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Revista Justiça & Cidadania

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Edição 85 - Agosto 2007

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2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 3

EDIÇÃO 85 • AGOSTO DE 2007

05 20A ARMA AINDA É O VOTO CONSCIENTE

CONSELHO EDITORIAL

ORPHEU SANTOS SALLESEDITOR

TIAGO SANTOS SALLESDIRETOR EXECUTIVO

DAVID RIBEIRO SANTOS SALLESSECRETÁRIO DE REDAÇÃO

DÉBORA MARIA M. A. R. DIASREVISÃO

DIOGO TOMAZ E MAURÍCIO FREDERICODIAGRAMAÇÃO

VINÍCIUS GONÇALVESEXPEDIÇÃO E ASSINATURA

CLEONICE DE MELOASSISTENTE DE EXPEDIÇÃO

EDITORA JUSTIÇA & CIDADANIAAV. NILO PEÇANHA, 50/GR.501, ED. DE PAOLICEP: 20020-906. RIO DE JANEIROTEL/FAX (21) 2240-0429CNPJ: 03.338.235/0001-86

SUCURSAIS

SÃO PAULORAPHAEL SANTOS SALLES AV. PAULISTA, 1765/13°ANDARCEP: 01311-200. SÃO PAULOTEL.(11) 3266-6611

PORTO ALEGREDARCI NORTE REBELO RUA RIACHUELO N°1038, SL.1102ED. PLAZA FREITAS DE CASTRO. CENTRO. CEP: 90010-272TEL.(51) 3211 5344

SALVADORFREDERICO DINIZ GONÇALVESRUA BARÃO DE ITAPUÃ, 60 CONJ. 301CENTRO EMPRESARIAL PORTO CENTERCEP: 40140-060TEL.(71) 3264 3754

BRASÍLIAARNALDO GOMESSCN - Q.1 - BLOCO E Ed. CENTRAL PARKFONES: (61) 3327-1228 / 29

CORRESPONDENTEARMANDO CARDOSOTEL (61) 9674-7569

[email protected]

CTP, IMPRESSÃO E ACABAMENTOZIT GRÁFICA E EDITORA LTDA

ISSN 1807-779X

SUMÁRIO

ALVARO MAIRINK DA COSTA

ANDRÉ FONTES

ANTONIO CARLOS MARTINS SOARES

ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE

ARNALDO ESTEVES LIMA

AURÉLIO WANDER BASTOS

BERNARDO CABRAL

CARLOS ANTÔNIO NAVEGA

CARLOS AYRES BRITTO

CARLOS MÁRIO VELLOSO

CELSO MUNIZ GUEDES PINTO

CESAR ASFOR ROCHA

DALMO DE ABREU DALLARI

DENISE FROSSARD

EDSON CARVALHO VIDIGAL

ELLIS HERMYDIO FIGUEIRA

FERNANDO NEVES

FRANCISCO VIANA

FRANCISCO PEÇANHA MARTINS

FREDERICO JOSÉ GUEIROS

GILMAR FERREIRA MENDES

HUMBERTO GOMES DE BARROS

IVES GANDRA MARTINS

JERSON KELMAN

JOSÉ AUGUSTO DELGADO

JOSÉ CARLOS MURTA RIBEIRO

JOSÉ EDUARDO CARREIRA ALVIM

LUIS FELIPE SALOMÃO

MANOEL CARPENA AMORIM

MARCO AURÉLIO MELLO

MASSAMI UYEDA

MAURICIO DINEPI

MAXIMINO GONÇALVES FONTES

NEY PRADO

PAULO FREITAS BARATA

SEBASTIÃO AMOÊDO

SERGIO CAVALIERI FILHO

SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA

THIAGO RIBAS FILHO

28

POLÍCIA FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO

GRATUIDADE NO TRANSPORTE COLETIVO

PROCURADOR DA NOVA CEDAE ACABA COM MÁFIA DAS AÇÕES

32

EDITORIAL

CONCEITO DE URGÊNCIA NO DIREITO CONSTITUCIONAL

UM APAIXONADO PELO DIREITO DO TRABALHO

APONTAMENTOS SOBRE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

SEGURANÇA PÚBLICA

JUSTIÇA FEDERAL MANTÉM A SUBSTITUIÇÃO DOS MEDIDORES DE ENERGIA

INSEGURANÇA PÚBLICA E O SISTEMA PENAL BRASILEIRO

“DANO MORAL” E A PESSOA JURÍDICA

O RIO E OS DESAFIOS DA MISÉRIA URBANA

CIDADÃOS ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA

24 DE AGOSTO DE 1954

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2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 3

EDIÇÃO 85 • AGOSTO DE 2007

05 20A ARMA AINDA É O VOTO CONSCIENTE

CONSELHO EDITORIAL

ORPHEU SANTOS SALLESEDITOR

TIAGO SANTOS SALLESDIRETOR EXECUTIVO

DAVID RIBEIRO SANTOS SALLESSECRETÁRIO DE REDAÇÃO

DÉBORA MARIA M. A. R. DIASREVISÃO

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SALVADORFREDERICO DINIZ GONÇALVESRUA BARÃO DE ITAPUÃ, 60 CONJ. 301CENTRO EMPRESARIAL PORTO CENTERCEP: 40140-060TEL.(71) 3264 3754

BRASÍLIAARNALDO GOMESSCN - Q.1 - BLOCO E Ed. CENTRAL PARKFONES: (61) 3327-1228 / 29

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SUMÁRIO

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AURÉLIO WANDER BASTOS

BERNARDO CABRAL

CARLOS ANTÔNIO NAVEGA

CARLOS AYRES BRITTO

CARLOS MÁRIO VELLOSO

CELSO MUNIZ GUEDES PINTO

CESAR ASFOR ROCHA

DALMO DE ABREU DALLARI

DENISE FROSSARD

EDSON CARVALHO VIDIGAL

ELLIS HERMYDIO FIGUEIRA

FERNANDO NEVES

FRANCISCO VIANA

FRANCISCO PEÇANHA MARTINS

FREDERICO JOSÉ GUEIROS

GILMAR FERREIRA MENDES

HUMBERTO GOMES DE BARROS

IVES GANDRA MARTINS

JERSON KELMAN

JOSÉ AUGUSTO DELGADO

JOSÉ CARLOS MURTA RIBEIRO

JOSÉ EDUARDO CARREIRA ALVIM

LUIS FELIPE SALOMÃO

MANOEL CARPENA AMORIM

MARCO AURÉLIO MELLO

MASSAMI UYEDA

MAURICIO DINEPI

MAXIMINO GONÇALVES FONTES

NEY PRADO

PAULO FREITAS BARATA

SEBASTIÃO AMOÊDO

SERGIO CAVALIERI FILHO

SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA

THIAGO RIBAS FILHO

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POLÍCIA FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO

GRATUIDADE NO TRANSPORTE COLETIVO

PROCURADOR DA NOVA CEDAE ACABA COM MÁFIA DAS AÇÕES

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EDITORIAL

CONCEITO DE URGÊNCIA NO DIREITO CONSTITUCIONAL

UM APAIXONADO PELO DIREITO DO TRABALHO

APONTAMENTOS SOBRE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

SEGURANÇA PÚBLICA

JUSTIÇA FEDERAL MANTÉM A SUBSTITUIÇÃO DOS MEDIDORES DE ENERGIA

INSEGURANÇA PÚBLICA E O SISTEMA PENAL BRASILEIRO

“DANO MORAL” E A PESSOA JURÍDICA

O RIO E OS DESAFIOS DA MISÉRIA URBANA

CIDADÃOS ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA

24 DE AGOSTO DE 1954

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EDIT

ORI

AL

Cármen Lúcia Antunes Rocha, mineira de Montes Claros, filha de Florival e Anésia, recebe a capa desta edição com o merecido título de “guardiã da Constituição”, não só por integrar o Supremo

Tribunal Federal mas também por sua vida inteira dedicada às letras jurídicas.

Estava ela a terminar seu Mestrado em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, nos idos de 1981, quando a conheci, pessoalmente, e, mais tarde, no ano de 1983, confirmar sua respeitabilidade nos auditórios forenses ao término de seu doutorado em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Dominando vários idiomas (francês, italiano, espanhol e alemão), publicou vários livros, mormente no campo do Direito Constitucional, o que lhe tem valido o reconhecimento de seus alunos e a admiração de seus Colegas.

Além da coordenação de vários livros, a Ministra Carmen Lúcia tem colaborado em obras coletivas, produzido Teses/Dissertações, ministrado aulas, debates, conferências e, ainda, artigos em publicações especializadas.

Os mais variados prêmios e as inúmeras condecorações com que é distinguida comprovam porque ela é chamada a integrar Comissões, Conselhos e figurar como membroefetivo e Presidente em muitas Bancas de Concurso.

Ela é desses seres humanos – bem poucos, é verdade – que alinham suas percepções para alcançar as decisões mais acertadas. E aí reside uma de suas características: enfrenta os problemas e a eles dá solução, sem medo ou receio de contrariar a quem quer que seja.

Sua merecida chegada ao Supremo Tribunal Federal deve ser creditada a seu comprovado notável saber jurídico e reputação ilibada, exigências constitucionais que, de há muito, eram por ela preenchidas. E também – merece colocado em relevo – alcançou esse mais alto galardão da magistratura brasileira porque seguiu, ao longo da vida, os ensinamentos de Stº. Agostinho: “Procura compartilhar o que tens para que mereças o que te falta.”

Briareu da magistratura, a Ministra Carmen Lúcia a tem

A GUARDIÃ

J. Bernardo Cabral

Membro do conselho editorial

em tão alta conta que ninguém será capaz de demovê-la de percorrer o caminho reto de seus propósitos, pois jamais se tornará prosélita da justiça de Cambises.

Tenho a certeza de que a Ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha – a filha de Florival e Anésia – continuará fazendo de seu mister de julgar aquela constante do Juiz ideal concebido por Balzac: “um soberano submetido somente a sua consciência e à lei”.

Bernardo Cabral

Foto: Arquivo Pessoal

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Ives Gandra da Silva MartinsProfessor Emérito das Universidades Mackenzie,

UNIFMU, UNIFIEO e UNIP Membro do conselho editorial

Deverá, o Supremo Tribunal Federal, em breve, decidir se cabe ou não ao Ministério Público promover investigações policiais, à revelia da Polícia, ou se, nas funções próprias das Polícias Federal e Estaduais,

teriam elas a exclusividade da condução das investigações, como longa manus do Poder Judiciário (Polícia Judiciária), cabendo ao MP e à Advocacia delas participar, defendendo os interesses da sociedade ou do Poder Público, o que pertine às duas instituições, em igualdade de condições.

A discussão centra-se nos incisos VI, VII e VIII do art. 129 da Constituição Federal, assim redigidos: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: ..... VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; ...”.

O primeiro dispositivo, a meu ver, cuida apenas de procedimentos pertinentes à competência do Ministério Público e não diz ser de sua alçada conduzir as investigações policiais. O segundo estabelece caber-lhe o exercício do controle externo da atividade policial, o que vale dizer, fiscalizar a atividade policial, e não exercê-la. A lei complementar a que se refere não poderia, por risco de violar a Lei Suprema, dizer mais do que disse a Constituição, alargando competências não outorgadas pela lei maior. O terceiro inciso refere-se aos requisitos para instauração do inquérito policial, a ser executado pelas polícias federal ou estadual, em seu âmbito de atuação.

O sistema plasmado na Carta Máxima, de colaboração entre as duas instituições (MP e Polícia), parece-me corretíssimo, pois define a área de iniciativa e controle das investigações policiais e diligências criminais por parte do MP, mas outorga a uma instituição neutra – a serviço do Poder Judiciário, também Poder neutro – a apuração preambular de eventuais delitos, que, na órbita judiciária, caberá ao Ministério Público conduzir. E, por outro lado, ao cidadão, garante o direito de defesa, que é o grande diferencial entre as democracias e as ditaduras, assegurando-lhe o direito de ser acompanhado por seu defensor constitucional, que é o advogado.

Nada obstante, a extrema importância do Ministério Público como órgão essencial à administração da Justiça, não é ele mais

importante que a advocacia, lembrando-se de que o capítulo IV do Título IV da Constituição Federal cuida das três instituições (Ministério Público-inciso I, Advocacia Pública-inciso II e Advocacia e Defensoria Pública-inciso III – arts. 127 a 135).

Já demonstrei, por outro lado, em parecer veiculado por órgãos especializados, que o delegado de polícia participa de carreira jurídica de Estado, tal como os magistrados, membros do Ministério Público e Advogados públicos, visto que nenhum deles pode concorrer aos respectivos cargos, em concursos públicos de seleção, se não forem bacharéis em direito.

Tais considerações, eu as faço, com o respeito devido a todas as instituições, a partir daquela a que pertenço (Advocacia), pois admitir privilégios na investigação que descompassem o direito de defesa e o equilíbrio entre os defensores do cidadão e do Poder Público, é fulminar o amplo direito de defesa, assegurado pela Constituição Federal no art. 5º, inc. LV, assim redigido: “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados, em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Na investigação, o Ministério Público é parte e não juiz, já tendo, o STF, em voto que o Professor Miguel Reale e eu transcrevemos, em artigo elaborado para a Revista “Temas de Integração”, da Universidade de Coimbra, assim decidido (REX 215.301 – Ceará). No voto, declara o Ministro Carlos Mário Velloso: “O Ministério Público, por mais importantes que sejam suas funções, não tem a obrigação de ser imparcial. Sendo parte, a parcialidade lhe é inerente”.

Parece-me ser esta – salvo melhor juízo, e sempre o Supremo Tribunal Federal tem o melhor juízo, porque definitivo, sobre divergências dos doutrinadores nacionais – a inteligência mais adequada quanto à participação das 3 instituições (Polícia, Ministério Público e Advocacia), nas investigações policiais.

POLÍCIA FEDERAL E MINISTÉRIO PÚBLICO

Foto: Arquivo Pessoal

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entre urgência e exceção no Direito, seu assentamento normativo no Direito Público Brasileiro, a prática que em seu nome ou sob seu fundamento se tem feito, bem como as formas de controle sobre os comportamentos tidos como embasados em razões de urgência são praticados.

Urgência é conceito que suscita: idéia de rapidez além do ordinário e necessidade a demandar esta celeridade incontida na feitura ou desempenho regular da situação de que se cuide.

Urgente é o que não pode esperar sem que prejuízo se tenha pelo vagar ou que benefício se perca pela lentidão do comportamento regular, demasiado lerdo para a precisão que emergiu.

No Direito, o conceito de urgência não refoge a estas idéias que se alocam na definição leiga da palavra. Também oconteúdo jurídico da palavra urgência contém quer o sentido de tempo exíguo e memento imediato, de um lado, quer a idéia de necessidade especial e premente, de outro.

Urgência jurídica é, pois, a situação que ultrapassa a definição normativa regular de desempenho ordinário dasfunções do Poder Público pela premência de que se reveste e pela imperiosidade de atendimento da hipótese abordada, a demandar, assim, uma conduta especial em relação àquela que se nutre da normalidade aprazada institucionalmente.

A urgência conta, portanto, com dois elementos: o primeiro relativo ao tempo para a prática legislativa, administrativa ou judicial em questão e a segunda a uma necessidade a ser neste prazo suprida.

Em Direito, a urgência corresponde a um açodamento que suplanta e substitui por uma outra a situação prevista para o desempenho regular das funções do Estado. Este desempenho é sempre previsto pelo Direito Positivo. O mesmo não se pode dizer da urgência. Esta pode ser prevista, ou não, podendo mesmo ocorrer que seja imprevisível consoante se verá abaixo. Nada disto modifica as conseqüências da constataçãoda urgência, cujos cuidados, tratamento e solução, quando for o caso, será responsabilidade do Poder Público.

Parece-me certo ser a urgência situação que sempre sobrevém a uma circunstância inicialmente visualizada e cuidada, fazendo com que ao primeiro comando normativo, o qual trata do fluxo normal dos atos de condução dospoderes públicos e respectivas funções, aflore um novocomando. Àquele primeiro que contém a regra de Direito sobre a situação descrita em sua normalidade agrega-se outra, expressa, ou não, anteriormente, a qual excepcionaliza a aplicação da primeira quando advier situação de urgência.

Tenho, pois, que, além do elemento tempo, o qual se apressa quanto ao desempenho do Poder Público em relação ao decurso previsto para a normalidade dos provimentos públicos, e do elemento necessidade, que denota o conteúdo da situação concreta sobre a qual o prazo de desempenho da função pública em questão é acelerado, deve caracterizar esta, sempre, a objetiva manifestação no caso concreto, a gravidade nele obviada e a excepcionalidade da circunstância.Quero dizer, pois, que, ao lado da situação regularmente

Foto: STF

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aplicação fica a conformar-se à cadência açodada dos fatosacelerados na concretude de um ritmo mais apressado que o previsto na norma a se aplicar. Por vezes, apressado se vê o aplicador da Lei, o realizador da Justiça no caso posto a exame e decisão. Por vezes mesmo, o próprio fautor da lei vê-se no afogadilho de situação premente que não se ajusta à que se antevira para a formulação do Direito Positivo.

A urgência torna-se, às vezes, fonte de um especial Direito, às vezes mesmo atalho para a transgressão do Direito.

Às vezes, a urgência tem a cor ou o discurso da crise. Às vezes, a crise é que toma o contorno ou a voz da urgência. Às vezes, a urgência é prevista ou previsível. Às vezes, dela não cogitou o legislador. Às vezes, o julgador constata a urgência. Às vezes, ele a discute. Às vezes, ele não se crê em condições de discuti-Ia.

Afinal, se vivemos em um tempo em que tudo pareceurgente e, se nossa vida é sempre porejada de tantas urgências, como se conceitua a urgência e qual o papel deste conceito no Direito Público?

Certamente, esta é tarefa que não se comporta nos estreitos limites de estudo tão modesto e breve quanto o que aqui se faz. Tudo o que pretendo, entretanto, é argüir questões que angustiam o estudioso ou o que tem como ofício a prática do Direito.

Para tanto, cumpre-me buscar o conceito jurídico da urgência, sua caracterização, elementos e natureza, a vinculação

Introdução

Vivemos o tempo da urgência. Tempo de homens urgentes. Tempo de horas urgentes. Tudo parece fazer parte de uma corrida louca contra o tempo certo e normal das horas tranqüilas. A normalidade

que o Direito deve realizar pela aplicação das normas postas parece não mais conter os elementos que seriam necessários para que as suas finalidades se cumprissem no prazo previstoe positivado.

Ao contrário da assertiva machadiana de ser o tempo escultor vagaroso que não acaba logo e vai polindo ao passar dos longos dias, mais parece ser o nosso tempo rato roedor das coisas, a que se referia o bruxo do Cosme Velho. Roedor implacável e ligeiro, que não se contenta na espera de momento próprio e previsto.

E, se o tempo é de urgência, o que dela dizer quando a matéria estudada é o Direito e a norma jurídica mantém, em sua palavra, a placidez de um tempo sem pressa? Há urgência no Direito? Ou a urgência permite a suspensão de obrigatoriedade do Direito? Alegar urgência basta para que a norma de Direito possa ser subtraída de sua obrigatória aplicação? Quem conceitua, no caso concreto, a urgência no Direito? Quem controla esta conceituação e aplicação?

A constatação da presença do urgente no mundo do Direito revela um muito peculiar momento deste ramo do conhecimento, pois a urgência atropela, por vezes, a lei, cuja

CONCEITO DE URGÊNCIA NO DIREITO CONSTITUCIONALCármen Lúcia

Ministra do Supremo Tribunal Federal

Homenageamos, no frontispício desta edição, a eminente Ministra Carmem Lúcia, publicista, poliglota, integrante de nossa mais alta Corte de Justiça e intelectual de sensibilidade ímpar, humanista, com aprimorada cultura e notável saber jurídico.

Além do merecido pleito à insigne jurista, também nos sentimos gratificados em homenagear nossos esclarecidos leitorescom a publicação de parte da magnífica matéria que extraímos da Revista Trimestral de Direito Público, editada no primeirosemestre de 1993, página 233 e seguintes, escrita pela autora em Ouro Preto, na primavera de 199l. *

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entre urgência e exceção no Direito, seu assentamento normativo no Direito Público Brasileiro, a prática que em seu nome ou sob seu fundamento se tem feito, bem como as formas de controle sobre os comportamentos tidos como embasados em razões de urgência são praticados.

Urgência é conceito que suscita: idéia de rapidez além do ordinário e necessidade a demandar esta celeridade incontida na feitura ou desempenho regular da situação de que se cuide.

Urgente é o que não pode esperar sem que prejuízo se tenha pelo vagar ou que benefício se perca pela lentidão do comportamento regular, demasiado lerdo para a precisão que emergiu.

No Direito, o conceito de urgência não refoge a estas idéias que se alocam na definição leiga da palavra. Também oconteúdo jurídico da palavra urgência contém quer o sentido de tempo exíguo e memento imediato, de um lado, quer a idéia de necessidade especial e premente, de outro.

Urgência jurídica é, pois, a situação que ultrapassa a definição normativa regular de desempenho ordinário dasfunções do Poder Público pela premência de que se reveste e pela imperiosidade de atendimento da hipótese abordada, a demandar, assim, uma conduta especial em relação àquela que se nutre da normalidade aprazada institucionalmente.

A urgência conta, portanto, com dois elementos: o primeiro relativo ao tempo para a prática legislativa, administrativa ou judicial em questão e a segunda a uma necessidade a ser neste prazo suprida.

Em Direito, a urgência corresponde a um açodamento que suplanta e substitui por uma outra a situação prevista para o desempenho regular das funções do Estado. Este desempenho é sempre previsto pelo Direito Positivo. O mesmo não se pode dizer da urgência. Esta pode ser prevista, ou não, podendo mesmo ocorrer que seja imprevisível consoante se verá abaixo. Nada disto modifica as conseqüências da constataçãoda urgência, cujos cuidados, tratamento e solução, quando for o caso, será responsabilidade do Poder Público.

Parece-me certo ser a urgência situação que sempre sobrevém a uma circunstância inicialmente visualizada e cuidada, fazendo com que ao primeiro comando normativo, o qual trata do fluxo normal dos atos de condução dospoderes públicos e respectivas funções, aflore um novocomando. Àquele primeiro que contém a regra de Direito sobre a situação descrita em sua normalidade agrega-se outra, expressa, ou não, anteriormente, a qual excepcionaliza a aplicação da primeira quando advier situação de urgência.

Tenho, pois, que, além do elemento tempo, o qual se apressa quanto ao desempenho do Poder Público em relação ao decurso previsto para a normalidade dos provimentos públicos, e do elemento necessidade, que denota o conteúdo da situação concreta sobre a qual o prazo de desempenho da função pública em questão é acelerado, deve caracterizar esta, sempre, a objetiva manifestação no caso concreto, a gravidade nele obviada e a excepcionalidade da circunstância.Quero dizer, pois, que, ao lado da situação regularmente

Foto: STF

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prevista para o que se considera o desenvolvimento ordinário de funções estatais, a urgência impõe uma norma ou um comportamento público que subtrai, extraordinariamente, a aplicação daquela primeira, substituindo-a por outra de maior tensão e força impositiva. Esta substituição somente terá legitimidade quando se manifestar a necessidade que altera a dinâmica temporal para a adoção do comportamento estatal, acelerando-o. Conseqüência imediata desta constatação é que a urgência jurídica é sempre situação transitória, precária, passageira.

Não me parece, pois, que a alegação de urgência no Direito ou em situação normanda juridicamente ou submetida aos parâmetros jurídicos possa ser apreciada apenas pelo fator tempo subjetiva e exclusivamente pensado por um agente político ou administrativo. O fator tempo incidindo de forma especial pelo apressamento dos prazos inicialmente pensados e postos nas normas jurídicas em dada hipótese concreta, na qual se projete uma necessidade objetivamente amparada pelo Direito, é que fará existente, ou não, a situação de urgência no Direito.

No Direito Constitucional, bem como no Direito Administrativo, a necessidade que pode caracterizar situação de urgência, vale dizer, em que os prazos de comportamentos estatais são abreviados pela demanda concreta, há que ser sempre pública, vale dizer, voltada ao interesse público concreto e demonstrável.

Quando a Constituição ou a lei determina “em caso de

urgência”, deve-se ler: “na hipótese de ocorrer situação de necessidade pública que determine comportamento estatal em prazo mais rápido que o previsto para a situação de normalidade ...”. O sentido a se atribuir à rapidez, aqui, será sempre oferecido pela redução do prazo ou tempo antevisto para a situação de normalidade. Se este puder ser cumprido sem o comprometimento do bem público que se pretende – ou que se tem que – proteger e realizar (seja impedindo ou fazendo cessar o prejuízo público identificável, seja prestandoo benefício que constitua o interesse público imediato), não se terá situação de urgência no domínio do Direito Público. Não se terá, então, nem a necessidade pública, nem a condição de sua imperiosa realização pelo encurtamento do prazo previsto para o comportamento estatal legítimo. Assim, a positivação requer, para se fazer uso da figura da urgênciano Direito Constitucional e no Direito Administrativo, fundamentalmente, que a necessidade pública determinadora de comportamento estatal específico somente possa seratendida mediante conduta imediata e incompossível com a espera que a observância de prazos regulares imporia em condição de regularidade.

Questão mais difícil é a da natureza da urgência jurídica, aqui considerada aquela que se manifesta em situação dada à solução pelo Direito.

Não obstante encontrar-se no Direito a alegação de urgência, o desenlace de caso constituído ou solucionado segundo o fundamento de sua constatação, tangenciando,

“URGÊNCIA JURÍDICA É, POIS, A SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA A DEFINIÇÃO NORMATIVA REGULAR

DE DESEMPENHO ORDINÁRIO DAS FUNÇÕES DO PODER PÚBLICO PELA PREMÊNCIA DE QUE SE REVESTE E PELA IMPERIOSIDADE DE ATENDIMENTO

DA HIPÓTESE ABORDADA.”

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pois, direta e marcantemente, a criação e aplicação das normas jurídicas e dos provimentos estatais em geral, tem-se afirmado, com alguma freqüência, cuidar-se a urgência, nestahipótese, de “conceito político”.

O Conceito de urgência no Direito ConstitucionalO Direito Constitucional não desconhece que se têm que

prever, no ordenamento jurídico, situações de necessidade que poderiam sobrevir e requerer, então, comportamentos rápidos e especiais para fazer face aos reclamos da sociedade em tais circunstâncias.

Como as competências dos poderes públicos são previstas e sua natureza vinculante é indubitável, qualquer alteração e, especialmente, qualquer alargamento delas somente pode advir de situação expressamente prevista em seus termos ou em suas condições de aceitabilidade jurídica. Fora isso, haverá abuso e não uso de competência legal. Haverá exorbitância da área de atuação regular por parte do agente que invista em competência sem respaldo normativo ou que exerça à margem ou além dos limites definidos legalmente para seudesempenho.

Cabem aqui ressalvas sobre estes dois tópicos importantes na apreciação do tema da urgência: preliminarmente, cumpre examinar-se e explicitar-se que ela acarreta sempre uma amplia-ção de competências e, em segundo lugar, é mister verificar se ahipóteses sobre a qual ela pode incidir tem que ser prevista ou, de menos, previsível nos termos da norma posta.

Sobre a primeira indagação argüida, é mister ressaltar que a urgência determina sempre uma alteração no exercício de competências normativamente postas, quer quanto à titularidade da competência, quer quanto ao exercício de determinada atribuição, quer, finalmente, quanto à formadesse exercício.

Quanto à alteração da titularidade de dada competência, há de se realçar ter que ser esta modifi0cação expressa, paraser válida, além de ser esta transferência provisória, suficientee controlável em todos os seus termos e execução. Provisória porque somente prevalecerá enquanto durar a situação de necessidade anormalmente realizável pelo agente público investido na condição excepcional de atuação; suficienteporque, se a transferência de titularidade para o desempenho deste outro agente ou órgão não for bastante a sanear a circunstância acometida de instabilidade extraordinária e nefasta ao interesse público imediato, a transferência não se justifica satisfatoriamente, pelo que a condição deexcepcionalidade não encontra fundamento no ordenamento posto; controlável, por ser a urgência aqui vislumbrada como circunstância excepcional, mas integrante e integradora do sistema jurídico ao qual incumbe aperfeiçoar a idéia de Justiça pensada, logo, na perspectiva democrática sob a qual se focam os institutos no Estado submetido ao Direito legitimamente posto e aplicado, não cabe esfera de arbítrio possível e inexpugnável ao toque analítico e decisivo do agente, órgão ou poder controlador.

Exemplo desta hipótese é a que se dá nos casos de

intervenção federal nos Estados ou dos Estados nos Municípios, nos quais a caiba a nomeação de interventor (art. 36, §1º, da Constituição da República do Brasil).

No que atina ao exercício de determinada competência, é de se vislumbrar aqui a suposição de se manter a titularidade e ampliar-se esta competência, entregando-se o seu exercício concorrente ou alternativamente, sempre em caráter extraor-dinário, a outro agente, órgão ou poder.

Nesta situação, não há afastamento do titular originário, o qual mantém-se em sua condição. O que há é uma ampliação momentânea e específica dos agentes legitimados aexerceram-na, sendo que o executor extraordinário subsume-se às condições que a natureza da urgência impõe e sobre as quais antes discorremos brevemente.

Isto é o que ocorre, por exemplo, quando a competência para inovar a ordem jurídica por meio da criação de normas genéricas e obrigatórias, entregues regularmente à competência dos órgãos componentes do Poder Legislativo, é confiada à atribuição excepcional e precária do titular doPoder Executivo “em casos de urgência”.

Finalmente, quanto à terceira interrogação, é de se esclarecer que, eventualmente, não se tem, pela constatação da urgência e deflagração da celeridade comportamentalpública que a necessidade específica impõe, uma modificaçãodo titular ou do executor do cometimento público, mas tão-somente uma condição especial em seu processamento ou execução. Esta condição corresponde, exatamente, ao elemento tempo, abreviado em razão da extraordinariedade alegada e demonstrada.

Assim, a urgência neste caso produz efeitos na formalização do processo ou na dinâmica do procedimento adotado pelo agente público competente.

Exemplo deste quadro pode ser encontrado na declaração de urgência que acompanha projeto de lei de iniciativa do titular do Poder Executivo encaminhado ao Poder Legislativo, onde o processo legislativo tem lugar. A solicitação de urgência que acompanha projeto de lei de iniciativa do titular do Poder Executivo encaminhado ao Poder Legislativo, onde o processo legislativo tem lugar. A solicitação de urgência, no sistema constitucional brasileiro e sob o modelo vislumbrado, determinará a apreciação do projeto pelo Poder Legislativo em prazo mais exíguo e, eventualmente, em caráter preferencial sobre os demais projetos de lei em geral.

Observa-se, pois, que a urgência define uma via ouinstrumentalização jurídica diversa para o comportamento estatal de que se cuide em dada espécie. Esta via altera a competência, quer em sua extensão ordinária, quer em sua forma de exercício. Em geral, a urgência amplia a competência. Sempre, modifica-lhe o conteúdo ou a forma.

Referente à questão da urgência prevista ou previsível no sistema constitucional, cabem algumas observações para o claro equacionamento da situação jurídica por ela determinada.

Inicialmente, há que se registrar que os sistemas jurídicos e, principalmente, os sistemas constitucionais, referem-

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prevista para o que se considera o desenvolvimento ordinário de funções estatais, a urgência impõe uma norma ou um comportamento público que subtrai, extraordinariamente, a aplicação daquela primeira, substituindo-a por outra de maior tensão e força impositiva. Esta substituição somente terá legitimidade quando se manifestar a necessidade que altera a dinâmica temporal para a adoção do comportamento estatal, acelerando-o. Conseqüência imediata desta constatação é que a urgência jurídica é sempre situação transitória, precária, passageira.

Não me parece, pois, que a alegação de urgência no Direito ou em situação normanda juridicamente ou submetida aos parâmetros jurídicos possa ser apreciada apenas pelo fator tempo subjetiva e exclusivamente pensado por um agente político ou administrativo. O fator tempo incidindo de forma especial pelo apressamento dos prazos inicialmente pensados e postos nas normas jurídicas em dada hipótese concreta, na qual se projete uma necessidade objetivamente amparada pelo Direito, é que fará existente, ou não, a situação de urgência no Direito.

No Direito Constitucional, bem como no Direito Administrativo, a necessidade que pode caracterizar situação de urgência, vale dizer, em que os prazos de comportamentos estatais são abreviados pela demanda concreta, há que ser sempre pública, vale dizer, voltada ao interesse público concreto e demonstrável.

Quando a Constituição ou a lei determina “em caso de

urgência”, deve-se ler: “na hipótese de ocorrer situação de necessidade pública que determine comportamento estatal em prazo mais rápido que o previsto para a situação de normalidade ...”. O sentido a se atribuir à rapidez, aqui, será sempre oferecido pela redução do prazo ou tempo antevisto para a situação de normalidade. Se este puder ser cumprido sem o comprometimento do bem público que se pretende – ou que se tem que – proteger e realizar (seja impedindo ou fazendo cessar o prejuízo público identificável, seja prestandoo benefício que constitua o interesse público imediato), não se terá situação de urgência no domínio do Direito Público. Não se terá, então, nem a necessidade pública, nem a condição de sua imperiosa realização pelo encurtamento do prazo previsto para o comportamento estatal legítimo. Assim, a positivação requer, para se fazer uso da figura da urgênciano Direito Constitucional e no Direito Administrativo, fundamentalmente, que a necessidade pública determinadora de comportamento estatal específico somente possa seratendida mediante conduta imediata e incompossível com a espera que a observância de prazos regulares imporia em condição de regularidade.

Questão mais difícil é a da natureza da urgência jurídica, aqui considerada aquela que se manifesta em situação dada à solução pelo Direito.

Não obstante encontrar-se no Direito a alegação de urgência, o desenlace de caso constituído ou solucionado segundo o fundamento de sua constatação, tangenciando,

“URGÊNCIA JURÍDICA É, POIS, A SITUAÇÃO QUE ULTRAPASSA A DEFINIÇÃO NORMATIVA REGULAR

DE DESEMPENHO ORDINÁRIO DAS FUNÇÕES DO PODER PÚBLICO PELA PREMÊNCIA DE QUE SE REVESTE E PELA IMPERIOSIDADE DE ATENDIMENTO

DA HIPÓTESE ABORDADA.”

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pois, direta e marcantemente, a criação e aplicação das normas jurídicas e dos provimentos estatais em geral, tem-se afirmado, com alguma freqüência, cuidar-se a urgência, nestahipótese, de “conceito político”.

O Conceito de urgência no Direito ConstitucionalO Direito Constitucional não desconhece que se têm que

prever, no ordenamento jurídico, situações de necessidade que poderiam sobrevir e requerer, então, comportamentos rápidos e especiais para fazer face aos reclamos da sociedade em tais circunstâncias.

Como as competências dos poderes públicos são previstas e sua natureza vinculante é indubitável, qualquer alteração e, especialmente, qualquer alargamento delas somente pode advir de situação expressamente prevista em seus termos ou em suas condições de aceitabilidade jurídica. Fora isso, haverá abuso e não uso de competência legal. Haverá exorbitância da área de atuação regular por parte do agente que invista em competência sem respaldo normativo ou que exerça à margem ou além dos limites definidos legalmente para seudesempenho.

Cabem aqui ressalvas sobre estes dois tópicos importantes na apreciação do tema da urgência: preliminarmente, cumpre examinar-se e explicitar-se que ela acarreta sempre uma amplia-ção de competências e, em segundo lugar, é mister verificar se ahipóteses sobre a qual ela pode incidir tem que ser prevista ou, de menos, previsível nos termos da norma posta.

Sobre a primeira indagação argüida, é mister ressaltar que a urgência determina sempre uma alteração no exercício de competências normativamente postas, quer quanto à titularidade da competência, quer quanto ao exercício de determinada atribuição, quer, finalmente, quanto à formadesse exercício.

Quanto à alteração da titularidade de dada competência, há de se realçar ter que ser esta modifi0cação expressa, paraser válida, além de ser esta transferência provisória, suficientee controlável em todos os seus termos e execução. Provisória porque somente prevalecerá enquanto durar a situação de necessidade anormalmente realizável pelo agente público investido na condição excepcional de atuação; suficienteporque, se a transferência de titularidade para o desempenho deste outro agente ou órgão não for bastante a sanear a circunstância acometida de instabilidade extraordinária e nefasta ao interesse público imediato, a transferência não se justifica satisfatoriamente, pelo que a condição deexcepcionalidade não encontra fundamento no ordenamento posto; controlável, por ser a urgência aqui vislumbrada como circunstância excepcional, mas integrante e integradora do sistema jurídico ao qual incumbe aperfeiçoar a idéia de Justiça pensada, logo, na perspectiva democrática sob a qual se focam os institutos no Estado submetido ao Direito legitimamente posto e aplicado, não cabe esfera de arbítrio possível e inexpugnável ao toque analítico e decisivo do agente, órgão ou poder controlador.

Exemplo desta hipótese é a que se dá nos casos de

intervenção federal nos Estados ou dos Estados nos Municípios, nos quais a caiba a nomeação de interventor (art. 36, §1º, da Constituição da República do Brasil).

No que atina ao exercício de determinada competência, é de se vislumbrar aqui a suposição de se manter a titularidade e ampliar-se esta competência, entregando-se o seu exercício concorrente ou alternativamente, sempre em caráter extraor-dinário, a outro agente, órgão ou poder.

Nesta situação, não há afastamento do titular originário, o qual mantém-se em sua condição. O que há é uma ampliação momentânea e específica dos agentes legitimados aexerceram-na, sendo que o executor extraordinário subsume-se às condições que a natureza da urgência impõe e sobre as quais antes discorremos brevemente.

Isto é o que ocorre, por exemplo, quando a competência para inovar a ordem jurídica por meio da criação de normas genéricas e obrigatórias, entregues regularmente à competência dos órgãos componentes do Poder Legislativo, é confiada à atribuição excepcional e precária do titular doPoder Executivo “em casos de urgência”.

Finalmente, quanto à terceira interrogação, é de se esclarecer que, eventualmente, não se tem, pela constatação da urgência e deflagração da celeridade comportamentalpública que a necessidade específica impõe, uma modificaçãodo titular ou do executor do cometimento público, mas tão-somente uma condição especial em seu processamento ou execução. Esta condição corresponde, exatamente, ao elemento tempo, abreviado em razão da extraordinariedade alegada e demonstrada.

Assim, a urgência neste caso produz efeitos na formalização do processo ou na dinâmica do procedimento adotado pelo agente público competente.

Exemplo deste quadro pode ser encontrado na declaração de urgência que acompanha projeto de lei de iniciativa do titular do Poder Executivo encaminhado ao Poder Legislativo, onde o processo legislativo tem lugar. A solicitação de urgência que acompanha projeto de lei de iniciativa do titular do Poder Executivo encaminhado ao Poder Legislativo, onde o processo legislativo tem lugar. A solicitação de urgência, no sistema constitucional brasileiro e sob o modelo vislumbrado, determinará a apreciação do projeto pelo Poder Legislativo em prazo mais exíguo e, eventualmente, em caráter preferencial sobre os demais projetos de lei em geral.

Observa-se, pois, que a urgência define uma via ouinstrumentalização jurídica diversa para o comportamento estatal de que se cuide em dada espécie. Esta via altera a competência, quer em sua extensão ordinária, quer em sua forma de exercício. Em geral, a urgência amplia a competência. Sempre, modifica-lhe o conteúdo ou a forma.

Referente à questão da urgência prevista ou previsível no sistema constitucional, cabem algumas observações para o claro equacionamento da situação jurídica por ela determinada.

Inicialmente, há que se registrar que os sistemas jurídicos e, principalmente, os sistemas constitucionais, referem-

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se, expressamente, a condições de urgência em algumas passagens.

Nestas, a Constituição cuida de especificar elementosque, acoplados e analisados sistematicamente, conformam o contingente e o continente da urgência apresentada.

Pode, entretanto, ocorrer que não se tenha expresso na norma constitucional a situação de urgência. Duas situações podem ocorrer neste particular: ou a situação não foi prevista, embora fosse previsível; ou na imprevisibilidade nos limites do humano em face dos dados da realidade momentânea de uma sociedade.

No princípio alvitre, tem-se que, se a situação era previsível, mas sobre ela deixou de expressar-se o constituinte, é de se buscar saber se a ausência de previsão decorreu de eleição livre e denegatória do acolhimento da urgência para a situação, caso em que ela, em princípio, não será admitida juridicamente.

Nesse caso, considerar-se-á que a necessidade que deflagraria a redução do prazo procedimental dos poderespúblicos ou a modificação do processo de sua conduçãonão foi tida, no sistema, como suficiente para determinar aalteração das competências e a modificação da ordem figuradae posta ao obrigatório e geral acatamento. Na hipótese em epígrafe, os danos provocados pela necessidade não amparada para o célere comportamento estatal, pela inexistência e impossibilidade jurídica do aproveitamento de condição de urgência, serão reparados nos termos da responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado, na forma da legislação vigente.

Se a situação era previsível, porém não se debruçou sobre o tema constituinte, mas sua ocorrência pode ser admitida e as questões dela sugeridas solucionadas pela interpretação ou aplicação principiopológica ou analógica dos casos previstos no sistema jurídico, tem-se que a urgência poderá ser alegada e acolhida validamente, desde que a necessidade concretamente demonstrada tenha sido imperiosa, grave e o interesse público seja irreparável e comprometedor de todo o sistema sócio-político e jurídico. A apuração da hipótese, para sua aceitação e configuração de sua legitimidade jurídica, é,no caso, muito mais rigorosa em extensão e na profundidade das causas,procedimentos e efeitos sociais.

Diversa parece-me ser o caso quando a situação tida como urgente não foi prevista no sistema jurídico por tangenciar condição ou circunstância absolutamente imponderável nos limites da capacidade humana de antevisão e cogitação.

Há que se obter a solução para a legitimidade jurídica e valida constitucional da urgência pela análise a) do interesse público protegido especificamente, b) do cuidado sistêmicocom o tratamento da finalidade buscada na hipótese vertida,c) da suficiência do procedimento estatal.

A imprevisão e imprevisibilidade da circunstância avaliada como urgente determina que ela somente pode ser acolhida validamente no sistema a) se não destoa dos princípios sustentadores da construção jurídica positiva, b) se anão acarretar outro tipo de malefício ou dano além de

igual daquele que se pretende evitar ou do benefício que se pretende fazer a sociedade auferir, e, especialmente, c) se for legítima, vale dizer, consentida e aquiescida pelo povo, por instrumentos de validação popular definidos no ordenamentoconstitucional.

Sendo os princípios os pilares nos quais se sustém o edifício jurídico-normativo, é certo que a conduta estatal deflagradae fundamentada em razões de urgência não se pode converter em um desfazimento ou reforma constitucional, ainda que transitória, dos sistema posto, ao argumento de não se poder permitir a tramitação regular e tempestiva de alguma mudança eventualmente tornada necessária. Os princípios têm que ser acatados integralmente mesmo em casos de urgência. O agravo a qualquer deles significa a invalidação do provimentoestatal aperfeiçoado por ruptura de todo o sistema em nome da urgência. Ora, gravidade maior não pode haver que o desequilíbrio geral e a falta de qualquer parâmetro para a atuação do Estado.

Também não se pode considerar válida a urgência se o comportamento que nela se fulcrar não estiver equilibrado, nem for proporcional ao malefício que se busca impedir ou o benéfico que se procura fazer a sociedade haurir.O princípio da razoabilidade impõe-se necessariamente para a apuração da validade da urgência alegada e do comportamento nela fundamentado. Razoabilidade aqui se estende como uma “racional adequação dos fins aosmeios”, mas sendo a medida desta razão o valor da Justiça idealizada e positivada no sistema jurídico. Não basta, de conseguinte, para acolhimento válido da urgência alegada, a razoabilidade técnica. Faz-se mister a comprovação da razoabilidade jurídica, da razão suficiente da Justiça que oordenamento normativo impõe como a finalidade genéricaobrigatória orientadora da positivação e da aplicação do Direito.

A transgressão do princípio da razoabilidade desconecta o comportamento respaldado na argumentada urgência dos fundamentos de Direito sem os quais não pode subsistir juridicamente qualquer provimento estatal.

Ademais, a urgência imprevista e imprevisível no sistema constitucional e que venha a ser figuradadepende de aprovação posterior inequívoca do povo, sendo este referendo direto ou indireto, conforme o regime político democrático adotado. Infere-se, pois, que para que o comportamento estatal possa ser tido como urgente e, na esteira desta circunstância, modificadordo sistema de competências postas para a normalidade institucional, não basta seja ele legal; antes, impõe-se seja ele legítimo. Se nenhum dos princípios constitucionais pode ser quebrantado, ameaçado ou transgredido, e um dos princípios constitucionais atuais é, exatamente, o democrático — sem o qual ou sem que para a realização do qual não se há falar em Constituição —, não se conceberia como praticável o transtorno institucional integral em nome da salvaguardada de um dos seus pontos. É para se guardar o sistema constitucional positivo legítimo,

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eficaz e aplicável que se adotam medidas urgentes, não para destruí-lo. Se o Direito é legitimamente aceito e aplicado, o transtorno institucional inaceito, ainda que forcejado ao argumento da urgência, opera-se de forma ilegítima e inaceitável juridicamente. Alguém deve definir o que é urgente em determinado Estado: este “alguém” é o titular do Poder, eis que a urgência é um fundamento e dá uma forma própria e especial ao exercício do Poder. Como o povo – como titular soberano e insubstituível do Poder – é quem afirma, juridicamente, pelas suas leis e, basicamente, pela Constituição, como se exerce o Poder, a modificação da forma regular positivada tem que ser por ele definida. E como na hipótese aqui vislumbrada, a urgência não foi prevista, nem seria previsível, ela tem que ser referendada para se legitimar.

Finalmente, deve ser esclarecido que se a urgência não pode ser desculpa para atuações incompatíveis com o sistema posto, é certo que ela determina um comportamento que não pode deixar de ocorrer. Assim, tem-se, de um lado, a obrigação de agir na forma a sanear a necessidade imediata, grave e concreta apurada pelo Estado, e, de outro, há o impedimento absoluto de se conduzir sob o regime da urgência quando a circunstância não configurar esta especial contingência.

O que é uma responsabilidade gravíssima e incontor-nável e um dever do Poder Público é de distinguir os casos de urgência – que impõem um comportamento que não pode deixar de ser levado a efeito – e a impossibilidade jurídica absoluta de atuar em nome da urgência e pelas vias por esta determinadas quando inocorrente a hipótese.

O erro de avaliação do caso – a inagir quando a hipóteses seria de atuar e a agir quando o caso seria de inércia –

determina a responsabilidade e constitucional criminosa dos agentes públicos. A dificuldade é tanto maior quando se tem que se em algumas oportunidades é nítida a ocorrência ou a inocorrência da urgência, situações existem em que a distinção faz-se difícil. Nem por isso, contudo, será imune ao controle institucional e popular. Nem por isso, entretanto, escapará o agente público da responsabilidade pelo seu cometimento ou pela sua urgência reclamadora de seu posicionamento e conseqüente atuar.

E aqui, enfoco a questão da responsabilidade por declinação de urgência em caso que ela não existe. Responde, evidentemente, o agente público por crime contra a Cons-tituição se, em matéria constitucional que é a de aqui se trata, conduzir-se segundo modelo excepcional embasado em alegação de urgência, a qual vier a ser apurada como inexistente na espécie apreciada. Além de responder política e administrativamente com a perda do cargo ou função e de arrostar as conseqüências constitucionalmente fixadas, o agente público responde civil e penalmente pelos danos que vier provocar ou pelos benefícios que impedir as pessoas de legalmente angariar como decorrência do comportamento público. É que se a competência é vinculada e atuou-se contra ou além ou à margem da disposição normativa, claro que está que se agiu contrariando a Constituição, o que não se admite em sistemas constitu-cionais democráticos.

*O texto completo do artigo encontra-se no sítio da Revista Justiça & Cidadania, no endereço www.revistajc.com.br

Foto: STF

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se, expressamente, a condições de urgência em algumas passagens.

Nestas, a Constituição cuida de especificar elementosque, acoplados e analisados sistematicamente, conformam o contingente e o continente da urgência apresentada.

Pode, entretanto, ocorrer que não se tenha expresso na norma constitucional a situação de urgência. Duas situações podem ocorrer neste particular: ou a situação não foi prevista, embora fosse previsível; ou na imprevisibilidade nos limites do humano em face dos dados da realidade momentânea de uma sociedade.

No princípio alvitre, tem-se que, se a situação era previsível, mas sobre ela deixou de expressar-se o constituinte, é de se buscar saber se a ausência de previsão decorreu de eleição livre e denegatória do acolhimento da urgência para a situação, caso em que ela, em princípio, não será admitida juridicamente.

Nesse caso, considerar-se-á que a necessidade que deflagraria a redução do prazo procedimental dos poderespúblicos ou a modificação do processo de sua conduçãonão foi tida, no sistema, como suficiente para determinar aalteração das competências e a modificação da ordem figuradae posta ao obrigatório e geral acatamento. Na hipótese em epígrafe, os danos provocados pela necessidade não amparada para o célere comportamento estatal, pela inexistência e impossibilidade jurídica do aproveitamento de condição de urgência, serão reparados nos termos da responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado, na forma da legislação vigente.

Se a situação era previsível, porém não se debruçou sobre o tema constituinte, mas sua ocorrência pode ser admitida e as questões dela sugeridas solucionadas pela interpretação ou aplicação principiopológica ou analógica dos casos previstos no sistema jurídico, tem-se que a urgência poderá ser alegada e acolhida validamente, desde que a necessidade concretamente demonstrada tenha sido imperiosa, grave e o interesse público seja irreparável e comprometedor de todo o sistema sócio-político e jurídico. A apuração da hipótese, para sua aceitação e configuração de sua legitimidade jurídica, é,no caso, muito mais rigorosa em extensão e na profundidade das causas,procedimentos e efeitos sociais.

Diversa parece-me ser o caso quando a situação tida como urgente não foi prevista no sistema jurídico por tangenciar condição ou circunstância absolutamente imponderável nos limites da capacidade humana de antevisão e cogitação.

Há que se obter a solução para a legitimidade jurídica e valida constitucional da urgência pela análise a) do interesse público protegido especificamente, b) do cuidado sistêmicocom o tratamento da finalidade buscada na hipótese vertida,c) da suficiência do procedimento estatal.

A imprevisão e imprevisibilidade da circunstância avaliada como urgente determina que ela somente pode ser acolhida validamente no sistema a) se não destoa dos princípios sustentadores da construção jurídica positiva, b) se anão acarretar outro tipo de malefício ou dano além de

igual daquele que se pretende evitar ou do benefício que se pretende fazer a sociedade auferir, e, especialmente, c) se for legítima, vale dizer, consentida e aquiescida pelo povo, por instrumentos de validação popular definidos no ordenamentoconstitucional.

Sendo os princípios os pilares nos quais se sustém o edifício jurídico-normativo, é certo que a conduta estatal deflagradae fundamentada em razões de urgência não se pode converter em um desfazimento ou reforma constitucional, ainda que transitória, dos sistema posto, ao argumento de não se poder permitir a tramitação regular e tempestiva de alguma mudança eventualmente tornada necessária. Os princípios têm que ser acatados integralmente mesmo em casos de urgência. O agravo a qualquer deles significa a invalidação do provimentoestatal aperfeiçoado por ruptura de todo o sistema em nome da urgência. Ora, gravidade maior não pode haver que o desequilíbrio geral e a falta de qualquer parâmetro para a atuação do Estado.

Também não se pode considerar válida a urgência se o comportamento que nela se fulcrar não estiver equilibrado, nem for proporcional ao malefício que se busca impedir ou o benéfico que se procura fazer a sociedade haurir.O princípio da razoabilidade impõe-se necessariamente para a apuração da validade da urgência alegada e do comportamento nela fundamentado. Razoabilidade aqui se estende como uma “racional adequação dos fins aosmeios”, mas sendo a medida desta razão o valor da Justiça idealizada e positivada no sistema jurídico. Não basta, de conseguinte, para acolhimento válido da urgência alegada, a razoabilidade técnica. Faz-se mister a comprovação da razoabilidade jurídica, da razão suficiente da Justiça que oordenamento normativo impõe como a finalidade genéricaobrigatória orientadora da positivação e da aplicação do Direito.

A transgressão do princípio da razoabilidade desconecta o comportamento respaldado na argumentada urgência dos fundamentos de Direito sem os quais não pode subsistir juridicamente qualquer provimento estatal.

Ademais, a urgência imprevista e imprevisível no sistema constitucional e que venha a ser figuradadepende de aprovação posterior inequívoca do povo, sendo este referendo direto ou indireto, conforme o regime político democrático adotado. Infere-se, pois, que para que o comportamento estatal possa ser tido como urgente e, na esteira desta circunstância, modificadordo sistema de competências postas para a normalidade institucional, não basta seja ele legal; antes, impõe-se seja ele legítimo. Se nenhum dos princípios constitucionais pode ser quebrantado, ameaçado ou transgredido, e um dos princípios constitucionais atuais é, exatamente, o democrático — sem o qual ou sem que para a realização do qual não se há falar em Constituição —, não se conceberia como praticável o transtorno institucional integral em nome da salvaguardada de um dos seus pontos. É para se guardar o sistema constitucional positivo legítimo,

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eficaz e aplicável que se adotam medidas urgentes, não para destruí-lo. Se o Direito é legitimamente aceito e aplicado, o transtorno institucional inaceito, ainda que forcejado ao argumento da urgência, opera-se de forma ilegítima e inaceitável juridicamente. Alguém deve definir o que é urgente em determinado Estado: este “alguém” é o titular do Poder, eis que a urgência é um fundamento e dá uma forma própria e especial ao exercício do Poder. Como o povo – como titular soberano e insubstituível do Poder – é quem afirma, juridicamente, pelas suas leis e, basicamente, pela Constituição, como se exerce o Poder, a modificação da forma regular positivada tem que ser por ele definida. E como na hipótese aqui vislumbrada, a urgência não foi prevista, nem seria previsível, ela tem que ser referendada para se legitimar.

Finalmente, deve ser esclarecido que se a urgência não pode ser desculpa para atuações incompatíveis com o sistema posto, é certo que ela determina um comportamento que não pode deixar de ocorrer. Assim, tem-se, de um lado, a obrigação de agir na forma a sanear a necessidade imediata, grave e concreta apurada pelo Estado, e, de outro, há o impedimento absoluto de se conduzir sob o regime da urgência quando a circunstância não configurar esta especial contingência.

O que é uma responsabilidade gravíssima e incontor-nável e um dever do Poder Público é de distinguir os casos de urgência – que impõem um comportamento que não pode deixar de ser levado a efeito – e a impossibilidade jurídica absoluta de atuar em nome da urgência e pelas vias por esta determinadas quando inocorrente a hipótese.

O erro de avaliação do caso – a inagir quando a hipóteses seria de atuar e a agir quando o caso seria de inércia –

determina a responsabilidade e constitucional criminosa dos agentes públicos. A dificuldade é tanto maior quando se tem que se em algumas oportunidades é nítida a ocorrência ou a inocorrência da urgência, situações existem em que a distinção faz-se difícil. Nem por isso, contudo, será imune ao controle institucional e popular. Nem por isso, entretanto, escapará o agente público da responsabilidade pelo seu cometimento ou pela sua urgência reclamadora de seu posicionamento e conseqüente atuar.

E aqui, enfoco a questão da responsabilidade por declinação de urgência em caso que ela não existe. Responde, evidentemente, o agente público por crime contra a Cons-tituição se, em matéria constitucional que é a de aqui se trata, conduzir-se segundo modelo excepcional embasado em alegação de urgência, a qual vier a ser apurada como inexistente na espécie apreciada. Além de responder política e administrativamente com a perda do cargo ou função e de arrostar as conseqüências constitucionalmente fixadas, o agente público responde civil e penalmente pelos danos que vier provocar ou pelos benefícios que impedir as pessoas de legalmente angariar como decorrência do comportamento público. É que se a competência é vinculada e atuou-se contra ou além ou à margem da disposição normativa, claro que está que se agiu contrariando a Constituição, o que não se admite em sistemas constitu-cionais democráticos.

*O texto completo do artigo encontra-se no sítio da Revista Justiça & Cidadania, no endereço www.revistajc.com.br

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Arnaldo Süssekind não pára. Apesar de ter completado 90 anos de idade, na última segunda-feira, ele demonstra que cada vez mais é um apaixonado pelo Direito do Trabalho. E que está atento às principais

mudanças ocorridas no mundo das relações entre empregado e empregador. Tanto que é com firmeza que ele cobra umasolução para o fato de a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não abarcar a todos. E é com nostalgia que ele relembra o tempo em que proteção dada ao trabalhador não era considerada sinônimo de prejuízo ao desenvolvimento.

Süssekind analisou a situação do País frente a temas como a reforma sindical, a flexibilização e a atualização das leis trabalhistas. Analisou-os com propriedade.

Afinal, Süssekind, além de ter sido ministro do Trabalho e da Previdência Social no governo Castelo Branco e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), é o único integrante da comissão responsável pela elaboração da CLT, instituída por Getúlio Vargas, ainda vivo.

Jornal do Commercio – Diante de tantas pressões para que seja flexibilizada, o senhor acha que a CLT ainda é aplicada?

Arnaldo Süssekind – Aplicada, é. O problema é o seguinte: a CLT foi feita para reger as relações entre empregador e empregado. Hoje há muitos trabalhadores que não são em-pregados, mas sim autônomos, que trabalham em um tipo de contrato que não é o de trabalho. Quando se diz, então, que a lei não é aplicada a 50% dos trabalhadores, é verdade.

Mas é uma verdade também que isso resulta de um desenvolvimento histórico e econômico do Brasil e de outros países. Esses trabalhadores realmente precisam de uma pro- teção, porém que é fácil de ser elaborada, visto que eles não têm patrão. Então, tem que ser uma proteção dada pelo Estado, não só (no que diz respeito) à parte de previdência social, que já se aplica a eles, embora muitos não tenham se inscrito. Agora a CLT cumpriu realmente uma função importantíssima, porque fez parte, conforme Getúlio Vargas assinalava, de quatro medidas fundamentais para o desenvolvimento do País e, portanto, seu desenvolvimento econômico. Primeiro, ele desapropriou a Vale do Rio Doce e criou uma empresa pública para explorar o minério Era preciso transformá-lo em aço. Criou, então, a Volta Redonda. Depois, percebendo que, terminada a guerra, vários direitos dos trabalhadores teriam que ser reconhecidos, concedeu-os para que eles não os reivindicassem por meio de greves e ajudassem, portanto, a produção. A quarta ação foi a criação do Senai, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, para ensinar e profissionalizar os trabalhadores. Essas quatro medidas foram tomadas simultaneamente, visando à industrialização do País, o que realmente aconteceu. Devo acentuar que a CLT inovou muito, mas manteve duas inscrições jurídicas, que não cabiam mudar. Uma delas é a parte sindical, que começou em 1939, continuou em 1941, e foi transplantada para a CLT sem qualquer modificação. E que perdura até hoje.

JC – De acordo com sua avaliação, o que a reforma sindical deve abordar?

AS – A meu juízo, deve ser assegurada a liberdade individual, o que já existe hoje. Há também o problema da pluralidade sindical, que é fundamental. Claro, que a representação da categoria é do sindicato mais forte, mas nada impede que haja outros que lutem para serem mais fortes.

JC – E a questão do imposto sindical?AS – O imposto sindical teria que acabar. O sindicato tem

que viver da contribuição dos trabalhadores. Há algo que a Organização Internacional do Trabalho admite, e que sempre defendi, que se chama cota de participação. É o seguinte: sempre que um sindicato fizer uma convenção ou acordo coletivo, ele poderá incluir uma taxa para ser paga pelos beneficiários dessa convenção ou acordo coletivo. O sindicato trabalhou para ele (trabalhador), obteve uma vantagem e, na convenção feita entre empregado e empregador, estipulou uma taxa. Para isso, a legislação pode estabelecer limites. A OIT considera que isso não viola o princípio da liberdade sindical. Agora o imposto sindical viola.

JC – O problema dos sindicatos também não passa pela questão da representação?

AS – Esse é um problema e, ao mesmo tempo, um paradoxo. A Constituição de 1988, ao repetir a Constituição de 1937, não dispôs sobre as centrais sindicais. Elas, pela Constituição brasileira, são associações civis. Quer dizer que elas comandam o movimento sindical, mas não são entidades sindicais. Isso

precisa ser consertado. Agora, o governo respeita as centrais como se fossem entidades sindicais. E já vem anunciado que as confederações devem atribuir a elas uma parte do imposto sindical, forçando até um pouco a lei.

JC – Como era falar em consolidação das leis trabalhistas na década de 1940?

AS – O Brasil sempre apoiou, nessa fase inicial, tanto a Justiça do Trabalho como a organização sindical. A TJ cresceu de maneira enorme. Hoje talvez seja o órgão que tenha maior número de ações judiciais, com cerca de dois milhões de processos por ano. Recebe isso tudo porque a legislação brasileira, depois da criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, acabou com a estabilidade. A Constituição de 1988 fala em proteção contra despedido arbitrária, mas, em seguida, põe uma vírgula e diz: “mediante indenização”. Ora, mediante indenização é uma proteção que não existe. Nesse ponto, a Carta Magna vulnerou o sistema que vinha da CLT. Com isso, os empregadores fazem aquela renovação da mão-de-obra. E toda vez que manda embora o empregado, o empregado vai para a JT reclamar alguma coisa.

JC – Como o senhor avalia as propostas que visam à flexibilização das leis trabalhistas?

AS – A flexibilização nasce com a globalização da economia, com o casamento de uma evolução técnico-científica e com aqueda do Império Soviético. Após isso, os países ocidentais, mais o Japão, passaram a não ceder mais ao comunismo. Afrouxaram a proteção dada aos trabalhadores, que até então era mantida

ARNALDO SÜSSEKIND, UM APAIXONADO PELO DIREITO DO TRABALHO

Giselle SouzaJornal do Commercio

ENTR

EVIS

TA

Nota do Editor:O Ministro Arnaldo Süssekind é o último dos legisladores vivos que colaborou com as grandes obras jurídicas produzidas

no governo do Presidente Getulio Vargas, entre as quais se destaca a Consolidação das Leis do Trabalho, sancionada em primeiro de maio de 1943, da qual foi integrante da comissão elaborada.

A Revista Justiça & Cidadania se orgulha da convivência e ensinamento do magno jurista Arnaldo Süssekind, e, em especial, de sua participação no Conselho Editorial, e aproveita o momento em que esse jovial operador do direito completou 90 anos, além de realizar um feliz casamento com a digna e estimada senhora Olga Pugachlov, para renovar a estima com homenagens a esse merecedor de efusivos cumprimentos e importante personalidade das letras jurídicas brasileira.

2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 15

“O IMPOSTO SINDICAL TERIA QUE ACABAR. O SINDICATO TEM QUE VIVIER DA CONTRIBUIÇÃO

DOS TRABALHADORES.”

Arnaldo Süssekind

Foto: TJ/BA

Arnaldo Süssekind não pára. Apesar de ter completado 90 anos de idade, na última segunda-feira, ele demonstra que cada vez mais é um apaixonado pelo Direito do Trabalho. E que está atento às principais

mudanças ocorridas no mundo das relações entre empregado e empregador. Tanto que é com firmeza que ele cobra uma solução para o fato de a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não abarcar a todos. E é com nostalgia que ele relembra o tempo em que proteção dada ao trabalhador não era considerada sinônimo de prejuízo ao desenvolvimento.

Süssekind analisou a situação do País frente a temas como a reforma sindical, a flexibilização e a atualização das leis trabalhistas. Analisou-os com propriedade.

Afinal, Süssekind, além de ter sido ministro do Trabalho e da Previdência Social no governo Castelo Branco e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), é o único integrante da comissão responsável pela elaboração da CLT, instituída por Getúlio Vargas, ainda vivo.

Jornal do Commercio – Diante de tantas pressões para que seja flexibilizada, o senhor acha que a CLT ainda é aplicada?

Arnaldo Süssekind – Aplicada, é. O problema é o seguinte: a CLT foi feita para reger as relações entre empregador e empregado. Hoje há muitos trabalhadores que não são em-pregados, mas sim autônomos, que trabalham em um tipode contrato que não é o de trabalho. Quando se diz, então,que a lei não é aplicada a 50% dos trabalhadores, é verdade.

Mas é uma verdade também que isso resulta de um desenvolvimento histórico e econômico do Brasil e de outros países. Esses trabalhadores realmente precisam de uma pro-teção, porém que é fácil de ser elaborada, visto que elesnão têm patrão. Então, tem que ser uma proteção dada pelo Estado, não só (no que diz respeito) à parte de previdência social, que já se aplica a eles, embora muitos não tenham se inscrito. Agora a CLT cumpriu realmente uma função importantíssima, porque fez parte, conforme Getúlio Vargas assinalava, de quatro medidas fundamentais para o desenvolvimento do País e, portanto, seu desenvolvimento econômico. Primeiro, ele desapropriou a Vale do Rio Doce e criou uma empresa pública para explorar o minério Erapreciso transformá-lo em aço. Criou, então, a Volta Redonda. Depois, percebendo que, terminada a guerra, vários direitos dos trabalhadores teriam que ser reconhecidos, concedeu-os para que eles não os reivindicassem por meio de greves eajudassem, portanto, a produção. A quarta ação foi a criação do Senai, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, para ensinar e profissionalizar os trabalhadores. Essas quatro medidas foram tomadas simultaneamente, visando à industrialização do País, o que realmente aconteceu. Devo acentuar que a CLT inovou muito, mas manteve duas inscrições jurídicas, que não cabiam mudar. Uma delas é a parte sindical, que começou em 1939, continuou em 1941, e foi transplantada para a CLT sem qualquer modificação. E que perdura até hoje.

JC – De acordo com sua avaliação, o que a reforma sindical deve abordar?

AS – A meu juízo, deve ser assegurada a liberdade individual, o que já existe hoje. Há também o problema da pluralidade sindical, que é fundamental. Claro, que a representação da categoria é do sindicato mais forte, mas nada impede que haja outros que lutem para serem mais fortes.

JC – E a questão do imposto sindical?AS – O imposto sindical teria que acabar. O sindicato tem

que viver da contribuição dos trabalhadores. Há algo que a Organização Internacional do Trabalho admite, e que sempre defendi, que se chama cota de participação. É o seguinte: sempre que um sindicato fizer uma convenção ou acordo coletivo, ele poderá incluir uma taxa para ser paga pelos beneficiários dessa convenção ou acordo coletivo. O sindicato trabalhou para ele (trabalhador), obteve uma vantagem e, na convenção feita entre empregado e empregador, estipulou uma taxa. Para isso, a legislação pode estabelecer limites. A OIT considera que isso não viola o princípio da liberdade sindical. Agora o imposto sindical viola.

JC – O problema dos sindicatos também não passa pela questão da representação?

AS – Esse é um problema e, ao mesmo tempo, um paradoxo. A Constituição de 1988, ao repetir a Constituição de 1937, não dispôs sobre as centrais sindicais. Elas, pela Constituição brasileira, são associações civis. Quer dizer que elas comandam o movimento sindical, mas não são entidades sindicais. Isso

precisa ser consertado. Agora, o governo respeita as centrais como se fossem entidades sindicais. E já vem anunciado que as confederações devem atribuir a elas uma parte do imposto sindical, forçando até um pouco a lei.

JC – Como era falar em consolidação das leis trabalhistas na década de 1940?

AS – O Brasil sempre apoiou, nessa fase inicial, tanto a Justiça do Trabalho como a organização sindical. A TJ cresceu de maneira enorme. Hoje talvez seja o órgão que tenha maior número de ações judiciais, com cerca de dois milhões de processos por ano. Recebe isso tudo porque a legislação brasileira, depois da criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, acabou com a estabilidade. A Constituição de 1988 fala em proteção contra despedido arbitrária, mas,em seguida, põe uma vírgula e diz: “mediante indenização”. Ora, mediante indenização é uma proteção que não existe. Nesse ponto, a Carta Magna vulnerou o sistema que vinha da CLT. Com isso, os empregadores fazem aquela renovação da mão-de-obra. E toda vez que manda embora o empregado, o empregado vai para a JT reclamar alguma coisa.

JC – Como o senhor avalia as propostas que visam à flexibilização das leis trabalhistas?

AS – A flexibilização nasce com a globalização da economia, com o casamento de uma evolução técnico-científica e com a queda do Império Soviético. Após isso, os países ocidentais, mais o Japão, passaram a não ceder mais ao comunismo. Afrouxaram a proteção dada aos trabalhadores, que até então era mantida

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14 • JUSTIÇA & CIDADANIA • AGOSTO 2007

Arnaldo Süssekind não pára. Apesar de ter completado 90 anos de idade, na última segunda-feira, ele demonstra que cada vez mais é um apaixonado pelo Direito do Trabalho. E que está atento às principais

mudanças ocorridas no mundo das relações entre empregado e empregador. Tanto que é com firmeza que ele cobra umasolução para o fato de a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não abarcar a todos. E é com nostalgia que ele relembra o tempo em que proteção dada ao trabalhador não era considerada sinônimo de prejuízo ao desenvolvimento.

Süssekind analisou a situação do País frente a temas como a reforma sindical, a flexibilização e a atualização das leis trabalhistas. Analisou-os com propriedade.

Afinal, Süssekind, além de ter sido ministro do Trabalho e da Previdência Social no governo Castelo Branco e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), é o único integrante da comissão responsável pela elaboração da CLT, instituída por Getúlio Vargas, ainda vivo.

Jornal do Commercio – Diante de tantas pressões para que seja flexibilizada, o senhor acha que a CLT ainda é aplicada?

Arnaldo Süssekind – Aplicada, é. O problema é o seguinte: a CLT foi feita para reger as relações entre empregador e empregado. Hoje há muitos trabalhadores que não são em-pregados, mas sim autônomos, que trabalham em um tipo de contrato que não é o de trabalho. Quando se diz, então, que a lei não é aplicada a 50% dos trabalhadores, é verdade.

Mas é uma verdade também que isso resulta de um desenvolvimento histórico e econômico do Brasil e de outros países. Esses trabalhadores realmente precisam de uma pro- teção, porém que é fácil de ser elaborada, visto que eles não têm patrão. Então, tem que ser uma proteção dada pelo Estado, não só (no que diz respeito) à parte de previdência social, que já se aplica a eles, embora muitos não tenham se inscrito. Agora a CLT cumpriu realmente uma função importantíssima, porque fez parte, conforme Getúlio Vargas assinalava, de quatro medidas fundamentais para o desenvolvimento do País e, portanto, seu desenvolvimento econômico. Primeiro, ele desapropriou a Vale do Rio Doce e criou uma empresa pública para explorar o minério Era preciso transformá-lo em aço. Criou, então, a Volta Redonda. Depois, percebendo que, terminada a guerra, vários direitos dos trabalhadores teriam que ser reconhecidos, concedeu-os para que eles não os reivindicassem por meio de greves e ajudassem, portanto, a produção. A quarta ação foi a criação do Senai, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, para ensinar e profissionalizar os trabalhadores. Essas quatro medidas foram tomadas simultaneamente, visando à industrialização do País, o que realmente aconteceu. Devo acentuar que a CLT inovou muito, mas manteve duas inscrições jurídicas, que não cabiam mudar. Uma delas é a parte sindical, que começou em 1939, continuou em 1941, e foi transplantada para a CLT sem qualquer modificação. E que perdura até hoje.

JC – De acordo com sua avaliação, o que a reforma sindical deve abordar?

AS – A meu juízo, deve ser assegurada a liberdade individual, o que já existe hoje. Há também o problema da pluralidade sindical, que é fundamental. Claro, que a representação da categoria é do sindicato mais forte, mas nada impede que haja outros que lutem para serem mais fortes.

JC – E a questão do imposto sindical?AS – O imposto sindical teria que acabar. O sindicato tem

que viver da contribuição dos trabalhadores. Há algo que a Organização Internacional do Trabalho admite, e que sempre defendi, que se chama cota de participação. É o seguinte: sempre que um sindicato fizer uma convenção ou acordo coletivo, ele poderá incluir uma taxa para ser paga pelos beneficiários dessa convenção ou acordo coletivo. O sindicato trabalhou para ele (trabalhador), obteve uma vantagem e, na convenção feita entre empregado e empregador, estipulou uma taxa. Para isso, a legislação pode estabelecer limites. A OIT considera que isso não viola o princípio da liberdade sindical. Agora o imposto sindical viola.

JC – O problema dos sindicatos também não passa pela questão da representação?

AS – Esse é um problema e, ao mesmo tempo, um paradoxo. A Constituição de 1988, ao repetir a Constituição de 1937, não dispôs sobre as centrais sindicais. Elas, pela Constituição brasileira, são associações civis. Quer dizer que elas comandam o movimento sindical, mas não são entidades sindicais. Isso

precisa ser consertado. Agora, o governo respeita as centrais como se fossem entidades sindicais. E já vem anunciado que as confederações devem atribuir a elas uma parte do imposto sindical, forçando até um pouco a lei.

JC – Como era falar em consolidação das leis trabalhistas na década de 1940?

AS – O Brasil sempre apoiou, nessa fase inicial, tanto a Justiça do Trabalho como a organização sindical. A TJ cresceu de maneira enorme. Hoje talvez seja o órgão que tenha maior número de ações judiciais, com cerca de dois milhões de processos por ano. Recebe isso tudo porque a legislação brasileira, depois da criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, acabou com a estabilidade. A Constituição de 1988 fala em proteção contra despedido arbitrária, mas, em seguida, põe uma vírgula e diz: “mediante indenização”. Ora, mediante indenização é uma proteção que não existe. Nesse ponto, a Carta Magna vulnerou o sistema que vinha da CLT. Com isso, os empregadores fazem aquela renovação da mão-de-obra. E toda vez que manda embora o empregado, o empregado vai para a JT reclamar alguma coisa.

JC – Como o senhor avalia as propostas que visam à flexibilização das leis trabalhistas?

AS – A flexibilização nasce com a globalização da economia, com o casamento de uma evolução técnico-científica e com aqueda do Império Soviético. Após isso, os países ocidentais, mais o Japão, passaram a não ceder mais ao comunismo. Afrouxaram a proteção dada aos trabalhadores, que até então era mantida

ARNALDO SÜSSEKIND, UM APAIXONADO PELO DIREITO DO TRABALHO

Giselle SouzaJornal do Commercio

ENTR

EVIS

TA

Nota do Editor:O Ministro Arnaldo Süssekind é o último dos legisladores vivos que colaborou com as grandes obras jurídicas produzidas

no governo do Presidente Getulio Vargas, entre as quais se destaca a Consolidação das Leis do Trabalho, sancionada em primeiro de maio de 1943, da qual foi integrante da comissão elaborada.

A Revista Justiça & Cidadania se orgulha da convivência e ensinamento do magno jurista Arnaldo Süssekind, e, em especial, de sua participação no Conselho Editorial, e aproveita o momento em que esse jovial operador do direito completou 90 anos, além de realizar um feliz casamento com a digna e estimada senhora Olga Pugachlov, para renovar a estima com homenagens a esse merecedor de efusivos cumprimentos e importante personalidade das letras jurídicas brasileira.

2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 15

“O IMPOSTO SINDICAL TERIA QUE ACABAR. O SINDICATO TEM QUE VIVIER DA CONTRIBUIÇÃO

DOS TRABALHADORES.”

Arnaldo Süssekind

Foto: TJ/BA

Arnaldo Süssekind não pára. Apesar de ter completado 90 anos de idade, na última segunda-feira, ele demonstra que cada vez mais é um apaixonado pelo Direito do Trabalho. E que está atento às principais

mudanças ocorridas no mundo das relações entre empregado e empregador. Tanto que é com firmeza que ele cobra uma solução para o fato de a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não abarcar a todos. E é com nostalgia que ele relembra o tempo em que proteção dada ao trabalhador não era considerada sinônimo de prejuízo ao desenvolvimento.

Süssekind analisou a situação do País frente a temas como a reforma sindical, a flexibilização e a atualização das leis trabalhistas. Analisou-os com propriedade.

Afinal, Süssekind, além de ter sido ministro do Trabalho e da Previdência Social no governo Castelo Branco e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), é o único integrante da comissão responsável pela elaboração da CLT, instituída por Getúlio Vargas, ainda vivo.

Jornal do Commercio – Diante de tantas pressões para que seja flexibilizada, o senhor acha que a CLT ainda é aplicada?

Arnaldo Süssekind – Aplicada, é. O problema é o seguinte: a CLT foi feita para reger as relações entre empregador e empregado. Hoje há muitos trabalhadores que não são em-pregados, mas sim autônomos, que trabalham em um tipode contrato que não é o de trabalho. Quando se diz, então,que a lei não é aplicada a 50% dos trabalhadores, é verdade.

Mas é uma verdade também que isso resulta de um desenvolvimento histórico e econômico do Brasil e de outros países. Esses trabalhadores realmente precisam de uma pro-teção, porém que é fácil de ser elaborada, visto que elesnão têm patrão. Então, tem que ser uma proteção dada pelo Estado, não só (no que diz respeito) à parte de previdência social, que já se aplica a eles, embora muitos não tenham se inscrito. Agora a CLT cumpriu realmente uma função importantíssima, porque fez parte, conforme Getúlio Vargas assinalava, de quatro medidas fundamentais para o desenvolvimento do País e, portanto, seu desenvolvimento econômico. Primeiro, ele desapropriou a Vale do Rio Doce e criou uma empresa pública para explorar o minério Erapreciso transformá-lo em aço. Criou, então, a Volta Redonda. Depois, percebendo que, terminada a guerra, vários direitos dos trabalhadores teriam que ser reconhecidos, concedeu-os para que eles não os reivindicassem por meio de greves eajudassem, portanto, a produção. A quarta ação foi a criação do Senai, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, para ensinar e profissionalizar os trabalhadores. Essas quatro medidas foram tomadas simultaneamente, visando à industrialização do País, o que realmente aconteceu. Devo acentuar que a CLT inovou muito, mas manteve duas inscrições jurídicas, que não cabiam mudar. Uma delas é a parte sindical, que começou em 1939, continuou em 1941, e foi transplantada para a CLT sem qualquer modificação. E que perdura até hoje.

JC – De acordo com sua avaliação, o que a reforma sindical deve abordar?

AS – A meu juízo, deve ser assegurada a liberdade individual, o que já existe hoje. Há também o problema da pluralidade sindical, que é fundamental. Claro, que a representação da categoria é do sindicato mais forte, mas nada impede que haja outros que lutem para serem mais fortes.

JC – E a questão do imposto sindical?AS – O imposto sindical teria que acabar. O sindicato tem

que viver da contribuição dos trabalhadores. Há algo que a Organização Internacional do Trabalho admite, e que sempre defendi, que se chama cota de participação. É o seguinte: sempre que um sindicato fizer uma convenção ou acordo coletivo, ele poderá incluir uma taxa para ser paga pelos beneficiários dessa convenção ou acordo coletivo. O sindicato trabalhou para ele (trabalhador), obteve uma vantagem e, na convenção feita entre empregado e empregador, estipulou uma taxa. Para isso, a legislação pode estabelecer limites. A OIT considera que isso não viola o princípio da liberdade sindical. Agora o imposto sindical viola.

JC – O problema dos sindicatos também não passa pela questão da representação?

AS – Esse é um problema e, ao mesmo tempo, um paradoxo. A Constituição de 1988, ao repetir a Constituição de 1937, não dispôs sobre as centrais sindicais. Elas, pela Constituição brasileira, são associações civis. Quer dizer que elas comandam o movimento sindical, mas não são entidades sindicais. Isso

precisa ser consertado. Agora, o governo respeita as centrais como se fossem entidades sindicais. E já vem anunciado que as confederações devem atribuir a elas uma parte do imposto sindical, forçando até um pouco a lei.

JC – Como era falar em consolidação das leis trabalhistas na década de 1940?

AS – O Brasil sempre apoiou, nessa fase inicial, tanto a Justiça do Trabalho como a organização sindical. A TJ cresceu de maneira enorme. Hoje talvez seja o órgão que tenha maior número de ações judiciais, com cerca de dois milhões de processos por ano. Recebe isso tudo porque a legislação brasileira, depois da criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, acabou com a estabilidade. A Constituição de 1988 fala em proteção contra despedido arbitrária, mas,em seguida, põe uma vírgula e diz: “mediante indenização”. Ora, mediante indenização é uma proteção que não existe. Nesse ponto, a Carta Magna vulnerou o sistema que vinha da CLT. Com isso, os empregadores fazem aquela renovação da mão-de-obra. E toda vez que manda embora o empregado, o empregado vai para a JT reclamar alguma coisa.

JC – Como o senhor avalia as propostas que visam à flexibilização das leis trabalhistas?

AS – A flexibilização nasce com a globalização da economia, com o casamento de uma evolução técnico-científica e com a queda do Império Soviético. Após isso, os países ocidentais, mais o Japão, passaram a não ceder mais ao comunismo. Afrouxaram a proteção dada aos trabalhadores, que até então era mantida

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em um nível mais alto como forma de se contrabalançar as promessas do comunismo. Com isso, tornou-se mais selvagem, por assim dizer, o sistema de proteção aos trabalhadores. Mas é claro que isso não foi no mundo inteiro. Na América do Sul, porém, a flexibilização tomou vulto.

JC – Em sua opinião, que importância a Emenda Consti-tucional 45 teve para a consolidação da JT?

AS – Foi positiva porque valorizou a JT. A Justiça do Trabalho passou a ser competente não apenas para julgar a relação de emprego, mas toda relação de trabalho, sendo relação gênero: pega os contratos de Direito Civil, de prestação de serviço, os de representação comercial, entre outros. A competência em matéria envolvendo a Previdência Social também passou para a JT. Não o controle da Previdência, mas os recursos de matérias de contribuição devidas pela Previdência. Há também a parte sindical, que, erradamente, não era da JT, e passou a ser dela.

JC – Quanto aos pontos que não foram abordados pela emenda, como que prevê a competência para julgar crimes no âmbito do trabalho?

AS – Isso está certo. A Justiça Criminal é específica. Oconhecimento da configuração do crime justifica que (acompetência) continue sendo da Justiça Penal.

JC – Quais pontos o senhor acha que deveriam ser tratados pela EC – 45 e não foram?

AS – Acho que a Emenda 45 esgotou (todos). Não ficounada de fora. Acho até que alguns pontos não devessem ser (da JT).

JC – Que pontos seriam esses?AS – Matéria de previdência. A JT já está com muita

coisa, e o número de empregadores que não contribuem para a Previdência não é pouco. Não é que a JT não possa julgar bem isso. É que há uma hipertrofia da JT.

JC – O senhor não concorda que as empresas também são oneradas?

AS – Os encargos trabalhistas não são elevados. E vou dizer o porquê: 36% do que incide sobre a folha de trabalho não deveria incidir. Acho que Sesi, Sesc e Senai, por exemplo, são órgãos que fazem um trabalho belíssimo, mas que deveriam ter outra fonte de custeio. Devia ser custeado com o lucro das empresas. Além disso, acho que não deveria entrar no cálculo as despesas para despedida do empregado. Então, se retirarmos esses 36% mais as despesas decorrentes de indenização e aviso prévio, já reduziremos bastante (a folha de pagamento).

JC – Com o tempo, surgiram novos contratos de trabalho que podem ser usados para fraudar as leis. É o caso da terceirização. Como analisa a fiscalização dessas contratações?

AS – A fiscalização é algo que sempre falta. O Brasil é muito grande. Tem muita atividade, muita empresa. O número de inspetores, auditores e fiscais não é suficiente para cobrir tudo.Outra coisa que não é comum, mas deveria ser, é o sindicato comunicar o fiscal do trabalho quando verificada uma anomalia.Isso não é praxe. Nesse ponto, a fiscalização pode melhorar.

JC – O senhor não acha que, depois de tanto tempo em vigor, a CLT deveria ser modernizada?

AS – Eu defendo isso. Inclusive já escrevi artigos com sugestões, que encaminhei para o ministro do Trabalho, o antigo e o atual. Acho que há vários pontos que precisam ser atualizados e até flexibilizados. Flexibilizar, no entanto, semvulnerar direitos fundamentais e básicos. É o caso do salário. A Constituição de 1988, no artigo 7º, inciso 6º, proíbe a irredutibilidade de salário, salvo acordo ou convenção coletiva. Acho isso possível, mas em determinadas hipóteses. A CLT, atualizada, deve regular quais situações e por qual prazo. Acho que esse dispositivo constitucional está sendo aplicado sem limite, porque não há uma lei regulamentando.

“A FISCALIZAÇÃO É ALGO QUE SEMPRE FALTA. O BRASIL É MUITO GRANDE. TEM MUITA ATIVIDADE,

MUITA EMPRESA.”

2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 17

Page 17: Revista Justiça & Cidadania

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em um nível mais alto como forma de se contrabalançar as promessas do comunismo. Com isso, tornou-se mais selvagem, por assim dizer, o sistema de proteção aos trabalhadores. Mas é claro que isso não foi no mundo inteiro. Na América do Sul, porém, a flexibilização tomou vulto.

JC – Em sua opinião, que importância a Emenda Consti-tucional 45 teve para a consolidação da JT?

AS – Foi positiva porque valorizou a JT. A Justiça do Trabalho passou a ser competente não apenas para julgar a relação de emprego, mas toda relação de trabalho, sendo relação gênero: pega os contratos de Direito Civil, de prestação de serviço, os de representação comercial, entre outros. A competência em matéria envolvendo a Previdência Social também passou para a JT. Não o controle da Previdência, mas os recursos de matérias de contribuição devidas pela Previdência. Há também a parte sindical, que, erradamente, não era da JT, e passou a ser dela.

JC – Quanto aos pontos que não foram abordados pela emenda, como que prevê a competência para julgar crimes no âmbito do trabalho?

AS – Isso está certo. A Justiça Criminal é específica. Oconhecimento da configuração do crime justifica que (acompetência) continue sendo da Justiça Penal.

JC – Quais pontos o senhor acha que deveriam ser tratados pela EC – 45 e não foram?

AS – Acho que a Emenda 45 esgotou (todos). Não ficounada de fora. Acho até que alguns pontos não devessem ser (da JT).

JC – Que pontos seriam esses?AS – Matéria de previdência. A JT já está com muita

coisa, e o número de empregadores que não contribuem para a Previdência não é pouco. Não é que a JT não possa julgar bem isso. É que há uma hipertrofia da JT.

JC – O senhor não concorda que as empresas também são oneradas?

AS – Os encargos trabalhistas não são elevados. E vou dizer o porquê: 36% do que incide sobre a folha de trabalho não deveria incidir. Acho que Sesi, Sesc e Senai, por exemplo, são órgãos que fazem um trabalho belíssimo, mas que deveriam ter outra fonte de custeio. Devia ser custeado com o lucro das empresas. Além disso, acho que não deveria entrar no cálculo as despesas para despedida do empregado. Então, se retirarmos esses 36% mais as despesas decorrentes de indenização e aviso prévio, já reduziremos bastante (a folha de pagamento).

JC – Com o tempo, surgiram novos contratos de trabalho que podem ser usados para fraudar as leis. É o caso da terceirização. Como analisa a fiscalização dessas contratações?

AS – A fiscalização é algo que sempre falta. O Brasil é muito grande. Tem muita atividade, muita empresa. O número de inspetores, auditores e fiscais não é suficiente para cobrir tudo.Outra coisa que não é comum, mas deveria ser, é o sindicato comunicar o fiscal do trabalho quando verificada uma anomalia.Isso não é praxe. Nesse ponto, a fiscalização pode melhorar.

JC – O senhor não acha que, depois de tanto tempo em vigor, a CLT deveria ser modernizada?

AS – Eu defendo isso. Inclusive já escrevi artigos com sugestões, que encaminhei para o ministro do Trabalho, o antigo e o atual. Acho que há vários pontos que precisam ser atualizados e até flexibilizados. Flexibilizar, no entanto, semvulnerar direitos fundamentais e básicos. É o caso do salário. A Constituição de 1988, no artigo 7º, inciso 6º, proíbe a irredutibilidade de salário, salvo acordo ou convenção coletiva. Acho isso possível, mas em determinadas hipóteses. A CLT, atualizada, deve regular quais situações e por qual prazo. Acho que esse dispositivo constitucional está sendo aplicado sem limite, porque não há uma lei regulamentando.

“A FISCALIZAÇÃO É ALGO QUE SEMPRE FALTA. O BRASIL É MUITO GRANDE. TEM MUITA ATIVIDADE,

MUITA EMPRESA.”

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18 • JUSTIÇA & CIDADANIA • AGOSTO 2007

Na sistemática introduzida pela Lei 11.232/05, a execução de título judicial deixou de ser autônoma e transformou-se em fase do processo de conhecimento. Consagrou-se, assim, a teoria

de que o procedimento judicial deve ser unitário e, por isso, compreender todas as fases processuais, inclusive a de execução do julgado. A tutela jurisdicional executiva passou a ser mais uma etapa processual. A partir dessa reforma, começaram as divergências acerca da imposição de condenação em honorários advocatícios na fase de cumprimento da sentença. Isso porque a redação do artigo 475-J é omissa a esse respeito. A jurisprudência ainda é controvertida porque a matéria é nova.

No entanto, a lei nova não aboliu a execução de sentença, apenas retirou-lhe a autonomia. A execução deixou de existir como processo autônomo. Tornou-se mero prolongamento do processo de cognição que deu origem ao título executivo. A solução adotada na reforma processual, prestigiando os princípios da efetividade e da celeridade da tutela jurisdicional, apenas extinguiu a dicotomia entre processo de execução e de conhecimento, que inspirou o legislador de 1973. Com esse novo sistema, criou-se um sincretismo entre o processo de conhecimento e o de execução.

Correto afirmar que a execução de título judicial continua a existir conquanto agora não mais se realize em processo autônomo, senão no próprio processo de cognição, como fase última e complementar do processo de cognição, conforme esclarece Alexandre Freitas Câmara1: “O primeiro ponto a ser examinado

é o terminológico. O legislador reformista optou por dar ao novo Capítulo X do Livro I, Título VIII, do Código de Processo Civil, o nome “do cumprimento da sentença”. Isso não pode levar a pensar que não se estará aqui diante de execução. Esta não deixou de existir, mas tão somente deixou de se realizar em processo autônomo em relação ao que gerou a sentença (...).

Pela nova sistemática do CPC, não haverá mais processo executivo, mas continuará a existir atividade executiva. Poder-se-ia então continuar a falar em execução de sentença. Aliás, é o que diz o artigo 475-I, ao dizer que o cumprimento da sentença que condena a pagar dinheiro se faz por execução.”

O professor José Carlos Barbosa Moreira2, sem dúvida alguma, o maior processualista brasileiro, em precisa lição sobre o tema, elucida que: “De acordo com a nova sistemática, os atos executivos devem praticar-se à guisa de prosseguimento do processo em que se julgou, sem solução de continuidade. Em outras palavras: passa a haver um só processo, no qual se realizam, sucessivamente, as atividades cognitiva e executiva. Cumpre sublinhar que essa mudança em nada influi nadistinção ontológica entre as duas atividades.

Cognição e execução constituem segmentos diferentes da função jurisdicional. A lei pode combiná-los de maneira variável, traçar ou não uma fronteira mais ou menos nítida entre os respectivos âmbitos, inserir no bojo de qualquer deles atos típicos do outro, dar precedência a este sobre aquele, juntá-los, separá-los ou entremeá-los, conforme lhe pareça mais conveniente do ponto de vista prático. O que a lei não

APONTAMENTOS SOBRE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA FASE DE CUMPRIMENTO DA SENTENÇA NO PROCESSO CIVIL

Agostinho Teixeira de Almeida Filho

Desembargador do TJ/RJ Integrante do Fórum Permanente de

Direito do Consumidor da EMERJ

2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 19

pode fazer, porque é contrário à natureza das coisas, é torná-los iguais”.

Vê-se, assim, que a execução de sentença, como figura de direito processual, continua a existir,mesmo sem a autonomia de outrora.

E se assim é, o executado deve submeter-se ao pagamento de honorários, nos termos do artigo 20, § 4º, do CPC, que continua em pleno vigor. Cássio Scarpinella Bueno3, Doutor em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, registra: “Minha resposta a esta questão é no sentido de que são devidos honorários advocatícios para a ‘fase’ ou ‘etapa’ de execução – assim entendidas as atividades executivas que terão início, a pedido do exeqüente, esgotado in albis o prazo a que se refere o caput do artigo 475-J –, sem prejuízo de uma eventual (e muito provável) condenação anterior nesta verba como forma de remuneração do advogado na ‘fase’ ou ‘etapa’ de conhecimento. Esta diretriz, parece-me, decorre naturalmente da incidência do próprio artigo 20, parágrafo 4°, na espécie que, portanto não foi derrogado. Até porque este dispositivo não fez menção a processo de execução, a comportar interpretação mais ampla para incidir toda vez que se fizeremnecessárias atividades executivas, sem necessidade de qualquer alteração legislativa, mas, apenas e tão-somente, de sua compreensão no contexto mais recente do Código de Processo Civil, no atual sistema processual civil. (...) honorários de advogado que serão devidos , sem prejuízo de outros, já arbitrados pelo trabalho desempenhado pelo profissional na faseou etapa de conhecimento, pelas atividades que serão, a partir daquele instante, necessárias ao cumprimento forçado ou, simplesmente, execução do julgado. Não vejo, pelo que acabei de escrever, como negar a subsistência do arbitramento bastante usual no início do ‘processo de execução’, agora ‘fase’ ou ‘etapa’ executiva, dos honorários de advogado na hipótese de não-pagamento pelo devedor.”

De fato, independentemente do nome que se lhe dê, “cumprimento” ou “execução” de sentença, o devedor que não cumpre espontaneamente o julgado deve sujeitar-se ao pagamento de honorários. Tanto antes da Lei 11.232/2005 como agora, depois das modificações por ela introduzidas, a causa para a fixação dos honorários na execução, ou no cumprimento da sentença, continua a mesma: a inércia do devedor, que não satisfaz voluntariamente a obrigação.

Pondo-se evidência no objetivo da reforma processual, percebe-se que o legislador, em boa hora, visou à concretização do pagamento ao credor em tempo razoável, desencorajando o inadimplemento resultante de procrastinação do devedor. E a imposição de honorários de sucumbência no cumprimento da sentença só reforça essa teoria. A exclusão dessa verba contribuiria de maneira indesejável para a perpetuação do velho sistema que o legislador fez questão de banir do ordenamento jurídico.

Além do mais, o não cumprimento espontâneo da decisão

acarreta para o credor o ônus de iniciar a fase de execução do julgado, com a necessidade de trabalho adicional para o advogado, o que justifica a imposição da verba honorária. Como é do conhecimento de todos, os honorários advocatícios que remuneram o profissional pela assistência técnica prestada ao cliente têm natureza alimentar. Assim, sujeitar o causídico a trabalho sem pagamento não seria justo, nem jurídico.

Enfim, ainda que não se trate de execução por meio de processo autônomo, como ficou reservado aos títulos extrajudiciais, são devidos honorários advocatícios, mesmo que não haja a impugnação do devedor, a exemplo do que ocorre nas execuções em geral, sejam elas embargadas ou não ( §4º, artigo 20, CPC ).

NOTAS

1 “A Nova Execução de Sentença”, Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 1ª. Edição, ano 2006, p. 90.

2 “A Nova Definição de Sentença”. In Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Editora Dialética, 2006, nº 39.

3 “A Nova Etapa da Reforma de Código de Processo Civil”, Vol. I, São Paulo, Saraiva, 1ª. Edição.

Foto: Luis Henrique

Page 19: Revista Justiça & Cidadania

18 • JUSTIÇA & CIDADANIA • AGOSTO 2007

Na sistemática introduzida pela Lei 11.232/05, a execução de título judicial deixou de ser autônoma e transformou-se em fase do processo de conhecimento. Consagrou-se, assim, a teoria

de que o procedimento judicial deve ser unitário e, por isso, compreender todas as fases processuais, inclusive a de execução do julgado. A tutela jurisdicional executiva passou a ser mais uma etapa processual. A partir dessa reforma, começaram as divergências acerca da imposição de condenação em honorários advocatícios na fase de cumprimento da sentença. Isso porque a redação do artigo 475-J é omissa a esse respeito. A jurisprudência ainda é controvertida porque a matéria é nova.

No entanto, a lei nova não aboliu a execução de sentença, apenas retirou-lhe a autonomia. A execução deixou de existir como processo autônomo. Tornou-se mero prolongamento do processo de cognição que deu origem ao título executivo. A solução adotada na reforma processual, prestigiando os princípios da efetividade e da celeridade da tutela jurisdicional, apenas extinguiu a dicotomia entre processo de execução e de conhecimento, que inspirou o legislador de 1973. Com esse novo sistema, criou-se um sincretismo entre o processo de conhecimento e o de execução.

Correto afirmar que a execução de título judicial continua a existir conquanto agora não mais se realize em processo autônomo, senão no próprio processo de cognição, como fase última e complementar do processo de cognição, conforme esclarece Alexandre Freitas Câmara1: “O primeiro ponto a ser examinado

é o terminológico. O legislador reformista optou por dar ao novo Capítulo X do Livro I, Título VIII, do Código de Processo Civil, o nome “do cumprimento da sentença”. Isso não pode levar a pensar que não se estará aqui diante de execução. Esta não deixou de existir, mas tão somente deixou de se realizar em processo autônomo em relação ao que gerou a sentença (...).

Pela nova sistemática do CPC, não haverá mais processo executivo, mas continuará a existir atividade executiva. Poder-se-ia então continuar a falar em execução de sentença. Aliás, é o que diz o artigo 475-I, ao dizer que o cumprimento da sentença que condena a pagar dinheiro se faz por execução.”

O professor José Carlos Barbosa Moreira2, sem dúvida alguma, o maior processualista brasileiro, em precisa lição sobre o tema, elucida que: “De acordo com a nova sistemática, os atos executivos devem praticar-se à guisa de prosseguimento do processo em que se julgou, sem solução de continuidade. Em outras palavras: passa a haver um só processo, no qual se realizam, sucessivamente, as atividades cognitiva e executiva. Cumpre sublinhar que essa mudança em nada influi nadistinção ontológica entre as duas atividades.

Cognição e execução constituem segmentos diferentes da função jurisdicional. A lei pode combiná-los de maneira variável, traçar ou não uma fronteira mais ou menos nítida entre os respectivos âmbitos, inserir no bojo de qualquer deles atos típicos do outro, dar precedência a este sobre aquele, juntá-los, separá-los ou entremeá-los, conforme lhe pareça mais conveniente do ponto de vista prático. O que a lei não

APONTAMENTOS SOBRE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA FASE DE CUMPRIMENTO DA SENTENÇA NO PROCESSO CIVIL

Agostinho Teixeira de Almeida Filho

Desembargador do TJ/RJ Integrante do Fórum Permanente de

Direito do Consumidor da EMERJ

2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 19

pode fazer, porque é contrário à natureza das coisas, é torná-los iguais”.

Vê-se, assim, que a execução de sentença, como figura de direito processual, continua a existir,mesmo sem a autonomia de outrora.

E se assim é, o executado deve submeter-se ao pagamento de honorários, nos termos do artigo 20, § 4º, do CPC, que continua em pleno vigor. Cássio Scarpinella Bueno3, Doutor em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, registra: “Minha resposta a esta questão é no sentido de que são devidos honorários advocatícios para a ‘fase’ ou ‘etapa’ de execução – assim entendidas as atividades executivas que terão início, a pedido do exeqüente, esgotado in albis o prazo a que se refere o caput do artigo 475-J –, sem prejuízo de uma eventual (e muito provável) condenação anterior nesta verba como forma de remuneração do advogado na ‘fase’ ou ‘etapa’ de conhecimento. Esta diretriz, parece-me, decorre naturalmente da incidência do próprio artigo 20, parágrafo 4°, na espécie que, portanto não foi derrogado. Até porque este dispositivo não fez menção a processo de execução, a comportar interpretação mais ampla para incidir toda vez que se fizeremnecessárias atividades executivas, sem necessidade de qualquer alteração legislativa, mas, apenas e tão-somente, de sua compreensão no contexto mais recente do Código de Processo Civil, no atual sistema processual civil. (...) honorários de advogado que serão devidos , sem prejuízo de outros, já arbitrados pelo trabalho desempenhado pelo profissional na faseou etapa de conhecimento, pelas atividades que serão, a partir daquele instante, necessárias ao cumprimento forçado ou, simplesmente, execução do julgado. Não vejo, pelo que acabei de escrever, como negar a subsistência do arbitramento bastante usual no início do ‘processo de execução’, agora ‘fase’ ou ‘etapa’ executiva, dos honorários de advogado na hipótese de não-pagamento pelo devedor.”

De fato, independentemente do nome que se lhe dê, “cumprimento” ou “execução” de sentença, o devedor que não cumpre espontaneamente o julgado deve sujeitar-se ao pagamento de honorários. Tanto antes da Lei 11.232/2005 como agora, depois das modificações por ela introduzidas, a causa para a fixação dos honorários na execução, ou no cumprimento da sentença, continua a mesma: a inércia do devedor, que não satisfaz voluntariamente a obrigação.

Pondo-se evidência no objetivo da reforma processual, percebe-se que o legislador, em boa hora, visou à concretização do pagamento ao credor em tempo razoável, desencorajando o inadimplemento resultante de procrastinação do devedor. E a imposição de honorários de sucumbência no cumprimento da sentença só reforça essa teoria. A exclusão dessa verba contribuiria de maneira indesejável para a perpetuação do velho sistema que o legislador fez questão de banir do ordenamento jurídico.

Além do mais, o não cumprimento espontâneo da decisão

acarreta para o credor o ônus de iniciar a fase de execução do julgado, com a necessidade de trabalho adicional para o advogado, o que justifica a imposição da verba honorária. Como é do conhecimento de todos, os honorários advocatícios que remuneram o profissional pela assistência técnica prestada ao cliente têm natureza alimentar. Assim, sujeitar o causídico a trabalho sem pagamento não seria justo, nem jurídico.

Enfim, ainda que não se trate de execução por meio de processo autônomo, como ficou reservado aos títulos extrajudiciais, são devidos honorários advocatícios, mesmo que não haja a impugnação do devedor, a exemplo do que ocorre nas execuções em geral, sejam elas embargadas ou não ( §4º, artigo 20, CPC ).

NOTAS

1 “A Nova Execução de Sentença”, Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 1ª. Edição, ano 2006, p. 90.

2 “A Nova Definição de Sentença”. In Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Editora Dialética, 2006, nº 39.

3 “A Nova Etapa da Reforma de Código de Processo Civil”, Vol. I, São Paulo, Saraiva, 1ª. Edição.

Foto: Luis Henrique

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20 • JUSTIÇA & CIDADANIA • AGOSTO 2007

Foto: ABIA ARMA AINDA É O VOTO CONSCIENTE

Fernando Sampaio Tribuna da Imprensa

O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azêdo, afirmaque os escândalos envolvendo autoridades, políticos, funcionários públicos, advogados

e empresários “são sintomas de que estamos em um país doente”, e que “não há freio à corrupção porque não há punição daqueles que assaltam a coisa pública”. Segundo ele, “prevalece, no Brasil, o entendimento de que a coisa pública não é de ninguém, quando, ao contrário, ela merece respeito, pois pertence a todos, ao conjunto da sociedade”.

Maurício Azêdo alerta que é preciso uma vigilância permanente do voto para a reversão desse quadro. “Parlamentares ladrões, safados, que confessaram inclusive que se apropriaram de fortunas indevidas de forma ilícita, foram reeleitos pelo povo. O deputado mais votado no Brasil (Paulo Maluf ) é um agente político sobre o qual pesam graves acusações de corrupção, e o povo de São Paulo continua a festejá-lo com uma votação de quase 800 mil votos”, desabafou.

Tribuna da Imprensa – Como o senhor analisa a liberdade de imprensa no Brasil?

Maurício Azêdo – Acho que nós vivemos um bom momento da liberdade de imprensa, porque temos uma Constituição democrática, que é respeitada. E, no que diz respeito às linhas gerais do exercício da atividade de imprensa e do jornalismo, nós temos ampla liberdade. É certo que esse clima é turvado pelas ocorrências, principalmente fora

do principal eixo de produção jornalística do País, que é Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Nos municípios do interior e em capitais, temos um clima de restrição, de ameaças, inclusive de violências contra jornalistas, como se deu agora com a morte desse jornalista Luís Carlos Barbon, no interior de São Paulo.

E isso indica que é preciso uma vigilância mais intensa e uma militância mais vigorosa no sentido de que esse clima de liberdade e essas franquias que a Constituição assegura sejam respeitadas e adotadas não apenas nesses centros aos quais me referi, mas, principalmente, no interior. Por outro lado, também, além dessas ameaças, temos uma ação muito forte restritiva da liberdade de imprensa em alguns estados do País. Por exemplo, em Mato Grosso do Sul e no Acre, há denúncias de que o poder político, os governos dos estados, não só orientam o que vai ser publicado e divulgado nos meios de comunicação, jornal, rádio e televisão, através da produção de pautas, como exercem um poder muito grande no sentido da vedação de determinados assuntos.

Nós tivemos, ainda recentemente, o caso de uma denúncia, de uma convocação que se fez no Mato Grosso para apresentação dos termos de denúncia do Ministério Público contra três deputados estaduais. A entrevista coletiva foi convocada, vários veículos de comunicação compareceram, mas nenhum deles registrou uma linha sequer sobre a denúncia, que era uma denúncia responsável feita pelo Ministério Público. Então, temos esse quadro e,

repito, precisamos ter vigilância, porque essas ameaças se tornam mais freqüentes, à medida que nos aproximamos de períodos eleitorais, em que os enfrentamentos políticos são mais ásperos.

TI – Como classificar essa idéia de regulamentar o temapor lei, pela ação de uma agência ou órgão específico?

MA – No caso do Conselho Federal de Jornalismo? Eu penso que essa é uma idéia que parte de um pressuposto errado, porque tenta equiparar o jornalismo a outras atividades regulamentadas, que têm conselhos federais e regionais, como medicina, química e outras categorias, que têm realmente de contar com um organismo de fiscalizaçãopermanente do exercício profissional. No entanto, a atividadedos jornalistas e do jornalismo se processa no campo das idéias. E, no campo das idéias, não deve haver limitação que possa conduzir à conclusão e à permissão de veiculação desta idéia e não da outra.

TI – Qual sua posição quanto à imposição do governo sobre horários de TV?

MA – Na verdade, eu não vejo como uma imposição do governo. Vejo como uma necessidade ditada pela Constituição e pela necessidade de proteger, sobretudo, a infância e a adolescência contra transbordamentos que as emissoras de televisão possam exercer. São horários indica-tivos que as empresas podem ou não respeitar, mas uma medida necessária, porque as concessões de rádio e televisão são algo emanado do poder público. Então, não podem

esses veículos serem administrados como uma coisa parti-cular. São extensões do poder público que as empresas concessionárias exercem e têm que respeitar determinadas normas em benefício do conjunto da sociedade e, principalmente, da formação da infância e da adolescência.

TI – Qual o balanço que o senhor faz do governo Lula?MA – Faço um balanço positivo, a começar pelo

julgamento que ele sofreu nas urnas e que foi aprovado por 62% dos eleitores. Como cidadão, eu vejo alguns pontos preocupantes, como essas idéias de reforma da Previdência, reforma da legislação trabalhista, da legislação sindical, que são propostas que contêm sempre elementos de restrição continuada dos direitos dos trabalhadores e dos assalariados. Eu penso que, nesse ponto, o governo Lula não estabelece grande diferença em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso, que foi um governo nefasto do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores e dos assalariados.

TI – Quais as disparidades brasileiras nas áreas social e econômica?

MA – Acho que a grande disparidade brasileira é a falta de oportunidade de trabalho e de remuneração a grandes segmentos da população. Essa é uma limitação grave, que representa a marginalização e o lançamento na miséria de dezenas e dezenas de milhões de brasileiros. E constitui, essa falha, uma fonte alimentadora da violência, porque não se oferece aos jovens entre 16 e 24 anos a oportunidade

“O PRESIDENTE DA ABI, MAURÍCIO AZÊDO, ALERTA QUE ESCÂNDALOS MOSTRAM QUE O PAÍS ESTÁ DOENTE E NÃO HÁ FREIO

À CORRUPÇÃO.”

ENTR

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Foto: ABIA ARMA AINDA É O VOTO CONSCIENTE

Fernando Sampaio Tribuna da Imprensa

O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azêdo, afirmaque os escândalos envolvendo autoridades, políticos, funcionários públicos, advogados

e empresários “são sintomas de que estamos em um país doente”, e que “não há freio à corrupção porque não há punição daqueles que assaltam a coisa pública”. Segundo ele, “prevalece, no Brasil, o entendimento de que a coisa pública não é de ninguém, quando, ao contrário, ela merece respeito, pois pertence a todos, ao conjunto da sociedade”.

Maurício Azêdo alerta que é preciso uma vigilância permanente do voto para a reversão desse quadro. “Parlamentares ladrões, safados, que confessaram inclusive que se apropriaram de fortunas indevidas de forma ilícita, foram reeleitos pelo povo. O deputado mais votado no Brasil (Paulo Maluf ) é um agente político sobre o qual pesam graves acusações de corrupção, e o povo de São Paulo continua a festejá-lo com uma votação de quase 800 mil votos”, desabafou.

Tribuna da Imprensa – Como o senhor analisa a liberdade de imprensa no Brasil?

Maurício Azêdo – Acho que nós vivemos um bom momento da liberdade de imprensa, porque temos uma Constituição democrática, que é respeitada. E, no que diz respeito às linhas gerais do exercício da atividade de imprensa e do jornalismo, nós temos ampla liberdade. É certo que esse clima é turvado pelas ocorrências, principalmente fora

do principal eixo de produção jornalística do País, que é Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Nos municípios do interior e em capitais, temos um clima de restrição, de ameaças, inclusive de violências contra jornalistas, como se deu agora com a morte desse jornalista Luís Carlos Barbon, no interior de São Paulo.

E isso indica que é preciso uma vigilância mais intensa e uma militância mais vigorosa no sentido de que esse clima de liberdade e essas franquias que a Constituição assegura sejam respeitadas e adotadas não apenas nesses centros aos quais me referi, mas, principalmente, no interior. Por outro lado, também, além dessas ameaças, temos uma ação muito forte restritiva da liberdade de imprensa em alguns estados do País. Por exemplo, em Mato Grosso do Sul e no Acre, há denúncias de que o poder político, os governos dos estados, não só orientam o que vai ser publicado e divulgado nos meios de comunicação, jornal, rádio e televisão, através da produção de pautas, como exercem um poder muito grande no sentido da vedação de determinados assuntos.

Nós tivemos, ainda recentemente, o caso de uma denúncia, de uma convocação que se fez no Mato Grosso para apresentação dos termos de denúncia do Ministério Público contra três deputados estaduais. A entrevista coletiva foi convocada, vários veículos de comunicação compareceram, mas nenhum deles registrou uma linha sequer sobre a denúncia, que era uma denúncia responsável feita pelo Ministério Público. Então, temos esse quadro e,

repito, precisamos ter vigilância, porque essas ameaças se tornam mais freqüentes, à medida que nos aproximamos de períodos eleitorais, em que os enfrentamentos políticos são mais ásperos.

TI – Como classificar essa idéia de regulamentar o temapor lei, pela ação de uma agência ou órgão específico?

MA – No caso do Conselho Federal de Jornalismo? Eu penso que essa é uma idéia que parte de um pressuposto errado, porque tenta equiparar o jornalismo a outras atividades regulamentadas, que têm conselhos federais e regionais, como medicina, química e outras categorias, que têm realmente de contar com um organismo de fiscalizaçãopermanente do exercício profissional. No entanto, a atividadedos jornalistas e do jornalismo se processa no campo das idéias. E, no campo das idéias, não deve haver limitação que possa conduzir à conclusão e à permissão de veiculação desta idéia e não da outra.

TI – Qual sua posição quanto à imposição do governo sobre horários de TV?

MA – Na verdade, eu não vejo como uma imposição do governo. Vejo como uma necessidade ditada pela Constituição e pela necessidade de proteger, sobretudo, a infância e a adolescência contra transbordamentos que as emissoras de televisão possam exercer. São horários indica-tivos que as empresas podem ou não respeitar, mas uma medida necessária, porque as concessões de rádio e televisão são algo emanado do poder público. Então, não podem

esses veículos serem administrados como uma coisa parti-cular. São extensões do poder público que as empresas concessionárias exercem e têm que respeitar determinadas normas em benefício do conjunto da sociedade e, principalmente, da formação da infância e da adolescência.

TI – Qual o balanço que o senhor faz do governo Lula?MA – Faço um balanço positivo, a começar pelo

julgamento que ele sofreu nas urnas e que foi aprovado por 62% dos eleitores. Como cidadão, eu vejo alguns pontos preocupantes, como essas idéias de reforma da Previdência, reforma da legislação trabalhista, da legislação sindical, que são propostas que contêm sempre elementos de restrição continuada dos direitos dos trabalhadores e dos assalariados. Eu penso que, nesse ponto, o governo Lula não estabelece grande diferença em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso, que foi um governo nefasto do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores e dos assalariados.

TI – Quais as disparidades brasileiras nas áreas social e econômica?

MA – Acho que a grande disparidade brasileira é a falta de oportunidade de trabalho e de remuneração a grandes segmentos da população. Essa é uma limitação grave, que representa a marginalização e o lançamento na miséria de dezenas e dezenas de milhões de brasileiros. E constitui, essa falha, uma fonte alimentadora da violência, porque não se oferece aos jovens entre 16 e 24 anos a oportunidade

“O PRESIDENTE DA ABI, MAURÍCIO AZÊDO, ALERTA QUE ESCÂNDALOS MOSTRAM QUE O PAÍS ESTÁ DOENTE E NÃO HÁ FREIO

À CORRUPÇÃO.”

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“ACHO QUE A GRANDE DISPARIDADE BRASILEIRA É A FALTA DE OPORTUNIDADE DE TRABALHO E DE REMUNERAÇÃO A

GRANDES SEGMENTOS DA POPULAÇÃO.”

Maurício AzêdoMaurício Azêdo

Foto: ABI

O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Maurício Azêdo, afirma que os escândalos envolvendo autoridades, políticos, funcionários públicos, advogados

e empresários “são sintomas de que estamos em um país doente”, e que “não há freio à corrupção porque não há punição daqueles que assaltam a coisa pública”. Segundo ele, “prevalece, no Brasil, o entendimento de que a coisa pública não é de ninguém, quando, ao contrário, ela merece respeito, pois pertence a todos, ao conjunto da sociedade”.

Maurício Azêdo alerta que é preciso uma vigilância permanente do voto para a reversão desse quadro. “Parlamentares ladrões, safados, que confessaram inclusive que se apropriaram de fortunas indevidas de forma ilícita, foram reeleitos pelo povo. O deputado mais votado no Brasil (Paulo Maluf ) é um agente político sobre o qual pesam graves acusações de corrupção, e o povo de São Paulo continua a festejá-lo com uma votação de quase 800 mil votos”, desabafou.

Tribuna da Imprensa – Como o senhor analisa a liberdade de imprensa no Brasil?

Maurício Azêdo – Acho que nós vivemos um bom momento da liberdade de imprensa, porque temos uma Constituição democrática, que é respeitada. E, no que diz respeito às linhas gerais do exercício da atividade de imprensa e do jornalismo, nós temos ampla liberdade. É certo que esse clima é turvado pelas ocorrências, principalmente fora

do principal eixo de produção jornalística do País, que é Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Nos municípios do interior e em capitais, temos um clima de restrição, de ameaças, inclusive de violências contra jornalistas, como se deu agora com a morte desse jornalista Luís Carlos Barbon, no interior de São Paulo.

E isso indica que é preciso uma vigilância mais intensa e uma militância mais vigorosa no sentido de que esse clima de liberdade e essas franquias que a Constituição assegura sejam respeitadas e adotadas não apenas nesses centros aos quais me referi, mas, principalmente, no interior. Por outro lado, também, além dessas ameaças, temos uma ação muito forte restritiva da liberdade de imprensa em alguns estados do País. Por exemplo, em Mato Grosso do Sul e no Acre, há denúncias de que o poder político, os governos dos estados, não só orientam o que vai ser publicado e divulgado nos meios de comunicação, jornal, rádio e televisão, através da produção de pautas, como exercem um poder muito grande no sentido da vedação de determinados assuntos.

Nós tivemos, ainda recentemente, o caso de uma denúncia, de uma convocação que se fez no Mato Grosso para apresentação dos termos de denúncia do Ministério Público contra três deputados estaduais. A entrevista coletiva foi convocada, vários veículos de comunicação compareceram, mas nenhum deles registrou uma linha sequer sobre a denúncia, que era uma denúncia responsável feita pelo Ministério Público. Então, temos esse quadro e,

repito, precisamos ter vigilância, porque essas ameaças se tornam mais freqüentes, à medida que nos aproximamos de períodos eleitorais, em que os enfrentamentos políticos são mais ásperos.

TI – Como classificar essa idéia de regulamentar o tema por lei, pela ação de uma agência ou órgão específico?

MA – No caso do Conselho Federal de Jornalismo? Eu penso que essa é uma idéia que parte de um pressuposto errado, porque tenta equiparar o jornalismo a outras atividades regulamentadas, que têm conselhos federais e regionais, como medicina, química e outras categorias, que têm realmente de contar com um organismo de fiscalização permanente do exercício profissional. No entanto, a atividade dos jornalistas e do jornalismo se processa no campo das idéias. E, no campo das idéias, não deve haver limitação que possa conduzir à conclusão e à permissão de veiculação desta idéia e não da outra.

TI – Qual sua posição quanto à imposição do governo sobre horários de TV?

MA – Na verdade, eu não vejo como uma imposição do governo. Vejo como uma necessidade ditada pela Constituição e pela necessidade de proteger, sobretudo, a infância e a adolescência contra transbordamentos que as emissoras de televisão possam exercer. São horários indica-tivos que as empresas podem ou não respeitar, mas uma medida necessária, porque as concessões de rádio e televisão são algo emanado do poder público. Então, não podem

esses veículos serem administrados como uma coisa parti-cular. São extensões do poder público que as empresas concessionárias exercem e têm que respeitar determinadas normas em benefício do conjunto da sociedade e, principalmente, da formação da infância e da adolescência.

TI – Qual o balanço que o senhor faz do governo Lula?MA – Faço um balanço positivo, a começar pelo

julgamento que ele sofreu nas urnas e que foi aprovado por 62% dos eleitores. Como cidadão, eu vejo alguns pontos preocupantes, como essas idéias de reforma da Previdência, reforma da legislação trabalhista, da legislação sindical, que são propostas que contêm sempre elementos de restrição continuada dos direitos dos trabalhadores e dos assalariados. Eu penso que, nesse ponto, o governo Lula não estabelece grande diferença em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso, que foi um governo nefasto do ponto de vista dos interesses dos trabalhadores e dos assalariados.

TI – Quais as disparidades brasileiras nas áreas social e econômica?

MA – Acho que a grande disparidade brasileira é a falta de oportunidade de trabalho e de remuneração a grandes segmentos da população. Essa é uma limitação grave, que representa a marginalização e o lançamento na miséria de dezenas e dezenas de milhões de brasileiros. E constitui, essa falha, uma fonte alimentadora da violência, porque não se oferece aos jovens entre 16 e 24 anos a oportunidade

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de trabalho e de ajudar no sustento de suas casas, de suas famílias, tornando-os presa fácil dos dinheiros oferecidos pelos traficantes e outros grupos criminosos.

TI – Como analisar essa série de escândalos envolvendo parlamentares e autoridades em geral, principalmente do Poder Judiciário?

MA – São sintomas de que estamos em um país doente. E não há freio à corrupção porque não há punição daqueles que assaltam a coisa pública. Prevalece, no Brasil, o entendimento de que a coisa pública não é de ninguém, quando, ao contrário, ela merece mais respeito, porque pertence a todos, ao conjunto da sociedade. E as agressões que são cometidas contra a coisa pública devem ter uma punição vigorosa, da qual a gente não tem notícia. À exceção do caso do juiz Nicolau (Nicolau dos Santos Neto, presidente do Tribunal Regional de São Paulo, condenado por superfaturar as obras do prédio do tribunal), não temos notícia de um pequeno ou de um grande ladrão da coisa pública que esteja privado da liberdade e tenha sido punido pelo dano que causou à economia pública.

TI – E a imagem do Congresso Nacional diante de tantos escândalos?

MA – Acho que fica sempre muito afetada, muitoprejudicada, porque transmite a impressão de que o Congresso se constitui em um ajuntamento de meliantes de variada natureza, o que não é verdade. No Congresso, há a grande maioria de homens probos, de homens que trabalham dia e noite em seu mister legislativo, e esses maus parlamentares transmitem para o conjunto da sociedade a idéia de que o Congresso está infestado de ladrões, de oportunistas, de aproveitadores, o que não é verdade.

TI – Como o senhor vê a questão do crime organizado no País?

MA – Acho que essa é uma questão muito difícil de enfrentar. Não vejo solução a curto prazo, tanto no âmbito nacional quanto no âmbito local do Rio de Janeiro, porque não se aplica, nessa área, os recursos que seriam necessários, e não há uma política nacional no âmbito de cada região que contemple com uma perspectiva de eficácia a ações paracontenção da criminalidade. Os grupos do crime organizado, em alguns estados e algumas áreas, são protegidos pelo próprio poder público.

Aqui na Cidade do Rio de Janeiro, temos a aberração da principal festa popular (carnaval) ser administrada pela entidade dos contraventores e de agentes que têm ligação com outro tipo de criminalidade. Ora, se uma cidade como o Rio de Janeiro confere padrão de respeitabilidade à pessoa que age à margem da lei, nós vemos que há um estímulo ao crime organizado, uma condescendência inadmissível, e se desenha uma impossibilidade de contenção dos crimes que esses grupos patrocinam.

TI – E a violência, de maneira geral, principalmente no Rio de Janeiro?

MA – Essa é a questão básica que decorre da existência do crime organizado. Nós temos umas políticas de enfren-

tamento da criminalidade inadequadas, e a ABI promoveu, por iniciativa de seu conselheiro Leny Novaes de Araújo – que teve um filho morto por uma chamada impropriamentede “bala perdida” –, um debate em torno do tema “Rio Unido Contra o Crime”, e trouxe para debater a questão o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, e o secretário Nacional de Justiça, Antônio Carlos Biscaia, que mostraram a ineficácia das ações e dos planejamentos feitos pelasautoridades, não só no Rio de Janeiro mas também em outros pontos do País.

Essa idéia de que o Rio “trava uma guerra contra o crime”, que foi exposta com muita clareza pelo presidente da OAB-RJ, é inapropriada, porque guerra pressupõe a morte, principalmente de inocentes. E é o que está ocorrendo no Rio de Janeiro em decorrência dessa política de enfrentamento, que é ineficaz. O secretário deSegurança Pública do Rio (José Mariano Beltrame) está defendendo essas tentativas de invasão, por exemplo, do complexo do Alemão, e isso não vai conduzir a resultados eficazes no sentido da contenção da criminalidade, e vaigerar vítimas dos dois lados, entre a população, os policiais e os traficantes, que precisam ser presos, e não mortos emtiroteios.

TI – Qual sua posição sobre a Lei da Anistia que veio em plena ditadura, em 1979, e de reconhecidos torturadores não pagarem pelos crimes que cometeram e ainda são homenageados?

MA – Acho essa uma anomalia da vida nacional, que perdoa quem cometeu crimes inenarráveis, com extremada violência e crueldade. Mas eu penso que, ao contrário do que ocorreu e está ocorrendo na Argentina, após a posse do presidente Néstor Kirchner, acho que, no Brasil, não há condições políticas, não há forças sociais e políticas capazes de modificar o sentido da anistia concedida em1979, que favoreceu, inclusive, os torturadores, permitindo que muitos deles sejam destinatários de homenagens indevidas.

TI – Qual a necessidade da reabertura do debate sobre a tortura?

MA – Creio que não há necessidade da reabertura de debate sobre a tortura. O que acho é que deve haver uma ação militante da sociedade, através de suas instituições representativas, contra todas as formas de tortura, que não se limitam a imposição de suplícios físicos às pessoas, mas também a tratamentos que estão desde há muito a merecer uma retificação.

Por exemplo, a situação dos presídios no País constitui uma fonte permanente de tortura. As pessoas que estão lá, com grau variado de gravidade de seus crimes por aí, enfrentam situações que não se atribuem nem a bichos, nem a animais. Então, eu penso que não se trata da reabertura do debate sobre a tortura, mas de uma tomada permanente de posição contra a tortura, com as variadas formas que ela assume nos dias em que nós vivemos.

2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 23

TI – O Brasil é o único País do continente que não está revendo a Lei da Anistia. Não deveria seguir o exemplo do Chile, no caso do ex-ditador Augusto Pinochet?

MA – Cada país é um país. Eu entendo que, no Brasil, não há condições políticas, e não há forças políticas e sociais com poder suficiente para reverter esse quadro que foi fixado há quase 30 anos. Ao contrário do que ocorreu noChile e na Argentina, onde a barbaridade chegou a um ponto em que o conjunto da sociedade – após a redemocratização desses países – estabeleceu como uma exigência natural da posse de governos democráticos a cassação da impunidade com que foram contemplados os torturadores. Aqui, no Brasil, não há condições, na minha visão, de se reverter esse quadro, porque o conjunto da sociedade, a maioria do povo, está distante dessa questão, que só pode se tornar realidade com a revisão dessa legislação, caso se constitua uma idéia com força. E a idéia com força precisa ter povo, gente atrás, o que não ocorre no Brasil, no momento.

TI – Como analisar os direitos humanos no País?MA – Volto à questão de que os direitos humanos têm

uma forma variada. Nos anos 60, 70 e 80, nós tínhamos uma militância no campo da defesa dos direitos humanos muito voltada para a defesa da integridade e da vida dos militantes políticos que eram torturados e tratados com extrema violência pela ditadura militar. Hoje, exige-se nova forma de conceituação da questão, porque os direitos humanos têm uma largueza que se manifesta no dia a dia, como nesse exemplo que mencionei na situação dos presídios, no abandono dos jovens sem oportunidade de emprego. Também a situação dos hospitais públicos, que são instâncias calamitosas a que o povo recorre com esperanças que não são concretizadas. Enfim, os direitos humanos hojetêm uma diversidade e se confundem muito com os direitos sociais que são negados e sonegados à grande massa da população brasileira.

TI – Qual seu alerta contra a impunidade, a corrupção e a falta de ética no País?

MA – Acho que o povo deve estar atento a isso e utilizar o elemento periódico que tem de intervenção nessa questão, que é o voto. Parlamentares ladrões, safados, que confessaram a apropriação de fortunas indevidas de forma ilícita e que foram reeleitos pelo povo. O deputado (federal) mais votado no Brasil é Paulo Maluf. Ele é um agente político sobre o qual pesam graves acusações de corrupção, e o povo de São Paulo continua a festejá-lo com uma votação de quase 800 mil votos.

Então, para a reversão desse quadro, é preciso uma vigilância permanente do voto, e o povo precisa ser educado a usar de melhor forma seu voto. Há um lema antigo que dizia que “o voto é a arma do cidadão”, e ele continua a manter a atualidade. O povo deve utilizar seu voto contra os corruptos, contra os safados, contra aqueles que não vão transformar o mandato em uma forma de servir à sociedade, e sim uma forma de obter ganhos indevidos.

“OS DIREITOS HUMANOS HOJE TÊM UMA

DIVERSIDADE E SE CONFUNDEM MUITO COM

OS DIREITOS SOCIAIS QUE SÃO NEGADOS E

SONEGADOS À GRANDE MASSA DA POPULAÇÃO

BRASILEIRA.”

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22 • JUSTIÇA & CIDADANIA • AGOSTO 2007

de trabalho e de ajudar no sustento de suas casas, de suas famílias, tornando-os presa fácil dos dinheiros oferecidos pelos traficantes e outros grupos criminosos.

TI – Como analisar essa série de escândalos envolvendo parlamentares e autoridades em geral, principalmente do Poder Judiciário?

MA – São sintomas de que estamos em um país doente. E não há freio à corrupção porque não há punição daqueles que assaltam a coisa pública. Prevalece, no Brasil, o entendimento de que a coisa pública não é de ninguém, quando, ao contrário, ela merece mais respeito, porque pertence a todos, ao conjunto da sociedade. E as agressões que são cometidas contra a coisa pública devem ter uma punição vigorosa, da qual a gente não tem notícia. À exceção do caso do juiz Nicolau (Nicolau dos Santos Neto, presidente do Tribunal Regional de São Paulo, condenado por superfaturar as obras do prédio do tribunal), não temos notícia de um pequeno ou de um grande ladrão da coisa pública que esteja privado da liberdade e tenha sido punido pelo dano que causou à economia pública.

TI – E a imagem do Congresso Nacional diante de tantos escândalos?

MA – Acho que fica sempre muito afetada, muitoprejudicada, porque transmite a impressão de que o Congresso se constitui em um ajuntamento de meliantes de variada natureza, o que não é verdade. No Congresso, há a grande maioria de homens probos, de homens que trabalham dia e noite em seu mister legislativo, e esses maus parlamentares transmitem para o conjunto da sociedade a idéia de que o Congresso está infestado de ladrões, de oportunistas, de aproveitadores, o que não é verdade.

TI – Como o senhor vê a questão do crime organizado no País?

MA – Acho que essa é uma questão muito difícil de enfrentar. Não vejo solução a curto prazo, tanto no âmbito nacional quanto no âmbito local do Rio de Janeiro, porque não se aplica, nessa área, os recursos que seriam necessários, e não há uma política nacional no âmbito de cada região que contemple com uma perspectiva de eficácia a ações paracontenção da criminalidade. Os grupos do crime organizado, em alguns estados e algumas áreas, são protegidos pelo próprio poder público.

Aqui na Cidade do Rio de Janeiro, temos a aberração da principal festa popular (carnaval) ser administrada pela entidade dos contraventores e de agentes que têm ligação com outro tipo de criminalidade. Ora, se uma cidade como o Rio de Janeiro confere padrão de respeitabilidade à pessoa que age à margem da lei, nós vemos que há um estímulo ao crime organizado, uma condescendência inadmissível, e se desenha uma impossibilidade de contenção dos crimes que esses grupos patrocinam.

TI – E a violência, de maneira geral, principalmente no Rio de Janeiro?

MA – Essa é a questão básica que decorre da existência do crime organizado. Nós temos umas políticas de enfren-

tamento da criminalidade inadequadas, e a ABI promoveu, por iniciativa de seu conselheiro Leny Novaes de Araújo – que teve um filho morto por uma chamada impropriamentede “bala perdida” –, um debate em torno do tema “Rio Unido Contra o Crime”, e trouxe para debater a questão o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, e o secretário Nacional de Justiça, Antônio Carlos Biscaia, que mostraram a ineficácia das ações e dos planejamentos feitos pelasautoridades, não só no Rio de Janeiro mas também em outros pontos do País.

Essa idéia de que o Rio “trava uma guerra contra o crime”, que foi exposta com muita clareza pelo presidente da OAB-RJ, é inapropriada, porque guerra pressupõe a morte, principalmente de inocentes. E é o que está ocorrendo no Rio de Janeiro em decorrência dessa política de enfrentamento, que é ineficaz. O secretário deSegurança Pública do Rio (José Mariano Beltrame) está defendendo essas tentativas de invasão, por exemplo, do complexo do Alemão, e isso não vai conduzir a resultados eficazes no sentido da contenção da criminalidade, e vaigerar vítimas dos dois lados, entre a população, os policiais e os traficantes, que precisam ser presos, e não mortos emtiroteios.

TI – Qual sua posição sobre a Lei da Anistia que veio em plena ditadura, em 1979, e de reconhecidos torturadores não pagarem pelos crimes que cometeram e ainda são homenageados?

MA – Acho essa uma anomalia da vida nacional, que perdoa quem cometeu crimes inenarráveis, com extremada violência e crueldade. Mas eu penso que, ao contrário do que ocorreu e está ocorrendo na Argentina, após a posse do presidente Néstor Kirchner, acho que, no Brasil, não há condições políticas, não há forças sociais e políticas capazes de modificar o sentido da anistia concedida em1979, que favoreceu, inclusive, os torturadores, permitindo que muitos deles sejam destinatários de homenagens indevidas.

TI – Qual a necessidade da reabertura do debate sobre a tortura?

MA – Creio que não há necessidade da reabertura de debate sobre a tortura. O que acho é que deve haver uma ação militante da sociedade, através de suas instituições representativas, contra todas as formas de tortura, que não se limitam a imposição de suplícios físicos às pessoas, mas também a tratamentos que estão desde há muito a merecer uma retificação.

Por exemplo, a situação dos presídios no País constitui uma fonte permanente de tortura. As pessoas que estão lá, com grau variado de gravidade de seus crimes por aí, enfrentam situações que não se atribuem nem a bichos, nem a animais. Então, eu penso que não se trata da reabertura do debate sobre a tortura, mas de uma tomada permanente de posição contra a tortura, com as variadas formas que ela assume nos dias em que nós vivemos.

2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 23

TI – O Brasil é o único País do continente que não está revendo a Lei da Anistia. Não deveria seguir o exemplo do Chile, no caso do ex-ditador Augusto Pinochet?

MA – Cada país é um país. Eu entendo que, no Brasil, não há condições políticas, e não há forças políticas e sociais com poder suficiente para reverter esse quadro que foi fixado há quase 30 anos. Ao contrário do que ocorreu noChile e na Argentina, onde a barbaridade chegou a um ponto em que o conjunto da sociedade – após a redemocratização desses países – estabeleceu como uma exigência natural da posse de governos democráticos a cassação da impunidade com que foram contemplados os torturadores. Aqui, no Brasil, não há condições, na minha visão, de se reverter esse quadro, porque o conjunto da sociedade, a maioria do povo, está distante dessa questão, que só pode se tornar realidade com a revisão dessa legislação, caso se constitua uma idéia com força. E a idéia com força precisa ter povo, gente atrás, o que não ocorre no Brasil, no momento.

TI – Como analisar os direitos humanos no País?MA – Volto à questão de que os direitos humanos têm

uma forma variada. Nos anos 60, 70 e 80, nós tínhamos uma militância no campo da defesa dos direitos humanos muito voltada para a defesa da integridade e da vida dos militantes políticos que eram torturados e tratados com extrema violência pela ditadura militar. Hoje, exige-se nova forma de conceituação da questão, porque os direitos humanos têm uma largueza que se manifesta no dia a dia, como nesse exemplo que mencionei na situação dos presídios, no abandono dos jovens sem oportunidade de emprego. Também a situação dos hospitais públicos, que são instâncias calamitosas a que o povo recorre com esperanças que não são concretizadas. Enfim, os direitos humanos hojetêm uma diversidade e se confundem muito com os direitos sociais que são negados e sonegados à grande massa da população brasileira.

TI – Qual seu alerta contra a impunidade, a corrupção e a falta de ética no País?

MA – Acho que o povo deve estar atento a isso e utilizar o elemento periódico que tem de intervenção nessa questão, que é o voto. Parlamentares ladrões, safados, que confessaram a apropriação de fortunas indevidas de forma ilícita e que foram reeleitos pelo povo. O deputado (federal) mais votado no Brasil é Paulo Maluf. Ele é um agente político sobre o qual pesam graves acusações de corrupção, e o povo de São Paulo continua a festejá-lo com uma votação de quase 800 mil votos.

Então, para a reversão desse quadro, é preciso uma vigilância permanente do voto, e o povo precisa ser educado a usar de melhor forma seu voto. Há um lema antigo que dizia que “o voto é a arma do cidadão”, e ele continua a manter a atualidade. O povo deve utilizar seu voto contra os corruptos, contra os safados, contra aqueles que não vão transformar o mandato em uma forma de servir à sociedade, e sim uma forma de obter ganhos indevidos.

“OS DIREITOS HUMANOS HOJE TÊM UMA

DIVERSIDADE E SE CONFUNDEM MUITO COM

OS DIREITOS SOCIAIS QUE SÃO NEGADOS E

SONEGADOS À GRANDE MASSA DA POPULAÇÃO

BRASILEIRA.”

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SEGURANÇA PÚBLICA: QUESTÕES ESTRUTURAIS E CONJUNTURAISSergio Simões Caldas*

Delegado de Polícia

O fenômeno da violência, como sabido, é complexo e de múltiplas causas. Uma política consistente de segurança pública deve, necessariamente, incorporar ações sociais de caráter preventivo

(chamadas de “Prevenção Primária”) que, integradas à esfera policial, proporcionarão um enfrentamento mais efetivo do problema em toda sua totalidade e complexidade.

O presente resumo tem por objetivo fornecer elementos sobre o complexo diagnóstico encontrado no ramo da segurança pública nas últimas décadas através de uma análise crítica das falhas estruturais e conjunturais do sistema estatal e dos processos de discriminação negativa na formação dos jovens criados em comunidades carentes ao longo da história, assim como suas conseqüentes implicações socioeconômicas no contexto dos ambientes em que vivem e das incidências criminais.

Aspectos culturais, sociais e políticos do Brasil relativos à infância brasileira

O estudo de Philippe Ariès em seu livro “História Social da Criança e da Família”, Guanabara Koogan, 1978, nos informa sobre a modernidade do conceito de infância.

Embora inovadora por discutir a infância enquanto uma construção histórica, ela está baseada na realidade européia, que, apesar de ter influenciado fortemente o mundo ocidental,não pode ser generalizada ou transportada de forma mecânica para a realidade brasileira.

Ressalta-se que, desde o início do período colonial, a sociedade brasileira é marcada por diferenças gritantes de distribuição de renda e poder, o que propiciou a emergência de infâncias diferentes em classes sociais distintas.

Segundo Mary Del Priori (org.), “História das crianças no Brasil”, Contexto, 2004, tanto a escolarização quanto a emergência da vida privada tardaram a chegar em nosso país, não sendo, portanto, a base de apoio para a formação do sentimento de infância. A história de nossas crianças seguiu o mesmo caminho da vivida pelos adultos, tendo sido feita a sua sombra.

Infelizmente, este panorama ainda faz parte da sociedade brasileira no que diz respeito à infância, com crianças fazendo malabarismos nos sinais de trânsito, ou vendendo balas, complementando o orçamento doméstico. Isto remete ao distanciamento da escolarização, tendo uma infância marcada pela ausência, ou até mesmo pela negação dos sonhos infantis e de perspectivas de vida; característica de conseqüências psicológicas graves em um cotidiano onde o consumo é quase uma imposição da mídia, e a idealização da malandragem é um dos ícones de muitos de nossos autores de livros, filmes e novelas.

A análise do crimeA análise dos crimes e sua distribuição pelo espaço

territorial sempre foram objeto de estudos pelas Ciências Sociais. Uma das primeiras incursões nesta área é encontrada em Durkheim (1977), e o trabalho clássico enfocando esta questão é de Shaw e McKey (1942), realizado na cidade de Chicago, onde mostram, por meio de taxas de delinqüência juvenil, a gradativa diminuição de sua incidência, à medida que se desloca do centro da cidade em direção às áreas de subúrbio. Na opinião dos autores, a taxa de delinqüência está relacionada à posição geográfica no interior da cidade e àquela correspondiam posições socioeconômicas bem definidas.

Wagner Cinelli de Paula Freitas, em seu livro “Espaço Urbano e Criminalidade – Lições da Escola de Chicago”, Editora Método, 2004, discorre sobre o assunto de forma didática.

Vários autores concluíram que o aumento da criminalidade durante certo período se deveu, majoritariamente, ao aumento da população masculina compreendida entre 13 e 19 anos.

Estudos enfatizam que a questão dos crimes urbanos perpassa a análise geográfica do crime, considerando ascircunstâncias físicas e ambientais imediatas, em conjunto com avaliação de outros níveis do processo social.

A análise criminal é cada vez mais importante no gerenciamento da polícia moderna e eficiente. A metodologiase vale da organização inteligente de banco de dados a

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2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 25

partir de cuidadosa coleta e registro dos dados criminais.

Vale lembrar que o Estado do Rio de Janeiro adota a metodologia apropriada quanto à origem da coleta para a formação do banco de dados, visto que sua construção é feita a partir dos Registros de Ocorrências e de Aditamentos. Tal trabalho informati-zado da PCERJ teve início embrionário na zona sul da cidade, em 1995, culminando, atualmente, com o moderno Sistema das Delegacias Legais em rede. Os dados oriundos de Unidades Convencionais (não Legais) são inseridos no Sistema a partir de digitadores.

Os dados primários possuem inques-tionável credibilidade em razão da única fonte de entrada, visto que todas as ocorrências policiais são encaminhadas às Delegacias de Polícia, podendo a comunicação ser efetuada pelas Polícias Militar, Federal, Rodoviária Federal, Guardas Municipais, pela vítima, pela testemunha, pelo Judi-ciá-rio, pelo Ministério Público, etc.

Os Aditamentos efetuados nos Registros de Ocorrência e a inclusão dos Institutos de Perícia no Sistema mantêm o banco atualizado.

Conceito analítico do ambiente – Favela – comunidade carente – área de risco

Favela – “Conjunto de habitações populares, toscamente construídas e desprovidas de recursos higiênicos’’, Dicionário Aurélio. Sabemos que, atualmente, muitas comunidades que ainda citamos como favelas não possuem tais características, em razão da urbanização e relativas condições de higiene e acessibilidade.

Os registros contam que a primeira favela na cidade do Rio de Janeiro, no extinto morro de Santo Antônio, surgiu em meados de 1897, com cerca de 41 barracos. Há relatos de

que ela seria habitada por soldados da Guerra de Canudos, oriundos do sertão nordestino.

No mesmo ano, nascia também a favela da Providência, situada entre o Centro e o Porto do Rio. A favela ainda existe no mesmo local e está comemorando seus 110 anos de existência.

Como o Rio tornou-se um dos centros econômicos do país, a migração foi ficando cada vez mais intensa, assim como a dificuldade de receber essas pessoas.

Como ainda ocorre, o Estado lato sensu não possuía uma estrutura organizada e uma divisão de espaços planejados para ocupações especializadas. A omissão dos governos em relação a um planejamento sério sobre a ocupação dos territórios urbanos permeou a evolução de nossa cidade, culminando na absoluta confusão habitacional que enfrentamos hoje.

Em 1907, a zona sul, principalmente os morros de Copacabana, já estavam tomados por barracos. Assim como os morros do Salgueiro e Mangueira, por volta de 1910. Após 1930, entretanto, a procura por esses locais de moradia

Foto: Arquivo Pessoal

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SEGURANÇA PÚBLICA: QUESTÕES ESTRUTURAIS E CONJUNTURAISSergio Simões Caldas*

Delegado de Polícia

O fenômeno da violência, como sabido, é complexo e de múltiplas causas. Uma política consistente de segurança pública deve, necessariamente, incorporar ações sociais de caráter preventivo

(chamadas de “Prevenção Primária”) que, integradas à esfera policial, proporcionarão um enfrentamento mais efetivo do problema em toda sua totalidade e complexidade.

O presente resumo tem por objetivo fornecer elementos sobre o complexo diagnóstico encontrado no ramo da segurança pública nas últimas décadas através de uma análise crítica das falhas estruturais e conjunturais do sistema estatal e dos processos de discriminação negativa na formação dos jovens criados em comunidades carentes ao longo da história, assim como suas conseqüentes implicações socioeconômicas no contexto dos ambientes em que vivem e das incidências criminais.

Aspectos culturais, sociais e políticos do Brasil relativos à infância brasileira

O estudo de Philippe Ariès em seu livro “História Social da Criança e da Família”, Guanabara Koogan, 1978, nos informa sobre a modernidade do conceito de infância.

Embora inovadora por discutir a infância enquanto uma construção histórica, ela está baseada na realidade européia, que, apesar de ter influenciado fortemente o mundo ocidental,não pode ser generalizada ou transportada de forma mecânica para a realidade brasileira.

Ressalta-se que, desde o início do período colonial, a sociedade brasileira é marcada por diferenças gritantes de distribuição de renda e poder, o que propiciou a emergência de infâncias diferentes em classes sociais distintas.

Segundo Mary Del Priori (org.), “História das crianças no Brasil”, Contexto, 2004, tanto a escolarização quanto a emergência da vida privada tardaram a chegar em nosso país, não sendo, portanto, a base de apoio para a formação do sentimento de infância. A história de nossas crianças seguiu o mesmo caminho da vivida pelos adultos, tendo sido feita a sua sombra.

Infelizmente, este panorama ainda faz parte da sociedade brasileira no que diz respeito à infância, com crianças fazendo malabarismos nos sinais de trânsito, ou vendendo balas, complementando o orçamento doméstico. Isto remete ao distanciamento da escolarização, tendo uma infância marcada pela ausência, ou até mesmo pela negação dos sonhos infantis e de perspectivas de vida; característica de conseqüências psicológicas graves em um cotidiano onde o consumo é quase uma imposição da mídia, e a idealização da malandragem é um dos ícones de muitos de nossos autores de livros, filmes e novelas.

A análise do crimeA análise dos crimes e sua distribuição pelo espaço

territorial sempre foram objeto de estudos pelas Ciências Sociais. Uma das primeiras incursões nesta área é encontrada em Durkheim (1977), e o trabalho clássico enfocando esta questão é de Shaw e McKey (1942), realizado na cidade de Chicago, onde mostram, por meio de taxas de delinqüência juvenil, a gradativa diminuição de sua incidência, à medida que se desloca do centro da cidade em direção às áreas de subúrbio. Na opinião dos autores, a taxa de delinqüência está relacionada à posição geográfica no interior da cidade e àquela correspondiam posições socioeconômicas bem definidas.

Wagner Cinelli de Paula Freitas, em seu livro “Espaço Urbano e Criminalidade – Lições da Escola de Chicago”, Editora Método, 2004, discorre sobre o assunto de forma didática.

Vários autores concluíram que o aumento da criminalidade durante certo período se deveu, majoritariamente, ao aumento da população masculina compreendida entre 13 e 19 anos.

Estudos enfatizam que a questão dos crimes urbanos perpassa a análise geográfica do crime, considerando ascircunstâncias físicas e ambientais imediatas, em conjunto com avaliação de outros níveis do processo social.

A análise criminal é cada vez mais importante no gerenciamento da polícia moderna e eficiente. A metodologiase vale da organização inteligente de banco de dados a

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aumentou bastante. Segundo a Estatística Predial de 1933, os casebres das favelas, nesse ano, representavam 20,58% (46.192) do total de prédios da cidade.

Na década de 40, as favelas já tinham se proliferado e começaram a ser reconhecidas pelo governo. Em 1947, foi realizado o primeiro Censo oficial nas favelas.

A falta de rigorosa fiscalização sobre a ocupação irregular do espaço urbano resultou na condição de desordem hoje diagnosticada, onde encontramos, nesta cidade, mais de setecentas comunidades do gênero e mais de outras trezentas sob o domínio de facções criminosas.

Contextualização da violência urbana e as percepções da população e da mídia

Na obra do autor Marcos Alvito Pereira de Souza, “As cores de Acari: uma favela carioca”, Editora Fundação Getúlio Vargas, 2001, é enfocada a interrupção do tráficoostensivo, o desaparecimento dos “meninos” em armas das ruas, o patrulhamento incessante das localidades por policiais, poupando os sobressaltos causados pelas antes diárias “bati-das” e afastando o fantasma de uma possível “tomada da favela” por um bando inimigo, causaram outras mudanças além da já referida.

“A paz levou a uma reconquista do espaço ‘público’ pelas crianças e os mais velhos: saíram os walkie-talkies e os fuzis automáticos, voltaram o carteado à sombra da árvore, a mesa de pingue-pongue improvisada, o jogo de futebol no meio da rua, as meninas pulando corda”, conforme o autor.

Vale registrar, porém, que mesmo os que sofreram dificuldades financeiras devido à brusca diminuição da atividade econômica ilícita em Acari jamais demonstraram sentir saudades do que ocorria antes. Com cautela natural dos que se sentem permanentemente vigiados, após certificarem-se de que não havia ninguém suspeito por perto, abriram um vasto sorriso e afirmavam: “a favela está uma uva”.

Todavia, meses após a ocupação daquela comunidade, em 1996, o policiamento especial foi retirado e os equipamentos estatais básicos não chegaram. Isso foi o bastante para que a criminalidade voltasse a “comandar” o local.

Com relação à percepção midiática, devemos observar a abordagem acerca do tema em matérias jornalísticas, tais como: “Veja – Editora Abril – Nº 644 – 7 de Janeiro de 1981 – A guerra civil no rio – 2000 mortos na Baixada Fluminense em 1980 – População obedece à ‘Lei do Silêncio’ para não morrer.”

Como também: “Um prédio inteiro assaltado em Ipanema – Milionário diz que o governo perdeu o controle da situação”. E, na mesma linha: “Comércio clandestino de armas bate recordes no Rio de Janeiro”. “O Rio de Janeiro torna-se, aos poucos, o quintal do crime numa cidade despoliciada”.

Percebe-se que, já na década de 80, a imprensa fluminensepautava as notícias dos crimes como principal produto para chamar a atenção de seus consumidores, provocando a denominada retroalimentação da violência através do

noticiário. Analogamente à dependência química do viciado em drogas, fala-se da dependência editorial e comercial da mídia em relação à violência.

A utilização da tecnologia é fundamental, mas a falta de permanência policial nas comunidades cria uma lacuna no planejamento

Tecnologias da informação e investigativa existem com grande qualidade em muitos países do mundo. O sistema de visualização do planeta através de satélites também é um importante instrumento de prevenção e repressão criminal, estando, atualmente, seus preços bem mais acessíveis que na época que essa tecnologia passou a ser disponibilizada.

O próprio Exército Brasileiro tem acesso a ferramentas tecnológicas de alto nível, que poderiam ser acessadas pelos órgãos de segurança pública lato sensu através de atos e protocolos de reciprocidade, como Convênios, etc.

Já assistimos a demonstrações nos EUA e em Brasília de tecnologias que possibilitam localização de aparelhos eletrônicos e pessoas com incrível grau de aproximação. Os mecanismos de tecnologia da informação aplicada à análise de vínculos na atividade policial também tiveram um impressionante desenvolvimento.

Todo esse aparato atinge um elevado percentual em termos de prevenção e repressão às infrações praticadas, desde que o acesso dos órgãos auxiliares e parceiros da Justiça aos locais de crime ocorra de forma natural.

Todavia, essa lógica não pode ser aplicada às comunidades onde a acessibilidade dos órgãos de segurança pública é inver-samente proporcional à petulância e ao armamento utilizado pelos criminosos, que representam ínfimo percentual da popu-lação da região. Para uma diligência qualquer indispensável ao andamento de uma apuração policial, às vezes, faz-se necessária uma operação com várias equipes e blindados.

Não podemos permitir que a inversão de valores defendida por alguns segmentos se pacifique no inconsciente social. É um absurdo admitir que o acesso dos órgãos estatais a algumas comunidades desprovidas de assistência social dependa de relativismos.

Propostas concretas na busca da melhor gestão das rotinas policiais

• Privilegiar a pessoa do servidor policial como base fundamental do processo.

• Incluir no Sistema das Delegacias Legais todas as Dele-gacias de Polícia do Estado, finalizando disponibilizara todas as ferramentas tecnológicas possíveis.

• Evitar a criação de Unidades de Polícia Administrativa e Judiciária (UPAJ), a não ser aquelas cuja demanda demonstre serem absolutamente urgentes, como, por exemplo, uma para o bairro do Recreio, enquanto não forem equacionados pontos estratégicos fundamentais do tipo: salário, horas de trabalho, autonomia administrativa com disponibilidade orçamentária através de duodécimos, etc.

• Diminuir ao quantitativo absolutamente necessário às Dele-

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aumentou bastante. Segundo a Estatística Predial de 1933, os casebres das favelas, nesse ano, representavam 20,58% (46.192) do total de prédios da cidade.

Na década de 40, as favelas já tinham se proliferado e começaram a ser reconhecidas pelo governo. Em 1947, foi realizado o primeiro Censo oficial nas favelas.

A falta de rigorosa fiscalização sobre a ocupação irregular do espaço urbano resultou na condição de desordem hoje diagnosticada, onde encontramos, nesta cidade, mais de setecentas comunidades do gênero e mais de outras trezentas sob o domínio de facções criminosas.

Contextualização da violência urbana e as percepções da população e da mídia

Na obra do autor Marcos Alvito Pereira de Souza, “As cores de Acari: uma favela carioca”, Editora Fundação Getúlio Vargas, 2001, é enfocada a interrupção do tráficoostensivo, o desaparecimento dos “meninos” em armas das ruas, o patrulhamento incessante das localidades por policiais, poupando os sobressaltos causados pelas antes diárias “bati-das” e afastando o fantasma de uma possível “tomada da favela” por um bando inimigo, causaram outras mudanças além da já referida.

“A paz levou a uma reconquista do espaço ‘público’ pelas crianças e os mais velhos: saíram os walkie-talkies e os fuzis automáticos, voltaram o carteado à sombra da árvore, a mesa de pingue-pongue improvisada, o jogo de futebol no meio da rua, as meninas pulando corda”, conforme o autor.

Vale registrar, porém, que mesmo os que sofreram dificuldades financeiras devido à brusca diminuição da atividade econômica ilícita em Acari jamais demonstraram sentir saudades do que ocorria antes. Com cautela natural dos que se sentem permanentemente vigiados, após certificarem-se de que não havia ninguém suspeito por perto, abriram um vasto sorriso e afirmavam: “a favela está uma uva”.

Todavia, meses após a ocupação daquela comunidade, em 1996, o policiamento especial foi retirado e os equipamentos estatais básicos não chegaram. Isso foi o bastante para que a criminalidade voltasse a “comandar” o local.

Com relação à percepção midiática, devemos observar a abordagem acerca do tema em matérias jornalísticas, tais como: “Veja – Editora Abril – Nº 644 – 7 de Janeiro de 1981 – A guerra civil no rio – 2000 mortos na Baixada Fluminense em 1980 – População obedece à ‘Lei do Silêncio’ para não morrer.”

Como também: “Um prédio inteiro assaltado em Ipanema – Milionário diz que o governo perdeu o controle da situação”. E, na mesma linha: “Comércio clandestino de armas bate recordes no Rio de Janeiro”. “O Rio de Janeiro torna-se, aos poucos, o quintal do crime numa cidade despoliciada”.

Percebe-se que, já na década de 80, a imprensa fluminensepautava as notícias dos crimes como principal produto para chamar a atenção de seus consumidores, provocando a denominada retroalimentação da violência através do

noticiário. Analogamente à dependência química do viciado em drogas, fala-se da dependência editorial e comercial da mídia em relação à violência.

A utilização da tecnologia é fundamental, mas a falta de permanência policial nas comunidades cria uma lacuna no planejamento

Tecnologias da informação e investigativa existem com grande qualidade em muitos países do mundo. O sistema de visualização do planeta através de satélites também é um importante instrumento de prevenção e repressão criminal, estando, atualmente, seus preços bem mais acessíveis que na época que essa tecnologia passou a ser disponibilizada.

O próprio Exército Brasileiro tem acesso a ferramentas tecnológicas de alto nível, que poderiam ser acessadas pelos órgãos de segurança pública lato sensu através de atos e protocolos de reciprocidade, como Convênios, etc.

Já assistimos a demonstrações nos EUA e em Brasília de tecnologias que possibilitam localização de aparelhos eletrônicos e pessoas com incrível grau de aproximação. Os mecanismos de tecnologia da informação aplicada à análise de vínculos na atividade policial também tiveram um impressionante desenvolvimento.

Todo esse aparato atinge um elevado percentual em termos de prevenção e repressão às infrações praticadas, desde que o acesso dos órgãos auxiliares e parceiros da Justiça aos locais de crime ocorra de forma natural.

Todavia, essa lógica não pode ser aplicada às comunidades onde a acessibilidade dos órgãos de segurança pública é inver-samente proporcional à petulância e ao armamento utilizado pelos criminosos, que representam ínfimo percentual da popu-lação da região. Para uma diligência qualquer indispensável ao andamento de uma apuração policial, às vezes, faz-se necessária uma operação com várias equipes e blindados.

Não podemos permitir que a inversão de valores defendida por alguns segmentos se pacifique no inconsciente social. É um absurdo admitir que o acesso dos órgãos estatais a algumas comunidades desprovidas de assistência social dependa de relativismos.

Propostas concretas na busca da melhor gestão das rotinas policiais

• Privilegiar a pessoa do servidor policial como base fundamental do processo.

• Incluir no Sistema das Delegacias Legais todas as Dele-gacias de Polícia do Estado, finalizando disponibilizara todas as ferramentas tecnológicas possíveis.

• Evitar a criação de Unidades de Polícia Administrativa e Judiciária (UPAJ), a não ser aquelas cuja demanda demonstre serem absolutamente urgentes, como, por exemplo, uma para o bairro do Recreio, enquanto não forem equacionados pontos estratégicos fundamentais do tipo: salário, horas de trabalho, autonomia administrativa com disponibilidade orçamentária através de duodécimos, etc.

• Diminuir ao quantitativo absolutamente necessário às Dele-

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gacias Especializadas (não Territoriais), visando otimizar o atendimento e a produtividade das congêneres de bairro, que atendem à população durante as 24 horas do dia.

• Aumentar ao máximo possível a velocidade de acesso e resposta do Sistema informatizado empregado nas UPAJ’s já transformadas em Delegacias Legais, visando otimizar as apurações criminais e atender ao público com maior celeridade.

• A Polícia Civil precisa investir de forma incisiva nos Institutos de Perícia, tanto no viés tecnológico quanto na pessoa do Perito.

• Regularizar a questão salarial antes de contratar novos policiais. O aumento do quantitativo do quadro sem salários dignos é diretamente proporcional à evolução dos problemas causados pelos próprios servidores à sociedade. É fácil verificar isso, basta atentar para os policiais presosnos últimos dias pela prática de tráfico de drogas e dearmas, extorsões, homicídios, roubos, etc. A fórmula deve ser inversa: primeiro multiplicar, pelo menos, por 3 ou 4 vezes os atuais salários dos policiais, depois formar um novo diagnóstico com o aumento da quantidade e da qualidade individuais do trabalho e, finalmente, avaliar quantospoliciais deverão ser contratados através de uma seleção de alta qualidade. O servidor policial deve ter orgulho de representar o Estado com seu distintivo, uniforme ou farda. O policial desvalorizado serve de combustível ao mercado privado das seguranças informais ou não. A quem isso interessa?

• Designar um grupo de oficiais da PM para monitorar in loco se o policiamento preventivo está sendo executado nos locais e horários determinados pelo Comando, conforme planejamento baseado nas planilhas de incidências criminais próprias, além de incutir nos policiais que a concentração no serviço é a base de uma vigilância urbana bem executada.

• Criar mecanismos de monitoramento e punição para os policiais civis e militares que não tiverem o devido cuidado de preservar o local do crime.

• Reverter a lógica de apreender o armamento de alto poder

de letalidade no interior das comunidades, aumentando as parcerias com as Polícias Federal, Rodoviária Federal e de outros países, bem como as Forças Armadas, com o objetivo de impedir que cheguem às facções criminosas;

• A PCERJ deverá intensificar as parcerias com oJudiciário e o Ministério Público no tocante à troca de informações, a fim de aumentar a credibilidaderecíproca e proporcionar melhores respostas à sociedade na esfera criminal.

• A Polícia Civil deverá implantar um arquivo confi-dencial para testemunhas que devam permanecer com a identificação preservada, sendo estas vinculadas no Inquérito Policial apenas a um número ou senha. O controle de tal arquivo ficaria sob a responsabilidadedireta do Corregedor da PCERJ e, posteriormente, do Juízo e órgão ministerial competentes.

• Produzir de forma mais freqüente o recurso jurídico da produção antecipada de prova.

• Intensificarosmecanismosde tecnologiada informação aplicada à análise de vínculos na atividade policial, entre outras.

FinalizandoPor derradeiro, não podemos poupar mais os três níveis

de governo no tocante à desordem na esfera da ocupação do espaço urbano.

Não é admissível que tais operadores finjam ser grutasocas dos vales, que repetem palavras que não compreendem. Deve ocorrer uma definição urgente sobre a reengenharia e monitoramento das questões urbanas, finalizando a contenção de novas ocupações irregulares, e planejar a remoção de parte da comunidade naqueles locais que estejam com a qualidade mínima de vida comprometida, visando proporcionar novas moradias em bairros com infra-estrutura adequada, onde existam equipamentos de Segurança, Educação, Saúde, Transporte público e Lazer, dispondo as pessoas de oportunidade de trabalho lícito e do direito de ir e vir sem a opressão dos criminosos. Essa é uma forma de começarmos a valorizar todas as nossas infâncias.

“É UM ABSURDO ADMITIR QUE O ACESSO DOS ÓRGÃOS ESTATAIS A ALGUMAS COMUNIDADES DESPROVIDAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DEPENDA

DE RELATIVISMOS.”

* Sérgio Caldas é Chefe da Polícia Civil da Cidade do Rio de Janeiro

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Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade com pedido de medida cautelar proposta pela Governadora do Estado do Rio de Janeiro em face do §2º do art. 112 da Constituição do Estado do

Rio de Janeiro.1– Eis o teor do dispositivo normativo impugnado:Art. 112 (...)(...)§2º – Não será objeto de deliberação proposta que

vise conceder gratuidade em serviço público prestado de forma indireta sem a correspondente indicação de fonte de custeio.

2 – Sustenta a requerente que o referido dispositivo viola os seguintes princípios constitucionais:

a) o princípio federativo (arts. 1º, 18 e 25, da CRFB/88), pois a Constituição Federal, no art. 175, parágrafo único, inciso III, já estabelece reserva de lei em matéria de política tarifária de serviços públicos, não podendo o Constituinte estadual distanciar-se desse modelo. Afirma, portanto, que a norma impugnada viola o princípio federativo porque exclui do âmbito de incidência da lei a

previsão de gratuidade nos serviços públicos objeto de delegação a particulares retirando do legislador estadual a competência para dispor sobre política tarifária, e acarretando uma quebra na simetria entre os entes da federação.

b) o princípio da separação de poderes (arts. 2º e 61, §1º, “b”, da CRFB/88), pois a norma impugnada, por ser norma constitucional estadual originária de processo legislativo com participação exclusiva do Poder Legislativo, na qualidade de Poder Constituinte derivado. Assim, a norma atacada ofende o princípio da separação de poderes “na medida que interfere nas atribuições administrativas do Chefe do Poder Executivo, que tem iniciativa exclusiva em matéria de serviços públicos”.

c) o princípio da dignidade da pessoa humana e seu corolários (arts.1º, III, § 2º da CRFB/88), “pois retira do legislador estadual a possibilidade de implementar políticas necessárias a reduzir desigualdades sociais e favorecer camadas menos abastadas da população, permitindo-lhes acesso gratuito a serviços públicos prestados em âmbito estadual”.

3 – Informa a requerente, ainda, que o dispositivo impug-nado tem sido invocado em ações ajuizadas por empresas concessionárias de serviços públicos perante o Tribunal de Justiçado Estado do Rio de Janeiro, como fundamento para a declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 3.339/99, que assegura gratuidade nos transportes coletivos urbanos intermunicipais para maiores de sessenta e cinco anos, deficientes físicos e alunos do ensino público de primeiro e segundo grau e da Lei Estadual nº 3.650/2001, que estabelece a gratuidade do transporte intermunicipal para portadores de deficiência e de doenças crônicas de natureza física, mental ou psiquiátrica.

4 – Afirma que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já declarou a inconstitucionalidade das referidas leis estaduais, com fundamento na ausência de previsão da fonte de custeio.

5 – Por fim, pode a concessão de medida cautelar com eficácia ex nunc, citando vários precedentes dessa Corte Suprema.

6 – A Assembléia Legislativa prestou informações a fls, 146-151, defendendo a improcedência da ação.

7 – O Advogado-Geral da União manifestou-se pela

constitucionalidade do art. 112, § 2º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro (fls. 153-165).

8 – Vieram os autos a esta Procuradoria-Geral da República para manifestação.

9 – A solução da controvérsia constitucional debatida nos presentes autos encontra resposta diante da análise das limitações impostas ao poder constituinte decorrente. Como se demonstrara, o legislador constituinte do Estado do Rio de Janeiro não ultrapassou os limites de suas competências conferidas pela Constituição Federal.

10 – Destarte, os artigos 18 e 25 da Constituição Federal, ao mesmo tempo que impõem aos Estados-membros a adoção de modelos simétricos aqueles estabelecidos pela Cons-tituição, conferem a estes Estados poderes de auto-organização e autolegislação para adotar regras próprias, desde que conforme os princípios nela esculpidos. Portanto, o poder constituinte dos Estados-membros possui certa autonomia para criar regras constitucionais de organização e gestão, sempre em respeito aos princípios fiados pela Constituição Federal.

11 – Não indica a Constituição, no entanto, quais seriam esses princípios. Alguns podem ser descobertos com facili-dade, como os chamados princípios sensíveis enumerados

GRATUIDADE NO TRANSPORTECOLETIVO DO ESTADO DORIO DE JANEIROCláudio Fonteles

Procurador Geral da República

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Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade com pedido de medida cautelar proposta pela Governadora do Estado do Rio de Janeiro em face do §2º do art. 112 da Constituição do Estado do

Rio de Janeiro.1– Eis o teor do dispositivo normativo impugnado:Art. 112 (...)(...)§2º – Não será objeto de deliberação proposta que

vise conceder gratuidade em serviço público prestado de forma indireta sem a correspondente indicação de fonte de custeio.

2 – Sustenta a requerente que o referido dispositivo viola os seguintes princípios constitucionais:

a) o princípio federativo (arts. 1º, 18 e 25, da CRFB/88), pois a Constituição Federal, no art. 175, parágrafo único, inciso III, já estabelece reserva de lei em matéria de política tarifária de serviços públicos, não podendo o Constituinte estadual distanciar-se desse modelo. Afirma, portanto, que a norma impugnada viola o princípio federativo porque exclui do âmbito de incidência da lei a

previsão de gratuidade nos serviços públicos objeto de delegação a particulares retirando do legislador estadual a competência para dispor sobre política tarifária, e acarretando uma quebra na simetria entre os entes da federação.

b) o princípio da separação de poderes (arts. 2º e 61, §1º, “b”, da CRFB/88), pois a norma impugnada, por ser norma constitucional estadual originária de processo legislativo com participação exclusiva do Poder Legislativo, na qualidade de Poder Constituinte derivado. Assim, a norma atacada ofende o princípio da separação de poderes “na medida que interfere nas atribuições administrativas do Chefe do Poder Executivo, que tem iniciativa exclusiva em matéria de serviços públicos”.

c) o princípio da dignidade da pessoa humana e seu corolários (arts.1º, III, § 2º da CRFB/88), “pois retira do legislador estadual a possibilidade de implementar políticas necessárias a reduzir desigualdades sociais e favorecer camadas menos abastadas da população, permitindo-lhes acesso gratuito a serviços públicos prestados em âmbito estadual”.

3 – Informa a requerente, ainda, que o dispositivo impug-nado tem sido invocado em ações ajuizadas por empresas concessionárias de serviços públicos perante o Tribunal de Justiçado Estado do Rio de Janeiro, como fundamento para a declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 3.339/99, que assegura gratuidade nos transportes coletivos urbanos intermunicipais para maiores de sessenta e cinco anos, deficientes físicos e alunos do ensino público de primeiro e segundo grau e da Lei Estadual nº 3.650/2001, que estabelece a gratuidade do transporte intermunicipal para portadores de deficiência e de doenças crônicas de natureza física, mental ou psiquiátrica.

4 – Afirma que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já declarou a inconstitucionalidade das referidas leis estaduais, com fundamento na ausência de previsão da fonte de custeio.

5 – Por fim, pode a concessão de medida cautelar com eficácia ex nunc, citando vários precedentes dessa Corte Suprema.

6 – A Assembléia Legislativa prestou informações a fls, 146-151, defendendo a improcedência da ação.

7 – O Advogado-Geral da União manifestou-se pela

constitucionalidade do art. 112, § 2º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro (fls. 153-165).

8 – Vieram os autos a esta Procuradoria-Geral da República para manifestação.

9 – A solução da controvérsia constitucional debatida nos presentes autos encontra resposta diante da análise das limitações impostas ao poder constituinte decorrente. Como se demonstrara, o legislador constituinte do Estado do Rio de Janeiro não ultrapassou os limites de suas competências conferidas pela Constituição Federal.

10 – Destarte, os artigos 18 e 25 da Constituição Federal, ao mesmo tempo que impõem aos Estados-membros a adoção de modelos simétricos aqueles estabelecidos pela Cons-tituição, conferem a estes Estados poderes de auto-organização e autolegislação para adotar regras próprias, desde que conforme os princípios nela esculpidos. Portanto, o poder constituinte dos Estados-membros possui certa autonomia para criar regras constitucionais de organização e gestão, sempre em respeito aos princípios fiados pela Constituição Federal.

11 – Não indica a Constituição, no entanto, quais seriam esses princípios. Alguns podem ser descobertos com facili-dade, como os chamados princípios sensíveis enumerados

GRATUIDADE NO TRANSPORTECOLETIVO DO ESTADO DORIO DE JANEIROCláudio Fonteles

Procurador Geral da República

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Foto: PGR

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade com pedido de medida cautelar proposta pela Governadora do Estado do Rio de Janeiro em face do §2º do art. 112 da Constituição do Estado do

Rio de Janeiro.1– Eis o teor do dispositivo normativo impugnado:Art. 112 (...)(...)§2º – Não será objeto de deliberação proposta que

vise conceder gratuidade em serviço público prestado de forma indireta sem a correspondente indicação de fonte de custeio.

2 – Sustenta a requerente que o referido dispositivo viola os seguintes princípios constitucionais:

a) o princípio federativo (arts. 1º, 18 e 25, da CRFB/88), pois a Constituição Federal, no art. 175, parágrafo único, inciso III, já estabelece reserva de lei em matéria de política tarifária de serviços públicos, não podendo o Constituinte estadual distanciar-se desse modelo. Afirma, portanto, que a norma impugnada viola o princípio federativo porque exclui do âmbito de incidência da lei a

previsão de gratuidade nos serviços públicos objeto de delegação a particulares retirando do legislador estadual a competência para dispor sobre política tarifária, e acarretando uma quebra na simetria entre os entes da federação.

b) o princípio da separação de poderes (arts. 2º e 61, §1º, “b”, da CRFB/88), pois a norma impugnada, por ser norma constitucional estadual originária de processo legislativo com participação exclusiva do Poder Legislativo, na qualidade de Poder Constituinte derivado. Assim, a norma atacada ofende o princípio da separação de poderes “na medida que interfere nas atribuições administrativas do Chefe do Poder Executivo, que tem iniciativa exclusiva em matéria de serviços públicos”.

c) o princípio da dignidade da pessoa humana e seu corolários (arts.1º, III, § 2º da CRFB/88), “pois retira do legislador estadual a possibilidade de implementar políticas necessárias a reduzir desigualdades sociais e favorecer camadas menos abastadas da população, permitindo-lhes acesso gratuito a serviços públicos prestados em âmbito estadual”.

3 – Informa a requerente, ainda, que o dispositivo impug-nado tem sido invocado em ações ajuizadas por empresas concessionárias de serviços públicos perante o Tribunal de Justiçado Estado do Rio de Janeiro, como fundamento para a declaração de inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 3.339/99, que assegura gratuidade nos transportes coletivos urbanos intermunicipais para maiores de sessenta e cinco anos, deficientes físicos e alunos do ensino público de primeiro e segundo grau e da Lei Estadual nº 3.650/2001, que estabelece a gratuidade do transporte intermunicipal para portadores de deficiência e de doenças crônicas de natureza física, mental ou psiquiátrica.

4 – Afirma que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já declarou a inconstitucionalidade das referidas leis estaduais, com fundamento na ausência de previsão da fonte de custeio.

5 – Por fim, pode a concessão de medida cautelar com eficácia ex nunc, citando vários precedentes dessa Corte Suprema.

6 – A Assembléia Legislativa prestou informações a fls, 146-151, defendendo a improcedência da ação.

7 – O Advogado-Geral da União manifestou-se pela

constitucionalidade do art. 112, § 2º da Constituição do Estado do Rio de Janeiro (fls. 153-165).

8 – Vieram os autos a esta Procuradoria-Geral da República para manifestação.

9 – A solução da controvérsia constitucional debatida nos presentes autos encontra resposta diante da análise das limitações impostas ao poder constituinte decorrente. Como se demonstrara, o legislador constituinte do Estado do Rio de Janeiro não ultrapassou os limites de suas competências conferidas pela Constituição Federal.

10 – Destarte, os artigos 18 e 25 da Constituição Federal, ao mesmo tempo que impõem aos Estados-membros a adoção de modelos simétricos aqueles estabelecidos pela Cons-tituição, conferem a estes Estados poderes de auto-organização e autolegislação para adotar regras próprias, desde que conforme os princípios nela esculpidos. Portanto, o poder constituinte dos Estados-membros possui certa autonomia para criar regras constitucionais de organização e gestão, sempre em respeito aos princípios fiados pela Constituição Federal.

11 – Não indica a Constituição, no entanto, quais seriam esses princípios. Alguns podem ser descobertos com facili-dade, como os chamados princípios sensíveis enumerados

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no art. 34, inciso VII, quais sejam: a) a forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública; e) aplicação do mínimo exigido da receita de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvol-vimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. José Afonso da Silva fala ainda em princípios constitucionais estabelecidos, que são os que limitam a autonomia organi-zatória dos Estados. São regras que revelam previamente a matéria de sua organização e as normas constitucionais de caráter vedatório, bem como os princípios de organização política, social e econômica, que determinam o retraimento de autonomia estadual e cuja identificação reclama pesquisano texto da Constituição.

12 – Dessa forma, José Afonso da Silva, em análise do texto constitucional, nota que alguns princípios geram limitações expressas, outros limitações implícitas e outros decorrentes do sistema constitucional adotado.

13 – Para a análise aqui expendida, é importante frisar que o poder constituinte decorrente está limitado implicitamente pelo princípio da divisão dos Poderes, que é princípio fundamental da ordem constitucional brasileira (art. 2º). Com efeito, na organização do Estado, o poder constituinte decorrente não pode ignorar a separação e a harmonia recíproca entre os Poderes, devendo respeitar as funções inerentes a cada um, adotando os mecanismos de freios e contrapesos, assim como assegurando a participação de cada qual no jogo democrático, a exemplo do sistema esculpido na Constituição Federal.

14 – Nesse sentido, o cumprimento do postulado consti-tucional da divisão e da harmonia entre os poderes implica a observância do processo legislativo adotado pela Constituição Federal, em todos os seus aspectos, de forma a que sejam observadas as regras de competência preestabelecidas constitucionalmente para cada Poder. Assim, são limites ao poder constituinte decorrente os princípios constitucionais relativos ao processo de formação das leis, como as regras de iniciativa das leis, de votação nas casas legislativas sobre sanção e veto, assim como as matérias que podem ser objeto de deliberação e, acima de tudo, a participação harmônica dos Poderes nesse processo legislativo.

15 – Com base nessas premissas, chega-se à conclusão de que o § 2º do art. 112 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro não padece de qualquer vício de inconstituciona-lidade em relação ao princípio federativo e à separação de poderes, como afirma o requerente.

16 – Quanto ao princípio federativo, há um esforço da requerente em tentar demonstrar que o legislador consti-tuinte estadual retirou a competência do Poder Legislativo para dispor sobre a política tarifária, o que distanciaria o Estado do Rio de Janeiro da sistemática estabelecida pela Constituição Federal sobre a matéria, causando uma quebra na simetria entre os entes da Federação.

17 – Ocorre que, ao se observar com atenção a letra do

dispositivo impugnado, constata-se que existe apenas uma autolimitação do legislador estadual para o tratamento do tema. O estado do Rio de Janeiro não está adotando novas regras de processo legislativo em desacordo com núcleo substancial de regras básicas fixado pela Constituição Federal.Apenas condiciona a deliberação de propostas que visem conceder gratuidade de serviços públicos prestados de forma indireta à indicação prévia da fonte de custeio. Nesse caso, é difícil imaginar qualquer contrariedade em relação ao art. 175, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal, pois o tratamento de matéria continua reservado à lei. Não está sendo retirada do legislador estadual parcela da competência para dispor sobre o tema.

18 – Com relação ao princípio da separação dos poderes, também não procedem os argumentos levantados pela requerente. O fato de o legislador constituinte estabelecer uma condição, direcionada unicamente ao poder legislativo, para a deliberação de projetos de lei que visem conceder gratuidade em serviços públicos, não afronta a divisão e a harmonia entre os poderes. Trata-se de uma regra de processo legislativo que não influi nas competências fixadaspela Constituição para dar poder. Não há modificação noquadro normativo que rege as competências para iniciativa de leis, nem alteração da reserva legal para tratamento da matéria. Nesse sentido, não há relação direta entre a norma impugnada e os arts. 61, § 1º, II, “b” e art. 175, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal.

19 – Cumpre ressaltar ainda que, conforme a jurispru-dência desse Supremo tribunal Federal, o art.61, § 1º, alínea “b”, da Constituição Federal, somente se aplica aos Territórios, não sendo observância pelos Estados-membros (ADIMC nº 2304/RS, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 15.12.00, ADIMC nº 724/RS, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 24.04.01, ADIMC nº 2464/AP, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ 28.06.2002).

20 – Quando dignidade da pessoa humana, basta afirmarque, se por um lado, esse princípio serve como elemento de proteção dos direitos fundamentais contra restrições, por outro, ele serve também como justificativa para a imposiçãodessas restrições acabando, nesse sentido, por atuar como elemento limitador. A dignidade da pessoa humana, portanto, também atua como limitadora de direitos fundamentais. Tudo se resolve dessa forma por meio da ponderação dos bens constitucionais em jogo.

21 – Como se sabe, os direitos fundamentais sociais dependem, para sua plena concretização, da ação prestacional do Poder Público, sempre depende dos recursos financeirospostos à disposição do Estado. Esses direitos sociais são chamados de direitos sujeitos à reserva do possível.

23 – Assim, a concessão de benefícios sociais a certos segmentos desfavorecidos da população, como o transporte gratuito aos idosos, aos deficientes físicos e aos estudantesde escolas públicas, dependem das disponibilidades financeiras do Estado.

24 – Fato notório é que os recursos econômicos do

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Estado são escassos, o que exige do legislador o sopeso de todas as necessidades básicas da população para proceder a uma distribuição das receitas de forma equânime. Assim, estará a cargo do legislador o exercício da alocação das verbas públicas para cada setor da economia, o que exigirá uma necessária ponderação entre os bens a serem prestigiados, em detrimento de outros.

25 – Nesse sentido, fácil é constatar que a realização dos direitos fundamentais sociais depende da distribuição dos recursos econômicos, o que cobra regras claras de política orçamentária e fiscal. Portanto, constata-se, necessariamente,que o dispêndio de verbas para certo tipo de benefício social não pode ser feito de modo que se inviabilize a realização de outros benefícios. Por isso, existem regras que vinculam o legislador na escolha dos bens a serem privilegiados e na fixação das despesas como a necessidade de se indicar a fontede custeio total dos serviços a serem prestados.

26 – A Constituição de 1988 não se afasta desses parâmetros quando prescreve que “nenhum benéfico ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total” (art.195, § 5º).

27 – A escassez de recursos econômicos, nesse sentido, torna-se motivo suficiente para que a responsabilidade fiscal e a rígida programação orçamentária sejam erigidas a requisitos indispensáveis para a plena realização dos direitos fundamentais.

28 – Assim, se o legislador constituinte do Estado do Rio de Janeiro estabelece uma regra que privilegia o controle de gastos públicos, exigindo que se indique previamente a fonte de custeio para a concessão a certas camadas da população do benefício de gratuidade em serviços públicos prestados de forma indireta, não há como identificar violação à dignidade da pessoa humana. Há, isso sim, clara intenção de realização desse princípio por meio de controle de gastos que determinam, ao fim e ao cabo, a existência de recursossuficientes para atender às mais diversas necessidades dapopulação, e não só à prestação do serviço de transportes públicos em regime de gratuidade.

29 – A norma impugnada, assim não retira do legislador estadual a “possibilidade de implementar políticas necessá-rias a reduzir desigualdades sociais e favorecer camadas menos abastadas da população, permitindo-lhes acesso gratuito aos serviços públicos prestados em âmbito estadual”. Apenas condiciona a deliberação legislativa a esse respeito à prévia indicação da fonte de custeio.

30 – A plena concretização de todos os direitos funda-mentais sociais, como realização da dignidade da pessoa humana como um todo, exige que o Estado mantenha rígidos critérios de distribuição de receitas. O § 2º do art. 112 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro vai ao encontro dessa tendência.

31 – Ante o exposto, o parecer é pela improcedência do pedido, para declarar a constitucionalidade do § 2º do art. 112 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.

“FATO NOTÓRIO É QUE OS RECURSOS ECONÔMICOS

DO ESTADO SÃO ESCASSOS, O QUE EXIGE DO LEGISLADOR

O SOPESO DE TODAS AS NECESSIDADES BÁSICAS DA

POPULAÇÃO PARA PROCEDER A UMA DISTRIBUIÇÃO

DAS RECEITAS DE FORMA EQUÂNIME.”

NOTAS 1 - SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constiucional Positivo. 19ª Ed. São Paulo: Ed. Malheiros. 2001. p. 597. 2 - Cfr.: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2001. p.119. 3 - Cfr.: HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass. The Cost of Rights. Whyliberty depends on taxes. New York: W.W.Norton & Compay. 1999. 4 - Cfr.: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica. 2002, p. 146. SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria doAdvogado. 2001, p. 265.

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no art. 34, inciso VII, quais sejam: a) a forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública; e) aplicação do mínimo exigido da receita de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvol-vimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. José Afonso da Silva fala ainda em princípios constitucionais estabelecidos, que são os que limitam a autonomia organi-zatória dos Estados. São regras que revelam previamente a matéria de sua organização e as normas constitucionais de caráter vedatório, bem como os princípios de organização política, social e econômica, que determinam o retraimento de autonomia estadual e cuja identificação reclama pesquisano texto da Constituição.

12 – Dessa forma, José Afonso da Silva, em análise do texto constitucional, nota que alguns princípios geram limitações expressas, outros limitações implícitas e outros decorrentes do sistema constitucional adotado.

13 – Para a análise aqui expendida, é importante frisar que o poder constituinte decorrente está limitado implicitamente pelo princípio da divisão dos Poderes, que é princípio fundamental da ordem constitucional brasileira (art. 2º). Com efeito, na organização do Estado, o poder constituinte decorrente não pode ignorar a separação e a harmonia recíproca entre os Poderes, devendo respeitar as funções inerentes a cada um, adotando os mecanismos de freios e contrapesos, assim como assegurando a participação de cada qual no jogo democrático, a exemplo do sistema esculpido na Constituição Federal.

14 – Nesse sentido, o cumprimento do postulado consti-tucional da divisão e da harmonia entre os poderes implica a observância do processo legislativo adotado pela Constituição Federal, em todos os seus aspectos, de forma a que sejam observadas as regras de competência preestabelecidas constitucionalmente para cada Poder. Assim, são limites ao poder constituinte decorrente os princípios constitucionais relativos ao processo de formação das leis, como as regras de iniciativa das leis, de votação nas casas legislativas sobre sanção e veto, assim como as matérias que podem ser objeto de deliberação e, acima de tudo, a participação harmônica dos Poderes nesse processo legislativo.

15 – Com base nessas premissas, chega-se à conclusão de que o § 2º do art. 112 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro não padece de qualquer vício de inconstituciona-lidade em relação ao princípio federativo e à separação de poderes, como afirma o requerente.

16 – Quanto ao princípio federativo, há um esforço da requerente em tentar demonstrar que o legislador consti-tuinte estadual retirou a competência do Poder Legislativo para dispor sobre a política tarifária, o que distanciaria o Estado do Rio de Janeiro da sistemática estabelecida pela Constituição Federal sobre a matéria, causando uma quebra na simetria entre os entes da Federação.

17 – Ocorre que, ao se observar com atenção a letra do

dispositivo impugnado, constata-se que existe apenas uma autolimitação do legislador estadual para o tratamento do tema. O estado do Rio de Janeiro não está adotando novas regras de processo legislativo em desacordo com núcleo substancial de regras básicas fixado pela Constituição Federal.Apenas condiciona a deliberação de propostas que visem conceder gratuidade de serviços públicos prestados de forma indireta à indicação prévia da fonte de custeio. Nesse caso, é difícil imaginar qualquer contrariedade em relação ao art. 175, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal, pois o tratamento de matéria continua reservado à lei. Não está sendo retirada do legislador estadual parcela da competência para dispor sobre o tema.

18 – Com relação ao princípio da separação dos poderes, também não procedem os argumentos levantados pela requerente. O fato de o legislador constituinte estabelecer uma condição, direcionada unicamente ao poder legislativo, para a deliberação de projetos de lei que visem conceder gratuidade em serviços públicos, não afronta a divisão e a harmonia entre os poderes. Trata-se de uma regra de processo legislativo que não influi nas competências fixadaspela Constituição para dar poder. Não há modificação noquadro normativo que rege as competências para iniciativa de leis, nem alteração da reserva legal para tratamento da matéria. Nesse sentido, não há relação direta entre a norma impugnada e os arts. 61, § 1º, II, “b” e art. 175, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal.

19 – Cumpre ressaltar ainda que, conforme a jurispru-dência desse Supremo tribunal Federal, o art.61, § 1º, alínea “b”, da Constituição Federal, somente se aplica aos Territórios, não sendo observância pelos Estados-membros (ADIMC nº 2304/RS, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 15.12.00, ADIMC nº 724/RS, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 24.04.01, ADIMC nº 2464/AP, Relatora Ministra Ellen Gracie, DJ 28.06.2002).

20 – Quando dignidade da pessoa humana, basta afirmarque, se por um lado, esse princípio serve como elemento de proteção dos direitos fundamentais contra restrições, por outro, ele serve também como justificativa para a imposiçãodessas restrições acabando, nesse sentido, por atuar como elemento limitador. A dignidade da pessoa humana, portanto, também atua como limitadora de direitos fundamentais. Tudo se resolve dessa forma por meio da ponderação dos bens constitucionais em jogo.

21 – Como se sabe, os direitos fundamentais sociais dependem, para sua plena concretização, da ação prestacional do Poder Público, sempre depende dos recursos financeirospostos à disposição do Estado. Esses direitos sociais são chamados de direitos sujeitos à reserva do possível.

23 – Assim, a concessão de benefícios sociais a certos segmentos desfavorecidos da população, como o transporte gratuito aos idosos, aos deficientes físicos e aos estudantesde escolas públicas, dependem das disponibilidades financeiras do Estado.

24 – Fato notório é que os recursos econômicos do

2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 31

Estado são escassos, o que exige do legislador o sopeso de todas as necessidades básicas da população para proceder a uma distribuição das receitas de forma equânime. Assim, estará a cargo do legislador o exercício da alocação das verbas públicas para cada setor da economia, o que exigirá uma necessária ponderação entre os bens a serem prestigiados, em detrimento de outros.

25 – Nesse sentido, fácil é constatar que a realização dos direitos fundamentais sociais depende da distribuição dos recursos econômicos, o que cobra regras claras de política orçamentária e fiscal. Portanto, constata-se, necessariamente,que o dispêndio de verbas para certo tipo de benefício social não pode ser feito de modo que se inviabilize a realização de outros benefícios. Por isso, existem regras que vinculam o legislador na escolha dos bens a serem privilegiados e na fixação das despesas como a necessidade de se indicar a fontede custeio total dos serviços a serem prestados.

26 – A Constituição de 1988 não se afasta desses parâmetros quando prescreve que “nenhum benéfico ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total” (art.195, § 5º).

27 – A escassez de recursos econômicos, nesse sentido, torna-se motivo suficiente para que a responsabilidade fiscal e a rígida programação orçamentária sejam erigidas a requisitos indispensáveis para a plena realização dos direitos fundamentais.

28 – Assim, se o legislador constituinte do Estado do Rio de Janeiro estabelece uma regra que privilegia o controle de gastos públicos, exigindo que se indique previamente a fonte de custeio para a concessão a certas camadas da população do benefício de gratuidade em serviços públicos prestados de forma indireta, não há como identificar violação à dignidade da pessoa humana. Há, isso sim, clara intenção de realização desse princípio por meio de controle de gastos que determinam, ao fim e ao cabo, a existência de recursossuficientes para atender às mais diversas necessidades dapopulação, e não só à prestação do serviço de transportes públicos em regime de gratuidade.

29 – A norma impugnada, assim não retira do legislador estadual a “possibilidade de implementar políticas necessá-rias a reduzir desigualdades sociais e favorecer camadas menos abastadas da população, permitindo-lhes acesso gratuito aos serviços públicos prestados em âmbito estadual”. Apenas condiciona a deliberação legislativa a esse respeito à prévia indicação da fonte de custeio.

30 – A plena concretização de todos os direitos funda-mentais sociais, como realização da dignidade da pessoa humana como um todo, exige que o Estado mantenha rígidos critérios de distribuição de receitas. O § 2º do art. 112 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro vai ao encontro dessa tendência.

31 – Ante o exposto, o parecer é pela improcedência do pedido, para declarar a constitucionalidade do § 2º do art. 112 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro.

“FATO NOTÓRIO É QUE OS RECURSOS ECONÔMICOS

DO ESTADO SÃO ESCASSOS, O QUE EXIGE DO LEGISLADOR

O SOPESO DE TODAS AS NECESSIDADES BÁSICAS DA

POPULAÇÃO PARA PROCEDER A UMA DISTRIBUIÇÃO

DAS RECEITAS DE FORMA EQUÂNIME.”

NOTAS 1 - SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constiucional Positivo. 19ª Ed. São Paulo: Ed. Malheiros. 2001. p. 597. 2 - Cfr.: SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2001. p.119. 3 - Cfr.: HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass. The Cost of Rights. Whyliberty depends on taxes. New York: W.W.Norton & Compay. 1999. 4 - Cfr.: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica. 2002, p. 146. SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria doAdvogado. 2001, p. 265.

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PROCURADOR DA NOVA CEDAE ACABA COM MÁFIA DAS AÇÕES

Entrevista com Dr. Leonardo Espíndola, Diretor Jurídico da Nova Cedae e presidente da Associação do Procuradores do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).

Revista Justiça & Cidadania – Dr. Espíndola, para o senhor, Procurador do Estado, qual foi o maior desafioencontrado ao assumir a diretoria jurídica da CEDAE?

Leonardo Espíndola – A CEDAE é uma das maiores empresas deste Estado, com um faturamento próximo de U$$ 1 bilhão de dólares. Atualmente, presta serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto para mais de 60 (sessenta) municípios, contando com mais de 1,8 milhões de clientes. Esses dados já seriam suficientes para demonstrara complexidade do desafio, mas, além disso, o setor jurídicoda Companhia enfrentava uma falta de credibilidade enorme perante o judiciário e dentro da própria Empresa. Havia uma imagem muito negativa perante o Judiciário e o Ministério Público. O que nós estamos tentado fazer nesses primeiros meses é restabelecer a credibilidade e um diálogo franco e honesto com a Magistratura e com o MP. Nossa demonstração inequívoca é de que estamos aqui para trabalhar e corrigir algumas práticas equívocas que eram adotas pela Companhia. Estou muito otimista com nosso início.

RJC – Sua equipe conta com mais membros da Procuradoria do Estado, conte como foi essa escolha?

LE – A CEDAE sempre foi vista como um dos grandes problemas do Estado, inclusive na Área Jurídica. Nossa idéia foi formar uma equipe da Procuradoria Geral do Estado para

enfrentar esse desafio. Os procuradores Joner Folly e RafaelRolim estão dando uma resposta muito positiva, com muita dedicação e competência, e os resultados já estão sendo sentidos pelas áreas da Companhia e também pelo judiciário.

RJC – Em sete meses de sua gestão à frente da diretoria, como você avalia as mudanças do setor jurídico da Companhia?

LE – Quando nós assumimos a Companhia, ela não tinha uma diretoria jurídica centralizada, o jurídico da CEDAE tinha cinco segmentos diversos, com pouca ou nenhuma comunicação entre eles. O que nós fizemos foi centralizar acoordenação. Hoje dividimos a Diretoria em duas gerências bem definidas: uma consultiva, chefiada pelo Joner, e outrade contencioso, chefiada pelo Rolim, sendo que cada umdos setores do contencioso é coordenado por um advogado da própria CEDAE, de carreira, que tenha ingressado através de concurso público, com isso, nós prestigiamos os advogados da Empresa, que ainda são poucos, o que nos leva a contar atualmente com muitos advogados terceirizados. Acredito que, até o próximo ano, já teremos concluído o concurso público para a contratação de, pelo menos, mais 15 advogados. Como filosofia, acho que o jurídico é uma áreaprioritária da empresa e deve ser exercida por empregados efetivos, que tenham ingressado através de concurso público. Com tudo isso, conseguimos dar uma nova diretriz às defesas judiciais. Temos realizado palestras com nosso corpo técnico e implantamos uma integração permanente com nossos escritórios terceirizados. Estou buscando uma visão comercial no Jurídico, como uma forma de recuperação de

Com objetivo de esclarecer a situação calamitosa encontrada na CEDAE e as medidas adotadas pela nova direção para melhoria da administração, e, em especial, do setor jurídico, a Revista Justiça & Cidadania ouviu o Dr. Leonardo Espíndola, diretor jurídico da Nova CEDAE e presidente da Associação dos Procuradores do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), formulando quesitos esclarecedores visando à moralização, racionalização, implantação de novas técnicas e organização setorial.

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PROCURADOR DA NOVA CEDAE ACABA COM MÁFIA DAS AÇÕES

Entrevista com Dr. Leonardo Espíndola, Diretor Jurídico da Nova Cedae e presidente da Associação do Procuradores do Estado do Rio de Janeiro (APERJ).

Revista Justiça & Cidadania – Dr. Espíndola, para o senhor, Procurador do Estado, qual foi o maior desafioencontrado ao assumir a diretoria jurídica da CEDAE?

Leonardo Espíndola – A CEDAE é uma das maiores empresas deste Estado, com um faturamento próximo de U$$ 1 bilhão de dólares. Atualmente, presta serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto para mais de 60 (sessenta) municípios, contando com mais de 1,8 milhões de clientes. Esses dados já seriam suficientes para demonstrara complexidade do desafio, mas, além disso, o setor jurídicoda Companhia enfrentava uma falta de credibilidade enorme perante o judiciário e dentro da própria Empresa. Havia uma imagem muito negativa perante o Judiciário e o Ministério Público. O que nós estamos tentado fazer nesses primeiros meses é restabelecer a credibilidade e um diálogo franco e honesto com a Magistratura e com o MP. Nossa demonstração inequívoca é de que estamos aqui para trabalhar e corrigir algumas práticas equívocas que eram adotas pela Companhia. Estou muito otimista com nosso início.

RJC – Sua equipe conta com mais membros da Procuradoria do Estado, conte como foi essa escolha?

LE – A CEDAE sempre foi vista como um dos grandes problemas do Estado, inclusive na Área Jurídica. Nossa idéia foi formar uma equipe da Procuradoria Geral do Estado para

enfrentar esse desafio. Os procuradores Joner Folly e RafaelRolim estão dando uma resposta muito positiva, com muita dedicação e competência, e os resultados já estão sendo sentidos pelas áreas da Companhia e também pelo judiciário.

RJC – Em sete meses de sua gestão à frente da diretoria, como você avalia as mudanças do setor jurídico da Companhia?

LE – Quando nós assumimos a Companhia, ela não tinha uma diretoria jurídica centralizada, o jurídico da CEDAE tinha cinco segmentos diversos, com pouca ou nenhuma comunicação entre eles. O que nós fizemos foi centralizar acoordenação. Hoje dividimos a Diretoria em duas gerências bem definidas: uma consultiva, chefiada pelo Joner, e outrade contencioso, chefiada pelo Rolim, sendo que cada umdos setores do contencioso é coordenado por um advogado da própria CEDAE, de carreira, que tenha ingressado através de concurso público, com isso, nós prestigiamos os advogados da Empresa, que ainda são poucos, o que nos leva a contar atualmente com muitos advogados terceirizados. Acredito que, até o próximo ano, já teremos concluído o concurso público para a contratação de, pelo menos, mais 15 advogados. Como filosofia, acho que o jurídico é uma áreaprioritária da empresa e deve ser exercida por empregados efetivos, que tenham ingressado através de concurso público. Com tudo isso, conseguimos dar uma nova diretriz às defesas judiciais. Temos realizado palestras com nosso corpo técnico e implantamos uma integração permanente com nossos escritórios terceirizados. Estou buscando uma visão comercial no Jurídico, como uma forma de recuperação de

Com objetivo de esclarecer a situação calamitosa encontrada na CEDAE e as medidas adotadas pela nova direção para melhoria da administração, e, em especial, do setor jurídico, a Revista Justiça & Cidadania ouviu o Dr. Leonardo Espíndola, diretor jurídico da Nova CEDAE e presidente da Associação dos Procuradores do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), formulando quesitos esclarecedores visando à moralização, racionalização, implantação de novas técnicas e organização setorial.

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Leonardo Espíndola

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ativos da CEDAE. Há uma perspectiva muito boa na Justiça do Trabalho, bem como as consignações da área Cível, onde, muitas vezes, a Companhia não recuperava valores que estavam disponíveis. O Jurídico é uma unidade de negócios dentro da empresa e pode, sim, tornar-se uma unidade rentável.

RJC – No mês de janeiro deste ano, houve a transferência de alguns processos para Procuradoria Geral do Estado (PGE). O que isso representa de economia e benefício para a Empresa?

LE – Assim que o presidente Wagner Victer recebeu o convite do Governador Sérgio Cabral para assumir a presi-dência da CEDAE, ele disse que a responsabilidade da Diretoria Jurídica deveria ser da PGE. Com isso, além de assumirmos o Jurídico interno, passamos a contar com a colaboração da PGE nas grandes ações da Companhia e também à frente dos grandes projetos da CEDAE. Um grande exemplo é o recente acordo assinado com o município do Rio, pacificando a questão da competência na área do saneamento básico na cidade. Com esta parceria, nós rescindimos alguns contratos com escritórios de advocacia, ganhando em qualidade técnica do trabalho com a reconhecida excelência da PGE, e numa economia para a Companhia. Já transferimos cerca de 30 processos e, com as rescisões com os antigos escritórios, há uma economia de mais de R$ 1 milhão por ano.

RJC – Hoje a CEDAE tem um vínculo diretamente com o escritório contratado. O que melhorou com esta medida?

LE – Infelizmente, quando nós assumimos a Empresa, vários escritórios que prestavam serviços à Companhia não tinham vínculo formal e nós acabamos com isso. Hoje todos

os escritórios que prestam serviço para CEDAE são aqueles que tem contrato com a CEDAE. Para se ter uma idéia, em Janeiro, havia 15 escritórios prestando serviço, alguns bons escritórios, que acabaram sendo prejudicados, e muitos escritórios ruins, que tinham passagem de perda de prazo e de outras práticas negligentes. Agora, só presta serviço quem tem contrato formal com a Empresa. Isso melhora nossa cobrança, formaliza a relação e dá mais seriedade ao trabalho. Apesar de ser uma advocacia de massa, de milhares de processos, acredito que houve uma sensível melhora nesta prestação. Temos estabelecido como regra a sustentação oral das ações nos Tribunais.

RJC – O senhor descobriu diversas máfias de ações contra a Companhia. Como foi isso? E o que foi feito com os advogados deste caso?

LE – Eu posso relatar três problemas que a gente encontrou, de imediato, quando começamos a avaliar e fazer um levantamento dentro do jurídico. O problema da “máfia das adutoras”, que nós detectamos, onde foram registrados muitos casos em regiões carentes, os escritórios se valiam, muitas vezes, das condições sociais das pessoas, para tentar vender uma ilusão de ganhar um dinheiro fácil contra uma Companhia desorganizada que não tinha uma estrutura para fiscalizar o acompanhamento de seus processos. Então, o que nós verificamos é que, na mesma residência em que moravam apenas duas pessoas, havia 15 processos cobrando o mesmo dano material por diversas pessoas que não eram sequer moradoras daquela região e sempre patrocinadas pelo mesmo advogado. O incrível é que havia uma convicção tão grande

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da impunidade que, em alguns casos, a gente percebeu que a mesma pessoa entrava com um processo mais de uma vez. Teve um caso famoso, onde um proprietário ingressou com duas ações, uma com o nome de Cléber e na outra com o nome de Léber, onde ele suprimiu a letra “C”, para que, dessa forma, não fosse descoberta a litispendência. Através de uma denúncia de um antigo sócio de um escritório, nós acabamos descobrindo isso e inibimos este tipo de ação. Junto com isso, pedimos a expedição de ofícios à Ordem de Advogados do Brasil (OAB/RJ) e ao Ministério Público. Todos os advogados envolvidos estão sendo investigados pela OAB e estão sujeitos a sanções disciplinares, inclusive, a perda da própria inscrição na Ordem. O que nós esperamos é que a pena seja severa e aplicada rapidamente. Outro grave problema encontrado foi o caso de escritórios que perderam prazos de causas milionárias quando patrocinavam a CEDAE. Quando tomamos ciência disso, também representamos estes escritórios à OAB, e o dano que eventualmente foi praticado contra a Companhia, está sendo objeto de ação indenizatória. Em outros casos, infelizmente, nos deparamos com práticas de ações trabalhistas movidas em duplicidade por empregados da Empresa. Isso não é a realidade atual da CEDAE, mas nós detectamos isso. Representamos ao Ministério do Trabalho e a OAB todos estes casos e abrimos diversas sindicâncias para apurar essas infrações disciplinares.

RJC – A CEDAE criou uma parceria com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e com o STF no sentido de criar um “Fundo” para limite de penhora nas causas cíveis. Fale-me sobre isso.

LE – Este acordo tem sido fundamental para a manutenção da CEDAE na sua saúde financeira quandonós ingressamos na Empresa, ela tinha penhoras diárias em sua conta, o que acabava inviabilizando o fluxo de caixada Companhia. O Tribunal de Justiça (TJ), através do presidente Murtha Ribeiro, tem-se mostrado muito sensível a nossos pleitos, especialmente ao celebrar esta parceria. Para se ter uma idéia, a CEDAE é hoje a empresa que mais paga valores em condenações na Justiça Comum do Estado do Rio. O montante é de 3% da nossa arrecadação mensal, com o mínimo de cinco milhões por mês. O “Fundo” tem funcionado muito bem com excelentes resultados para todos, permitindo que a CEDAE tenha previsibilidade de seu caixa, o que antes não acontecia, e acabava prejudicando a prestação

do serviço público. No passado, as penhoras acorriam de forma imprevisível. Havia dias em que você perdia em torno de R$ 20 milhões, já no outro, perdia-se R$ 10 milhões. Com isso, a Empresa não conseguia prestar de forma adequada este serviço essencial à população. Agora, nós já temos um parâmetro de quanto será penhorado por mês, a Companhia tem cumprido isso e, na medida em que nós aumentarmos a nossa arrecadação, conseqüentemente, aumentará o valor que será depositado. Os próprios Juízes têm percebido que o “Fundo” é um mecanismo saudável e que o valor que nós depositamos é uma quantia substancial.

RJC – Por último, qual outra medida o senhor poderia destacar, que estará implantando, em breve, para otimizar o processo de modernização da área jurídica da CEDAE?

LE – Temos que destacar que a situação que encontramos aqui era muito drástica. A CEDAE sequer tinha um gerenciador de processos para acompanhamento das suas milhares de ações. Hoje, nós temos cerca de 20 mil de ações nas esferas Cível, Trabalhista, Juizados Especiais e Tributária. No momento, nós estamos implantando um gerenciador de processo e estamos fazendo auditoria, levantando diversos processos. Estamos conseguindo anular alguns acordos que foram celebrados no passado, a nosso ver, lesivos à Companhia. Temos tido total apoio do presidente da CEDAE, Wagner Victer, e da Procuradora Geral, Lúcia Léa. A modernização do Jurídico da CEDAE não acorrerá da noite para o dia, mas nós temos evoluído muito. Até o fim do mês de agosto, estaremos integrandotodo o setor jurídico em um mesmo prédio, já que o mesmo estava espalhado em três lugares diferentes, o contencioso, cível, trabalhista e o consultivo eram absolutamente desconectados. Outro ponto importante na modernização do jurídico da Companhia é o projeto prioritário de acompanhamento das grandes causas nas Justiças do Trabalho e Cível. Agora, elas são acompanhados por um grupo específico, pois concentram hoje 80% dasprováveis perdas da Companhia. Nós estamos dando uma atenção especial nestes casos, colocando advogados que só cuidam destes processos e esperamos com isso melhorar e evitar prejuízos para a Empresa. O nosso objetivo é ter um jurídico eficiente e que seja um instrumento para que aCEDAE possa voltar a ser a melhor empresa de saneamento básico do país.

“O QUE NÓS ESTAMOS TENTADO FAZER NESSES PRIMEIROS MESES É RESTABELECER A CREDIBILIDADE E UM DIÁLOGO FRANCO E HONESTO COM A MAGISTRATURA E

COM O MP.”

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da impunidade que, em alguns casos, a gente percebeu que a mesma pessoa entrava com um processo mais de uma vez. Teve um caso famoso, onde um proprietário ingressou com duas ações, uma com o nome de Cléber e na outra com o nome de Léber, onde ele suprimiu a letra “C”, para que, dessa forma, não fosse descoberta a litispendência. Através de uma denúncia de um antigo sócio de um escritório, nós acabamos descobrindo isso e inibimos este tipo de ação. Junto com isso, pedimos a expedição de ofícios à Ordem de Advogados do Brasil (OAB/RJ) e ao Ministério Público. Todos os advogados envolvidos estão sendo investigados pela OAB e estão sujeitos a sanções disciplinares, inclusive, a perda da própria inscrição na Ordem. O que nós esperamos é que a pena seja severa e aplicada rapidamente. Outro grave problema encontrado foi o caso de escritórios que perderam prazos de causas milionárias quando patrocinavam a CEDAE. Quando tomamos ciência disso, também representamos estes escritórios à OAB, e o dano que eventualmente foi praticado contra a Companhia, está sendo objeto de ação indenizatória. Em outros casos, infelizmente, nos deparamos com práticas de ações trabalhistas movidas em duplicidade por empregados da Empresa. Isso não é a realidade atual da CEDAE, mas nós detectamos isso. Representamos ao Ministério do Trabalho e a OAB todos estes casos e abrimos diversas sindicâncias para apurar essas infrações disciplinares.

RJC – A CEDAE criou uma parceria com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e com o STF no sentido de criar um “Fundo” para limite de penhora nas causas cíveis. Fale-me sobre isso.

LE – Este acordo tem sido fundamental para a manutenção da CEDAE na sua saúde financeira quandonós ingressamos na Empresa, ela tinha penhoras diárias em sua conta, o que acabava inviabilizando o fluxo de caixada Companhia. O Tribunal de Justiça (TJ), através do presidente Murtha Ribeiro, tem-se mostrado muito sensível a nossos pleitos, especialmente ao celebrar esta parceria. Para se ter uma idéia, a CEDAE é hoje a empresa que mais paga valores em condenações na Justiça Comum do Estado do Rio. O montante é de 3% da nossa arrecadação mensal, com o mínimo de cinco milhões por mês. O “Fundo” tem funcionado muito bem com excelentes resultados para todos, permitindo que a CEDAE tenha previsibilidade de seu caixa, o que antes não acontecia, e acabava prejudicando a prestação

do serviço público. No passado, as penhoras acorriam de forma imprevisível. Havia dias em que você perdia em torno de R$ 20 milhões, já no outro, perdia-se R$ 10 milhões. Com isso, a Empresa não conseguia prestar de forma adequada este serviço essencial à população. Agora, nós já temos um parâmetro de quanto será penhorado por mês, a Companhia tem cumprido isso e, na medida em que nós aumentarmos a nossa arrecadação, conseqüentemente, aumentará o valor que será depositado. Os próprios Juízes têm percebido que o “Fundo” é um mecanismo saudável e que o valor que nós depositamos é uma quantia substancial.

RJC – Por último, qual outra medida o senhor poderia destacar, que estará implantando, em breve, para otimizar o processo de modernização da área jurídica da CEDAE?

LE – Temos que destacar que a situação que encontramos aqui era muito drástica. A CEDAE sequer tinha um gerenciador de processos para acompanhamento das suas milhares de ações. Hoje, nós temos cerca de 20 mil de ações nas esferas Cível, Trabalhista, Juizados Especiais e Tributária. No momento, nós estamos implantando um gerenciador de processo e estamos fazendo auditoria, levantando diversos processos. Estamos conseguindo anular alguns acordos que foram celebrados no passado, a nosso ver, lesivos à Companhia. Temos tido total apoio do presidente da CEDAE, Wagner Victer, e da Procuradora Geral, Lúcia Léa. A modernização do Jurídico da CEDAE não acorrerá da noite para o dia, mas nós temos evoluído muito. Até o fim do mês de agosto, estaremos integrandotodo o setor jurídico em um mesmo prédio, já que o mesmo estava espalhado em três lugares diferentes, o contencioso, cível, trabalhista e o consultivo eram absolutamente desconectados. Outro ponto importante na modernização do jurídico da Companhia é o projeto prioritário de acompanhamento das grandes causas nas Justiças do Trabalho e Cível. Agora, elas são acompanhados por um grupo específico, pois concentram hoje 80% dasprováveis perdas da Companhia. Nós estamos dando uma atenção especial nestes casos, colocando advogados que só cuidam destes processos e esperamos com isso melhorar e evitar prejuízos para a Empresa. O nosso objetivo é ter um jurídico eficiente e que seja um instrumento para que aCEDAE possa voltar a ser a melhor empresa de saneamento básico do país.

“O QUE NÓS ESTAMOS TENTADO FAZER NESSES PRIMEIROS MESES É RESTABELECER A CREDIBILIDADE E UM DIÁLOGO FRANCO E HONESTO COM A MAGISTRATURA E

COM O MP.”

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JUSTIÇA FEDERAL MANTÉM A SUBSTITUIÇÃO DOS MEDIDORES DE ENERGIA NO CEARÁ

SentençaAÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSU-

MIDOR. VIOLAÇÃO AO DIREITO DOS CONSU-MIDORES DE ENERGIA ELÉTRICA DO CEARÁ EM FUNÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO DE MEDIDORES DE CONSUMO ELETROMECÂNICOS POR ELETRÔNI-COS. INOCORRÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

A teor da documentação acostada aos autos pela Coelce, não se verifica a violação ao direito dos consumidores de energia elétrica deste Estado, em razão da instalação dos medidores eletrônicos.

O que se extrai dos autos como fato incontroverso é que a tecnologia trazida para a prestação do serviço de energia elétrica, no âmbito do Estado do Ceará, pela Coelce, traz inegáveis vantagens tanto para a concessionária como para os usuários dos serviços.

Pedido julgado improcedente.

I) RelatórioCuida-se de ação civil pública ajuizada pela Ordem dos

Advogados do Brasil – secção Ceará (OAB/CE) – em face da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel – e da Companhia de Energia Elétrica do Ceará – Coelce.

Sustenta a autora que o direito dos consumidores de energia elétrica do Estado do Ceará a uma prestação de serviço adequada está sendo desrespeitado pelas promovidas, eis que estão sendo substituídos os medidores de energia elétrica internos por medidores eletrônicos externos sem qualquer informação aos consumidores e sem a certificação necessária por parte do Inmetro.

Com efeito, diz que a Aneel autorizou, através da Resolução Autorizativa nº 383, oriunda do processo nº 48500.005508/05-3, publicada no Diário Oficial da União de 26 de dezembro de 2005, a Coelce a implantar medidores eletrônicos externos em unidades consumidoras de sua área de concessão.

Aduz que os medidores externos estão sendo instalados na via pública, em postes ou estruturas das concessionárias, em obediência à Resolução Normativa nº 258/2003 da Aneel.

Os medidores eletrônicos teriam tecnologia mais avançada e dificultariam a adulteração das medições, permitindo, ainda, que os dados relativos ao consumo sejam enviados diretamente à concessionária, que não necessitaria deslocar empregado seu para fazer as medições ou, por exemplo, para efetuar cortes de energia.

Argumenta que a instalação dos medidores não foi precedida de campanha de conscientização da população acerca da mudança. Outrossim, a instalação dos medidores está sendo feita em local que dificulta a fiscalização por parte do próprio consumidor, no que diz respeito ao consumo

PROCESSO Nº: 2006.81.00.002029-0 7ª VARA DA JUSTIÇA FEDERAL DO CEARÁ

JUIZ SUBSTITUTO: LEOPOLDO FONTENELE TEIXEIRAAUTOR: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASILRÉU: AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA E OUTROS

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JUSTIÇA FEDERAL MANTÉM A SUBSTITUIÇÃO DOS MEDIDORES DE ENERGIA NO CEARÁ

SentençaAÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSU-

MIDOR. VIOLAÇÃO AO DIREITO DOS CONSU-MIDORES DE ENERGIA ELÉTRICA DO CEARÁ EM FUNÇÃO DA SUBSTITUIÇÃO DE MEDIDORES DE CONSUMO ELETROMECÂNICOS POR ELETRÔNI-COS. INOCORRÊNCIA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

A teor da documentação acostada aos autos pela Coelce, não se verifica a violação ao direito dos consumidores de energia elétrica deste Estado, em razão da instalação dos medidores eletrônicos.

O que se extrai dos autos como fato incontroverso é que a tecnologia trazida para a prestação do serviço de energia elétrica, no âmbito do Estado do Ceará, pela Coelce, traz inegáveis vantagens tanto para a concessionária como para os usuários dos serviços.

Pedido julgado improcedente.

I) RelatórioCuida-se de ação civil pública ajuizada pela Ordem dos

Advogados do Brasil – secção Ceará (OAB/CE) – em face da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel – e da Companhia de Energia Elétrica do Ceará – Coelce.

Sustenta a autora que o direito dos consumidores de energia elétrica do Estado do Ceará a uma prestação de serviço adequada está sendo desrespeitado pelas promovidas, eis que estão sendo substituídos os medidores de energia elétrica internos por medidores eletrônicos externos sem qualquer informação aos consumidores e sem a certificação necessária por parte do Inmetro.

Com efeito, diz que a Aneel autorizou, através da Resolução Autorizativa nº 383, oriunda do processo nº 48500.005508/05-3, publicada no Diário Oficial da União de 26 de dezembro de 2005, a Coelce a implantar medidores eletrônicos externos em unidades consumidoras de sua área de concessão.

Aduz que os medidores externos estão sendo instalados na via pública, em postes ou estruturas das concessionárias, em obediência à Resolução Normativa nº 258/2003 da Aneel.

Os medidores eletrônicos teriam tecnologia mais avançada e dificultariam a adulteração das medições, permitindo, ainda, que os dados relativos ao consumo sejam enviados diretamente à concessionária, que não necessitaria deslocar empregado seu para fazer as medições ou, por exemplo, para efetuar cortes de energia.

Argumenta que a instalação dos medidores não foi precedida de campanha de conscientização da população acerca da mudança. Outrossim, a instalação dos medidores está sendo feita em local que dificulta a fiscalização por parte do próprio consumidor, no que diz respeito ao consumo

PROCESSO Nº: 2006.81.00.002029-0 7ª VARA DA JUSTIÇA FEDERAL DO CEARÁ

JUIZ SUBSTITUTO: LEOPOLDO FONTENELE TEIXEIRAAUTOR: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASILRÉU: AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA E OUTROS

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mensal de energia elétrica, o que violaria o direito à informação previsto no Código de Defesa do Consumidor e no art. 4º da Resolução Normativa nº 258/2003 da Aneel.

Ademais, assevera que não se sabe se os medidores foram submetidos ao crivo do Inmetro.

Acrescenta a promovente que: a) eventual defeito nos medidores tem o condão de ocasionar danos aos aparelhos elétricos que guarnecem a casa dos consumidores; b) o custo com a instalação dos novos medidores não pode ser repassado ao consumidor.

Requer a concessão de antecipação de tutela, a fim de que seja determinado às promovidas que: a) seja suspensa a substituição dos medidores eletromecânicos por medidores eletrônicos até que seja realizada uma ampla campanha informativa, bem como para que os medidores novos sejam avaliados pelo Inmetro; b) sejam os novos medidores instalados em locais onde seja possível ao consumidor verificar a respectiva leitura de consumo.

No mérito, requer: a) a confirmação da medida liminar; b) seja reconhecido o direito dos representados de serem esclarecidos quanto aos novos medidores e seu sistema de medição; c) que seja determinada a apresentação de certificação do Inmetro, atestando a segurança do aparelho em comento; d) que seja declarada a ilegalidade da Resolução Autorizativa da Aneel de nº 383/2005; e) seja determinado às rés que se abstenham de cobrar dos representados o custo resultante da substituição dos medidores ora em tela.

Junta a documentação que repousa às fls. 29/106.Às fls. 124/134, a Coelce apresenta contestação, onde alega

que: a) a própria resolução que autorizou a Coelce a implantar os novos medidores condicionou a instalação a uma prévia comunicação aos consumidores (art. 1º, § 1º, da Resolução Autorizativa nº 383), o que está sendo cumprido; b) o novo sistema permite ao consumidor saber o consumo diário de energia, o que não era possível por meio do medidor antigo; c) há um display nos medidores que fica acessível aos consumidores, possibilitando, tal qual ocorria com os medidores antigos, a análise instantânea, pelo consumidor, de seu consumo. O que está instalado em postes são os circuitos do aparelho; d) o consumidor tem conhecimento de seu consumo diário, seja através de faturas, seja por meio de atendimento telefônico; e) os novos medidores são aprovados pelo Inmetro; f ) a Aneel tem competência para regular o serviço concedido; g) a Coelce não cobra pela instalação do novo medidor.

A Coelce acosta aos autos a documentação de fls. 135/154.A Aneel, por sua vez, apresentou a petição de fls. 157/167,

onde diz que: a) a instalação dos novos medidores constitui um benefício para o consumidor e para a concessionária; b) o direito do consumidor à informação está preservado; c) a Resolução nº 383/2005 é plenamente válida, notadamente porque a Resolução nº 258/2002 não trata dos medidores eletrônicos; d) a Coelce está atuando nos exatos termos da Resolução nº 383/2005; e) não estaria presente o requisito do periculum in mora.

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A Aneel junta os documentos de fls. 168/169.Às fls. 180/183, indeferido o pedido de tutela antecipada,

o que ensejou a interposição, pelo autor, de agravo de instrumento junto à instância recursal. Não há nos autos, até o momento, qualquer informação acerca do julgamento de tal recurso pelo e. RF-5ª Região.

Às fls. 232/243, contestação da Aneel pugnando pela improcedência do pleito, nos mesmos termos da petição de fls. 157/167.

A parte autora apresentou réplica (fls. 259/280), oportunidade em que renova o pedido de tutela antecipada, para que seja determinada a suspensão, até a realização de ampla campanha informativa, da substituição dos medidores eletromecânicos por eletrônicos, bem como que estes sejam instalados em locais de fácil acesso para o consumidor, determinando-se, ainda, a remoção dos medidores já instalados no alto dos postes.

A autora juntou os documentos de fls. 281/286.Com vistas dos autos, o membro do Ministério Público

Federal opinou pelo deferimento parcial do pleito, para determinar à Coelce a aplicação do art. 4º da Resolução Normativa nº 258/2003 da Aneel, tornando obrigatória a instalação do display de leitura de medição em local acessível à fiscalização direta do consumidor.

É o relato.

II) FundamentaçãoA teor da documentação acostada aos autos pela Coelce,

não se verifica a violação ao direito dos consumidores de energia elétrica deste Estado, em razão da instalação dos medidores eletrônicos.

De fato, no que diz respeito ao direito à informação acerca dos serviços de energia elétrica, tem-se que este, em verdade, foi ampliado. Através da nova tecnologia, o consumidor tem acesso ao consumo em sua própria residência, através do display demonstrado à fl. 152, assim como pode, por meio de central de atendimento telefônico gratuito, saber o seu consumo diário de energia elétrica, coisa que não era possível com o uso dos medidores eletromecânicos.

Frise-se que as faturas de energia elétrica (fl. 149), além de informarem o consumo diário, trazem informações relacionadas às vantagens da nova tecnologia, as quais são reconhecidas pela própria OAB.

É de se destacar, ainda no que diz respeito ao direito à informação, que, antes de haver a substituição do medidor, há notificação dos usuários, onde consta a informação de que a substituição será “de inteira responsabilidade da Coelce”.

Assim, cada consumidor afetado pela mudança nos medidores está sendo informado de forma suficientemente clara acerca das inovações propiciadas pela evolução tecnológica.

No que tange à necessidade de certificação dos aparelhos pelo Inmetro, o documento de fl. 154 demonstra que houve, sim, verificação dos aparelhos, não sendo, portanto, verossimilhantes as alegações da autora a respeito.

O que se extrai dos autos como fato incontroverso é que a tecnologia trazida para a prestação do serviço de energia elétrica, no âmbito do Estado do Ceará, pela Coelce, traz inegáveis vantagens tanto para a concessionária como para os usuários dos serviços.

Além das vantagens já apontadas no decorrer desta decisão, tem-se que os novos medidores aumentarão a eficiência e a segurança do serviço, na medida em que dificultam o furto de energia – que pode até gerar o aumento da conta dos consumidores regulares – e facilitam a análise do consumo mensal, a suspensão e a reativação do fornecimento de energia, dado que não mais será necessário o deslocamento de agentes da concessionária para a efetivação de tais atos.

Por fim, quanto ao entendimento do douto representante do MPF de que deve ser imposta, pelo Judiciário, a obrigatoriedade de instalação do multicitado display, tendo em vista a ausência de determinação da Aneel nesse sentido, razão pela qual a Coelce poderia, a qualquer momento, interromper a instalação do aludido aparelho, tenho que não se vislumbra interesse de agir da promovente nesse sentido.

Com efeito, muito embora tenha a Coelce afirmado que a Aneel sequer exigiu a instalação do display, a instalação deste é assegurada pelo art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor, de modo que se afigura desnecessária determinação judicial em tal sentido.

III) DispositivoIsto posto, julgo improcedente o pedido, restando

prejudicada, por conseguinte, a apreciação do pedido de tutela antecipada formulado às fls. 259/280.

Deixo de condenar a autora nos ônus da sucumbência, em função do que dispõe o art. 87 do Código de Defesa do Consumidor.

Em face do agravo interposto pela autora, oficie-se ao e. TRF-5ª Região, cientificando-o do inteiro teor do presente decisum.

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A Aneel junta os documentos de fls. 168/169.Às fls. 180/183, indeferido o pedido de tutela antecipada,

o que ensejou a interposição, pelo autor, de agravo de instrumento junto à instância recursal. Não há nos autos, até o momento, qualquer informação acerca do julgamento de tal recurso pelo e. RF-5ª Região.

Às fls. 232/243, contestação da Aneel pugnando pela improcedência do pleito, nos mesmos termos da petição de fls. 157/167.

A parte autora apresentou réplica (fls. 259/280), oportunidade em que renova o pedido de tutela antecipada, para que seja determinada a suspensão, até a realização de ampla campanha informativa, da substituição dos medidores eletromecânicos por eletrônicos, bem como que estes sejam instalados em locais de fácil acesso para o consumidor, determinando-se, ainda, a remoção dos medidores já instalados no alto dos postes.

A autora juntou os documentos de fls. 281/286.Com vistas dos autos, o membro do Ministério Público

Federal opinou pelo deferimento parcial do pleito, para determinar à Coelce a aplicação do art. 4º da Resolução Normativa nº 258/2003 da Aneel, tornando obrigatória a instalação do display de leitura de medição em local acessível à fiscalização direta do consumidor.

É o relato.

II) FundamentaçãoA teor da documentação acostada aos autos pela Coelce,

não se verifica a violação ao direito dos consumidores de energia elétrica deste Estado, em razão da instalação dos medidores eletrônicos.

De fato, no que diz respeito ao direito à informação acerca dos serviços de energia elétrica, tem-se que este, em verdade, foi ampliado. Através da nova tecnologia, o consumidor tem acesso ao consumo em sua própria residência, através do display demonstrado à fl. 152, assim como pode, por meio de central de atendimento telefônico gratuito, saber o seu consumo diário de energia elétrica, coisa que não era possível com o uso dos medidores eletromecânicos.

Frise-se que as faturas de energia elétrica (fl. 149), além de informarem o consumo diário, trazem informações relacionadas às vantagens da nova tecnologia, as quais são reconhecidas pela própria OAB.

É de se destacar, ainda no que diz respeito ao direito à informação, que, antes de haver a substituição do medidor, há notificação dos usuários, onde consta a informação de que a substituição será “de inteira responsabilidade da Coelce”.

Assim, cada consumidor afetado pela mudança nos medidores está sendo informado de forma suficientemente clara acerca das inovações propiciadas pela evolução tecnológica.

No que tange à necessidade de certificação dos aparelhos pelo Inmetro, o documento de fl. 154 demonstra que houve, sim, verificação dos aparelhos, não sendo, portanto, verossimilhantes as alegações da autora a respeito.

O que se extrai dos autos como fato incontroverso é que a tecnologia trazida para a prestação do serviço de energia elétrica, no âmbito do Estado do Ceará, pela Coelce, traz inegáveis vantagens tanto para a concessionária como para os usuários dos serviços.

Além das vantagens já apontadas no decorrer desta decisão, tem-se que os novos medidores aumentarão a eficiência e a segurança do serviço, na medida em que dificultam o furto de energia – que pode até gerar o aumento da conta dos consumidores regulares – e facilitam a análise do consumo mensal, a suspensão e a reativação do fornecimento de energia, dado que não mais será necessário o deslocamento de agentes da concessionária para a efetivação de tais atos.

Por fim, quanto ao entendimento do douto representante do MPF de que deve ser imposta, pelo Judiciário, a obrigatoriedade de instalação do multicitado display, tendo em vista a ausência de determinação da Aneel nesse sentido, razão pela qual a Coelce poderia, a qualquer momento, interromper a instalação do aludido aparelho, tenho que não se vislumbra interesse de agir da promovente nesse sentido.

Com efeito, muito embora tenha a Coelce afirmado que a Aneel sequer exigiu a instalação do display, a instalação deste é assegurada pelo art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor, de modo que se afigura desnecessária determinação judicial em tal sentido.

III) DispositivoIsto posto, julgo improcedente o pedido, restando

prejudicada, por conseguinte, a apreciação do pedido de tutela antecipada formulado às fls. 259/280.

Deixo de condenar a autora nos ônus da sucumbência, em função do que dispõe o art. 87 do Código de Defesa do Consumidor.

Em face do agravo interposto pela autora, oficie-se ao e. TRF-5ª Região, cientificando-o do inteiro teor do presente decisum.

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INSEGURANÇA PÚBLICA E O SISTEMA PENAL BRASILEIROCarlos Roberto Siqueira Castro

Professor Titular de Direito Constitucional da UERJDoutor em Direito Público

Conselheiro Federal da OAB

A questão da violência urbana e da insegurança pública tornou-se um dos maiores desafios daAdministração e da sociedade brasileira. O caminho para soluções mais efetivas e estáveis passa pela

execução de políticas sociais abrangentes, que incluam no processo de ascensão educacional, econômica e sociocultural os jovens carentes e que habitam as áreas de risco. Ajunte-se aí a valorização dos profissionais da segurança pública,investimentos na tecnologia e inteligência estratégica nas ações policiais, conjugação dos três níveis de governo na Federação para ações conjuntas de enfrentamento à criminalidade (a exemplo do recente ingresso da Força Nacional de Segurança para patrulhamento das vias expressas e rodovias federais), as políticas de habitação popular capazes de estancar ou reduzir a favelização das cidades e os programas de melhor distribuição da renda nacional.

Sem isso, o combate à criminalidade, especialmente aquela associada ao tráfico de drogas, será sempre inglórioe ineficaz para pacificar o conflito resultante do estigma da pobreza e da desigualdade. Nos cenários peculiares de terceiro e quarto mundos, onde prevalecem agudas e impenitentes discriminações sociais e econômicas, o vasto contingente dos excluídos é duplamente vitimizado. Já sofrendo – na origem, a indigência econômica e a orfandade social –, é vítima, além disso, do processo de criminalização sumária e seletivo, que o transforma em autêntico grupo preferencial das ações policiais. Tem-se aí a repressão ideolo-

gizada à feição do colonialismo classista e racista, que atinge, diretamente, as camadas desfavorecidas da população, as quais passam a ser vistas sob permanente suspeição, tornando-se clientela da cotidiana violência policial.

Nada obstante, dada a sensação geral de capitulação do aparelho de Estado diante da delinqüência crescente e cada vez mais brutal, impõe-se a adoção de medidas emergenciais, bem como de médio e longo prazos, no conjunto de estratégias para impedir o descrédito da autoridade e o enfrentamento da crise de segurança, exemplarizada entre nós na matança por balas perdidas que atemoriza o Rio de Janeiro.

Nesse contexto, tem sido recorrente, nas sociedades pós-industriais, a pregação punitiva, mediante o agravamento das penas e a redução da maioridade penal. Esse fenômeno revela a expansão do movimento Law & Order, gerado pela deterioração em nível mundial do cenário urbano. Semelhante modelo pan-penalizador serve-se no Brasil de medidas puramente simbólicas e de duvidosa constitu-cionalidade, tais como a redução da maioridade penal, a estigmatizante colocação de monitores eletrônicos em condenados sob livramento condicional e nos presos provisórios, a extinção da prescrição penal retroativa e as restrições de acesso dos advogados aos presos em geral, dentre tantas outras hoje em trâmite no Congresso Nacional.

Tem-se, no caso, a malversação dos instrumentos legislativos da criminalização e da penalização, pela qual as instituições públicas repressivas acabam alterando

“NOS CENÁRIOS PECULIARES DE TERCEIRO E QUARTO MUNDOS, ONDE PREVALECEM AGUDAS E IMPENITENTES DISCRIMINAÇÕES

SOCIAIS E ECONÔMICAS, O VASTO CONTINGENTE DOS EXCLUÍDOS É DUPLAMENTE VITIMIZADO.”

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os mecanismos de controle e prevenção de delitos, seja agravando as penas, seja liberando o processo de persecução criminal das garantias investigatórias e processuais incluídas na pauta constitucional dos direitos fundamentais do homem. Com isso, as liberdades civis ficam drasticamente comprometidas.

Nesta hora de clamores e reações extremadas, impõe-se assinalar que restringir o debate sobre a insegurança pública ao território estreito da legislação penal constitui uma simplificação ilusória e mistificadora das reais dimensões doproblema da criminalidade no Brasil. Como diz um vetusto provérbio inglês, “para cada problema complexo há uma solução simples – que está equivocada.”

Há de se descartar, desde logo, a idéia de que um golpe de caneta do legislador venha ser a panacéia para todos os males da criminalidade nas cidades e no campo. É necessário não se sublimar a visão maniqueísta acerca dos jovens delinqüentes em detrimento da análise percuciente das condições psíquico-socioeconômicas que conduzem tantos adolescentes das favelas e dos guetos urbanos aos descaminhos do crime e à prática de atrocidades. Muitos desses jovens nascem e crescem no seio de famílias desestruturadas e com afetividade esfacelada pela falta de toda sorte de necessidades vitais.

Não por coincidência, são negros, despossuídos e oriundos de comunidades onde a tônica é a completa ausência do Estado, notadamente nas áreas da educação, da saúde e do lazer. Os sonhos que sublimam o espírito humano praticamente inexistem. A autoridade que conhecem já na tenra idade é a das gangues do narcotráfico, que osdesencaminha para o crime e a violência. O apelo ao ganho fácil e a sensação momentânea de poder que a arma de fogo lhe oferece concluem o processo de marginalização. E tudo não passa de uma resposta retaliativa contra a sociedade e o Estado que os abandonaram. O capítulo final dessabarbarização humana é o cárcere, deplorável e dantesco, onde o indivíduo é despido das últimas reservas da personalidade e laços sociais. Aí, tudo pode acontecer e efetivamente acontece, menos o respeito à incolumidade física e moral dos detentos, como determina a Constituição Federal (art. 5º, XLIX).

A pacificação da conflito social em uma nação democrá-tica não pode enveredar por soluções de mera radicalização dos delitos e das penas. Deve enveredar pelo trabalho coletivo e pela articulação das virtualidades da cidadania em prol da educação e da sadia recuperação dos jovens delinqüentes, mediante a contextualização dos fatores de inclusão e de exclusão social, à luz dos compromissos imantados no art. 3º da Constituição da República (“construção de uma sociedade livre, justa e democrática, à erradicação da pobreza e da marginalização, à redução das desigualdades sociais e regionais, à promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”). Fora disto, teremos a crescente escalada da brutalidade e o racha do ambiente urbano, sem qualquer perspectiva de pacificação social.

Foto: Arquivo Pessoal

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INSEGURANÇA PÚBLICA E O SISTEMA PENAL BRASILEIROCarlos Roberto Siqueira Castro

Professor Titular de Direito Constitucional da UERJDoutor em Direito Público

Conselheiro Federal da OAB

A questão da violência urbana e da insegurança pública tornou-se um dos maiores desafios daAdministração e da sociedade brasileira. O caminho para soluções mais efetivas e estáveis passa pela

execução de políticas sociais abrangentes, que incluam no processo de ascensão educacional, econômica e sociocultural os jovens carentes e que habitam as áreas de risco. Ajunte-se aí a valorização dos profissionais da segurança pública,investimentos na tecnologia e inteligência estratégica nas ações policiais, conjugação dos três níveis de governo na Federação para ações conjuntas de enfrentamento à criminalidade (a exemplo do recente ingresso da Força Nacional de Segurança para patrulhamento das vias expressas e rodovias federais), as políticas de habitação popular capazes de estancar ou reduzir a favelização das cidades e os programas de melhor distribuição da renda nacional.

Sem isso, o combate à criminalidade, especialmente aquela associada ao tráfico de drogas, será sempre inglórioe ineficaz para pacificar o conflito resultante do estigma da pobreza e da desigualdade. Nos cenários peculiares de terceiro e quarto mundos, onde prevalecem agudas e impenitentes discriminações sociais e econômicas, o vasto contingente dos excluídos é duplamente vitimizado. Já sofrendo – na origem, a indigência econômica e a orfandade social –, é vítima, além disso, do processo de criminalização sumária e seletivo, que o transforma em autêntico grupo preferencial das ações policiais. Tem-se aí a repressão ideolo-

gizada à feição do colonialismo classista e racista, que atinge, diretamente, as camadas desfavorecidas da população, as quais passam a ser vistas sob permanente suspeição, tornando-se clientela da cotidiana violência policial.

Nada obstante, dada a sensação geral de capitulação do aparelho de Estado diante da delinqüência crescente e cada vez mais brutal, impõe-se a adoção de medidas emergenciais, bem como de médio e longo prazos, no conjunto de estratégias para impedir o descrédito da autoridade e o enfrentamento da crise de segurança, exemplarizada entre nós na matança por balas perdidas que atemoriza o Rio de Janeiro.

Nesse contexto, tem sido recorrente, nas sociedades pós-industriais, a pregação punitiva, mediante o agravamento das penas e a redução da maioridade penal. Esse fenômeno revela a expansão do movimento Law & Order, gerado pela deterioração em nível mundial do cenário urbano. Semelhante modelo pan-penalizador serve-se no Brasil de medidas puramente simbólicas e de duvidosa constitu-cionalidade, tais como a redução da maioridade penal, a estigmatizante colocação de monitores eletrônicos em condenados sob livramento condicional e nos presos provisórios, a extinção da prescrição penal retroativa e as restrições de acesso dos advogados aos presos em geral, dentre tantas outras hoje em trâmite no Congresso Nacional.

Tem-se, no caso, a malversação dos instrumentos legislativos da criminalização e da penalização, pela qual as instituições públicas repressivas acabam alterando

“NOS CENÁRIOS PECULIARES DE TERCEIRO E QUARTO MUNDOS, ONDE PREVALECEM AGUDAS E IMPENITENTES DISCRIMINAÇÕES

SOCIAIS E ECONÔMICAS, O VASTO CONTINGENTE DOS EXCLUÍDOS É DUPLAMENTE VITIMIZADO.”

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dados dos usuários, que restaram infrutíferas, diante da utilização de nomes falsos para evitar a identificação.

A decisão que indeferiu o requerimento teve como fundamento o fato de que os crimes investigados são apenados com detenção, daí porque seria incabível a medida com base na Lei nº 9.296/96, que regula a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

A interposição veio instruída com os documentos de folhas 14/38.

A decisão foi mantida em sede de juízo de retratação (folha 32).

Informações prestadas pelo Juízo reclamado nas folhas 42/43.

A douta Procuradoria de Justiça apresentou o parecer de folhas 45/49, opinando pelo provimento do recurso.

É o relatório.

V otoSaliente-se, de início, o cabimento da reclamação oferecida

pelo Ministério Público para a insurgência contra a decisão judicial impugnada.

É verdade que alguns intérpretes da lei enxergariam no mandado de segurança o remédio adequado para o combate à decisão do Juízo monocrático.

De outro lado, a reclamação tem sido considerada a via idônea para superar impasses concernentes ao indeferimento injustificado de requerimentos formulados pelo Ministério Público, objetivando instruir inquéritos e ações penais com elementos de apuração e comprovação de ilícitos penais.

O fato é que o exame da matéria controvertida sob as lentes da reclamação não conduz a qualquer aberração ou prejuízo, mas sim a prevalência do conteúdo meritório sobre o formalismo ultrapassado, em prestígio ao princípio constitucional da efetividade do processo, assim como a seu corolário lógico, o princípio da instrumentalidade das formas.

Com efeito, os autos dão conta de que a empresa que representa legalmente o sítio de relacionamentos Orkut, a empresa Google Brasil Internet Ltda., não atendeu à requisição formulada diretamente pelo Ministério Público, argumentando que a lei de regência em casos dessa natureza é a do local onde estão situadas as informações, exigindo a legislação norte-americana determinação judicial para se proceder à quebra de sigilo de comunicação eletrônica.

Diante da resistência manifestada pela Google Inc. para prestar as informações solicitadas, o Ministério Público teve de se valer de requerimento à Autoridade Judiciária, que indeferiu o pedido, o que deu azo à apresentação da presente Reclamação.

Cabível, portanto, a reclamação para o fim postulado.No tocante ao mérito, a reclamação merece prosperar.E isso porque o fundamento do indeferimento do pedido

de requisição dos dados cadastrais dos criadores e membros das

comunidades “Eu Sei Dirigir Bêbado” e “Sou Menor Mas Adoro Dirigir”, bem como dos criadores de todas as demais comunidades a elas relacionadas – a vedação legal do art. 2º, inciso II, da Lei nº 9.296/96, de deferimento da medida requerida em crimes apenados com detenção – não se sustenta, porque é inaplicável aos fatos investigados na referida legislação.

É que, na espécie, não se cuida de interceptação telefônica ou telemática, a abranger a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio da telefonia, estática ou móvel, mas sim de registros que permitam a identificação dos usuários e criadores das comunidades e de outros registros imprescindíveis à investigação levada a cabo pelas autoridades competentes.

Nesse contexto, é oportuna a lição de Luis Flávio Gomes e Raúl Cervini diferenciando comunicação telefônica (e, por extensão, comunicação telemática) e quebra de sigilo de dados telefônicos, verbis:

“Uma coisa é a ‘comunicação telefônica’ em si, outra bem diferente são os registros (geralmente escritos) pertinentes às comunicações telefônicas, tais como: data da chamada telefônica, horário, número do telefone chamado, duração do uso, valor da camada etc. Pode-se dizer que esses registros configuram os ‘dados’escritos correspondentes às comunicações telefônicas. Não são ‘dados’ no sentido utilizado pela ciência da informática (‘informação em forma codificada’), senão referências, registros de uma comunicação telefônica, que atestam sua existência, duração, destino, etc.” (in:Interceptação Telefônica – Lei nº 9.296, de 24.07.96. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997, pp. 100/101) (sem destaques no original).

Com efeito, a doutrina pátria percebeu a distinção entre a comunicação de dados, dinâmica, e dos dados cadastrais e registros, estáticos, que poderiam ser apreendidos como os documentos em geral, e não com base na Lei nº 9.296/96.

Veja-se, a esse respeito, a lição de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, verbis:

“A segunda dificuldade é delimitar a proteção constitucional: estaria protegida somente a comunicação de dados, ou seja, aquela que é feita em rede de computadores, transmitida normalmente por linha telefônica ou também os dados armazenados? A rara doutrina sobre o assunto caminha no sentido de considerar que não estão compreendidos na proteção constitucional os dados armazenados ou estanques, ou melhor, os que não estão sendo transmitidos. A vedação, portanto, é para a captação ilícita da transmissão. Os dados armazenados, segundo Geraldo Prado, William Douglas e Luiz Flávio Gomes, podem ser apreendidos como os documentos em geral.” (O Processo Penal em Face da Constituição – Princípios Constitucionais do Processo Penal. Ed. Forense, 2ª ed., p. 25) (sem destaques no original).

Em idêntico sentido, Luis Flávio Gomes e Raúl Cervini concluem que:

“Os dados telefônicos (registros pertinentes a

ReclamaçãoSítio de relacionamento Orkut. Investigação

policial. Incitação de crimes. Comunidades “Eu sei Dirigir Bêbado” e “Sou Menor Mas Adoro Dirigir”. Recusa do representante legal da empresa que administra o sítio de relacionamentos na Internet em prestar informações sobre os membros e criadores das referidas comunidades. Conduta investigada que ostenta potencial para causar perda de vidas humanas, principalmente de jovens, que estariam sendo estimu-lados a conduzir veículos automotores sem habilitação ou em estado de embriaguez.

Indeferimento pelo Juízo Criminal de pedido de requisição de informações e dados cadastrais de membros e criadores das comunidades, sob o fundamento de que a Lei nº 9.296/96 não autoriza a quebra do sigilo para apuração de crime apenado com detenção.

Distinção entre comunicações telefônicas e telemá-ticas e dados registrais respectivos, estes equiparados a documentos, cuja quebra de sigilo não tem como base a Lei nº 9.296/96, mas sim o Código de Processo Penal.

Necessidade da medida. Informações impres-cindíveis à investigação. Ponderação de interesses. Proporcionalidade e razoabilidade da medida. Bene-fícios à coletividade superiore ao desconforto de alguns membros das comunidades investigadas.

O direito à intimidade, que não é absoluto, deve ceder em função de interesse de maior dimensão. O direito à intimidade não se presta a impedir a apuração de crime, sob pena de converter-se em garantidor da impunidade.

Os princípios constitucionais delimitam a forma e a extensão do controle dos atos pelo Poder Público, estabelecendo o equilíbrio de armas entre a defesa e a acusação, mas não impedem a atuação estatal legítima e legal de investigar e punir condutas contrárias à lei penal.

Procedência da Reclamação.Vistos, relatados e discutidos estes autos da Reclamação

nº 2006.077.00062, em que figura como reclamante o

Ministério Público e reclamado o Juízo da 34ª Vara Criminal da Comarca da Capital.

Acordam os Desembargadores que compõem a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em conhecer e julgar procedente a Reclamação, para, cassando-se a decisão reclamada, determinar ao Juízo reclamado que requisite à empresa Google Brasil Internet Ltda. as informações, dados cadastrais, números de IP’s, data e hora completa (referência horária, inclusive, GMT, BRT, etc) dos criadores e membros das comunidades do sítio de relacionamentos Orkut “Eu Sei Dirigir Bêbado” e “Sou Menor Mas Adoro Dirigir”, bem como dos criadores de todas as demais comunidades a elas relacionadas, nos termos do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2006.

Desembargador Motta MoraesPresidente

Desembargador Marco Aurélio BellizzeRelator

RelatórioO Ministério Público apresentou reclamação contra

decisão proferida pelo Juízo da 34ª Vara Criminal da Comarca da Capital, que indeferiu pedido de quebra de sigilo de dados cadastrais, bem como os números de IP, data e hora completa, dos membros e criadores das comunidades “Eu sei Dirigir Bêbado”, “Sou Menor Mas Adoro Dirigir” e das demais relacionadas integrantes do site de relacionamento Orkut.

Aduz o Ministério Público a imprescindibilidade da medida para apurar a autoria e demais circunstâncias que envolveram a prática dos delitos de incitação e apologia ao crime, tipificados nos artigos 286 e 287, do Código Penal, sendo certo que a Autoridade Policial informou que já realizou inúmeras diligências para a obtenção dos

QUEBRA DE SIGILO

3ª CÂMARA CRIMINALReclamação nº 62/2006Reclamante : Ministério PúblicoReclamado : Juiz de Direito da 34ª Vara Criminal da Comarca da CapitalRelator : Desembargador Marco Aurélio Bellizze

“TANTO A DOUTRINA QUANTO A JURISPRUDÊNCIA TÊM

ESPOSADO A TESE DE QUE AS PESSOAS JURÍDICAS TAMBÉM

DEVEM SER REPARADAS QUANDO SOFREM DANOS QUE POSSAM, DE ALGUMA

FORMA, CAUSAR-LHES PREJUÍZO DE DIFÍCIL

VALORAÇÃO.”

“DANO MORAL” E A PESSOA JURÍDICABenedicto Abicair

Desembargador do TJ/RJ

É notório que nossa ordem jurídica tem como principal escopo proteger o lícito e reprimir o ilícito. Para tal, o direito positivo impõe condutas externas aos indivíduos, denominadas de deveres jurídicos, as

quais, uma vez violadas, geram um dever reparatório decorrente do dano causado pela violação. Neste sentido, Sérgio Cavalieri Filho, in Programa de Responsabilidade Civil, 2ª edição, 3ª tiragem, Editora Malheiros, páginas 19/20:

“1.1 Dever jurídico originário e sucessivo –A violação de um dever jurídico configura

o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo. A título de exemplo, lembramos que todos têm o dever de respeitar a integridade física do ser humano. Tem-se, aí, um dever jurídico originário, correspondente a um direito absoluto. Para aquele que descumprir esse dever surgirá um outro dever jurídico: o da reparação do dano.”

É incontroverso o direito ao dano moral para todo e qualquer cidadão que seja vítima de ato de terceiro, que lhe acarrete sofrimento, dor, incômodo ou algum tipo de desfavorecimento, capaz de acarretar-lhe, à honra e/ou à personalidade, dissabores ou prejuízos, estes não calculáveis materialmente.

Como proteção aos direitos individuais, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê a indenização por dano moral, em seu art. 5º, incisos V e X, bem como a legislação infraconstitucional prevê esta hipótese compensatória nos arts.186 c/c o art. 927, do Novel Código Civil. Ainda o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, VI, estabelece ser direito básico a efetiva prevenção e reparação dos danos morais suportados pelos consumidores.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm esposado a tese de que as Pessoas Jurídicas também devem ser reparadas quando sofrem danos que possam, de alguma forma, causar-lhes prejuízo de difícil valoração, quando não se configureas hipóteses de ressarcimento decorrente de perdas e danos materiais e lucros cessantes, passíveis de valoração, pois, no mundo empresarial, industrial e comercial, nem sempre os métodos adotados viabilizam a plena identificação dostranstornos que a mácula pode causar.

Hipótese típica consiste na perda de crédito para faturamento parcelado, quando um determinado aponte, nos cadastros comerciais, motiva dúvidas no fornecedor sobre a capacidade financeira da Pessoa Jurídica, após, porexemplo, o evento de um protesto de título de crédito ou uma simples notícia jornalística que não correspondam à realidade.

Não se confunda o dano causado à Pessoa Jurídica com aquele sofrido por seus sócios, pessoas naturais, os quais devem buscar a reparação independentemente da que for devida àquela.

Uma das lembranças mais citadas no mundo jurídico, aliás, desastrosa, é o episódio de um Colégio, em São Paulo, quando seus sócios foram acusados de importunarem os alunos, e, tempos depois, nada fora provado como verdadeiro.

O educandário teve suas portas cerradas, imediatamente, diante do clamor provocado por toda a imprensa, tendo os pais dos alunos diligenciado para a retirada de seus filhos daescola, antes de aguardarem a apuração dos fatos, o que é plenamente natural.

É verdade. A irresponsabilidade de alguns setores da sociedade, em todos os níveis, muitas vezes em decorrência da falta de formação profissional adequada, tem impostosérios dissabores a empresas, de todos os setores, e tem sido quase que uníssono o entendimento dos Tribunais sobre ser devido ressarcimento à título de “Dano Moral” a elas.

Convém invocar a Súmula nº 227 do E. STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”, ressalvando, desde já, a nomenclatura escolhida.

Entretanto, por mais que seja manso e pacífico oentendimento sobre ser devido reparo “moral” à Pessoa Jurídica, do que, também eu, sou defensor, divirjo, desde quando militava na advocacia, quanto à nomenclatura adotada para tal ressarcimento, ou seja, “dano moral”.

Em função desse inconformismo, venho tentando encontrar palavras que melhor reflitam os efetivos prejuízosimaterialmente reconhecidos, vez que uma instituição, de qualquer natureza, não tem sentimentos. Não sofre dor. Não está sujeita a humilhação. Ou seja, não tem como ser

comparada ao ser humano que, comprovadamente pela ciência, sofre, emocionalmente, com os fatos que o atingem, das formas mais variáveis, tais como, por exemplo, passando a ter medo ou ansiedade.

Daí a certeza de que as Pessoas Jurídicas vivem, com absoluto realismo, da imagem, credibilidade e conceito que passam para aqueles com os quais se relacionam.

Aludido educandário, uma fábrica, uma loja, um hospital, uma prestadora de serviços, todos, dentre tantas outras Pessoas Jurídicas, podem ser alvejadas com acusações ou simples negativações em seus cadastros, deixando de honrar seus compromissos com funcionários e fornecedores, sem que isso abale, objetivamente, seu crédito, mas podendo atingir sua credibilidade, seu conceito ou imagem.

Entendo, com as vênias dos mais conceituados juristas, que, quando reconhecida a necessidade de reparação do dano imaterial a qualquer Pessoa Jurídica, de avaliação subjetiva, deve ser adotada a terminologia “dano reparatório do conceito, da credibilidade ou da imagem”.

Daí, para que haja condenação ao pagamento de indenização a esse título, basta que esteja caracterizada a ofensa à imagem, à credibilidade ou ao conceito, quando o fato imputado não for comprovado.

Dessa forma, é induvidoso que a pessoa jurídica faz jus à indenização por dano ao conceito, credibilidade ou imagem, quando atingidos por algum ato ilícito, não computável através de valores explícitos.

Convém aludir a hipótese de um determinado devedor deixar de quitar sua obrigação com Pessoa Jurídica credora,

Page 43: Revista Justiça & Cidadania

2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 43

dados dos usuários, que restaram infrutíferas, diante da utilização de nomes falsos para evitar a identificação.

A decisão que indeferiu o requerimento teve como fundamento o fato de que os crimes investigados são apenados com detenção, daí porque seria incabível a medida com base na Lei nº 9.296/96, que regula a interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

A interposição veio instruída com os documentos de folhas 14/38.

A decisão foi mantida em sede de juízo de retratação (folha 32).

Informações prestadas pelo Juízo reclamado nas folhas 42/43.

A douta Procuradoria de Justiça apresentou o parecer de folhas 45/49, opinando pelo provimento do recurso.

É o relatório.

V otoSaliente-se, de início, o cabimento da reclamação oferecida

pelo Ministério Público para a insurgência contra a decisão judicial impugnada.

É verdade que alguns intérpretes da lei enxergariam no mandado de segurança o remédio adequado para o combate à decisão do Juízo monocrático.

De outro lado, a reclamação tem sido considerada a via idônea para superar impasses concernentes ao indeferimento injustificado de requerimentos formulados pelo Ministério Público, objetivando instruir inquéritos e ações penais com elementos de apuração e comprovação de ilícitos penais.

O fato é que o exame da matéria controvertida sob as lentes da reclamação não conduz a qualquer aberração ou prejuízo, mas sim a prevalência do conteúdo meritório sobre o formalismo ultrapassado, em prestígio ao princípio constitucional da efetividade do processo, assim como a seu corolário lógico, o princípio da instrumentalidade das formas.

Com efeito, os autos dão conta de que a empresa que representa legalmente o sítio de relacionamentos Orkut, a empresa Google Brasil Internet Ltda., não atendeu à requisição formulada diretamente pelo Ministério Público, argumentando que a lei de regência em casos dessa natureza é a do local onde estão situadas as informações, exigindo a legislação norte-americana determinação judicial para se proceder à quebra de sigilo de comunicação eletrônica.

Diante da resistência manifestada pela Google Inc. para prestar as informações solicitadas, o Ministério Público teve de se valer de requerimento à Autoridade Judiciária, que indeferiu o pedido, o que deu azo à apresentação da presente Reclamação.

Cabível, portanto, a reclamação para o fim postulado.No tocante ao mérito, a reclamação merece prosperar.E isso porque o fundamento do indeferimento do pedido

de requisição dos dados cadastrais dos criadores e membros das

comunidades “Eu Sei Dirigir Bêbado” e “Sou Menor Mas Adoro Dirigir”, bem como dos criadores de todas as demais comunidades a elas relacionadas – a vedação legal do art. 2º, inciso II, da Lei nº 9.296/96, de deferimento da medida requerida em crimes apenados com detenção – não se sustenta, porque é inaplicável aos fatos investigados na referida legislação.

É que, na espécie, não se cuida de interceptação telefônica ou telemática, a abranger a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por meio da telefonia, estática ou móvel, mas sim de registros que permitam a identificação dos usuários e criadores das comunidades e de outros registros imprescindíveis à investigação levada a cabo pelas autoridades competentes.

Nesse contexto, é oportuna a lição de Luis Flávio Gomes e Raúl Cervini diferenciando comunicação telefônica (e, por extensão, comunicação telemática) e quebra de sigilo de dados telefônicos, verbis:

“Uma coisa é a ‘comunicação telefônica’ em si, outra bem diferente são os registros (geralmente escritos) pertinentes às comunicações telefônicas, tais como: data da chamada telefônica, horário, número do telefone chamado, duração do uso, valor da camada etc. Pode-se dizer que esses registros configuram os ‘dados’ escritos correspondentes às comunicações telefônicas. Não são ‘dados’ no sentido utilizado pela ciência da informática (‘informação em forma codificada’), senão referências, registros de uma comunicação telefônica, que atestam sua existência, duração, destino, etc.” (in:Interceptação Telefônica – Lei nº 9.296, de 24.07.96. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1997, pp. 100/101) (sem destaques no original).

Com efeito, a doutrina pátria percebeu a distinção entre a comunicação de dados, dinâmica, e dos dados cadastrais e registros, estáticos, que poderiam ser apreendidos como os documentos em geral, e não com base na Lei nº 9.296/96.

Veja-se, a esse respeito, a lição de Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, verbis:

“A segunda dificuldade é delimitar a proteção constitucional: estaria protegida somente a comunicação de dados, ou seja, aquela que é feita em rede de computadores, transmitida normalmente por linha telefônica ou também os dados armazenados? A rara doutrina sobre o assunto caminha no sentido de considerar que não estão compreendidos na proteção constitucional os dados armazenados ou estanques, ou melhor, os que não estão sendo transmitidos. A vedação, portanto, é para a captação ilícita da transmissão. Os dados armazenados, segundo Geraldo Prado, William Douglas e Luiz Flávio Gomes, podem ser apreendidos como os documentos em geral.” (O Processo Penal em Face da Constituição – Princípios Constitucionais do Processo Penal. Ed. Forense, 2ª ed., p. 25) (sem destaques no original).

Em idêntico sentido, Luis Flávio Gomes e Raúl Cervini concluem que:

“Os dados telefônicos (registros pertinentes a

ReclamaçãoSítio de relacionamento Orkut. Investigação

policial. Incitação de crimes. Comunidades “Eu sei Dirigir Bêbado” e “Sou Menor Mas Adoro Dirigir”. Recusa do representante legal da empresa que administra o sítio de relacionamentos na Internet em prestar informações sobre os membros e criadores das referidas comunidades. Conduta investigada que ostenta potencial para causar perda de vidas humanas, principalmente de jovens, que estariam sendo estimu-lados a conduzir veículos automotores sem habilitação ou em estado de embriaguez.

Indeferimento pelo Juízo Criminal de pedido de requisição de informações e dados cadastrais de membros e criadores das comunidades, sob o fundamento de que a Lei nº 9.296/96 não autoriza a quebra do sigilo para apuração de crime apenado com detenção.

Distinção entre comunicações telefônicas e telemá-ticas e dados registrais respectivos, estes equiparados a documentos, cuja quebra de sigilo não tem como base a Lei nº 9.296/96, mas sim o Código de Processo Penal.

Necessidade da medida. Informações impres-cindíveis à investigação. Ponderação de interesses. Proporcionalidade e razoabilidade da medida. Bene-fícios à coletividade superiore ao desconforto de alguns membros das comunidades investigadas.

O direito à intimidade, que não é absoluto, deve ceder em função de interesse de maior dimensão. O direito à intimidade não se presta a impedir a apuração de crime, sob pena de converter-se em garantidor da impunidade.

Os princípios constitucionais delimitam a forma e a extensão do controle dos atos pelo Poder Público, estabelecendo o equilíbrio de armas entre a defesa e a acusação, mas não impedem a atuação estatal legítima e legal de investigar e punir condutas contrárias à lei penal.

Procedência da Reclamação.Vistos, relatados e discutidos estes autos da Reclamação

nº 2006.077.00062, em que figura como reclamante o

Ministério Público e reclamado o Juízo da 34ª Vara Criminal da Comarca da Capital.

Acordam os Desembargadores que compõem a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em conhecer e julgar procedente a Reclamação, para, cassando-se a decisão reclamada, determinar ao Juízo reclamado que requisite à empresa Google Brasil Internet Ltda. as informações, dados cadastrais, números de IP’s, data e hora completa (referência horária, inclusive, GMT, BRT, etc) dos criadores e membros das comunidades do sítio de relacionamentos Orkut “Eu Sei Dirigir Bêbado” e “Sou Menor Mas Adoro Dirigir”, bem como dos criadores de todas as demais comunidades a elas relacionadas, nos termos do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2006.

Desembargador Motta MoraesPresidente

Desembargador Marco Aurélio BellizzeRelator

RelatórioO Ministério Público apresentou reclamação contra

decisão proferida pelo Juízo da 34ª Vara Criminal da Comarca da Capital, que indeferiu pedido de quebra de sigilo de dados cadastrais, bem como os números de IP, data e hora completa, dos membros e criadores das comunidades “Eu sei Dirigir Bêbado”, “Sou Menor Mas Adoro Dirigir” e das demais relacionadas integrantes do site de relacionamento Orkut.

Aduz o Ministério Público a imprescindibilidade da medida para apurar a autoria e demais circunstâncias que envolveram a prática dos delitos de incitação e apologia ao crime, tipificados nos artigos 286 e 287, do Código Penal, sendo certo que a Autoridade Policial informou que já realizou inúmeras diligências para a obtenção dos

QUEBRA DE SIGILO

3ª CÂMARA CRIMINALReclamação nº 62/2006Reclamante : Ministério PúblicoReclamado : Juiz de Direito da 34ª Vara Criminal da Comarca da CapitalRelator : Desembargador Marco Aurélio Bellizze

“TANTO A DOUTRINA QUANTO A JURISPRUDÊNCIA TÊM

ESPOSADO A TESE DE QUE AS PESSOAS JURÍDICAS TAMBÉM

DEVEM SER REPARADAS QUANDO SOFREM DANOS QUE POSSAM, DE ALGUMA

FORMA, CAUSAR-LHES PREJUÍZO DE DIFÍCIL

VALORAÇÃO.”

“DANO MORAL” E A PESSOA JURÍDICABenedicto Abicair

Desembargador do TJ/RJ

É notório que nossa ordem jurídica tem como principal escopo proteger o lícito e reprimir o ilícito. Para tal, o direito positivo impõe condutas externas aos indivíduos, denominadas de deveres jurídicos, as

quais, uma vez violadas, geram um dever reparatório decorrente do dano causado pela violação. Neste sentido, Sérgio Cavalieri Filho, in Programa de Responsabilidade Civil, 2ª edição, 3ª tiragem, Editora Malheiros, páginas 19/20:

“1.1 Dever jurídico originário e sucessivo –A violação de um dever jurídico configura

o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. Há, assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo. A título de exemplo, lembramos que todos têm o dever de respeitar a integridade física do ser humano. Tem-se, aí, um dever jurídico originário, correspondente a um direito absoluto. Para aquele que descumprir esse dever surgirá um outro dever jurídico: o da reparação do dano.”

É incontroverso o direito ao dano moral para todo e qualquer cidadão que seja vítima de ato de terceiro, que lhe acarrete sofrimento, dor, incômodo ou algum tipo de desfavorecimento, capaz de acarretar-lhe, à honra e/ou à personalidade, dissabores ou prejuízos, estes não calculáveis materialmente.

Como proteção aos direitos individuais, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê a indenização por dano moral, em seu art. 5º, incisos V e X, bem como a legislação infraconstitucional prevê esta hipótese compensatória nos arts.186 c/c o art. 927, do Novel Código Civil. Ainda o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, VI, estabelece ser direito básico a efetiva prevenção e reparação dos danos morais suportados pelos consumidores.

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm esposado a tese de que as Pessoas Jurídicas também devem ser reparadas quando sofrem danos que possam, de alguma forma, causar-lhes prejuízo de difícil valoração, quando não se configure as hipóteses de ressarcimento decorrente de perdas e danos materiais e lucros cessantes, passíveis de valoração, pois, no mundo empresarial, industrial e comercial, nem sempre os métodos adotados viabilizam a plena identificação dos transtornos que a mácula pode causar.

Hipótese típica consiste na perda de crédito para faturamento parcelado, quando um determinado aponte, nos cadastros comerciais, motiva dúvidas no fornecedor sobre a capacidade financeira da Pessoa Jurídica, após, por exemplo, o evento de um protesto de título de crédito ou uma simples notícia jornalística que não correspondam à realidade.

Não se confunda o dano causado à Pessoa Jurídica com aquele sofrido por seus sócios, pessoas naturais, os quais devem buscar a reparação independentemente da que for devida àquela.

Uma das lembranças mais citadas no mundo jurídico, aliás, desastrosa, é o episódio de um Colégio, em São Paulo, quando seus sócios foram acusados de importunarem os alunos, e, tempos depois, nada fora provado como verdadeiro.

O educandário teve suas portas cerradas, imediatamente, diante do clamor provocado por toda a imprensa, tendo os pais dos alunos diligenciado para a retirada de seus filhos da escola, antes de aguardarem a apuração dos fatos, o que é plenamente natural.

É verdade. A irresponsabilidade de alguns setores da sociedade, em todos os níveis, muitas vezes em decorrência da falta de formação profissional adequada, tem imposto sérios dissabores a empresas, de todos os setores, e tem sido quase que uníssono o entendimento dos Tribunais sobre ser devido ressarcimento à título de “Dano Moral” a elas.

Convém invocar a Súmula nº 227 do E. STJ: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”, ressalvando, desde já, a nomenclatura escolhida.

Entretanto, por mais que seja manso e pacífico o entendimento sobre ser devido reparo “moral” à Pessoa Jurídica, do que, também eu, sou defensor, divirjo, desde quando militava na advocacia, quanto à nomenclatura adotada para tal ressarcimento, ou seja, “dano moral”.

Em função desse inconformismo, venho tentando encontrar palavras que melhor reflitam os efetivos prejuízos imaterialmente reconhecidos, vez que uma instituição, de qualquer natureza, não tem sentimentos. Não sofre dor. Não está sujeita a humilhação. Ou seja, não tem como ser

comparada ao ser humano que, comprovadamente pela ciência, sofre, emocionalmente, com os fatos que o atingem, das formas mais variáveis, tais como, por exemplo, passando a ter medo ou ansiedade.

Daí a certeza de que as Pessoas Jurídicas vivem, com absoluto realismo, da imagem, credibilidade e conceito que passam para aqueles com os quais se relacionam.

Aludido educandário, uma fábrica, uma loja, um hospital, uma prestadora de serviços, todos, dentre tantas outras Pessoas Jurídicas, podem ser alvejadas com acusações ou simples negativações em seus cadastros, deixando de honrar seus compromissos com funcionários e fornecedores, sem que isso abale, objetivamente, seu crédito, mas podendo atingir sua credibilidade, seu conceito ou imagem.

Entendo, com as vênias dos mais conceituados juristas, que, quando reconhecida a necessidade de reparação do dano imaterial a qualquer Pessoa Jurídica, de avaliação subjetiva, deve ser adotada a terminologia “dano reparatório do conceito, da credibilidade ou da imagem”.

Daí, para que haja condenação ao pagamento de indenização a esse título, basta que esteja caracterizada a ofensa à imagem, à credibilidade ou ao conceito, quando o fato imputado não for comprovado.

Dessa forma, é induvidoso que a pessoa jurídica faz jus à indenização por dano ao conceito, credibilidade ou imagem, quando atingidos por algum ato ilícito, não computável através de valores explícitos.

Convém aludir a hipótese de um determinado devedor deixar de quitar sua obrigação com Pessoa Jurídica credora,

Foto: Arquivo Pessoal

Page 44: Revista Justiça & Cidadania

44 • JUSTIÇA & CIDADANIA • AGOSTO 2007

O RIO E OS DESAFIOS DA MISÉRIA URBANAAdriana Ancelmo Cabral

Primeira-dama do Estado do RioPresidente de honra do RioSolidário

O Rio de janeiro está enfrentando, neste momento, a maior batalha de sua história.

É a luta para, na esteira do desenvolvimento global, superar suas eternas contradições e se trans-

formar em um Estado pleno, livre das desigualdades, da miséria e da violência que nos ameaça e ofende a cada dia que passa.

É evidente que as dificuldades são imensas, e basta ler os jornais para perceber o longo caminho que temos a percorrer. Mas já demos os primeiros passos.

Pessoalmente, desde que assumi, em março deste ano, a presidência de honra do RioSolidário, tenho vivenciado de perto a situação contraditória do Estado, que ostenta um lado de progresso e desenvolvimento econômico e outro de profundas dificuldades sociais.

A tarefa de conduzir um projeto que se propõe a promover a inclusão social é, sem dúvida, um grande desafio, mas a aproximação de nossas mazelas me trouxe, em contrapartida, a alegria de perceber que a volta por cima do Rio de Janeiro depende apenas de nossos esforços conjuntos, e que não falta disposição para ajudar o Estado a alcançar esse objetivo, seja por parte das empresas, do poder público, da sociedade civil organizada ou das pessoas em geral.

Não tenho a menor dúvida de que temos a matéria-rima perfeita para essa transformação. De fato, é notório que não existe, no mundo, lugar mais lindo do que o Rio de Janeiro, mas muito mais importante do que a beleza natural que nos foi presenteada por Deus é a constatação de que, segura-mente, também não há nenhum outro Estado com um povo dotado de tanta humanidade e valor quanto o fluminense.

Por outro lado, também é verdade que nos orgulhamos de nossas belezas naturais e de nosso espírito livre e festivo

na mesma medida em que nos envergonhamos do quadro de desigualdades e injustiças sociais que nos assola há séculos.

Queiramos ou não, nossa geração herdou a dificílima tarefa de mudar essa realidade e, sem dúvida, não deixará de fazê-lo. Não temos o direito de reclamar, nem de vacilar. Precisamos, sim, assumir nossas responsabilidades como cidadãos e contribuir para a superação dos problemas de nossa cidade e de nosso Estado, seja na qualidade de empresários, trabalhadores, funcionários públicos ou governantes.

Nossas mazelas não foram criadas ontem e, sem dúvida, não serão superadas do dia para a noite. As mudanças exigem determinação e esforço de cada um de nós. O Rio de janeiro é contraditório, sem dúvida, mas é nosso por completo.

São nossos o Cristo Redentor, o Maracanã e o Pão de Açúcar – assim como são nossas a miséria, a desigualdade e a violência.

Preservá-lo no que desejamos que seja não é atribuição de poucos, nem nos será entregue por obra de Deus, como foram nossas praias e montanhas.

O Rio de Janeiro que nós queremos será obra de nossa força, de nossa disposição e de nosso amor, não apenas pela cidade de concreto, asfalto, areia, pedra e mar, mas por nossos filhos, que começaram a herdá-la no dia em que nasceram.

Precisamos nos lembrar, diariamente, de que vivemos no Rio de Janeiro, uma terra solidária e plural, vanguardista nas artes e nas ciências, que enfrenta as adversidades sem perder a disposição e, mais do que tudo, que acredita no futuro.

Estou certa de que a alegria permanente, o humor inabalável e a fé transformadora são o sinal da força de nossa gente, que fará do Rio de Janeiro um Estado exemplar, livre da miséria, das desigualdades e da violência, pelo simples fato de que assim nós queremos.

por meio de justificativas levianas a ela imputadas, e tal fato iniviabilizar que este quite seus compromissos com terceiros, inclusive com seus funcionários, sem que daí decorra perda de crédito comercial ou financeiro, mas, induvidosamente, proporciona questionamentos naqueles que se viram prejudicados com a mora, acarretando insegurança sobre as reais condições econômicas e financeiras da imputada, bem como sobre a veracidade do fato, até porque, conforme dito popular, mais vale a versão do fato do que o fato, sendo certo que o desmentido jamais tem a mesma repercurssão que a mentira, prática corriqueira dentre os irresponsáveis e maledicentes. Tem-se o abalo ao conceito, imagem ou credibilidade.

No tocante à prova do dano ao conceito, credibilidade e imagem, por se tratar de algo imaterial ou ideal, não pode ser feita pelos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material, já que nem sempre é possível exigir-se do lesado que comprove a ofensa a sua imagem, credibilidade e/ou conceito, posto que, havendo tal possibilidade, ter-se-ia o dano material.

Sob este enfoque, vale nos socorrermos, por analogia, da melhor doutrina e jurisprudência que entende, no tocante à pessoa natural, que o dano moral está íncito na própria ofensa, decorrendo da gravidade do ilícito em si, existindo in re ipsa, ou seja, comprovada a ofensa, demonstrado estará o referido dano em decorrência de uma presunção natural, justificando-se, no caso de Pessoa Jurídica, o reparo pelo dano causado à imagem, conceito ou credibilidade.

No que tange ao quantum indenizatório, assim como no dano moral à pessoa natural, não há valores fixos, nem tabelas preestabelecidas para o arbitramento do dano. Essa tarefa cabe ao juiz, no exame de cada caso concreto, observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, utilizando-se de seu bom senso prático.

Na reparação por dano ao conceito, credibilidade ou imagem, há também tal qual o dano moral sofrido pela pessoa natural, duas concausas, quais sejam, a punição ao infrator, por haver ofendido um bem jurídico da vítima, bem como colocar, nas mãos do lesado, uma soma que não é o preço para recompor o conceito, credibilidade ou imagem, mas o meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, como, por exemplo, para promover atos que tornem pública a isenção da imputação que lhe tenha sido atribuída.

A indenização, eventualmente devida, à pessoa jurídica atingida pela conduta ilícita de outrem não visa propiciar um enriquecimento ao lesado, e sim minimizar as consequências. A indenização deve ser suficiente para reparar o dano de forma completa e nada mais, sob pena de consubstanciar-se em fonte de lucro para o lesado.

Talvez não seja esta a nomenclatura mais adequada, porém, induvidosamente, é mais apropriada do que considerar a Pessoa Jurídica passível de ter sentimentos que a levem a transtornos de ordem emocional.

“NO QUE TANGE AO QUANTUM

INDENIZATÓRIO, ASSIM COMO NO DANO MORAL À PESSOA NATURAL, NÃO HÁ VALORES FIXOS, NEM

TABELAS PREESTABELECIDAS PARA O ARBITRAMENTO

DO DANO.”

Foto: Arquivo Pessoal

2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 45

O RIO E OS DESAFIOS DA MISÉRIA URBANAAdriana Ancelmo Cabral

Primeira-dama do Estado do RioPresidente de honra do RioSolidário

O Rio de janeiro está enfrentando, neste momento, a maior batalha de sua história.

É a luta para, na esteira do desenvolvimento global, superar suas eternas contradições e se trans-

formar em um Estado pleno, livre das desigualdades, da miséria e da violência que nos ameaça e ofende a cada dia que passa.

É evidente que as dificuldades são imensas, e basta ler os jornais para perceber o longo caminho que temos a percorrer. Mas já demos os primeiros passos.

Pessoalmente, desde que assumi, em março deste ano, a presidência de honra do RioSolidário, tenho vivenciado de perto a situação contraditória do Estado, que ostenta um lado de progresso e desenvolvimento econômico e outro de profundas dificuldades sociais.

A tarefa de conduzir um projeto que se propõe a promover a inclusão social é, sem dúvida, um grande desafio, mas a aproximação de nossas mazelas me trouxe, em contrapartida, a alegria de perceber que a volta por cima do Rio de Janeiro depende apenas de nossos esforços conjuntos, e que não falta disposição para ajudar o Estado a alcançar esse objetivo, seja por parte das empresas, do poder público, da sociedade civil organizada ou das pessoas em geral.

Não tenho a menor dúvida de que temos a matéria-rima perfeita para essa transformação. De fato, é notório que não existe, no mundo, lugar mais lindo do que o Rio de Janeiro, mas muito mais importante do que a beleza natural que nos foi presenteada por Deus é a constatação de que, segura-mente, também não há nenhum outro Estado com um povo dotado de tanta humanidade e valor quanto o fluminense.

Por outro lado, também é verdade que nos orgulhamos de nossas belezas naturais e de nosso espírito livre e festivo

na mesma medida em que nos envergonhamos do quadro de desigualdades e injustiças sociais que nos assola há séculos.

Queiramos ou não, nossa geração herdou a dificílima tarefa de mudar essa realidade e, sem dúvida, não deixará de fazê-lo. Não temos o direito de reclamar, nem de vacilar. Precisamos, sim, assumir nossas responsabilidades como cidadãos e contribuir para a superação dos problemas de nossa cidade e de nosso Estado, seja na qualidade de empresários, trabalhadores, funcionários públicos ou governantes.

Nossas mazelas não foram criadas ontem e, sem dúvida, não serão superadas do dia para a noite. As mudanças exigem determinação e esforço de cada um de nós. O Rio de janeiro é contraditório, sem dúvida, mas é nosso por completo.

São nossos o Cristo Redentor, o Maracanã e o Pão de Açúcar – assim como são nossas a miséria, a desigualdade e a violência.

Preservá-lo no que desejamos que seja não é atribuição de poucos, nem nos será entregue por obra de Deus, como foram nossas praias e montanhas.

O Rio de Janeiro que nós queremos será obra de nossa força, de nossa disposição e de nosso amor, não apenas pela cidade de concreto, asfalto, areia, pedra e mar, mas por nossos filhos, que começaram a herdá-la no dia em que nasceram.

Precisamos nos lembrar, diariamente, de que vivemos no Rio de Janeiro, uma terra solidária e plural, vanguardista nas artes e nas ciências, que enfrenta as adversidades sem perder a disposição e, mais do que tudo, que acredita no futuro.

Estou certa de que a alegria permanente, o humor inabalável e a fé transformadora são o sinal da força de nossa gente, que fará do Rio de Janeiro um Estado exemplar, livre da miséria, das desigualdades e da violência, pelo simples fato de que assim nós queremos.

por meio de justificativas levianas a ela imputadas, e tal fato iniviabilizar que este quite seus compromissos com terceiros, inclusive com seus funcionários, sem que daí decorra perda de crédito comercial ou financeiro, mas, induvidosamente, proporciona questionamentos naqueles que se viram prejudicados com a mora, acarretando insegurança sobre as reais condições econômicas e financeiras da imputada, bem como sobre a veracidade do fato, até porque, conforme dito popular, mais vale a versão do fato do que o fato, sendo certo que o desmentido jamais tem a mesma repercurssão que a mentira, prática corriqueira dentre os irresponsáveis e maledicentes. Tem-se o abalo ao conceito, imagem ou credibilidade.

No tocante à prova do dano ao conceito, credibilidade e imagem, por se tratar de algo imaterial ou ideal, não pode ser feita pelos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material, já que nem sempre é possível exigir-se do lesado que comprove a ofensa a sua imagem, credibilidade e/ou conceito, posto que, havendo tal possibilidade, ter-se-ia o dano material.

Sob este enfoque, vale nos socorrermos, por analogia, da melhor doutrina e jurisprudência que entende, no tocante à pessoa natural, que o dano moral está íncito na própria ofensa, decorrendo da gravidade do ilícito em si, existindo in re ipsa, ou seja, comprovada a ofensa, demonstrado estará o referido dano em decorrência de uma presunção natural, justificando-se, no caso de Pessoa Jurídica, o reparo pelo dano causado à imagem, conceito ou credibilidade.

No que tange ao quantum indenizatório, assim como no dano moral à pessoa natural, não há valores fixos, nem tabelas preestabelecidas para o arbitramento do dano. Essa tarefa cabe ao juiz, no exame de cada caso concreto, observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, utilizando-se de seu bom senso prático.

Na reparação por dano ao conceito, credibilidade ou imagem, há também tal qual o dano moral sofrido pela pessoa natural, duas concausas, quais sejam, a punição ao infrator, por haver ofendido um bem jurídico da vítima, bem como colocar, nas mãos do lesado, uma soma que não é o preço para recompor o conceito, credibilidade ou imagem, mas o meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, como, por exemplo, para promover atos que tornem pública a isenção da imputação que lhe tenha sido atribuída.

A indenização, eventualmente devida, à pessoa jurídica atingida pela conduta ilícita de outrem não visa propiciar um enriquecimento ao lesado, e sim minimizar as consequências. A indenização deve ser suficiente para reparar o dano de forma completa e nada mais, sob pena de consubstanciar-se em fonte de lucro para o lesado.

Talvez não seja esta a nomenclatura mais adequada, porém, induvidosamente, é mais apropriada do que considerar a Pessoa Jurídica passível de ter sentimentos que a levem a transtornos de ordem emocional.

“NO QUE TANGE AO QUANTUM

INDENIZATÓRIO, ASSIM COMO NO DANO MORAL À PESSOA NATURAL, NÃO HÁ VALORES FIXOS, NEM

TABELAS PREESTABELECIDAS PARA O ARBITRAMENTO

DO DANO.”

Page 45: Revista Justiça & Cidadania

44 • JUSTIÇA & CIDADANIA • AGOSTO 2007

O RIO E OS DESAFIOS DA MISÉRIA URBANAAdriana Ancelmo Cabral

Primeira-dama do Estado do RioPresidente de honra do RioSolidário

O Rio de janeiro está enfrentando, neste momento, a maior batalha de sua história.

É a luta para, na esteira do desenvolvimento global, superar suas eternas contradições e se trans-

formar em um Estado pleno, livre das desigualdades, da miséria e da violência que nos ameaça e ofende a cada dia que passa.

É evidente que as dificuldades são imensas, e basta ler os jornais para perceber o longo caminho que temos a percorrer. Mas já demos os primeiros passos.

Pessoalmente, desde que assumi, em março deste ano, a presidência de honra do RioSolidário, tenho vivenciado de perto a situação contraditória do Estado, que ostenta um lado de progresso e desenvolvimento econômico e outro de profundas dificuldades sociais.

A tarefa de conduzir um projeto que se propõe a promover a inclusão social é, sem dúvida, um grande desafio, mas a aproximação de nossas mazelas me trouxe, em contrapartida, a alegria de perceber que a volta por cima do Rio de Janeiro depende apenas de nossos esforços conjuntos, e que não falta disposição para ajudar o Estado a alcançar esse objetivo, seja por parte das empresas, do poder público, da sociedade civil organizada ou das pessoas em geral.

Não tenho a menor dúvida de que temos a matéria-rima perfeita para essa transformação. De fato, é notório que não existe, no mundo, lugar mais lindo do que o Rio de Janeiro, mas muito mais importante do que a beleza natural que nos foi presenteada por Deus é a constatação de que, segura-mente, também não há nenhum outro Estado com um povo dotado de tanta humanidade e valor quanto o fluminense.

Por outro lado, também é verdade que nos orgulhamos de nossas belezas naturais e de nosso espírito livre e festivo

na mesma medida em que nos envergonhamos do quadro de desigualdades e injustiças sociais que nos assola há séculos.

Queiramos ou não, nossa geração herdou a dificílima tarefa de mudar essa realidade e, sem dúvida, não deixará de fazê-lo. Não temos o direito de reclamar, nem de vacilar. Precisamos, sim, assumir nossas responsabilidades como cidadãos e contribuir para a superação dos problemas de nossa cidade e de nosso Estado, seja na qualidade de empresários, trabalhadores, funcionários públicos ou governantes.

Nossas mazelas não foram criadas ontem e, sem dúvida, não serão superadas do dia para a noite. As mudanças exigem determinação e esforço de cada um de nós. O Rio de janeiro é contraditório, sem dúvida, mas é nosso por completo.

São nossos o Cristo Redentor, o Maracanã e o Pão de Açúcar – assim como são nossas a miséria, a desigualdade e a violência.

Preservá-lo no que desejamos que seja não é atribuição de poucos, nem nos será entregue por obra de Deus, como foram nossas praias e montanhas.

O Rio de Janeiro que nós queremos será obra de nossa força, de nossa disposição e de nosso amor, não apenas pela cidade de concreto, asfalto, areia, pedra e mar, mas por nossos filhos, que começaram a herdá-la no dia em que nasceram.

Precisamos nos lembrar, diariamente, de que vivemos no Rio de Janeiro, uma terra solidária e plural, vanguardista nas artes e nas ciências, que enfrenta as adversidades sem perder a disposição e, mais do que tudo, que acredita no futuro.

Estou certa de que a alegria permanente, o humor inabalável e a fé transformadora são o sinal da força de nossa gente, que fará do Rio de Janeiro um Estado exemplar, livre da miséria, das desigualdades e da violência, pelo simples fato de que assim nós queremos.

por meio de justificativas levianas a ela imputadas, e tal fato iniviabilizar que este quite seus compromissos com terceiros, inclusive com seus funcionários, sem que daí decorra perda de crédito comercial ou financeiro, mas, induvidosamente, proporciona questionamentos naqueles que se viram prejudicados com a mora, acarretando insegurança sobre as reais condições econômicas e financeiras da imputada, bem como sobre a veracidade do fato, até porque, conforme dito popular, mais vale a versão do fato do que o fato, sendo certo que o desmentido jamais tem a mesma repercurssão que a mentira, prática corriqueira dentre os irresponsáveis e maledicentes. Tem-se o abalo ao conceito, imagem ou credibilidade.

No tocante à prova do dano ao conceito, credibilidade e imagem, por se tratar de algo imaterial ou ideal, não pode ser feita pelos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material, já que nem sempre é possível exigir-se do lesado que comprove a ofensa a sua imagem, credibilidade e/ou conceito, posto que, havendo tal possibilidade, ter-se-ia o dano material.

Sob este enfoque, vale nos socorrermos, por analogia, da melhor doutrina e jurisprudência que entende, no tocante à pessoa natural, que o dano moral está íncito na própria ofensa, decorrendo da gravidade do ilícito em si, existindo in re ipsa, ou seja, comprovada a ofensa, demonstrado estará o referido dano em decorrência de uma presunção natural, justificando-se, no caso de Pessoa Jurídica, o reparo pelo dano causado à imagem, conceito ou credibilidade.

No que tange ao quantum indenizatório, assim como no dano moral à pessoa natural, não há valores fixos, nem tabelas preestabelecidas para o arbitramento do dano. Essa tarefa cabe ao juiz, no exame de cada caso concreto, observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, utilizando-se de seu bom senso prático.

Na reparação por dano ao conceito, credibilidade ou imagem, há também tal qual o dano moral sofrido pela pessoa natural, duas concausas, quais sejam, a punição ao infrator, por haver ofendido um bem jurídico da vítima, bem como colocar, nas mãos do lesado, uma soma que não é o preço para recompor o conceito, credibilidade ou imagem, mas o meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, como, por exemplo, para promover atos que tornem pública a isenção da imputação que lhe tenha sido atribuída.

A indenização, eventualmente devida, à pessoa jurídica atingida pela conduta ilícita de outrem não visa propiciar um enriquecimento ao lesado, e sim minimizar as consequências. A indenização deve ser suficiente para reparar o dano de forma completa e nada mais, sob pena de consubstanciar-se em fonte de lucro para o lesado.

Talvez não seja esta a nomenclatura mais adequada, porém, induvidosamente, é mais apropriada do que considerar a Pessoa Jurídica passível de ter sentimentos que a levem a transtornos de ordem emocional.

“NO QUE TANGE AO QUANTUM

INDENIZATÓRIO, ASSIM COMO NO DANO MORAL À PESSOA NATURAL, NÃO HÁ VALORES FIXOS, NEM

TABELAS PREESTABELECIDAS PARA O ARBITRAMENTO

DO DANO.”

Foto: Arquivo Pessoal

2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 45

O RIO E OS DESAFIOS DA MISÉRIA URBANAAdriana Ancelmo Cabral

Primeira-dama do Estado do RioPresidente de honra do RioSolidário

O Rio de janeiro está enfrentando, neste momento, a maior batalha de sua história.

É a luta para, na esteira do desenvolvimento global, superar suas eternas contradições e se trans-

formar em um Estado pleno, livre das desigualdades, da miséria e da violência que nos ameaça e ofende a cada dia que passa.

É evidente que as dificuldades são imensas, e basta ler os jornais para perceber o longo caminho que temos a percorrer. Mas já demos os primeiros passos.

Pessoalmente, desde que assumi, em março deste ano, a presidência de honra do RioSolidário, tenho vivenciado de perto a situação contraditória do Estado, que ostenta um lado de progresso e desenvolvimento econômico e outro de profundas dificuldades sociais.

A tarefa de conduzir um projeto que se propõe a promover a inclusão social é, sem dúvida, um grande desafio, mas a aproximação de nossas mazelas me trouxe, em contrapartida, a alegria de perceber que a volta por cima do Rio de Janeiro depende apenas de nossos esforços conjuntos, e que não falta disposição para ajudar o Estado a alcançar esse objetivo, seja por parte das empresas, do poder público, da sociedade civil organizada ou das pessoas em geral.

Não tenho a menor dúvida de que temos a matéria-rima perfeita para essa transformação. De fato, é notório que não existe, no mundo, lugar mais lindo do que o Rio de Janeiro, mas muito mais importante do que a beleza natural que nos foi presenteada por Deus é a constatação de que, segura-mente, também não há nenhum outro Estado com um povo dotado de tanta humanidade e valor quanto o fluminense.

Por outro lado, também é verdade que nos orgulhamos de nossas belezas naturais e de nosso espírito livre e festivo

na mesma medida em que nos envergonhamos do quadro de desigualdades e injustiças sociais que nos assola há séculos.

Queiramos ou não, nossa geração herdou a dificílima tarefa de mudar essa realidade e, sem dúvida, não deixará de fazê-lo. Não temos o direito de reclamar, nem de vacilar. Precisamos, sim, assumir nossas responsabilidades como cidadãos e contribuir para a superação dos problemas de nossa cidade e de nosso Estado, seja na qualidade de empresários, trabalhadores, funcionários públicos ou governantes.

Nossas mazelas não foram criadas ontem e, sem dúvida, não serão superadas do dia para a noite. As mudanças exigem determinação e esforço de cada um de nós. O Rio de janeiro é contraditório, sem dúvida, mas é nosso por completo.

São nossos o Cristo Redentor, o Maracanã e o Pão de Açúcar – assim como são nossas a miséria, a desigualdade e a violência.

Preservá-lo no que desejamos que seja não é atribuição de poucos, nem nos será entregue por obra de Deus, como foram nossas praias e montanhas.

O Rio de Janeiro que nós queremos será obra de nossa força, de nossa disposição e de nosso amor, não apenas pela cidade de concreto, asfalto, areia, pedra e mar, mas por nossos filhos, que começaram a herdá-la no dia em que nasceram.

Precisamos nos lembrar, diariamente, de que vivemos no Rio de Janeiro, uma terra solidária e plural, vanguardista nas artes e nas ciências, que enfrenta as adversidades sem perder a disposição e, mais do que tudo, que acredita no futuro.

Estou certa de que a alegria permanente, o humor inabalável e a fé transformadora são o sinal da força de nossa gente, que fará do Rio de Janeiro um Estado exemplar, livre da miséria, das desigualdades e da violência, pelo simples fato de que assim nós queremos.

por meio de justificativas levianas a ela imputadas, e tal fato iniviabilizar que este quite seus compromissos com terceiros, inclusive com seus funcionários, sem que daí decorra perda de crédito comercial ou financeiro, mas, induvidosamente, proporciona questionamentos naqueles que se viram prejudicados com a mora, acarretando insegurança sobre as reais condições econômicas e financeiras da imputada, bem como sobre a veracidade do fato, até porque, conforme dito popular, mais vale a versão do fato do que o fato, sendo certo que o desmentido jamais tem a mesma repercurssão que a mentira, prática corriqueira dentre os irresponsáveis e maledicentes. Tem-se o abalo ao conceito, imagem ou credibilidade.

No tocante à prova do dano ao conceito, credibilidade e imagem, por se tratar de algo imaterial ou ideal, não pode ser feita pelos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material, já que nem sempre é possível exigir-se do lesado que comprove a ofensa a sua imagem, credibilidade e/ou conceito, posto que, havendo tal possibilidade, ter-se-ia o dano material.

Sob este enfoque, vale nos socorrermos, por analogia, da melhor doutrina e jurisprudência que entende, no tocante à pessoa natural, que o dano moral está íncito na própria ofensa, decorrendo da gravidade do ilícito em si, existindo in re ipsa, ou seja, comprovada a ofensa, demonstrado estará o referido dano em decorrência de uma presunção natural, justificando-se, no caso de Pessoa Jurídica, o reparo pelo dano causado à imagem, conceito ou credibilidade.

No que tange ao quantum indenizatório, assim como no dano moral à pessoa natural, não há valores fixos, nem tabelas preestabelecidas para o arbitramento do dano. Essa tarefa cabe ao juiz, no exame de cada caso concreto, observando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, utilizando-se de seu bom senso prático.

Na reparação por dano ao conceito, credibilidade ou imagem, há também tal qual o dano moral sofrido pela pessoa natural, duas concausas, quais sejam, a punição ao infrator, por haver ofendido um bem jurídico da vítima, bem como colocar, nas mãos do lesado, uma soma que não é o preço para recompor o conceito, credibilidade ou imagem, mas o meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, como, por exemplo, para promover atos que tornem pública a isenção da imputação que lhe tenha sido atribuída.

A indenização, eventualmente devida, à pessoa jurídica atingida pela conduta ilícita de outrem não visa propiciar um enriquecimento ao lesado, e sim minimizar as consequências. A indenização deve ser suficiente para reparar o dano de forma completa e nada mais, sob pena de consubstanciar-se em fonte de lucro para o lesado.

Talvez não seja esta a nomenclatura mais adequada, porém, induvidosamente, é mais apropriada do que considerar a Pessoa Jurídica passível de ter sentimentos que a levem a transtornos de ordem emocional.

“NO QUE TANGE AO QUANTUM

INDENIZATÓRIO, ASSIM COMO NO DANO MORAL À PESSOA NATURAL, NÃO HÁ VALORES FIXOS, NEM

TABELAS PREESTABELECIDAS PARA O ARBITRAMENTO

DO DANO.”

Page 46: Revista Justiça & Cidadania

46 • JUSTIÇA & CIDADANIA • AGOSTO 2007

CIDADÃOS ACIMA DE QUALQUER SUSPEITACaetano Lagrasta Neto

Desembargador do TJ/SP

Sempre será difícil escrever no fragor dos aconteci-mentos, mas este é o dilema do jornalismo responsável: a falta, omissão ou demora no redigir das notícias ou comentários indicam covardia ou envelhecimento.

Do noticiário extrai-se ao menos uma certeza: membros de Poder envolvidos com o crime organizado devem ser exemplarmente punidos, especialmente aqueles submetidos ao Estado-justiça, por ser o único ainda capaz de se opor à complacência do Estado-poder.

Após a seqüência ininterrupta de escândalos – que, felizmente, desde algum tempo, têm sido ao menos objetos de notícia e alguma apuração –, verifica-se que o cerne do fenômeno continua sem ser molestado. São detidos e, logo depois, soltos, graças aos advogados excelentes e às fraturas da lei, os agentes periféricos da magistratura, da polícia, da advocacia, dos congressistas, da delinqüência organizada, as simples lavadeiras do dinheiro sujo, e assim vai. Mas onde estão os chefes ou o chefe de todos os chefes? Quer dizer então que o crime organizado são as estruturas do bingo, do jogo do bicho, do contrabando, mas nada tem a ver com as estruturas do poder de Estado, do tráfico de entorpecentes, do cassino financeiro? É mesmo? Será talvez porque os bicheiros e traficantes de morros e subúrbios estão isolados em seus respectivos redutos e, por sorte, acabam por patrocinar chacinas, apenas entre suas gangs e jovens devedores ou informantes ou que o contrabando é “seu” Lao e o dinheiro sujo é lavado pelo “Barcelona”? Se assim for, podemos dormir tranqüilos.

O Estado não só vigia como pune, mas, principalmente, aos negros, às putas, aos pobres, mesmo que o produto do crime se mostre reles e desde que estes agentes apodreçam nas prisões, pelo furto de um shampoo ou de algumas cebolas, enquanto aqueles acabam libertos, logo depois, coisas, aliás, admitidas como edificantes exemplos.

E a mídia? Ela tem correspondido sua função de informar e criticar? Criticar é tarefa fácil se, a partir do noticiário disponível – pois este não se reveste de fundamento científico e não se apresenta razoavelmente comprovado –, é suficiente para denegrir o indiciado, fazer estardalhaço e nada concluir, sempre sob o manto da “liberdade de imprensa”.

Contudo, não há como negar que investigações jornalísticas

que acabaram na renúncia de Nixon ou, ante a repercussão, no impeachement de Collor, revestiram-se de ampla margem de segurança e certeza. Não assim, aquelas do “Toninho do PT”, ou de “Celso Daniel”, que sequer se sabe onde foram parar.

Releva mencionar, pela gravidade, que o noticiário sobre crime organizado ou providências legislativas votadas em outros países recebe acompanhamento pífio. Ninguém sabe o que aconteceu com a máfia italiana depois das mortes de Falcone e de Borselino, e as prisões de Totó Riina e Provenzano. Também não se noticiou sobre as providências para seu combate integrado; entretanto, já se sabe que a era Berlusconi perseguiu, com sua maioria legislativa, aos juízes (membros do Ministério Público) do “pool antimáfia”, arrancado-lhes o poder das detenções e a amplitude das investigações – sempre por pressão dos deputados e senadores, aliados aos grandes escritórios de advocacia, instrumentos evidentes dos criminosos de colarinho branco. Dessa forma, e sempre, na história da Humanidade, aquele que é rei tem, pelo menos, um olho e, desde que possa viajar ou importar livros, revistas e jornais, se souber ler em outra língua, se tiver acesso à internet ou às televisões estrangeiras, acaba por impor vantagem sobre a patuléia.

Impõe-se concluir que esta espécie de “perseguição”, espalhafatosa e quase sempre ineficiente, interessa à crimina-lidade organizada e a seus asseclas menos gabaritados e mais expostos, já que os “cabeças” continuarão sem ser identificados, a navegar em iates, desfrutando uma riqueza impossível de ser atingida pelo trabalho, rindo-se do Fisco, do Congresso, da Polícia, da Magistratura e acolitados pelo Estado.

Ao cabo, será que os anos de ditadura não puseram e mantêm outras classes sociais ou funções acima do bem e do mal? A perseguição integrada deve estar atenta a todos os graus e ramos da atividade de um Estado moribundo, sejam eles civis, militares e eclesiásticos. Nesta tragédia, há de indagar sobre a participação de sociedades e igrejas – ao se recordar a presença do Banco Ambrosiano, da Maçonaria e da Opus Dei, nas conjuras da máfia italiana dos anos 70/80.

O combate ao crime organizado, no mundo, sempre será trabalho para profissionais e não obra de amadores, ainda que bem-intencionados.

“RELEVA MENCIONAR, PELA GRAVIDADE, QUE O NOTICIÁRIO SOBRE CRIME ORGANIZADO OU PROVIDÊNCIAS

LEGISLATIVAS VOTADAS EM OUTROS PAÍSES RECEBE ACOMPANHAMENTO PÍFIO.”

Foto: Arquivo Pessoal

Page 47: Revista Justiça & Cidadania

46 • JUSTIÇA & CIDADANIA • AGOSTO 2007

CIDADÃOS ACIMA DE QUALQUER SUSPEITACaetano Lagrasta Neto

Desembargador do TJ/SP

Sempre será difícil escrever no fragor dos aconteci-mentos, mas este é o dilema do jornalismo responsável: a falta, omissão ou demora no redigir das notícias ou comentários indicam covardia ou envelhecimento.

Do noticiário extrai-se ao menos uma certeza: membros de Poder envolvidos com o crime organizado devem ser exemplarmente punidos, especialmente aqueles submetidos ao Estado-justiça, por ser o único ainda capaz de se opor à complacência do Estado-poder.

Após a seqüência ininterrupta de escândalos – que, felizmente, desde algum tempo, têm sido ao menos objetos de notícia e alguma apuração –, verifica-se que o cerne do fenômeno continua sem ser molestado. São detidos e, logo depois, soltos, graças aos advogados excelentes e às fraturas da lei, os agentes periféricos da magistratura, da polícia, da advocacia, dos congressistas, da delinqüência organizada, as simples lavadeiras do dinheiro sujo, e assim vai. Mas onde estão os chefes ou o chefe de todos os chefes? Quer dizer então que o crime organizado são as estruturas do bingo, do jogo do bicho, do contrabando, mas nada tem a ver com as estruturas do poder de Estado, do tráfico de entorpecentes, do cassino financeiro? É mesmo? Será talvez porque os bicheiros e traficantes de morros e subúrbios estão isolados em seus respectivos redutos e, por sorte, acabam por patrocinar chacinas, apenas entre suas gangs e jovens devedores ou informantes ou que o contrabando é “seu” Lao e o dinheiro sujo é lavado pelo “Barcelona”? Se assim for, podemos dormir tranqüilos.

O Estado não só vigia como pune, mas, principalmente, aos negros, às putas, aos pobres, mesmo que o produto do crime se mostre reles e desde que estes agentes apodreçam nas prisões, pelo furto de um shampoo ou de algumas cebolas, enquanto aqueles acabam libertos, logo depois, coisas, aliás, admitidas como edificantes exemplos.

E a mídia? Ela tem correspondido sua função de informar e criticar? Criticar é tarefa fácil se, a partir do noticiário disponível – pois este não se reveste de fundamento científico e não se apresenta razoavelmente comprovado –, é suficiente para denegrir o indiciado, fazer estardalhaço e nada concluir, sempre sob o manto da “liberdade de imprensa”.

Contudo, não há como negar que investigações jornalísticas

que acabaram na renúncia de Nixon ou, ante a repercussão, no impeachement de Collor, revestiram-se de ampla margem de segurança e certeza. Não assim, aquelas do “Toninho do PT”, ou de “Celso Daniel”, que sequer se sabe onde foram parar.

Releva mencionar, pela gravidade, que o noticiário sobre crime organizado ou providências legislativas votadas em outros países recebe acompanhamento pífio. Ninguém sabe o que aconteceu com a máfia italiana depois das mortes de Falcone e de Borselino, e as prisões de Totó Riina e Provenzano. Também não se noticiou sobre as providências para seu combate integrado; entretanto, já se sabe que a era Berlusconi perseguiu, com sua maioria legislativa, aos juízes (membros do Ministério Público) do “pool antimáfia”, arrancado-lhes o poder das detenções e a amplitude das investigações – sempre por pressão dos deputados e senadores, aliados aos grandes escritórios de advocacia, instrumentos evidentes dos criminosos de colarinho branco. Dessa forma, e sempre, na história da Humanidade, aquele que é rei tem, pelo menos, um olho e, desde que possa viajar ou importar livros, revistas e jornais, se souber ler em outra língua, se tiver acesso à internet ou às televisões estrangeiras, acaba por impor vantagem sobre a patuléia.

Impõe-se concluir que esta espécie de “perseguição”, espalhafatosa e quase sempre ineficiente, interessa à crimina-lidade organizada e a seus asseclas menos gabaritados e mais expostos, já que os “cabeças” continuarão sem ser identificados, a navegar em iates, desfrutando uma riqueza impossível de ser atingida pelo trabalho, rindo-se do Fisco, do Congresso, da Polícia, da Magistratura e acolitados pelo Estado.

Ao cabo, será que os anos de ditadura não puseram e mantêm outras classes sociais ou funções acima do bem e do mal? A perseguição integrada deve estar atenta a todos os graus e ramos da atividade de um Estado moribundo, sejam eles civis, militares e eclesiásticos. Nesta tragédia, há de indagar sobre a participação de sociedades e igrejas – ao se recordar a presença do Banco Ambrosiano, da Maçonaria e da Opus Dei, nas conjuras da máfia italiana dos anos 70/80.

O combate ao crime organizado, no mundo, sempre será trabalho para profissionais e não obra de amadores, ainda que bem-intencionados.

“RELEVA MENCIONAR, PELA GRAVIDADE, QUE O NOTICIÁRIO SOBRE CRIME ORGANIZADO OU PROVIDÊNCIAS

LEGISLATIVAS VOTADAS EM OUTROS PAÍSES RECEBE ACOMPANHAMENTO PÍFIO.”

Foto: Arquivo Pessoal

2007 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 47

CIDADÃOS ACIMA DE QUALQUER SUSPEITACaetano Lagrasta Neto

Desembargador do TJ/SP

Sempre será difícil escrever no fragor dos aconteci-mentos, mas este é o dilema do jornalismo responsável: a falta, omissão ou demora no redigir das notícias ou comentários indicam covardia ou envelhecimento.

Do noticiário extrai-se ao menos uma certeza: membros de Poder envolvidos com o crime organizado devem ser exemplarmente punidos, especialmente aqueles submetidos ao Estado-justiça, por ser o único ainda capaz de se opor à complacência do Estado-poder.

Após a seqüência ininterrupta de escândalos – que, felizmente, desde algum tempo, têm sido ao menos objetos de notícia e alguma apuração –, verifica-se que o cerne do fenômeno continua sem ser molestado. São detidos e, logo depois, soltos, graças aos advogados excelentes e às fraturas da lei, os agentes periféricos da magistratura, da polícia, da advocacia, dos congressistas, da delinqüência organizada, as simples lavadeiras do dinheiro sujo, e assim vai. Mas onde estão os chefes ou o chefe de todos os chefes? Quer dizer então que o crime organizado são as estruturas do bingo, do jogo do bicho, do contrabando, mas nada tem a ver com as estruturas do poder de Estado, do tráfico de entorpecentes, do cassino financeiro? É mesmo? Será talvez porque os bicheiros e traficantes de morros e subúrbios estão isolados em seus respectivos redutos e, por sorte, acabam por patrocinar chacinas, apenas entre suas gangs e jovens devedores ou informantes ou que o contrabando é “seu” Lao e o dinheiro sujo é lavado pelo “Barcelona”? Se assim for, podemos dormir tranqüilos.

O Estado não só vigia como pune, mas, principalmente, aos negros, às putas, aos pobres, mesmo que o produto do crime se mostre reles e desde que estes agentes apodreçam nas prisões, pelo furto de um shampoo ou de algumas cebolas, enquanto aqueles acabam libertos, logo depois, coisas, aliás, admitidas como edificantes exemplos.

E a mídia? Ela tem correspondido sua função de informar e criticar? Criticar é tarefa fácil se, a partir do noticiário disponível – pois este não se reveste de fundamento científico e não se apresenta razoavelmente comprovado –, é suficiente para denegrir o indiciado, fazer estardalhaço e nada concluir, sempre sob o manto da “liberdade de imprensa”.

Contudo, não há como negar que investigações jornalísticas

que acabaram na renúncia de Nixon ou, ante a repercussão, no impeachement de Collor, revestiram-se de ampla margem de segurança e certeza. Não assim, aquelas do “Toninho do PT”, ou de “Celso Daniel”, que sequer se sabe onde foram parar.

Releva mencionar, pela gravidade, que o noticiário sobre crime organizado ou providências legislativas votadas em outros países recebe acompanhamento pífio. Ninguém sabe o que aconteceu com a máfia italiana depois das mortes de Falcone e de Borselino, e as prisões de Totó Riina e Provenzano. Também não se noticiou sobre as providências para seu combate integrado; entretanto, já se sabe que a era Berlusconi perseguiu, com sua maioria legislativa, aos juízes (membros do Ministério Público) do “pool antimáfia”, arrancado-lhes o poder das detenções e a amplitude das investigações – sempre por pressão dos deputados e senadores, aliados aos grandes escritórios de advocacia, instrumentos evidentes dos criminosos de colarinho branco. Dessa forma, e sempre, na história da Humanidade, aquele que é rei tem, pelo menos, um olho e, desde que possa viajar ou importar livros, revistas e jornais, se souber ler em outra língua, se tiver acesso à internet ou às televisões estrangeiras, acaba por impor vantagem sobre a patuléia.

Impõe-se concluir que esta espécie de “perseguição”, espalhafatosa e quase sempre ineficiente, interessa à crimina-lidade organizada e a seus asseclas menos gabaritados e mais expostos, já que os “cabeças” continuarão sem ser identificados, a navegar em iates, desfrutando uma riqueza impossível de ser atingida pelo trabalho, rindo-se do Fisco, do Congresso, da Polícia, da Magistratura e acolitados pelo Estado.

Ao cabo, será que os anos de ditadura não puseram e mantêm outras classes sociais ou funções acima do bem e do mal? A perseguição integrada deve estar atenta a todos os graus e ramos da atividade de um Estado moribundo, sejam eles civis, militares e eclesiásticos. Nesta tragédia, há de indagar sobre a participação de sociedades e igrejas – ao se recordar a presença do Banco Ambrosiano, da Maçonaria e da Opus Dei, nas conjuras da máfia italiana dos anos 70/80.

O combate ao crime organizado, no mundo, sempre será trabalho para profissionais e não obra de amadores, ainda que bem-intencionados.

“RELEVA MENCIONAR, PELA GRAVIDADE, QUE O NOTICIÁRIO SOBRE CRIME ORGANIZADO OU PROVIDÊNCIAS

LEGISLATIVAS VOTADAS EM OUTROS PAÍSES RECEBE ACOMPANHAMENTO PÍFIO.”

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DIA DE L UTO NACIONAL

administrativa do Estado funcionava ainda nos moldes do Império. Sem que houvesse uma radical modernização de conceitos e equipamentos, todas as suas ações de governo corriam risco de não lograrem êxito. Ciente disso, criou DASP, que desenvolveu e implantou uma nova mentalidade no serviço público, criando a obrigatoriedade de concurso público e promoveu, igualmente, a reforma do judiciário.

Para tornar as eleições mais democráticas, implantou o voto secreto e o direito de voto para as mulheres, transformando-as em cidadãs em igualdade de condições com os homens.

Como forma de garantir recursos para a modernização do sistema viário nacional, criou os Fundos de Marinha Mercante, Viário, Ferroviário e Automobilístico, que possibilitou a implantação da primeira indústria de veículos automotores do país, a Fábrica Nacional de Motores.

As ações efetivas e históricas mostram que Getúlio Vargas, decorrente da situação conflitante da política e imposição das forças armadas, viu-se forçado a implantar no País o período ditatorial, em razão do Mundo estar em guerra e serem neces-sárias tomadas de ações que garantissem a integridade nacional.

As considerações e afirmações deste editorial refletem a admiração e a saudade de quem teve o privilégio de integrar a administração do brasileiro que mais dignificou o Poder Público no país, tornando-se, por tudo que fez pela sua pátria e pelo seu povo, indiscutivelmente, o maior estadista do Brasil.

da Eletrobrás; e, em especial, a criação do BNDS, que propiciou o financiamento dos grandes empreendimentos no país.

Sua sensibilidade de estadista apontou para a necessidade de criar em apoio ao Centro Nacional de Ensino e Pesquisas Agronômicas, criar a Universidade Rural e os órgãos de experimentação a ela articulados, que, mais tarde, veio a transformar-se na EMBRAPA, hoje reconhecida mundialmente como um centro de excelência voltado às pesquisas agronômicas, agropecuárias e de tecnologia de alimentos.

Na área da saúde, criou programas de combate à malária, à tuberculose e expandiu os centros de atendimento médico para a população menos favorecida, dando ênfase às ações preventivas promovidas pelos sanitaristas.

Implantou um programa de construção de casas populares jamais visto no País, transferindo para os institutos de previdência social a obrigatoriedade de implementá-lo, garantindo a seus segurados residências de boa qualidade – os grandes conjuntos residenciais estão aí até hoje – e a preços ao alcance dos trabalhadores.

Preocupado com a cobiça alienígena da Amazônia e com a necessidade de sua ocupação efetiva, promoveu várias ações de apoio à região, como a criação do Banco da Borracha e a encampação dos serviços de navegação pluvial, oferecendo mais regularidade e segurança a seus usuários.

No País, tudo era preciso ser feito. Até então, a máquina

“O PRESTÍGIO POPULAR E POLÍTICO DE GETÚLIO

VARGAS DECORREU DA AÇÃO SOCIAL QUE IMPLANTOU NO

PAÍS DURANTE SEUS DOIS GOVERNOS.”

DE L4 DE AGOSTO DE 1 954

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Nas arcadas dos tempos passados,Nas arcadas do tempo presente,Veho a história de todos os lados,Vejo a sombra de todo presente.

Nossas vidas nas dobras do espaçoSe entrecruzam com seu belo canto.Caminhamos no eterno e no passo,Sob a névoa que nasce do encanto.

Quanto sonho, esperança e bravuraOs teus muros geraram, constantes,As arcadas de linda texturaNasce na terra de mil bandeirantes.

Que teus filhos, em gesto viril,Reconstruam um novo Brasil.

Ives Gandra da Silva Martins

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FACULDADE DE DIREITO DE SÃO PAULO

Reiterando o grande apreço e admiração ao nosso estimado mestre Ives Gandra Martins na sua homenagem a querida ARCADAS, trago também, como editor da revista lembrança dos tempos gloriosos da revolução constituciona-lista de 1932, os versos épicos de Guilherme de Almeida, que retratam o espírito cívico e de lutas da mocidade do largo de São Francisco:

“quando se sente baterno peito heróica pancada,deixa-se a folha dobradaenquanto se vai morrer”

ARCADASDE 180 ANOS

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