz como centro paroquial “Botanagua” e, a partir

desta data, em todos os relatórios anuais seguintes, até que no relatório de 1925

aparece já com o nome de Capela de São José.216 Segundo a tradição oral, o nome

Botanágua tem origem por ser esta parte da cidade cortada pelo Rio Paraibuna,

sendo este local utilizado pelos moradores para despejar o lixo e, em datas mais

remotas, até mesmo pessoas assassinadas. O que nos parece certo é que a Capela

de São José, assim como a de São Mateus, foi sendo gestada aos poucos e,

somente em 1932, foi lançada a pedra fundamental da atual paróquia de São

José.217

Além das igrejas acima citadas, existiam no período que elegemos para este

trabalho várias capelas particulares, como a Capela da Academia de Comércio, a

Capela do Colégio Santa Catarina, do Colégio Stella Matutina e do Asilo João

Emilio.

Para finalizar, esta parte sobre os templos em Juiz de Fora, vale lembrar que

atrás da Igreja dos Alemães, construída pelos alemães do Culto Católico Mariano

215 Cf. FERENZINI, Valéria Leão. Igreja Católica e Imigrantes Italianos em Juiz de Fora – A Questão São Roque(1902-1920). Monografia apresentada no Curso de Especialização em História do Brasil, Faculdade de História, ICHL, UFJF, 1999. 216 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p. 67v, 80v. 217 Cf. OLIVEIRA, Francisco Maxiamo. Sinais da Igreja no J uiz de Fora, TOMO II. Juiz de Fora, Esdeva, 1978, p. 223.

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Procópio, foi edificada outra Igreja pelos Redontoristas holandeses.218 Um incêndio

na madrugada do dia 12 abril de 1923 destruiu em pouco tempo a antiga Igreja219. A

nova Igreja, bem mais ampla que a antiga, foi inaugurada no dia 27 de abril de 1924

com a bênção da nova imagem de Nossa Senhora da Glória.220

Foram nestes templos que, orientados por um clero reformado e obstinado

por sua tarefa de Romanização e Reforma Católica Ultramontana, se realizou o

processo de enquadramento dos fiéis. A paróquia atinge a comunidade desde cedo,

com os ensinamentos religioso-doutrinais e práticos através do catecismo. Na Carta

Pastoral Coletiva de 1904 aparece como um dos principais deveres do pároco:

“a obrigação de ensinar a doutrina christã aos meninos e aos que a ignoram, e procurar, a todo seu poder, a educação christã das crianças, arredando-as do peccado e dos vicios, e firmando-as no sancto temor de Deus, desde os primeiros annos.”221

A dificuldade de um material didático para a catequese, uniformizado e que

atingisse as crianças em todo o território nacional, levou o episcopado

brasileiro, em 1904, por ocasião da sua 2ª Conferência realizada em Aparecida, a

anunciar a publicação de um texto único do catecismo. Na ocasião foram redigidos

três manuais: “O catecismo resumido da doutrina cristã”, “O primeiro e segundo

catecismo da doutrina cristã”, e um ano depois, “O terceiro catecismo da doutrina

cristã”. Em 1905, o episcopado brasileiro passou a denominar os dois primeiros

manuais de Catecismos Menores e o último de Catecismo Maior.222

218 Ver anexo n. 5 fotografia da Igreja dos Alemães e ao fundo Igreja a do Curato de N. S. da Glória. 219 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925). Cópia, p. 161. 220 Idem, p. 168. 221 CMIJF – AHPHOF. Carta Pastoral Collectiva – 1904. Op. Cit., p. 22. 222 Cf. PASSOS, Mauro. Os contornos históricos do movimento catequético. In: PASSOS, Mauro(Org.). Uma História Plural: 500 anos do movimento catequético brasileiro. Petrópolis, Vozes, 1999, p. 44.

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No Curato da Glória, os Redentoristas adotaram a divisão por faixa etária,

maiores e menores de 10 anos, adiantando-se, já em 1894, às orientações

episcopais de 1905:

“Aos 21 do mez de janeiro abrirão-se para crianças de mais de 10 annos as aulas de cathecismo. A primeira chamada obedecerão umas 100 crianças. Depois da missa conventual da se aula em Portugues, de tarde antes da benção em Allemão.”(...)Abrirão-se aulas de cathecismo para crianças de menos de 10 annos, havendo d`aqui em diante, 8 de junho, 6 aulas por semana para varias turmas, sendo tres em Portugues e tres em Allemão”. 223

Esta pedagogia, fundamentada numa divisão por faixa etária, não

contemplava uma preocupação com o social vivido, integrando os elementos

culturais e religiosos de cada comunidade. Seguindo de perto as orientações

episcopais, em janeiro de 1906, “Foi introduzida a nova edição oficial do Catecismo

e começou-se com a explicação do Cat. Romano nas introduções”224, e em 1920:

“fundou-se a associação da Doutrina Christã para promover o ensino do catecismo em todos os bairros do Curato. Desde o principio alistarão-se umas 12 catechistas, e espera-se da novel associação grande proveito.”225

Os padres da Congregação do Verbo Divino registraram, no balanço do

movimento religioso de 1915, a presença de vários centros:

“Catecismo Parochial: 7 Centros Matriz: 190 Rosario: 180 S. Sebatião: 175 S. Mateus: 150 Avenida D. R. H: 70 Julio Modesto: 160 Botanagua: 180 1105.”226

223 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925). Cópia, p. 4-4v. 224 Idem, p. 106v. 225 Idem p. 147. 226 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p. 64-v. Vale observar que neste registro aparecem o Oratório Júlio Modesto, que também aparece em outros relatórios anuais com número de missas, e um no centro, na Avenida Direita, dos quais faltam maiores referências.

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Além destes centros urbanos de catecismo, devemos considerar também o

catecismo das missões227 que atingia as crianças do interior, com as mesmas

prescrições, apesar das diferenças culturais. Diante desta uniformização, no ensino

catequético, vale ressaltar o Pe. Júlio Maria como um defensor da valorização do

aspecto histórico-cultural, já que sua ação catequética abria-se ao diálogo com as

exigências, condições e situações reais do sujeito e do contexto social:

“Fazer da religião não só um negócio de alma, mas também uma coisa ativa prática, misturada aos interesses sociais. (...) O nosso dever é não limitá-la à piedade, à devoção, como muitos entendem; mas pelejar, combater com todas as armas de nossa época.”228

No contexto de diversidade cultural, a cidade de Juiz de Fora foi alvo dos

missionários, mesmo antes da chegada dos Redentoristas. Os exercícios das

Santas Missões começaram a ser praticados pelos jesuítas229 em 1893:

“No trem expresso do meio dia chegaram ontem a esta cidade os Revm os Missionários Bartolomeu Taddei e José Maria Giomini, da Ordem de Jesus(sic) e professores do Colégio de Itú. Na estação foram S. Revm as recebidas pelo Revmo Vigário Dr. Café, por grande concurso de povo, autoridades civis, oficiais do 30 Corpo Militar e duas bandas de música. Da estação seguiram os misssionários para a Igreja Matriz onde se achavam para recebê-los muitas senhoras da freguezia, acompanhando-os a irmandade do Rosário e uma banda de música. As práticas religiosas começam hoje à hora da missa conventual, na Igreja Matriz.”230

Expressivo nesta nota é o caráter festivo de que se revestia a chegada dos

227 O conceito de missão comportava o projeto de (re)catolização da sociedade brasileira. Trata-se das missões paroquiais, que tiveram grande difusão em todo o Brasil. Durante 10 a 12 dias, os missionários insistiam na dimensão espiritual da fé, na conversão pessoal, nos aspectos morais e no conhecimento da doutrina cristã. Nessa ocasião os temas que predominavam eram os mandamentos da lei de Deus e da Igreja, os novíssimos e o Sacramento da Confissão. Cf. PASSOS, Mauro. Op.. Cit., p. 55. 228 MARIA, Júlio. Conferências de Assunção . Aparecida, Santúario, 1988, p. 132. In: PASSOS, Mauro. Op. Cit., p. 56. Grifo nosso. 229 Os jesuítas retornaram ao Brasil no Segundo Reinado, por volta dos anos 40 e, em 1893, tinham em Nova Friburgo o colégio que estava mais próximo de Juiz de Fora. 230 SMBMMM – O Pharol, Ano XXVII, 15 de Janeiro de 1893.

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missionários à cidade. Além das bandas de música, a Irmandade do Rosário, oficiais

do 3o Corpo Militar, autoridades civis, senhoras e cavalheiros, o que nos revela a

importância das Santas Missões enquanto elemento de sociabilidade, com todos os

grupos incluídos, o que contribuía igualmente para a divulgação dos conteúdos

doutrinários, objetivo precípuo dos missionários.

Os missionários dispunham de variados métodos, como por exemplo, a

cerimônia realizada em cemitérios231. Em Juiz de Fora esta cerimônia

impressionante não foi esquecida, para a qual o Pe. Café convidou o povo através

do jornal local:

“Procissão do Cemitério Domingo às 5 horas da tarde Como um dos exercícios mais próximos dos dias da Missão Apostólica terá lugar Domingo próximo, à tarde, a procissão solene ao cemitério, conforme já foi anunciado do púlpito pelo Revmo Missionário Diretor. O ato sendo tocantemente religioso por si mesmo fala suficientemente aos corações, para que nenhum cristão deixe de concorrer a tão comovedoras preces por todos os que nos são caros e ali fazem sepultados. È uma afirmação da nossa fé no dogma da expiação tão consolador, e mais ainda, no dogma da ressureição dos corpos(...)

A procissão desfilará da Matriz às 5 horas da tarde depois de um breve discurso apropriado. Um coro popular irá cantando as preces públicas que serão entremeadas de marchas fúnebres pela banda musical. No recinto do cemitério se fará a solene encomendação, seguindo-se logo o sermão análogo e depois a volta para a Matriz onde tudo se terminará com a Bênção do Senhor.”232

Numa sociedade recém-saída de uma estrutura social e econômica baseada

na escravidão, apontar para a questão da igualdade social no pós-morte, parece-nos

uma forma de escamotear os conflitos sociais, jogando para o Além um ideal que

deveria ser perseguido e conquistado no devir histórico.

231 Os missionários com as cerimônias de cemitério buscavam ressaltar entre os fiéis a igualdade de classes sociais após a morte, onde ricos e pobres, patrões e empregados, senhores e escravos, encontravam-se nivelados pela sepultara. 232 SMBMMM – O Pharol, Ano XXVII, 21 de Janeiro de 1893.

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Estava, pois, iniciada a jornada missionária em Juiz de Fora, porém, será a

partir da chegada dos Redontoristas que este movimento tomará grande impulso.

Em 1895, os padres pregaram três missões em Juiz de Fora: em Gramma, São

Pedro e Benfica, com duração de oito a dez dias. Já em 1896, o número de missões

cresceu para 29, incluindo as mais importantes cidades de Minas Gerais, além de

obviamente, Juiz de Fora. A quase totalidade das missões foi pregada na Diocese

de Mariana numa área geográfica que começava em Juiz de Fora e ia em direção a

Belo Horizonte, sendo que nos anos de 1900 e 1902, a área de atuação foi ampliada

em direção ao norte, de Curvelo e Diamanatina, e em direção ao oeste, para a

região de Uberaba.

Na correspondência dos padres missionários, dirigida ao padre Provincial na

Holanda, podemos ter uma idéia bem clara da seqüência dos trabalhos das Santas

Missões. Assim escreve, em 1897, o Pe. Beks:

“Para as missões, temos agora um plano fixo, baseado na experiência dos lazaristas e em nossa própria experiência; ele é autenticamente afonsiano. A duração das missões é de quinze dias completos. Durante as missões, organizamos algumas solenidades e comunhões gerais. Na Segunda ou terceira noite, há uma solenidade de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, nossa padroeira. Faz-se um sermãozinho sobre a história do quadro e depois a entrada na igreja de virgenzinhas, banda de música e sacerdotes com saudação a N. Senhora do Perpétuo Socorro feita pelo missionário. A seqüência dos sermões é a seguinte: Primeira noite: Salvação; Segunda: Pecado; Terceira: Morte; Quarta: Juízo Final; Quinta: Inferno; Sexta: Impureza.”233

Digna de nota neste caso é a presença da banda de música animando a

233 WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Vol. I. Op. Cit., p. 159.

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saudação à Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, isto porque nos revela um espaço

de aculturação com a comunidade local, sempre festiva. Em vários momentos os

Redentoristas deixaram registrado, nos livros de Tombo e de Crônicas do Curato da

Glória, a sua insatisfação com a exterioridade das festas.

A carta do Pe. Beks termina ressaltando que:

“Na segunda semana, chega muita gente de fora e, então, mais uma vez é ativada a artilharia pesada: Juízo Final, Eternidade, Protelação da Conversão, Ocasiões próximas, Casamento e os Deveres dos pais(estes dois últimos tocam grandes males do brasileiro). Há mais algumas matérias supletivas: o Escândalo e a Misericórdia. Finalmente, o Sermão do Cruzeiro, da Oração e da Perseverança.”234

Nesta seqüência, apresentada pelo padre, o casamento daqueles que viviam

em uniões ilícitas merece destaque, pois grande parte da população não havia

legitimado o sacramento do matrimônio. Números expressivos de casamentos

legitimados aparecem nos livros de tombo dos Redentoristas. Nas Santas Missões

pregadas no Curato da Glória no ano de 1913 encontramos o registro de 21

casamentos.235

As Santas Missões desempenhavam, nos centros urbanos e regiões rurais, o

papel de colocar a Reforma Católica Ultramontana em funcionamento. A

comunidade vivia nos dias de missão em função dela; os horários, temas, maneira

de falar eram sugeridos nos manuais de missão. O objetivo era alcançar todos os

grupos humanos, desde os homens adultos até as crianças, ensinando-lhes as

orações básicas, introduzindo o hábito da oração da manhã e da noite, o costume do

234 Idem, Ibid., p. 160. 235 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925). Cópia, p. 113.

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exame de consciência à luz das verdades eternas, inculcar o medo salutar do

pecado, do inferno, do purgatório, do juízo de Deus e levar o fiel à confissão geral.236

As missões, além do importante papel de colocar o motor da Romanização e

Reforma Católica Ultramontana em funcionamento, produziam o contato dos

missionários com o povo, aperfeiçoando cada vez mais a instituição paroquial.

Neste contexto de enquadramento dos fiéis por meio da instituição paroquial,

processou-se igualmente uma clericalização das devoções. A estratégia dos bispos

reformadores foi a de desvalorizar o catolicismo dos leigos, substituindo-o por um

mais romanizado. Esta ação foi feita principalmente por um processo de substituição

das devoções aos santos tradicionais por devoções em voga na Europa,

especialmente as devoções marianas e a devoção ao Sagrado Coração de Jesus

com grande florescimento desde a segunda metade do século XIX.

As novas associações religiosas, criadas para os leigos, distinguem-se

radicalmente das antigas irmandades e confrarias pela posição que nelas

ocupavam os leigos. Estes foram destituídos da sua posição de liderança, com a

direção passando a ser função do vigário. Nos estatutos das novas associações, os

vigários ocupavam o papel principal nessas organizações, e tinham efetivamente o

controle das decisões. O clero assumia assim, de fato, as funções de controle das

atividades religiosas.237

A organização destas novas associações em Juiz de Fora produziu um

impacto impressionante pelo seu rápido crescimento e o número de associados

236 Cf. LIBÂNIO, J. B. A volta à grande disciplina. Op. Cit., p. 64. 237 Cf. OLIVEIRA, Pedro R. A. de, VALLE, Edênio J. , ANTONIAZZI, Alberto. Evangelização e Comportamento Religioso Popular . Petrópolis, Vozes, 1978. p. 20-21.

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obtidos. Nesse sentido a estrutura paroquial revela-se, na sua versão

reformada, elemento fundamental deste empreendimento. Os padres da

Congregação do Verbo Divino, em 1910, dez anos somente após a sua posse da

Igreja Matriz, registram os frutos do seu desempenho junto aos fiéis:

“Associações religiosas e irmandades: 1) Irmandade do Ss. Sacramento: 60 membros. 2) Confrades de S. Vicente activos: 48 Subescriptores: diversos Famílias: 40 a 50 Obra especial: Casa da Avenida: 27 viuvas e uma fam. 83 pessoas. 3) Apostolado da oração: Zeladoras : 84 Associados: 2575 Associadas: 3353 4) Confraria do Purissimo e Imaculada Coração de Maria. Zeladoras: 59 Associados: 196 Associadas: 990 5) Damas de caridade: activas: 22 Honorarias: 45 Contribuintes: 9 Famílias pobres: 19 Socorridos: 57 6) Congregação Mariana(dos jovens caholicos) socios: 48 aspirantes: 44 7) Pia União das Filhas de Maria. Filhas: 57 Aspirantes: 37 8) Obra da Sta Infancia: Membros: 250 9) Obra dos Tabernaculos: Socias activas: 33 ” ” protetoras: 1 ” ” Contribuintes: 25. 10) Ordem Terceira:

Professas: 13 Noviças: 10 Noviços: 4

11) Pão de Sto. Antonio.”238

Vale destacar nesta nota o número de mulheres associadas, bastante

superior ao número de homens. Outro detalhe que pode ser realçado é o da

238 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). Cópia, p. 44v-45.

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importância que assume a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Junto aos leigos,

esta devoção vai se difundir através de um novo organismo: O Apostolado da

Oração, que no caso de Juiz de Fora, conforme a nota, congrega o maior número

de fiéis.

A prática do controle clerical sobre todos os movimentos no âmbito paroquial,

como fica claro, por exemplo, nos Estatutos da Pia União das Filhas de Maria, criada

em 1911, na Capela do Colégio Stela Matutina, das Irmãs Servas do Espírito Santo:

“Art. 6. A Directoria da Pia União compoe -se: 1, do Director, que deve ser o sacerdote da Congregação do Verbo Divino, actualmente pela autoridade Diocesana reconhecido Vigario da Freguezia de Sto. Antonio de Juiz de Fora, ou um outro sacerdote da mesma Congregação, designado pelo Vigario e approvado pela autoridade eclesiastica.”239

Ou ainda, no Estatuto da Obra dos Tabernáculos de 1907, formada por

mulheres, que tinha o objetivo de auxiliar as capelas da freguesia com alfaias e

paramentos religiosos. O artigo número dois ressalta que: “ A associação está

collocada sob os auspicios da Autoridade Eclesiastica, á qual ficara sujeita.” 240

Neste mesmo processo de enquadramento, os Redentoristas holandeses

criaram no Curato da Glória um movimento tão expressivo quanto a dos Verbistas

na Igreja Matriz, conforme este registro:

“Curato da Glória, Juiz de Fora 1896 – Arquiconfraria de N. Senhora do Perpétuo Socorro, 3.839 membros; 1896 – Conferência Vicentina, sem indicação; 1902 – Liga Católica Jesus, Maria, José, 500 membros; 1904 – Pia União das Filhas de Maria, 330 membros;

1908 – Obra de São Geraldo, 11.739 membros; 1909 – Círculo São José, 500 membros;

1912 – Apostolado da Oração, 1.700 membros; 1914 – Sodalitium Sancti Gerardi.”241

239 Idem, p. 49. 240 Idem, p. 32v. 241 WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Vol. I. Op. Cit., p. 145.

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Segundo os números, devemos destacar as associações ligadas à

Congregação dos Redentoristas, sendo que a Obra de São Geraldo se encontra em

primeiro lugar, seguida pela Arquiconfraria de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e

a Liga Católica Jesus, Maria, José.

Os estatutos da Obra de São Geraldo nos revelam uma prática de

continuação do catecismo e de inserção dos jovens na vida cristã adulta, pois:

“se compõe de moços de 12 a 16 anos, que sejão de bom costumes e vida exemplar. (...) Art.3. Será esta congregação a preparação para a entrada na archiconfraria da Liga Catholica de Jesus Maria José, de modo que os congressitas depois de completarem 16 annos podem immediatamente entrar na Liga Catholica recebendo diploma e medalha.”242

O efeito prático destas associações foi o desmantelamento das antigas

irmandades e confrarias voltadas para os santos tradicionais, fazendo com que

novos santos ocupassem o seu lugar. Dentro deste contexto, novas festas religiosas

tinham lugar em subs tituição às antigas festas populares. Assim sendo, as antigas

irmandades começaram a perder suas funções propriamente religiosas e foram se

extinguindo. No caso de Juiz de Fora, a Irmandade de Santo Antônio e a Irmandade

de Nossa Senhora do Rosário já não aparecem mais nos registros paroquiais a partir

de 1900, ou passam então para o controle paroquial, como foi o caso da Irmandade

do Santíssimo Sacramento, na Igreja Matriz.

No campo das atividades filantrópicas de Juiz de Fora, torna-se importante

ressaltar o papel das Conferências Vicentinas , entidades paroquiais que, no final do

século XIX, passaram a ocupar o lugar das antigas irmandades. A primeira

Conferência Vicentina foi fundada em 1894, na Igreja Matriz, com o apoio do Pe. Dr.

242 CMIJF – AHPOF. Livro de Tombo do Curato da Igreja da Glória(1894-1925). Cópia, p. 124.

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Café. No início do século XX, já havia três núcleos: na Igreja Matriz, nos Passos e no

Curato da Glória.243

Um balanço mais preciso deste movimento pode ser retirado do balanço

realizado pelos padres Verbitas, no ano de 1925:

“Conferências de S. Vicente a) Conferencias 16 b) Conselho particular 1 Membros 300 As conferencias socorrem a 150 familias, distribuindo lhes mensalmente 1.300$000, além de medicamentos. O conselho Particular mantem as seguintes obras especiais:

1) casas 15 2) onde abrigam familias 22 3) uma escola nocturna 1 4) obra de visita e assistencia aos encarcerados 5) rouparia para os pobres 6) recolhrimento de S. Vicente de Paula, onde abriga quem não tem teto.”244 Outra importante obra idealizada pelos Vicentinos, que não aparece nesta

nota, foi a Associação de Caridade “Pão de Santo Antônio”, fundada por um dos

mais proeminentes Vicentinos, Francisco Baptista de Oliveira245. Muito comum

encontrar nos jornais locais artigos referentes a este movimento, como este:

“A PEDIDOS Pão de Santo Antônio Aviso aos confrades do <<Pão de Santo Antonio>> e <<S.

Vicente de Paulo>> que será celebrada no dia 13 corrente, ás 7 ½ horas da manhã, na Igreja Matriz, uma missa solemne em honra e gloria de Santo Antonio de Padua.

Os pobres socorridos na hora e dia referidos, deverão comparecer á egreja, onde será feita a distribuição de Pães. Os que quizerem commungar deverão preparar-se na vespera.

Francisco Baptista de Oliveira.”246

Ou ainda,

243 Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p. 176. 244 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora (1900-1925). Cópia, p. 81v-82. 245 O nome de Francisco Baptista de Oliveira já apareceu citado neste trabalho anteriormente, ele foi o idealizador do projeto da Academia de Comércio. 246 SMBMMM – Jornal do Commercio, Ano V, 10 de Junho de 1900.

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“DONATIVOS Para o Pão de Santo Antonio recebemos hontem a quantia de 5$, sendo: 1$ de um anonymo, 2$ de uma senhora de Bello Horizonte e 2$ de uma devota. Essa Quantia fica á disposição do sr. thesoureiro, na gerencia desta folha.”247

A caridade tinha como meta específica minorar o sofrimento do homem pobre,

em conformidade com os preceitos cristãos. Numa sociedade assolada

freqüentemente por epidemias, como por exemplo, a febre amarela que grassou a

cidade no ano de 1900, ou em 1918 que “desde a 2a parte outubro alastrou-se a

espanhola fazendo umas 20 vítimas por dia. Alguns estão acamados desde o 1o de

novembro; o po Reitor deitou-se ontem.”248 Entretanto, as piores calamidades

ficavam por conta das constantes enchentes do rio Paraibuna que causavam

enormes prejuízos para a comunidade, como a de 1906 que os Redentorsitas assim

registram:

“As chuvas impertinentes causaram uma enchente pavorosa do Rio Paraibuna que causou muito prejuizo a Juiz de fora. Em redor da cidade e mesma em várias ruas do cidade canoas navegavam à vontade. Muitas pessoas tinham que fugir à toda pressa de suas habitações; dizem os jornais que 2.000 pessoas ficaram desabrigadas.(...) Nesta calamidade pública brilhou a caridade dos brasileiros. Somas avultadas foram entregues para ajuda aos necessitados. Muitos dias foram entregues cartões e talões para comida e roupa.(...) O Pl. R. P. Beukers tinha mandado rezar-se o têrço durante as missas, para as chuvas pararem.”249

A sociedade juizforana foi constantemente castigada por estas enchentes do

Rio Paraibuna, porém, o que nos interessa nesta nota é perceber que, além da

caridade dos brasileiros ser reconhecida pelos holandeses, a atitude do Padre

Beukers, Visitador e Reitor em 1906, é a de mandar rezar o terço para que as

247 SMBMMM – Jornal do Commercio, Ano V, 21 de Abril de 1900. 248 CMIJF – AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentorsiras de Juiz de Fora(1894-1923), p. 223v, Cópia. 249 Idem, p. 106v.

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chuvas parassem, o que nos leva a uma prática típica do catolicismo tradicional

muito difundida na espiritualidade ultramontana. Enfim, é também importante

ressaltar que as Conferências Vicentinas atingiram um âmbito bastante expressivo

com suas atividades assistenciais em Juiz de Fora.

Dentro da mesma estratégia de ação reformadora, encontramos novamente o

nome de Francisco Baptista de Oliveira, desta vez na organização da primeira e

histórica romaria a Bom Jesus do Matozinhos, no dia 24 de maio de 1900, em

Congonhas do Campo. A divulgação do movimento ocupou as páginas dos jornais

da cidade, com anúncios do tipo:

“A PEDIDOS Peregrinação a Mattosinhos Abrir-se-á no dia 20 do corrente, na casa n. 114 da rua Direita, desta cidade, a inscripção das pessoas que desejarem tomar parte na proxima peregrinação ao Santuario de Mattosinhos.(...) Cumpre declarar, todavia, que só poderão tomar parte na peregrinação os catholicos que sincera, verdadeira, religiosamente, tiverem em vista render uma homenagem a Nosso Senhor Jesus Christo.(...) A direção espiritual da peregrinação e bem assim os seus actos religiosos ficam a cargo dos revdmos. Padres Julio Maria, vigario Frederico e Redemptoristas. Ass. Francisco Baptista de Oliveira.”250

O controle dos centros de romaria foi uma medida importante no contexto da

Romanização e Reforma Católica Ultramontana no Brasil. Este movimento de Juiz

de Fora, apesar de ser preparado por iniciativa de um leigo, membro da Conferência

Vicentina, revela-nos que o mesmo está subordinado ao clero no que se refere aos

aspectos espirituais do movimento.

Neste contexto da presença de leigos agindo em sintonia com os padres

reformadores, vale destacar que a elite juizforana atuou como suporte importante na

250 SMBMMM – Jornal do Commercio, Anno V, 22 de Fevereiro de 1900.

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construção do novo imaginário social religioso tridentino. Segundo Libânio, este

imaginário:

“ocupa o interior das consciências e do inconsciente dos indivíduos e da coletividade católica. Sustenta por dentro a identidade. Dá-lhe consistência, validade, força. É motivação de ação, de compromisso.”251

Compromisso que pode ser analisado neste momento de afirmação dos

colégios católicos na cidade. A elite apoiou o processo fazendo-se presente desde

os primeiros tempos. Podemos citar, no momento inicial do Colégio Santa Catarina,

de propriedade da Irmãs de Santa Catarina, a solenidade de bênção do terreno

adquirido para a construção do colégio, na qual estiveram presentes “muitas

pessoas de destaque p. e. o Exmo Agente Executivo Dr. Antonio Carlos de

Andrada252 com sua senhora”,253 ou ainda, este registro mais contundente sobre a

confiança, da principais famílias da sociedade, depositada na educação do Colégio:

“Muitas famílias ricas e distintas(entre elas, as Famílias Tostes, Quinet, Villela, Andrade, Penido) confiaram suas filhas às Irmãs, de modo que as dificuldades econômicas eram vencidas, uma vez que várias alunas pagavam mensalidades justas.”254

Os religiosos(as) são agentes mediadores entre o episcopado e os fiéis, no

intuito de os enquadrar. No entanto, estes religiosos eram em sua maioria europeus,

recém-chegados ao Brasil, que necessitavam de conseguir meios de subsistência, já

que os bispos não tinham recursos para tanto. Como a educação, através do colégio

confessional católico, era um dos objetivos da Reforma Católica Ultramontana no

251 LIBÂNIO, J. B. Volta à Grande Disciplina . Op. Cit., p. 75. 252 Antônio Carlos Ribeiro de Andrada foi um importante político em Minas Gerais. Foi eleito Vereador para a Câmara Municipal de Juiz de Fora de 1901-1904, Prefeito de 1908-1910, depois chegou a Senador Federal e Presidente do Estado de Minas Gerais em 1926. Católico fervoroso, sua presença como Presidente do Estado facilitou em Minas Gerais o projeto de Restauração Católica, aliança de compromisso e cooperação entre o poder espiritual e poder civil, a partir dos anos de 1920. 253 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925), p. 87, Cópia. 254 CMIJF – AHPHOF. Isaho. V.I. 3-4 – Colégio Santa Catarina, p. 3.

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sentido de enquadramento dos fiéis, os religiosos(as) encontraram nas elites o

público frequentador destes colégios possibilitando sua sobrevivência. Os

institutos/congregações de religiosos(as) criaram igualmente escolas gratuitas para

os pobres.

Assim, o projeto da educação católica se estruturava sem dificuldades na

cidade. No Colégio Academia do Comércio, dirigido pelos Padres da Congregação

do Verbo Divino(SVD), o movimento não foi diferente, o ano letivo de 1903 reuniu 75

alunos; em 1910, chegou a 353.255Neste contexto, vale lembrar a orientação

episcopal sobre Educação Católica na Carta Pastoral de 1915, na qual se destaca

que:

“Desejamos ardentemente que se encarreguem da direção de nossas escolas os Religiosos das diversas Congregações de ambos os sexos, aprovadas pela Igreja, os quais deverão adotar os métodos modernos mais aperfeiçoados do ensino primário(Concílio Plenário Brasileiro 464).”256

Importante perceber que no processo de Romanização e Reforma Católica

Ultramontana da Igreja, o episcopado brasileiro valorizou a educação como suporte

de sustentação da formação de uma sociedade católica reformada, ressaltando em

seus escritos que: “Cuidar da educação da mocidade é uma obra em que nunca se

fará o bastante”257, numa meta bem definida de assegurar a permanência dos

valores morais e religiosos católicos, alçando inicialmente o indivíduo, e

posteriormente, a sociedade como um todo.

255 BASTOS, Wilson de Lima. Academia de Comércio de Juiz de Fora. Op. Cit., p. 138-156. 256 Nova edição da Carta Pastoral Coletiva de 1915. Capítulo VIII Escolas Católicas. Canoas, Tipografia LA SALLE, 1950, p. 52. O CPB(Concílio Plenário Brasileiro) foi realizado em 1939 e assumiu a mesma diretriz fixada em 1915. 257 Idem, p. 50.

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De qualquer forma é inegável destacar que neste momento o ensino particular

na cidade de Juiz de Fora sofreu um processo acelerado de europeização. Este

projeto educacional proposto pela Igreja é reconhecido pela elite juizforana, formada

por membros da antiga aristocracia rural e da nova burguesia emergente, como um

processo de modernização da sociedade, o que explica a confiança depositada nos

colégios.

Para assegurar uma melhor formação da sociedade nos valores do

catolicismo reformado, vale destacar a realização de congressos, retiros e

conferências para leigos, realizados neste período. O Primeiro Congresso Católico

Mineiro realizado em Juiz de Fora no ano de 1910 foi gestado numa sucessão de

retiros espirituais dos membros da Conferência de São Vicente de Paulo, realizados

no Seminário de Mariana, de Diamantina e, na Academia de Comércio de Juiz de

Fora. Na assembléia de 1908, na Academia de Comércio de Juiz de Fora, “resolvem

convocar, para os cinco primeiros dias de janeiro de 1910, o primeiro congresso das

associações de catholicos desta Archidiocese”, no qual o principal objetivo “será a

acção social catholica”, sendo “a política é totalmente banida do congresso”.258

Formado por duas comissões de trabalho, uma de Ouro Preto composta por

quinze membros e, outra de Juiz de Fora com vinte e cinco membros e, divididos no

interior destas comissões em cinco temas centrais: Imprensa Católica, Educação e

Instrução católicas, Instituições de Caridade, Mutualidades Católicas e União dos

Católicas, foi o congresso representado por duzentos e noventa e uma associações

258 CMIJF – AHPHOF. Primeiro Congresso Catholico Mineiro – Trabalhos e resoluções. Op. Cit ., 6-7.

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católicas de Minas Gerais e contou com a participação de cento e vinte e cinco

congressistas.259

O discurso inaugural de Dom Silvério é categórico, afirma que a revolução de

1789 prometeu a mais completa satisfação, porém, o povo passou de um cativeiro

para outro jugo e, julgando-se livre, o indivíduo procurou substituir sua pessoa à

sociedade, predominando desta forma a noção de sociedade criada por Jean

Jacques Rousseau no Contrato Social, que negou ao homem a qualidade natural de

ser sociável. A sociedade foi condenada à morte, sucedendo-lhe um novo ídolo: o

Estado, que em breve vingava a sociedade, absorvendo-lhe todos os direitos,

negando-lhe todas as garantias, anulando-a finalmente. O homem não reconheceu

até hoje a sua anulação e continua a considerar-se livre e soberano, sendo que

somente um embargo podia incomodar sua soberania: a submissão a Deus. Era

preciso que não existisse ou pelo menos não se intrometesse em suas cogitações.

Eis a origem, a causa, da crise social que atravessamos, que se manifesta na

questão política, moral, econômica, operária, financeira, etc, que tem origem na

negação da sociedade e no repúdio da sociedade.

Termina seu discurso analisando o caso brasileiro, criticando tenazmente o

Estado republicano que separou a idéia de pátria da idéia de Deus, destacando por

último que o amor de Deus nunca deixará de acompanhar o coração do brasileiro, o

amor da pátria e esse duplo movimento é a explicação da presença de todos no

congresso.260

259 Idem, p. 9-32. 260 Idem, p. 34-9.

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Neste contexto, “os discursos proferidos no Congresso adotavam frases de

efeito, apelativas e nostálgicas, apontando o catolicismo como formador da nação

brasileira, responsável pelo grau de civilidade alcançado pelo país”.261 As teses

debatidas formulavam as principais preocupações da Igreja neste período: imprensa

católica, educação católica, instituições de beneficência, questão operária e união

dos católicos.

Este foi sem dúvida, no contexto da Romanização e Reforma Católica

Ultramontana da Igreja de Jui z de Fora, um momento importante de despertar no

grupo de fiéis que estiveram presentes a necessidade de organização das

associações católicas, para que estas fossem capazes de agir e transformar a

sociedade de acordo com os preceitos do cristianismo.

O contexto mais abrangente da realização deste congresso é em termos

brasileiros o encontro de interesses, objetivos da Igreja e do Estado, que voltam a se

encontrar em torno de um projeto conservador, de formar bons cidadãos e bons fiéis.

As obras católicas começam a ser enquadradas no padrão do pontificado de Pio X

que já as chama de “Ação Católica”262.

Os retiros espirituais para os leigos são uma constante neste período que

analisamos. Encontramos diversos registros destes, tendo como alvo desde as

crianças até os adultos: “De Belo-Horizonte veio o padre de Jong para pregar o retiro

261 OLIVEIRA, Simone G de. A Igreja Católica e o século XIX: Impasses entre a tradição e os tempos modernos registrados no Primeiro Congresso Católico Mineiro. In: MIRANDA, Beatriz V. Dias & PEREIRA, Mabel Salgado(o rgs.) Memórias Eclesiásticas: Documentos Comentados, Juiz de Fora, Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora, EDUFJF, 2001, p. 59. 262 A “Ação Católica” oficial chegou ao Brasil em 1935 através do episcopado brasileiro chefiados pelo Cardeal Dom Leme, do Rio de Janeiro, atendendo a um apelo do Papa Pio XI, que havia oficializado a Ação Católica para todo o mundo. Neste movimento os leigos passaram a ser conceituados como o braço direito da hierarquia eclesiástica.

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às crianças de Sião”263; “O pe Mathysen prega retiro aos vicentinos da cidade”264, ou

ainda; “Como nos annos anteriores realizou-se durante este mez o retiro espiritual

para as Snras Zeladoras do Apostolado, da Confraria e das Senhoras em geral que

nelle quizeram tomar parte. Foi bem concorrido.” 265

Momentos de preparação especiais, como por exemplo a morte, eram a

preocupação dos padres Redentoristas que, no ano de 1912:

“Aos 28 de janeiro introdusiu-se a pratica piedosa da preparação á morte segundo Sto. Affonso, pratica que consiste nisso que no quarto Domingo do mez na missa das 6 horas o celebrante depois dos avisos de costume, em lugar de fazer a pratica, reza com o povo as orações d’este exercicio.”266

Para completar esta visão de conjunto sobre o enquadramento dos fiéis,

temos ainda, as conferências do Pe. Júlio Maria em maio de 1892, nais quais

proferiu uma série de conferências dogmático-morais, com temas voltados para a

mulher, como: “Porque Deus confia a mulheres grandes missões religiosas”, “Santa

Cecília e o paganismo romano” e “Santa Mônica ou a esposa, a mãe e a viúva

cristã”. Lotada ficava a Igreja nas famosas conferências do Pe. Júlio Maria,

chegando mesmo a haver reclamações nos jornais por parte daqueles que se

sentiam prejudicados por não ouvir bem a palavra do pregador, pois:

“Aqueles que não puderam se aproximar do púlpito, perderam quase toda a conferência, ao passo que bem ao centro da igreja viam-se mulheres, carregando no colo crianças que tinham a miúdo fortes acessos de coqueluche, perturbando assim a audição aos que estavam mais distantes.”267

Percebe-se através da nota como eram concorridas as conferências deste

263 CMIJF – AHPHOF. Livro de Crônica da Ca sa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894 -1923), p. 71, Cópia. 264 Idem, p. 156. 265 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925). p. 60v, Cópia. 266 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925), p. 107, Cópia. 267 Cf. AZEVEDO, Henrique Oswaldo Fraga de. A Evolução do Catolicismo em Juiz de Fora(1741-1925). Op. Cit., p. 119.

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famoso pregador e como era necessário não deixar arrefecer o fervor da

comunidade. Com efeito, os padres reformadores utilizavam a estratégia de convidar

pregadores famosos para proferir conferências sobre temas interessantes que

objetivavam chamar o povo a lotar a Igreja.

Entretanto, esta obra de enquadramento dos fiéis está radicada no momento

histórico da cidade de Juiz de Fora, no qual os valores da modernidade iam se

firmando juntamente com as transformações estruturais da sociedade. Assim, estes

valores deveriam ser incorporados na constelação simbólica religiosa e, como

recurso para esta ação, encontramos em Juiz de Fora a presença de uma imprensa

católica ativa, obra dos padres da Congregação do Verbo Divino, o jornal O Lar

Catholico.

O Jornal não difere dos demais jornais católicos deste período. Seus artigos

são voltados para a questão fundamental da Igreja neste período: a inculcação das

idéias, sistemas de valores e padrões de comportamento reformadores.

Nesse sentido vale observar um número bastante grande de artigos voltados

para o comportamento feminino, como este intitulado Horário de uma moça

elegante:

“9 ½ - Levantar-se(Signal da cruz, oração da manhã... nada) Das 9 ½ ás 10 ½ - Lavar o rosto, caiação de pó de ar roz,

rouge nos labios e nas maças tintura de agua oxigenada ou tinta preta nos cabellos, polimento das unhas bem pontudas, arrepiamento dos cabellos na ultima moda.

Das 10 ½ ás 11 ½ - Mirar-se ao espelho, vestir o vestido de filó preto e cantar o Abatjour e um cafézinho.

A’s 12 horas – Almoço. O resto do dia até o jantar, conversas com os almofadinhas, de

janella, leitura de romances, da <Scena Muda>, discussão sobre a belleza da tela, as ultimas novidades dos figurinos, a vida alheia, etc., toda a especie de futilidade e mundanismos.

A’s 5 horas da tarde – Vestir-se de novo, nova caiação, nova pintura, passeio com as amiguinhas e namoro a valer nas esquinas e praças.

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A’s 6 horas – Jantar. E depois... Tocatas, passeios, cinemas, prosas de janella,

namoros, enfim já não sabe que... Deitar-se – Varia das 9 ás 10 quando não há baile, quando o

há á hora que os gallos estão cantando... Que contraste da moça piedosa e sensata! Esta, ás 9 ½ já ouviu Missa, commungou, arrumou a casa, e o resto do dia corre-lhe em actos de virtude, sempre, modesta, grave, sem exaggeros e affectações. Grande será a recompensa de uma jovem christã e virtuosa na Eternidade. A mundana terá que prestar ao Senhor contas dos escandalos que deu e peccados que provoc ou; ao seu encontro irá um Deus que morreu na cruz para mostrar que não é de rosas o caminho do céo.”268

O estilo de vida da sociedade urbana, afetada pelo processo de

modernização que produz transformações profundas na visão de mundo, merece

atenção especial visando a organização, com base nos preceitos católicos, das

vivências domésticas.

Os reformadores souberam aproveitar dos imaginários sociais religiosos para

perpetuar seu projeto de enquadramento, e somando-se a isto uma relativa

autonomia com relação a estes imaginários, dado o seu papel de intelectuais,

podendo redefini-los criativamente.

Concluindo este terceiro capítulo, é Impossível não encontrar uma palavra

elogiosa do bispo Dom Silvério no livro de tombo da paróquia nos seguintes termos:

“Da visita que faço a esta cidade e freguesia de S. Antonio do Juiz de Fora levo impressão mui consoladora pela prosperidade religiosa em que a encontrei: os sacramentos frequentados em proporções admiraveis, os meninos doutrinados com cuidado e com esmero, a escola parochial funcionando com grande numero de alunnos, as associações catholicas em plena atividade: Conferencia de S. Vicente de Paulo, Dama da Caridade, Pão de S. Antonio, Obra dos Tabernaculos, Vocações Eclesiasticas, União Catholica ou Liga Catholica, Apostolado da Oração, Irmandade do SS Sacramento, Confraria do Purissimo Coração de Maria, Guarda d’ Honra, Congregação Mariana dos jovens, Sta Infancia, Pia União das Filhas de Maria, Doutrina Christã, Ordem Terceira de São Francisco. Raro é encontrar tantas obras em uma cidade cuja população não deve exceder a 30 mil almas. Estas associações e as Congregações de mulheres, Servas do

268 CMIJF – AHPHOF. Isaho X. A. Jornal OLar Catholico, 03 de junho de 1923. Cópia.

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Espirito Santo, Irmãs do Bom Pastor e de S Catharina são as que mais auxiliam a acção parochial, cujo zelo reconheço e ate admiro. Por isso aqui deixo consignado meo reconhecimento ao rvdo. Vigario Leopoldo Pfad , e a santa Congregação do Verbo Divino, cujos serviços e beneficios nesta paroquia são dignos dos maiores elogios. Sinto que a escassez do tempo e meo estado não me permittissem completar a visita, o que farei o mais breve que me for possivel. Entretanto pelo que visitei e conheci fico em extremo consolo. Minha bencção ao Rdo Vigario e ao povo desta paroquia, (...) tambem sobre os que ainda permanecem miseraveis aos chamamentos da graça, e complete a obra de regeneração de todos. Juiz de Fora 23 de

junho de 1911. + Silverio Arcebispo de Marianna.”269

Ao longo deste período, a Cúria de Mariana constituía o centro dinamizador

do processo reformador. Ao bispo competia orientar em todos os sentidos o

desenvolvimento da vida católica na cidade, e, como podemos perceber, houve uma

completa sintonia entre a ação paroquial e o projeto do episcopado.

Desta forma, consolida-se na paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora o

processo de Romanização e Reforma Católica Ultramontana e, quando em 1922

Dom Silvério vem a falecer, coube a seu sucessor, Dom Helvécio Gomes de

Oliveira, a criação da Diocese de Juiz de Fora, ocorrida em fevereiro de 1924

através da bula Ad Sacrosanti Apostolatus Officium. O primeiro bispo de Juiz de

Fora, Dom Justino José de Sant’ Anna, tomou posse da nova diocese no dia 1o de

fevereiro de 1925.270

Assim, as relações que se desenvolveram durante o episcopado de Dom

Silvério levaram a Igreja de Juiz de Fora a encontrar-se em sintonia com uma nova

fase da História da Igreja nacional, fase denominada pelos historiadores como

269 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora, p. 47-47v, Cópia. 270 Cf. Azzi, Riolando. Sob o Báculo espiscopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p. 196-198.

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Restauração Católica271, encerrando-se assim, a grande fase de atuação dos

prelados de Mariana em Juiz de Fora.

271 O conceito de Restauração Católica deve ser entendido como um esforço da Igreja nacional, em particular do episcopado, de uma aproximação entre a Igreja e o Estado, no sentido de uma maior colaboração entre as duas instituições. A título exemplificativo desta temática, LUSTOSA, Oscar F. A Igreja Católica no Brasil República. São Paulo, Paulinas, 1991; AZZI, Riolando. O Estado leigo e o Projeto Ultramontano. São Paulo, Paulus, 1994.

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4- OS LIMITES DA ROMANIZAÇÃO E DA REFORMA CATÓLICA

ULTRAMONTANA - UMA SITUAÇÃO DE GRANDES DESAFIOS

Nos primeiros anos do processo de Romanização e Reforma Católica

Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora encontramos um número expressivo de

padres272, porém, muitos destes ainda não se encontravam imbuídos do espírito

reformador, o que colocava o episcopado em uma situação extremamente delicada.

Muitos párocos exerciam funções públicas e políticas273 que lhes consumiam

as energias e o tempo, pouco sobrando para as tarefas mais diretamente eclesiais.

Concebiam, desta forma, a direção da paróquia de maneira muito mais

administrativa do que espiritual. Descuidavam e, alguns até mesmo ignoravam, os

principais problemas religiosos da sua comunidade.

Para a tarefa que se impunha no momento, de Romanização e Reforma

Católica Ultramontana, era necessário um clero secular forte e coeso, voltado

exclusivamente para a obra reformadora. A dificuldade de formar este clero pode ser

sentida não somente no âmbito de Juiz de Fora, mas de toda a arquidiocese de

Mariana ao longo de todo o período que delimitamos para este trabalho, pois em

1919, Dom Silvério, em circular reservada aos párocos de seu arcebispado, reclama

da falta de união do clero, nestes termos:

“São porem menos raros, os que murmurão dos collegas até diante dos seculares, os que ridicularizão seus actos, assoalhão suas faltas, envenenão suas intenções, exagerão seus erros. Se o padre teve uma desgraça, da qual se arrependeo, essa infelicidade, que já obteve perdão inteiro do Coração de Jesus, não obtem compaixão da lingua de um collega, que, com toda sua justiça pharizaica, está nos olhos de Deus muito abaixo do padre publicano , arrependido e

272 Cf. Capítulo III, nota 206. 273 Como por exemplo o Padre João B. Roussin, citado no Capítulo I, nota n. 17.

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perdoado. Tenhamos caridade com todos os homens, e de modo muito especial com os nossos irmãos no sacerdocio.”274

Ao iniciar tal queixa, Dom Sivério faz uso das palavras “convem insistir”, o que

nos demonstra ser esta uma dificuldade que acompanhou todo o processo que ora

apresentamos e, na tentativa de uma solução, o prelado faz uso de uma circular

reservada, um chamamento indispensável na tentativa de formar um clero

harmônico.

A necessidade de harmonia não deve ser entendida somente do ponto de

vista da organização interna da Igreja, deve ser estentida também à sociedade como

um todo. Neste sentido percebemos as dificuldades que teve o Pe. Dr. Café com a

publicação de seu jornal o Lar Catholico.

Dois dias depois do aparecimento do 1o número do Lar Catholico, o redator do

jornal O Pharol, de maneira bastante sutil, procura mostrar quão ineficaz era um

jornal católico, que nascia com uma linguagem distanciada do povo ao qual se

destinava, com as seguinte palavras:

“Recebemos o 1o número do ‘Lar Cathólico’ , periódico de propaganda religiosa, do qual é diretor o Revmo Dr. Venâncio Café. Destinado às famílias, tendo por fim combater erros e heresias que a jornalada, a imprensa perversa espalhada por toda a parte, o ‘Lar Catholico’ deveria ser escrito em linguagem chã, simples, compreensível , mais ao alcance dessa ordem de leitores que pensam com o jornal que lêem deixando-se paulatinamente, imbuir do erro ou da verdade, em matéria de religião. Um periódico, que, além de ser escrito em estilo por demais esmerado tem o luxo de trazer dois artigos-programas, como se um não fosse bastante para definí-lo, corre o riso de ser lido por poucos, o que dificultará em muito o êxito da propaganda, a que se destina. Esse fato, porém, jamais se dará conosco, pois, tendo lido com particular atenção o número de que nos ocupamos, de igual modo leremos os subsequentes, desejando que o ‘Lar Catholico’ tenha próspera e longa existência, para o engrandeciemento da Religião de que é digno ministro o seu ilustrado diretor.”275

274 CMIJF – AHPHOF. Circular reservada ao clero, Dom Silvério Gomes Pimenta, 24 de fevereiro de 1919, p. 8. Pasta Mariana, Cartas Pastorais. 275 SMBMMM – O Pharol, Ano XXV,03 Fevereiro de 1891.

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Com este trabalho do jornal, o Pe. Dr. Café deixa bastante claro sua intenção,

que é a de uma ação no presente com vistas ao futuro, pois seus artigos predizem

imagens de uma sociedade que deveria ser reproduzida num futuro próximo. Porém,

com o alerta do redator de O Pharol , o Pe. Dr. Café não soube fazer uso de uma

linguagem própria para o grande público e, inevitavelmente, lemos a seguinte

notícia:

“Em seu número de domingo último, esse nosso distinto colega de imprensa local declarou suspender definitivamente sua publicação por lhe terem faltado apoio e animação por parte do público. Nós, que conhecemos de perto seu ilustrado e infatigável diretor, somos testemunhas do desinteresse e abnegação com que manteve aquela folha cerca de um ano. É de lamentar que os verdadeiros crentes dos princípios religiosos defendidos pelo Lar Catholico não o tenham auxiliado como deviam.”276

Na realidade, o que podemos perceber é que o fechamento do jornal

católico, nestes primeiros anos do movimento reformador na paróquia de Santo

Antônio de Juiz de Fora, se deveu, além da dificuldade apontada pelo redator do uso

de uma linguagem escrita em estilo por “demais esmerado”, ao fato de não haver

ainda neste momento um público receptor para o discurso reformista emitido pelo

jornal.

A falta de auxílio dos próprios católicos para a imprensa católica, apontada

pelo editor do jornal O Pharol, deve ser analisada num contexto maior, não só de

desinteresse pela imprensa, mas também de que de uma maneira geral, a

sociedade juizforana encontrava-se adormecida para uma participação mais efetiva

da prática religiosa segundo as diretrizes reformadoras. O Pe. Júlio Maria deixa claro

em seus escritos as dificuldades encontradas nos primeiros anos:

276 SMBMMM – O Pharol, Ano XXVI, 20 de Setembro de 1892.

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“A multidão dos fiéis vive persuadida de que um santo, por exemplo, Santo Antônio, São Sebastião, ou São Benedito, dispõe soberanamente, sem dependência de Jesus Cristo, dos tesouros da Igreja; e que basta honrá-los com septenários ou novenas, missas cantadas, sermões e procissões para que removam -se os flagelos, evite-se a peste, atraia-se a graça e se consiga a salvação.”277

A cidade de Juiz de Fora nos anos de 1890 era bem o modelo da vivência do

catolicismo brasileiro de antes da reforma pretendida e perseguida com todas as

forças pelo clero reformador, o qual como podemos perceber ainda não obtivera nos

primeiros anos, os frutos pretendidos.

O Pe. Júlio Maria relembra o episódio bíblico de Nínive, uma cidade cuja

iniquidade havia ultrapassado os limites da compaixão divina, comparando-a com

Juiz de Fora nestes termos:

“Oh! Se esta cidade quisesse a salvação! Oh! Se este povo quisesse a graça! Eu estimo esta cidade, eu amo este povo; mas não posso encobrir os castigos que o Senhor lhe reserva. Ele me ensina nas suas Escrituras que, em sua mente divina, tem certa medida destinada aos pecados não só de cada homem, e de cada nação, mas também de cada cidade.”278

E completa sua argumentação de forma expressiva: “Oh! Eu quisera ser o

Jonas desta cidade; eu quisera que ela me desmentisse.”

Os frutos pretendidos pela ação reformadora podem ser observados de forma

mais clara a partir do início do século XX, como vimos no capítulo anterior, com a

investida e atuação bastante eficaz dos religiosos europeus que desembarcaram em

Juiz de Fora com a finalidade de dinamizar a ação do clero e enquadrar os fiéis no

modelo romanizador.

Porém, não podemos pensar que a atuação destes europeus se realizou sem

nenhum tipo de dificuldade. Para analisar este ponto baseio-me nos documentos

277 MARIA, Júlio. O Deus Desprezado. Juiz de Fora, Tip. Americana, 1895, p. 64. 278 MARIA, Júlio. A Graça. Juiz de Fora, Tip. Americana, 1897. p, 24.

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dos padres redentoristas holandeses, pois estes registraram esta questão de forma

muito contundente. Assim, encontramos logo no início as suas reclamações no que

se refere à questão da moradia:

“Nossa hospedagem é bastante précaria. A casa tem só cinco quartos; dois maiores e dois menores com além disso um corredor e uma cozinha. Os revmos padres Helsen e Mathysen moram juntos e um dos quartos maiores; o outro quarto maior serve de refeitório, sala de recreio etc. O irmão Gregório dorme no corredor entre a cozinha e o resto da casa. Os dois outros são hospedados num pequeno quarto em frente à sacristia na igreja. Estão faltando muitos móveis.”279

Porém, com o anúncio da construção do convento ao lado da igreja, seguido

por pedidos de cooperação, aparecem listas e muitos registros de presentes de

famílias de posses, como este de outubro de 1894: “Hoje ganhamos de presente um

trono para exposição. Foi presente da família Weit, que nos deu também uma bíblia

portuguesa em dois volumes com anotações.”280 Mas as dificuldades continuam

sendo registradas, principalmente no que se refere à demora do material que deveria

chegar da Holanda. Em janeiro de 1895, temos o seguinte comentário:

“Afinal chegaram os três missais novos e os três pro Defunetis de Pustet . Foram encomendados aos 31 de julho; tinham chegado ao Rio aos 24 de outubro! Estamos na Terra da ‘Paciência’”281

. Estas dificuldades de transporte e comunicação irritavam os padres

holandeses recém-chegados ao Brasil, mas parece ter sido a língua portuguesa a

maior dificuldade nos primeiros anos, uma necessidade para engajar-se na pregação

das Santas Missões e nos serviços pastorais do curato. Nesse sentido o ambiente

tornou-se tenso, e o desabafo do Pe. Lohmeyer, do dia 16 de fevereiro de 1895, feito

em carta ao padre Provincial da Holanda reflete bem a situação:

279 CMIJF – AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923). Cópia, p. 17. 280 Idem, p. 20. 281 Idem, p. 23.

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“Ainda não me adaptei ao novo ambiente, tenho que ficar na inatividade por causa do desconhecimento da língua e do povo. Isso provocou uma crise em mim. O padre Matias Tulkens é um homem dominador, quer fazer tudo sozinho. A nomeação do padre Schrauwen foi um erro..., ele é um incompetente. Na igreja houve 3700 comunhões, mas são incluídas as dos nossos irmãos, das beatas e do colégio das moças. O padre Tulkens fez em dez minutos 34 erros de português. O Morro da Glória convida à ociosidade. Sinto-me muito infeliz e não encontro consolação junto dos confrades.”282

Sobre seus próprios conhecimentos da língua portuguesa, o mesmo padre

escrevia um pouco antes: “Estudo o dia inteiro, mas continuo a fazer erros de

pronúncia e não entendo nada, quando alguém fala.”283

Esta situação de dificuldades com a língua portuguesa gerou impedimento na

eficácia das Santas Missões, conforme assinala o Pe. Wayenburg, segundo Reitor

do Curato de Nossa Senhora da Glória em Juiz de Fora:

“Muitos sermões não são entendidos por causa do sotaque e por causa do barulho e da algazarra que o povo faz na igreja. Na Holanda não se pode ter idéia da situação. Muitas vezes, o pregador deve interromper o sermão para pedir silêncio. Os homens saem da igreja durante o sermão – uns para fumar cigarro, outros para tomar um trago de pinga. O povo faz das missões uma festa à brasileira: foguetes, bandas de música e discursos. Melhor seria menos movimento externo e mais profundidade.”284

Esta decepção expressa pelo padre reflete o impacto, nos primeiros anos, do

conflito da cultura européia com a brasileira, pois para os brasileiros a Igreja

continuava sendo o local da festa, do encontro e da alegria. A possibilidade de uma

conversão em profundidade pretendida através das Santas Missões, passa a ser

questionada pelos próprios missionários:

“Quando a gente se limita à leitura das cartas publicadas no ‘Missionário do Povo’, então se admira muito os grandes

282 APRJ, Cartas dos fundadores e primeiros missionários: Carta do Pe. Lohmeyer ao Pe. Provincial da Holanda, Juiz de Fora, 16 de fevereiro de 1895. Apud: WERNET, Augustin. Op. Cit., p. 19. 283 Idem. Carta do Pe. Lohmeyer ao Pe. Oomen, 15 de agosto de 1893. Apud: WERNET, Augustin. Op. Cit., p. 20. 284 Idem. Carta do Pe. Wayenburg, 18 de agosto de 1898. Apud: WERNET, Augustin. Op. Cit., p. 162.

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resultados. Olhando, porém, tudo de mais perto pensa-se diferentemente.

É suficiente para julgar os frutos das missões basear-se apenas nos números de confissões e comunhões?

A conversão é permanente? Como são as confissões? Há verdadeira disposição? Em cinco lugares foi realizada a renovação, apenas em um

lugar se percebeu algo da missão anteriormente pregada. E isto foi num lugar, onde o vigário cumpre os seus deveres.”285

A ausência de mudança de mentalidade deve ser pensada também como

fruto da periodicidade das próprias missões, pois “a partir de 1900, a duração da

missão foi mais bem definida: 5 dias para vilas pequenas, 8 a 10 para vilas e cidades

médias e 12 a 15 para cidades maiores”286. Porém, muitas vilas recebiam os

missionários em espaços de anos, o que certamente dificultava um processo de

verdadeira conversão na ótica dos missionários. Em dias de missão todos se

voltavam para a igreja, mesmo fazendo da missão uma festa à brasileira, depois

ficavam sob os cuidados do vigário local, que tradicionalmente não tem vida religiosa

regular, não sendo capaz de manter os resultados dos dias de missão.

Quando ao desconforto em tempos de missão a queixa é clara, assim escreve

o Pe. Wiegant:

“Não há cerveja, não há vinho, somente água tirada do rio, a igreja descuidada e miserável..., e não passo nenhum dia, nenhum momento, sem me irritar por causa de um ou outro ponto na sacristia, na casa, na mesa, em toda a part e a gente encontra coisas que incomodam, escandalizam e enjoam.”287

O mal-estar provocado por esta situação de desconforto por ocasião das

missões populares, com respeito à falta de cultura do povo, sobretudo, a

simplicidade do povo da roça por seu caráter indolente, que durante o sermão sai

285 Idem, Ibid. 286 WERNET, Augustin. Os Redentoristas no Brasil. Vol. I. Op. Cit., p. 158. 287 APRJ, Cartas dos fundadores e primeiros missionário. Carta do Pe. Wiegant , 17 de agosto de 1898. Apud: WERNET, Augustin, Op. Cit., p. 163.

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para fumar e tomar um trago de pinga, torna-se menos relevante se analisarmos a

oposição aos padres holandeses por parte de certos segmentos da sociedade que

se encontravam nos grandes centros urbanos. No caso de Juiz de Fora, a oposição

torna-se clara e, realiza-se sempre através da imprensa liberal. Para ilustrar esta

questão usaremos como exemplo as Missões que foram pregadas pelos padres

Francisco Lohmeyer, Afonso Mathysen, Adriano Wiegant e Paulo Tweehuisen, de 26

de maio a 10 de junho de 1906, na Igreja Matriz. O ponto de atrito e de divergência

foi o sermão pregado para as moças sobre o sexto mandamento, o que acabou por

levar as Santas Missões para as manchetes dos jornais, da seguinte maneira:

“Pessoas que têm assistido ás missões que ora se prégam na egreja matriz desta cidade, aliás muito bons catholicos, pedem-nos que chamemos a attenção do revd. Vigario da freguezia para os termos improprios de que usam os reverendos prégadores. Segundo as informações que nos foram ministradas, chegam os termos por elles empregados no pulpito a constituir desenvoltura de linguagem, sob pretexto de ensinamentos moraes, digna até de severa repressão. Entretanto em minucias incovenientes, embora, julguem ser isso proprio ao aperfeiçoamento moral dos fieis, descrevem os prégadores, em côres vivas, certos e determinados peccados que nossas jovens não commettem e nem de nome conhecem, porque a familia brasileira é tradicionalmente moralizada, porém que ficam sabendo pela simples audição de similhantes prédicas.(...) Os pais de familia no Brasil sabem dar a seus filhos, pelo exemplo e pela educação, ensinamentos de sã moral. Nem para isso jamais necessitam de missões. Com ellas ou sem ellas, a sociedade brasileira é o que é: moralizada e honesta, pela única direção que os nossos chefes de familia, sempre souberam imprimir á cultura moral de sua prole. Essas prédicas talvez se adptem á educação de tribus nomadas do centro africano.”288

O certo é que os padres redentoristas holandeses, apesar de perceberem a

educação diferenciada dada aos moços e às moças, pois isto sempre foi muito claro

na sociedade brasileira do final do século XIX e início do século XX, continuavam a

288 CMIJF – AHPHOF. Isaho. V.E.6 – Artigos e jornais(1906). Correio de Minas, 06 de junho de 1906, Cópia.

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dar ênfase no sermão à questão da impureza. Assim, as contestações e

agressividades contra os pregadores aparecem de forma enfática, com artigos

assinados na imprensa liberal, como este de Celso Dianrte, no qual ressalta:

“E’ preciso que, de uma vez para sempre , se callem nos pulpitos dos templos catholicos umas tantas vozes que, longe de concorrerem para a regeneração dos nossos costumes vem despertar sentimentos condemnados pela religião, que essas mesmas vozes julgam apontar ao povo como a única que nos conduzira pelo caminho do Bem e da Virtude.”289

Esta oposição nos meios urbanos foi qualitativamente mais importante e

demonstra-nos a existência de católicos com atitudes de benevolência para com os

outros grupos religiosos existentes na cidade, mas é especialmente agressiva

quanto às pregações dos missionários, além da crítica à idéia de um imaginário

social católico como o único capaz de levar o homem ao plano da salvação eterna.

Neste contexto de oposição contra os padres missionários, inserem-se

naturalmente críticas ao processo de substituição do clero nacional por estrangeiros.

A questão pode ser observada no mesmo artigo de Celso Dinarte, que faz a

seguinte observação:

“De um certo tempo a esta parte tem-se notado no clero brasileiro o desapparecimento dia a dia dos padres nacionaes, e o surgimento sempre crescente de padres estrangeiros, cuja procedência muitas vezes ignorada causa certo mau ver áquelles que, religiosos, catholicos por convicção e não por phanatismo, se interressam pela religião e desejam vel-a sempre triumphante, quer no conceito do povo, quer nos embates com as seitas que lhe são adversas.”290

Pelo fato de serem estrangeiros, de desconhecerem a cultura e costumes do

povo, o estilo de suas pregações nem sempre correspondia às expectativas e

necessidades do povo, provocando desinteresse e críticas. Desta forma, vale

ressaltar que as críticas ao clero estrangeiro aparecem sempre acompanhadas da

289 CMIJF – AHPHOF. Isaho. V.E.6. Artigos e jornais(1906). Correio da Tar de, 09 de junho de 1906, Cópia.

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afirmação de que Juiz de Fora tinha um padre que por si só era uma garantia para a

religião católica, a referência é sempre para o Pe. Júlio Maria.

Entretanto, as críticas ao processo de europeização do clero brasileiro não

pode ser analisada apenas em termos de Juiz de Fora, de maneira mais geral houve

reação em todo o país a este movimento. No livro de crônica dos Redentoristas , em

janeiro de 1900, encontramos o registro de que:

“O Jornal do Comércio(do Rio) trouxe alguns artigos(transcritos do Diário de Minas) contra o clero estrangeiro que em tudo são privilegiados pelos bispos e ao clero nacional tiram as paróquias mais pingues. Fala-se aí também de nós que em tão grande número estamos no morro.”291

O certo é que esta crítica valia para todos os padres estrangeiros, assim

como para o episcopado brasileiro, pois eram estes os responsáveis pela presença

de um número tão grande de estrangeiros em suas dioceses.

Vale somar a todas estas questões, as dificuldades vividas pelos

Redentoristas holandeses em Juiz de Fora ao se envolverem em duas questões

extremamente desgastantes: as conhecidas ‘Questão Alemã’ e a ‘Questão São

Roque’292. Apesar do desfecho de ambas as questões terem sido favoráveis aos

padres holandeses, foram questões que se arrastaram durante anos, geraram

descontentamentos, desentendimentos e antipatia de um número bastante grande

de imigrantes que se havia fixado na cidade.

Importante destacar nesta questão que os imigrantes italianos que entraram

em atrito com os holandeses, por volta de 1902, quando foi instalada a Irmandade

de São Roque, resistiram até o ano de 1920, ano da doação da Capela de São

290 Idem. 291 CMIJF – AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894 -1923). Cópia, p. 63 v. 292 Cf. Capítulo III deste, Questão Alemã p. 96, Questão S. Roque p.113, nota 215.

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Roque à Arquidiocese, o que demonstra que não foi fácil para os Redentorsitas o

controle das Irmandades.

Além de todas estas questões delicadas, apresentadas até agora, torna-se

necessário registrar que a Igreja Católica de Juiz de Fora, no final do século XIX,

não detém mais a hegemonia religiosa sobre a população. Segundo Camurça,

“Em 1907, a Câmara Municipal procede a um recenseamento da população, chegando ao seguinte resultado com respeito ao percentual de adeptos das religiões na cidade: Católicos: 26.785, Protestantes: 441, Espíritas: 226, Ignorado: 2.464.”293

Assim, diante deste contexto de pluralidade religiosa, encontramos um terreno

apropriado para a competição entra as diversas tendências apontadas, às quais

ainda devemos somar a maçonaria. Competição acirrada, que por vezes chegou

mesmo a embates com o uso da violência.

4.1- Os principais adversários da Instituição Eclesiástica

4.1.1- Os Protestantes

Os protestantes em Juiz de Fora encontravam-se divididos entre luteranos e

metodistas. Os primeiros luteranos chegaram à Juiz de Fora no contexto da

construção da estrada União e Indústria(1857)294, num momento em que o processo

de Romanização e Reforma Católica Ultramontana ainda não começara a se

processar na região.

293 CAMURÇA, Marcelo Ayres. A carta pastoral de Dom Justino e o “Juramento de Fidelidade à Igreja”: controle do rebanho face às ameaças do “lobo voraz” espítita! In: MIRANDA, Beatriz V. Dias & PEREIRA, Mabel Salgado. Memórias Eclesiásticas: Documentos Comentados . Juiz de Fora, Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora, EDUFJF, 2001, p. 99. 294 Cf. Capítulo I, p 26.

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Em 1861, quando Dom Pedro II visitou a cidade, os colonos alemães

protestantes solicitaram que fosse cumprida a determinação da condição Sexta do

contrato assinado pela Companhia para importar colonos:

“O Governo Imperial auxiliará com a quantia de Rs. 4:000$000(quatro contos de réis) a construção de uma casa de oração sem forma de templo, para os colonos que não seguirem o culto católico. Este auxílio será realizado logo que haja um número de religião dissidente superior a quatrocentos.”295

Tendo neste momento um número superior, 507 protestantes, Dom Pedro

atendeu ao pedido dos colonos e o templo foi construído. O atendimento espiritual

era feito, inicialmente, pelo Pastor Bernharrd Pflüger, pastor de Rio Novo, na

província do Espírito Santo, e posteriormente, pelo Pastor Gottlieb Strölle, residente

em Petrópolis-RJ. Para atender seus fiéis, deslocava-se uma vez por mês de

Petrópolis, permanecendo em Juiz de Fora por três dias. Os alemães protestantes

construíram também uma escola, porém, segundo os relatos do Pastor Strölle, a

formação das crianças era deficiente.

Segundo Dreher, não consta nenhum atrito entre católicos e protestantes no

interior da colônia alemã, pelo contrário, estavam organizados e em sintonia quanto

à questão religiosa, pois antes da construção do templo, “construíram uma escola,

na qual aos domingos, primeiro os católicos e depois os protestantes, assistidos pelo

professor Waltenberg, realizavam seus cultos”296, assim como se realizavam

casamentos entre estes. Nestes casos, de casamentos interconfessionais, tornava-

se necessária a autorização do bispo de Mariana, como o processo que segue:

295 STEHLING, Luiz José. Os alemães em Juiz de Fora, p. 276. Apud: DREHER, Martin N. Imigração alemã e protestantismo em Minas Gerais, ao longo do século XIX . Juiz de Fora, Revista RHEMA, 1998, v. 4, n. 16, p. 94.

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“Francisco Rodrigues de Paula, da ordem de Cristo, Oficial da Rosa, Arcipreste da Catedral, Provisor e Vigário Geral G. S.

Faço saber que não podendo contrair o sacramento do Matrimônio como pedem, impedidos os senhores abaixo declarados, dei a minha sentença de teor seguinte: VISTO estes autos de dispensa do Sr. Carlos Taucher e Eva Tebanu, residentes na freguesia da cidade de Paraibuna deste Bispado, ambos alemães da nação deles demonstraram serem os próprios ligados com o impedimento de “Cultos Disparitus” por ser esta protestante e aquele católico romano. Provando-nos ser a senhora po bre e órfã de mãe, e mesmo o senhor com seu ofício e agência a poder amparar e ela não foi raptada. Segundo vistos pela justificação junto, tendo eles provado estado livre e a senhora assinado termo de não embaraçar seu consorte no exercício de sua religião católica e de educar e criar seus filhos(quando os tenha) na religião católica, usando dos poderes concedidos aos Exmos. Srs. Bispos do Brasil, pelo Santíssimo Padre Pio IX no breve que começa – UNIVERSI DOMINICE GREGIS – expedido em Roma aos 17 de março de 1848, e a mim cometido por sua Exa. Revma., dispenso os referidos senhores do mencionado impedimento – Cultos Disparitus – para que se possam receber em Matrimônio que será celebrado, fora da igreja e sem bênção ou outra formalidade religiosa, e nesta forma se lhes dê sua sentença. Mariana, 26 de outubro de 1858. Francisco Rodrigues de Paula, Bispo.”297

Nestes termos, apesar da presença deste grupo de protestantes luteranos na

cidade, o processo de aculturação que se desenvolveu não foi tão negativo para a

Igreja Católica, pois sendo os filhos destes casamentos educados na doutrina

católica, o resultado parece ter sido positivo.

Vale notar que a situação que se desenvolve com a “Questão Alemã” leva os

luteranos a concentrar forças num projeto de resistências contra os padres

holandeses. A falta de um projeto maior, de afirmação de sua religião, pode ser

analisado em parte pelo direcionamento que foram obrigados a dar na busca de não

perder aquilo que consideram como seus bens. Assim, vemos representantes do

Culto Evangélico Mariano Procópio em Mariana na luta por esta causa, como deixa

296 DREHER, Martin N. Imigração alemã e protestantismo em Minas Gerais, ao longo do século XIX. Juiz de Fora, Revista RHEMA, 1998, v. 4, n. 16, p. 94. 297 Citado por STEHLING, Luiz José. Companhia União Indústria e os Alemães . Projeto Documento – Coleção Juiz de Fora I. Juiz de Fora, Prefeitura Municipal, 1979, p, 274.

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clara a correspondência do Pe. Adriano Wiegant a Dom Silvério, em novembro de

1907:

“Junta com esta vai a exposição escrita da questão religiosa, onde V. E. achará tudo o que poderá elucidar a questão com os documentos relativos a ella. Assim como nós apresentamos a V. E. copias authenticas de todos os documentos, que provam que a Capella da Gloria com seu patrimonio, o cemiterio e as escolas são bens aclesiasticos, assim seja permittido lembrar a V. E. que exiga tambem dos membros da comissão, que irão procurar V. E., copias de todos os documentos pelos quaes elles pretendem provar que a Capella da Gloria e o cemiterio e o patrimonio e as escolas são bens civis.”298

Uma história de resistências que ainda não foi totalmente desvendada pelos

historiadores, mas que nos indica perdas, tanto para os alemães, que tiveram seu

culto desestruturado, quanto para os Redentoristas, que se envolveram em uma

questão bastante desgastante também, tirando energias que poderiam ter sido

empregadas no processo de Romanização e Reforma Católica Ultramontana.

Porém, com os metodistas as relações que se desenvolveram não foram

totalmente diferentes. Os primeiros misssionários metodistas chegaram a Juiz de

Fora299 em maio de 1884. São eles: Samuel Elliot, Hemann Gartner e Ludgero de

Miranda. Alugaram uma casa à Rua Santo Antônio n. 10 e, em seu piso térreo,

montaram uma casa de culto público. Durante três semanas pregou alí o Rev.

James L. Kennedy, porém, os tempos não eram mais aqueles tempos pacíficos

298 AEAM – P. 12, A. 4, G.1. Correspondência dos Redentoristas com Dom Silvério. 299 A estratégia missionária metodista no Brasil teve como prioridade à educação das classes dominantes, assim, a escolha de Juiz de Fora deve-se ao fato de seu “desenvolvimento econômico, sua influência política e sua posição geográfica estratégica, era, na época, o principal centro republicano e maçom da Província. Os pastores metodistas concebiam-na como o Vaticano do Metodismo Brasileiro”. Cf. MESQUIDA, Peri. Hegemonia Norte-Americana e Educação Protestante no Brasil. Juiz de Fora/São Bernardo do Campo, EDUFJF/EDITEO, 1994, p. 124

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entre católicos e protestantes alemães, sendo as pregações do pastor interrompidas

quando a casa foi apedrejada sob a liderança de um padre católico.300

Mesmo sob pedradas, os metodistas criaram no centro da cidade uma

congregação e, em 1886 colocaram em circulação o ‘Metodista Católico’, com o qual

procuravam rebater as críticas que lhes eram feitas301. Em 1890, fundaram o Colégio

Americano Grambery, com uma prática educacional:

“preocupada com o ensino prático e eficiente, identificado com uma pequena burguesia e com as camadas médias urbanas ascendentes, mais dinâmicas, menos tradicionais, ligadas, em parte, ao comércio e à industria nascente, como também a certos tipos de profissões liberais”.302

O sucesso do Colégio Grambery, com a criação das Faculdades de Farmácia

e Odontologia em 1904 e, em 1912, com a Faculdade de Direito é indiscutível, o que

levou a uma disputa mais acirrada com os representantes da Romanização e

Reforma Católica Ultramontana.

O confronto entre as partes passou a ilustrar as páginas do principal jornal

liberal da cidade O Pharol. Para responder às críticas dos metodistas, temos como

representante da Igreja Católica o Pe. Hipólito de Oliveira Campos, 5o vigário da

Igreja Matriz. Os ataques se fazem seguindo um jogo de controvérsias, como esta

sobre o culto das imagens dos santos:

“’Porque tiramos o chapéo – O culto das Imagens’ Assinado Padre H. Campos Os autores da Reforma tem pret endido prover ser o culto das imagens uma idolatria. <<Mas, diz ainda Leibniz, que não pode ser suspeito, depois de haver demonstrado que não se reconhece outra veneração ás imagens além de que se refere ao original, não há mais idolatria neste culto do que n’aquele que se rende a Deus e ao Christo. (...)

300 Cf. DREHER, Martin N. Op. Cit., p. 97. 301 Idem, Ibid., p. 98. 302 CHRISTO, Maraliz de C. Vieira. Europa dos Pobres: a belle-époque mineira. Juiz de Fora, EDUFJF, 1994, p. 59.

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Na egreja toda a honra tributada ás imagens se refere aos originaes, pelos quaes rendemos nossas homenagens ao Deus Eterno, único que merece as honras divinas, e cujos beneficios admiramos nos outros, vendo suas imagens, afim de que esta vista nos anime cada vez mais a consideral-o como o fim derradeiro>>(Leibniz – Système de theologie – p. 144 e 150).

Devemos, pois, para serem consequentes consigo mesmos concordar equalmente que o culto das imagens, auctorisado em todos os tempos na Egreja catholica, nada tem de commum com o culto dos idolos.”303

Como podemos perceber, o Pe. Hippólito é um homem de cultura, sustenta

suas afirmações com base nos escritos de um grande filósofo. A resposta do pastor

metodista aparece no mesmo jornal três dias depois, nos seguintes termos:

“’Resposta á defeza das imagens pelo padre Hyppolito’ Assinado por J. W. Wolling Pastor da Egreja Methodista.

Uma pessoa bem séria e respeitavel me contou que durante a semana santa, nesta cidade, não muito longe daqui, um padre estava pregando e, apontando a uma imagem presente, gritou: <<Olhae a mãe de deus, olhae as lagrimas della>>; e o povo curvou na presença da figura.(...)

E a quem toda a culpa dessa tolice? A voz quasi unaime responde: aos padres.

Por tres seculos elles tém tido o privilegio de ensinar ao povo deste paiz, e em vez de expor-lhe a palavra divina e lhe ensinar o culto de Deus, simples e espiritual como nosso Divino Mestre nos ensina dizendo: Deus é espirito; e em espirito e verdade, é o que devemos adorar, elles tém perdido tempo com as imagens sem valor algum.(...)

Em conclusão, supponhamos que no passado houvesse um proveito em collocar as imagens nas egrejas, é necessario continuar esta prática no Brasil de geração em geração? Quer o padre dizer que a nação brasileira depois de tres seculos de adoração as imagens, ainda acha-se na infância, deleitada com os brinquedos duma criança.”304

A maior critica do pastor refere -se à questão de como poderiam os fiéis

discernir as diferenças entre Cristo e os santos. Este jogo de respostas ousadas, de

críticas à pratica de um e outro são uma constante nos jornais, até que um

acontecimento inédito, considerado pelos católicos escandaloso, viria abalar ainda

mais as relações com os metodistas. O principal envolvido no escândalo é o próprio

303 SMBMMM – O Pharol, Ano, XXIV, 16 de Abril de 1890. 304 SMBMMM – O Pharol, Ano XXIV, 19 de Abril de 1890.

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Pe. Hippólito que, depois de tantos anos a julgar e criticar a doutrina protestante

passa a considerá-la como verdadeira e converte-se ao metodismo em fevereio de

1900. O ex-padre explica sua atitude relatando que:

“Deixei sem pezar e sem tristezas a freguezia de Juiz de Fora, devolvendo por duas vezes ao meu bispo a ultima provisão de vigário da vara daquela comarca eclesiástica. Fui para roça, e, lá, retirado das agitações dos grandes centros, pude estudar melhor as Santas Escrituras, e assim me convencer, mais e mais, das heresias e abominações do papismo.

No meu retiro, modesta morada, foram procurar -me com o fim de reconduzir-me ao seio da Igreja Romana, muitos amigos e algumas comissões representando corporações católicas e acatólicas. Senti-me tão contrariado e oprimido com tantos pedidos e propostas desses amigos e comissões, que, conhecedor já da recomendação de S. Paulo Apostolo, que os presbíteros e diaconos, salvo motivo especial, devem ser maridos de uma só mulher, tomei a resolução definitiva de me casar, não somente para definir-me perante a sociedade e viver de harmonia com a vontade de Deus, mas também para com esse ato, separar-me por completo da doutrina romanista e livrar-me das propostas absurdas, dos amigos meus e do bispo.”305

Cumprindo a promessa, o ex-padre casou-se em curtíssimo prazo de tempo,

retornando a Juiz de Fora e ingressando definitivamente como ministro na Igreja

Metodista. Em setembro, do mesmo ano de 1900, publicará seu primeiro artigo

entitulado “Porque deixei a Egreja Romana”.

O escândalo da conversão do padre ao metodismo mistura-se com a chegada

em Juiz de Fora da Congregação do Verbo Divino. No livro “Sinais da Igreja no Juiz

de Fora”, escrito pelo Cônego Francisco M. de Oliveira, nota -se uma preocupação

do autor em demonstrar a falta de entendimento entre o Padre Hippólito e os

verbistas, além disto fica claro que neste momento o processo de Romanização e

Reforma Católica Ultramontana caminhava e, portanto, não havia espaço para os

padres que não fossem realmente celibatários.

305 CMIFJ – AHPHOF. Anuário do Concílio Regional Norte – 20 de julho de 1932, p. 47.

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Os padres redentoristas registraram, em agosto de 1900, a atitude do ex-

padre da seguinte forma:

“De acôrdo com as últimas notícias, apostatou-se formalmente o ex-vigário de Juiz de Fora, Hipólito de Campos e passou para os metodistas. Num manifesto venenoso comunica êste fato no folheto metodista ‘Jornal cristão’ de hoje. Com a bíblia na mão tenta provar que o celibato dos sacerdotes católicos é um abuso e que ele tinha feito bem em casar -se com a tal viúva. Depois de êle xingar muito o bispo de Mariana, os papas e as práticas perniciosas que se infiltraram na igreja católica de hoje, declara ter passado para a doutrina dos metodistas a qual lhe dera a paz do coração há tanto desejada!!! O tal ‘manifesto’ transborda de fel. Se o homem não teria falado mais acertado em dizer que afinal achara uma amásia há tanto desejada, e que obteve em troca do seu papel de Judas um bom ordenado na seita dos metodistas, disso nada se diz! (...) E assim vamos despedir-nos nestas crônicas dêste infeliz apóstata.”306

Despedir-se do ex-padre neste momento não quer dizer que os conflitos entre

católicos e metodistas se tornaram amenos. Este foi, sem dúvida, um escândalo que

abalou o processo reformador, porém, as divergências continuaram e chegaram ao

extremo da violência em junho de 1906, no contexto das Santas Missões pregadas na

Igreja Matriz, já citada anteriormente. O momento é de fanatismo religioso, as notícias dos

conflitos entre as partes podem ser lidas nos principais jornais da cidade, como esta:

“Não sabemos que providencia haja tomado a policia com relação aos conflictos de ante-hontem occorridos no atrio da matriz, por causa do fanatismo religioso excitado de meia duzia de irresponsaveis e boçaes. Entretanto, parece-nos que este um caso, pela sua brutalidade e pela furia de que deram mostra os agressores, ao qual não deve faltar a prompta acção da policia. Além do espancamento de Heitor Menegale, que aliás commeteo a imprudência de ir se metter onde não era seu logar, há os ferimentos produzidos na pessoa de Octavio Pimentel Barbosa, que ali descia tranquillamente pela rua do Espirito Santo e que escapou de ser morto ás mãos dos desordeiros fanaticos, porque o dr. José Mariano corajosamente enfrentou, de revolver em punho, os caceteiros do fanatismo.”307

306 CMIJF – AHPHOF. Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894 -1923). Cópia, p. 69v. 307 CMIJF – AHPHOF. Isaho V.E.6 – Artigos de jornais de 1906. Jornal Correio de Minas , 09 de junho de 1906, cópia.

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A nota dá conta do grau de fanatismo dos católicos que se sentiam

incomodados, e talvez inconformados, com a presença de um protestante no

momento da pregação na Igreja Católica.

Violência à parte, vale ressaltar que houve um grande esforço por parte dos

padres redentoristas em dar respostas a todas as ações possíveis dos metodistas no

que se refere à tomada do espaço católico. Assim, lemos em 1906 que:

“Para cortar a propaganda methodista que se fazia no bairro da Tapera por uma aula nocturna , que os sectarios tinhão aberto, o Rmo. Pe. Capellão Cura tratou de abrir em 10 de setembro uma aula nocturna gratuita no mesmo bairro, correndo as despesas com professora etc etc por conta dos Redemptoristas: a aula methodista exigia 3 mil reis mensaes.”308

Ou ainda, a carta do Padre José (sic) ao Bispo de Mariana, datada de 28 de

maio de 1908, expressando sua preocupação com os planos da criação da

Faculdade de Medicina, na qual alerta que:

“Há pouco tempo um dos medicos d’esta cidade, o Dr. Aguiar, escreveu nos jornais diversos artigos sobre a fundação de uma faculdade de Medicina n’esta cidade.(...) No ultimo sabbado houve sessão da sociedade de Medicina para deliberar-se sobre esta idea e ver se convinha insistir n’ella. Se a faculdade ficasse independente, como desde principio foi a intenção, baseada sobre uma pessoa juridica independente, não havia tanta inconveniencia, antes a nova faria concurrencia á escola de odontologia e pharmacia dos Metodistas. Mas(...), os medicos em vez de persistir na idea de uma personalidade juridica independente inclinão agora a idea de fazer uma fusão com a escola de odontologia e pharmacia dos methodistas, que já tem aequiparação por acharem assim mais facil a idea, que por outra forma se tornaria muito mais difficil a executar.(...)

O que fazer agora, para combater este plano e perigo?”309

308 CMIJF – AHPHOF. Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925). Cópia, p. 73. 309 AEAM – P 12, A 4, G 1. Correspondência dos Padres Redentoristas com Dom Silvério.

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Como combater os metodistas foi uma preocupação que ocupou as mentes

dos representantes da Romanização e Reforma Católica Ultramontana da cidade de

Juiz de Fora, ao longo do período que analisamos neste trabalho, muitas forças

foram deslocadas no sentido de não perder espaço mas que certamente limitou a

ação reformadora. Porém, não foi somente com os metodistas que a batalha se

travou.

4.1.2- O Espiritismo310

A proximidade de Juiz de Fora com relação ao Rio de Janeiro reforçou a

tendência de uma mentalidade metropolitana, contribuindo positivamente para o

desenvolvimento e aceitação de novas idéias. Segundo Simone G. de Oliveira, dois

elementos reforçam a constatação de que o movimento espírita atingiu Juiz de Fora

vindo do Rio de Janeiro: em primeiro lugar porque as primeiras notícias do

espiritismo na cidade datam de 1882, período em que o mesmo se encontrava em

desenvolvimento no Rio de Janeiro; e em segundo lugar, pelo fato de que o primeiro

310 Este item está aqui apresentado com a finalidade de apenas ilustrar uma das frentes com a qual a Romanização e a Reforma Católica Ultramontana se enfrentou. O tema, já bastante estudado apresenta bibliografia rica, da qual destaco: OLIVEIRA, Simone G. de. “Fé Racionada” na “Atenas de Minas”: Gênese e consolidação do Espiritismo em Juiz de Fora e algumas repercussões para a contemporaneidade . Juiz de Fora, 2001. 175 p. Dissertação(Mestrado em Ciência da Religião) – ICHL, UFJF; CAMURÇA, Marcelo Ayres. “Le livre des Esprits” na Manchester Mineira: A modernidade do Espiritismo face ao conservadorismo Católico nas primeiras décadas do século em Juiz de Fora. Revista Rhema, v. 4, n. 16, 1998, p. 199-223; CAMURÇA, Marcelo Ayres. Fora da Caridade não há Religião! Breve histórico da competição religiosa entre catolicismo e espiritismo kardecista e de suas obras sociais na cidade de Juiz de Fora:1900-1960. Juiz de Fora, Revista Locus, vol. 7, n. 1, 2001, p.131-154; CAMURÇA, Marcelo Ayres. A Carta Pastoral de Dom Justino e o “Juramento de Fidelidade à Igreja”: Controle do rebanho face às ameaças do “Lobo Voraz”Espiríta! In: MIRANDA, Beatriz V. Dias e PEREIRA, Mabel Salgado. Memórias Eclesiásticas: Documentos Comentados. Juiz de Fora, Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora/EDUFJF, 2001, p. 93-107.

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Centro Espírita da cidade originou-se a partir de reuniões familiares, ocorridas em

casa de pessoas oriundas do Rio de Janeiro.311

No contexto de uma sociedade que buscava ‘civilizar-se’, o desenvolvimento

do espiritismo em Juiz de Fora se deu no seio das camadas médias letradas e das

reuniões informais em suas residências, formou-se o primeiro Centro Espírita União

Humildade e Caridade, em 02 de abril de 1901.312

Apontado pela Igreja Católica como um dos principais erros modernos, o

espiritismo é definido na Pastoral Coletiva de 1915 como:

“O conjunto de todas superstições e astúcias da incredulidade moderna, que, negando a eternidade das penas do inferno, o sacerdócio católico e os direitos da Igreja católica, destroi todo o cristianismo.[Advertindo que] os espíritas devem ser tratados, tanto no fôro interno como no externo, como verdadeiros hereges e fautores de heresias, e não podem ser admitidos à recepção dos sacramentos, sem que antes reparem os escândalos dados, abjurem o espiritismo e façam a profissão de fé.”313

Apesar de tal condenação, não encontramos nos documentos, em

especial nos livros de tombo, uma forte reprovação sobre o movimento em Juiz de

Fora. Segundo Azzi, a não reação da Igreja Católica ao espiritismo nas primeiras

décadas do século XX deve-se exatamente à sua difusão mais restrita ao âmbito

familiar, com pouca visibilidade social.314

Porém, segundo Camurça, uma das formas pelo quais o espiritismo se

311 Cf. OLIVEIRA, Simone G. de. “Fé Racionada” na “Atenas de Minas”: Gênese e consolidação do Espiritismo em Juiz de Fora e algumas repercussões para a contemporaneidade. Juiz de Fora, 2001. 175 p. Dissertação(Mestrado em Ciência da Religião) – ICHL, UFJF, p. 32. 312 Cf. CAMURÇA, Marcelo Ayres. “Le livre des Esprits” na Manchester Mineira: A modernidade do Espiritismo face ao conservadorismo Católico nas primeiras décadas do século em Juiz de Fora. Revista Rhema, v. 4, n. 16, 1998, p. 200-2. 313 CMIJF – AHPHOF. Carta Pastoral Coletiva de 1915, Tipografia LA SALLE, Canoas -RS, 1950, p. 38. 314 Cf. AZZI, Riolando. Sob o Báculo Episcopal: A Igreja Católica em Juiz de Fora(1850-1950). Op. Cit., p. 183.

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legitimou perante a população de Juiz de Fora foi através da ação caritativa como

atividade concreta dos seus adeptos. Desta forma:

“como extensão dos trabalhos do Centro Espírita ‘União, Humildade e Caridade(...) é criado em 1903, o ‘Albergue dos Pobres’ por iniciativa do jornalista Dr. João Lustosa e do Sr. Joaquim Gouvêa Franco, que visava o amparo das viúvas. Nessa mesma linha será fundada mais tarde pela ‘Casa Espírita’ – segundo Centro Espírita da cidade, fundado em 1919 – o ‘Abrigo João de Freitas’ para velhos desamparados e viúvas com filhos pequenos. Dentro do estilo ‘kardecista’ de ação caritativa, orientado pela FEB, é instituído pela ‘Casa Espírita’ o ‘Natal dos Pobres’, em 1920, com distribuição de alimentos, doces, roupas a 300 pobres, ‘sem distinção de credo religioso’. Em 1923 é criada a ‘Caixa de Natal dos pobres’ destinada a custear a atividade do Natal. Em 1921, em um galpão, passa a funcionar a ‘Escola Primária João Lustosa’, que oferece ensino às crianças pobres(...) Em 1923, contíguo à ‘Casa Espírita’, é adquirido um terreno para a construção do ‘Instituto Profissional Eugênia Braga’ destinado a educar profissionalmente moças e meninas carentes.”315

Assim, diante deste avanço da ação e das obras desenvolvidas pelos

espíritas, a Igreja Católica sentido-se ameaçada, buscou reagir alertando os seus

fiéis sobre a necessidade da prática da caridade com finalidades sociais. O discurso

do Padre João Castilho Barbosa, feito durante o I Congresso Católico Mineiro,

ocorrido em Juiz de Fora em 1910, ressalta que:

“A caridade feita pelo amor dos homens ou o altruismo, alivia, por algum tempo apenas, as dores do infeliz, mas não cura as chagas de um’alma; isto só a caridade christã o faz.”316

Outra forma de reação dos católicos ao espiritismo foi, apoderando-se de

discursos médicos, realizar seus ataques acusando-o de charlatanismo e de

promotores da loucura, acusações estas que se ligavam às atividades dos médiuns.

Segundo Simone G. de Oliveira, o que se percebe é um campo de batalha, no qual

315 CAMURÇA, Marcelo Ayres. Fora da Caridade não há Religião! Breve histórico da competição religiosa entre catolicismo e espiritismo kardecista e de suas obras sociais na cidade de Juiz de Fora:1900-1960 . Revista Locus, Juiz de Fora, vol. 7, n. 1, 2001, p. 147-8. 316 I Congresso Católico Mineiro – Trabalhos e Resoluções. Ouro Preto, Typografia O Regenerador, 1910, p. 113.

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o clima de disputas, às vezes, fugia às regras do bom comportamento social,

incorporando agressões verbais entre os concorrentes religiosos.317

4.1.3- A Maçonaria

Ao combater os inimigos da fé, a instituição católica procurava garantir um

espaço de influência sempre maior na sociedade juizforana. Assim, outra frente de

reação foi aberta contra a presença da Maçonaria, intituição que se encontrava

presente na cidade desde o ano de 1870.

O papel da Maçonaria em Juiz de Fora ainda não se encontra claramente

documentado, uma verdadeira lacuna na historiografia regional. Porém, com base

em documentos da Bliblioteca Saldanha Marinha, da Loja Maçonica Fidelidade

Mineira, a primeira a ser fundada na cidade, podemos registar que a primeira

reunião preparatória ocorreu no dia 12 de março de 1870, em casa alugada para

este fim situada à Rua Direita, sob a liderança do Ven:. Dr. Christovam Rodrigues de

Andrade. A segunda sessão se verificou em 28 de novembro de 1872.318

No mesmo opúsculo é possível verificar que os membros da Loja Maçonica

Fidelidade Mineira procuravam, assim como os espíritas, atuar na linha caritativa,

registrando que diante da febre amarela que grassava sobre a população em 1872:

“Os membros da Loja são incansáveis nos préstimos pessoais, prestando e

dispensando socorros ininterruptos a todos os necessitados, sem distinção de credo,

raça, política, religião e condição social.”319

317 Cf. OLIVEIRA, Simone G. de. Op. Cit., p. 106. 318 BSM-LMFMJF. Livreto da Fundação da Loja Maçonica ‘Fidelidade Mineira’. Juiz de Fora, Editado pela administração da L:. M:. Fidelidade Mineira em março de 1958, p. 3. 319 Idem, p. 7.

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A não distinção de credo pode ser observada entre seus membros no Livro de

Matrícula Geral dos Irmãos de 1873-1922. Neste é possível observar um grande

número de católicos, seguido de protestantes e espíritas.320

A presença de um forte movimento republicano no interior da Loja Maçônica

Fidelidade Mineira de Juiz de Fora aparece registrada como grande “fato histórico,

de eminente relêvo na evolução social do nosso querido Brasil, de que o último

congresso republicano se realizou neste Aug:. recinto.”321

Segundo Mesquida, a relação entre Maçonaria e movimento republicano pode

ser confirmada pelo fato de ser Juiz de Fora a primeira cidade de Minas a aderir ao

Manifesto Republicano de 1870, nos revelando, desta maneira , um fato

surpreendente, com base no Almanaque de 1899 o autor diz: “nem se deve à

casualidade o fato de Juiz de Fora ser, na época, a cidade líder da maçonaria na

Província: quinze lojas.”322

No mesmo trabalho, Mesquida faz importantes observações sobre a aliança

entre protestantes metodistas e membros da maçonaria, principalmente no que se

refere ao apoio e confiança no momento da fundação do Colégio Grambery,

ressaltando em seus escritos que:

“A Igreja Metodista, uma instituição eclesiástica com objetivos hegemônicos, procurou aproximar-se desta mesma classe sócio-política em Minas Gerais e recebeu dela o estímulo e o apoio de que necessitava para por em execução seu plano de se fazer presente no Brasil pela educação. Os livros de matrícula do Colégio Grambery em Juiz de Fora revelam que uma grande parte da clientela inicial do colégio era constituída de filhos dos maçons republicanos e de seus amigos.”323

320 BSM-LMFMJF - Cf. Livro de Matrícula Geral dos Irmãos de 1873-1922. 321 BSM-LMFMJF – Livreto da Fundação. Op. Cit., p. 14. 322 Almanaque de Juiz de Fora para 1899, organizado po Heitor Guimarães. Juiz de Fora, Typografia Mattoso., p. 285. Citado em MESQUIDA, Peri. Hegemonia Norte-Americana e Educação Protestante no Brasil. Op. Cit., p. 29. 323 Idem, p. 130.

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Neste contexto, a educação metodista que representava uma reação à

pedagogia rígida das escolas católicas, simbolizando a presença de modernidade e

progresso, elementos de uma sociedade mais evoluída, se colocava como modelo a

ser imitado entre os maçons republicanos.

Para finalizar este item sobre a presença da Maçonaria em Juiz de Fora, vale

destacar que não somente os homens se encontravam organizados no interior da

Loja Maçonica Fidelidade Mineira, primeira loja da cidade, mas as mulheres

chegaram a criar, ainda que por pouco espaço de tempo, a Loja Mista denominada

‘Loja de Adopção Filhas de Hiran’, cuja primeira ata tem data de 20 de julho de 1902

e a última 04 de outubro de 1903.324 Um estudo mais pormenorizado sobre a

atuação destas mulheres na sociedade juizforana também não se encontra

realizado, visto que as mulheres não tinham o mesmo espaço de atuação que os

homens no interior de tal organização.

Neste contexto de competição, a Igreja Católica, ao longo do período que

analisamos, procurou através de seus representantes máximos alertar os seus fiéis

dos perigos que representavam as iniciativas dos considerados ‘inimigos’. Assim, no

último ano do período que recortamos para este trabalho, 1924, ano da criação da

Diocese da cidade, encontramos no jornal O Lar Catholico a seguinte advertência:

“Aos nossos diocesanos faz emos um vehemente apello, para que se mantenham firmes na fé catholica, não assistam a pregações protestantes ou a sessões espiritas, nunca leiam livros, folhetos ou jornaes de nenhuma dessas seitas; nunca procurem ou acceitem remedios de curandeiros espiritas, e nunca mandem seus filhos a collegios protestantes ou espiritas; nunca tomem parte em festas promovidas pela maçonaria ou qualquer outra seita e nunca auxiliem os inimigos da Egreja na construcção de seus templos e escolas.

324 BSM-LMFMJF – Livro de Atas da Loja Mista ‘Loja de Adopção Filhas de Hiran’.

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Palavras dos Srs. Bispos reunidos em Juiz de Fora.325

Tal advertência nos leva a conclusão de que os protestantes, principalmente

os metodistas, espíritas e maçons foram os principais adversários da Igreja no

período em análise, limitando e muitas vezes desviando forças do movimento de

Romanização e Reforma Católica Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora.

325 CMIJF – AHPHOF. Isaho X. A. Jornal O Lar Catholico, 11 de maio de 1924, cópia.

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CONCLUSÃO

A presente dissertação teve como objetivo analisar o processo de

Romanização e Reforma Católica Ultramontana da Igreja de Juiz de Fora. Em outras

palavras, ambicionava-se a construção de um novo modelo de Igreja, no qual o

monopólio do sagrado seria gerenciado pelos especialistas religiosos, o clero

católico, restringindo e eliminando o papel dos leigos , transfo rmando-os em meros

consumidores dos bens e serviços produzidos pelo clero.

Partimos da hipótese de que o processo reformador da Igreja Católica

juizforana não se enquadrava nas medidas do modelo marianense de Dom Viçoso.

Seguindo tal hipótese, iniciamos nosso trabalho apresentando a cidade de Juiz de

Fora ressaltando os elementos que a distinguem do “modelo sacramental” de

Mariana. Assim, confirmamos a presença de uma sociedade plural no momento de

sua formação, com a presença sobretudo de dois grupos sociais dominantes: o

primeiro nos revela uma trajetória que nos permite pensar num modelo

modernizador; enquanto o outro nos remete à religiosidade conservadora, herdada

do período colonial.

Desta forma, desenvolvemos o primeiro capítulo ressaltando os projetos

apresentados por um grupo de homens ilustrados que objetivavam a construção de

uma sociedade norteada pelos valores da modernidade e de civilização. E, para

demonstrar os valores do segundo grupo, o mais conservador, elaboramos no

segundo capítulo uma análise do movimento religioso na cidade, na tentativa de

demonstrar que a religiosidade vivida pelo fiéis e o papel desenvolvido pelo próprio

clero nos revelam a prática do catolicismo tradicional, herdado do período colonial.

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A permanência de elementos religiosos do catolicismo tradicional, até o ano

de 1890, confirma nossa hipótese de que o movimento reformador se inicia em Juiz

de Fora somente na última década do século XIX. A partir desta data encontramos

uma vasta documentação que nos revela a inserção de um forte movimento de

cunho romanizante e reformador.

Assim, procuramos no terceiro capítulo demonstrar através dos principais

agentes reformadores, clero diocesano e congregações religiosas européias, o êxito

alcançado por suas atividades, em destaque no enquadramento dos fiéis. Desta

abordagem podemos concluir que o processo de Romanização e Reforma Católica

Ultramontana que se desenvolveu era realmente necessária para assegurar o

espaço católico já existente em Juiz de Fora. Os números de agregados das novas

associações que se formaram nos demonstram que a sociedade juizforana

continuava a ter na Igreja Católica o seu principal projeto de legitimação social.

Neste capítulo percebemos que a ação romanizadora da Igreja foi tentada,

num primeiro momento, com a ação de um clero reformado e competente, mas que

não conseguiu plenamente os intuitos do bispo. Assim sendo, dadas as

características modernizantes da cidade, o bispo tentou uma nova solução com o

auxílio de congregações religiosas européias que assumiram não somente as

tarefas pastorais e paroquiais como também as tarefas educativas e assistenciais

ligadas a colégios, hospitais e asilos.

Portanto, é necessário ressaltar que, mesmo sendo o processo reformador

de cunho conservador, o enquadramento dos fiéis sob as diretrizes do clero, em um

novo modelo no qual os fiéis perdem muito da sua autonomia na Igreja, teve enorme

aceitação por parte dos mesmos, como podemos observar através do grande

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número de associações. O grupo de homens ilustrados, que pensavam a cidade

como um projeto mais voltado para os elementos da modernidade, também aderem

parcialmente ao projeto, isto porque a Romanização e a Reforma Católica

Ultramontana oferecem à cidade elementos de modernidade, como no caso da

criação dos colégios dirigidos pelos religiosos europeus.

Porém, não podemos considerar que o projeto alcançou uma vitória completa.

Na luta pela instituição do monopólio dos bens religiosos, os agentes do movimento

enfrentaram, além das dificuldades na implementação das próprias medidas

reformadoras apresentadas no capítulo quarto, a presença de outros credos e

ideologias concorrentes, o que dificultou e limitou o processo reformador, deixando

todavia espaço para sua permanência.

Assim podemos concluir que o movimento reformador certamente ocorreu,

porém não podemos deixar de mencionar que muitas práticas religiosas do

catolicismo tradicional continuam presentes, o que prova que a Romanização e a

Reforma católica Ultramontana se, por um lado integraram-se na vida da Ig reja

Católica de Juiz de Fora, tiveram de compor, por outro lado, com a herança colonial.

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ANEXOS

Anexo no. 1: Plano da cidade de Juiz de Fora traçado pelo

engenheiro Henrique Guilherme Fernando Halfeld

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Anexo no. 2: Projeto dos portões do Cemitério Municipal de

Juiz de Fora

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Anexo n o. 3: Mapa da cidade de Juiz de Fora, em destaque os limites da

extensão do Curato de N. S. da Glória

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Anexo no. 4: Mapa “Pontos importantes de referência para a História da Igreja

de Juiz de Fora”

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Anexo no. 5: Fotografia - Igreja dos Alemães em primeiro plano e ao fundo a

Igreja do Curato de N. S. da Glória

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Fontes

Fontes manuscritas:

Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana

Ø Relatórios Paroquiais - Bispado de Dom Silvério.

Ø Correspondência dos Redentoristas com Dom Silvério.

Arquivo Histórico Municipal de Juiz de Fora

Ø Fundo Câmara Municipal Império. Sessão 20, 59/3/5, 104,156.

Ø Fundo Câmara Municipal República Velha. Sessão 53, 64, 226

Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora – Arquivo Histórico Padre Henrique

Oswaldo Fraga

Ø Livro de Tombo da Paróquia de Santo Antônio de Juiz de Fora(1900-1925).

Ø Livro de Tombo do Curato da Glória(1894-1925).

Ø Livro de Crônica da Casa dos Redentoristas de Juiz de Fora(1894-1923).

Ø Petição referente à construção da primeira Igreja de Santo Antônio em Juiz de

Fora – Fundo Arquidiocese/Paroquial.

Ø Estatuto da Irmandade de Nosso Senhor dos Passos.

Ø Estatuto da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário.

Ø Provisão do Primeiro Vigário de Juiz de Fora.

Ø Livro de Matrícula da Escola Paroquial Menino Jesus.

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Biblioteca Saldanha Marinho – Loja Maçônica Fidelidade Mineira de Juiz de Fora

Ø Livro de Matrícula Geral dos Irmãos.

Ø Livro de Atas da Loja Mista”Loja de Adopção Filhas de Hiran”.

Fontes impressas:

Arquivo da Comunidade Redentorista do Curato da Glória –Juiz de Fora

Ø Pasta Escola Paroquial

Centro da Memória da Igreja de Juiz de Fora – Arquivo Histórico Padre Henrique

Oswaldo Fraga

Ø Documentos Pontifícios. Carta Encíclica “Da Condição dos Operários” do Papa

Leão XIII.

Ø Documentos Episcopais

- Carta Pastoral Coletiva de 1901.

- Carta Pastoral Coletiva de 1904.

- Carta Pastoral Coletiva de 1915.

Ø Documentos do Padre Hipólito de Oliveira Campos.

Ø Documentos da Santa Casa de Misericórdia.

Ø Documentos do Colégio Santa Catarina.

Ø Revista das Bôdas de Prata da Paróquia de São Mateus.

Ø Jornal Lar Catholico(1891-1892).

Ø Jornal O Lar Catholico(1923/1924).

Ø Jornal Correio de Minas(1906).

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Ø Jornal Correio da Tarde(1906).

Ø Primeiro Congresso Catholico Mineiro – Trabalhos e Resoluções.

Ø Cartas Pastorais dos Bispos mineiros:

Dom Antônio Ferreira Viçoso

Dom Silvério Gomes Pimenta

Ø Reclamação do Episcopado Brasileiro dirigida ao Exmo. Sr. Chefe do Governo

Provisório(1890)

Ø CAMPOS, Hippolyto de Oliveira. Porque deixei a Egreja Romana.

Rio de Janeiro: Typ. Batista de Souza, 1921.

Biblioteca Saldanha Marinho – Loja Maçônica Fidelidade Mineira de Juiz de Fora

Ø Livreto da Fundação da Loja Maçônica Fidelidade Mineira

Setor de Memória da Biblioteca Municipal Murilo Mendes – Juiz de Fora Ø Jornal O Pharol(1881/1894)

Ø Jornal Diário de Minas(1889)

Ø Jornal do Commercio(1900)

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Bibliografia

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