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jorge-antonio-vieira
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65TEXTOSRESUMOO artigo aborda as trs formas do discurso do mestre que organizam a socie-dadedeconsumoequeproduzemosintomasocialdastoxicomaniaseosujeitodasadices,indicandocomosedaarticulaoentreodiscursotecnocientfico,odiscursomdicoeodiscursodocapitalista,demonstrandoaindaqueesseltimosecaracterizacomoumamontagemperversadodis-curso do mestre e no como um quinto discurso.PALAVRAS-CHAVE: sociedade de consumo, toxicomania, discurso do mes-tre,discursodocapitalista,montagemperversa.CONSUMERSOCIETYANDDRUGADDICTIONTO CONSUME OR NOT TO BEABSTRACTThearticleaddressesthethreeformsofthemastersdiscoursethatorganizeconsumersocietyandproducethesocialsymptomofdrugaddictionandtheaddictivesubject,indicatinghowthediscourseoftechnoscience,themedicaldiscourseandthecapitalistsdiscoursearticulatethemselvesanditisdemonstrated that the capitalists discourse is a perverse setting of the mastersdiscourse and not a fifth discourse.KEYWORDS: consumer society, drug addiction, masters discourse, capitalistsdiscourse,perversesetting.SOCIEDADE DE CONSUMOE TOXICOMANIA CONSUMIROU NO SERJaime Alberto Betts**Psicanalista;MembrodaAPPOA;Psiclogoespecialistaempsicologiaclnicaepsicologiaorganizacional e do trabalho; Fundador do Instituto da Mama do Rio Grande do Sul; Membro doComitTcnicoNacionaldoProgramaNacionaldeHumanizaodaAssistnciaHospitalar(PNHAH) do Ministrio da Sade (2000 2003). E-mail: jbetts@terra.com.brTEXTOS66evidentequeasociedadedeconsumoinduzadiosdrogas.Essainduofazdatoxicomaniaumsintomasocialmanaco.Dequemodoasociedadedeconsumofazisso,ecomqueconseqnciasparaosujeito?Quaissoosdiscursosquedeterminamasociedadedeconsumoequalogozoimplicadonasrelaodeconsumo?Quando o general Dwight Eisenhower assumiu a presidncia dos Esta-dos Unidos, em 1953, ele alertou para os perigos do complexo militar-industri-alquehaviasidocriadoparaenfrentaraIIGuerraMundial.Oquelevariaummilitardacpuladasforasarmadasvencedorasdoconfronto,presidenteeleitonops-guerra,afazeressealerta?OsantecedentessoacrisenabolsadevaloresdeNovaIorqueem1919eoperododecaoseconmicoedepressoqueseseguiu.EnquantoFranklinDelanoRooseveltlutavaparaconvencerseuscompatriotaseospo-derososgruposempresariaisaentraremnoesforoderecuperaodaeco-nomia,oataqueaPearlHarbordesencadeouoingressodopasnaguerra,que se defrontou com a constatao de que suas foras armadas estavam defatodesarmadas.Emgrandemedida,arecuperaodaeconomianorte-ame-ricanadeu-senaesteiradesseconflitoarmadoedocomplexoindustrial-mili-tar que nasceu ali, e que no parou mais de crescer e de necessitar de novosconfrontosparaescoarsuaproduoblica.RobertKurtz,escrevendosobreAorigemdestrutivadocapitalismo(1997),demonstraqueamudanadasidiasedasmentalidadesquecarac-terizaramonascimentodamodernidadeemgrandepartesedevemaode-senvolvimentodasforasprodutivasmateriaismuitoanterioresaoadventodamquinaavaporeaotearmecnico,quemarcaramoinciodarevoluoindustrial.Argumentaquefoi,naverdade,umaretumbanteforadestrutivaqueabriucaminhomodernizao,asaber,ainvenodasarmasdefogo.Essacorrelaoconhecidahmuitotempo,dizoautor,entretantobas-tante subestimada. O mundo ocidental moderno e seus idelogos s a custoaceitam a viso de que o fundamento histrico ltimo de seu sagrado concei-todeliberdadeeprogressohdeserencontradonainvenododiablicoinstrumentomortaldahistriadahumanidade.Freud,quandoescreveem1923 sobre oMal-estar na civilizao,eloqenteemseupessimismosobreofuturodahumanidadediantedopoderdedestruiocolocadodisposiodapulsodemortepeloprogressotecnocientficodemonstradoporocasioda I Guerra Mundial. O que ele diria hoje, diante do poder destrutivo desenvolvi-do desde ento, e queapenasacenacomavelocidadepotencialqueode-senvolvimento tecnocientficoiratingirsearaahumana(eoplaneta)so-breviverparacontarahistria?Parafraseandooditopopular,acivilizaodosculoXXconseguiujuntarapulsodedestruiocomopoderdedestruir.67Asconseqnciashistricasdacontinuidadeedodesenvolvimentodamquinadeguerramontadaestoestampadasnaspginasdosjornais,coti-dianamente.Osbombardeiosagorasocirrgicos.Asmetforasmilitareseas mdicas se complementam. H que haver guerras para que se consuma aproduodearmamentos.Essecomplexoindustrialdeconsumodestrutivovemdemonstrandoseupodermortferocrescentedesdeento.Paradoxal-mente,umgeneralpreocupou-secomisso.Evidentemente,ficouporissomesmo.Outrocomplexoindustrialquetemcrescidopoderosamente(tambmdemonstrandoapotnciadodiscursotecnocientfico),influenciandoamanei-racomoencaramosavidaelidamoscomomal-estarnacivilizao,dizres-peitoindustriafarmacutica.Asoluodosmaisvariadostiposdeproble-mas cada vez mais procurada do lado das drogas, sejam legais ou ilegais. no real das reaes bioqumicas inseridas num contexto de linguagem sgnicaqueacontemporaneidadeprocuratornarsuportvelocrescentemal-estardeviver.Antidepressivoseansiolticostornaram-seduasdasdrogasmaisrecei-tadas(eauto-medicadas)nomundo,deformageneralizada,porumgrandenmerodemdicosdasmaisvariadasespecialidades,noimportandoparanadaquaissejamosmotivosdossintomasdadepressooudaansiedade.Osmotivosdosofrimentodosujeitoestoforadeconsiderao.Asoluoamesma,nomximovariandoadosagemouafrmuladadroga,prescritasegundo a bioqumica de cada organismo. A impotncia sexual, por exemplo,(ser redundncia dizermasculina,tendoemvistaqueamesmadroga,sobformadepomada,inturgesceosgenitaisfemininos,aumentandosuasensibi-lidade?) faz do Viagra (e derivados de outras marcas) um dos maiores suces-sosdeconsumo,rendendomilhesdedlaresaolaboratrioquedetmsuapatente.Seuconsumoregistradoinclusiveentrejovensquenosofremdeimpotncia(nosentidodenoconseguiremereo),queatomamparaim-pressionaraparceira.Serabuscadeumplusdegozar,narcsico,queasexualidade,sempreparcial,nosatisfaz?Ambososcomplexosindustriaismovimentammuitosbilhesdedla-resemconsumo,porano:muitopoder,poderquedecideeleiesnacio-nais,destinosglobaiseavidacotidianadeumsemnmerodesujeitos.Asociedadedeconsumosecaracterizaporserorganizadapredomi-nantementepelasrelaesdeconsumoevaloresassociados,condicionandoaproduodebenseservios.Oconsumidor,elevadoaostatusdecidadodedireito,atravsdarecenteelaboraodosdireitosdoconsumidor,temcomo ideal de vida preponderante sua potncia de consumo. O sucesso soci-aleafelicidadepessoalsoidentificadospelonveldeconsumoqueoindiv-duotem.Osomosoquetemoselevadocondiodeidealsocial:oSOCIEDADE DE CONSUMO...TEXTOS68hedonismomaterialista,aqualquerpreo,triunfa.Senotemos,nosomos.O potencial de consumo determina o grau de incluso ou de excluso social,de sucesso ou de insucesso, de felicidade ou de infelicidade. A sociedade doespetculo(Debord,1997),quedecorredesseequacionamento,fazdamani-pulao da aparncia o trampolim social para o ter: o excludo sonha com sercelebridade,equemjnovivesemser,paranoperderostatus. arealizaoconvictadosomosoqueconsumimos.Subverte-seaequaoshakespearianaserounoser,transformandoaquestoexistencialvital emterounoser, isto ,consumir ounoser,associadoaumjogodeespelhosdeaparentarser.Oespetacularafrmulaindutoradaadico:oshownopodeparar.Oadventocontemporneodasociedadedeconsumopodesercarac-terizado pela confluncia cada vez mais articulada de trs discursos: o discur-so tecnocientfico, o discurso mdico e o discurso do capitalista, sendo todosdifundidosemmassapelomarketing.Osefeitosdessesdiscursosnaculturasefazemsentirnapsicopatologiacotidiana,sendodominantesosuficientepara mudarem o sintoma das converses histricas dos 1900, de Freud, paraodasdepressesdaatualidade(Roudinesco,2000),assimcomofazerdouso milenar de txicos um sintoma social manaco. A sociedade de consumoumasociedadedeadico.TalvezumadascontribuiesmaisprofcuasdeLacanparasituarapsicanlise(esuaeficciasimblica)nosculoXXItenhasidoaformulaodosquatrodiscursos(domestre,douniversitrio,dahistricaedoanalista),plosestruturaisemrelaoaosquaisosdiscursosnaculturaserealizam(Lacan,1992).Quandoeleelaboraoconceitodediscurso,fornece-nosumaferramentaconceitualdecisivaparaanalisarasmudanasnocursodahist-ria e a posio do sujeito diante das mesmas. A estrutura simblica dos qua-trodiscursosqueproduzemaordemsocialproduztambmosujeitoqueseinscrevenamesma.Discurso,paraapsicanlise,umaformadeestruturaodalingua-gemqueorganizaacomunicao(tododiscursodirige-seaumoutro),espe-cificandoasrelaesdosujeitocomossignificantes,comseudesejar,comseufantasmaecomoobjetocausadedesejo,determinandoosujeitoeassuas formas de gozo, ao mesmo tempo que regula as formas do vnculo soci-al.Asestruturasdiscursivasdeterminam,portanto,asformasdefunciona-mentotantodolaosocialedocursodahistria,quantoosfuncionamentoslinguageirosaosquaisosujeitoseencontraassujeitado(Chemama,1995).Odiscursodomestre,pontodepartidadahistriasocialesubjetiva,produzumsujeitoassujeitadolinguagem,barrado,divididopelalinguagem,namedidaemqueosignificanteS1,comoagentedodiscurso,orepresenta69juntoaosdemaissignificantesS2,organizadoscomoumsaber.Apartirdes-sadeterminaosimblicadosujeito,humresto,quetantoindicaqueoobjetocausadodesejodesdesempreperdido(impossibilidadedeumgozopleno, completo), quanto umplusdegozarpossvelaosujeito,foradocorpo,apesardenoserpossvel,emfunodomurodalinguagem,terumaces-sodiretoaoobjeto-causadodesejar).Aorientaotopolgicadassetasqueestruturamasrelaesdoslugaresdodiscursoindicamqueumarelaodi-reta entre o sujeito e o objeto causa de seu desejo impossvel. Esse ponto importante pelo que ser desenvolvido mais adiante sobre o discurso do capi-talista.DISCURSODOMESTREO discurso do mestre, assim como determina a constituio do sujeito,designa as formas ordinrias do assujeitamento social e poltico do sujeito aoenunciadodeummandamento,aumapalavradeordem,ousugestohip-ntica do marketing. O significante mestre, como agente do discurso do mes-tre, determina a histria de um dizer imperativotu s isso,quenocessadeacompanhareorientarocursodahistriadeumasociedadee,damesmaforma, a histria de um sujeito. que ao tocar, por pouco que seja, a relaodohomemcomosignificante,[...],muda-seocursodahistria,modificandoasamarrasdeseuser(Lacan,1957,p.507).Qual ser otusissodecadaumadastrsformasdodiscursodomestremencionadasacimaqueorganizaasociedadedeconsumo,equetraz como sintoma social as toxicomanias?Odiscursotecnocientfico.Descartespromoveumafortemudanadarelao do sujeito com o significante, mudando o curso da histria e as amar-rasdohomemcomseuser,aopromoverasubstituiodeDeus,comosignificantemestredasociedadeocidental,ecolocandoarazonolugardeagente do discurso do mestre. O cogito cartesiano penso, logo soudeixao homem moderno rfo, sem poder mais contar com um Deus, pai oniscien-teeonipotente,quelhedumlugardefiliaoealgumagarantiadeser.Modificam-seasrelaessignificantesquedeterminamaposiodosujeitoante seus objetos e ante as formas de gozo que seus fantasmas possibilitam.O homem da modernidade passa a ser determinado acima de tudo por umtus um animal racional,sujeitodarazo.S1 S2SaSOCIEDADE DE CONSUMO...TEXTOS70nocontextodaRevoluoFrancesaquesurgeafiguradaDeusaRazoemsubstituioaoDeusdoCristianismo,originandoocultodarazocomoumaformadeenfrentarodesafiodasecularizaonumasociedadeaindadominadaporvaloresreligiososequetrazconsigoasduasprincipaispsicopatologiasdopensamentoocidentalmoderno(Rouanet,1996,p.288).Soelasohiper-racionalismo,quesecaracterizapelarazonarcsicadodiscursocientfico,positivistaetotalitrio,eoirracionalismo,emquearazoniilistasedeixaabsorverpeloseuOutro,escudando-senumobscurantismoem quetudorelativo,todaexperinciavlidae,portanto,nadapodeserquestionado. O absolutismo associado ao culto a Deus e ordem do sagradodlugarprogressivamenteaototalitarismoassociadoordemseculardodis-cursodacinciaedasociedadedoespetculodoprogressocientfico.Odiscursodacinciasecaracterizacomoumalinguagemsemfala(Lacan, 1998), o que implica uma excluso dos significantes que representameproduzemosujeitoparaoutrossignificantesdaredesimblica,trazendocomoconseqnciaasociedadedosegosautnomoseadepressocomosintoma social dominante: no h mais lugar para o sujeito. A linguagem sgnicadacinciaoreduzaumobjeto,entreoutros,noreal:cobaia,mercadoriaouinstrumentodosaberdooutro.interessanteobservaraquiqueumadasdificuldadesnotratamentodastoxicomaniasqueosujeitofreqentementenofala.A linguagem sgnica do discurso da cincia a linguagem por exceln-ciadasociedadedeconsumo(Baudrillard,2003).Nessesentido,asocieda-dedeconsumooresultadodocasamentoentreaindstriaeacincia.Sendoosignooquerepresentaalgoparaalgum,autopiadacinciaal-canaracorrespondnciabiunvocaentreosignificanteeosignificado,semmargemparaequvocos,mal-entendidosoumetforaspoticas,semqual-querinterfernciasubjetivadodesejo.Odiscursodacinciasconcebvelcomoumalinguagemsemfala.Olugardeenunciaodosujeitoexcludo,poisconsideradofontedevisnaproduodoconhecimentocientfico.Umalinguagemsemfalaimplicaquequandoosujeitofala,suapalavravazia(Lacan,1984),esvaziadadodesejo,ficandoreduzidasuadimensoimaginriadeegoreceptoreemissordesignos(informao).A linguagem sgnica que determina a psicologia do homem da socieda-dedeconsumoreduzsuadimensosubjetivaaoregistrodoimaginrioeproduzosujeitonarcsico,quejogacomasregrasdojogosocialdaformaquemelhorlhepermitemanipularosoutros,ouasiprprio.Comapulveriza-o dos ideais de eu da tradio, o eu ideal deixa de ser subordinado, susten-tadoeestruturadopeloidealdoeu.Odesmoronamentodoidealdoeuvemacompanhadoporumaleimuitomaisferoz,queoimperativodegozodo71superegomaterno,quesedeslocaparaaposiodetusisso.Ouseja,afunodaleisimblicadeinterditarogozodoOutrosedesestrutura.AtelenoveladaTVGloboCelebridadeexemplarnessesentido.Umexemplodoladodastoxicomaniasosujeitoquemanipulaquimicamenteseusestadosdeespritodeacordocomassituaessociaisqueirenfren-tar,consumindoasdrogascorrespondentesaoefeitoquedesejaalcanarsobresimesmoesobreaimagemdesiquedesejaaparentaraosoutros.Aalienaoqueproduzosujeitonarcsicoofazcrermaniacamenteque,comessamanipulaobioqumica,ele,ego,queestnocomando.Nessaposio,apessoaseconcebecomoindivduo,autnomo,semtradiesecomoanimalracional,guiadopelosentidodavidaqueoconsu-mo (racional!?) dos objetos de marca indicados pelomarketing lhedetermina.Suaalienaoemrelaodivisosubjetivabeiraaloucura,poisoqueexcludodosimblicoretornanoreal.Lacan, afirma, a esse respeito, que: O que vimos emergir para o nossohorror,representaareaodeprecursorescomrelaoaoqueirsedesen-volvercomoconseqnciadoremanejamentodosgrupossociaispelacin-cia,enotadamenteauniversalizaoqueelaintroduzneles,fazendocomquenossofuturodemercadoscomunsencontrasseseuequilbrionaexten-socadavezmaisduradosprocessosdesegregao(Lacan,Proposiode09/10/1967).Odiscursodacinciapromoveoremanejamentodosgrupossociais,trazendocomoconseqncia,entreoutras,oshorroresdoscamposdecon-centrao,camposdeextermnioedeexperimentaoedesenvolvimentocientficoetecnolgico,mdicoeblico,semdvidacarregadostambmdeirracionalismoobscurantista.O totalitarismo fruto da cincia moderna, cujo mecanismo o de umadessubjetivao, que faz do dio cimento social: tanto o dio ao outro rejeita-doparaforadogrupo,quantoodiodosujeitoaoseuestranhointerior.Asegregaodupla,poissocialeincidetambmsobreoprpriosujeito.Caterina Koltai argumenta que Talvez o tribalismo e o racismo essa criaomoderna, filha da industrializao e do capitalismo sejam a forma por exce-lnciadomal-estarnacivilizaocontempornea(Koltai,2000,p.31).Aau-toraponderaqueoracismorelativotantoaumdispositivosocialquantoaoprocesso das identificaes egicas na estrutura do sujeito. E levanta a hip-tesedequenoplanodosocialosmovimentosracistascaminhamjuntocomoaumentodasperturbaesnarcsicasqueobservamosemnossascl-nicas,sendoquetaisperturbaessoaformacontemporneadahisteriaemnossasociedadedeconsumoemsuaformaps-moderna(Koltai,2000,p. 27) A frmulasomos o que temos,evidentemente,daordemdahisteria.SOCIEDADE DE CONSUMO...TEXTOS72O Discurso Mdico.EmborasejacomPasteureadescobertadosmi-crbioscausadoresdeenfermidadesqueamedicinaingressadeveznamodernidadecientfico-tecnolgicaquandopassaamedicalizarprogressi-vamenteasociedade,asrelaessociaiseaposiodosujeito,atravsdainstituiodaordemmdicasuaideologiatemsuasrazesnaAntigidadegrega(Clavreul,1983;Costa,1985).O discurso mdico, antes de mais nada, instaura uma ordem que pros-seguesegundosuasleisprprias,impondosuacoeroaodoente,aomdi-coesociedade.Amedicalizaodasociedadesedpelainstituiodanormalizao,ondesedefineonormaleopatolgico(Canguilhem,1978).Adeterminaodoquenormaledoquepatolgicoumatodemestria.Odiscursomdicoveicula,dessaforma,umaideologiaqueemgrandeparteseconfundecomaideologiadominante,poisemsnteseOmdico(ouchefe)sabe melhor que voc o que convm para seu Bem. Sua liberdade resume-seem escolher seu Senhor. Frmula na qual a obrigao de submisso acres-cidadoatodealvioquecolocaemposiodepedinteaquelequedeversesubmeter(Clavreul,1983,p.31).Trata-sedeumaliberdadeforada,poisresponde frmula:aliberdadeouamorte.Nessediscurso,omdicoestnolugardemestre,ouaindadosaberdemestredodiscursodouniversitrio,quesabemelhorqueosujeitooqueconvm para seu bem. Basta abrir qualquerCaderno de Sade do jornalZeroHoraparaconstatarcomoavidacotidiananormalizadapelosabermdico,prescrevendooquecadaumdevefazerparaconquistarumavidasaudvelefeliz,assimcomoareconhecerossinaisdoquepatolgico.Apalavradosujeito no levada em considerao, pois representa o que est excludo dodiscursocientfico.Suapalavrareduzidacondiodesignoqueforneceasinformaesdeanamnesenecessriasaoatomdicodediagnsticoe/ouacompanhamentodotratamentoprescrito.Apalavraquerepresentaosujeito desconsiderada, pois pode induzir o mdico ao erro, uma vez que reintroduzoquefoiexcludoparaaformulaodosabermdico.Clavreullembra,pontoquenosinteressaaqui,aanalogiaentrealiber-dadeformalentreopacienteeomdicocomapretensaliberdadequeMarxassinala existir entre o trabalhador que vende sua fora de trabalho ao capita-lista, dono do dinheiro. Aqui, novamente, nas relaes sociais de produo, apalavradotrabalhadorinteressasomentecomosigno,namedidaemquecontribuidiretamenteparaagregarvaloraoprodutoegerarresultadosfinan-ceiros.Aordemmdicatemnosmdicosseusfuncionrioseexecutantes.Por outro lado, os mesmos se encontram cada vez mais na posio de execu-tantesefuncionriosdocomplexoindustrialfarmacuticoedeequipamentos73mdicos,chegandofreqentementeaopontodesuaatividadesereduzirprescrio de medicamentos (os de ltima gerao e mais caros) e solicita-odeexames(cadavezmaiscomplexos).Lacanabordaesserisconapa-lestraPsicanliseemedicina,ressaltandoquesedemandaaomdicoquefuncionecomoumdistribuidor,prescrevendoecolocandoprovaasnovasdrogaspostasdisposiodopblicopeloslaboratrios(Lacan,1985).Nessesentido,oSecretrioEstadualdaSadedoRioGrandedoSul,OsmarTerra,declarourecentementeaojornalZeroHora(nov.2003)queprecisomudaroatualpanoramademercado,quehojeformaprofissionaisvoltadosatividadedaindstriademedicamentoseequipamentos,aoinvsdeformarprofissionaisatentosrealidade.Aprendemareceitarosmedica-mentos mais eficientes, que so os mais caros, e a prescrever exames caros,masnosabemenfrentarocotidianodasadepblica.Asadetransformadaemmercadoriaeasadepblicalutaperma-nentementecontraoslobbiesdereduodasverbasdestinadasmesma.Osprogressosdaindstriaqumico-farmacuticanovisam,emprimeirains-tncia, melhorar o bem-estar das pessoas, e sim ao lucro. A eventual reduodomal-estarefeitocolateral,bem-vindo,sobretudoseajudaavendermaismedicamentos.Problemasdesadepblicaqueatingempredominantemen-teascamadasmenosfavorecidasdapopulaonosoalvodosinvesti-mentosdepesquisadoslaboratrios.Aindstriafarmacutica,porsuavez,faz fortelobbyparaimpedirqueoEstadoseocupeempesquisare,sobretu-do,produzirmedicamentos.Vejam-seasdisputasenvolvendoaquebradepatentesdedeterminadosmedicamentosesuaproduocomogenricos.Outro aspecto a ressaltar, a respeito da funo normalizante da medici-naemsuaassociaocomodiscursotecnolgico,cientficoecapitalistaseobservanomodocomoanosologiapsicopatolgicadapsiquiatriaclssicatomadadeassaltopeloreducionismobiologizantequeareformulasucessiva-mente,paraadequ-laaosprogressosdapsicofarmacologia,reordenando-asegundooscomportamentossobreosquaisasnovasecadavezmaisaper-feioadasdrogaspodemteralgumaeficcia.ODSM-IVR,nessesentido,jestemsuaquartaversorevisada.Associadoaisso,insistenteadivulga-o,pelosmeiosdecomunicaoespecializadaemproblemasdesademental e social, de que a melhor forma de tratamento medicamentosa, acom-panhadadeterapiacognitivo-comportamental.Vivemosnummundoondehpouco lugar para o sujeito. Da o recurso s drogas, que intoxicam e no dorefgioaosujeito,masreiteramsuaalienaonarcsica.Porquenosauto-medicamostanto?pergunta-se.OBrasiltemcerta-menteomaiornmerodefarmciasporhabitanteequilmetroquadradonomundo.Oapeloaoconsumocotidianonosmeiosdecomunicao.BastaSOCIEDADE DE CONSUMO...TEXTOS74prestaratenonomarketingveiculado:Tomeissoouaquilo.Persistindoossintomas, procure um mdico. Ou seja, primeiro se auto-medique, se a propa-gandanoacertarodiagnsticoeomedicamentoconsumidonoresolver,entoprocureomdico.Vivemosnumaculturahipocondraca,afeitaauto-medicao.Diantedeummal-estar,asoluoadrogadesuapreferncia.Odiscursodocapitalista.Odiscursodocapitalista(umquintodiscur-so?)foiapresentadoumanicavezporLacan,numaconfernciaemMilo(Lacan,1972).Nessaocasio,elepropsainversodostermosdoladodoagente no discurso do mestre, ou seja, o S barrado sai do lugar da verdade evaiparaodoagente,eoS1saidolugardoagenteevaiparaolugardaverdade.Nesseponto,existeconsenso.Ondeexistecontrovrsianoquedizrespeitoquestodaorientaotopolgicadoslugaresentresi.Numaposio,hapenasumainversodostermos,semmudanadaflechaquevaidolugardaverdadeparaodoagente.Aoutraposioentendequehuma toro topolgica que reorienta as flechas, conduzindo do lugar do agen-teparaodaverdade(Goldenberg,1997;Chemama,1995).DISCURSODOCAPITALISTAExiste um quinto discurso, ou no? E se existe um quinto discurso, porquenosepoderiamformularasdemaiscombinatriasresultantesdainver-sodostermos.Lacanseposicionoudizendoqueosdiscursossoapenasquatroeno32.Porqu?OqueLacanpropeprogressivamente,apartirdoSeminrio sobre o avesso da psicanlise, uma estrutura topolgica dos dis-cursos, a partir da combinatria posicional dos termos (S1, S2, a, S) dentro daestruturatopolgicadelugares(agente,outro,produoeverdade).Parece-nosqueaestruturadelugares(orientaodasflechas),nosofreumator-o. por isso, talvez, que Lacan se posiciona no sentido de que as estrutu-rasdiscursivassoapenasquatro.Sendoassim,oqueoquintodiscurso,odocapitalista?Nosquatrodiscursos,somentenodiscursodoanalistaqueexisteuma relao direta entre o objeto a e o sujeito barrado. Ocorre que, no discur-so do analista, o sujeito em anlise confrontado com o objeto a, que causaseudesejar,nolugardeagentedodiscurso,eosujeitoanalisanteestnoS S2S1 aS
S2S1a75lugardooutro,lugarondeoissotrabalha.Aposioticadoanalistadesaber que no sabe qual o bem do sujeito, mas, sim, de saber operar comosemblantedafalta,portadortransferencialdasinsgniasdoobjeto-causadodesejardoanalisante.Oencontrodosujeitocomoseuobjeto-causadodesejarvirtual,transferencial,nosentidodequeosujeitopoderobterdesseencontroanal-tico com o analista-objeto-semblante-do-desejo o recorte de um significantemestre (tusisso)emoutraposio,oudeumnovoS1.essaaoperaodo discurso do analista, que permite ao sujeito, no final de anlise, fazer algode mais interessante com seu sintoma (tu s isso), por j no estar submetidoaoimperativosuperegicodegozodoOutro,quedecorredomesmo.Notratamentoanaltico,osujeitonoreencontraoobjeto:quando,viatransferncia,oanalisanteimaginaestarreencontrandoseuobjetonosem-blantedoanalista,oatoanalticofazorecortedosignificantemestrequerepresentaosujeito,eoobjeto-analistacai.Osujeitodefronta-secomoim-possvelencontrocomoobjetoamadoeimaginadocomoaquelequepermi-tira a reunio feliz e plenamente satisfatria, enfim, o nirvana. pelo encontrocomoobjetocomofaltaeossignificantesmestresqueodeterminamcomosujeito,deslindadosdoimperativosuperegicoquegeralmenteosacompa-nha,queosujeitoabre-separaodesejar.Ofantasmasetornaalgopossvel,brincvel, por ser ponte imaginria sobre o real da falta e no mais imperativodegozo.Desejarmotordavida,reinvenodavida,utopiapossvel.Nodiscursodocapitalistatambmocorreumaligaodiretaentreoobjetoeosujeitobarrado.Entretanto,estamosdiantededuasperspectivas,duas notaes distintas do discurso do capitalista.Numa primeira leitura, comum a ambas as notaes, o objeto em ques-tojnooobjeto-causadodesejar,mas,sim,oobjetoproduzidopelosujeito como agente do discurso. Em outras palavras, o sujeito se acha fixadoaoobjetoproduzidoporelemesmo,e,porestarnolugardeagente,acreditasermestredaspalavrasedascoisas,noestandoassujeitadoanada.No caso da toro da orientao das flechas indo do sujeito, no lugardoagente,paraoS1,nolugardaverdade,essaposiodemestredaspalavras e dos objetos se realiza de fato: o mestre capitalista que determinaaoS1daverdade,ohomemfeitoDeus.Issoconfirmaria,comofatodeestrutura, a existncia do Outro do Outro, assim como a existncia da relaosexual.Oserfalantejnoestariaassujeitadolinguagem:osujeitodara-zoseriamestredalinguagem,reduzidadimensodelinguagemsgnica.Poroutrolado,nocasodainversodasletras,comaflechaindodolugardaverdadeaodoagente,oquemudaqueomestrecapitalistapodeseguir acreditando ser o mestre das palavras e objetos do desejo, mas o fatoSOCIEDADE DE CONSUMO...TEXTOS76estrutural que ele determinado pelo significante, no lugar da verdade. Otus issodessediscursotornapossvel,paraosujeitoeparaacultura,omitoda completude, isto , da plena satisfao de todos os desejos, da coincidn-cia entre o objeto de consumo e o objeto-causa do desejar, de que o sucessopessoaleafelicidadeestosubordinadosaoqueconsumimos.Quantomaisconsumo,maisrealizaoefelicidade.Nessasegundaperspectivadenotaododiscursodocapitalista,nose trata de um quinto discurso, mas, sim, do que propomos chamar de monta-gemperversadodiscursodomestre,denominadadiscursodocapitalista.Odiscurso domarketingoporta-vozdessamontagemperversa,veiculando,comafinalidadedepromoveroconsumo,ailusodeque,apagando-seima-ginariamente(narcsicaouperversamente)adiferenaentreoobjeto-causadodesejoafaltaeoobjetodeconsumopositivado,seriapossvel,enfim,afelicidade,atotalsatisfaodoconsumidorouseudinheirodevolta.AquestoqueosujeitocomandandooS1oprpriodelrioperversorea-lizado.Noexisteumsujeitoforaouacimadalinguagemquecomandaosignificantemestre.NoexisteOutrodoOutro.Antesdeabordarmosaquestodamontagemperversa,vejamosal-gunsoutrosaspectosdessediscurso,sobopontodevistadapsicanlise.QuandoLacanformulasuateoriadosquatrodiscursos(Lacan,1992),toma de Marx o conceito de mais-valia, oplus que o trabalho gera e apropri-ado pelo capitalista, sob a forma do lucro. Para Lacan, levando em considera-o oSeminriomaisainda(Lacan,1982),amais-valiasetransformaemplusdegozo,quepodeserentendidocomoumgozoamaisparaoOutro,aquelequenegadoaosujeito,assimcomoaqueleaoqualosujeitotemacesso:umgozopossvel,parcial(flico),foradocorpo,pelaviadalingua-gem.Tambmpodeserentendidocomooobjeto-causadedesejo,quefaltadesdesemprecomoahinciarealimpossveldecolmatar,brechaoperantenalinguagementreS1eS2,ogozosubtradoaosujeito,afalta-a-gozar.A mais-valia a causa do desejo do capitalista (Naveau, 1983), e porisso que ele ignora a palavra do sujeito, seja trabalhador, seja capitalista. Noimportaoqueosujeitotenhaparafalar,masapenasoqueelecapazdeproduzir.Oqueimportaqueamais-valiasejaproduzida,olucrogerado,apropriadoeacumuladopelocapitalista(oupelosacionistas).Nessascondi-es,trata-sedorebaixamentoedoimpedimentodapalavradosujeitoquetrabalha. Assim, o exerccio do poder poltico no capitalismo poderia ser com-preendidocomoumaespciedecensurasobreotrabalhador,noqualavon-tadedegozodomestrecapitalistabuscasuahegemonia(PeixotoJr.,1999,p.283).Cabeacrescentarqueapalavradosujeito,naposiodemestrecapitalistaouseurepresentante,encontra-secensuradatambm.77Ahipercompetionotrabalhoumadasestratgiasquealgumasempresasadotamparaimporaotrabalhadoraultrapassagemdeseusprpri-oslimites,induzindo-oafazerqualquercoisaparaatingirasmetasestabelecidase,quemsabe,ganharumprmioporisso.Trata-sedeumex-cesso imposto ao trabalhador, cujo gozo lhe escapa, mesmo quando ganha oprmio. Uma doena chamada trabalho a chamada da capa da revistaAma-nh(Ano14,n.163,fev.2001):Aeradacompetitividadesemlimitesgeralesesprecoces,dedifcildiagnsticoequasesempreincurveis.Ogozoqueescapaaotrabalhador,pormaisqueeleseesforceporalcan-lo, um gozo a mais, que suposto ao Outro. Entretanto, mesmo ocapitalistaobrigadoareinvestirumapartedamais-valianosmeiosdepro-duoparasobreviver,esenohouverdistribuioderendasuficienteparaosconsumidoresadquiriremseusprodutos,aempresaquebra.Apesardamontagemperversa,olugardogozodoOutrospodesedelimitarcomoumlugarvazio.Oneurticocrquenopoderealizarseusdesejosporestesestaremproibidosegozacomasformaessintomticassubstitutivas.Nopercebequeaproibiocondiododesejar.OgozonoestinterditadoporqueoOutronosimpededegozar,masporqueogozotambmfaltaaoOutro(PeixotoJr.,1999).Amais-valiafoiexplicitadaporMarx,eosistemacapitalistaprocuraocultarissoatravsdoincentivoaoconsumismo.Osintomadoconsumismoescamoteiaaexpropriaodomais-gozar,deumlado,eafalta-a-gozar,deoutro.Ovalordetrocatornou-seorepresentantedeumafaltaagozar.OgozoamaisparaoOutrotornou-seacausadofuncionamentodaeconomiacapitalista,ondesecomercializaafaltaagozar,mediadapelodinheiro,quese torna assim o equivalente universal da mesma. E a produo sustentadapelo consumo dos valores de uso (Peixoto Jr., 1999). Como canta Liza Minelli,no filmeCabar:moneymakestheworldgoaround.O sintoma social do capitalismo tem como causa do desejo do mestrecapitalistaaextorsodamais-valia.Deoutrolado,contacomogozodaser-vidovoluntria(LaBoetie,1986).Coloca-seaquestodeporqueoneurti-coseprendecomfacilidadeaformaesperversas.Odiscurso(egozo)daservidovoluntria,descritanosmeadosdosculoXVIporLaBoetie(1986),indicaalgoqueFreudcustouparaelaborar:omasoquismoprimrioeosadismoposterior(Freud,1924).Paraoneu-rtico,acompletudeumafantasiadesejadaetemidaaomesmotempo.Desejaretemeraomesmotempoterrenofrtilparaaperverso,ouparamontagensperversas.Todoneurticosonhaemserperversoesonhaemserperversoporqueaposioneurticamuitoinsatisfatria(Calligaris,1986).Pormaisquesonhecomumgozodeseroobjetoquecorresponderiaperfei-SOCIEDADE DE CONSUMO...TEXTOS78tamente castrao materna, esse gozo impossvel, pois implica a elimina-odosujeito.Ejustamentedissoqueoneurticosedefende,sendoqueele fica insatisfeito por se defender, e ao mesmo tempo sente que sua defesanunca suficientemente segura, pois o saber suposto ao pai sempre se mos-trainsuficiente,eogozoqueoportunizaparcial,insatisfatrio.porissoqueoneurticoestprontoaaceitarqualquercoisaparaacederaumamodalidadedegozosupostamentemaissegura,perseguindoogozodoOutro.Namontagemperversa,algumsupostosabercomoinstrumentalizarosujeitoparafazeramontagemfuncionar,efazeramonta-gemfuncionaramesmacoisaquefazeroOutrogozar.Ogozonamonta-gemperversatambmpodeserodesersimultaneamenteoinstrumentoeosaber do bom uso do instrumento que assegure um domnio do gozo do Outro(Calligaris,1986).muitocomumqueoneurticoestejadispostoapagarcaroparafazeramontagemfuncionar,comomencionamosacimasobreoexcessodetrabalhoaqueostrabalhadoressesubmetem,porexemplo.Umsistematotalitriofuncionacomoumamontagemperversa,ondeumcontingenteenormedepessoassecolocamvoluntariamenteaserviodeum mestre que saiba como instrumentaliz-las, em como fazer o leviat funci-onaregozar,dispostasapagarqualquerpreoparatanto.Cumprirordensparecesermaisnegcioparaoneurticodoqueterquetomardecises,correrriscoseaceitarlimitaes.O discurso domarketingograndeagenciadordamontagemperversadodiscursocapitalistadasociedadedeconsumo.Omarketingsededicaamostraraosujeitocomooconsumodamarcasugeridanapropagandaomeiodeafirmarsocialmentequemseecomosegoza,sempreporlivreeespontneaescolhainduzida.Consumirumprodutodemarcainserir-semetonimicamentenummundoqueocomercialconstriemtornodoobjeto.Consumindooobjeto,nosidentificamoscomamarcaenosimaginamosfa-zendopartedessemundo.Pagamosparadivulgaramarcadoprodutoquediz quem somos.O discurso domarketingsededicaafazerdosobjetosproduzidosoqueMarxantecipou,chamandodefetichedamercadoria.Oobjeto-fetichetemafunodepermitiraosujeitodenegaraslimitaesimpostasaogozopela operao simblica da castrao e gozar com a fantasia de ter o objeto esaber sobre seu bom uso. Tudo isso um bom comercial de poucos segundosconseguesintetizar.Sero as marcas, as grifes de consumo, os ideais do eu proposto pelasociedadedeconsumo,emsubstituioquelasdatradio?Parecequesim,comaressalvadeque,nolugardoidealdoeu,oquesepropeumareduoaonarcisismodoeuideal,mortfero,damontagemperversa.Atravs79doobjeto-fetichedeconsumo,oconsumidorinstrumentalizadopelosaber-viverqueamarcademonstrapossuir,nocomercial,aocontextualizaropro-duto.Tomemos trs exemplos de montagens perversas nomarketing: O AudiTT,umesportivohightechdedoislugaresapresentadocomosdizeres:coitus ininterruptus edriven by instinct.Amontagemexplcita.Outroco-mercialdecarro:umhomemseolhanumespelhodguae,nolugardeseurosto, v o reflexo de um Vectra; consumo e narcisismo de mos dadas, ou derostoscolados.O terceiro exemplo de uma cano de grande sucesso entre pessoasdetodasasidades.Porquetocativante?Acanopegaporquealetraumaapologiadoindividualismo,sintomasocialcontemporneo,emqueumindivduonoestnemaparaoutroindivduo.Oqueooutrotemparadizernointeressa,nemserouvido.Trata-sedeTonema,daLuka,cujorefrodiz: To nem a, / to nem a, / pode ficar com seu mundinho / Eu no to nem a/tonema,/tonema/Novemfalardosseusproblemasqueeunovououvir.Comercializada comogingledeumamontadora,aletraficouTnema, t nem a, eu t legal, t num Chevrolet, meu lugar aqui. Mulheresjovensnocarro,cantamfelizesedescontradas,livres,comospsnopainel.oobjeto,demarca,quepropiciaumlugardefiliao,umlugarlegal,umlugarondepossonoestarnemaparaosoutros,desdequeacompanhadopeloobjeto-fetiche.Um exemplo, agora, que toca diretamente a questo das toxicomanias.Oquefazdousodelcooledasdrogasumamania?Porquenosauto-medicamos? Basta atentar para otu s isso dos comerciais de medicamentosoudaguerrapublicitriadasdiferentesmarcasdebebidas.Ocomercialre-cente de uma marca de cerveja sintetiza o imperativo contemporneo de con-sumomanacodelcool:Experimenta!,experimenta!,deixandocomomen-sagemindireta,pelotextodaspropagandas,oconstrangimentoeaexclusodequemnosesubmeteaoimperativodegozo.Outrascenascomerciaisapontamquequemnotomaaaquelamarcaexcludodogrupo,vaiado,inferioredesprezadopelaslindasmulheresdebiquni,quetambmbebemefazem festa com a tribo da marca.Oqueestemjogonodiscursodocapitalistaosuperegoenquantoimperativodegozosobtrsformas:acumula!(gozadaacumulaodocapi-tal);oquedaentenderumsegundoimperativo,endereadoaquemtraba-lha,inclusiveocapitalista:trabalha!(goza,sobredoexcessodetrabalho);eh um terceiro imperativo de gozo: consuma e consuma-se no processo, into-xique-se!SOCIEDADE DE CONSUMO...TEXTOS80Diantedessesimperativosdegozo,ocapitalistanoresisteaogozotentadordeultrapassarolimitesdaleieimporumexcessodetrabalhomortificanteaquemtrabalha,inclusiveasiprprio,viaderegra.Oconsumi-dortoxicmanonoresisteaogozodesedefenderdaexclusoedoapaga-mentodesi,comosujeitodesejantedemandadodeformaimperativapeloOutro,atravsdoapagamentovoluntriodaintoxicao.Vriasquestessecolocam:Comofazerobstculovontadedegozosemlimitesimperantenodi scursodocapi tal i sta?Comofazerobstcul ovontadedeserinstrumentalizadoporumsupostosabercomofazergozaraoOutro?Comorecortardalinguagemsgnicaossignificantesquerepresentamoupodemrepresentarosujeitodesejantediantedaredesimblicasocialmenteinstitu-da?Lacanestavadecepcionado,aofinaldavida,poisapsicanlisenohavia inventado um novo tipo de lao social. Entretanto, a experincia de umaanlise(Calligaris,1986),aoproduzirumS1novoouemnovaposio,podepermitiraosujeitohabitarasestruturassociaiseaprpriadeummododife-rente,medidaqueoladodoOutrosejamenosimaginarizado,ouseja,per-cebidocomoumlugarquenohabitadoporalgumquecomandacomoamoahistriadeumdizertusisso.Podepermitiraosujeitodizerno,eestarmaisdispostoapagarmenoscaroparadominarogozodaqueleOutro,ouatmesmoproibir-seasimesmoogozodaqueleOutro.REFERNCIASBAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edies 70, 2003.CALLIGARIS, Contardo. Perverso um lao social? Salvador: Cooperativa CulturalJacques Lacan, 1986.CANGUILHEM, G. O normal e o patolgico. Rio de Janeiro: Forense-Universitria,1978.CHEMEMA, Roland. Dicionrio de psicanlise Larousse. Porto Alegre: Artes Mdicas,1995.CLAVREUL, Jean. A ordem mdica; poder e impotncia do discurso mdico. So Pau-lo: Brasiliense, 1983.COSTA, Jurandir Freire. Ordem mdica e norma familiar. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal,1985.DEBORD, Gui. A sociedade do espetculo. 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