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ano 11 • nº 23 • anual • 2010

Revista Nº 23 2010

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2índice

Capa e contracapa: concelho de Alter do Chão

Ficha Técnica

A Alma Alentejana Revista Cultural, não se responsabiliza pelas opiniões expressas pelos seus colaboradores

Propriedade: Alma Alentejana, Associação para o Desenvolvimento, Cooperação e Solidariedade SocialSede: Av. Prof. Ruy Luís Gomes, 13 - R/c - Laranjeiro - 2810-274 AlmadaTelefone / Fax: 212 551 296 Email: [email protected]ção: Av. Prof. Ruy Luís Gomes, 13 - R/c - Laranjeiro - 2810-274 Almada

Director: António OliveiraDirector editorial: Luís MaçaricoCoordenação: José Rabaça e José MoutelaColaborador Técnico: Hélio HeitorPublicidade: Alma AlentejanaTiragem: 2000 exemplaresFotolito, produção gráfica e paginação: Tipografia Lobão, Lda.

A Palavra ao Presidente da Associação.........3

Com o Alentejo na pegada.............................5

Por não ter nada e tudo querer......................7

Saramago: Hino ao Poder da Simplicidade.......................9

PREC - Cantar a Revolução no Alentejo........12

CONCELHO DE ALTER DO CHÃOUma visão, para um futuro melhor!.............17

Património Histórico....................................19

Arqueologia..................................................22

Tradição.......................................................25

Gastronomia................................................26

Fundação Alter Real.....................................28

Homenagem Dr. Simas Abrantes.................33

Tratado do Cante........................................41

Alentejo em foto .........................................50

NOTICIAS DA ALMA14º Aniversário...........................................56

Deputada Paula Santos visitou o CD do Laranjeiro........................................56

CNIS, UDIPSS e Assembleia da República............................57

As Cantadeiras e a Companhia de Dança de Almada...............57

Lançamento do CD “O Alentejo não tem fim”............................58

XII Feira do Alentejo....................................60

CULTURA“Associatvismo, Património e Cidadania” Um livro de Luis Maçarico............................69

Francisco Naia e “A Ronda Campaniça”...............................70

“Retalhos da Manta”Poemas de Joaquim Guiomar......................70

“Uma infância amarga e doceno Alentejo” de José Russo.........................71

Cante Alentejano Um registo importante...............................71

A República e a luta das mulheres...............73

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A PALAVRA AO PReSidenTe dA ASSOciAÇÃO

É preciso falar claro!Assumi, na última edição da nossa revista, logo após a tomada de pos-se, o propósito da nova Direcção em dar continuidade às actividades de-senvolvidas até então pela Alma Alentejana, quer na vertente social quer na cultural. Continuidade que exigiria uma maior partici-pação de um mais vasto número de sócios ne-las envolvidos.No entanto, ao longo deste passado ano de mandato, tais expectativas não vieram a con-cretizar-se (ao contrário, vários escolhos tive-mos que contornar) valendo-nos a “carolice” de um núcleo de meia dúzia dos eleitos que se tem mantido unido e coeso assegurando a realização das reuniões da direcção e o regular funcionamento da Instituição, na base da discussão colectiva de todas as questões relacionadas com a sua actividade em todas as frentes.Não estaria a ser justo se omitisse o apoio daqueles, trabalhadores, sócios ou amigos da Alma Alentejana que, irmanados do espírito solidário que os tem caracterizado, sempre se mostraram disponíveis nos momentos de maior aperto e dificuldade. A nossa gratidão é muito pouco para tão valiosa ajuda! Seja como for, neste momento que atravessamos, é preciso falar claro!

A sustentabilidade das IPSS, enquanto instituições sem fins lucrativos, está em perigo e todo o apoio solidário é bem-vindo. Tenhamos consciência que, hoje,

o grande capital não se sente obrigado a fazer quaisquer concessões. Daí os PEC’s e a orientação no sentido da privatização de tudo o que pode dar lucro, desde a saúde, o ensino, a segurança social, a água, etc. Por este andar qualquer dia até temos que pagar o ar que respiramos.A falta de receitas próprias, um sistema de financiamento preverso que teimosamente é mantido sem actualização face à realidade dos custos fixos (queiramos ou não estamos nas mãos da segurança social e as orientações do grande capital em curso nos vários países da EU são de cortar nos direitos sociais tão duramente conquistados por muitas gerações ao longo do século passado) o aumento do Iva, as baixas reformas dos nossos utentes, a não actualização em 2010 do subsídio que legalmente nos é devido pela segurança social estão a estrangular a Alma Alentejana.O papel insubstituível das IPSS, particular-mente as desligadas de qualquer instituição de caracter religioso ou às Misericórdias, substituindo o Estado no cumprimento dos seus deveres sociais constitucionalmente

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consignados, está a ser posto em causa a propósito da crise económica em que o país está mergulhado.Não fora o apoio das autarquias, nomeada-mente a Câmara Municipal de Almada e a Junta Freguesia da Cova da Piedade, com a cedência das instalações onde funcionam as nossas valências, para além de outros tipos de apoio, generalizado a todas as autarquias do concelho, o panorama de hoje seria muito mais negro para a Alma Alentejana.Contudo, é necessário que o Poder Local Democrático tenha uma outra visão das IPSS do tipo da nossa. A Alma Alentejana não é uma Associação com Cantadeiras ou Cavaqui-nhos de caráter cultural e regionalista, somos uma instituição que dá apoio a 158 idosos, em quatro freguesias de Almada, através de 2 centros de dia, 2 centros de convívio e um ser-viço de apoio domiciliário e damos emprego a 22 trabalhadores (mal pagos tendo em conta o serviço que prestam à comunidade e sem actualização salarial este ano pelas razões an-teriormente aduzidas) contribuindo positiva-mente para a manutenção da nossa rede so-cial concelhia. Não podemos competir ou

melhorar muito a qualidade do serviço que prestamos porque não temos a possibilidade de autofinanciamento que outras IPSS que, curiosamente, são as que mais chorudos apoios municipais conseguem, num concelho que, muito justamente, se arroga de pensado, solidário, democrático, progressista e voltado para o futuro.Espero que o que acabo de escrever no parágrafo antecedente não seja interpretado como uma crítica ao poder local porque não é, antes um ponto de partida para uma discussão frutuosa sobre a forma, qualidade e quantidade dos apoios sociais concedidos, ou não, pelo Munícipio às diversas instituições que constituem o ímpar movimento associativo almadense.Termino chamando a atenção para a homena-gem que no próximo dia 25 (sábado), a Alma Alentejana em parceria com o Município de Alter do Chão, propõe ao Homem e Cidadão Alentejano Dr. Simas Abrantes, primeiro Presidente da Direcção da Instituição. Uma homenagem merecida para a qual convido todos os sócios e amigos!

Centro de Dia do Laranjeiro

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Conduzem cabalmente os proces-sos eleitorais do associativismo, quando as colectividades têm alguma pujança, a novos rostos e a equipas directivas, que seguem ou inovam o percurso delineado pela experiência cimentada por fundadores e primeiros obreiros, cumprindo-se os objectivos estatutariamente aprovados.A vitalidade desses trajectos será tanto maior quanto mais abrangente for o empenho e a repercussão dos que se envolvem nestas causas solidárias, por isso, cabe-me desejar aos que, tendo assumido encargos tão vastos como são as diversas valências de uma IPSS, que levem o barco a bom porto. Àqueles que deram o seu melhor no passado, igualmente uma saudação fraterna, agradecendo a entrega dos muitos dias de dedicação.Felizmente, a Instituição enraizou-se e desenvolveu-se, com todos esses contributos, e, honrando o nome de cada um no colectivo, aqui estamos, ajudando a continuar uma tarefa, que nos foi legada por gente que ama o Alentejo.No presente número da revista, homenageamos dois homens que enriqueceram o País e o Alentejo: José Saramago, escritor maior da Lusofonia, que em páginas imortais eternizou

a gesta dos homens simples do sul, a sua resistência heróica ao fascismo.Simas Abrantes, médico, professor, dirigente associativo, natural de Alter do Chão, fundador desta

“Alma Alentejana”, cuja obra multifacetada se inscreve numa percepção do Mundo à escala humana, serviu a sua terra e todos os necessitados de cuidados e de uma palavra de consolo com o seu empenho pessoal, através do voluntariado.Duas vidas, dois exemplos que honramos nestas páginas.Enquanto director editorial, confesso que parte substancial dos artigos e colaboradores deste número não são da minha responsabilidade, ao invés do que sucedeu no número anterior. Isto não significa, nem desconhecimento, nem alheamento, relativa-mente às temáticas abordadas, sobre as quais me foi solicitado parecer.Destaco, pelo interesse, o subsídio para o Tratado do Cante, contributo de José Pereira, organizador do Congresso, realizado em Beja há mais de dez anos, que introduz este assunto, sempre pertinente, pois muito se escreveu e escreverá, tendo em conta o filão inesgotável das supostas origens e evolução do cantar alentejano.

cOM O ALenTeJO nA PeGAdA

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Chamo também a atenção para o artigo do Dr. Paulo Mota, pelas questões que coloca, face ao envelhecimento e às carências dos utentes dos Centros de Dia.Desta vez, o município em foco é Alter do Chão. O seu património e o dia a dia de quem administra politicamente o concelho, consubstanciam um dos motivos maiores da abordagem daquele território, cuja identidade se alicerça na criação dos Cavalos de Raça Lusitana.A actividade da associação, com destaque para a divulgação do CD das Cantadeiras e da Feira, que todos os anos traz a sabedoria alentejana à Margem Sul, são notícia, e ainda a intervenção, junto do Poder Legislativo e a menção aos Jogos Florais, de entre muitas acções quotidianas, com menos visibilidade, mas que não são menos importantes para o seu bom funcionamento.Na análise de publicações e discos, onde de algum modo o Alentejo se manifesta, ou nas imagens de Évora, a respiração pujante dos

homens do sul, a sua acção e criatividade sobressaem.Folhear a revista será a forma segura de encontrar estes e outros aliciantes, conforme o interesse e gosto de cada um.Permitam-me uma reflexão final, a propósito do incremento das redes sociais, que na Internet incensam o Alentejo, com belíssimas ilustrações dos seus campos, oriundas de alentejanos apartados das suas terras de origem, exilados em grandes cidades, onde criaram rotinas, bem distantes da vivência campesina. São olhares nostálgicos e poéticos, que parecem ignorar o outro lado da realidade, teimando em recordar um Alentejo cristalizado, da sua meninice, esse Alentejo de outrora, que também foi de escravidão laboral e miséria. Insistindo em não ver o Alentejo de agora, comprado pelos estrangeiros, que praticam uma agricultura, nem sempre ecológica. Afinal, quando falamos do Alentejo, falamos de qual Alentejo?

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No último Boletim Informativo da Alma Alentejana (número 29, Janeiro/Março de 2010), no artigo entitulado “Quem somos nós?”, no seu último parágrafo ficou entreaberta a porta para novas prespectivas de funcionamento das diversas Respostas Sociais, desta Instituição. Deste modo, este texto tem a pretensão de prespectivar as possiveis transformações que a curto, médio prazo poderão ocorrer no nosso funcionamento. Num passado bem recente, temos observado uma profunda alteração na caracterização dos utentes que beneficiam dos serviços prestados pela Alma Alentejana, sobretudo no que diz respeito aos Centros de Dia. Se analisarmos os dados estatisticos referidos no artigo já mencionado, constatamos que cerca de 27,5% dos utentes dos dois Centros de Dia, têm menos de 65 anos. Aqui regista-se a primeira grande transformação. Estas

Respostas Sociais, já não prestam apoio, apenas a idosos. Há tam-bém uma franja da população que por vários motivos tem de recorrer aos serviços de institui-ções como a nossa.

Os dois principais motivos, em nosso entender, desta “nova” procura assentam sobretudo em duas grandes questões. Por um lado, a grave crise económica que nos tem afectado, e da qual não se prespectivam melhores dias, tem feito aumentar as solicitações de apoio alimentar, especialmente na freguesia do Laranjeiro, onde ainda se aguarda pelo arranque do Refeitório Social. Por outro lado, verifica-se também uma crescente procura dos serviços da Resposta Social de Centro de Dia, por parte de indivíduos, que independentemente do grupo etário a que pertencem, padecem das mais variadas demências.Este último aspecto tem crescido desmesura-

POR nÃO TeR nAdA e TUdO QUeReR

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damente nos últimos tempos, e é fruto da ine-xistência quer de equipamentos, quer de re-cursos humanos capazes de fazer frente a esta problemática. Daqui resulta, uma outra ques-tão fundamental e que vai para além da existência de equipamentos e que está funda-mentalmente associada à falta de formação dos trabalhadores destas Respostas Sociais. Deste modo, assistimos a uma mudança de cenário, onde os principais actores, já não são apenas os tipicos idosos independentes ou semi-autónomos, que frequentam o Centro de Dia, como forma de conviverem com ou-tros indivíduos, mas também o espaço onde coexistem pessoas com necessidades espe-ciais, onde toda atenção é necessária. No artigo já citado, ficou também o alerta para as transformações que se avizinham ao nível dos horários de funcionamento, destes equipamentos, pois dever-se-à ter em consideração que o actual modelo encontra-se obsoleto e ultrapassado, face às reais necessidades das populações, isto é, utentes e seus familiares. Porém, não basta apenas querer efectivar estas alterações, tem também que existir por parte da Tutela, não só as exigências fundamentais que as instituições devem cumprir, mas também criar os alicerces para que se operem as mudanças necessárias e que vão de encontro aos anseios das populações.Se tudo isto se concretizar, estará a ser dado um importante passo para a inclusão social de alguns dos mais vulneráveis. 2010, foi escolhido pela União Europeia, como sendo o ano de arranque no Combate à Pobreza e Exclusão Social. Temos assistido ao longo destas três últimas

décadas, à implementação de um Modelo Neo-Liberal, que teve como expoente máximo o famigerado Tratado de Lisboa. Contudo, aquilo que se verificou foi uma luta desenfreada pelo domínio dos mercados, onde os indivíduos se tornaram meros peões dos tabuleiros de xadrez da Era da Globalização. Como seria previsível (e houve quem o tivesse vaticinado), este Modelo foi-se desmoronando e provocou ondas de descontentamento social, como o leitor poderá estar recordado dos recentes confrontos nos arredores de Paris e em toda a Grécia.Esta vaga de descontentamento, irá concerteza chegar ao nosso país, caso não sejam tomadas medidas que invertam as políticas, que se avizinham, de privatização de determinados sectores fundamentais para o bom funcionamento das sociedades. Aqui está também incluído o trabalho, que as instituições como a Alma Alentejana, fazem no domínio da Acção Social. Pois se os cortes orçamentais continuarem a existir, todo o trabalho que até aqui tem sido realizado irá perder-se, sob pena de não se poder chegar a quem realmente mais precisa de nós. Não se trata de sermos “subsídio-dependentes”, nada disso! Apenas, pretendemos ter as condições essenciais para podermos desempenhar o nosso papel, de uma forma clara, directa e objectiva. Sabendo sempre, que quem recebe, também tem que dar algo em troca. E é deste modo que pretendemos trabalhar, mais e cada vez melhor, sempre em prol de um serviço que se quer de qualidade.

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José Saramago, o nosso Nobel da Literatura, que retratou com genialidade a luta dos trabalha-dores rurais alentejanos, em “Levantado do Chão”, deixou-nos no início do Verão e acerca dele, como costuma acontecer sempre que um vulto da cultura desaparece, muito foi escrito, pelo que estas páginas de evocação respiram através da sua obra imortal, que não necessita de palavras laudatórias de circunstância.Quando Saramago recebeu a consagração daquele prémio mundial, ofereceu um espantoso texto à memória de seus avós, que é um hino à simplicidade e à beleza das almas pueris, ao telúrico amor à terra e à labuta desses seres humildes, que nada tendo, possuíam em si, na sua dedicação, nos seus gestos diários, toda a poesia do Mundo, que o escritor espelhou ao falar assim deles:“O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. Viviam desta escassez os meus avós maternos, da pequena criação de porcos que, depois do desmame, eram vendidos aos vizinhos da aldeia. Azinhaga de seu

nome, na província do Ribatejo. Chamavam--se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debai-xo das mantas grosseiras, o calor dos huma-nos livrava os animaizinhos do enregelamen-to e salvava-os de uma morte certa. Ainda que fossem gente de bom carácter, não era por primores de alma compassiva que os dois velhos assim procediam: o que os preocupa-va, sem sentimentalismos nem retóricas, era proteger o seu ganha-pão, com a naturalida-de de quem, para manter a vida, não apren-deu a pensar mais do que o indispensável. Ajudei muitas vezes este meu avô Jerónimo nas suas andanças de pastor, cavei muitas

vezes a terra do quintal anexo à casa e cortei lenha para o lume, mui-tas vezes, dando voltas e voltas à grande roda de fer-ro que accionava a bomba, fiz subir a água do poço comunitário e a transportei ao om-bro, muitas vezes, às escondidas dos guardas das searas, fui com a minha avó, também pela madrugada, munidos de ancinho, panal e corda, a recolher nos restolhos a palha solta que depois haveria de servir para a cama do gado. E algumas vezes, em noites

SARAMAGO: HinO AO POdeR dA SiMPLicidAde

Luis Maçarico

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quentes de Verão, depois da ceia, meu avô me disse: “José, hoje vamos dormir os dois debaixo da figueira”. Havia outras duas figueiras, mas aquela, certamente por ser a maior, por ser a mais antiga, por ser a de sempre, era, para toda as pessoas da casa, a figueira. Mais ou menos por antonomásia, palavra erudita que só muitos anos depois viria a conhecer e a saber o que significava... No meio da paz nocturna, entre os ramos altos da árvore, uma estrela aparecia-me, e depois, lentamente, escondia-se por trás de uma folha, e, olhando eu noutra direcção, tal como um rio correndo em silêncio pelo céu côncavo, surgia a claridade opalescente da Via Láctea, o Caminho de Santiago, como ainda lhe chamávamos na aldeia. Enquanto o sono não chegava, a noite povoava-se com as histórias e os casos que o meu avô ia contando: lendas, aparições, assombros, episódios singulares, mortes antigas, zaragatas de pau e pedra, palavras de antepassados, um incansável rumor de memórias que me mantinha desperto, ao mesmo tempo que suavemente me acalentava. Nunca pude saber se ele se calava quando se apercebia de que eu tinha adormecido, ou se continuava a falar para não

deixar em meio a resposta à pergunta que invariavelmente lhe fazia nas pausas mais demoradas que ele calculadamente metia no relato: “E depois?”. Talvez repetisse as histórias para si próprio, quer fosse para não as esquecer, quer fosse para as enriquecer com peripécias novas. Naquela idade minha e naquele tempo de nós todos, nem será preciso dizer que eu imaginava que o meu avô Jerónimo era senhor de toda a ciência do mundo. Quando, à primeira luz da manhã, o canto dos pássaros me despertava, ele já não estava ali, tinha saído para o campo com os seus animais, deixando-me a dormir. Então levantava-me, dobrava a manta e, descalço (na aldeia andei sempre descalço até aos 14 anos), ainda com palhas agarradas ao cabelo, passava da parte cultivada do quintal para a outra onde se encontravam as pocilgas, ao lado da casa. Minha avó, já a pé antes do meu avô, punha-me na frente uma grande tigela de café com pedaços de pão e perguntava-me se tinha dormido bem. Se eu lhe contava algum mau sonho nascido das histórias do avô, ela sempre me tranquilizava: “Não faças caso, em sonhos não há firmeza”. Pensava então que a minha avó, embora fosse também uma mulher muito sábia, não

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alcançava as alturas do meu avô, esse que, deitado debaixo da figueira, tendo ao lado o neto José, era capaz de pôr o universo em mo-vimento apenas com duas palavras. Foi só muitos anos depois, quando o meu avô já se tinha ido deste mundo e eu era um homem feito, que vim a compreender que a avó, afinal, também acreditava em sonhos. Outra coisa não poderia significar que, estando ela sentada, uma noite, à porta da sua pobre casa, onde então vivia sozinha, a olhar asestrelas maiores e menores por cima da sua cabeça, tivesse dito estas palavras: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer”. Não disse medo de morrer, disse pena de morrer, como se a vida de pesado e contínuo trabalho que tinha sido a sua estivesse, naquele momento quase final, a receber a graça de uma suprema e derradeira despedida, a consolação da beleza revelada. Estava sentada à porta de uma casa como não creio que tenha havido alguma outra no mundo porque nela viveu gente capaz de dormir com porcos como se fossem os seus próprias filhos, gente que tinha pena de ir-se da vida só porque o mundo era bonito, gente, e este foi o meu avô Jerónimo, pastor e conta-dor de histórias, que, ao pressentir que a morte o vinha buscar, foi despedir-se das árvores do seu quintal, uma por uma, abraçando-se a elas e chorando porque sabia que não as tornaria a ver.” Fica uma obra marcante que resgata os simples e os oprimidos, que é a magistral memória ficcionada de tempos opressores e dos infindáveis sofrimentos dos que nada possuem, a não ser sonhos e revoltas. Como escreveu o fotógrafo Mário Sousa, “era um homem autodidacta, não estudou na universidade, mas, a universidade estudou-o a ele.”Mas Saramago autor de romances, que por vezes agitaram elites arcaicas, com tiques de um passado inquisitorial, foi igualmente Poeta, cantado por Manuel Freire. Este sentido tributo ao Homem de Cultura, partilha um poema premonitório, que esperemos, um dia se cumpra.

ouVInDo BEETHoVEn

Venham leis e homens de balanças,mandamentos d’aquém e d’além mundo.

Venham ordens, decretos e vinganças,desça em nós o juízo até ao fundo.

Nos cruzamentos todos da cidadea luz vermelha brilhe inquisidora,

risquem no chão os dentes da vaidadee mandem que os lavemos a vassoura.

A quantas mãos existam peçam dedospara sujar nas fichas dos arquivos.

Não respeitem mistérios nem segredosque é natural os homens serem esquivos.

Ponham livros de ponto em toda a parte,relógios a marcar a hora exacta.

Não aceitem nem queiram outra arteque a prosa de registo, o verso acta.

Mas quando nos julgarem bem seguros,cercados de bastões e fortalezas,

hão-de ruir em estrondo os altos murose chegará o dia das surpresas.

José Saramago

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Pediu-me o amigo José Moutela da Alma Alentejana um texto sobre os cantores de in-tervenção – tema a que eu há quase década e meia tenho dedicado a investigação, o estudo e a publicação. Aconteceu dias depois de um recital realizado no dia 1º de Maio, no âmbito do aniversário da Casa do Povo de Corroios, intitulado “José Afonso – o Canto da Utopia, onde propomos uma viagem intimista pela Arte e pela Vida de José Afonso, a partir das suas palavras, através da Voz de Francisco Naia, e da música de José Carita, Edmundo Silva e Marco Rodrigues. Recital homónimo de uma conferência que apresentámos no dia 25 de Abril de 2007, na grande homenagem promovida pela Casa da Música ao génio maior da Música Popular Portuguesa.Pediu-me o amigo Moutela o dito texto e eu não tinha como recusar-lhe. Porque não se recusa com quem connosco foi correligionário

na construção de sonhos e de projectos em nome da dignidade como aconteceu há 15 anos quando participámos nesse sonho colectivo de erguer uma grande associação cultural de Alentejanos na Margem Sul, onde se pudessem rever os 60 mil Alentejanos residentes em Almada e nos concelhos vizinhos.Esse projecto carregado de Utopia, quando um pequeno grupo – a Comissão Instaladora - fez “das tripas coração” para aliciar novos “patrícios”, as longas reuniões de trabalho na Junta de Freguesia do Laranjeiro – sempre acarinhados pelo Cremildo Possante, pelo José Ferreira e restante equipa, e as longas noites e fins de semana redigindo textos, compondo para se fazerem os primeiros boletins informativos e a 1ªsérie desta revista onde agora escrevo, a Alma Alentejana Revista Cultural que amei como uma mãe a um filho acabado de parir, Menina dos meus olhos, onde como director editorial tive o grato prazer de trabalhar directamente com o 1º Presidente da “Alma Alentejana”, o Dr. Simas Abrantes, a quem presto a minha homenagem. De entre muitos companheiros fundadores com quem tive o prazer de trabalhar na1ª Direcção, uns que depois assumiram os cargos máximos da associação e outros que seguiram outros caminhos, quero destacar o invulgar espírito de tolerância de Simas Abrantes. Homem fraterno, Amigo e companheiro com grande Humanismo, sensatez e postura democrática sempre gerindo com uma qualidade rara os pontos de vista naturalmente diversos, inclusivé quando a Associação optou pelo Caminho da Solidariedade Social em desfavor da vertente Cultural com os sócios fundadores divididos, Simas Abrantes escolheu o diálogo e a concór-dia. O Simas Abrantes personificou esse espí-rito de tolerância que caracteriza o alentejano.Depois desta longa introdução, podia aqui falar dos livros que publiquei entre outros,

Eduardo Raposo

PRec - cAnTAR A ReVOLUÇÃO nO ALenTeJO

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Cantores de Abril – Entrevistas a cantores e outros protagonistas do “Canto de Intervenção”(com prefácio de Manuel Alegre), Edições Colibri, em 2000 ou o que mais visibilidade alcançou: Canto de Intervenção 1960-1974, com três edições, 8000 exemplares – 2000, 2005 e 2007 – as duas últimas pelo Público e a terceira apre-sentada exactamente no mesmo dia da referida conferência na Casa da Música – livros que deram origem a um recital que tem percorrido o país e não só - Badajoz, Évora, Coimbra, Santarém, Casa da Música, Festa do Avante e muitas cidades e vilas Alentejanas e da Margem Sul. Podia até falar-vos dest´outro projecto poético musical sobre José Afonso e a sua Liberdade Livre, mas espero poderem ver, participar, saborear em próximas actuações.Todavia, prefiro falar-vos de Utopia. E se estou consciente que vivemos um tempo, “um triste tempo de anti-utopia” (António Murteira), como remar contra a maré é uma característica que me persegue, apesar de vi-vermos um tempo propiciador ao alastramento da peçonha da mediocridade, da sabujice, apesar disso continuo a acreditar, a acreditar na Fraternidade, a acreditar na Beleza, a acreditar na Poesia, a acreditar na Amizade, a acreditar no Amor, a acreditar na construção, diária, permanente da construção da Utopia.Acreditar, no meu léxico passa por agir, fazer, construir. Venho falar-vos de um trabalho que realizámos recentemente, a Exposição PREC Cantar a Revolução no Alentejo - inaugurada em Montemor-o-Novo em Março e que em Maio iniciou itinerância em Beja - trabalho iconográfico onde destaco também os dados biográficos e depoimentos de 16 cantores de intervenção, desde Zeca Afonso… a Vitorino: 16 cantautores que estiveram no Alentejo a cantar a Reforma Agrária, solidários com os Homens e as Mulheres Alentejanas que antes de Abril não vergaram e mantiveram acesa a chama da dignidade humana, e que, depois tomaram o destino nas mãos. Acabaram derrotados mas não vencidos, por “estrangeirados” que começaram então a “venda” do nosso país aos mais poderosos,

mas tristes e sem alma do Norte da Europa, começaram aí a destruição da agricultura do nosso país, hoje moribunda.Esta Exposição é a minha Homenagem aos Homens e às Mulheres Alentejanas que provaram que a Utopia é realizável e que a Dignidade é a maior riqueza para um Alentejano, porque souberam dar um contributo decisivo para a existência de “Um dos momentos mais fabulosos da história recente do nosso país” , como Francisco Fanhais caracterizou o PREC.“Há momentos raros na vida dos Povos em que o imenso e transformador potencial de progresso e justiça social, surpreendente-mente adormecida por longos períodos, desabrocha e uma incomensurável explosão de esperança, criatividade, calor e solidariedade humanas a vassala sociedades caducas, rasga novos e quantas vezes inesperados caminhos do colectivo futuro, nos toca de forma indelével e irrepetível.” Assim inicia Carlos Pinto de Sá, Presidente do Município de

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Montemor-o-Novo, a referida exposição.Conforme referimos no Catálogo:Passam 35 anos sobre o PREC – Período Revolucionário em Curso, que se baliza entre o 11 de Março e o 25 de Novembro de 1975. O 11 de Março marca a viragem à esquerda com a derrota dos sectores militares ligados ao General António de Spínola.Neste período assiste-se a um grande movimento laboral e popular, com a Reforma Agrária, as nacionalizações da banca e dos seguros, e de sectores chave da indústria nacional. Dá-se lugar a ocupação de casas por moradores pobres e à constituição de comissões de moradores que, em muitos casos, resolvem os problemas mais prementes, desde o saneamento básico, electrificação, como construção de creches, jardins de infância e equipamentos de cultura e recreio. É lançada a “sementeira” do Poder Local democrático, mas este período, “um dos momentos mais fabulosos da história recente do nosso país” (Francisco Fanhais), situa-se não apenas naqueles “breves” mas exultantes oito meses e meio de 1975, mas inicia-se logo em 25 de Abril de 1974 e, como foi o caso do Alentejo e da Reforma Agrária, têm continuidade e consequências ao longo de toda a década de 70 e seguinte.Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, acrescentam na sua obra - Os dias loucos do PREC:(…)“Menos de dois anos antes, o mundo tinha assistido à liquidação, a tiros de blindados e de caças, do socialismo de rosto humano de Salvador Allende no Chile. E acompanhava o avanço imparável do vietcong num Vietname do Sul donde o poder norte-americano, humilhado, havia de retirar, pelos telhados da sua embaixada, os últimos soldados e funcionários diplomáticos.Em Portugal, de norte a sul, na cidade e no campo, homens e mulheres, jovens, soldados e oficiais recém-chegados de 13 anos de uma guerra fora de tempo em África, viviam uma experiência inimaginada no Velho Continente, no cabo da Europa.Acordados, de um dia para o outro, pela

“divina surpresa” (Eduardo Lourenço) de um país sem polícia política, nem censura nos jornais, nem mobilização obrigatória para a guerra no horizonte de vida, os portugueses confrontavam-se com a possibilidade real de construírem de raiz uma sociedade nova e diferente: livre, justa, fraterna, igualitária. O desafio chamou-se rapidamente, num consenso surpreendente e suspeitamente fácil, socialismo. A sua alta probabilidade perturbou seriamente, em dada altura, a ordem acordada entre os senhores do mundo de então.Homens, mulheres, jovens, operários, camponeses, funcionários públicos, oficiais, soldados, marinheiros, professores, estudantes, artistas e jornalistas, engenheiros e carpinteiros, intelectuais, donas de casa saltaram para o espaço público, E, de cada local de trabalho, de cada caserna, de cada escola, de cada folha de jornal, de cada episódio de vida fizeram palco de uma peça por eles próprios criada e representada. Mobilizados na mudança de tudo em busca do nunca alcançado: no emprego, no bairro, na família, no amor, na sociedade, no Estado. Misturados na festa da revolução. Que haveria de ser – nem mais nem menos – única. À portuguesa…Cada dia com mais intensidade até ao paroxismo do Verão Quente, os portugueses – e com eles, de algum modo também espanhóis, franceses, ingleses, italianos, belgas, holande-ses, alemães, aqui presentes fosse como enviados de imprensa, fosse como turistas da revolução – dividiram-se entre a prioridade à revolução (nas suas diferentes versões) ou à democracia parlamentar. Um dilema abordado logo em Março pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre, após a sua inesquecível visita ao Ralis, símbolo da radicalização do PREC.No final, os “moderados” derrotaram os “revolucionários”. Puseram termo ao sonho da “cidade sem muros nem ameias” (Zeca Afonso), acusam estes últimos. “Colocámos calhas de bom senso no caminho aberto pelo 25 de Abril”, argumentam os vitoriosos. Acrescentando que, não fora tão decisivo travão, o País teria desembocado em nova

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ditadura, de sinal contrário.Ninguém pode garantir que uma ditadura esperava os portugueses se o 25 de Novembro tivesse travado a cavalgada revolucionária. O País voltaria, seguramente, a ser votado ao ostracismo internacional. E assim adiaria de novo, o cada vez mais indispensável desenvolvimento.A degenerescência da cidadania e das instituições políticas, o espezinhamento de valores como a solidariedade, a ausência de determinação em acabar com a pobreza e atenuar a desigualdade social demonstram, entretanto, quão desviados nos encontramos de alguns dos sonhos que o 25 de Abril permitiu.Mas está à vista, também, que não foi o re-gresso ao 24 de Abril o destino de Portugal de Novembro. Antes pelo contrário: a democra-cia representativa consolidou-se, a Constitui-ção foi aprovada e, com ela, os pilares de uma democracia avançada.” (…)O que ficou dito, se por um lado tem a marca da opinião dos respectivos autores, por outro dá-nos uma visão abrangente e plural do período em questão. Foi nosso objectivo trazer à memória este importante e decisivo período da nossa história recente. À memória, ao debate, à reflexão. Daí a a realização desta Exposição e da Mesa-redonda.Recordar e regressar à Memória, através de

breves apontamentos biográficos e imagens da época referentes a 16 figuras da música portuguesa – alguns nomes decisivos, então e hoje da Música Popular Portuguesa - desde Zeca Afonso a … Vitorino. Estas referências não esgotam nem pretendem ser estanques. Para além dos representados na exposição, outros intérpretes, músicos, compositores, maestros, cantautores terão participado no processo, nomes como António Macedo, Brigada Víctor Jara, Carlos Alberto Moniz, Carlos do Carmo, Carlos Paredes, Fernando Lopes Graça, José Barata Moura, Pedro Barroso, Trovante e outros. Não se pretende fazer aqui a história da participação dos cantores no PREC. Há limitações de espaço e outras. Pretende-se sim dar um contributo, até porque a História como ciência social, dinâmica que é, está em constante evolução e não é imutável.Pretende-se que quem visite a exposição tenha a percepção de como as lutas acontecidas durante o PREC se revelaram decisivas para a conquista dos direitos que a democracia veio a proporcionar aos cidadãos deste país, nomeadamente aos mais jovens.”A Mesa-redonda, intitulada “O PREC no Alentejo: Poder Popular ou imposição revolucionária?” que teve lugar no dia da inauguração da exposição, contou com a presença de diversos participantes activos neste processo: figuras que lideraram a

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Reforma Agrária na região, militares de Abril, com responsabilidades de comando no Alentejo e cantautores que participaram activamente em jornadas de apoio à Reforma Agrária, de que em seguida vos damos conta: “Havia palavras e afectos. Havia vozes e imagens da meninice de um tempo anterior - quando na Casa da Malta o Amor era proibido e o desejo ostracizado - pela voz serena, humanista e bem timbrada de Custódio Gingão. Havia o discurso mais politizado de Murteira e a afirmação clara, objectiva do Carlos (Pinto de Sá) que, como disse, não se limita a gerir a Autarquia, mas antes realiza um projecto político caracterizado pela fraternidade, pelo humanismo, pela dignidade na valorização da auto-estima, da Memória. Havia o discurso inflamado, subtil e bem humorado de Andrade e Silva e havia o riso e o choro do Chico Ceia, recordando a “deixa” do som da voz de Gingão, quando nos anos 70 percorriam de motorizada e guitarra a tiracolo as coope-rativas, levando palavras com sabor a futuro...Depois, de pé - como o Homem Alentejano Vive; a prumo para o Sol e para a Terra - fazendo da voz a guitarra, 31 anos depois, partilhando o poema/canção que dedicou a Caravela e a Casquinha irrompeu no silêncio imenso de uma sala toda ocupada de afectos.E terminou com a “Grândola” cantada em uníssono, consumação do futuro, hino de pro-postas da (re) construção da dignidade no Alentejo, deixadas pelo Custódio e pelo Murteira e concretizadas pela acção do Carlos e dos companheiros na Autarquia, pela disponibilidade do Andrade e... pela Poesia serena e bela na voz do Ceia.”Esta Exposição, que é complementada com um suporte sonoro com canções da época e respectivas capas de vinis referentes a José Afonso, Adriano, Francisco Naia, Luísa Basto, Luís Cília, José Jorge Letria, Samuel, Sérgio Godinho e Vitorino, conta no seu acervo prin-cipal com imagens, breves biografias e textos/depoimentos relativos a 16 figuras da música portuguesa: Zeca Afonso, Adriano, Luís Cília, Sérgio Godinho, Manuel Freire, Francisco Fanhais, Francisco Naia, Francisco Ceia, Fausto, José Jorge Letria, Samuel, Luísa Basto,

Maria do Amparo, José Mário Branco, Janita Salomé, Vitorino.Produzida pelo Município de Montemor-o--Novo, tendo Eduardo M. Raposo como Autor, Comissário e responsável pela Investigação e Textos, contou com um vasto espólio iconográfico (cartazes, fotos, autocolantes, discos, desenhos) e biográfico resultante de diversas solidariedades individuais (mais de 20 pessoas colaboraram das mais diversas formas e uma dezena dos cantautores repre-sentados disponibilizaram imagens, depoimentos, discos da época, etc,) e colectivas de entidades como a Associação José Afonso, o jornal Avante!, o Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra, a Universidade de Aveiro/Colec-ção Madeira Luís, ou o Arquivo Municipal de Montemor-o-Novo/Centro de Documentação da Reforma Agrária - onde se encontra um espólio de grande riqueza que é necessário fazer chegar às jovens gerações para que a nossa História recente não seja ostracizada. Ali encontrámos os rostos e os gestos da Reforma Agrária, corrobados nas palavras de António Gervásio, António Murteira, António Ramos, Custódio Gingão, José Orta, Francisco Naia, Teresa Fonseca (fontes orais e bibliográficas), personificadas nas palavras inscritas nos painéis de Carlos Pinto de Sá, Custódio Gingão ou de algumas das Mulheres Montemorenses da Resistência (Lizete Pinto de Sá, Mariana Besuga e Florinda Anes) e aos rostos e aos gestos da Reforma Agrária. Nesta exposição - encontramos também a pintura de Manuel Casa Branca, o desenho (a cabeça da camponesa) de José da Fonte Santa ou a Poesia de José Carlos Ary dos Santos e de Maria Lascas – poeta e pintor montemorenses. Exposição e respectivo catálogo que tem autoria de designer gráfico do Ateliê de Inês Ramos - que deu forma gráfica e estética à be-leza iconográfica da Revolução, ao sonho, ao PREC no Alentejo.Ou como escreve Carlos Pinto de Sá “(…) Porque a Reforma Agrária foi, é, no seu alentejano âmago, uma certa forma de cantar!Ouçamo-la!”

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Um território que crie mais riqueza e emprego, que consiga fixar e atrair população, incluindo gente jovem e qualificada, que ofereça qualidade de vida aos seus residentes e que proporcione experiências autênticas a quem nos visita ou usufrui dos nossos produtos, bens e serviços, é o nosso objectivo maior.Por isso aumentar o emprego através de uma aposta mais forte na educação e no incentivo ao empreendedorismo, valorizar os sectores chave da economia local e regional, nomeadamente os produtos tradicionais, ligados à agricultura, vinha, cortiça, azeite e o turismo nas suas diversas vertentes, será sempre uma prioridade.Criar comunidades mais coesas, confiantes e capacitadas, que tenham acesso a bens e serviços de qualidade, saúde, ambiente, habitação, educação, cultura, e que adoptem uma postura mais participativa, pró-activa e preparada para lidar com o contexto de mudança, deverá ser uma obrigação de todos.Os diagnósticos realizados confir-maram reconhecidas debilidades do Norte Alentejano, já presentes em diversos estudos.A contínua perda de capital humano, o elevado índice de envelhecimento, o reduzido peso dos jovens, as reduzidas qualificações da população activa, uma base econó-mica frágil, pou-co diversificada e competitiva e a escassez de

cOnceLHO de ALTeR dO cHÃO

iniciativas empreendedoras são realidades que temos que combater.A visão para um futuro melhor assenta em cinco aspectos de Intervenção Estratégica que resultaram da reflexão conjunta entre os agentes locais e regionais de onde emergiram contributos relevantes para o desenvolvimen-to económico, sociocultural e ambiental do concelho. A aposta no crescimento do cluster do turismo com expressão em espaços e apoios para novos equipamentos hoteleiros e de animação e forte crescimento da actividade de novos serviços.Alter do Chão apresenta um valioso património histórico, cultural e arqueológico com vários vestígios romanos, como a Ponte Romana de

Vila Formosa, classificada como monumento nacional, as Ruínas Romanas bem no centro da vila, o Castelo, o Palácio do Álamo, a Igreja de S. Jesus do Outeiro, a Igreja do Convento de Santo António, a Coudelaria de Alter, entre outros, são recursos patrimoniais que temos de potenciar, temos ainda

Alter Pedroso que constitui um atractivo, não só pelos elementos

culturais que ainda preserva, como também pela sua

beleza paisagística e a rq u i te c tó n i ca .O Apoio ao Tecido Empresarial para melhorar a Com-petitividade do Território do Concelho como uma aposta no incentivo ao es-pírito empresa-rial, fortalecendo

uma visão, para um futuro melhor!

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as actividades económicas com tradição regional.Para o concelho de Alter do Chão este é um desafio importante, não só para impulsionar o desenvolvimento e a base económica do concelho, como para melhorar as infra-estruturas de suporte para a implementação de novas empresas e para oferecer melhores condições às empresas já existentes.A dinamização da Coudelaria de Alter de modo a que este local se torne num forte atractivo da Região e num centro de excelência do cavalo e das práticas e eventos equestres contribuindo como factor de desenvolvimento social, económico e de formação, do Município e da Região.A melhoria contínua da oferta em equipamentos e serviços sociais de apoio aos jovens e idosos é uma obrigação de todos os responsáveis.A aposta na educação, formação e qualificação das pessoas para a vida activa promovendo o

aumento da oferta de formação e o crescimento dos níveis de escolaridade consolidando a ar-ticulação entre a oferta formativa e a procura de qualificações por parte das empresas deverá ser sempre uma prioridade.São estes cinco vectores de intervenção que norteiam a actividade municipal, sempre na procura contínua da melhoria da qualidade de vida dos nossos habitantes e da criação de condições mais atractivas para quem nos visita.Não poderia terminar sem lembrar um ilustre Alterense que irá ser justamente homenageado no próximo dia 25 de Setembro, em Alter do Chão. Falo do Dr. Simas Abrantes, um dos fundadores da Associação Alma Alentejana e um grande amigo do Alentejo e de Alter do Chão. Um abraço do Presidente da Câmara

Joviano Vitorino

Vista de Alter do Chão

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PATRiMÓniO HiSTÓRicO

Promover o concelho com uma aposta firme no Turismo e no Património – a criação do Parque Temático “O Eco-Museu de Vila Formosa”, que pretende valorizar toda a envolvente da Ponte Romana de Vila Formosa; e a promoção do património histórico e arqueológico, são alguns dos projectos que a Câmara Municipal pretende concretizar.Sendo Alter do Chão uma vila rica em patri-mónio histórico, importa referir as caracterís-ticas dos principais monumentos a visitar:

Castelo de alter do Chão

O castelo de Alter do Chão, pertença daFundação da Casa de Bragança, mandado construir por D. Pedro I em 1359 distingue-se do comum dos castelos de cariz militar por se encontrar num sítio plano.Foi utilizado pelos monarcas da dinastia de Bragança aquando das suas deslocações a esta região, facto que o torna, essencialmente num castelo de função residencial.Desde a construção, no séc. XIV, foram inúme-ras as utilizações dadas a este castelo, bem como as intervenções a que foi sujeito. Logo no séc. XV foi alvo de uma campanha de obras, sendo que no final deste século

D. Fernando II, Duque de Bragança, terá usado este espaço como prisão.Classificado como Monumento Nacional em 1910, viu as suas funções reduzidas a uma loja de ferrador, carpintaria, celeiro, cavalariça, lagar de azeite ou mesmo uma lixeira. É adquirido pela Fundação Casa de Bragança em 1955.

Fonte Renascentista

Mandada construir pelo Duque D. Teodósio de Bragança em 1556, a “fontinha” (nome pelo qual é vulgarmente conhecida) foi inicial-mente construída noutro local do largo.É constituída por uma alpendrada em forma de cúpula dupla sustentada por três elegantes colunas de fustes lisos e perlados, com capitéis de inspiração jónica ao gosto do Renascimento. O monumento apresenta proporções homogéneas.Como material exclusivo da construção usou-se mármore fino de Estremoz.Ostenta ao fundo e sobre as três bicas de mármore 2 medalhões heráldicos com mais de um metro de diâmetro cada. Apresentam-se nesses medalhões o Brasão dos Duques de Bragança e o Brasão da Vila de Alter.

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Chafariz do largo Barreto Caldeira

Mandado construir pela Câmara Municipal em 1799.Inicialmente construído junto à entrada principal do castelo, foi posteriormente transferido para a sua actual localização.Construção ao estilo da época, apresenta um frontão recortado em forma de espaldar realçado por linhas elegantes. Na parte superior do espaldar estão 2 escudos reunidos por festões e um medalhão oval.

Ponte de Vila Formosa

Esta Ponte foi construída pelos romanos no final do séc.I, início do séc.II D.C., sobre a Ribeira de Seda na estrada que liga a vila de Alter do Chão a duas das suas freguesias: Chancelaria e Cunheira. Costruída em grossa cantaria, aparelhada e almofadada, consta de seis arcos iguais, compostos nas frentes por trinta e três aduelas e cinco olhais em forma de pórtico. É um monumento nacional.

Janela Manuelina

Situada numa das ruas da vila (Rua General Blanco), esta janela é do estilo Manuelino, que data o séc. XVI.

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Pelourinho

O Pelourinho de Alter do Chão, com a sua coluna torsa rematada pela esfera armilar, assinala a concessão do foral manuelino, realizado a 1 de Junho de 1512. Os dois elementos decorativos são comuns aos pelourinhos da mesma época.

Palácio e Jardim do Álamo

Moradia brasonada, mandada construir em 1649 por Diogo Mendes de Vascolcelos. Os diversos espaços encontram-se repartidos conforme a época de construção. O portal, encimado pelo escudo de armas, que dá entrada para o jardim, e da segunda metade do séc. XVIII. No jardim tipicamente setecentista, destacam-se um pequeno tanque com decoração em alvenaria e o jardim de buxo. O Palácio e o Jardim foram adquiridos pela Câmara Municipal em 1988.

Alter Pedroso

Há um lugar no Concelho onde o tempo parou e a paisagem se mantém intacta, o quadro perfeito, que nos prende à encantadora Aldeia de Alter Pedroso.Casas tipicamente alentejanas, uma igreja de estilo barroco, construída sobrenum maciço rochoso, embeleza o Largo, onde os habitantes

convivem esperando a aragem fresca das noites estivais. Subindo a Rua do Castelo chegamos ao Talefe, construído por entre as ruínas do Castelo de Alter Pedroso, e de onde se avista, em dias de céu limpo, a Serra da Estrela.A incrível atmosfera deste lugar é motivo mais que suficiente para visitar Alter Pedroso, uma pequena Aldeia no coração do Alto Alentejo.

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22ARQUeOLOGiA

Estação Arqueológica dealter do Chão

A Estação Arqueológica de Alter do Chão localiza-se no sítio de Ferragial d’El-Rei, na freguesia e sede do concelho de Alter do Chão, distrito de Portalegre. É propriedade do estado e encontra-se sob a tutela da Câmara Municipal de Alter do Chão. Em 1982 foi classificada como Imóvel de Interesse Público.Os vestígios arqueológicos foram descobertos em 1954, durante os trabalhos de construção do Campo de Futebol Municipal. Desde essa data, as intervenções arqueológicas colocaram a descoberto parte de um edifício termal,

uma casa romana e uma necrópole datada da Antiguidade Tardia. Contudo, estas estruturas representam apenas uma pequena parte do aglomerado urbano de Abelterium. No Itinerário de Antonino, Abelterium surge localizada numa das três vias que ligava Olisipo (Lisboa) à capital da província da Lusitânia, Augusta Emerita (Mérida). Apesar de não ser conhecida a data da sua fundação, nem o seu estatuto jurídico-administrativo, seria o centro aglutinador de um territorium polvilhado por uma intensa rede viária, da qual fazia parte a Ponte de Vila Formosa (Monumento Nacional), e por povoamento rural, do qual se destaca a Villa Romana da Quinta do Pião (em vias de classificação patrimonial).

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Intervenções arqueológicasEm resultado da descoberta de vestígios arqueológicos em Ferragial d’El-Rei, o arqueólogo João Manuel Bairrão Oleiro escavou o sítio em 1956, com a participação de Jorge Alarcão. Durante esta intervenção colocaram a descoberto as latrinas, algumas fornalhas e diversos hypocausta do complexo termal. António Brazão interveio no local em 1979, 1980 e 1982, identificando alguns compartimentos da casa romana com pavimentos de mosaico policromo, decorado com motivos geométricos. Entre 2004 e 2007 o sítio foi escavado por Jorge António, no âmbito do “Projecto de Recuperação e Valorização da Estação

Arqueológica de Alter do Chão”, sendo este, uma candidatura aprovada pelo Programa Operacional da Cultura e desenvolvida pelo IGESPAR, em parceria com a Câmara Municipal de Alter do Chão e com a colaboração da Di-recção Regional de Cultura do Alentejo.

Edifício TermalAs termas eram espaços lúdicos indispensáveis para os romanos, tanto para higiene pessoal como também pelo papel terapêutico das massagens de tonificação e relaxamento do corpo. Associadas às actividades físicas, tornaram-se fundamentais na prevenção de doenças. Os banhos desempenharam ainda um importante papel social e político, enquanto espaços de relacionamento e de convivência. As termas de Abelterium terão obedecido a um plano de construção indissociável da política urbanística, no intuito de dar resposta às necessidades muito próprias do modus vivendi romano, um ritual imprescindível e quase diário – o costume do banho. As obras de ampliação da área aquecida do edifício termal, que passaram a permitir novos circuitos internos, poderão estar relacionadas com o aumento da população de

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Abelterium e o consequente acréscimo de utilizadores, ou talvez com a construção de uma nova ala de banhos, a fim de permitir a separação de sexos.

Casa da MedusaCasa romana de grandes dimensões e de grande fausto localizada a nordeste do edifício termal. O proprietário seria uma figura ilustre de Abelterium, uma pessoa de inquestionável riqueza, cultura e gosto requintado, que ostensivamente decorou a sua habitação, transformando-a numa residência de luxo, com pinturas murais, pavimentos em mosaico e diversas esculturas, de enorme qualidade técnica e artística.O triclinium da casa foi pavimentado a mosaico policromático, com motivos geométricos e figurativos, ostentando ao centro um medalhão figurativo, no qual está reproduzida a penúltima cena do Canto XII da Eneida, de Virgílio. A casa recebeu o nome de Casa da Medusa, visto esta figura mitológica surgir no escudo segurado por Eneias, representado no mosaico figurativo.

necrópole Tardo-antigaAntiguidade Tardia

Durante a Antiguidade Tardia (séc. IV-VIII), a população de Abelterium não terá ficado alheia às discussões filosófico-teológicas das querelas cismáticas, das heresias ariana e prisciliana, que opuseram bispos e animaram concílios, e que caracterizaram os primeiros séculos da cristandade. A população hispano-romana também não terá ficado indiferente à introdução do cristianismo na cidade, que lentamente se sobrepôs aos milenares deuses pagãos. A nova ordem religiosa começou progressiva-mente a marcar o urbanismo, com construções dotadas de novas funções litúrgicas e funerárias, embora inicialmente condicionadas a edifícios públicos romanos já existentes.

NecrópoleNo período que medeia entre a primeira metade do séc. VI e a primeira metade do séc. VII e já numa fase de total abandono e ruína das termas, uma das piscinas do frigidarium foi utilizada como necrópole. A disposição cuidada e o enquadramento arquitectónico das sepulturas, indiciam, fortemente, a possi-bilidade de serem sepulturas privilegiadas, que estarão dentro ou junto de uma basílica ou oratorium funerário. As sepulturas apresentavam-se seladas, com tampas de laje de xisto e na sua construção foi reutilizado material de construção romano, nomeadamente fragmentos de opus signinum, silhares de granito e um tambor de coluna.

No âmbito das últimas intervenções arqueo-lógicas em Alter do Chão, as quais estiveram a cargo do Gabinete de Arqueologia da Câmara Municipal, foi descoberta uma jarrinha em cerâmica, no interior de uma sepultura, ao lado de um esqueleto. Este achado arqueológico, com cerca de 1500 anos, foi sem dúvida o mais relevante de toda a intervenção, o que demonstra, mais uma vez, o enorme potencial arqueológico do concelho de Alter do Chão.

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TRAdiÇÃO

Romaria a S. BartolomeuEm Alter do Chão a tradição ainda é o que era, e todos os anos, no dia 24 de Agosto realiza-se a romaria à Capela de S. Bartolomeu, situada nos terrenos da Coudelaria, na antiga Freguesia do Reguendo.O dia de S. Bartolomeu assinalava, em tempos, o final das colheitas do trigo, era uma relevante data religiosa e muito festejada. Alter do Chão mantém este ritual, levando S. Bartolomeu de charrete da Igreja Matriz de Alter até às ruínas da Ermida, na tapada do Arneiro. Chegando ao local o Padre procede à cerimónia litúrgica. Depois toca-se o sino e iniciam-se os festejos.Costumam participar nesta romaria a Banda Municipal Alterense, o Rancho Folclórico “As Ceifeiras”, e o Grupo de Cantares Abelterium. Para além da música, organizam-se jogos tradicionais, passeios a cavalo e de charrete, e demonstração de falcoaria.O evento é promovido pela Câmara Municipal, em parceria com a Fundação Alter Real e com a colaboração de Maria Antónia Beirão, como já vem sendo habitual em anos anteriores. O Presidente da Câmara, Joviano Vitorino,

considera “muito importante manter esta tradição, que afinal de contas faz parte da identidade da nossa terra e fico muito satisfeito por ver, todos os anos, tanta gente em romaria até às Ruínas da Ermida”.

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26GASTROnOMiA

O Saber da Tradição comSabor a Açafrão

Testemunhos remotos ates-tam a utilização do cártamo, sobretudo na tinturaria, mas em Alter do Chão a especifi-cidade do seu uso sempre foi

a culinária. Na verdade, ao longo dos tempos foi frequente a tentativa de confundir cártamo e açafrão, dadas as aparentes semelhanças entre as duas especiarias. No entanto, as diferenças no aroma que imprimem aos pratos e, sobretudo, no preço, levaram a que, tanto no reinado de Henrique VIII, como na poderosa Nuremberga do séc. XV, essa falsificação fosse severamente punida.Estudos preliminares, desenvolvidos recente-mente, são prometedores no que diz respeito às condições agro-climáticas do Alentejo para a produção do açaflor.É somente em Alter do Chão que o chamado açafrão-bastardo ganha estatuto de protagonista, servindo de base à elaboração do saboroso arroz amarelo que acompanha o ensopado de borrego. Na verdade, pouco se sabe em relação às motivações que terão levado os alterenses a associar esta especiaria ao seu “Prato-Rei”. São sobretudo de origem lendárias as razões apresentadas. E muito estará ainda por descobrir em relação a este mistério.

Conta a Lenda

“Por entre aventuras dos marinheiros nas plantações do açafrão e a imagem de um arcebispo escrevendo pacatamente o dicionário

de Brâmane-Português, situa-se na Índia memória que Alter do Chão retêm a epopeia os descobrimentos portugueses.Alter do Chão ainda hoje mantém a tradição festiva do arroz de açafrão, desenvolvidano sec. XVI com a introdução de tal especiaria indiana nos seus costumes gastronómicos.O caminho marítimo fora descoberto em 1498, os primeiros quatro vice-reis haviamconsolidado o poderio em Goa, e em Alter do Chão o requinte da preparação de um arroz de açafrão passou a construir quase um dia feriado, tal a forma como os marinheiros o ha-viam aprendido a confeccionar com os indianos.Os descendentes dos marinheiros que regres-savam a esta vila conservaram o hábito de utilizar sempre o forno do pão e de cozer o arroz na respectiva calda, bem temperada de açafrão, num alguidar de barro vidrado.Sobre leito de canas atravessado no alto do alguidar, coloca-se um alho a escorrer, por turno bem temperado, para o arroz. Hoje é um prato típico deste concelho do Alto Alentejo, onde variantes na sua confecção, sujeitas a concursos anuais com direito a pré-mios, introduzem vulgarmente louro, cravinho, colorau e nós-moscada.Alter do Chão não recorda só, porém, os benefícios gastronómicos oferecidos pelas especiarias, através da expansão marítima portuguesa.”Visite o Núcleo Museológico do Açafrão no Palácio do Álamo – Alter do Chão

Horário das visitas:Verão: 10h00 – 13h00 / 15h00 – 19h00Inverno: 9h00 – 12h30 / 14h00 – 17h30

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Receitas de AçafrãoBOLO DE AÇAFRÃO

Ingredientes:2 copos de açúcar mascavado3 ovos200 g de margarina (à temperatura ambiente)3 1/2 copos de farinha1 colher de sopa de aroma de baunilha1 colher de sopa de fermento1 copo de leiteraspa de 1 laranja1 colher de sobremesa de açafrão3 colheres de sopa de nozes picadasBata muito bem os ovos com o açúcar. Junte a margarina, o aroma de baunilha, o fermento e continue a mexer. Por fim, adicione as nozes picadas e a raspa da laranja. Coloque o preparado numa forma redonda untada e polvilhada. Leve ao forno, a uma temperatura de 185º, durante 45 minutos. Pode decorar como preferir. Neste caso, foi coberto com pudim de baunilha instantâneo e polvilhado com cacau.

CAMARÃO COM AÇAFRÃO

Ingredientes:2 colheres de sopa de manteiga1 kg de camarão descascadoSal1 cálice de vinho branco3 g de açafrãoPimenta-do-reino3 conchas de molho brancoDerreta a manteiga numa frigideira e junte os camarões temperados com sal, o vinho, o açafrão e pimenta-do-reino a gosto. Em seguida, adicione o molho branco, mexa e deixe cozinhar. Arranje os camarões num prato e despeje o molho por cima. Sirva com ervilha, torta ou vagem cozida.

LOMBO COM AÇAFRÃO

Ingredientes:1 1/2 quilos de lombo de porco2 colheres (sopa) de vinho branco seco

1 colher (chá) de pimenta-do-reino moída1 colher (chá) de gengibre ralado1 colher (chá) de açafrão em pó1 colher (chá) pimenta caiena1 colher (chá) de mostarda2 colheres (sopa) de vinagre2 colheres (sopa) de manteiga2 colheres (sopa) de mel2 colheres (chá) de sal2 dentes de alhoTemperar o lombo com o sal, as pimentas, o gengibre, o açafrão, o alho socado, e a mos-tarda. Regar com vinagre e o vinho. Deixar marinar durante 2 horas. Colocar o lombo numa travessa refratária com os temperos. Besuntar com a manteiga e o mel. Levar ao forno médio durante 1 e 1/2 hora. Servir em fatias com arroz no açafrão.

ENSOPADO DE BORREGO COM ARROZ AMARELO

Ingredientes:1Kg de carne de borregoSal q.b.1/2 dl de azeite1 Cebola3 Dentes de alho1 Folha de louro2 CravinhosColorau e noz-moscada q.b.1 Chávena de arroz1 Chávena de água quente1 Chávena de caldo do ensopado1 Colher (café) de açafrãoCorte a carne em pedaços, tempere-os com os alhos e sal e deixe assim uma horas. Num tacho, leve ao lume o azeite e a cebola picada e, quando alourar, junte a carne, o louro, colo-rau, noz-moscada e os cravinhos e deixe refogar um pouco; junte então a água neces-sária para cozer a carne e para ficar com caldo para arroz; deixe apurar, sem cozer demasiado e sirva depois com o arroz. O arroz - Seque o açafrão em forno pouco quente (já apagado), depois pise-o, dissolva-o na água quente e passe depois por um passador. Num tacho, leve ao lume o arroz com o caldo do ensopado e a água do açafrão e deixe cozer.

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28FUndAÇÃO ALTeR ReAL

A Fundação Alter Real é uma instituição com mais de 260 anos de história, sediada em Alter do Chão, rodeada por uma paisagem tipicamente alentejana, onde os cavalos são de puro sangue e as artes equestres predominam no tempo.

HistóriaA Coudelaria de Alter nasceu num tempo histórico de grande prestígio Coudélico. D. João V, ao ser aclamado rei, viu o seu reino sem o brilho equestre. As Coudelarias Gerais do Reino tinham uma fraca produção cavalar e as infra-estruturas não estavam ao nível eu-ropeu.Por altura do seu casamento, em 1708, com a Arquiduquesa D. Maria Ana de Habsburgo, D. João V adquiriu em Espanha 40 cavalos de bom Quilate para serviço das Cavalariças Reais e pompa da Picaria Real, também uma cortesia para com a rainha, tão recentemente vinda da Áustria, ainda com os olhos na deslumbrante Picaria Imperial de Viena.Na picaria Real, em Lisboa, o ensino de D. Pedro de Meneses, 4º Marquês de Marialva e Estribeiro-Mor da casa real, alcança a perfeição no rigor da técnica, na beleza dos movimentos e na elegância das atitudes.Com D. João V veio o tempo faustoso da

Picaria Real onde as embaixadas deslumbravam a Europa com o aparato dos nossos coches e o garbo dos nossos cavaleiros.

O cavalo Alter Real atinge o seu esplendor

Com o nome de Coudelaria Nacional foi criada, em 1887 na quinta da Fonte Boa, no vale de Santarém, outra coudelaria do reino no sentido de melhorar a criação nacional, detendo um depósito de garanhões para beneficiação de éguas dos criadores particulares. Enquanto isso, a Coudelaria de Alter sofria roubos dos melhores cavalos, danos nas piaras e reduções na área de pastoreio. Proclamado o regime republicano, a Coudelaria de Alter é integrada no Ministério da Guerra. Nos anos 40 passa para o Ministério da Agricultura e inicia-se um processo de recuperação do cavalo Alter Real.Em 1979 é criada a Escola Portuguesa de Arte Equestre, reconstituição da Real Picaria Equestre, cessada em 1807 com a ida do Rei D. João VI para o Brasil.A Fundação Alter Real é instituída em 2007, como entidade de direito privado e de utilidade pública, com sede na Coudelaria de Alter – Tapada do Arneiro – Alter do Chão.A Fundação Alter Real tem como fins principais

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a manutenção e desenvolvimento do património genético animal das raças Lusitana, Sorraia e Garrano, da Escola Portuguesa de Arte Equestre bem como do Laboratório de Genética Molecular, sem prejuízo da prossecução de outros fins estipulados. A Fundação Alter Real presta serviços à produção equina Nacional, é a autoridade nacional para o sector da Equinicultura, responsável pela preservação de um conjunto de valores de enorme interesse nacional. A história das duas Coudelarias – Alter Real e Nacional – assim como a Escola Portuguesa de Arte Equestre, não podem ser desligadas da História de Portugal e representam um património cultural que importa preservar e divulgar.

TurismoCentro de recepção e interpretação – “Casas Altas”

As “ Casas altas” foram a primeira cavalariça da Coudelaria de Alter. Edifício centenário que se caracteriza pelo primeiro andar ser bastante alto onde era guardado o alimento para as manadas. As “Casas Altas” são actualmente o Centro de Recepção e Interpretação da Fundação Alter Real. Integra no seu interior uma exposição interpretativa sobre a história e actividades da Coudelaria.

Pátio das éguas: unidade de reprodução, obstetrícia e neonatologia.

As éguas Alter Real pastam em liberdade na Tapada do Arneiro sendo recolhidas pela manhã para ser administrado o complemento alimentar e ser feito o controlo reprodutivo. As éguas percorrem diariamente as verdejantes pastagens da Tapada do Arneiro na companhia das suas crias (poldros até aos 6 meses).A vinda das éguas do campo para o monte é um acontecimento marcante que pode ser visto por volta das 10:30, a entrada, e por volta das 15:30, a saída.

Potril (da Coudelaria de Alter): Estrutura de apoio ao desmame.

Unidade que acolhe os poldros a partir dos 6 meses, onde iniciam o seu desmame e aguardam a transferência para o Potril da Azambuja, onde permanecerão até aos 3 anos, no caso dos machos; e a transferência para o campo (em liberdade) das fêmeas.

Pátio D. João VI: Unidade de desbaste, selecção e testagem.

Os machos chegam da Ilha com aproximada-mente 3 anos de idade e iniciam aqui um processo de Desbaste, Selecção e Testagem. É iniciado o contacto entre o homem e o cavalo

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num processo de socialização e desenvolvi-mento do animal. Serão avaliados parâmetros como o temperamento, docilidade, capacidade atlética e andamentos base através de duradouras jornadas de trabalho com o objectivo claro de fazer progredir o cavalo até ao mais alto nível. Daqui saem os cavalos que integram as fileiras da Escola Portuguesa de Arte Equestre, onde continuarão o seutrabalho seguindo a tradição secular da Picaria Real.

Depósito de garanhões. Local de permanência de cavalos reprodutores de várias raças como Lusitanos, Árabes, Sorraia, Selle Français, KWPN entre outros. Após serem sujeitos a provas de apreciação morfo-funcionais e de apresentarem um currículo desportivo aceitável, os cavalos ficam aptos para beneficiarem as éguas da Fundação Alter Real mas também as éguas de criadores particulares.

Casa dos trens – Exposição: carros de cava-los do Sec.XIX

Núcleo expositivo de carros de cavalos do Sec. XIX pertencentes à Fundação Alter Real. Aqui podemos encontrar carros de caça, carros de passeio, carros senhoriais entre outros, de reprodução decorre normalmente entre 15 de Fevereiro e 31 de Julho.

Galeria de exposições

Centro que acolhe uma exposição da ex-colecção de Rainer Daehnardt sobre a relação milenar entre o cavalo e o homem e a sua utilidade nos séculos remotos. Contém uma sala dedicada ao espólio arqueológico encontrado na Tapada do Arneiro, outra dedicada a peças e adorno dos tempos antigos da Coudelaria, com utensílios de veterinária e adereços de cavaleiros. Possui ainda uma sala dedicada a exposições tem¬porárias destinada a artistas locais.

Falcoaria – Cetraria

De entre todos os animais que o homem utili-zou como auxiliares de caça, apenas uma cria-tura dotada de destreza singular, poderia ser útil ao homem na caça ao voo – a ave de presa.

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A arte de adestrar e caçar com aves de presa denomina-se falcoaria. A Falcoaria ou Cetraria, é pois uma das mais antigas e engenhosas modalidades de caça inventadas pelo Homem. Era feita a cavalo e crê-se que tenha surgido em período neolítico, algures na Ásia Central mas foi durante a Idade Média que a falcoaria conheceu a sua “Idade de Ouro”, transformando-se na distracção favorita dos senhores medievais e num privilégio da nobreza. As cortes europeias tinham ao seu serviço falcoeiros profissionais que treinavam e cuidavam estas aves de luxo.Na Fundação Alter Real, o apoio às suas actividades é feito através de equipamentos modernos existentes nas suas instalações: Laboratório de Genética Molecular: Registo Nacional de Equinos membro (SAG - Internacional society for animal genetics) onde são realizados testes de ADN para controlo de Filiação e identificação.Clínica Hipiátrica D. Miguel - Unidade de clínica cirúrgica, Podologia e fisioterapia (piscina), à disposição da medicina privada. Parcerias com universidades como pólo de Formação UniversitáriaOficina de Siderotecnia - Instalações e equipa-mento para formação e prática da ferragem.

Messe e Biblioteca Manuel Leitão – Residência Oficial do Arneiro e Bibliotecas com o acervo biblio-arquivistico da Associação Central da Agricultura Portuguesa, fundada em Lisboa no ano de 1860.Também na Fundação é possível estudar. É possível preparar o futuro:Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Alter do Chão – Nas instalações da Coudelaria de Alter funciona a Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Alter do Chão com os cursos de equitação e cinegética. Escola Portuguesa de Arte Equestre - Palácio Nacional de Queluz. A Escola Portuguesa de Arte Equestre é a reconstituição da Real Picaria cessada em 1807 com a ida do Rei para o Brasil. A Escola Portuguesa de Arte Equestre só utiliza cavalos Alter Real e semanalmente realiza espectácu-los regulares no Palácio de Queluz onde todo o potencial do cavalo Alter Real é demonstrado.

VISITAS À COUDELARIA DE ALTER

As visitas são guiadas. Há uma diversidade muito grande de visitas, e de horários, algumas compostas de actividades temáticas.A partir das “Casas Altas” onde é feita a recepção, poderá visitar as instalações, assistir à exibição de voo – Falcoaria; pode montar a cavalo; pode alugar TREM (Milord) com parelha, cocheiro e ajudante; visitar o Museu do Cavalo.Através do site www.alterreal.pt/conservar&educar ou do e-mail conservar&[email protected] ou ainda pelo telf. 245610060 poderá obter toda a informação para uma visita à Coudelaria.

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O pensamento da figura notável do nosso fundador Dr. Simas Abrantes, está bem reflec-tido no depoimento que teve a gentileza de partilhar connosco e foi publicado no nº 19 da nossa revista, em 2006.Cumprida a primeira década de actividade, aquele nosso antigo presidente fez assim o balanço do percurso da “Alma”:“Além da necessidade que havia em reunir e ajudar alguns mais desfavorecidos, começou por se impor no campo associativo da Margem Sul, terra rica em associações prestigiadas e centenárias, pelo seu dinamismo e também porque o seu nome, logo à primeira vista, transmite uma das maiores riquezas do povo alentejano – a sua maneira de estar na vida, a cultura da amizade e do convívio, o sentido solidário que irradia daquelas gentes. Tudo isto é transmitido através das duas palavras mágicas: ALMA ALENTEJANA.A nossa Associação tem-se distinguido pela divulgação do Alentejo junto da população da Margem Sul, com iniciativas culturais, gastronómicas e económicas. São feiras de produtos tradicionais, são almoços temáticos, colóquios culturais, divul-gação e lançamento de obras de au-tores alentejanos, e a homenagem a figuras que se têm distinguido nas suas actividades. Enfim, é trazer até estas zonas da Grande Lisboa, a grande riqueza e valor das gentes e da terra alentejana.Além desta actividade a nível local, há que refe-rir a importância que têm tido as visitas culturais dos seus as-sociados e amigos, a lugares e eventos reali-zados no Alentejo. Tudo

isto representa uma aproximação e divulga-ção dos valores alentejanos, num intercâmbio que se tem revelado útil para ambas as partes.Depois não podemos deixar de salientar a ac-tividade social que a Alma tem desenvolvido como IPSS junto da população carenciada e idosa da Margem Sul. São centros de dia e centros de convívio, abertos com o apoio das autarquias locais, é o (…) apoio domiciliário, em que são beneficiários alentejanos residen-tes nestas zonas, além da população local ca-renciada.”Simas Abrantes deixou na sua mensagem um apelo final, com o qual nos identificamos e que destacamos, enquanto linha mestra de toda a actividade futura da nossa associação:“Há que olhar em frente e não esmorecer nos objectivos que têm norteado desde o início a nossa Associação – elo de ligação entre as gentes e os valores da terra alentejana e de todos os que se vieram fixar nesta terra que os acolheu. Há que sensibilizar a juventude

para os valores da cultura alentejana e ir preparando os dirigentes de amanhã.”O trabalho actual, tal como das direcções

que nos precederam, persegue os ensinamentos da experiência adquirida, procurando, sempre

com muito esforço e esperan-ça, ser digno dos objectivos traçados.Bem - Haja, Dr. Simas Abrantes,

pelo exemplo da sua postura associativista, que não podíamos deixar de

sublinhar, num tempo em que os valores identitários podem tornar-se estratégias de sobrevivência, face

à globalização vigente.

a Força da Identidade alentejanaLuis Maçarico

HOMenAGeM dR. SiMAS ABRAnTeS

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Conheci o Dr. Simas Abrantes em 2005, numa viagem da Associação de Professores do Con-celho de Almada (APCA) ao Porto. Foi-me apresentado pelo Prof. Antão Vinagre, tendo-se estabelecido logo entre nós uma re-lação de grande empatia, decorrente da sua personalidade aberta de trato afável e grande curiosidade intelectual.Tomou então conhecimento do projecto da Universidade Sénior (USALMA), sabendo do interesse que tínhamos em criar uma disciplina de gerontologia (que ele queria transformar numa área em que trabalhariam 4 ou 5 profissionais de saúde) ofereceu a sua colaboração que aceitámos com entusiasmo, tanto mais que, soubemos, tinha feito uma pós-graduação na área de gerontologia. Ao mesmo tempo inscreveu-se como membro do coro polifónico da USALMA, para matar saudades do seu tempo de coralista do orfeão académico de Coimbra, na qual se afirmou com a sua voz grave e quente de baixo.Da qualidade humana e cientifica do seu trabalho como professor na USALMA dão tes-temunhos um grupo de alunos em texto anexo, em que sobressai a sua sensibilidade cultural e pedagógica e o gosto do convívio e do diálogo. O seu entusiasmo pelo projecto

USALMA teve como ponto alto a sua participação como “actor” nas actividades de encerramento do ano lectivo de 2007, ao subir ao palco com os seus alunos, que brindaram a assistência com a declamação de um conjunto de pensamentos que constituíam um programa de defesa da saúde e da alegria de viver.Aos seus alunos e à direcção da USALMA manifestava a vontade de realizar um grande sonho: a criação de um centro de acolhimento para idosos, a juntar a outros em que a sua capacidade realizadora e grande determinação ficaram patentes, entre os quais é justo salientar a sua clínica fisiátrica no Feijó e sobretudo a “Rumo ao Futuro”, instituição para deficientes profundos.Foi para nós um choque, a sua quebra desaúde, quando a sua mente generosa fervilhava de ideias e projectos, alguns dos quais a levar a cabo na USALMA. Mas a vida impõe os seus imprevistos e nem os melhores projectos alte-ram a sua marcha cega.Resta-nos esperar e fazer ardentes votos pelo seu restabelecimento e regresso a uma vida activa de homem empreendedor, benemérito e solidário.

Sentida homenagem e voto ardenteJerónimo de Matos

Dr. Simas Abrantes com amigos e familiares

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Tivemos a felicidade de ter como professor, na Usalma - Universidade Sénior de Almada, na disciplina de Gerontologia, no ano lectivo 2006/2007, o Dr. Simas Abrantes.Pessoa muito afável, simpática, bem disposta, bom conversador, sempre com uma graça para introduzir na matéria, sendo também um grande contador de historias vividas como médico, mas que sobretudo nos transmitia uma mensagem positiva.As aulas tinham sempre uma frase célebre introdutória, baseada na matéria que ia dar nesse dia, sendo pedido aos alunos que a co-mentassem, razão pela qual as tornava muito participadas.Levou-nos em visita de estudo á sua própria Clínica, no Feijó, á instituição “Rumo ao Futuro” em Marisol e ao Lar “O Cantinho dos Avós” em Azeitão, sempre com o objectivo de que adquiríssemos novos conhecimentos e ensinamentos, ao mesmo tempo que ficávamos mais sensibilizados e conhecedores da realidade social dos nossos idosos.Tinha um grande objectivo: construir um centro de acolhimento para idosos com condições especiais, do qual esperava vir a ser utente mais tarde com a sua esposa, e eventualmen-te a filha que frequentava um centro de educação especial.Dentro dessa ideia, sonhava construir um gru-po de pessoas com formação humana e técnica, alunos da USALMA que estivessem interessados em fazer formação especial e também conse-guir um grupo de voluntariado.Arranjava sempre tempo após as aulas, para

conviver connosco, ainda que fosse tomando um chá num dos cafés em frente á escola, o que fez com que o grupo mais se unisse e ain-da hoje se mantenha com uma forte relação de amizade.Para o ano seguinte tinha grandes projectos e lamentamos que a sua saúde não lhe tenha permitido concretizá-los e que não pudésse-mos continuar a desfrutar da sua companhia como professor e como amigo.Bem haja, Professor Simas Abrantes pelos ensinamentos e amizade que nos transmitiu.

Testemunho dos seus alunosalunos de gerontologia da Usalma

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Simas Abrantes - estudante do Liceu de Portalegre

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A Associação Almadense Rumo ao Futuro é uma instituição particular de solidariedade social cujos fins estatutários estão vocacionados para apoiar cidadãos com deficiência de vários tipos, seja motora, intelectual, orgânica ou sensorial e está sediada na Marisol/Charneca de Caparica. Para tanto, tem actualmente a funcionar no local da sede um centro de actividades ocupacionais que recebe 45 cidadãos com deficiência em regime de centro de dia e um lar residencial para 14 permanentes e 2 ocasionais, que foi inaugurada em 20 de Maio de 2010 e que já está em funcionamento. Foi fundada por escritura pública de 22 de Junho de 1990, por iniciativa de vários pais que sentiam na pele a falta de estruturas de apoio nesta área e devido ao entusiasmo da Dr.ª Maria Emília Teodósio, fundadora da instituição e sua presidente da direcção até 25 de Janeiro de 2002.O Dr. Simas Abrantes é seu associado desde 1992, tendo sido eleito vice-presidente da mesa da Assembleia Geral em 1993 e Presidente da Mesa em 26 de Outubro de 1995, cargo que ocupou até 25/1/2002. É nesta altura que as nossas vidas se cruzam.Efectivamente, em finais de 2001, princípios de 2002, esta instituição estava à beira do

colapso financeiro, pois apresentava um passivo superior a 300.000 euros.É então que um grupo de pais, perante a eminência do seu encerramento, resolve criar um movimento para arcar com a sua gestão, sendo eleita em 25 de Janeiro de 2002, uma direcção presidida pelo Dr. Simas Abrantes e que eu próprio integrava também como vice-presidente, sendo tesoureiro Abranches Silva e Joaquim Grosso como vogal.Sem dinheiro começámos a bater a todas as portas, Câmara, juntas de freguesia e outras entidades, públicas e privadas, para evitarmos que a instituição encerrasse, trabalho que com o entusiasmo de todos os membros da direcção deu os seus frutos, face à credibilidade do grupo de pessoas que a compunham, ao dinamismo do trabalho desenvolvido e ao prestígio de que gozava o seu presidente da direcção, Dr. Simas Abrantes.De qualquer modo, os efeitos deste trabalho não foram imediatos e era necessário pagar os salários dos funcionários, bem como as despesas correntes do seu funcionamento, nomeadamente com fornecedores.É então que o Dr. Simas se oferece para contrair um empréstimo de 10.000 euros junto do seu banco, dinheiro que canalizou para a instituição e que mensalmente lhe pas-

Dr. Simas, o Homem SolidárioAntónio G. Rocha

Rumo ao Futuro - Almada

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sou na pagar o valor da respectiva amortização, sendo com ele que se conseguiu pagar os ordenados de Março de 2002.Com este quadro e face às dívidas existentes, a direcção presidida pelo Dr. Simas, teve que imprimir uma gestão de rigor e de forte contenção de custos, o que aliado aos apoios que se obtiveram veio a dar os seus frutos.Arrumada a casa e pagas todas as dívidas nos finais de 2004, logo se começou a trabalhar na obtenção de fundos financeiros que permitis-sem a construção dum lar para cidadãos com deficiência, o que se foi conseguindo ao longo do segundo mandato da presidência da Dr. Simas, entre 2005 e 2008.Infelizmente e por razões de saúde a parte final deste mandato já não pôde ser ocupada em pleno pelo seu presidente, que ainda chegou a ser eleito presidente da mesa da Assembleia Geral para o triénio 2008/2011. De qualquer modo, ficou um trabalho notável das duas direcções presididas pelo Dr. Simas Abrantes, que depois de liquidar, em pouco mais de dois anos, o passivo da instituição,

herdado no primeiro mandato e que era superior a 300 000 euros, conseguiu ainda an-gariar durante o segundo mandato, valores suficientes para a construção do lar/residen-cial recentemente inaugurado.Efectivamente, a construção desta valência, terminada em 2009, foi apoiada financeira-mente pelo programa pares em 265.641 euros; pela CMA que apoiou com 70.000 euros; e pela Junta de Freguesia da Charneca que apoiou com 15.000 euros.Tratou-se dum apoio importante por parte destas entidades.Assim, o homenageado muito contribuiu com o seu trabalho para o engrandecimento da Associação Almadense Rumo ao Futuro. Mas, emprestando o seu dinheiro e ficando fiador da conta caucionada aberta na CGD, pôs até o seu património ao serviço destainstituição, contribuindo assim decisivamente para a melhoria das condições de vida das pessoas com deficiência, que tanto precisam desta casa.Bem haja!

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Nasceu em Alter do Chão,Homem sereno e bom,Profissional competente,Ele acarinhou muita gente.

Em Coimbra se formou,Médico muito dedicado,Todos os doentes são amigos,De uma grande humildade,Sempre do lado da verdade.

Defensor de grandes causas,Afável e pronto a ajudar,À Marinha foi parar,Em Angola esteve a trabalhar.Director de Especialidade,Fisiatria é a sua alegria.Foi Presidente da “Alma Alentejana”,Associação de mérito e louvor.À qual dedicou muito amor.Na Associação “Rumo ao Futuro”,Foi seu fundador, E Presidente da Direcção.

São sentimentos profundos,Vividos com emoção.Pessoa sem vaidade, Professor da “Usalma”,Universidade da Terceira Idade.Sabe para onde quer ir,Pertence à Associação 25 de Abril.

Amigo da sua terra,Que nunca desprezou,Alguns cargos desempenhou,Por todos é estimado,Até canta bem o fado.Moderado a falar,Sempre gostou de dançar.

Nas zonas do Laranjeiro e Almada,Onde tem muitos admiradores. Na sua Clínica,Tem vários colaboradores.

A Esposa sempre a seu lado,Que é uma grande mulher,Tinham o destino marcado,Quando saíram de Alter.

Ao Dr. Simas AbrantesFrancisco Sancho

Festa de formatura em Medicina - Alter do Chão 1962

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1937 - Nascido a 01/08/37 na Vila de Alter do Chão1944 a 47 - Frequência da Escola Primária1947 a 49 - 1º Ciclo do Ensino Secundário em Alter do Chão1950-53 - 2º Ciclo do Ensino Secundário no Liceu Nacional de Portalegre1953-55 - 3º Ciclo do Ensino Secundário no Liceu D. João III de Coimbra1962 - Licenciatura em Medicina na Universidade de Coimbra1963 - Estágios nos Hospitais da Universidade de Coimbra1964 - Ingresso, por concurso de provas públicas, no quadro permanente dos Oficiais Médicos da Marinha no posto de 2º Tenente Médico Naval - Comissão de serviço em Angola, como Chefe do Serviço de Saúde de uma companhia de Fuzileiros - Prestou serviço no Hospital Militar de Luanda no Serviço de Cirurgia.1965 - Delegado de Saúde em Sto António do Zaire em acumulação com as funções militares.1967 - Aprovado no concurso para o Internato Geral dos Hospitais Civis de Lisboa1968 - Promovido a 1º Tenente Médico Naval1969 - Aprovado no concurso para Internato Complementar de Medicina Física e Reabilitação1970 - Aprovado em concurso de provas públicas para assistente de Medicina Física e Reabilitação do Hospital da Marinha1971 - Especialista em Medicina Física e Reabilitação pela Ordem dos Médicos1972 a 1995 – Exerceu as funções de médico nos Bombeiros Voluntários de Algés1973 a 1983 - Sócio e Director Clínico do Centro Médico da Cruz de Pau, Ldª1973 a 2008 - Director Clínico do Centro Médico - Dr Simas Abrantes, Ldª1973 a 2010 - Sócio e gerente do Centro Médico - Dr. Simas Abrantes, Ldª1974 a 2007- Sócio e Director Clínico da Policlínica dos Álamos, Ldª1975 a 1987 – Director Clínico da Clínica de São João Baptista1976 - Aprovado em concurso de provas documentais e discussão curricular para Chefe de Serviço do M.F.R. do Hospital da Marinha.1976 a 2006 - Sócio e Director Clínico da Clínica Médica - Pulmoasma, Ldª 1977 - Promovido a Capitão Tenente Médico Naval1978 - Curso de especialização em doenças reumáticas do Instituto POAL de Reumatologia Universidade de Barcelona1980 a 2007 – Sócio e Director Clínico da Clínica Médica - Saúde Mar, Ldª 1984 - Promovido a Capitão de Fragata Médico Naval - Curso de Pós-graduação de Medicina Ortopédica e Manipulação Vertebral na Universidade de Madrid1988 - Chefe de Departamento da Escola de Serviço de Saúde Militar1987 - Promovido a Capitão de Mar e Guerra Médico Naval1989 - Chefe do Serviço de Saúde do Estado Maior General das Forças Armadas1990 - Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação dos Deficientes “Rumo ao Futuro”1995 - Curso de Pós-graduação em Gerontologia na Universidade Internacional1995 - Sócio Fundador da Alma Alentejana e 1º Presidente da Direcção1999 - Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Alma Alentejana2001 a 2004- Membro da Assembleia Municipal de Alter do Chão eleito pelo Partido Socialista2002 a 2008- Presidente da Associação Almadense “Rumo ao Futuro”2004 a 2006- Professor na Universidade Sénior de Almada (USALMA)

Joaquim Manuel Simas Abrantes

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X Jogos Florais – 2010

ReGULAMenTO

1 - Os X Jogos Florais da Alma Alentejana são abertos a associados ou não. A Alma Alentejana, com a edição dos Jogos Florais criou, em simultâneo, a figura do Patrono dos Jogos. Esta iniciativa pretende homenagear personalidades alentejanas importantes na vida cultural portuguesa.

Em 2010 será Patrono do Jogos o Dr. Simas Abrantes, fundador e primeiro Presidente da Direcção da Alma Alentejana.

2 – Também, este ano queremos que a juventude participe, vamos por isso criar uma categoria especial para esta faixa etária. Os temas serão os mesmos e a idade limite será os 25 anos.

3 – Estes Jogos compreendem três categorias de obras originais: a) Quadra – A República b) Poesia – Tema livre c) Conto – 100 anos da implantação da República Todos os trabalhos, dactilografados (à máquina de escrever ou em computador) em tipo Times New Roman,

tamanho 12, a espaço e meio, e no caso da poesia de tema livre e do conto deverão ter um máximo de três (3) páginas. 4 – Os trabalhos deverão dar entrada na sede da Alma Alentejana (Avenida Professor Ruy Luís Gomes, 13 – R/C

Laranjeiro 2810-274 ALMADA – Telefone: 212 540 053) até ao final do dia 8 de Outubro de 2010, nos seguintes termos: a) Cada obra deve figurar em folha individual (mas em triplicado), identificada com pseudónimo, no canto superior

direito; b) Será também entregue um envelope fechado, com o mesmo pseudónimo no exterior e no interior a identificação

do autor (que apresentará os seguintes dados): nome, data e local de nascimento, local de residência e telefone. c) A obra (ou conjunto de obras) e o envelope fechado serão entregues dentro de outro envelope (este sem

remetente), com a indicação: “Alma Alentejana – X Jogos Florais – 2010”. 5 – Cada concorrente pode no máximo competir com três (3) quadras, dois (2) poemas e um (1) conto. 6 – O júri, de cuja decisão não haverá apelo, será composto pelas seguintes seis personalidades idóneas, designadas

pela Direcção da associação: - 1 elemento em representação da Alma Alentejana; - 1 elemento da Câmara Municipal de Almada - 1 elemento em representação da Associação Portuguesa de Poetas; - 1 escritor - 2 elementos designados pelas Juntas de Freguesia do Laranjeiro e da Amora. Em caso de empate o presidente do júri exercerá o seu voto de qualidade 7 – Os componentes do júri (ou familiares directos) não podem participar neste concurso. 8 – A cada categoria mencionada no ponto 3, serão atribuídos 1.º, 2.º e 3.º prémio e um máximo de duas menções

honrosas; porém, o júri poderá não conceder um ou mais prémios, ou menções honrosas, caso a qualidade das obras levadas a concurso assim o determine. Há possibilidade de publicação dos trabalhos premiados. Os prémios, que constarão de diplomas e livros de autores portugueses, serão entregues em 24 de Outubro de 2010, em cerimónia que terá lugar em Almada (em local a designar). Haverá este ano, pela sexta vez, um “PRÉMIO ABSOLUTO”.

9 – A Alma Alentejana poderá utilizar no futuro as obras premiadas conforme lhe aprouver. 10 – A Alma Alentejana não se responsabiliza pela devolução das obras não premiadas que não forem levantadas no

exacto prazo de dois meses sobre a data da divulgação/atribuição dos prémios. 11 – Todas as questões omissas no presente regulamento serão resolvidas por decisão do júri.

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O nome dos poetas populares....

(...)No contexto de uma sala de aula

Não estarem esses nomes me dá penaA escola devia ensinar

Pro aluno não me achar um boboSem saber que os nomes que eu louvo

São vates de muitas qualidadesO aluno devia bater palma

Saber de cada um o nome todoSe sentir satisfeito e orgulhoso

E falar deles para os de menor idadeO nome dos poetas populares

(...)Poema de Padre António Vieira. Maria Bethânia dá voz e alma (CD Pirata, faixa 12). Que deveria estar na boca do povo.

Registo de memória

Longe vão os tempos da minha infância. Recordo-os com muita saudade. Tive uma infância rica! Foram-me dadas possibilidades e ocasiões de leitura e de grande entendimen-to sobre tudo o que me rodeava. Soube ler! Na minha terra «Montoito» havia tudo e de quase tudo para a minha evolução. Registo com agrado esta paixão pelo cante que me ali-menta desde então. De tal maneira o cante está entranhado que ainda hoje não consigo despegar na tentativa de saber ainda mais so-bre tão nobre forma de ser e querer.

Quando eu oiço o bem cantarParo e tiro o meu chapéuNão se me dava morrer

Se houvesse cante no céu1.

Recordo aqueles tempos em que nas taber-nas, palco privilegiado de tantas modas: umas de passatempo e outras de amarfanhamento; algumas de festa mas ainda outras de triste-zas. Mas era encantador ver grupos de jovens, mais ou menos da mesma idade, que depois de um copo, um petisco, uma boa moda, saíam em grupo, circulavam pelas ruas e onde morava uma namorada de alguém do grupo, paravam, faziam um círculo e então o ponto (pretendente) começava com uma cantiga quase sempre dirigida à pretendida e logo surgia a moda levantada pelo alto a dar entra-da ao coro dos restantes elementos. Era assim na minha meninice. E eu registei esses momentos que sempre me acompanharam.

Quando a mocidade passaÀ minha porta cantando

Venho me assumar à portaVolto para trás chorando2.

Era ainda nas tabernas que os homens alentejanos se uniam, depois de um dia de trabalho; de um dia de festa; de um dia em que o capataz não o contou para a jornada de trabalho; e até por outros motivos de com-pensação para alegrias e desgraças que a todos ocorrem, certos das suas fraquezas e forças, onde atrás de um copo de vinho e de um petisco surgia uma cantiga e a moda que então andava na moda; depois outra cantiga... a mesma moda3.

Venha o copo, venha a pingaVenha mais meia canadaEu sem o copo não bebo

Sem a pinga não sou nada4.

José Francisco Pereira

1 - Hoje posso... podemos ter presente o que esta quadra (cantiga) quer dizer. Este sentimento está entranhado no alentejano como fazendo parte do ser Ser.2 - Hoje posso comungar deste sentimento com o envolvimento e a carga emotiva que esta quadra (cantiga) contém.3 - Deixo aqui o registo de três tabernas, entre outras, da minha terra (Montoito) que existiam na minha infância: a do Zé Ba-gulho; a do Ti Feliz; a do Zé Palheta. Era nestas taberna que mais ouvia cantar. 4 - Não sei a origem desta quadra (cantiga). Julgo que não é do Alentejo. Mas vem a contendo.

TRATAdO dO cAnTe

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No campo era a labuta. E que labuta! Os homens tinham que se levantar muito cedo para que ao nascer do sol estivessem prontos para enregar a trabalhar: a lavoura..., a sementeira..., naqueles dias de invernia onde parecia que o céu vinha abaixo, lá iam os homens sujeitos à inclemência do tempo e das necessidades. Ainda hoje rememoro a saída das parelhas, com toda a ocharia da lavoura, sob um intenso nevoeiro, vento e chuva e lá iam para as terras de barro daherdade da Casa Alta. Logo à saída do monte, não se via nada, só se ouviam as esquilas dos cabrestos dos animais. Era para o pão nosso de cada dia.

LAVOURA (Almocreve)5

Ponto: A vida dum almocreve É uma vida arriscada Ao descer duma ladeira Ao cerrar duma carrada Ao cerrar duma carrada

Alto: Lembra-me os tempos passados Tudo se vai acabandoCoro: Os bois puxando o arado O almocreve cantando O almocreve cantando

Alto: O almocreve cantando Cultivando lindos pradosCoro: Quando vejo alguém lavrando Lembra-me os tempos passados Lembra-me os tempos passados

Ponto: Às vezes lá no meu monte Faço vazas de ganhão Lavro com dois bois vermelhos Que fazem tremer o chão Que fazem tremer o chão

Alto: Lembra-me os tempos passados

Depois vinha a monda e era vê- las, as mulheres que saíam de casa, ao grito da manajeira, que no início de cada rua da vila, as ia chamando para a monda, numa herdade a uns quilóme-tros de distância. Sinto ainda nos meus ouvi-dos aquele chamamento cantado que engre-nava no processo de início da jornada6. A ceifa. Grandes ranchos de homens e mulhe-res. Grandes searas. Sol abrasador. Mas... era uma alegria! Lá no fundo das minhas memó-rias7 ainda vislumbro aquela chegada à vila, de um rancho que tinha acabado a ceifa na herdade da Mencoca, “que estímulo orienta-va aquela gente para aquele transbordar de alegria?” Ainda vinham a alguns quilómetros da vila e já se ouviam a cantar. Foi muito envolvente.

VERÃO8

Ponto: Verão, a brasa dourada e celeste Esvaiu do Sol agreste Dourando mais as espigas Ceifeiros corpos curvados Ceifando e atando molhos E benção loira da vida

Alto: Meu AlentejoCoro: Enquanto isto se processa O Sol ferido e sem pressa Queima mais a tez bronzeada O suor rasga a camisa Homem queimado mais fica A vida é feita de brasa

Ponto: O suor caustica os corpos Os ceifeiros vão ceifando Sem parar no seu labor O seu cantar é dolente É certo que é boa gente É verdade e tem mais sol

Alto: Meu AlentejoCoro: ...

5 - Esta moda foi feita por Estêvão “Olhicos” da Amareleja. É popular.6 - Deixo aqui a minha homenagem à minha mãe, manajeira, que recordo com muita saudade. Bem Haja!7 - Em finais da década de 50.8 - Moda feita por Manuel Conde de S. Pedro do Corval para o Grupo Coral da casa do Povo de Reguengos de Monsaraz.

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Do campo retenho ainda com grande intensi-dade o cheiro da terra, a rotina da volta do gado, o enleio do cantar dos pássaros... Tudo isto ainda me traz cativo. Ser pastor, num tem-po de interiorização, no bom uso das suas faculdades com o sentido de liberdade e de sã convivência com a natureza, com a cumplici-dade dos animais que guarda, com a ajuda do seu cão macaco, do ajuda, dá forçosamente muita capacidade criativa. É com este embe-vecimento que se fizeram grandes modas ao pastor. Bem Hajam os seus criadores!

A PLANÍCIE ALENTEJANA9

Ponto: No alvor da madrugada Sai o gado p’ra pastagem Num silêncio tão profundo Lembra-me assim a vida selvagem

Alto: Na planície alentejanaCoro: Oiço os chocalhos do gado O assobio do pastor E o latir dos cão macaco

Alto: Debaixo do Sol escaldanteCoro: Vão pastando nos montados Na planície alentejana Oiço o balir e os seus chocalhos

Ponto: Desde o começo do mundo Desbravando a natureza O homem guarda o seu gado Cheio de amor carinho e belezaAlto: Na planície alentejanaCoro: ...

Registo ainda como um facto marcante na minha caminhada, na UCP Estrela Negra deSousel, aquela adiafa no final da apanha da azeitona do ano de 1976, com um grande desfile pelas ruas de Sousel, onde as saias cantadas à cooperativa e ao povo alentejano marcaram toda aquela gente muito profundamente. Bem Hajam!

Chega a hora de romper com esta vida. O sentido de arranjar mais proventos, o dar ou-tro padrão de vida aos filhos, não conseguí-veis na sua terra, fez com que os seus melhores partissem. Mas nunca houve separação nem afastamento. Sempre se arranjaram motivos para se estar perto do seu Alentejo. Esta ligação foi sempre feita através do Cante.

QUANDO EU CHEGUEI AO BARREIRO10

Vou-me embora para LisboaPorque a vida cá é máÀ busca de coisa boa

Pergunto não encontro cá

Quando eu montei no comboioQue assoprava pela linha

Às vezes penso comigo e digoNão sei que sorte é a minha

Quando cheguei ao BarreiroNo barco que atravessa o Tejo

Chora por mim que eu choro por tiJá deixei o Alentejo

9 - Moda feita por Manuel Martins do Grupo Coral e Musical “Diversos do Alentejo” de Pinhal dos Frades. 10 - Esta moda parece-me ter sido feita na zona de Odemira. Não tenho a certeza.

Estação da Funcheira

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Corais alentejanos

Da paixão chegou a necessidade de saber mais sobre o cante. As primeiras tentativas foram muito desanimadoras. Não tínhamos ideia nenhuma do que iríamos encontrar. De Encontro em Encontro foi sendo recolhida a informação para o livro Corais Alentejanos, editado em 1997. Não é uma obra completa, nem exaustiva, mas que marca profundamente o pensar sobre o cante, isso marca. Fica-se finalmente a saber quem somos! É uma obra para consulta com informação de grande utilidade. Dizia o Prof. Manuel Joaquim Delgado11: “Ai dos académicos se não fossem os curiosos”. Pode ser que a partir daqui haja mais humil-dade e se criem os laços oportunos para a justa posição do Nosso Cante!

Foram inventariados 104 grupos: 61 em Beja: 45 masculinos; dois mistos; seis femininos; sete infantis; um instrumental.12 em Évora: nove masculinos; um misto; dois instrumentais; 6 em Setúbal: três masculinos; um feminino; dois instrumentais; 25 na diás-pora (Lisboa/Setúbal): 22 masculinos; três instrumentais.O lançamento do livro foi feito na Biblioteca Bento de Jesus Caraça, na Moita em Outubro de 1997, durante a iniciativa “Viver Alentejo”.De todo o material recolhido para este trabalho: cassetes audio, discos de vinil e Cd’s com canções tradicionais alentejanas e com regis-tos e entrevistas; documentação e livros, estão depositados na Biblioteca Municipal da Moita, Pólo da Baixa da Banheira, onde será digitalizado e divulgado, podendo assim ser consultado por qualquer interessado.

Grupos Corais existentes em 1997 na Diáspora (Lisboa/Setúbal)12

in: Corais Alentejanos

Almada- Grupo Coral “Amigos do Alentejo” – - Clube Recreativo do Feijó

Amadora- Grupo Coral Alentejano da Soc. Fil. Recreio Artístico da Amadora.- Grupo Coral Alentejano da Brandôa- Grupo Coral “Os Alentejanos da Damaia”

Barreiro- Grupo Coral Alentejano “Os Amigos do Barreiro”- Grupo Coral Alentejano “Unidos do Lavradio”

Cascais- Grupo Coral “Estrelas do Guadiana”- Ass. Cultural e Recreativa dos Alentejanos Residentes em Tires- Grupo Coral Alentejano Bairro Além das Vinhas- Clube Desportivo e Recreativo “Os Vinhais”

11 - Grande estudioso “curioso”. Autor de Subsídio para o Cancioneiro Popular do Baixo Alentejo.12 - Antes de 1996/97 já tinham ficado pelo caminho os Grupos da Abrunheira; Venda Nova; Cerromaior; Camarate e Carnaxide. Entretanto dos inventariados em 1997 acabaram os grupos do Bairro Além das Vinhas; As Andorinhas; Os Unidos do Alentejo; Ac. de Linda-a-Velha; e Ecos do Alentejo. Mesmo assim e depois de 1997 foram criados os Grupos: Cantadeiras da Alma Alente-jana; 1º. de Maio do Bairro Alentejano; e Amigos do Independente de Setúbal. O Grupo “Os Sadinos” ainda está em actividade agora com o nome de “Amigos dos Sadinos”

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Loures- Grupo Coral da Liga dos Amigos da Mina de São Domingos- Grupo Coral e Instrumental “Ecos do Alente-jo”

Moita- Grupo Coral União Alentejana da Baixa da Banheira- Soc. Recreativa e Cultural União Alentejana da Baixa da Banheira

Oeiras- Grupo Coral Alentejano da Academia Recreativa de Linda-a-Velha- Grupo Coral Instrumental “Norte Sul”

Palmela- Grupo Coral “Ausentes do Alentejo”

Seixal- Grupo Coral Alentejano dos Serviços Sociais das Autarquias do Concelho de Seixal- Grupo Coral “Eco do Alentejo” – Casa do Povo de Corroios- Grupo Coral Alentejano “Lírio Roxo” – Soc. Musical 5 de Outubro- Grupo Coral “Operário Alentejano”Centro Cultural e Desportivo das Paivas- Grupo Coral e Musical Diversos do Alentejo de Pinhal dos Frades- Centro de Solidariedade Social de Pinhal dos Frades

Sesimbra - Grupo Coral “Voz do Alentejo” da Quinta do Conde

Setúbal- Grupo Coral os “Os Unidos do Alentejo”Cp. H. Ct. Ec. Bem-Vinda Liberdade, CRL - Faralhão- Grupo Coral do Clube de Futebol “Os Sadinos”

Sintra- Grupo Coral Alentejano “Os Populares do Cacém”- Grupo Coral da AFAPS “As Andorinhas”

Vila Franca de Xira- Grupo Coral “Unidos do Baixo Alentejo”

Congresso do Cante alentejano

Realizado em Beja em Novembro de 1997, este congresso organizado pela Casa do Alentejo, ocorreu numa altura terrível e penosa para o Povo alentejano. Mas realizou-se! Como prova disso e para que conste, foi feito um livro que se chama: Que modas? Que modos? - 1º. Congresso do Cante – Actas -, editado pela Faialentejo, em 2005. Foilançado na ilha do Pico e em Évora.

RESUMO DAS CONCLUSÕES:

Podemos sintetizar em seis pontos as grandes conclusões deste Congresso:1. O incentivo à investigação da génese, ainda desconhecida, em certa medida, do cante alentejano, havendo quem sustente a sua ori-gem gregoriana, eclesiástica ou cristã e quem advogue a sua origem arábica ou islâmica.2. O desenvolvimento de esforços no sentido da constituição de um organismo que seja de-positário da memória da idiossincrasia do cante alentejano - um arquivo audiovisual do

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Alentejo. Neste deverão figurar as gravações sonoras (comerciais ou de campo); os registos visuais dos grupos de cante entoando as melodias, narrando estórias da vida, etc.; os livros e diverso material iconográfico; os trajes; os objectos de artesanato, de trabalho, mineiro, rural, etc.; a colaboração com as Universidades ou outras escolas, onde leccionem especialistas do cante, poderá e deverá existir. Poderá este arquivo estar incluído num futuro Instituto Alentejano da Cultura / Desenvolvimento.3. A inserção da teoria e da prática do cante alentejano nos programas escolares, havendo quem sustente essa incorporação nas escolas de ensino público e quem defenda a criação de escolas de cante independentes do poder do Estado13. 4. A preservação da etnomusicologia alenteja-na como um todo (o cante, o despique, o baldão a viola campaniça), nesta matéria as opiniões dividem-se, os mais fixistas sustentam que os espectáculos de cante se devem realizar com o traje a rigor tradicional; outros evolucionistas advogam que o cante deve manter a sua genuinidade musical, mas as letras das canções e os trajes podem evoluir e ser adaptados a este final do século XX e a inclusão no cante da voz feminina14. 5. A vinculação das autarquias em todos os concelhos alentejanos, na defesa e propaga-ção do cante. As câmaras municipais deverão dar apoio logístico (transporte, sedes para grupos corais, imprensa, etc.) e financeiro aos grupos e escolas de cante, sem que estas caiam no domínio da política partidária. 6. A formação de uma federação de folclore alentejana - a Federação de Grupos Corais Alentejanos que poderá ser a força motriz da formação do arquivo audiovisual do cante alentejano e dos próximos Congressos do cante alentejano15.

Beja, 9 de Novembro de 1997

Senhor alentejo

“Ao Vitor PaqueteDa verticalidade do “sonho” ao horizonte das realidades, Vitor Paquete sempre acreditou nas Razões do seu Povo, na sua História e na sua Cultura.Por elas lutou uma vida inteira, sofrido, esperançado.(...)Hoje, memória constante das Coisas, lembro--me de vivências, de acontecimentos, de estórias felizes, cativantes, dramáticas ou irónicas, em que a personalidade do Paquete contagiava pela erudição, pelo empenho exaustivo, da sua grande alma Alentejana.Hoje, compadre dos quatro costados, (...)”

palavras de António Galvão, Pintor de arte

13 - Está a ser posta em prática nos concelho de Almodôvar, Castro Verde e Vidigueira.14 - A prática assumida nos concelhos de Almodôvar, Odemira e Castro Verde leva-nos a crer que o futuro da viola campaniça e do cante ao baldão está assegurado. O cante no feminino tem ganho posições em todo o Alentejo com a criação de muitos grupos só com vozes femininas.15 - A Associação A Moda é o resultado desta conclusão.

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lembrando Vitor Paquete

Hoje, que nos chegam recados de alma alentejanaHoje, que nos viram do avesso as modasHoje, que se levou ao cante a fórmula da sobrevivênciaSerá oportuno malhar na eira dos justosE crer que é possível amedrontar o silêncioDos que se instituem no poder inocenteE procurar no Povo do Teu AlentejoA justiça de te fazer valer

(...) de um camponês do Baixo-Alentejo (...):

«Ajudem-me que eu não possoCantar a moda sozinhoA moda está muito alta

E o meu cantar é baixinho.»

in: Jornal de Notícias, Suplemento Literário, pág. 5, de 4 de Agosto de 1957.

Tratado do Cante

(Uma pequena entrevista, como introdução justificativa, para este imenso e meritório trabalho a que JFP decidiu abalançar-se... e já leva mais de uma dezena de anos...)

“Gostava de lhe fazer umas perguntas:- Qual a sua profissão?- Porque se dedica ao estudo do cante?- Quanto ao Congresso do Cante, como se pro-cessou a sua organização e de que modo foi o Sr. o comissário?(...)Cumprimentos,J Moniz”...Caro amigo,Sobretudo sou alentejano, amante da sua Pátria e dos seus valores. Nasci em Montoito filho de um pastor e de uma mondadeira, com boas vozes e paixão pelo cante que mo incutiram. A profissão pouco conta para isto.Motivos vários me fazem correr atrás do cante: a paixão, o eterno sabor, o mais que evidente Alentejo (terra forte e esmagadora). Tudo isto: porque não posso, nem quero, contornar as minhas raízes. Então o melhor é respeitá-lo, amá-lo e praticá-lo. Procurarei sempre fazê-lo da melhor maneira que sei.Daí até ao Congresso foi um passo. Feito o inventário dos Grupos existentes, que deu um livro: “Corais Alentejanos”, logo o convite para comissariar o Congresso. Atenção que a Organização foi da Casa do Alentejo de Lisboa.Estarei sempre ao dispor para as Boas causas e o Cante é uma Boa causa.

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E foi aqui que ficou marcado o traço de união para este trabalho que esperamos ter pronto no final deste ano de 2010. Assim os poderes instituídos e sobretudo os elementos dos Grupos se motivem para que o resultado se torne num bom Tratado sobre o cante alentejano.Não tem sido fácil o relacionamento com as instituições. Da parte da Direcção Regional da Cultura do Alentejo acabamos de receber uma informação: “de momento não podemos apoiar este trabalho”. Das autarquias tem aparecido algum interesse, mas muito come-dido. Em contrapartida temos recebido todo o apoio e disponibilidade dos elementos dos Grupos Corais.Para este trabalho preparámo-nos para recolher os elementos necessários que respondam e dêem significado a:– O Ser Alentejano– A Motivação Alentejana – A Vestimenta– As terras do Cante– O Cante– As Cantigas– As Modas– Os Ranchos/Grupos – Os Mestres – Os Cantadores – Os Pontos/Solistas– Os Altos (Falsete)– O Coral- Os Registos Fonográficos – A História do Cante– O Cante na actualidade– O Futuro do Cante- A Bibliografia Para nós, o Ser, com nomes e tudo o que dê resposta à criatividade, faz toda a diferença. E é da diferença que nos valemos: diferença de Ser Povo e não mais que isso.

ALENTEJO, ALENTEJO

Ponto: Eu sou devedor à terra A terra me está devendo A terra paga-me em vida Eu pago à terra (em) morrendo

Alto: Eu pago à terra (em) morrendo

Coro: Eu sou devedor à terra Eu sou devedor à terra A terra me está devendo

Alto: Alentejo, AlentejoCoro: Terra sagrada do pão Eu hei-de ir ao Alentejo ‘inda que seja no verão

Alto: Ver searas a loirarCoro: Nessa imensa solidão Alentejo, Alentejo Terra sagrada do pão

O Cante

Situação geográficaÉ indiscutível que no Baixo Alentejo, na área geográfica que vai da Serra de Portel a Norte até ao início do Algarve a Sul, e da fronteira da Espanha a Leste até ao mar a Oeste, há uma forma de cantar em polifonia específica a que se chama cante.

Das origensDe onde vem este mavioso canto que nos toca no mais íntimo do ser? Que ondas magnéticas e que sentir misterioso eprofundo fizeram chegar até nós e perdurar esta forma de cantar?Nunca se saberá ao certo a origem do cante. Paulo Lima fez uma síntese das tendências conhecidas: origem autóctone, baseada em cantos litúrgicos pré-romanos; berbere, do tempo em que os árabes estiveram no sul; do cantochão. E ainda do Norte do país, de Entre Douro e Minho, trazido no tempo da Reconquista; ou restos de cantos eslavos ou de ópera italiana do século XVIII. Interessante a hipótese, tal como se sabe do canto polifónico da Córsega, de ter sido trazido por franciscanos mendicantes que o utilizariam para difundir o cristianismo no Sul. Assim sen-do, o cante do Baixo Alentejo todo ele teria tido origem no canto religioso, o que não cho-ca mesmo nada, na medida em que há um considerável número de canções sobre a natureza, de acordo com o modelo franciscano, baseado no homem de Assis que

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tratava por irmãos tanto o sol como o lobo. E agora interrogo-me eu, toda a música não terá origem na religiosidade? Religiosidade, entenda-se, no seu sentido etimológico de ligação ou religação. Quando alguém canta não é para ser ouvido por outrem? A música não nos une e eleva a todos?

Das mutaçõesPerdendo-se a origem do cante, não restam dúvidas de que houve ao longo dos tempos factores que o forjaram, limando-o, introdu-zindo-lhe algumas alterações, de acordo com as mudanças da comunidade que o praticou e que o fizeram chegar aos nossos dias da forma como o ouvimos. Aponta-se como uma das hipóteses as influências de frades residentes em conventos do Alentejo como o da Serra de Ossa e o de Serpa. Deviam ser frades conhecedores de música e que poderão ter tido um papel importante na fixação do cante. Na verdade, surpreende a quantidade de cânticos religiosos ainda hoje vivos na tradição alentejana. Exemplo disso são os espectáculos de Cânticos ao Menino pela altura do Natal e pelos Reis. Outras influências são conhecidas como a origem da postura actual dos grupos de braços dados numa mesma cadência que data da década de trinta do século passado.As transformações socioculturais provocadas pelas alterações socio-económicas fruto da saída de soldados para os Açores durante a Segunda Guerra Mundial, para a guerra colonial na década de sessenta e das migrações para as zonas de Lisboa e Setúbal

(avalia-se em 30% os que para estas zonas saíram entre 1950 e 1970) e mesmo para o estrangeiro, e ainda as modificações que o 25 de Abril de 1974 veio introduzir, também são marcos a ter em conta. Verifica-se atualmente uma tendência de aligeirar a moda nos grupos de cante que se formaram na zona industrial de Lisboa e Setúbal e as canções alentejanas que se can-tam por todo o lado são cantadas em ritmos mais rápidos. A poética, se bem que continue com os grandes temas tradicionais (a nature-za: árvores, flores, rios e ribeiras, por vezes como metáforas do amor, da solidão, do sofrimento... nomes de terras e pessoas...), adquiriu novos temas como hinos dos grupos e cantares às terras de adopção.

Da paixãoNão há dúvida nenhuma que a maioria das pessoas que cantam nos Grupos Corais alentejanos são verdadeiramente apaixonadas pelo Cante e isso é difícil explicar por palavras. O Cante é a sua cultura, está-lhes no sangue e, principalmente quem vivenciou o cante como forma natural fazendo parte do trabalho, hoje sente vontade de lhe dar continuidade e isso agora só ou quase só em espectáculo e gravação.O que terá levado já este ano a Liga dos Amigos da Mina de S. Domingos a gravar em quatro Cd’s cerca de 200 canções? Desejo de continuidade e paixão?!...E não serão as paixões a guiar o mundo?

Mer e Al-Zéi2010, Setembro

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Joaquim Carrapato

Évora - Arcadas da Cidade

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54O Templo de Diana

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14º aniversárioEm Abril, a Alma Alentejana comemorou o 14º Aniversário com um almoço, nas instalações do Centro de Dia do Laranjeiro, que juntou mais de uma centena de Sócios, Órgãos Sociais, Colaboradores e Convidados, além de antigos Dirigentes e Entidades Oficiais, representantes das Câmaras de Almada e Seixal, Governador Civil de Setúbal, Casa do Alentejo, não esquecendo muitas Instituições congéneres. O almoço – carne do alguidar – confeccionado pelo Chefe Amadeu Poupinha e servido pelo Luis Bastos e Luis Valentim permitiu que todos, Direcção e colaboradores, se juntassem à mesa e partilhassem a efeméride.Após intervenções de alguns convidados o Presidente da Direcção manifestou “o agrade-cimento e alegria deste convívio, dando relevo à presença solidária de todos”.O convívio terminou com a intervenção musical das nossas Cantadeiras e dos sócios e amigos José Carita e Francisco Naia.

nOTíciAS dA ALMA

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As Cantadeiras e a Companhia de Dança de almada

As Cantadeiras da Alma Alentejana participa-ram, a convite da Companhia de Dança de Almada, no espectáculo “Olhares” realizado, em Maio, no Fórum Romeu Correia. Foi um bonito e sugestivo espectáculo de dança, onde a intervenção das Cantadeiras foi muito apreciada pelo público.

Deputada Paula Santosvisitou o CD do laranjeiro

No passado mês de Maio recebemos, no CDL, a visita de uma delegação do PCP, chefiada pela Deputada Paula Santos. Recebida pelo Presidente da Direcção da A.A., a Deputada inteirou-se das dificuldades com que nos de-batemos para manter o serviço de apoio aos nossos idosos, manifestou-nos a sua solidarie-dade e assumiu o compromisso de, nas suas tarefas e do grupo parlamentar do PCP, traba-lhar para que os apoios governamentais às IPSS sejam justos e efectivos.

CnIS, uDIPSS e Assembleia da República

A Direcção da AA, durante o primeiro semes-tre deste ano, participou em diversas reuniões na CNIS e na UDIPSS onde foram debatidos os muitos problemas que afectam a nossa Insti-tuição e põem em causa a viabilidade da prestação do Serviço de apoio aos idosos. Sensibilizar o Governo para necessidade de uma maior atenção e responsabilização perante a actividade desenvolvida pelas IPSS, com uma respectiva comparticipação de meios para que o nosso trabalho seja cada vez maior e de melhor qualidade, foi o tema cen-tral destas reuniões.Convidados pelo Grupo Parlamentar do PCP estivemos reunidos, com mais umas dezenas

de Associações, na Assembleia da República. Foram pelas IPSS expostos os seus problemas e sugeridas soluções. Num debate vivo, deixa-mos registado a nossa vontade de continuar este nosso trabalho – voluntário – em prol duma sociedade mais justa e digna.

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lançamento do CD“o alentejo não tem fim”

Foi um dia muito bonito! 5 de Junho de 2010 vai ficar na memória de todos os sócios e amigos da Alma Alentejana, mas sobretudo de todos os alentejanos, pois nesse dia a Di-recção da Alma Alentejana concretizou um sonho – o lançamento público do 2º CD das Cantadeiras da Alma.“O Alentejo não tem fim” é o corolário de um trabalho imenso em prol da cultura alentejana, honra quem o idealizou e permite a quem o ouve desfrutar do prazer de sentir o nosso “cante”, interpretado por gente que deixou o Alentejo sem nunca o esquecer. É também a concretização de uma das missões da nossa Associação – “preservar e divulgar a cultura alentejana e as suas gentes”.Tendo como cenário a bonita Baía do Seixal e no espaço privilegiado do Restaurante O Cacilheiro do Tejo, o Grupo Coral Etnográfico Os Amigos do Alentejo, do Feijó, fez a recepção, como padrinho, às “Cantadeiras”, cantando à entrada do Barco uma moda alusi-va ao momento. A entrega de flores e os abraços e aplausos deram um tom de emoção enorme ao acontecimento.No interior, após o “Amigos do Alentejo” te-rem cantado mais duas modas, o Presidente da Direcção da Alma Alentejana, António Oliveira, agradeceu a presença de todos, sublinhando a “importância do evento, o

esforço de todos os que cola-boraram para que f o s s e possível a edição do CD, em espe-cial o en-s a i a d o r Luís Moisão, os poetas e compositores Euclides Cavaco, Rosa Dias, José Borralho, Manuel Martins, a autora da capa Fátima Borges, a cantora Luísa Basto e todas as cantadeiras, além dos patrocinadores Marcolino Sebo, Cacilheiro do Tejo, Câmaras Municipais de Almada e Seixal, Convento dos Capuchos – espaço lindíssimo onde foi feita a gravação - António Bizarro, técnico de som, inexcedível no trabalho cuidadoso e perfeito, que permitiu um produto final de grande qua-lidade. Agradecemos também a todas as Câmaras do Alentejo e Juntas de Freguesia da Margem Sul, que adquiriram Cd´s, ainda antes dos mesmos estarem prontos. Certos de que, como Direcção, fizemos tudo para que “O Alentejo não tem fim” fosse uma rea-lidade, resta-nos desejar as maiores felicida-

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des a todos no futuro e que o trabalho até agora desenvolvido pelas “Cantadeiras” seja ainda melhor, suportado no registo sonoro que hoje damos à estampa. Uma palavra final para os nossos outros Grupos: Os Cavaqui-nhos, as Sevilhanas e o Grupo de Violas Campaniças, este a fazer a sua estreia durante a XII Feira do Alentejo, registando que muitos dos seus elementos estão aqui connosco, para eles a nossa promessa de todo o apoio na no-bre tarefa da divulgação da cultura alentejana que vêm fazendo. Estamos em fase de reestruturação e enquadramento estatutário dos Grupos mas não deixaremos nunca de estar atentos à sua evolução e acompanha-mento. Com um sincero e emocionado obrigado a todos.”

A Direcção fez a entrega do CD nº1 ao Ensaiador Sr. Luís Moisão e também de uma travessa, em barro de S. Pedro do Corval, ilustrada com a imagem da capa do CD. Se-guiu-se a entrega de CD’s e lembranças come-morativas.As “Cantadeiras” actuaram de seguida, can-tando vários temas do novo CD. Terminaram em actuação conjunta com o Grupo do Feijó. Após todo o “Convés” aplaudir de pé e can-tando, juntos partimos para a viagem final – um “cocktail alentejano” onde não faltaram os pezinhos de coentrada, o queijo alentejano, a orelha de porto, as moelas, os enchidos, o pão alentejano e as azeitonas, tudo regado com um bom vinho de Borba, da Adega Marcolino Sebo.

o cd das Cantadeiras da alma alentejana “o alentejo não tem fim”, pode ser requisitado através do n.º 212 540 053 , ou por via postal através do impresso:

Solicito o envio de ___ CD para o qual junto cheque de ______ € S/ Banco_________

N o m e _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

M o r a d a _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _

Código Postal ______-________ Localidade____________________

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XII Feira do alentejoMais uma vez a “ nossa” Feira foi um êxito. Este ano, a Feira contou com apenas quatro dias, com um programa centrado na Gastronomia Alentejana. A parceria realizada com o Restaurante “O Cantinho Alentejano” proporcionou aos visitantes e participantes um serviço de refeições, tipicamente alenteja-nas, onde não faltaram as açordas, o ensopa-do de borrego, a sopa de cação, as migas, a sericaia, entre outras delícias, servidos num espaço decorado com motivos do Alentejo. A festa abriu com um tributo ao poeta Ary dos Santos, cantado pelo jovem Mário Barradas, acompanhada pela vozes belas de Olga Vila-nova e Cláudia Flores, a que se seguiu a actu-ação dos Grupos Corais “As Trigueiras do Alen-tejo”, de Safara e o Grupo Coral Alentejano e Operário das Paivas. A Grande Noite de Fa-dos, apresentada pela Poetisa Rosa Dias, onde o fado e a poesia se misturaram, constituiu um momento marcante da Feira. Foi uma grande noite, com muitos aplausos de uma sala cheia de gente. Para que fique registado, os Guitarristas foram o João Costa e o Jorge Costa. Os fadistas Ruca Fernandes, Mélita, João Tiago e Géninha Tiago, Anaísa Soares, Mariana Beatriz, Débora Oliveira, Maria Amá-lia e Rafael Bailão, fizeram da noite de fados

um êxito.No terceiro dia (sábado) a Feira abriu às 10 horas e cerca das 15 horas começou o desfile dos grupos. Numa extraordinária demonstra-ção do que é o Cante, passaram pelo palco o Grupo Coral Etnográfico Cubense Amigos do Cante, de Cuba, o Grupo Coral Alentejano Os Amigos do Independente, de Setúbal e ainda o Grupo Coral Etnográfico Amigos do Alente-jo, do Feijó. Seguiu-se um Colóquio onde foi apresentado o Livro “Uma infância amarga e doce no Alentejo” de José Russo, autor alen-tejano de Borba radicado desde os 15 anos na Margem Sul. A noite veio de Évora. O Grupo Coral da Malagueira e o Grupo Coral Instru-

Mário Barradas

Grupo Coral As Trigueiras do Alentejo

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mental “Os Amigos da Malagueira” fizeram vibrar toda a assistência, com uma actuação de grande qualidade e rigor artístico, criando entre músicos, cantores e público momentos de grande emoção.Domingo foi o dia da “Alma”. Os Grupos da casa transformaram a tarde de calor numa tarde de grande convívio e confraternização, com actuações espectaculares. A estreia do Grupo de Violas Campaniças, sob a direcção do Prof. Ricardo Fonseca, mostrou que a existência da Escola de Violas Campaniças da Alma Alentejana é uma mais valia no que respeita à divulgação da música alentejana dos instrumentos cordofónicos. Os “Cavaquinhos da Alma” deram continuida-de ao espectáculo com brilho e mostraram a grande evolução do Grupo que honra, quer os tocadores quer a nossa Associação. As “Cantadeiras” estiveram ao seu nível can-tando e encantando quem assistiu. Foi o cul-minar de todo um trabalho exaustivo patente no CD “O Alentejo não tem fim”, lançado a 5 de Junho (ver reportagem na página 70). Fina-lizámos com a actuação, plena de alegria, do Grupo das “Sevilhanas da Alma Alentejana”, onde o nosso amigo Toni tem feito um trabalho digno e merecedor do nosso carinho. Durante todo o certame esteve patente uma exposição fotográfica de Joaquim Carrapato

sob o tema “Évora com Neve” que mereceu dos visitantes os melhores comentários.Assim foi a nossa “Feira”. Um obrigado a todos que ajudaram neste nosso evento.

Grupo Coral Etnográfico Os Amigos do Alentejo

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62Grupo Coral da Malagueira

Grupo Coral Instrumental Os Amigos da Malagueira

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Grande Noite de Poesia e Fados

Vista geral da feira

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Grupo Coral Etnográfico Cubenses Amigos do Cante

Grupo Coral Alentejano Os Amigos do Independente

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Grupo Coral Alentejano e Operário das Paivas

As Cantadeiras da Alma Alentejana

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Grupo de Cavaquinhos da Alma Alentejana

Grupo de Violas Campaniças

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As Sevilhanas da Alma Alentejana

Lançamento do livro de José Russo

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Restaurante “O Cantinho Alentejano”

pormenor da assistência na 12.ª edição da feira

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cULTURA

No início de 2010 foi publicado mais um livro do Dr. Luís Maçarico. Desta vez o tema não é a poesia, mas sim uma séria e profunda reflexão sobre o associativismo. Podíamos dizer que é uma reflexão histórica, no sentido de que nos fala de estórias e de pessoas, da história de colectividades e das suas activida-des sócio-desportivas e culturais, da sua importância na formação de jovens e menos jovens na área dos valores e da cidadania, da solidariedade, da amizade, etc., mas o livro é muito mais do que isso. É um apelo à vida, ao futuro. É um alerta às consciên-cias “adormecidas” nesta socie-dade global, individualista, não solidária, isenta de valores essenciais da vida. Nesta socie-dade surda-muda, em que até o “bom dia” ou “boa-noite”, sairam dos nossos hábitos. Onde “o estar com os amigos” foi substituído por um sms ou um e-mail, linguagem impessoal e fria destes tempos em que sobrevivemos. Os exemplos relatados no livro são pedaços de vida, espaços de emoção e alimento da alma. Vivamente convidamos os nossos leitores a ler este livro e, alguns de vós, a reverem-se nesta obra. O prefácio do livro é escrito pelo Dr. Augusto Flor, Presidente da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto, que diz. “O conjunto de textos que o Luís nos oferece neste seu trabalho, realça a importância do associativismo como meio de coesão social, como forma de combate à descriminação, como instrumento de preven-ção contra a depressão individual e colectiva e ainda, como a forma mais desenvolvida de viver em sociedade politicamente organizada, ou seja, em democracia participada”.Na página 31, num capítulo dedicado “Aos

“associativismo, Património e Cidadania”um livro de luis Maçarico

José Moutela

novos desafios do associativismo face à glo-balização”, L. Maçarico escreve: “Os valores do mundo actual contaminam, sobretudo, os mais novos, de quem naturalmente se espera que tomem as rédeas do futuro. Quando o egoísmo reinante sugere a desresponsabilização e o utilitarismo, próprios de uma visão consu-mista do quotidiano e ter um corpo moldado pelo Yogurt X pressupõe ideias de libertação e realização pessoal, é preciso investir na formação que o poder local tem obrigação de não descurar. Mas os dirigentes associativos

não podem descansar os pergaminhos e as tarefas de ro-tina. Um associativismo sem ideias e com participação reduzida, está condenado à extinção, por ausência de dinamismo e de um projecto que envolva a comunidade. (….) Quantas vezes, ouvimos aqui no Alentejo e pelo país, a lamentosa voz dos dirigentes, referindo a preferência dos jovens pela discoteca, em vez das colectividades? A esses, pergunto quantos jovens convidaram para a direcção do clube, que responsabilidades

lhes transmitiram, que acompanhamento lhes deram, quantas vezes trouxeram à colec-tividade netos e filhos, se de facto os habituaram ao espaço e à convivência inter-geracional e se os deixaram desenvolver algum projecto, em suma o que é que lhes proporcionaram, em termos de efectiva com-participação na vida associativa, para lá do desempenho desportivo? É que por detrás daquela desculpa muitas vezes esconde-se o temor de inovar e o receio de perder o controle a uma situação, da qual, não raras vezes, pelos anos de sacrifício e militância associativa, os velhos dirigentes se consideram donos.”

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Encontrámos o nosso sócio e amigo Francisco Naia após mais um Concerto seu, baseado no último Cd (2009) cujo título “De Sol ao Sul” dá também o mote ao espectáculo. Dono de uma voz inconfundível, e porque não dizer bonita, sentida, o “Xico” está como o vinho do Porto “quanto mais velho melhor”. Nesta fase da sua vida artística, o Xico Naia atinge um elevado nível, quer nos textos quer na música, até mesmo no alinhamento do que nos transmite durante os seus concertos.Entre dois dedos de conversa, perguntámos:- Xico naia, quando é que temos um novo trabalho teu?- Talvez lá para o fim do ano. Vai chamar-se “Francisco Naia e a Ronda Campaniça”. É um projecto todo virado para o Alentejo, sua cultura musical, temática e sonoridades. Neste momento, e após todo um tempo de levantamento, pesquisa e construção de ideias, preparam-se os temas, as letras e abordaram-se as estruturas musicais; fizeram-se arranjos, definiu-se o instrumental a utilizar e, finalmente, passou-se à fase de ensaios.- E concertos? - Estamos a iniciar a fase dos concertos, já com alguns convites, antecipando a saída do CD. Vai ser um concerto Vivo, Alegre e Conta-giante. Vamos pôr o público a cantar e a interagir. Estamos confiantes!- Xico, o que é a “Ronda Campaniça”?A “Ronda Campaniça” é um grupo musical e de canto, com a utilização das vozes dos elementos que o constituem, em simultâneo com a sua função de músicos, aproveitando a circunstância de todos eles serem alentejanos e sentirem o Cante a correr-lhes nas veias.- Já agora diz-nos quem são esses teus com-panheiros.- São o Edmundo Silva (Sheiks), o José Carita (Zimbro), o Nuno Faria (Afonsinhos do Condado) e o Marco Rodrigues (Arentius). Vamos utilizar um instrumental tão diverso que vai das guitarras acústicas, baixo acústico, contrabaixo, cavaquinho, bandolim, viola

Francisco Naia e “a Ronda Campaniça”

campaniça, acordeão e clarinete até à percussão dita “Sul Mediterrânica”.

A terminar o Francisco Naia deixou uma palavra para a nossa Alma Alentejana, no sen-tido de desejar-lhe a maior das forças para que a sua direcção e staff, levem bem longe a sua obra cívica e cultural, projectando-a num futuro, que proclamo de vitorioso. Obrigado!

Contactos www.myspace.com/francisconaia

“Retalhos da Manta” Poemas de Joaquim Guiomar

Do poeta popular Joaquim Catita Guiomar, a Alma Alentejana recebeu alguns exemplares so seu último livro “ Retalhos da Manta” o qual pode ser consultado na biblioteca do Centro de Dia do Laranjeiro e aqui deixamos um pequeno exerto:

Poemas da minha lavraRetalhos da minha vidaDoces da minha palavraAmargos d’Alma sentida

Consoante a circunstânciaA caneta dá a volta!

Uns serão de tolerância...Outros de grande revolta.

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“uma infância amarga e doceno alentejo” de José Russo

Na XII Feira do Alentejo, com a presença do autor, José António Russo da Silva, foi feita a apresentação do livro “Uma infância amarga e doce no Alentejo. Do prefácio, da autoria do professor e escritor Álvaro Ferreira Gomes, citamos “Este livro corre como um riacho de águas lentas e cristalinas, saltitando de pedra em pedra, limadas pelo tempo. Impressões fugidias, com raízes do vivido, desse Alentejo dos anos quarenta e cinquenta, que permitem construir verdadeiras personagens que ecoarão na nos-sa memória: Cachapim, Soldado, D. Vitória, José e João, Padre Vinagre… entre outras. Cada um destes seres, plantado no chão ime-morial, arrancado do húmus, ficará a inundar de luz os nossos sentidos despertos, avivará o nosso coração como uma chama que não se apagará.”

Cante alentejano um registo importante

Apresentamos aqui e prestamos a nossa ho-menagem a este notável trabalho de recolha e divulgação de cerca de duas centenas de MODAS que serão o núcleo do CANTE. É uma edição da Liga dos Amigos de S. Domingos e enriquecida com uma capa de Eduardo Gageiro.«Durante mais de três décadas, muita memó-ria da comunidade alentejana, relativa ao cancioneiro alentejano. “O maior do nosso país”, foi preservada e até desenvolvida na zona de Sacavém, pela actividade da Liga dos Amigos da Mina de S. Domingos (LAMSD) e do seu Grupo Coral.» (introdução).A colectânea encontra-se à venda na sede da Liga, em Sacavém.

Do livro, 97 páginas que se lêem de um fôlego, enriquecidas com fotografias de Eduardo Gageiro, respigámos: “Zé Cágado e seus companheiros pararam para descansar debaixo de um grande sobreiro. O chão estava fresco devido à sombra da árvore de grande porte, ali se sentaram, comeram algumas bolotas e pão duro, cada um falava de suas queixas em relação ao abuso e sofrimento que alguns lavradores já lhes tinham causado…”. (...)

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A RePÚBLicA e A LUTA dAS MULHeReS

No ano do Centenário da Implantação da Republica vários artistas foram convidados a participar nas suas comemorações. Nesse âmbito, criei o solo 23 + 1 integrado no programa Solos com Convicção, que se debruçou sobre o papel das mulheres na luta pela Implantação da Republica. Tive então contacto com o trabalho desenvolvido por estas mulheres, nomeadamente por Maria Veleda, que serviu como mote para o referido solo.Maria Veleda nasceu na cidade de Faro a 26 de Fevereiro de 1871. O seu pai ocupava uma posição de relevo na sociedade farense tendo desempenhado as funções de vereador, procurador-fiscal e vice-presidente da Câmara Municipal, para além de ser o responsável cultural pela Sociedade Teatral de Faro. Vele-da teve uma infância despreocupada e feliz até à morte do pai, que coloca a família numa situação económica difícil e faz com que comece a trabalhar dando explicações particulares aos 15 anos.Sonhando ser escritora, desde cedo dedicou muito do seu tempo à leitura de livros e de jornais, começou a escrever poesia, contos, novelas e peças de teatro de cariz revolucio-nário, educativo e feminista, mais tarde ence-nadas e representadas. Em 1890 estreia-se no jornal O Distrito de Faro, colaborando posteriormente nos periódicos Pequenos em Tudo, O Algarve, Almanaque de S. Braz de Alportel, O Futuro, Almanaque das Senhoras, O Repórter, O Cruzeiro do Sul, A Tarde, entre outros.Aos 19 anos adopta um bebé órfão com 14 meses e em 1899 nasce o seu filho biológico fruto da sua relação com o poeta Cândido Guerreiro. Fixa residência em Ferreira do Alentejo como professora régia na escola mista de Odivelas e dois anos depois torna-se

professora no Colégio Moderno de Serpa, onde cria cursos nocturnos gratuitos para mulheres e raparigas.No Alentejo escreve nos jornais

A Folha de Beja, O Lidador, e na revista A Tradição. Em 1902 publica Biblioteca Infantil – Contos Cor-de-Rosa e o fascículo Emancipação Feminina. Em 1905 fixa residência em Lisboa e ingressa como professora-regente no Centro Escolar Republicano Afonso Costa, depois de um período difícil visto encontrar-se muito doente e ter a seu cargo dois filhos e a sua mãe.Em 1906 inicia a sua colaboração no jornal A Vanguarda no qual escreve sobre política, feminismo e educação e pela mão de Boto Machado torna-se oradora e propagandista dos ideais republicanos. Nos seus discursos, artigos e conferências Veleda exortava as mulheres a terem uma participação política activa, a emanciparem-se através da educação, a tornarem-se independentes através do exercício de uma profissão, professava os ideais republicanos e combatia o obscurantismo religioso. Depressa se tornou alvo das alas conservadoras e reaccionárias chegando a receber ameaças de morte.Em 1908/09, após o regicídio, publica o artigo A Propósito onde afirma “Morreu um rei? Antes ele que um Homem” que suscitou manifestações de apreço e de ódio. Entre elas Veleda recebe uma carta de uma senhora monárquica à qual responde publicamente com o artigo Carta a uma dama franquista, pelo qual é julgada e condenada a pagar uma pesada multa por abuso de liberdade de imprensa.É também nesta altura que funda e dirige os Cursos Femininos no Centro Escolar Afonso

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Costa, Os cursos Nocturnos no Centro Escolar António José de Almeida e os Cursos Dominicais do Centro Boto Machado; apresenta a tese Feminismo no I Congresso Nacional do Livre Pensamento, no qual integra a Comissão Organizadora; dirige a Tribuna Feminina no jornal A Republica; publica ainda o livro A Conquista – Discursos e Conferências e solta um “Viva a Republica!” em pleno parlamento monárquico. Com a Implantação da Republica a 5 de Outubro de 1910, dia que Veleda vive atenta e apaixonadamente, a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas entrega uma petição ao governo reclamando a revisão do Código Civil e o sufrágio feminino restrito. Veleda demarca-se então de outras feministas mais conservadoras ao defender o voto para todas as mulheres e não apenas para uma elite e ao afirmar que o voto só por si não contribuía para a alteração da situação económica da maioria das mulheres, condição fundamental à sua emancipação.Critica ainda ferozmente nesta altura todos aqueles que, a pretexto de servirem a Republica, procuravam apenas servir os seus interesses pessoais acusando-os de praticarem um crime de lesa-socialismo e lesa-humanidade.Em 1911 torna-se presidente da Liga

Republicana das Mulheres Portuguesas e funda o Grupo das Treze que visa combater o fanatismo religioso. Participa ainda no Congresso do Partido Republicano.Em 1912 a Liga entrega nova petição ao Parlamento reclamando o sufrágio feminino que não teve reflexos uma vez que o voto continuou a ser concedido apenas aos cidadãos do sexo masculino.Por volta de 1915, desiludida, demite-se da direcção Liga, filia-se no Partido Democrático e funda a Associação Feminina de Propaganda Democrática. Afirma na altura que “ a mulher moderna não pode ser só defensora do seu sexo, mas deve contribuir para a libertação geral”.Após os acontecimentos daquela que ficou conhecida como a Noite Sangrenta, que ocorreu em 1921, na qual foram assassinados diversos políticos republicanos, Maria Veleda horrorizada com este morticínio, abandona o activismo político. Continuará contudo a escrever para o jornal republicano de Luanda A Pátria, comentando a vida política do País, até ao golpe militar de 1928 e consequente instauração da Ditadura. Maria Veleda faleceu a 8 de Abril de 1955, sendo sepultada civilmente no Cemitério do Alto de S. João, em Lisboa.

foto de António Coelho

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O que mais me fascinou no trabalho e na vida de Maria Veleda foi a sua visão abrangente da sociedade e da luta. Tendo em conta que a Revolução de Outubro ocorreu em 1917 e que o Partido Comunista Português foi criado em 1921, impressionou-me que esta mulher, considerada demasiado vermelha por alguns sectores republicanos, deslocasse o discurso feminista da questão de género e o situasse no contexto de uma luta mais abrangente nos domínios económico, social, político e cultural. A sua preocupação com a educação e instrução das crianças e com a necessidade de combater o analfabetismo feminino, a consciência de que a emancipação feminina passa pela sua independência económica e pelo seu activismo político, o apelo para que homens e mulheres lutem lado a lado pelos mesmos ideais, a defesa do sufrágio para todas as classes e não apenas para uma elite, a denuncia frontal e feroz dos traidores dos ideais republicanos e dos oportunistas, a apologia de separar o Estado da Igreja e a Igreja das mulheres, dão-nos a real dimensão de Maria Veleda, que afirma “o lugar da feminista não é nas fileiras burguesas nem nas alas reaccionárias: é nos partidos operários, em volta da bandeira vermelha”.

Maria Veleda pode ter-se desiludido aos 50 anos mas deixou um legado de luta para todas as mulheres. Para as que combateram a Ditadura Fascista ou para aquelas que cresceram após a revolução de 1974 e que actualmente assistem à tentativa de aniquilamento das conquistas de Abril. Hoje o inimigo não tem, aparentemente, um rosto tão reconhecível como no tempo da I Republica ou da Ditadura Fascista. Apresen-ta-se disfarçado de democrata, de socialista, de sindicalista até mas existe onde o retrocesso civilizacional se torna uma evidência. No ataque ao Estado Social, na Revisão Constitucional, no ataque à Escola Pública e ao Serviço Nacional de Saúde, no ataque aos direitos dos trabalhadores, nas novas formas de ingerência na liberdade de expressão dos cidadãos, na financeirização da economia, na impunidade, nos lucros ignóbeis dos grandes grupos económicos, na economização da Cultura, etc.A nós compete-nos dar continuidade à luta sempre, quando e onde o retrocesso civiliza-cional se apresente por mais atraente que seja o rosto do mensageiro.

foto retirada do livro “Maria Veleda - Uma professora feminista, republicana e livre-pensadora” Edição Câmara Municipal de Lisboa - Junho de 2005

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