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Ricardo Amaral apresenta: V A U D E VI L L E M E M Ó R I A S

Ricardo Amaral apresenta VAUDEVILLE (trecho)

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A obra é uma viagem pela noite boêmia do Rio, São Paulo, Nova York e Paris dos anos 70, 80 e 90, que revela histórias e personagens como Pelé, Xuxa, João Gilberto e Chico Buarque.

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R ic ardo A mar ala p r e s e n t a :

VAUDEVILLEM E M Ó R I A S

As memórias de Ricardo Amaral não cabem num filme (pelo menos não em um único filme). É verdade também que algumas passagens de sua vida poderiam servir de inspiração para grandes musicais... Mas há também nes-tas páginas histórias dignas de grandes peças teatrais, comédias hilariantes, roteiros felinianos. Porque a vida de Ricardo Amaral é um vaudeville, definitivamente.Quem é esse homem que durante décadas foi consagra-do “O Rei da Noite” no eixo Rio-São Paulo e chacoalhou as noites de Paris e Nova York? Como esse empreendedor visceral criou a maior casa de espetáculos da América La-tina e viu passar pelas suas criações algumas das maio-res celebridades nacionais e internacionais?As histórias de Ricardo Amaral, para estarem todas jun-tas, precisavam mesmo de um livro. E teriam que ser contadas por ele mesmo, ao seu estilo, como se fôsse-mos a sua companhia à mesa de um belo bar, beberican-do um e outro uísque.Bem-vindo ao vaudeville de Ricardo Amaral! O espetáculo vai começar!

Pascoal SotoR

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VAUDEVILLE

“Ricardo Amaral se finge de boêmio, mas não passa de um trabalhador. Tremendo formiga esse cigarra.”

Washington Olivetto

“Com olhar crítico e humor inteligente, Ricardo Amaral consegue sempre transfor-mar sua rica e variada experiência de vida em casos divertidos e irreverentes. Não fosse ele um grande contador de histórias.”

Zuenir Ventura

“Ricardo Amaral é uma pessoa que não resta a menor dúvida. Ele é a festa móvel. Chegou Ricardo, chegou a festa!”

Luiz Carlos Miele

“Amaral esteve em todas: dos telhados da Rua Augusta às TVs Excelsior e Record e à realização de espetáculos nacionais e inter-nacionais; dos grandes restaurantes e das noites do Rio e de São Paulo ao Le 78, em Paris, e aos restaurantes em Nova York, onde brilhou com o inesquecível Club A. Haja história para contar. O livro de Ricardo Amaral é mais que “show” de bola. É o “show” dos “shows”, uma fascinante visão das pes-soas e do mundo internacional do lazer.”

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni)

ISBN 978-85-8044-023-2

9 788580 440232

Do jovem e visionário jornalista ao bem- -sucedido empresário da noite, Ricardo Amaral é uma lenda viva quando o assunto é entre-tenimento e glamour.Lendário na noite e sempre acompanhado de gente bonita, bacana e influente, aqui, ele abre seu baú de memórias – que é um verda-deiro espetáculo. Com tópicos intrigantes – como “João Gilberto me fez de babaca” –, clientes glamou-rosos – como Príncipe Charles, que elegeu a Hippopotamus Club São Paulo a melhor nigth-club do mundo –, e questões polêmicas – “Afi-nal de contas, o Chico Buarque é chato ou não é chato?” –, Ricardo Amaral nos conduz em uma deliciosa viagem pela história da noite no país e no mundo.E o ritmo dos acontecimentos é vertiginoso. Mas em vez de mágicos, bailarinos e acroba-tas, o leitor assiste, neste vaudeville, ao desfile de artistas, políticos, modelos, jornalistas, empresários, bicheiros, divas e mafiosos. Em sua maioria, frequentadores dos variados em-preendimentos e eventos de Amaral – boates, restaurantes, bares, bailes, camarotes, dis-cotecas, hotéis, todos marcados por luxo e bom gosto.Ricardo Amaral apresenta: vaudeville é obra im-perdível para quem quer ler histórias dos bas-tidores do mundo social, artístico e político, além de conhecer melhor a vida noturna do país ou simplesmente matar a saudade dos bons e velhos tempos.

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Introdução .............................................................................. 9

Ricardo Amaral: apresenta Vaudeville .................................. 13

01. Os colunistas ................................................................... 15

02. Cenário da infância ......................................................... 39

03. Pedagogicamente inconveniente ..................................... 47

04. Vida nova.Mackenzie era uma festa! ................................................... 51

05. Invadi a redação .............................................................. 57

06. Campos do Jordão.João Gilberto cantou, Modugno me deu sapatadas ................ 73

07. Guarujá.

Colunista folgado, empreendedor e festeiro ................................ 79

08. Fiquei sócio do meu ídolo.A versão correta de Jovem Guarda ....................................... 83

09. A minha Última Hora de Samuel Wainer ...................... 87

10. Personagem insólito.Lenda da anarquia social .................................................. 101

11. TV Excelsior.Mudando de canal ........................................................... 105

12. Roma.“Essa fl or de homem” carimbou meu passaporte! .................. 111

13. Desembarque no Rio .................................................... 117

14. Gisella.Coincidência mágica ......................................................... 131

Sumário

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15. Revolução de março: derrocada dos patrões! ................. 139

16. Locador de TV quase tem recaída ................................ 147

17. Lagoa.Carlos Lacerda não queria? .............................................. 151

18. Teatro da Lagoa.Palco com história ............................................................. 155

19. Momento Sucata.O primeiro grande passo noturno ....................................... 163

20. João Gilberto me fez de babaca .................................... 181

21. Embalo total ................................................................. 185

22. Paraíso, fast-food & hotelaria ...................................... 195

23. A noite .......................................................................... 205

24. Hippo paulista.A revolução da noite ......................................................... 219

25. Luiz Vicente.Amigo inesperado, nonsense... ............................................ 233

26. Hippo Salvador.Tempero baiano ............................................................... 237

27. Ponte aérea do glamour ................................................. 239

28. Hippo Rio.A casa! 26 anos de festa ..................................................... 243

29. Feijoada do Amaral vira um genérico ........................... 271

30. Tarso de Castro.Um porra-louca delicioso .................................................. 277

31. Revista Vogue.Volta ao jornalismo com Wainer e Carta ............................ 285

32. Haja fôlego ................................................................... 289

33. Viagem divertida à Inglaterra, à Escócia e à França.Decisão: o próximo destino é Paris ..................................... 301

34. Le 78.Parou a Champs-Élysées ................................................... 307

35. The show must go on ................................................... 329

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36. Golden Room.1981: fogos em Copacabana .............................................. 337

37. Club A.New York, New York ........................................................ 347

38. Minha vida com a máfi a ............................................... 367

39. Banana NY & CT.Conjugação perfeita? ........................................................ 381

40. Pitanguy, nosso popstar ................................................. 385

41. Dino De Laurentiis apresenta: a diva do Rio ................ 387

42. Cinema, minha paixão.Será que vivenciei esta história? ........................................ 395

43. Camarote.Presidente ganha fama de garanhão ................................... 399

44. Metropolitan.Quando vai, vai; quando não vai, não vai! ....................... 407

45. Afi nal de contas, o Chico Buarqueé chato ou não é chato? .................................................. 423

46. “Larguem do pé do Ricardo” ......................................... 427

47. Se os cartórios abrissem à noite... ................................. 431

48. Consumo & exposição .................................................. 435

49. Estação do Corpo.A Lagoa e seu “fi lhote” ....................................................... 443

50. O pior negócio do mundo ............................................. 447

51. Vila do Pan.“Vocês têm bons advogados?” ............................................. 453

52. O casamento ................................................................. 459

53. Roberto Marinho .......................................................... 465

54. Cadê a alta sociedade?Acabou o glamour? ........................................................... 467

55. Vaudeville!Até aqui foi ensaio ............................................................ 473

índice onomástico ........................................................... 480

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João Gilberto me fez de babaca

É impressionante o papel de babaca que o João Gilberto

me fez fazer. Eu sempre fui apaixonado por bossa nova e

pela musicalidade do João. Em 1970, no auge dos shows da

Sucata e no apogeu do Teatro da Lagoa com o revezamento

Chico e Jô, estimulado pelo João Carlos Magaldi, que trouxe

a Shell como patrocinadora, coloquei na cabeça que “preci-

sava” contratá-lo para fazer toda uma temporada de shows no

Brasil. O problema é que ele tinha se autoexilado no México,

casado com a Miúcha Buarque de Hollanda, com quem eu

me dava muito bem.

Logo depois do nascimento de nosso segundo fi lho,

Bernardo, Gisella e eu nos mandamos para o México e lá

fi quei uma boa temporada tentando convencer o João a vir

fazer uma temporada no Brasil. Ele só me recebia à noite.

O fato de eu não jogar bem pingue-pongue não ajudou na

relação, embora eu tenha tentado. Ele morava num casarão

estranho alugado, com poucos móveis e uma grande mesa

de pingue-pongue no centro da principal sala. Somente saía

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de casa tarde da noite e aguardava os restaurantes fi carem vazios para adentrar.

E eu detesto restaurante vazio! João adorava dirigir de madrugada, rente ao

meio-fi o (guia, colegas paulistas, guia!), e isso nos dava frio na barriga! Levei

umas duas semanas inteiras para convencê-lo a assinar o contrato. Fiquei feliz!

Felicidade que durou pouco, ele fez um papelão!

De volta ao Brasil, o Magaldi me levou ao diretor de marketing da Shell,

Reinaldo Filardi, e assinamos um contrato milionário. A tournée teria produ-

ção de padrão somente feita até então para as grandes atrações internacionais.

Faltava falar com o Boni, que adorou a ideia, mas me desestimulou, alertou que

tinha tudo para não dar certo, mas o projeto era tão bom que topou a partici-

pação da Globo. Locais dos shows contratados: o Teatro Municipal do Rio e o

Teatro Municipal de São Paulo – que naquela época não apresentavam artistas

populares em seus palcos, mas consegui agendar shows, dado o prestígio do

João – e também o Teatro Carlos Gomes, em Salvador, e outros por aí. Enorme

mobilização. Uma ousadia! Mas o homem merecia.

Tudo acertado, o João chegou com a Miúcha, muitos dias antes da estreia da

tournée. Eu hospedei o casal numa suíte do Hotel Glória – esse que hoje é do nosso

Eike Batista. Instalei, a seu pedido, uma mesa de pingue-pongue em sua sala. Uma

tremenda mão de obra. E só jogava com bolas inglesas! Arrumei as bolas inglesas.

E um belo dia ele me diz que precisava ir a Juazeiro, na Bahia, para visitar a mãe.

Mas ele não queria ir de avião. Queria comprar um carro para ir dirigindo… Só

que o carro não podia ser comprado no nome dele, porque não tinha CIC (hoje

CPF). Não me lembro se acabamos comprando o carro em meu nome com o

aval do Chico Buarque, ou vice-versa. Mas lá foi o João dirigindo o seu Opala

para Juazeiro. E então se passaram dias, e nenhuma notícia. As datas dos shows se

aproximando, e nada do João. Nessa ocasião ele próprio me havia apresentado um

amigo, Otávio Terceiro, que logo descobri tratar-se de um grande “decodifi cador-

-de-João-Gilberto”. Não tive dúvidas, mandei o Terceiro atrás do João.

Segundo relato do Terceiro, o João tinha descoberto um furinho numa

toalha de mesa da mãe que ele mesmo tinha feito, sem querer, com cigarro.

Colocou o dedo no furinho, e isso tinha desencadeado um processo psicológi-

co que o impedia de fazer com que sua mão acompanhasse o comando de sua

mente! Enfi m, não conseguia tocar violão.

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Não teve jeito mesmo. Toda a temporada foi cancelada. Um prejuízo enorme,

que só não foi maior porque meus amigos todos entenderam minhas intenções e

sabiam muito bem quem era o senhor João Gilberto. E, no fundo, o fato é que

todos que se engajaram sabiam o risco que corriam. Meu amigo Boni estava certo,

desde o primeiro dia me disse que não ia dar certo. O único prejuízo que acabei não

tendo foi o do carro, porque o Chico Buarque assumiu a dívida do cunhado.

Contudo, dessa experiência de merda fi caram algumas dúvidas. Onde

acaba a loucura e começa o teatro? Timidez extrema ou irresponsabilida-

de criminosa? Charme de grande vedete? Insegurança cavalar? Uma grande

mistura de tudo isso?

Não me arrependo de não ter entrado com um processo judicial, afi nal,

estaria alimentando ainda mais o ego do cara! Preferi esquecer. Melhor di-

zendo, sublimar, lembrando o velho Tancredo Neves, que adorava o jargão:

“Perdoar eu perdoo, mas não esqueço!”.

Selando esse episódio: dois a três meses depois, João ainda fez a gracinha

de gravar um especial na TV Tupi, de São Paulo, organizado pelo Fernando

Faro e pelo Cyro Del Nero, outros dois apaixonados por sua música. Na oca-

sião, “provavelmente refeito do seu problema psicológico”!

“Alô, alô, gordinho fofo,isso é asma ou isso é mofo?”

O homem que inventou o Leblon ainda me deu um troco. Não, não é o fantás-

tico Manoel Carlos, não. Estou falando de José Carlos de Oliveira, o delicioso

cronista Carlinhos de Oliveira, que assinava o diário ofi cial dos boêmios des-

sa cidade todos os dias no JB. Ele compareceu a uma entrevista curiosíssima

que o João deu em meu apartamento para alguns selecionadíssimos jornalistas

– leiam-se os amigos, é claro. Coisas de João Gilberto. Num determinado

momento, o entrevistado sentou-se num pufe e começou a abaixar a cabe-

ça. Quando percebemos, estávamos todos agachados, para escutá-lo junto ao

chão! Carlinhos deitou e rolou. E, bobamente, fi quei chateado e reagi.

Em seu livro O homem na varanda do Antonio’s, da Civilização Brasileira,

está registrado o repique que tomei do Carlinhos em sua crônica diária:

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184 Ricardo Amaral

(…) Ela fi cou pasma, pois não podia

imaginar que alguém não conheces-

se o Antonio’s. Mas é que, quando

o Alécio foi embora, o Zeppelin

ainda era do Oscar, o Antonio’s

não existia e o Ricardo Amaral

era apenas um gordinho fofo e res-

sentido.

Atenção: Ricardo Amaral foi muito

cruel comigo, na revista Desfi le,

só porque eu tive a coragem de an-

tecipar, com precisão absoluta,

o que ocorria entre ele e o João

Gilberto aqui no Brasil. O Amaral

esqueceu toda a propaganda gratui-

ta que fi z de seus bares e de sua

pessoa, por força da minha profi s-

são. Ficou ressentido comigo, ig-

norando que os fatos sempre me dão

razão, já que a sinceridade é o

alimento que sirvo ao meu públi-

co. Não erro nunca, porque nunca

minto. João Gilberto está em Nova

York, com Stan Getz, e o Amaral

fi cou vendo navios. E eu? Antiga-

mente, eu engolia tranquilo certas

grosserias, mesmo sabendo que caso

as devolvesse causaria sensação na

praça, revigorando em consequência

a minha personalidade de boêmio.

Mas, em matéria de grosseria, há

dose para Carlinhos Oliveira e dose

para elefante, e Ricardo Amaral me

serviu esta última. Decido então pagar ressentimento com ressentimento:

“Alô, alô, gordinho fofo, isso é asma ou isso é mofo?”.

Um mês depois, Vinicius de Moraes, Carlinhos e eu bebíamos um uis-

quinho na varanda do Antonio’s e ainda fomos obrigados a escutar o brado de

Tarso de Castro: “Vocês são uns canalhas!”.

João Gilberto lá em casa, na famosa entrevista coletiva. Depois... (30/4/1971).

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Minha vidacom a máfia

Primeira versão

Veja, 9 de fevereiro de 1983

SEM PROTEÇÃO

Uma nota de onze linhas na coluna de Carlos Swann, no

jornal O Globo de 21 de janeiro, informava que o em-

presário Ricardo Amaral, dono das boates Hippopotamus

do Rio de Janeiro e São Paulo, e que recentemente

estendeu seus negócios a Nova York, onde abriu o

bem-sucedido Club A, chegara para o carnaval osten-

tando uma misteriosa tatuagem. A nota ganhou con-

tornos de mistério no fi m de semana passado, quando

Amaral enfrentou o calor de Búzios de calça e cami-

sa. Espalhou-se então a versão de que o empresário

se envolvera num confronto com integrantes da Máfi a

americana, do qual saíra com marcas profundas no

corpo – e a necessidade de passar um tempo fora de

Nova York.

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368 Ricardo Amaral

Amaral teria se recusado a pagar a taxa de proteção exigida das ca-

sas noturnas de Nova York, o que lhe valeu a visita de uma musculo-

sa equipe de cobradores, na noite de 30 de dezembro, sob o comando

de Jean-Paul Germain, fi lho de um poderoso chefão, em companhia de

uma mulher desconhecida. Ao tentar fazer as honras da casa, o em-

presário brasileiro foi advertido por Germain: “Deixe de bobagens,

não preciso de suas gentilezas”. Amaral revidou com um palavrão e

com a informação de que a casa era dele e ali só entravam pessoas

que gozassem de sua permissão. Foi arrastado então pelos quatro

capangas. Tão violentamente que precisou de uma estação de recu-

peração, em Palm Beach, na Florida.

Amaral confi rma parte da história. Segundo sua versão, na noite

de 30 de dezembro, ele saía da boate com sua mulher Gisella,

quando viu quatro homens tentando extorquir dinheiro do portei-

ro. Interferiu e sofreu a agressão. “Mas não houve nenhum feri-

mento grave, só me machucaram porque caí”, disse o empresário na

quinta-feira passada, já de volta à noite carioca. É certo, em

todo caso, que esta briga afastou-o de Nova York desde aquela

noite. E, na versão da briga com a Máfi a, haveria intermediários

empenhados em colocar a situação em pratos limpos, para que o

Club A continuasse a funcionar sem interferências perturbadoras.

O preço, porém, seria alto – e as negociações se destinaram exa-

tamente a baixá-lo um pouco.

Essa versão tem, lamentavelmente, um fundo de verdade, mas…

Primeiro: não existe “a máfi a” como instituição una, são diferentes famí-

lias, com diferentes interesses, e tudo se afunila somente para as grandes de-

cisões estratégicas. As ações do dia a dia são independentes e descoordenadas,

não há um comando-geral, portanto não tive problemas com a máfi a, mas sim

com grupos mafi osos. Bela diferença!

Os mafi osos não extorquem dinheiro na porta. São bem mais elaborados.

A operação intitulada “racket”, venda de proteção, tem toda uma mise-en-scène.

Primeiro causam algum prejuízo, para depois “vender” a “tranquilidade”.

Não houve briga com a máfi a, mas sim agressões. Uma delas aconteceu

numa noite em que jantava com Gisella e os casais Celina Amaral Peixoto e

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Wellington Moreira Franco e Evinha e Baby Monteiro de Carvalho. Nenhum

deles assistiu ao fato.

Jean-Paul Germain, fi lho de mafi osozinho, não é da turma, mas sim um

grande fofoqueiro. Não participou da agressão. Foi testemunha dela e se en-

carregou de difundi-la.

Segunda versãoA outra versão, a de que vendi o Club A por quase nada porque o então

chefe da máfi a americana, John Gotti, elegeu o lugar como o seu preferido, é

mais ou menos verdadeira. Ele ia diariamente com um grande entourage, paga-

va as contas, mas a presença dele e dos amigos começou a aumentar. Apesar da

caríssima segurança, não consegui barrá-los.

A situação teria piorado ainda mais um ano depois, com a morte de

Castelano, da família Gambino, na porta de uma steack house, na Rua 46. John

Gotti foi acusado de ser o mandante do crime e ganhou as primeiras páginas

dos jornais. O New York Magazine, com tiragem de 2 milhões de exemplares,

fez uma reportagem de capa sobre “O estilo Gotti”, onde o Club A aparecia

como seu lugar preferido. O jeito foi acabar com a casa.

Essa versão tem lá suas verdades, mas, para uma boa compreensão da minha

“relação” com os italianos, sou obrigado a me aprofundar um pouco mais nos fatos.

Primeiro uma curiosidade. Nenhum desses personagens “italianos” fala uma

palavra de italiano. Quando abordado, eu respondia em italiano, o que causava certo

acanhamento. Diga-se de passagem, o único constrangimento que conseguia lhes

causar. Quis entender o racional dessa história. Nenhuma das versões me conven-

ceu. A mais corrente é de que os “italianos” queriam que seus fi lhos e seus netos se

incorporassem à cultura americana, cortando os laços com o passado.

Bem, deixe-me contar melhor essa história de como foi minha relação

com essa gente. Pouco antes da abertura, eufórico de estar em Nova York

fazendo exatamente aquilo que queria, a amiga Vera Swift me chamou para

uma grande festa no belíssimo apartamento de Beekman Place (uma das

locações mais valorizadas de Manhattan) de outra querida personagem, a

austríaco-mexicana Karin Aleman, a grande primeira-dama paralela do

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370 Ricardo Amaral

México – melhor explicando, ela, muito jovem, foi “adotada” pelo então Pre-

sidente do México, Miguel Aleman, e passou a ser a mais festejada “paralela”

do mundo. Cocktail animado, cheio, gente bonita. Rolava certa emoção em

torno do homenageado, um simpático personagem, grandão, mas muito

doce, chamado Marco Ricotta. Somente no meio da festa entendi que se tra-

tava de uma “Good-bye Marco”, um bonito e animado bota-fora. Ele, no dia

seguinte cedo seguiria para uma longa viagem de três anos. Melhor expli-

cando: apresentava-se às autoridades para cumprir três anos de prisão. Custei

para acreditar. Meio inverossímil, uma festa com banqueiros, personagens

importantes da cidade, políticos, gente linda… Mas era isso mesmo!

Bem, para completar o quadro, bastava saber apenas a razão de tal prisão.

A resposta recebida foi objetiva, mas pouco clara: “Coitado, ele é muito ingê-

nuo, andou assinando uns papéis que não devia”! Foi até tarde, e ele despediu-

se de todos, inclusive de mim, com emocionado e forte abraço.

Três anos depois… Querido amigo me chama para uma festa em seu belo

apartamento da Park com a 82, Jihad Saad. Encontrei antes com o Egon Von

Fürstenberg num cocktail e tomamos um táxi juntos. Bela festa. Para minha

surpresa, era o “Welcome back Marco”! O mesmo do bye bye, que tinha voltado

de suas “férias”…

Jamais pude esquecer esses dois momentos, fi caram vivos na minha memó-

ria. E mal sabia eu que teria razões para isso!

Union

Meu primeiro “encontro” com elementos da famosa máfi a deu-se assim que

começou a instalação do Club A. A gente ouve falar, lê a respeito, mas não

acredita. Para começar, a obra tinha de ser contratada de uma empresa que

fosse sindicalizada, ou seja, union, como eles chamam. Eu estabeleci uma

boa relação com os “contractors” – empreiteiros específi cos para cada setor. A

maioria deles estrangeiros, falando um inglês tão ruim quanto o meu. Num

determinado momento, contratei alguns brasileiros para fazer uns trabalhos

extras, porque saía mais barato. Um dia, quando cheguei à obra, estavam to-

dos os operários, de todos os níveis, ostensivamente com os braços cruzados,

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Apresenta Vaudeville 371

sem trabalhar. Daí o “general contractor” disse: “Os quatro brasileiros não são

union, e os demais se negam a trabalhar se eles continuarem aqui dentro”.

Tentei argumentar que se tratava de um tipo de trabalho que eles não faziam.

Não deu. Tive de ceder.

O lixo

Ainda durante a obra, tive de contratar uma empresa para retirar o entulho, a

qual, posteriormente, seria a mesma que retiraria nosso lixo diariamente. Eu

fui avisado de que nesse setor atuava a máfi a, e, na hora de colocar a placa da

obra, apareceria alguém para falar comigo. E não apareceu um, apareceram

seis e me entregaram seis cartões. Todos com sobrenomes italianos. Uns mais

agressivos, outros mais gentis. Eram fortes, altos, meio parecidos fi sicamente,

todos com cabelo igual, cheio de gel fi xador. Consultei nosso advogado, um

americano, Kevin McGrath, que me disse para não contratar nenhum deles.

Ele preparou uma carta para eu mandar aos seis. A carta dizia algo como:

“Além da sua empresa, eu recebi o contato das empresas tais e tais e terei o

maior prazer em fazer negócio com aquela que tiver a melhor disponibilidade

para atuar nesta região”, ou seja, em outras palavras: entendam-se e me procu-

rem. Quatro dias depois, recebi a visita de um sujeito chamado Cameo, para

me dizer que ele é que faria o serviço. Ele fazia o tipo agressivo-carinhoso,

propôs um valor muito alto, e eu não disse nem sim, nem não. O advogado,

então, sugeriu fazer uma pesquisa na região para saber quanto custava de fato o

serviço. Era mais ou menos um terço do que ele havia proposto, mas uma bar-

ganha fazia parte do ritual. Chamamos o Cameo e propusemos um terço. Ele

aceitou, desde que pudesse jantar lá com a família, numa espécie de permuta.

Não era exatamente o lixeiro que eu desejava como meu cliente: a ideia era

atacar um público sofi sticado, mas tive de fazer essa concessão de largada e não

me arrependi. Foi o mafi oso mais light que tive em minha vida. Ele foi poucas

vezes lá com a família: comportamento ilibado, correto, sem agressão, além de

dar altas gorjetas – embora essa fosse uma característica dessa gente. E mais:

a familinha era bem bonitinha, e ele, arrumado e perfumado (põe perfume

nisso!), dava para enganar legal.

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Quando a obra estava quase pronta, eis que houve a segunda aparição dos

“italianos”: toda a lavagem de toalhas comerciais está nas mãos da máfi a. Vie-

ram quatro lavanderias candidatas: uma delas mais próxima e outra mais in-

dustrial. Ficamos com a da First Avenue. No começo funcionou direitinho.

Um dia, nosso fornecedor, um jovem mafi oso magrinho e simpático, avisou-

nos de que a partir da semana seguinte não iria mais prestar o serviço, em razão

de “uma resolução interna”, e disse que, daquela data em diante, outra empresa,

já determinada, é que faria o serviço. E assim foi.

Os donos de restaurante

Quando eu disse que o plano estratégico da inauguração de Nova York não

tinha sido tão bem-sucedido como o de Paris, com referência aos donos de

restaurante convidados, quis dizer que, entre eles, havia alguns personagens

que tinham ligações com os mafi osos, como, por exemplo, um arrogante bai-

xinho chamado Nani, dono do Il Valeto, logo ali na Rua 61. Havia também

outros proprietários de restaurantes italianos que fi cavam na Rua 58, entre

a Lexington e a Second Avenue. Nessa fornada, vieram esses personagens

que, de alguma maneira, foram aos poucos infi ltrando alguns mafi osos no

Club A. Um dos maîtres, o americano William, que eu tinha tirado do

Régine’s de Nova York, já conhecia esses mafi osos, porque eles eram grandes

frequentadores lá. O William acolheu-os generosamente. Afi nal, essa gente

gosta de ser paparicada, lambida, e os maîtres, de boas gorjetas. Nem sempre

o cliente ideal para o dono da casa é o bom para os maîtres e os garçons. Às

vezes, há clientes pródigos em boas gorjetas, mas cuja presença é indesejável

para o dono da casa. Era o caso dos mafi osos, que além de não serem de-

corativos, eram indesejados. Senti que, depois de dois anos de casa aberta,

esses personagens começaram a surgir com mais frequência. Em determina-

dos dias, havia um contingente preocupante, sempre dando gorjetas muito

poderosas e causando certo constrangimento, principalmente para os nova-

iorquinos, que os conheciam. Os estrangeiros não se intimidavam, porque

não sabiam que o perigo estava ao lado.

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Apresenta Vaudeville 373

A máfia começa a ganhar espaço

O começo foi brando. Eram aparições esporádicas de alguns deles, especial-

mente de um topetudo (eles adoram um topete), John Caballero, soi-disant

amigo dos “homens”. E aos poucos, os mafi osos começaram a ganhar espaço

de tal maneira lá dentro que estabeleceram que as mesas situadas no camarote

defronte à cascata eram exclusivamente para eles. Era lá que queriam e exigiam

fi car. Ai de mim se ousasse dar aquelas mesas a outra pessoa. Eles viraram do-

nos daquele pedaço. Além disso, eram folgados em relação a mulher de tercei-

ros, agressivos. Em contrapartida, se alguém se insinuasse para alguma mulher

que estivesse com eles, era ameaçado de morte.

Eu me lembro de uma história assombrosa! Por razões tolas, levaram para

fora do Club dois frequentadores, acho que canadenses, surraram-nos até não

suportarem mais e os jogaram numa escadaria, numa pequena town house vi-

zinha. Nunca mais se soube deles. Morreram? Não sei. Provavelmente. Nesse

momento comecei a me sentir fazendo parte de um seriado de televisão, sem

nenhuma capacidade de agir.

Tentativa de negociação com a máfia

A coisa fi cava, a cada dia, mais preocupante e perigosa. O volume de “italia-

nos” era cada vez maior. Conversei com meu advogado, um americano da pesa-

da, que tinha trabalhado com o Bob Kennedy, de um escritório importante. O

Kevin, com aquela cara, disse que era um problema de difícil solução. Deu uns

telefonemas e resolveu me apresentar a um tal de Bob Lee. Era um americano

enorme, de dois metros de altura, sardento, que poderia ser o pai da Rita Lee,

só que atlético. Ele assumiu a segurança do Club A, com o intuito de afastar

esses mafi osos, criando um clima que não fosse bom para eles. Eu pagava para

ele e outros seis seguranças três ou quatro vezes mais do que para os que eu

tinha normalmente.

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Cocaína na noite de Nova York

Um dia chegou um simpático frequentador, proprietário de um restaurante

na Third Avenue, lá pela Rua 50 e pouco, oferecendo comprar um pedaço

do Club A. Mais tarde, soube que ele tinha como sócio um tal de Vito que,

para minha grande surpresa, vi dias depois algemado num jornal de televi-

são, preso numa operação intitulada “Pizza” de tráfi co de cocaína.

Para entender melhor o que se passava, cabe relacionar alguns outros fatos:

• Um pouco antes disso, comecei a fi car apavorado com o consumo de co-

caína lá dentro. Era preocupante para mim, que não tinha expertise americana

naquele momento.

• Por ter vendido meia dúzia de uísques fora do horário, fui multado pelo

Alcoholic Beverage Control, departamento que emite e controla a liquor

license. Em Nova York só se vende álcool até as quatro da manhã, o que é mais

uma dessas hipocrisias americanas enormes. Isso numa cidade cheia de clubes

after hours, que abrem suas portas às 4 da manhã e funcionam até o meio-dia.

Durma com essa!

• Recorri a famoso advogado, de quem escuto coisas, quando nada, curio-

sas, dentro de uma lógica bem americana: “1. Ignore a cocaína. Para você ela

não existe. E, como não é regulamentada, não há nada a fazer. 2. Os clubes

after hours vendem álcool porque são ilegais, sendo assim não estão regulamen-

tados”! Viva!

Essa grande hipocrisia do Estado americano pode ser avaliada pela his-

tória de um grupo de amigos que estava bebendo em um pub em Connecti-

cut. Por volta de 15 minutos para a meia-noite, o bartender recolheu os copos,

já que a liquor license lá é só até a meia-noite. Eles queriam continuar a beber

e foram para New Jersey, que é próxima. Conseguiram beber até as duas ho-

ras da manhã. Daí foram para Nova York e lá fi caram bebendo até as quatro

horas da manhã. De lá foram até um supermercado, compraram uma grade

de cerveja e beberam até cair.

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Apresenta Vaudeville 375

Choque com a ilegalidade

Meus amigos locais sempre me desaconselharam a conhecer um cassino ile-

gal, bem atrás do Club A, na Rua 61. A curiosidade era enorme: uma casa de

jogo com roleta, baccarat, seven & eleven, tudo. Que arrependimento! Toda

a escória dos “italianos” indesejáveis que lamentavelmente frequentavam o

Club A estava presente. Um corso, dono do local, gentilmente me chamou do

lado e sugeriu que eu não fi casse. Quando leio sobre a existência de ingênuos

bingos ilegais aqui no Brasil, dou boas risadas.

O poderoso chefão

Um belo dia, percebi claramente o seguinte: o Bob Lee estava mais fazendo

o papel de relações-públicas dos mafi osos lá dentro do que os afastando,

até mesmo recebendo-os na porta, fazendo as honras da casa. Os mafi osos

começaram a dar grandes gorjetas aos seguranças, e o Bob Lee trabalhava

para eles e para mim ao mesmo tempo. Havia um que ia lá toda noite, ia mais

do que eu. Era nada mais, nada menos que o famoso poderoso chefão John

Gotti, que morreu há alguns anos na prisão.

O poderoso chefão chegava cedo, sempre cercado de um entourage de cinco

ou seis pessoas. Não dançava, fumava seu charuto Hoyo de Monterrey Doble

Coronas e dava gorjetas generosas. Eram agraciados o porteiro, o maître, o

garçom que o servia e o rapaz do pipi, uma bichinha brasileira que fez fortuna.

Cem dólares para cada, todas as noites! Sentia-se em casa! Foi publicado um

perfi l de Gotti na New York Magazine dizendo que se vestia com roupas do

Brooks Brothers, indicando onde era a fl oricultura em que ele comprava fl ores,

o restaurante em que ele comia e o clube noturno que frequentava todas as

noites: o Club A.

Eu me queixava constantemente com o Bob Lee, que fi ngia que ia fazer algo,

mas nunca fez, ou não podia. Houve um processo de acomodação, com toda a

sua equipe fazendo trabalho duplo, cômodo e rentável. Para eles, é claro.

Na penúltima vez que Gotti esteve preso, dedurado por um ex-auxiliar

seu que também frequentava o Club A, vi pela TV, no Jornal Nacional, quan-

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do ele deixava a prisão. Respirei fundo e disse a Gisella que voltaríamos a ter

problemas pela frente, tinha certeza de que, lamentavelmente, ele voltaria a

frequentar o Club A. Gisella disse que talvez não, em virtude de a exposição

de mídia ter sido muito grande.

Dias depois, fui para Nova York. Eu tinha cedido a sala da entrada do Club

A para o Zelio, irmão do Ziraldo, que morava por lá, para ele fazer uma exposi-

ção de umas gravuras em nanquim, muito bonitas. Quando cheguei, o Zelio me

contou que tinha entrado um senhor muito elegante, de terno escuro, de cabelos

um pouco grisalhos – descreveu o homem –, e disse que ele tinha comprado

toda a tiragem de uma gravura de um gato numa janela com a Brooklyn Bridge

ao fundo – a janela do loft em que Zelio morava com seu gato de estimação. Eu

fi quei superfeliz e o cumprimentei. Fui até o toalete, abri o zíper, mas foi um pipi

que eu não fi z, porque nesse momento bateu em minhas costas o John Gotti,

que estava fazendo um pipi ao meu lado. Ele, que nasceu no Brooklyn, adorou o

trabalho do nosso artista brasileiro. Eu voltei a não dormir.

Meu freguês numero 1, Gotti , o poderoso chefão!

FOTO

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Apresenta Vaudeville 377

O derrame dos cartões

Os problemas com os “italianos” somente aumentavam. Primeiro foi a Mas-

tercard, que nos procurou dizendo que não iria mais trabalhar com o Club A.

Depois foi a vez da Visa e, logo depois, a Amex. Chamamos os representan-

tes dos cartões, e, curiosamente, veio apenas um, falando em nome das três

empresas concorrentes. Era um prestador de serviços, aposentado do FBI, que

nos contou que havia um derrame enorme no Club A de cartões falsifi cados.

O lado delicado e artístico do poderoso chefão: apaixonou-se e comprouuma série dessa bela gravura de Zelio.

ARQU

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PESS

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Os mafi osos de segunda linha pagavam com cartões falsifi cados, clonados, ou

sei lá. Fizemos um acordo: permitiríamos que representantes das operadoras,

todos aposentados do FBI, fi scalizassem o recebimento dos cartões no próprio

Club A. Saíram algumas pessoas algemadas lá de dentro.

Curioso o trabalho desses senhores numa época de poucos recursos de in-

formática. Eles faziam o perfi l do vigarista com mapas que permitiam rastrear

o roteiro de consumo de cada um, identifi cando os locais de maior derrame. E

meu Club tinha sido premiado, era um dos campeões!

A presença dos policiais na casa teve um revide signifi cativo. Numa mesma

semana, um veículo, provavelmente um jipe, entrou porta adentro do Club A,

destruindo-o. E um táxi adentrou o Alô, Alô, em plena Third Avenue, aca-

bando com parte do restaurante.

Não se sabe bem quem é quem na máfi a, com exceção da grande cúpula.

Um dia, um sujeito chamado Puni disse ao meu gerente que, a partir daquela

data, os carros do Club A não fariam mais o parking com a garagem do Ver-

tical Club, mas sim noutro espaço, dele próprio. O Bob Lee conversou com

o homem, mas tivemos de ceder. Aliás, no começo do Club A, já havíamos

tido uma experiência com o estacionamento da esquina, cujo dono procuramos

antes de abrir a casa para combinar que ele fi casse aberto de madrugada para

receber os nossos frequentadores. Depois de uma semana, ele nos avisou, sem

muitos detalhes, que não ia mais abrir de madrugada. Confi denciou que não

tinha autorização dos italianos.

A coisa começou a ganhar tal dimensão que fi cou insuportável. Não sabia

mais que destino dar ao Club A.

A lógica do Mike

Quando eu chegava ao Club A mais cedo, via um segurança, o Mike, que era,

como os demais, ex-combatente do Vietnã, massageando os funcionários. O

Mike faturava uma grana extra fazendo uma massagem muito relaxante por

US$ 10. Sentado numa cadeira ao contrário, ele massageava as costas e a ca-

beça. Eu via e acabei aderindo à ideia, pois ajudava a aliviar o estresse. Fiquei

camarada dele.

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Apresenta Vaudeville 379

Ingenuamente, falando a respeito da máfi a, ele me disse que era complica-

do, porque o Bob Lee tinha um misto de amigo da máfi a, mas era policial, e,

segundo ele, essa gente da polícia não era séria. Durante o período de guerra,

quem tinha segurado a onda dele lá por um ano e meio, dois anos, tinha sido

a Maria. Quando ela era sua namorada, morava a seis ou sete quadras da casa

dele, no Brooklyn, e lhe mandava cartas quase que diariamente. Essas cartas o

fi zeram viver no meio daquela guerra cruel. Quando retornou, a Maria estava

no aeroporto, e imediatamente eles marcaram o casamento. Daí eu perguntei

se ele estava feliz. Ele disse que estava separado, porque essa gente da polícia

não era séria. O pai dele era contador de um braço da máfi a; o pai da Maria

era da polícia. Os pais de ambos não queriam o casamento, mas eles quebra-

ram as resistências familiares e se casaram. No dia do casamento, na igreja do

Brooklyn, ocorreu o primeiro problema. Os policiais convidados estranharam,

a princípio, os mafi osos presentes, mas acabaram se tolerando, porque cada

um sentou de um lado da igreja, sem se olhar. Foi tudo bem, mas ninguém foi

à festa, porque nenhuma parte queria se confraternizar com a outra. Foi uma

festa bonita, segundo ele; bem cafona, imagino eu. Comida e bebida fartas,

mas sem convidados. Mas o pior veio depois: a Maria escutou um dia em casa

uma história a respeito de uma operação mafi osa e cometeu a inconfi dência de

contar ao pai, e muita gente foi presa. Por causa disso, ele dizia que gente da

polícia, como o Bob Lee, não era séria.

O fim

Tomaram conta. O Club A virou o símbolo da “casa do poderoso chefão”.

Gotti e seus amiguinhos italianos não tomaram conta do lugar, simplesmente

o ocuparam. Todas as tentativas foram feitas paras mudar esse quadro. Até

mesmo a descaracterização do local.

Também tentei fazer do restaurante do Club A, o Tucano, um clube de

bossa-nova, com comida brasileira dos chefs Antonio (do Antonio’s do Rio)

e Laerte. Música do maravilhoso Hélcio Milito. Não consegui afastar os ho-

mens. Eles adoraram nossa música.

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Tentei com o Eric Demarchelier, irmão do famoso fotógrafo, virar clube

de música ao vivo, com grupos jovens. Enchia, e os italianos desapareceram,

mas surgiram os júniors, os fi lhos dos “italianos”, ainda piores!

Eis que surgiu um “grupo”, com meu “amigo” Marco Ricotta, e “com-

prou” um dos mais belos clubes do mundo. Meses depois estava transforma-

do no mais cafajeste e luxuoso clube de strip de Manhattan. Seu nome atual é

Sapphire Gentleman’s Club. Divirtam-se!

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