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Revista

Conselho DiretorDermeval Saviani (UNICAMP); Marta Maria Chagas de Carvalho (PUC-SP); Ana Waleska Pollo Campos Mendonça (PUC-Rio); Libânia Nacif Xavier (UFRJ).

Comissão EditorialDislane Zerbinatti Moraes (USP)Bruno Bontempi Jr. (PUC-SP)Carlos Eduardo Vieira (UFPR)Lúcia Maria da Franca Rocha (UFBA)Secretaria – Lilianne Souza Magalhães

Conselho Consultivo

Membros nacionais:Álvaro Albuquerque (UFAC); Ana Chrystina Venâncio Mignot (UERJ); Clarice Nunes (UFF e UNESA); Décio Gatti Jr. (UFU e Centro Universitário do Triângulo); Denice B. Catani (USP); Ester Buffa (UFSCAR); Gilberto Luiz Alves (UEMS); Jane Soares de Almeida (UNESP); José Silvério Baia Horta (UFRJ); Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG); Lúcio Kreutz (UNISINOS); Maria Arisnete Câmara de Moraes (UFRN); Maria de Lourdes de A. Fávero (UFRJ); Maria do Amparo Borges Ferro (UFPI); Maria Helena Camara Bastos (PUCRS); Maria Stephanou (UFRGS); Marta Maria de Araújo (UFRN); Paolo Nosella (UFSCAR).

Membros internacionais:Anne-Marie Chartier (França); António Nóvoa (Portugal); Antonio Viñao Frago (Espanha); Dario Ragazzini (Itália); David Hamilton (Suécia); Nicolás Cruz (Chile); Roberto Rodriguez (México); Rogério Fernandes (Portugal); Silvina Gvirtz (Argentina); Thérèse Hamel (Canadá).

Revista Brasileira de História da EducaçãoPublicação quadrimestral da Sociedade Brasileira de História da Educação – SBHE

COMERCIALIZAÇÃO

Editora Autores AssociadosAv. Albino J. B. de Oliveira, 901CEP 13084-008 – Barão Geraldo

Campinas (SP)Pabx/Fax: (19) 3249-2800

e-mail: [email protected]

Sociedade Brasileira de História da Educação – SBHE

A Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), fundada em 28 de setembro de 1999, é uma sociedade civil sem fi ns lucrativos, pessoa jurídica de direito privado. Tem como objetivos congregar profi ssionais brasileiros que realizam atividades de pesquisa e/ou docência em História da Educação e estimular estudos interdisciplinares, promovendo intercâmbios com entidades congêneres nacionais e internacionais e especialistas de áreas afi ns. É fi liada à ISCHE (International Standing Conference for the History of Education), a Associação Internacional de História da Educação.

Diretoria NacionalPresidente: Cláudia Alves (UFF)Vice-presidente: Wenceslau Gonçalves Neto (UFU)Secretária: Rosa Lydia Teixeira Corrêa (PUC-PR)Tesoureiro: Elomar Antonio Callegaro Tambara (Ufpel)

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SecretariaRev. Bras. de História da EducaçãoFaculdade de Educação da USPAvenida da Universidade, 308Bloco A – sala 12805508-900 – São Paulo - SPTel.: (11) 3091-3099 – ramal 262E-mail: [email protected]

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• Divisão de Periódicos da UnB (Brasil)http://www.bce.unb.br

• Base de dados da Fundação Carlos Chagashttp://www.fcc.org.br/biblioteca/dbfcc.html

• IRESIE – Banco de Datos sobre Educación Iberoamericana

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en Línea para Revistas Científi cas de América Latina, el Caribe, España y Portugal

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revistas de ciências sociales y humanas http://dgb.unam.mx/clase.html

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Revista Brasileira deHISTÓRIA EDUCAÇÃO

SBHESociedade Brasileira de História da Educação

da

janeiro/abril 2009 no 19

ISSN 1519-5902

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EDITORA AUTORES ASSOCIADOS LTDA.

Uma editora educativa a serviço da cultura brasileira

Av. Albino J. B. de Oliveira, 901 | Barão Geraldo | CEP 13084-008Campinas-SP | Telefone: (55) (19) 3249-2800 | Fax: (55) (19) 3249-2801e-mail: [email protected] | Catálogo on-line: www.autoresassociados.com.br

Conselho Editorial “Prof. Casemiro dos Reis Filho”Bernardete A. GattiCarlos Roberto Jamil CuryDermeval SavianiGilberta S. de M. JannuzziMaria Aparecida MottaWalter E. Garcia

Diretor ExecutivoFlávio Baldy dos Reis

Coordenadora EditorialÉrica Bombardi

RevisãoEdson Estavarengo Júnior

Diagramação e ComposiçãoDPG Editora

Projeto Gráfi co, Arte FinalÉrica Bombardi

Impressão e AcabamentoGráfi ca Paym

Revista Brasileira de História da Educação, SBHE, Ed. Autores Associados, SP-Campinas, 2001.

QuadrimestralPublicação da Sociedade Brasileira de História da Educação

ISSN 1519-5902

Revista Brasileira de História da Educação, n. 19, 240p., jan.abr. 2009.

A RBHE tem o objetivo de divulgar a produção científi ca nacional e internacional sobre História e Historiografi a da Educação, que se revele de interesse para as grandes áreas de pesquisa em Educação e em História, abrindo novos horizontes de discussão e estimulando debates interdisciplinares.

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Sumário

CONTENTS 7

EDITORIAL 9

ARTIGOS

Organismos estatales de selección y control de manuales escolares 11María López García

A educação na Itália fascista (1922-1945) 47José Silvério Baia Horta

A contribuição de Aléxis de Tocqueville por meio da obra A democracia na América para a elaboração das argumentações de Tavares Bastos sobre a organização escolar e político-institucional no Brasil 91Josefa Eliana Souza

A Reforma Antônio Carneiro Leão no fi nal dos anos de 1920 119Cristina Araújo

Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”:formas de como se escrever a(s) história(s) da Universidade de São Paulo 137Diogo da Silva Roiz

Os primórdios da Universidade de São Paulo 187Macioniro Celeste Filho

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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”: uma crítica a concepções teórico-metodológicas em pesquisas sobre educação escolar indígena, em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (1995-2001) 205Léia Teixeira Lacerda Maciel e Giovani José da Silva

RESENHA

Educação, história e cultura no Brasil Colônia 227Cézar de Alencar Arnaut de Toledo e Marcos Ayres Barboza

ORIENTAÇÃO AOS COLABORADORES 235

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ARTICLES

State departments for the selection and control of school textbooks 12María López García

Education in Fascist Italy (1922-1945) 48José Silvério Baia Horta

The contribution of Aléxis of Tocqueville’s book, The democracy of America, to Tavares Bastos’s discussions about school and political-institutional organization in Brazil 92Josefa Eliana Souza

Antônio Carneiro Leão’s Reform at the end of 1920’s 120Cristina Araújo

From the “founding speeches” to the creation of a “collective memory”: forms of writing the history(ies) of the University of São Paulo 138Diogo da Silva Roiz

The beginning of São Paulo University 188Macioniro Celeste Filho

Neither a waste of time nor a trojan horse: a criticism to theoretical and methodological conceptions in research on indigenous school education in Mato Grosso and Mato Grosso do Sul (1995-2001) 206Léia Teixeira Lacerda Maciel e Giovani José da Silva

Contents

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BOOK REVIEW

Educação, história e cultura no Brasil Colônia 227Cézar de Alencar Arnaut de Toledo and Marcos Ayres Barboza

GUIDES FOR AUTHORS 235

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Editorial

9Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 9-10, jan./abr. 2009

Editorial

Procurando dar seqüência ao projeto editorial acadêmico de oferecer ao leitor temas relevantes no campo da história da educação, o número 19 da Revista Brasileira de História da Educação apresenta um conjun-to de artigos resultantes de pesquisas que representam uma importante contribuição para a área.

Este número abre suas páginas com o artigo internacional de María López García, que realiza um estudo sobre o controle dos textos esco-lares por parte do Estado argentino, salientando o papel das comissões de regulação dos textos escolares e a execução de políticas editoriais paralelas que contribuem para o fortalecimento da indústria editorial dos livros de texto escolares.

José Silvério Baia Horta analisa a educação italiana durante o fas-cismo, 1922-1945, tomando como ponto de partida a Reforma Gentile, marco do processo de fascistização da escola em seus diversos níveis. Esse processo teve início com a fascistização das associações de pro-fessores, com a militarização da escola e com a implementação de leis racistas no ensino.

O texto de Josefa Eliana Souza aborda a infl uência da obra de Alé-xis Toqueville intitulada A democracia na América sobre os escritos de Tavares Bastos. Estes têm como tema o valor da escola como instituição fundamental para a unidade e identidade nacional e para a complemen-

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Editorial

10 Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 9-10, jan./abr. 2009

tação do debate acerca da educação como forma de integrar o imigrante à sociedade brasileira.

O trabalho de Cristina Araújo analisa a reforma de Antonio Carneiro Leão, no fi nal dos anos de 1920 e início dos anos de 1930, em Pernambu-co, inspirada no ideário da Escola Nova. Destaca que a educação cívica e a educação profi ssionalizante tinham a possibilidade de “neutralizar a carga vergonhosa advinda das nossas origens raciais”. O ponto central da reforma foi a qualifi cação profi ssional, objetivando preparar mão-de-obra para o país que iniciava seu processo de industrialização.

O texto de Diogo da Silva Roiz analisa como Júlio de Mesquita Filho e Fernando de Azevedo construíram “discursos fundadores” sobre a cria-ção da Universidade de São Paulo (USP) com a fi nalidade de estabelecer a memória coletiva e os acontecimentos relacionados ao surgimento da instituição universitária.

Macioniro Celeste Filho, em seu texto, analisa os confl itos entre duas unidades de ensino no momento da fundação da USP: a Escola Politécnica, que desejava ser o núcleo, e a Faculdade de Filosofi a, Ciên-cias e Letras.

O artigo de Léia Teixeira Lacerda Maciel e Giovani José da Silva preocupa-se em divulgar os resultados dos estudos realizados sobre história da educação escolar indígena na Região Centro-Oeste, particu-larmente nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Por fi m publicamos também a resenha elaborada por Cézar de Alen-car Arnaut de Toledo e Marcos Ayres Barboza sobre o livro Educação, história e cultura no Brasil colônia, organizado por José Maria Paiva, Marisa Bittar e Paulo Assunção.

Acreditamos que esse conjunto de colaborações vem acrescentar algo de proveitoso a quem, como educador, tem interesse pelos avanços e recuos a que está exposta a educação em todos os tempos.

Boa leitura!

A Comissão Editorial

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María López GARCÍA

11Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 11-46, jan./abr. 2009

Organismos estatales de selección y control de manuales escolares1

*

María López García2

**

Resumen:El artículo estudia las Comisiones estatales de Regulación de Textos escolares, instituidas en Argentina a comienzos del siglo XX. El análisis revela una liberalización en las prescripciones y una cesión de decisiones a los editores e imprenteros así como la instauración del libro de texto como herramienta ineludible del trabajo escolar. El fortalecimiento de la industria editorial escolar derivó en un desplazamiento de las funciones de control y selección por parte del Estado sobre el material producido hacia las mismas editoriales -y, eventualmente, los maestros-. Los vínculos entre las propuestas estatales y las tecnologías del mercado acarrearon una validación por parte del Estado de las conveniencias de la industria del libro; con su consiguiente injerencia creciente sobre los aspectos pedagógicos a implementar en la escuela.

Palabras-claves: libros de texto escolar; control editorial; control estatal de libros; formación docente; mercado del libro.

* Una versión preliminar de este trabajo fue presentada en el VIII Congreso Argentino de Hispanistas “Unidad y multiplicidad: tramas del hispanismo actual”, organizado por la Asociación Argentina de Hispanistas y la Facultad de Filosofía y Letras (UNCu), 21 al 24 de mayo de 2007.

** María López García es licenciada, profesora en Letras y especialista en Procesos de Lectura y Escritura por la Universidad de Buenos Aires, Argentina.

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Organismos estatales de selección y control de manuales escolares

12 Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 11-46, jan./abr. 2009

State departments for the selection and control of school textbooks

María López García

Abstract:The article studies the State Commissions for the regulation of Schoolbooks, instituted in Argentine at the beginning of the 20th-century. The analysis exhibits a gradual liberalization of the prescriptions and a reassignment of decisions to the publishers, as well as the institution of schoolbooks as ineludible tool of the pedagogical methodology throughout that century. The growing of the publishing industry resulted in a displacement of the functions of control and selection of the produced teaching materials from the State on teachers and publishing companies. The bonds between State proposals and market technologies entailed a state validation of the companies’ conveniences; one of its more harmful consequences was their increasing meddling in the pedagogical methodology to implement in the school.

Keywords: schoolbooks; publishing regulation; state schoolbooks regulation; teacher’s instruction; schoolbooks industry.

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María López GARCÍA

13Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 11-46, jan./abr. 2009

Introducción

Pese a que el uso del libro de texto no es legalmente obligatorio en Argentina1, se observa que los docentes optan en su mayoría por la adop-ción de un manual para el trabajo en el aula y que los padres ejercen una fuerte presión para que así sea2. Atribuimos los motivos a una variedad de factores, entre ellos, las defi ciencias en la formación disciplinar de los docentes, la desjerarquización de su profesión y las representaciones de los padres sobre la garantía del saber vehiculado por la letra impresa frente a la falta de formación docente3. Convenientemente, el criterio instrumental que sostiene al libro de texto como herramienta de trans-misión de saberes curriculares tiene como principio rector la posibilidad de neutralizar la diferencias biográfi cas de los maestros (en especial, las vinculadas con la diversidad lingüística) y el contexto de interacción, es decir, las condiciones específi cas de cada intercambio escolar como práctica social.

Por su parte, el poder público contribuye a consolidar esta situación. El Ministerio de Educación se encarga de la planifi cación y la selección de contenidos pero no se ocupa de establecer los principales transmisores (entre los que contamos a los manuales escolares), no interviene en la regulación de los mismos, ni implementa un sistema para su control y evaluación. Las encuestas relevadas sobre el tema4 arrojan como resultado que los criterios de evaluación y selección de los libros (que corren por cuenta de los docentes) se centran en aspectos tales como la adecuación al curriculum prescripto y la implementación de criterios pedagógicos

1. Existen, además, disposiciones ministeriales vigentes que ponen de manifi esto la libertad para elegir el libro de texto y la imposibilidad de exigir el uso obligatorio de uno determinado (Ossanna, 1993, p. 31).

2. Tal como se ha comprobado en las encuestas realizadas por varios investigadores del campo de la educación, entre los que fi guran: Carbone y Rodríguez (1996), Carbone et al. (2001), Contursi, Nogueira y Miñones (2003) y Grinberg (1995).

3. Una versión desarrollada de estos puntos se encuentra en nuestro trabajo “La variedad geográfi ca del español en el género manual escolar” (López García, 2006b).

4. Que fi guran en los trabajos mencionados en la nota 3.

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Organismos estatales de selección y control de manuales escolares

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actuales, pero también al precio, la calidad de las imágenes y la presencia de actividades para el trabajo del alumno.

En este marco, la elección de libros por parte de los docentes está a merced de la oferta de la industria porque no cuenta con el auxilio ministerial. En efecto, desde el Estado no se implementan mecanismos internos ni externos de control “científi co” de los materiales como lo muestran la comparación entre la legislación vigente y los documentos sobre las Comisiones de Textos Escolares, que veremos a continuación y que constituyen el foco de análisis de este trabajo.

Lo que intentamos probar aquí es que las características que tiene actualmente la relación entre el Ministerio de Educación y las empresas editoriales en relación al diseño, la producción y la distribución de los libros de texto es el resultado de las pujas que protagonizaron estos dos sectores a lo largo del siglo XX y que las remozadas leyes de educación de 1993 y 2007 constribuyen a resolver, pero a favor del mercado y en fun-ción de deslindar al Estado de su función de garantizar la educación.

Presentación: el Consejo Nacional de Educación

En el marco de la ley n. 1.4205 y posteriormente la Ley Láinez (n. 4.874) (aprobadas el 8 de julio de 1884 y 19 de octubre de 1905, respecti-vamente) cuyos principales cometidos eran constituir a los habitantes del territorio en ciudadanos del Estado nación argentino a través del aparato escolar (Arnoux, 1995; Blanco, 1995), se confi ó al Consejo Nacional de Educación (en adelante, CNE) el control sobre los textos escolares6. En

5. Cuyo antecedente histórico corresponde al Congreso Pedagógico convocado en 1882 por el entonces presidente Julio A. Roca para analizar la situación de la enseñanza en el país. Allí participaron 250 delegados del país y del extranjero, que sesionaron por 25 días sobre los principios generales de la educación popular, los programas, métodos etc.

6. Tal como consigna Marengo (1991), la ley n. 1.420 reemplaza la Comisión Nacional de Educación por el Consejo Nacional de Educación y declara la gratuidad de la enseñanza. En el marco de esta nueva ley, se distribuyen por primera vez libros

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María López GARCÍA

15Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 11-46, jan./abr. 2009

su trabajo Spregelburd (2004) explica que la elite liberal del siglo XIX entendía la lectura como canal de civilización de los sectores populares y, en función de este proyecto, la preocupación por crear lectores se trans-formaría luego en la preocupación por formar lectores. En efecto, los intelectuales de ese modelo de nación entendían la formación de lectores como una herramienta para la construcción de la ciudadanía. De allí que el control sobre los textos y las formas de apropiación de los mismos fueran una manera de apoyar ese proyecto de la elite intelectual decimonónica.

Spregelburd señala que la selección de textos era central en el con-texto de maestros carentes de preparación profesional7. A comienzos de siglo esta formación debía ser provista por el Estado, que había tomado esa responsabilidad de manos de la Iglesia, pero que no contaba con recursos sufi cientes para implementarla.

Por otra parte, la existencia de la CNE colaboraba con la imposición de un sistema educativo homogéneo a partir de un uso uniforme de textos escolares que permitieran unifi car las prácticas y facilitaran el control del aparato escolar. Spregelburd explica que, a comienzos de siglo XX, las inspecciones a las escuelas eran de carácter eminentemente técnico y no político y, en ese sentido, la regulación de la práctica a través del libro aligeraba el trabajo de inspección. No obstante, según los datos aportados por Spregelburd, hubo denuncias de uso de libros de texto

de texto y materiales de uso escolar para los alumnos cuyos padres no pudieran enfrentar ese gasto.

7. Blanco (1999) señala en un artículo sobre la enseñanza de la lengua nacional durante el siglo XIX que, por un lado, la carencia de docentes idóneos se cubrió nombrando profesores extranjeros y, por otro, la falta de libros de texto se resolvió de dos maneras diferentes: el rector del Colegio Nacional de Mendoza hizo traer de Chile un conjunto de textos (entre los que fi guraba la Gramática de Bello) para los alumnos, se hizo la primera edición argentina de un compendio escolar de la obra de Bello, y se importó de Estados Unidos otro compendio de esta obra. Por otro lado, los profesores a cargo de las cátedras de lengua y literatura comenzaron a diseñar sus propios materiales (Blanco, 1999, p. 81). En otros artículos hemos mostrado que también en la actualidad el manual escolar también cumple la función de neutralizar las diferencias biográfi cas (sociales, enciclopédicas, pedagógicas, lingüísticas etc.) de los docentes y de disminuir el efecto provocado por su defi ciente formación (López García, 2004, 2006a, 2006b).

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que no contaban con la aprobación del CNE8, lo que hacía evidente la falta de control efectivo y también ponía de manifi esto la existencia de disidencias por parte de los usuarios de los textos obligatorios.

La escuela no sólo es el ámbito donde va a circular la lengua ofi cial

sino también el dispositivo institucional que va a permitir, en una sociedad

moderna, unifi car las prácticas lingüísticas. Así como el pueblo de la Nación

se construye desde el Estado y se convierte luego en lo que lo legitima, así la

variedad de lengua impuesta desde la escuela se legitima por ser “el modo que

la gente instruida la habla” [Arnoux, 1999, p. 41, las comillas corresponden

a la Gramática de Andrés Bello].

La uniformidad estaba garantizada por la centralización del sistema. La aplicación en todo el territorio de la ley n. 1.420 consagraba la inter-vención directa de la CNE sobre la educación provincial en la sumisión de los inspectores provinciales a la subvención nacional y al hacerlos dependientes de la CNE. Se consagraba de esta forma la centralización del control, que se iría acrecentando hasta comienzos del siglo XX.

Si bien, tal como señala Muscia de Cicchitti (1998), había un claro afán de coordinar y potenciar las iniciativas del repeto a la uniformi-dad y calidad de los manuales escolares9, convivieron en el seno de la Comisión Nacional de Didáctica diversas tendencias y posiciones. Los manuales, por lo tanto, refl ejan esa pluralidad de discursos. No obstante, explica la autora:

8. Hemos encontrado documentos que corroboran las afi rmaciones de Spregelburd: “Antes de terminar este informe, creemos conveniente agregar: [...] 2º Que debe establecerse de una manera terminante que los libros que por haber sido aprobados tengan el derecho a hacerlo constar así en la carátula, deberán expresar el período para el cual rige la aprobación, pues abusivamente siguen editándose con el lema obra aprobada u obra autorizada por la CNE, libros que hace tiempo han sido excluidos” (Consejo Nacional del Educación, 1907, p. 17, bastardilla en el origi-nal).

9. Aunque Muscia de Cicchitti (1998) también registra la perdurabilidad de materi-ales y elementos tachados de impertinentes o inadecuados por los informes de los inspectores al presidente de la CNE.

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María López GARCÍA

17Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 11-46, jan./abr. 2009

la conocida dependencia cultural – y no solo cultural – con respecto al

pensamiento europeo y estadounidense, promovió una literartura producida

casi de espaldas a la realidad argentina. Ignoró su diversidad geográfi ca,

étnica, lingüística [...] Este vicio congénito de las clases acomodadas [...] se

tradujo tanto en la propuesta curricular, como en los materiales usados para

el desarrollo efectivo de las clases, en donde los textos jugaron siempre un

papel muy importante [Muscia de Cicchitti, 1998, pp. 116-117].

En un informe que Pablo Pizzurno le eleva dr. Ponciano Vivanco se sugiere dejar mayor espacio de decisión a los docentes y evitar la aparición de actividades para los alumnos en los libros de texto “[que] el maestro preparado pueda elegir un poco más, según sus gustos y aptitudes, los medios auxiliares para su trabajo. Se hará así más re-sponsable, más empeñoso; tendrá iniciativas que hoy no toma [...] el texto ha de considerarse como un auxiliar y nada más” (Informe de la Educación Común, 1905 y 1906, pp. 53-54, apud Muscia de Cicchitti, 1998, p. 125).

De este modo la CNE se constituyó en uno de los órganos ejecutores de la ley n. 1.420 y pivote del sistema educativo ofi cial durante casi un siglo (aunque con claras diferencias entre la institución presidida por Sarmiento en 1881 y la comisión suprimida por el peronismo en 1949 en cuanto a su tamaño, recursos y poder10). No obstante, a lo largo de todo el período, la CNE se convirtió en una institución central de la adminis-tración del Estado para el desarrollo de la política educativa. Uno de los primeros Concursos de Aprobación de Libros de Texto en el marco de las gestiones de este consejo data de la década de 1890 y, desde entonces, se sucedieron reglamentos de la Comisión de Didáctica y de la Comisión

10. Según consigna la publicación La Nación Argentina. Justa Libre y Soberana en 1950, el 4 de junio de 1948 se crea el CNE con la función de propiciar conciertos, conferencias para maestros, exposiciones de arte como forma de perfeccionamiento cultural del maestro. No se especifi ca la existencia de una comisión de control de textos escolares y, como veremos más adelante, un proyecto de ley propone el uso de un libro de texto único. La resolución de 1957, a la que haremos referencia, corrobora la reimplantación de la CNE.

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Organismos estatales de selección y control de manuales escolares

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Nacional de Textos Escolares que evaluaban la calidad de los libros de textos propuestos por las editoriales para poner a la venta.

Entre 1880 y 1910 la CNE intervino en la defi nición de los libros que podían ser usados en las aulas. Pero los criterios empleados para la evaluación sufrieron sucesivas modifi caciones, en especial, las referidas al sistema de selección. El Monitor de la Educación Común y el Boletín del Consejo Nacional de Educación (alternativamente) agrupaban y difundían las resoluciones de las autoridades nacionales destinadas a la organización del sistema educativo y a la formación del personal docen-te11. Las decisiones sobre los criterios de selección seguían el derrotero marcado por la vida política y económica en el país.

Registro de los concursos de evaluación y selección de libros de texto

Para el primer concurso, llamado en 188612, una comisión de especialistas seleccionaba un número limitado de libros que serían utilizados durante un período de dos o tres años. A partir de 1905, el consejo autorizó los títulos que podrían ser empleados en las escuelas sin la mediación de un concurso: los maestros junto con los directores de cada escuela seleccionarían los libros según sus preferencias13. Pablo

11. Las defi ciencias en el servicio de catalogación del material del Centro de Docu-mentación del Ministerio de Educación de la Nación (que funciona en el ámbito de la Biblioteca Nacional del Maestro, Ministerio de Cultura y Educación) supuso una gran difi cultad para acceder a las resoluciones. El catálogo de la Biblioteca del Maestro cuenta con El Monitor de la Educación Común, Consejo Nacional de Educación, 1881-1949; 1959-1961; 1965-1976, Buenos Aires.

12. El primer reglamento corresponde al 18 de enero de 1887.13. Linares consigna que en 1936 se anuló la selección del libro único por parte de

las autoridades para dejar en manos de los maestros y directivos de las escuelas la elección de los libros a emplear, sobre la base de la nómina de libros aprobados por la CNE desde la resolución del 16 de diciembre de 1925 hasta 1935 inclusive (Linares, 2005, p. 207). Según Marengo (1991), en el año 1900 hubo un primer intento de permitir la libre elección del libro de texto; esta propuesta fue el evada

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Pizzurno, integrante de la CNE en ese período, sostenía que esta medida fomentaba la responsabilidad y el compromiso de los docentes con su trabajo14. El concurso fue reimplantado nuevamente con la resolución del año 1907. Cincuenta años más tarde, la resolución del 13 de noviembre de 1957 ratifi ca:

Los textos de lectura para uso en las escuelas nacionales deberán ser

aprobados por el Consejo Nacional de Educación con el asesoramiento de una

Comisión de Textos Escolares, cuyo dictamen se ajustará a las condiciones

establecidas en esta reglamentación.

Art. 2do. La Comisión de Textos Escolares estudiará las obras recibidas

y dictaminará sobre los méritos de las mismas a la brevedad posible, con

el objeto de permitir la actualización constante de las nóminas de textos

aprobados.

Art. 6to.: La comisión estudiará los libros y propondrá antes del 30 de

noviembre la nómina de los que a su juicio merezcan ser aprobados. El número

de estos podrá ser menor pero no mayor a doce para cada grado. El consejo

se pronunciará sobre dicho dictamen dentro de los treinta días de elevado

[...] y válida por un período de seis cursos escolares la aprobación acordada

de los libros impresos que se incluyan en la nómina [Comisión de Textos

Escolares, 1957, pp. 1-2].

Un texto posterior producido por la Organización de Los Estados Americanos (OEA) y cursado en el año 1962 por el Centro Nacional de Documentación e Información Educativa del Ministerio de Educación y Justicia corrobora que la selección de libros de texto para las escuelas primarias comunes se efectuaba mediante el sistema de concurso de

por los inspectores técnicos (de índole local) que fue rechazado por unanimidad por todo la CNE con el argumento de que los maestros no contaban con la sufi ciente preparación para ejercer esa facultad.

14. Educación Común en la Capital, las Provincias y los Territorios Nacionales 1904-1905, 1907, pp. 54-55.

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acuerdo con una reglamentación que comprendía la presentación del material, su estudio, selección, aprobación y elección anual. En ese texto se aclara además que dicha reglamentación contemplaba el precio de venta, las condiciones didácticas y el contenido literario, los elemen-tos ilustrativos y la presentación del material. En general, estos libros aprobados eran editados por orden del autor en editoriales comerciales privadas y, si bien el Estado no editaba textos de lectura para sus escuela primarias comunes, preveía la compra de ejemplares para los alumnos que no pudieran pagarlos.

Poco tiempo más tarde, en un artículo periodístico (sin referencias) consultado en el Centro de Documentación de Ministerio de Educación con fecha 13 de agosto de 1965 se anuncia la reaparición del Monitor de la Educación (órgano de difusión de las decisiones en materia de educación) y se menciona el nuevo régimen de aprobación según el cual se suprime el concurso. En efecto, la reglamentación de 1965 considera defi nitiva “la aprobación acordada a los libros impresos y que no hayan sido objeto de observación por parte del Consejo” (Consejo Nacional de Educación, 1965, p. 3). Este es uno de los últimos documentos que registramos antes de la resolución n. 1.354 (1981) del Ministerio de Cul-tura, que crea la Comisión de Textos Escolares para los niveles primario y pre-primario. La resolución prueba, por defecto, una anulación previa de esta comisión15.

Esta nueva Comisión de Textos Escolares debía estar integrada por docentes en actividad. Las especifi caciones que se presentan en la resolución de 1981, a diferencia de informes y resoluciones anteriores, son de orden exclusivamente administrativo, es decir que consignan las pautas formales de selección pero no las condiciones de la evaluación del contenido. Las indicaciones referentes al contenido se limitan a señalar que se deben seguir los lineamientos curriculares y no hay referencias a temas específi cos. La única mención fi gura en el punto 30:

15. No hemos podido dar hasta el momento con la resolución que la anula, proba-blemente asociada a las políticas de control escolar ejercidas durante la dictadura 1976-1983.

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Todos los libros de lectura, en adecuada proporción, deben contener

referencias de las distintas regiones del país, en lo concerniente al paisaje,

forma de vida y tradición [Ministerio de Cultura y Educación, resolución

n. 1.354, 29 oct. 1981, s.p].

De este modo las prerrogativas impuestas por el Estado a los impren-teros y editoriales, la capacidad de selección por parte de las comisiones, las pautas indicadas a los maestros y directivos fueron declinando su exi-gencia en favor del mero control de las formas y depositando la práctica concreta de selección en las instancias escolares particulares.

Características de los reglamentos de evaluación y selección

El siguiente recorrido no pretende ser exhaustivo, sino sólo dar cuenta de las instancias representativas que nos permitan ver el derrotero de la legislación sobre los libros de textos escolares y caracterizar desde esa perspectiva histórica la posición que se asume desde la legislación actual16. A los fi nes de nuestro trabajo, nos detendremos en los apartados vinculados con la regulación de la acción del docente en su relación con el libro de texto.

16. En una nota a pie de página de su artículo, Cristina Linares (Linares, 2004, p. 183) cita las observaciones de Narodowski y Manolakis sobre la regulación de los libros de texto. Estos autores hacen un distingo entre el primer período (1884-1930) en el que la regulación estaba cargo de una Comisión de Didáctica y un segundo período (1930-1983) en el que el Estado asume esta tarea. Según estos autores, en 1983 es la demanda del mercado la que decide sobre los valores y conocimientos a transmitir. Estos sucesivos cambios curriculares, según Linares, determinaron cambios en las ediciones. La autora lo ve en el período 1936-1937 en el que se reclama la aparición en los libros de cuestiones morales y la mención del Ser Supremo, y también sucede en el período 1952-1953 en que aparecen los contenidos vinculados con los tópicos del ideario peronista cuyas ediciones son rápidamente corregidas o prohibidas hacia 1957-1958 (Linares, 2004, p. 184). Para profundizar el análisis de las reglamentaciones sobre los libros de lectura en Argentina cf. también Linares (2005).

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Algunos factores que evidencian los sucesivos cambios en relación con el control del material publicado para la enseñanza primaria17 se pueden ver en la comparación de los reglamentos anteriores a las reso-luciones del 26 de octubre de 1956 y del 4 de septiembre de 1964; y la resolución del 13 de noviembre de 1957 (vigente hasta fi n del año 1966). Estos reglamentos son: proyecto de estudio de textos de lectura, 194018; reglamento sobre estudio, selección y concurso de textos escolares, 1942; proyecto de ley sobre creación de un texto único, 1946; reglamento de concurso, estudio y aprobación de textos de lectura para la enseñanza primaria, 1951; régimen de aprobación de textos de lectura, 1965.

Estos documentos regulaban la presentación del material impreso para ser vendido en todo el territorio en sus diversos aspectos:

Pedagógico-didácticos: determinaban la corriente pedagógica a la que el libro de texto debía adscribir, en especial la relacionada con la alfabetiza-ción, considerada la principal herramienta de constitución y consolidación de la ciudadanía. Entre otros muchos ejemplos podemos observar:

Art. 53 Los requisitos fundamentales del libro en cuanto a las condiciones

didácticas y al contenido literario, son las siguientes: a) Que responda a un

plan didáctico racional en lo que respecta a la gradación de las difi culades

y al proceso pedagógico de la enseñanza. [...] Art. 54 a) que se ajuste al

método de palabras de acuerdo con las siguientes normas generales: 1º Las

generadoras deberán ser palabras familiares al niño, preferentemente nom-

bres que evoquen imágenes nítidas... [Ministerio de Educación de la Nación,

Concurso, 1957, p. 9].

17. Además de las reglamentaciones para someter a los textos a los regímenes de aprobación, el Centro Nacional de Documentación e Información Educativa del Ministerio elaboraba sus “Contribucion(es) al estudio del castellano en la Argentina. Plan de Enseñanza y moralidad del Idioma” donde se exponían listados de palabras y giros de uso incorrecto, y su correspondiente versión correcta (algo así como un appendix probi).

18. Existe un reglamento del año 1941 que luego se publica en 1951 con contenidos peronistas (“orientación espiritual y fi losófi ca, política, social y económica de la Nueva Argentina”) que son suprimidos en 1957.

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Art. 49 [del concurso vigente desde 1953] c) que cualquiera sea el método

utilizado se tenga en cuenta que la enseñanza de la lectura y la escritura debe

ser simultánea [Consejo Nacional del Educación, Concurso, 1957, p. 15].

En las críticas y observaciones publicadas por las comisiones de selección y evaluación puede verse la atención a los mismos aspectos:

Los textos para la enseñanza rudimentaria de la lectura o responden a mé-

todos inconvenientes – los hay hasta de deletreo – o no aplican bien el método

de palabras adoptado [Informe de la Comisión Especial, 1907, p. 10].

No faltan obras escritas en mal disimulada forma de catecismo [Informe

de la Comisión Especial, 1907, p. 13].

Contenido: especifi caban los contenidos que debían tratarse obliga-toriamente y las imágenes que debían aparecer en el texto, en especial las relacionadas con la construcción de una iconografía nacional: mapas de las zonas geográfi cas de la Argentina, retratos de los héroes nacionales, presencia del himno nacional etc. En el mismo espíritu, se especifi caba que debía haber una proporción mayoritaria de textos de autores ar-gentinos. El reglamento contaba como complemento de los contenidos especifi cados en la ley n. 1.420 (1884):

Cap. 1 - Art. 6º El minimum de instrucción obligatoria, comprende las

siguientes materias: [...] la ley nacional de monedas, pesas y medidas; Geogra-

fía particular de la República y nociones de Geografía Universal; de Historia

particular de la República y nociones de Historia General; Idioma nacional,

Moral y Urbanidad, nociones de Higiene; nociones de Ciencias Matemáticas,

Físicas y Naturales, nociones de Dibujo y Música vocal; Gimnástica y cono-

cimiento de la Constitución Nacional [Ley n. 1.420, p. 12].

Recursos de interpelación ideológica: hacían hincapié en la función de adoctrinamiento moral (y, durante el peronismo, también religioso) que debían asumir los libros de texto. También se acotaba el tipo de

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interpelación que debía hacerse de las costumbres de los lectores -entre los que contaban también a los padres, destinatarios previstos de esos libros (Spregelburd, 2004). La formación de una conciencia nacional suponía que los libros de texto eran transmisores de la moral cristiana y las reglas de conducta social19. Esa premisa incluía la formación en relación con el urbanismo y la higiene:

Ciertos capítulos no debieran faltar, v.gr., los que estimulen hacia las

virtudes cardinales, el culto a la verdad y a la justicia, el amor al trabajo, el

respeto a la ley, la tolerancia, la solidaridad entre los hombres etc. [...] Debe

haber vida, calor, alma, en las narraciones dirigidas a moralizar [Informe de

la Comisión Especial, 1907, pp. 8-9].

Los personajes suelen pertenecer a una sola clase social, por ejemplo, a

la clase acomodada, de modo que ante la vista de los niños de las escuelas de

pueblo, se hace desfi lar constantemente las comodidades, los lujos, las felicidad

sin sombra visible para ellos, de que gozan los ricos, y quizá no sea esto, sobre

todo por la forma en que los hechos se presentan, destinado a despertar los más

sanos sentimientos en el lector pobrecito que a veces no concurre a la escuela

porque le falta el calzado [Informe de la Comisión Especial, 1907, p. 14].

Gráfi cos: describían el tipo de letra; tamaño, cantidad y pertinencia de las ilustraciones; diagramación de la página; calidad del papel y de la tinta etc.; en atención a cuidar que el objeto material concordara con el proyecto pedagógico. El papel mate, por ejemplo, respondía a la necesi-dad de evitar el cansancio visual; el tamaño mayor de la letra, a facilitar la lectura en los alumnos de los primeros niveles de alfabetización20:

19. Tal como consignan Artieda, Cucuzza y Linares (2007), la metáfora empleada en los libros de texto para identifi car a la Patria fue la familia patriarcal, urbana, de clase media y blanca en la que se depositaban las virtudes ciudadanas. La convivencia entre ricos y pobres se lograba mediante la exaltación de un obrero que aceptaba su destino de trabajo.

20. El primer registro que se tiene del empleo de este recurso es la Gramática Castellana destinada al uso de los americanos, en la que Andrés Bello introduce a mediados del

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Art. 59 Las condiciones que deben reunir los libros en cuanto a su presen-

tación material, son las siguientes: a) papel obra alisado o papel mate de color

blanco marfi l o agarbanzado. c) impresión en tinta negra mate. c) composición

tipográfi ca en medida no menor de veinte cíceros ni mayor de veintiséis, con

interlínea proporcionada al cuerpo de la letra, de dos puntos como mínimo.

El margen será de un centímetro y medio [...] Se empleará tipografía [...]

con cuerpo de letras adecuado a cada grado escolar, según la siguiente escala

mínima: Primero Inferior: cuerpo 24 para las primeras palabras y ejercicios

y hasta 18 para los ejercicios y lecturas subsiguientes... [Consejo Nacional

del Educación, 1957, p. 13].

En este brevísimo panorama hemos querido delinear el recorrido de los concursos hacia versiones cada vez menos estrictas en relación no solo con la selección de contenidos e imágenes, sino también con las pautas de edición e impresión por parte de las imprentas o editoriales. En concordancia con esos cambios, como hemos consignado al comienzo de este trabajo, el proceso de selección por parte de las comisiones pasan de la forma de concurso a la de evaluación.

Representaciones de la función docente y el uso del libro de texto

No obstante el ejercicio de regulación por parte de la CNE y el control ejercido por los inspectores, el material publicado no dejaba conformes a los asesores de las disciplinas, quienes veían en las publicaciones, en conjunto con la falta de formación docente, un problema de difícil so-lución. Uno de esos problemas estaba vinculado con la diferencia entre la responsabilidad asumida por el Estado de educar a la ciudadanía y las estrategias empleadas por las editoriales para adecuar el material publicado a sus necesidades económicas.

siglo XIX (c.1860) la variación en el tamaño de la letra como recurso para dividir a los lectores de una única gramática escolar en principiantes y avanzados.

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En un informe que transcribe varias reuniones llevadas a cabo durante 1939 por la Comisión de Didáctica, fi rmado por Alemandri y Etchebarne, se indica:

se tenga presente que entre nosotros la industria editorial cuenta al libro

escolar como el renglón más profi cuo, se podrá afi rmar que no ha tenido por

incentivo “el progreso de la enseñanza” de que habla la ley, sino un afán de

lucro muy semejante al que se manifestó en ocasión de uno de los primeros

concursos de textos, el de 1900, cuando se volcaron en el Consejo 1262 im-

presos de todo género. Algunos sin la menor atingencia pedagógica [Consejo

Nacional del Educación, 1941, p. 3].

El informe de la Comisión Especial de 1940 (integrada, entre otros in-vestigadores, por Berta Vidal de Battini) señala concordantemente que:

la previsión ofi cial, sin embargo, no había contemplado hasta ahora en su

verdadero alcance este aspecto fundamental del problema del libro escolar. Es

sabido, en efecto, que solo existían acerca del mismo disposiciones fragmen-

tarias y generalmente de carácter impreciso. Esto hizo que la preparación del

material quedara librada al criterio particular del autor [...] La realización del

libro se convirtió de este modo, por obvia razón, en tarea de fácil estímulo y

poco riesgo, que invitaba a la improvisación. Como consecuencia lógica de

todo ello, la producción, con desmedro de la calidad, se multiplicó notable-

mente en los últimos años, hasta llegar al estado de cosas actual [Consejo

Nacional del Educación, 1941, p. 21].

Este tipo de argumentos prepararon el terreno para posiciones que consideraban la imposición de un libro único de uso obligatorio editado por el Estado como solución a la puja de las editoriales por obtener (a costa de una presunta debilitación de la calidad de los materiales) mayores sectores del mercado.

En efecto, encontramos ejemplos de esta lucha por el control de ese nicho del mercado que muestran el alcance de estos intereses. En 1946 un proyecto de ley de los senadores Teisaire, Saadi y Sosa Loyola elevado al

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Senado el 24 de julio proponía la adopción de un texto único aprobado y editado por el Estado. Esta propuesta fue rápidamente apelada por la Cámara Argentina del Libro y la Asociación de Industriales Gráfi cos de la Argentina en un texto presentado en agosto de 1946 que exponía objeciones a ese proyecto de ley. Ambas asociaciones se muestran de acuerdo con la defensa de la gratuidad de la enseñanza extendida a todos los ciclos y especialidades, y con el control por parte del Estado de los textos que propone el proyecto de ley. No obstante, en la presentación de sus objeciones quedan en evidencia los intereses económicos que guían su crítica al proyecto. Mencionamos aquí solo algunos puntos específi cos de la presentación que servirán como ejemplo de las operaciones de ambas asociaciones comerciales frente a la propuesta del Estado.

En el proyecto de ley variados argumentos intentan mostrar que ade-cuar el precio del libro al costo de su producción facilitaría el acceso al libro de una mayor porción de la población. Esta propuesta es rechazada a partir de la justifi cación del precio que las editoriales asignan a sus productos (el argumento principal es la relación costo-benefi cio y no la relación con la calidad académica, o siquiera material, de los libros) y se complementa con la sugerencia de que el Estado sea el que garantice el acceso al material mediante la entrega gratuita de libros escolares.

La gratuidad debe ir al encuentro de estos hogares, pero no con el texto

único ni la edición estatal, sino ampliando las partidas en los presupuestos

escolares o tendiendo a que el Consejo Nacional de Educación o el Ministerio

de Justicia e Instrucción Pública puedan adquirir los libros necesarios para

distribuirlos entre sus alumnos [D’Urbano Viau, 1946, pp. 13-14].

Como hemos dicho, el principal cambio que el proyecto pretendía imponer era la adopción de un texto único editado por el Estado. El fi nanciamiento de esta edición se obtendría de un gravamen especial al papel industrial. Al rechazo de la aplicación de este impuesto por parte de ambas asociaciones, se agrega la insólita sugerencia de que los gastos originados por la edición se obtengan de rentas generales y fi guren anu-almente en el Presupuesto General de Gastos de la Nación. Este tipo de

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intercambios se repiten desde comienzos de siglo XX hasta la actualidad ponen de manifi esto que la edición estatal se enfrentó al argumento impe-rante en la relación entre Estado y editoriales: el Estado debe garantizar la libre competencia de las editoriales. De este modo, y en atención a los planteos de los grupos editores, el Estado no solo no debe editar un libro único, sino que debe propender el uso del libro en la escuela para asegurar el lugar en el mercado del libro al manual escolar.

Por último, en el proyecto se sugiere que, al reservarse la edición de los libros de texto para el Estado, quedaría asegurada la independencia de los intereses económicos respecto de la educación: “que no se lucre, que no se comercie a costa de la instrucción, porque de lo contrario se propenderá el analfabetismo”. La impertinencia de sus argumentos libe-rales obliga a las asociaciones a entender los intereses económicos como una forma de fi nanciar actividades culturales. Argumentan entonces:

Las legítimas ganancias de los autores, editores, impresores, libreros,

artistas, gráfi cos etc. no pueden considerarse sin grave injusticia como lucro

obtenido a costa de la instrucción, y mucho menos como propulsoras del

analfabetismo. Son el producto de una de las actividades más altas del hom-

bre, que alienta y favorece su desarrollo educativo y espiritual [D’Urbano

Viau, 1946, p. 16].

En este breve recorrido vimos que la puja por el control de los libros de texto y la participación en su producción estuvo ligada desde los ini-cios de las prácticas educativas en Argentina a los sectores económicos vinculados con la producción y circulación de libros. Spregelburd (2004) explica que los libros eran generados por particulares y por eso era central el control del Estado para garantizar que el material se adecuara a los propósitos y necesidades del sistema educativo21. Creemos que, en esa

21. No obstante, se registran situaciones faltas de claridad en las relaciones entre los funcionarios encargados de regular la aprobación de los libros y las casas editoriales. Linares (2004, p. 184) menciona un caso ocurrido en 1937 y son varios los registra-dos en los últimos años. Como ejemplo, véase uno de los informes producidos por

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operación, el Estado se liberaba de la obligación de generar el material y a la vez se apropiaba del material conservando para sí la potestad de otorgarle o negarle validez. Además, el Estado ocupaba espacios geográfi cos que el mercado editorial aún no había podido alcanzar y le habilitaba (con la recomendación e incluso con la compra de partidas para distribuir entre los alumnos carenciados) sectores de mercado que le eran inaccesibles22. Según consigna Spregelburd,

la organización del sistema educativo constituyó un factor central en la

ampliación de la circulación de impresos. Esta afi rmación no se refi ere solo

al aumento del público alfabetizado, sino también a la creación de una nueva

demanda: la del texto escolar [Spregelburd, 2004, p. 169].

la fundación Poder Ciudadano (2005), cuya responsable en el área de Educación es Silvina Gvirtz, en el que se establece el marco para que el proceso de selección y compra de manuales para entregar gratuitamente a las escuelas de las provincias sea transparente. El informe revisa el procedimiento anterior, llevado a cabo en el año 2002 y señala los motivos por los cuales fue anulado por el entonces ministro de Educación, Daniel Filmus. Propone una modalidad más clara y más equitativa de selección de la Comisión encargada de evaluar los textos y la modalidad de compra directa, de manera de garantizar la calidad, la transparencia en la elección, y los precios que debe pagar el Ministerio por la compra.

22. En la actualidad las editoriales, cuyos amplios canales de distribución les permiten acceder incluso a otros países, continúan con la modalidad de vender partidas al Ministerio. Éste pasó de distribuidor a garante de acceso al material por parte de todos los sectores y cumplir con esto una función asistencialista. En este acto se está confi rmando nuevamente la necesidad y obligatoriedad de uso del manual escolar como herramienta de aprendizaje. Tal como mostrábamos en apartados anteriores, después de largas pujas entre las empresas editoriales y funcionarios del gobierno, quedó depositada en el Ministerio la responsabilidad de garantizar la posesión del libro de texto: “Capítulo X, Artículo 51 de la Ley de Educación Nacional (2007): El Ministerio de Educación, Ciencia y Tecnología, en acuerdo con el Consejo Federal de Educación, es responsable de defi nir las medidas necesarias para que los servicios educativos brindados en zonas rurales alcancen niveles de calidad equivalente a los urbanos. Los criterios generales que deben orientar dichas medidas son: e) proveer los recursos pedagógicos y materiales necesarios para la escolarización de los/as alumnos/as y estudiantes del medio rural tales como textos, equipamiento informático, televisión educativa, instala-ciones y equipamiento para la educación física y la práctica deportiva, comedores escolares, residencias y transporte, entre otros”.

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El control de los libros de texto en la actualidad

Actualmente no se conoce ninguna comisión encargada de estos menesteres, sino que las comisiones de manuales escolares se cons-tituyen ad hoc para evaluar el material presentado por las editoriales comerciales a la licitación para la compra de libros de texto por parte del ministerio23.

Tal como señala Linares (2005), la eliminación de las regulaciones sobre los libros de lectura operadas progresivamente hasta mediados de los años setenta y ratifi cadas en la recuperación de la democracia pudo haber sido interpretada como un avance en relación con las normas repre-sivas existentes durante el siglo XX en relación con el material de lectura escolar.

23. Algunas afi rmaciones del ministro de Educación, Daniel Filmus, a cuento de la compra de libros para las escuelas son elocuentes en relación a la concepción im-perante sobre uso del libro en la escuela y el grave problema del acceso a ese bien económico por parte de la población. Durante el acto de presentación del Programa Global de Compra de Libros 2004-2006, realizado el 12 de octubre de 2004 Filmus expresó que “el Gobierno Nacional realizará una inversión récord para continuar las acciones iniciadas para la incorporación del libro en el sistema educativo” y señaló “El haber planteado el acceso al libro como una política de Estado desde que iniciamos la gestión, hace que los docentes comiencen a sentirse más autorizados para exigir el uso del libro en las escuelas. Si el Estado llega todos aquellos niños y jóvenes que no pueden comprar su libro, contribuirá a que el docente tenga dere-cho a exigir más lectura en el aula”. La entrega gratuita consiste en libros de texto (manuales) y en textos literarios. En relación con los primeros, las afi rmaciones corroboran que el uso del libro de texto en la escuela es una premisa instalada en el imaginario de las Ciencias de la Educación. Además, la práctica usual de emplear el mismo libro de texto para el trabajo con todos los alumnos es afi anzada con la entrega gratuita por parte del Estado del mismo libro para los alumnos del mismo año (que, si bien no está indicada en la cita, lo confi rman las comunicaciones infor-males que mantenemos con escuelas de la Provincia de Buenos Aires). En relación ambos tipos de texto, es interesante reponer el presupuesto de que la posesión del libro garantiza la práctica de lectura escolar; esta vinculación olvida la necesaria intervención docente y confi rma la relación sin intermediarios que las editoriales intentan construir con los alumnos a partir de estrategias lingüísticas operadas en el manual escolar. En Taboada (2006, p. 547) se corrobora esta idea con la cita de un docente: “los chicos si no tiene un libro no leen. No leen. Entonces, así [con la posesión del libro] me favorece la lectura.”

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Finalmente en el último período, que comienza en 1983, la demanda del

mercado decidió sobre los valores y conocimientos a transmitir. El gobierno

democrático comenzó un proceso de desregulación transfi riendo las respon-

sabilidades al mercado editorial ya que se supone que la regulación estaba en

contra de la libertad del docente y del desarrollo de los libros escolares. La

educación se volvió una “razón del mercado” [Linares, 2005, p. 30].

Quizá se haya entendido que esta medida de no-regulación era más demo-

crática que el ajuste a reglamentos que, por otro lado, como ya observamos,

tenían cuarenta años de vigencia [idem, p. 108].

Estas interpretaciones explican la proliferación de argumentos de raigambre neoliberal como el que presentamos a continuación. Este tipo de concepciones han permitido que el creciente espacio ocupado por la industria editorial contara con importantes reaseguros. Por un lado, al que-dar huérfanos de auxilio ministerial y escasos de formación disciplinar, los docentes carecen de herramientas para la selección de los libros de texto y están expuestos a las propuestas editoriales. Por otro lado, la ins-tauración del uso del libro de texto como una práctica escolar necesaria, abonada a lo largo del siglo XX, silencia las propuestas alternativas que reconsideran esta obligatoriedad. Las conmina, además, al arduo trabajo de organizar la planifi cación en función de la variedad y labilidad de los Contenidos Comunes o Núcleos de Aprendizajes Prioritarios (NAP) y diseñar luego el material24.

Dos artículos publicados en los años noventa en uno de los canales de difusión del Ministerio de Educación, la revista Zona Educativa, nos permiten entrever las representaciones de la relación de los maestros con el libro de texto en la palabra de supuestos especialistas. Estas concep-ciones, que atienden a la forma de seleccionar el libro de texto y cómo

24. Tal vez conviene señalar aquí que ninguna de las gestiones político-educativas hasta la actualidad han previsto un salario mayor al monto que delimita la línea de pobreza en Argentina para los docentes que desarrollan las tareas mencionadas. Estas condiciones materiales son, entre otras tales como la defi ciente formación, las que impedirían el cumplimiento de las obligaciones de planifi cación y diseño.

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debe emplearse en el aula, responden a un principio orientador de las prácticas de selección en el mercado de consumo.

En pocos días reciben gran cantidad de material para analizar, evaluar y

elegir cuál será el libro que utilizarán durante el año. [...] Pero, ¿cómo hacerlo

con profesionalismo?, ¿con qué herramientas?, ¿qué hay que hacer y qué hay

que tratar de evitar? [S/A, 1997, p. 16].

Veamos entonces, en qué consiste una elección del libro de texto en tanto que “profesionales” de la educación.

A la hora de evaluar el texto es bueno pensarlo por lo menos de tres ma-

neras diferentes: como medio de comunicación (tanto verbal como gráfi ca),

como elemento del proceso de enseñanza-aprendizaje y como mediador de

los CBC y de las distintas ciencias y asignaturas. [...] El texto escrito ofrece el

contenido, las actividades, los ejercicios y otros elementos como resúmenes,

lecturas complementarias, bibliografías, curiosidades y otros elementos [Zona

Educativa, 1997, p. 17].

Es destacable el hecho de que en esta revista se considere al libro de texto un medio de comunicación (preanunciando lo que la Ley de Educación Nacional corroboraría más tarde al incluirlo junto con los medios masivos en la libre regulación) y, al mismo tiempo, mediador (entre los maestros/alumnos, y la ley) con lo que debería quedar bajo la órbita y el control estatal (regulador del ejercicio escolar).

La desprofesionalización docente que permitió la instalación de un manual que se comunicara directamente con los alumnos25 se toma como un hecho al suponer que los docentes necesitan una guía para seleccionar el material para sus clases. Se los llama “profesionales” y a la vez les indica las pautas de selección que los docentes debieron haber desarrollado en las instancias de su formación. En efecto, en el artículo se sugiere que el docente considere, entre otras cosas:

25. Estas afi rmaciones se encuentran desarrolladas en López García (2004).

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si las páginas tienen la cantidad adecuada de información, o si están muy

vacías o muy llenas. [...] Qué hay que evitar: [...] la tapa, el colorido, las imá-

genes son solo algunas de las cosas que hay que evaluar, pero no las únicas

ni las más importantes [...] ni dejarse convencer por las promociones de las

editoriales. Las promociones y los obsequios de las editoriales son útiles y

necesarios. Ayudan a ampliar el panorama y a conocer las opciones sobre las

que se puede elegir y trabajar. Pero la que más libros regala no tiene por qué

ser la que mejores textos hace [S/A, 1997, p. 17].

Si bien la Ley de Educación de 1994 modifi có la forma de concebir la labor docente y ha dejado a su criterio decisiones sobre el material, los recursos didácticos etc. este tipo de textos dejan entrever que la práctica docente es pensada por los ámbitos de decisión como una zona liberada, en manos de agentes que no cuentan con la necesaria formación para operar en el margen que les es otorgado26.

Esta tensión entre considerar a los docentes alumnos y, a la vez, profesionales se manifi esta en formas variadas. Mientras que párrafos antes guiaban su elección en los aspectos más superfi ciales, en la cita que sigue se les pide un nivel de conocimiento con el que el docente no cuenta27.

La información que contiene debe ser veraz, válida, objetiva28. Los da-

tos deben estar sufi cientemente actualizados, lo mismo que la bibliografía,

las ilustraciones y todos aquellos elementos que aportan información a los

alumnos” [S/A, 1997, p. 18].

26. Tal como señala Linares, “la eliminación de las regulaciones sobre los libros de lectura pudo haberse leído en su momento como uno más de los pasos para la eliminación de las normas represivas. Cuando las ideologías neoliberales-neoconservadoras comenzaron a ser hegemónicas durante el gobierno de Carlos Menem esta idea de des-regular en función de una mayor democratización fue, en defi nitiva, funcional a estas ideas” (Linares, 2005, p. 108). Creemos que éste es el principal argumento por el cual las editoriales encuentran un espacio tan fructífero para insertar sus productos.

27. Creemos que esto se debe al conocido défi cit en las instancias de formación ter-ciaria (un curso de tres años para el trabajo en todas las asignaturas, y condiciones laborales que no facilitan la formación continua).

28. Antes decía: “es bueno observar [...] si el modelo pedagógico incluye mecanismos para ver el texto como un medio y no como una verdad indiscutible y absoluta”.

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Otras variables a considerar son, por ejemplo: si al maestro “le gusta que el libro proponga ejercicios y a otros les gusta redactarlos personal-mente” (S/A, 1997, p. 18).

No es nuestro interés hacer hincapié en problemáticas sobre las que se ha escrito sufi ciente, sino mostrar las tensiones ideológicas a las que los docentes están expuestos sin herramientas que les permitan posicionarse críticamente. Este texto que citamos pone de manifi esto las representaciones que los docentes tienen de su tarea, de los saberes con los que deberían contar y con la evaluación que deben hacer de un libro y, con ello, exponen las características que se espera que el libro de texto reúna. Estos factores constituyen los ejes de selección de los manuales escolares que, ayunos de todo auxilio ministerial, recaen en la experticia y el compromiso de los docentes, a su vez expuestos a la profusa oferta del mercado editorial.

El libro de texto como producto de mercado

Posturas como la nuestra pueden ser interpretadas como intentos de alentar la regulación autoritaria de la circulación de libros escolares en Argentina. Una forma de entender la regulación estatal de los libros de texto por parte de posiciones neoliberales se puede ver en el artícu-lo de Sergio España (1999) “Las políticas públicas y los libros en las escuelas”. En Zona Educativa, el subsecretario de gestión educativa y posteriormente Secretario de Programación y Evaluación Educativa (durante 1997) señala:

Hace 20 años los argentinos sufríamos el más crudo autoritarismo, que

prohibía centenares de títulos por la sola sospecha de expresar pensamientos

distintos de quien ostentaba el poder [...] ¿cómo suponer que ello no impactaría

seriamente en la relación que se va construyendo entre el libro y el lector que

en las escuelas y universidades se va formando en la tarea cotidiana? [S/A,

1999, p. 41].

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Por si fuera poco, a ello se sumaron interpretaciones extremas de cor-

rientes pedagógicas que terminaron cuestionando los libros por “demasiado

rígidos para los chicos, que los manuales eran poco creativos o los textos

limitaban la imaginación.” [...] Fueron casi 20 años y administraciones que,

por autoritarismo o por erradas concepciones alejaron al libro de las prácticas

cotidianas de aprendizaje [España, 1999, p. 42].

Ambas afi rmaciones se apoyan sobre la premisa de que los libros de texto son un instrumento de uso inapelable en el contexto escolar.

El Estado, en lugar de prohibir debe fomentar su uso, y esto signifi ca que

ayuda a quien no puede comprar entregándole el libro para que esté en igualdad

de posibilidades con quienes efectivamente pueden hacerlo [idem, p. 42].

En el marco de esa premisa, se alienta la proliferación de libros que garanticen una presunta libertad ideológica, creatividad y cercanía con la práctica concreta. El hecho de que no se mencione la calidad de los contenidos no parece menor. Por otro lado, creemos que la calidad no reside necesariamente en la diversidad, sino, entre otros factores, en la capacidad de los usuarios de seleccionar el material. La realidad es que los maestros buscan libros que les solucionen la tarea diaria frente a los alumnos29 y esto es lo que ofrecen las múltiples y variadas propuestas de las editoriales. De este modo, el mercado ejerce el “crudo autorita-rismo”.

No existe en Argentina el “libro ofi cial”. Por el contrario, se propicia la

más amplia diversidad de producción, para que el sector privado desarrolle

creativamente el material que luego será utilizado por docentes y alumnos con

29. Los maestros suelen privilegiar esta variable frente a la presentación de determi-nados contenidos o la presencia de cierta corriente pedagógica. Esto explica que suelan instar a sus alumnos a comprar el mismo libro para el uso en el aula; una de las funciones de esta práctica es controlar más fácilmente las tareas escolares y “descansar” en las propuestas ofrecidas por las editoriales.

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la más absoluta libertad de elección del libro más adecuado. [...] En esto hay

que hacer público el reconocimiento a la participación de la Cámara Argentina

del Libro, que con su presencia institucional permitió dar máximas garantías

a todos los interesados. [...] Por eso las editoriales necesitaban confi abilidad

en la reforma, certeza de que no se trataba de una linda idea pasajera ni una

nueva moda, sino de un proyecto a largo plazo: única forma de emprender el

desafío de renovar la producción editorial educativa [S/A, 1999, pp. 42-43].

El Estado argentino de los años noventa permitió renovar el mercado editorial al costo de adscribirlo al sistema liberal de oferta y demanda de bienes y servicios. En efecto, en la cita anterior queda en evidencia el resguardo de un mercado liberado que el Estado garantiza a las empresas editoriales. Creemos que este encuadre ideológico sigue su curso hasta la actualidad. La Ley de Educación Nacional n. 26.206 del año 2007 les otorga a las empresas un espacio de decisión sobre los materiales que se produzcan y circulen en los espacios educativos. Es decir que las edito-riales gozarán de la potestad de evaluar, en conjunto con el Ministerio de Educación, el material que ellas mismas producen.

El Ministerio de Educación, Ciencia y Tecnología creará un Consejo Con-

sultivo constituido por representantes de los medios de comunicación escritos,

radiales y televisivos, de los organismos representativos de los anunciantes

publicitarios y del Consejo Federal de Educación, con el objeto de promover

mayores niveles de responsabilidad y compromiso de los medios masivos de

comunicación con la tarea educativa de niños y jóvenes [Título VII, Educación,

nuevas tecnologías y medios de comunicación, art. 103, p. 21].

En esta ley, el Estado se libera defi nitivamente de la tarea de control del material y exhorta a las empresas a que asuman el compromiso de elaborar productos conforme a “ética” y “valores” no especifi cados:

o) Comprometer a los medios masivos de comunicación a asumir mayo-

res grados de responsabilidad ética y social por los contenidos y valores que

transmiten [Capítulo II, Fines y objetivos de la política educativa nacional,

art. 11, p. 2].

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Promoción, distribución y venta de textos escolares en la actualidad

Una de las estrategias de venta de las editoriales en la actualidad se apoya en la inestimable ayuda que los ejercicios de los libros de texto les prestan a los maestros. En efecto, la presencia de ejercicios y actividades en el manual constituye un excelente argumento para la adopción de tex-tos escolares por parte de los docentes. Este hecho tiene un antecedente en buena parte de las versiones de las resoluciones de CNE:

Art. 56º c) que no se incluyan ejercicios de léxico, cuestionarios ni ningún

otro texto adicional destinado a impartir conocimientos que por su naturaleza

correspondan al maestro [Consejo Nacional del Educación, 1941, p. 34; art.

50 c) en la versión de 1957 del Ministerio y art. 53 h) en la versión de 1957

de la CNE].

En la práctica del aula, los maestros seleccionan los manuales de acuerdo con criterios personales y en pocos casos institucionales. La fi gura del promotor que recorre las escuelas publicitando las bondades del material de cada editorial se tornó central y son pocos los directivos que cumplen el Reglamento General de Escuelas vigente, que prohíbe la venta de manuales en las escuelas y la entrada de ajenos para su pro-moción.

Este proceder es mencionado por Linares en su texto, allí registra la práctica de promoción hacia el año 1956. De ese mismo año toma una cita de la revista La Obra donde se corrobora la práctica:

Debido a que en las actuales circunstancias estamos dedicados a la urgente

tarea de reimprimir los textos de nuestro sello recientemente autorizados por

el Ministerio de Educación de la Nación, deploramos hallarnos en la impo-

sibilidad de obsequiar a los señores docentes con los respectivos ejemplares

correspondientes a los grados a su cargo, tal como hemos procedido siempre

en cumplimiento de una norma ya tradicional en la Editorial Estrada [la obra

n. 536, abr. 1956, apud Linares, 2004, p. 187].

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En otros trabajos (ver López García, 2004, 2006) mostramos la ineludible función de reemplazo o, por lo menos, acompañamiento a los maestros que en la actualidad cumplen los manuales escolares. Concien-tes de esa función y sin riesgo de ofensa por parte de los interesados, las editoriales incluyen en sus páginas web y en los catálogos impresos que distribuyen entre los docentes el siguiente material de apoyo: “Pla-nifi cación didáctica para todas las jurisdicciones”; “guías de trabajos suplementarios fotocopiables”; “una variedad de láminas que acompañan el trabajo diario con esta propuesta”; “Discos con cuentos completos narrados por cuentistas profesionales”; “completa guía de trabajos suplementarios fotocopiables. (Catálogo de Novedades EGB 1/EPB 1, 2007, Editorial Puerto de Palos). También: “Incluye[n] la planifi cación didáctica para todas las jurisdicciones según los CBC y los NAP y las soluciones a todas las actividades del libro”; “las soluciones a todas las actividades del libro [de Matemática/Ciencias Sociales/Ciencias Natu-rales de Segundo Ciclo] para facilitar la tarea de corrección” (Catálogo de Novedades EGB 2/EPB, 2007, Editorial Puerto de Palos).

La promoción de estos anexos para el docente que acompañan los libros de texto constituye una estrategia de venta en el sentido de que ostenta la sufi ciente provisión de actividades para trabajar en el aula y, con ella, garantiza al maestro independencia y a los padres el aprendizaje de los contenidos del año por parte de sus hijos.

Por medio de esta oferta se afi anzan las representaciones sobre la tarea docente y sobre las atribuciones que revisten su función. El hecho de que no se considere como función correspondiente estrictamente al docente la planifi cación de su propia tarea, la selección de contenidos adecuados al contexto inmediato (obligación señalada en los CBC, que permite explicar la extensión y labilidad de los mismos) y el diseño de actividades para trabajar los contenidos construye a un docente cuyas actividades son, consecuentemente, otras. Podemos pensar dos opciones: a los docentes les corresponden o bien tareas asistencialistas (ya señala-das por gran cantidad de trabajos de corte sociológico provenientes de las Ciencias de la Educación), o bien la tarea de organizar/coordinar las actividades propuestas por los libros de texto. En ambos casos se des-

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plaza el rol docente hacia actividades no disciplinares y se los despoja del poder simbólico que la institución escolar otorga a los que portan el saber. Esto explica que los padres exijan como garantía del aprendizaje de sus hijos la compra de determinado manual para el trabajo en el aula30. En efecto, en la página web de la Editorial Estrada, por ejemplo, bajo el link “solicitá promotor” se pide consignar la ocupación del que escribe y las opciones predeterminadas son: “asesor pedagógico, auxiliar docente, bibliotecario, directivo, docente, estudiante, padre”.

No obstante, este tipo de promociones (verbales, impresas o, en la actualidad, virtuales) han sido objeto de prohibiciones explícitas. En el reglamento de 1957, art. 35:

Queda terminantemente prohibido, bajo responsabilidad de los directores,

efectuar en las escuelas actos de propaganda comercial en favor o en contra

de determinado libro. Los interesados limitarán su gestión al envío de obras,

circulares y folletos explicativos [CNE, 1957, p. 6; también art. 34 del Regla-

mento del Ministerio de Educación de la Nación, 1957, p. 10].

En el reglamento de la CNE de 1965 esta prerrogativa desaparece junto con el concurso.

Más tarde encontramos en los artículos 149, 150 y 152 del Reglamen-to General de Escuelas, Obligaciones Comunes al Personal del Ministerio de Educación de la Provincia de Buenos Aires vigente al año 2007:

Artículo 149: Prohibiciones

3. Vender libros y útiles escolares, por su cuenta o por la de terceros, dentro de

la jurisdicción escolar o hacer propaganda en favor de determinados materiales.

4. Permitir o estimular dentro de los locales escolares la acción de agentes

comerciales o vendedores de productos [decreto n. 6.013/58 del Poder Eje-

30. Que fi guran en Carbone y Rodríguez (1996), Carbone et al. (2001), Contursi, No-gueira y Miñones (2003) y Grinberg (1995).

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cutivo de la Provincia de Buenos Aires, n. 619, anexo al Reglamento General

de Escuelas Públicas].

En la actualidad, la entrada de promotores a las escuelas, prohibida por el Reglamento General de Escuelas vigente, es, no obstante, una práctica corriente. Se ha instalado hace ya varios años31 como una de las actividades primordiales del inicio del trabajo anual de los maestros (período previo al comienzo de clases de los alumnos reservado exclu-sivamente para la organización docente e institucional) la elección del libro de texto y la coordinación con las colegas de otras áreas u otros años. La tarea de elección se lleva a cabo con el asesoramiento de los promotores de las distintas editoriales, que llevan a las escuelas el ma-terial a promocionar y se reúnen a tal fi n con las docentes interesadas. Esta práctica lleva años instalada en las escuelas a pesar de su expresa prohibición. La editoriales constatan la práctica alentándola desde los mecanismos de promoción. En todas las páginas web de las editoriales existe el link “solicitar promotor”, allí se pide ingresar nombre y cargo del que consulta la página, aunque lo destacable no es que confi rmen la expresa violación del Reglamento General de Escuelas ofreciendo promoción personalizada, sino que, además, la confi rmen con el pedido de ingreso de la dirección postal (no del que solicita promotor sino) de la escuela.

Conclusiones

Las Comisiones de Regulación de Textos escolares han contribuido a generar, a lo largo del siglo XX, la idea del uso inapelable del libro de texto en la escuela. Esta representación de las tareas de enseñanza y aprendizaje escolar acompaña y permite explicar el fortalecimiento de la industria editorial vinculada con este ámbito. En el trabajo hemos

31. Según obtuvimos en entrevistas informales con docentes de escuela primaria de la Provincia de Buenos Aires.

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mostrado cómo la CNE, en las gestiones correspondientes a los distintos gobiernos, intentó conservar para el Estado la potestad de decidir qué li-bros se adecuaban a su proyecto ideológico y convertir al libro de texto en una herramienta política. Además, hemos visto que la evolución a través de los años de los reglamentos de concurso y evaluación tendió hacia la relajación en las prescripciones y en la apertura a las decisiones de los editores e imprenteros. Con esta pretensión se logró también afi anzar el lugar del libro de texto en la escuela y alentar la participación del mercado en su producción. Este último aspecto se tornó crucial especialmente en el marco de un desprendimiento paulatino de las funciones de control y selección, y el traspaso de estas funciones de manos del Estado a manos de los maestros y editoriales.

De este modo, lo que se originó como una colaboración entre las propuestas estatales y las tecnologías del mercado se fue inclinando hacia la validación por parte del Estado de las conveniencias de las em-presas. En efecto, buena parte de las editoriales de gran circulación en la actualidad son las que, a lo largo del siglo XX, supieron construir un perfi l ligado al ámbito educativo y consolidaron una imagen vinculada con la garantía del aprendizaje de los contenidos obligatorios. Son estas editoriales las que en la actualidad deciden la selección de temas que se trabajarán en el ámbito escolar y la corriente didáctica a la que adscribirán las prácticas de los maestros que opten por el uso de sus productos. Entre las consecuencias más peligrosas contamos la capacidad de decisión que actualmente tiene la industria del libro en los aspectos pedagógicos y, en especial, en relación con la variedad lingüística a implementar en el ámbito escolar.

Por otro lado, la inversión de los roles del Estado y las empresas que, como hemos visto, tuvo lugar a lo largo del siglo pasado, y la instauraci-ón de la obligatoriedad de su uso repercutió en que, en la actualidad, el Estado se ve obligado a garantizar el acceso de todos los sectores de la población a los libros de texto. La compra de partidas de libros para su entrega gratuita a las escuelas de escasos recursos atiende a esta función que el Estado ha asumido.

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Este hecho corrobora, no obstante, la diferencia de clase. El libro gratuito lleva la marca estigmatizante de la imposibilidad de elegir que coarta a maestros y padres; y, a pesar de que es el Ministerio de Educación el que los selecciona, carga con la duda sobre su contenido. Esto se debe a que las formulaciones discursivas asociadas al libro de texto no pueden valorarse haciendo abstracción de las condiciones reales de inserción. La actualidad en el tratamiento de los temas, la incorporación de las nuevas tecnologías de impresión, el acceso a la información disciplinar específi ca, la complementación con material anexo, la capacitación para el uso del material a partir de cursos gratuitos para maestros etc. son las garantías que ofrecen las editoriales comerciales para el aprendizaje de los alumnos. Esta representación que han sabido generar las editoriales de sí mismas imprimen al libro gratuito las características de su lugar de inserción: la formación del docente y las posibilidades económicas de las escuela y los alumnos. En ese sentido, el Estado convierte la entrega de libros en otra forma de asistencialismo (en nombre de las libertades y garantías de acceso al libro) y resguarda las representaciones de las editoriales y la portación de sus productos como fuentes de los saberes que facilitan el ascenso social.

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María López GARCÍA

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Endereço para correspondência: María López García

Marcelo T. de Alvear, 1.694 (1.060) Buenos Aires – Argentina

E-mail: [email protected]

Recebido em: 19 nov. 2008Aprovado em: 1 dez. 2008

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A educação na Itália fascista (1922-1945)

José Silvério Baia Horta1*

Resumo:Este artigo analisa a educação na Itália no período 1922-1945, identifi cando os mecanismos postos em prática pelo regime fascista para colocar a escola a seu serviço. Partindo da Reforma Gentile, estuda o processo de fascistização da escola em seus diferentes níveis. Esse processo, que se inicia com a fascistização das associações de professores, acentua-se a partir de 1935, com a militarização da escola e a implantação das leis racistas no sistema de ensino, em 1938. Alcança seu auge com a Carta da Escola, em 1939. Toda essa estrutura começa a ser desmontada em 1943, com a queda de Mussolini.

Palavras-chave:educação fascista; história da educação: Itália; totalitarismo e educação.

* Doctorat d’Etat es Lettres et Sciences Humaines – Université Paris V – René Descartes, 1985. Pesquisador visitante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (CNPq)/ Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

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Education in Fascist Italy (1922-1945)

José Silvério Baia Horta

Abstract:This article analyzes education in Italy in the period of 1922-1945, identifying the mechanisms put into practice, by the fascist regime, so that schools would serve its interests. Beginning with the Gentile Reform, it examines the process of schools’ fascist indoctrination in its different levels. This process begins with the Teachers’ Associations in 1935, and increases with the schools’ militarization. In 1938, racist laws were introduced in the teaching system. It reaches its climax with the School Letter in 1939. All this structure began to collapse in 1943 with Mussolini’s fall.

Keywords:fascist education; history of education: Italy; totalitarianism and education

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Introdução

Este artigo, situado no campo da história política da educação, procura oferecer, por meio de um estudo de caso, elementos para uma discussão das relações entre educação e política.

Analisa a educação na Itália no período 1922-1945, identifi cando os mecanismos postos em prática pelo regime fascista para colocar a escola a seu serviço. Partindo da Reforma Gentile, estuda o processo de fascis-tização da escola em seus diferentes níveis. Esse processo, que se inicia com a fascistização das associações de professores, acentua-se a partir de 1935, com a militarização da escola e a implantação das leis racistas no sistema de ensino, em 1938, e alcança seu auge com a identifi cação entre escola e partido na Carta della Scuola, em 1939.

Trata-se de uma pesquisa documentária que utiliza, como fontes pri-márias, publicações ofi ciais, especialmente os anais e boletins do Minis-tério da Educação – nos quais foi realizada ampla pesquisa da legislação e das decisões normativas relacionadas com o sistema de ensino –, além de livros e periódicos da época, pesquisados, em sua quase totalidade, nos Centros de Documentação da Università Cattolica del Sacro Cuore, de Milão. Todas essas fontes estão referenciadas na bibliografi a.

Com relação aos periódicos publicados na Itália durante o fascismo, cabe aqui a observação de Bobbio (1973), segundo o qual a Crítica, dirigida por Croce, é a única revista da época que merece ser chamada de antifascista. De acordo com Bobbio, além dos periódicos claramente fascistas, podemos identifi car alguns periódicos independentes, outros que inicialmente aderiram ao regime, mas que foram pouco a pouco se afastando dele, além daqueles que, ao contrário, passaram da oposição ou indiferença ao regime à sua aceitação.

No caso dos periódicos utilizados como fonte na pesquisa que deu origem a este artigo, destaca-se, entre os independentes, L’Educazione nazionale: organo di studio dell’educazione nuova, fundado e dirigido por Lombardo-Radice, publicado entre 1919 e 1933. Entre aqueles que, tendo inicialmente aderido ao regime, foram pouco a pouco se afastando dele, incluímos La nuova scuola italiana, fundado e dirigido por Ernes-

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to Codignola, publicado de 1923 a 1938, e Levana, também dirigido por Codignola, publicado de 1922 a 1928 e continuado, com o nome de Civilta moderna, até 1943. Nascidos com a infl uência de Gentile, afastam-se dele cada vez mais, após a dispersão e o enfraquecimento da escola gentiliana. Fascista da primeira hora, Codignola teve papel atuante na fundação da Corporazione della Scuola, associação de professores criada pelos fascistas em 1923. Após a assinatura da Concordata, em 1929, Codignola afasta-se do fascismo e aproxima-se de uma posição socialista. Data desse momento a transformação da revista Levana em Civilta moderna. Mais tarde Codignola adere ao Partito d’Azione, organização antifascista criada em 1942. Entre aqueles periódicos que passaram da oposição ou indiferença ao regime à sua aceitação podemos citar a Rivista Pedagógica, publicação da Associazione Nazionale per gli Studi Pedagogici (ANSP). Fundado em 1908, esse periódico sobreviveu à dissolução da ANSP, em 1923, sendo publicado até 1939. No início do período fascista, sua luta contra a Reforma Gentile deu-lhe uma aparência de periódico de oposição. Mais tarde, com o afastamento de seus antigos colaboradores e com a caminhada progressiva de seus colaboradores mais jovens em direção ao fascismo, a Rivista Pedagógica tornou-se cada vez mais próxima do regime, mesmo sem se ter tornado um periódico de propaganda fascista.

Finalmente, podemos incluir, entre os periódicos claramente fascis-tas, Gerarchia, revista ofi cial do Partido Nacional Fascista (PNF), dirigida por Mussolini, “cada vez mais cinzenta, mais pobre, mais esvaziada de qualquer sinal de inteligência” (Bobbio, 1973, p. 235); Crítica fascista, publicado ininterruptamente de 1923 a 1943, sob a direção de Bottai; L’Educazione política, criado em 1925, sob a direção de Gentile, que se torna, em 1926, órgão ofi cial do Istituto Nazionale Fascista de Cultura, sucessivamente rebatizado com os nomes de Educazione fascista, em 1927, e Civiltà fascista, em 1934; Giuventu fascista, órgão das organi-zações da juventude dos PNF, criado em 1931, transformado em Libro e moschetto, em 1939, e em Passo romano, ainda no mesmo ano, e fi -nalmente, Primato educativo, publicado de 1934 a 1939, sob a direção de Nazareno Padellaro. Para todos esses pode ser aplicada a observação de Bobbio (1973, p. 235):

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Quem lê hoje uma revista fascista, do primeiro ao último ano [...] fi ca

impressionado pela monotonia mortífera dos argumentos, pela estreiteza de

horizontes culturais, pela falta total de análise concreta de situações reais: um

horrível espelho para os intelectuais que enxergam refl etida nesse exercício de

palavras que falam a si mesmas sua própria função de fabricantes de cortinas

de fumaça. Com o agravamento que de ano em ano o tom se faz sempre mais

exaltado, a retórica sempre mais tediosa, as idéias cada vez mais aberrantes

[p. 235].

1. O ponto de partida: idealismo gentiliano e fascismo

Ao assumir o poder, na Itália, em outubro de 1922, o fascismo não trazia um projeto educacional bem defi nido. O programa do PNF, apro-vado em Florença, em dezembro de 1921 (apud Bellucci & Ciliberto, 1978, p. 199), defi nia os objetivos da escola de forma bastante vaga, declarando:

A escola deve ter por objetivo formar pessoas capazes de garantir o

progresso econômico e histórico da nação; elevar o nível moral e cultural da

massa e promover os melhores elementos de todas as classes para garantir a

renovação contínua das camadas dirigentes.

Ao Estado caberia um controle rígido sobre os programas, a escolha e a ação dos professores da escola elementar, de modo que esta preparasse “também física e moralmente os futuros soldados da Itália”. Quanto às escolas médias e universitárias livres, a ação do Estado deveria limitar-se ao controle sobre os programas e sobre o “espírito do ensino” e à promoção da instrução pré-militar, destinada a facilitar a formação de ofi ciais. Com relação à formação profi ssional, para que esta cumprisse a sua fi nalidade de “elevar a capacidade produtiva da nação e criar a classe média de técnicos entre os executores e os dirigentes da produção”, o Estado deveria “integrar e coordenar a iniciativa privada, substituindo-a

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onde ela faltasse”. Além disso, o Estado deveria promover a unifi cação de todas as bolsas de estudo e demais benefícios escolares, criando e controlando um instituto para “selecionar, ao fi nal do ensino elementar, os alunos mais inteligentes e dispostos e assegurar-lhes a instrução su-perior” (idem, pp. 199-200).

Trata-se de um programa que incorpora as posições liberais conser-vadoras e os traços nacionalistas defendidos pelos educadores idealistas, reunidos em torno de Gentile, bem como algumas teses do programa escolar do Partido Popular1, principalmente as relacionadas com a li-berdade de ensino.

Mais tarde, no Congresso de Nápoles, às vésperas da Marcha sobre Roma, o Partido Fascista adotará uma ordem do dia na qual se oporá fi rmemente ao projeto de lei sobre o exame de Estado, apresentado pelos populari e defendido pelos idealistas2. Entretanto, como afi rma Ostenc (1973, p. 386):

Esta declaração não era talvez senão uma conseqüência do papel que o

fascismo atribuía ao Estado, concebido como imanente na vida pública. Mas

ela só teria tido efeito se os fascistas tivessem sido capazes de elaborar um

programa escolar que lhes fosse próprio. Isso não foi o caso e Mussolini disso

tinha consciência. É por isso que no seio do “Fascio” da Educação nacional,

parece ter encorajado a colaboração entre fascistas e idealistas, Codignola

desempenhando o papel de intermediário.

1. Trata-se de partido político fundado por Don Sturzo, em 1919, buscando aglutinar os católicos italianos em torno de uma proposta democrata cristã. O Partido Popular Italiano teve vida curta, tendo se dissolvido em outubro de 1924. Sobre o Partido Popular, ver Milza e Bernstein (1980, pp. 158-172).

2. “O Conselho Nacional do Partido Fascista, afi rmando que a escola se situa fora e acima de todo partido e considerando primeiro e principal dever do Estado a for-mação da consciência nacional, o que implica que este deve revigorar e valorizar sua escola, pede uma política escolar que responda às exigências da vida moderna e convida o Grupo Parlamentar a combater o projeto de lei sobre o Exame de Es-tado que, na forma em que está redigido, visa sufocar a antiga e gloriosa escola do Estado em proveito da escola confessional” (apud Jovine, 1980, p. 259).

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Essa aproximação entre idealistas e fascistas pode ser explicada apenas em parte por razões táticas. Estas existiam, tanto da parte de Mussolini, que desejava garantir o apoio de intelectuais bem conhecidos e abrir assim uma brecha no mundo da cultura ofi cial, como da parte dos idealistas, que viam nessa aproximação a possibilidade de colocar em prática o seu projeto pedagógico. Entretanto, existiam razões mais profundas. Mussolini via no princípio do Estado ético de Gentile um caminho para o Estado totalitário; os idealistas, que “identifi cavam os valores universais com a Nação e o Estado”, consideravam “a restauração da autoridade estatal realizada pelo fascismo como um meio de libertação humana” (Borghi, 1974, p. 236).

Borghi mostra até que ponto a dualidade do pensamento idealista – que, por um lado, acentuava a autoridade e, por outro, a liberdade e a espontaneidade – era apenas aparente:

É preciso lembrar que a imanência dos valores no homem – que os ide-

alistas afi rmavam – não signifi cava sua imanência no indivíduo. O Espírito

é, em si, um princípio universal que exclui toda particularidade e, conse-

qüentemente, a espontaneidade espiritual à qual eles se referem, já é, em si,

uma qualidade que não pertence ao indivíduo como tal. Para eles, liberdade

e espontaneidade não se referem a seu sujeito verdadeiro e se dissolvem em

seu oposto. Assim, a dualidade de motivos constatada é aparente e não real

e a própria instância da liberdade se reveste, no idealismo, de uma dimensão

autoritária. Isto explica como os idealistas puderam dar o nome de liberdade

ao conceito de dissolução do indivíduo no universal (encarnada nas instituições

e no Estado) e contribuir assim para reforçar essa singular confusão mental

que levou numerosos italianos a aceitar o fascismo como um movimento de

libertação [Borghi, 1974, p. 237].

A colaboração entre idealistas e fascistas, iniciada com a transfor-mação do Fascio di Educazione Nazionale em Gruppo di Competenza per la Scuola, no seio do Partido Fascista, antes da Marcha sobre Roma, concretizou-se com nomeação de Gentile para o Ministério da Instrução Pública, no primeiro Governo Mussolini, em outubro de 1922. Os his-

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toriadores acentuam o oportunismo e a habilidade política de Mussolini pela escolha de Gentile como ministro:

A decisão de Mussolini de oferecer o Ministero della Pubblica Istruzione ao

fi lósofo siciliano revelou-se particularmente hábil. Graças à inclusão, no novo

Governo, do independente Gentile, que constituía, talvez, um dos pontos de

referência mais prestigiosos da cultura italiana e que havia sido a única pessoa

capaz de fi gurar no mesmo nível de Croce no último governo Giolitti, o fascismo

garantia o apoio dos idealistas e do partido da escola, que o próprio Gentile

havia, anteriormente, tomado de Salvemini [Ricuperati, 1977, p. 87].

Mas o mesmo Recuperati sublinha, também, o oportunismo dos idealistas:

Era uma relação equívoca e, de certa forma, condenada ao fracasso, mas

que encontrava sua justifi cativa exatamente nessa persistente imagem da

neutralidade da escola, que acreditava ser possível fazer uma boa reforma

mesmo em um regime duvidoso, desde que se possuísse idéias claras [Ricu-

perati, 1973, p. 1.712].

Os idealistas sentiram-se confortados por essa nomeação. Como afi rma Jovine (1980, p. 254):

a pessoa do fi lósofo parecia uma garantia para todo o programa de governo.

Era difícil perder a fé na reforma tão demoradamente meditada apenas porque re-

alizada por um governo instaurado pela violência; era mais fácil pensar que a forte

personalidade de Gentile conseguiria levar a termo a transformação escolar que se

apresentava como urgente, guardando fi delidade às premissas do idealismo.

Dessa forma, apesar de algumas dissensões ocorridas no Fascio de Educazione Nazionale, no momento de sua transformação em Gruppo di Competenza3, o ministro consegue obter a colaboração de vários de

3. Entre essas dissensões podemos citar as de Piero Gobetti e Augusto Monti. Os dois formularam, no jornal Rivoluzione Liberale, severas críticas às posições assumidas

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seus discípulos, entre os quais Lombardo-Radice, que aceita o convite do fi lósofo e torna-se diretor-geral da Instrução Primária4. Lombardo-Radice será o responsável pela reforma do ensino primário, realizada em 1923, no início do governo de Mussolini5.

O caso de Lombardo-Radice é típico. Em novembro de 1922, em carta escrita à Codignola, em nome dos colaboradores da revista Educa-

por Gentile, até o fechamento desse jornal, em 1925. Esses intelectuais não aceitaram colaborar com os fascistas e aprovar o programa do Gruppo de Competenza, que afi rmava, em seus “Princípios Gerais”: “Nosso sistema de educação pública deve visar, antes de tudo, revigorar o caráter moral dos jovens e sua força física. Para esse fi m supremo devem se dirigir todos os esforços do fascismo, o que signifi ca promover por todos os meios o espírito de iniciativa, o sentido da responsabilidade individual, o respeito e o culto dos mais altos valores de nossa tradição nacional e religiosa. O fascismo concebe o Estado como expressão suprema da vontade coletiva, atribuindo-lhe, assim, uma função essencialmente ética, cuja primeira realização deve ser a promoção da educação nacional, para subtraí-la dos partidos e das seitas” (apud Jovine, 1980, p. 262).

4. Giuseppe Lombardo-Radice nasceu na Sicília, em 1879. Começou a lecionar em 1903, após seus estudos na Escola Normal Superior de Pisa, onde foi contemporâ-neo de Gentile. Tendo inicialmente lecionado letras nos liceus de Aderno, Arpino e Nápoles, tornou-se depois professor de moral e pedagogia nas Escolas Normais de Foggia, Palermo, Messina e Catânia. Em 1915, torna-se professor titular de pedagogia na Universidade de Catânia. Conforme Goy (1926, p. 52), “é grande a sua participação na campanha que conduz o idealismo ao poder. Em 1907, ele funda a revista I Nuovi Doveri, que cede lugar, em 1912, à Rivista di Pedagogia e di Política Scolastica. [...] Após o armistício, ele retoma o combate de idéias, fundando, em 1919, a elegante e viva revista Educazione Nazionale”. Ainda em 1919, Lombardo-Radice funda, juntamente com Codignola, o Fascio di Educazione Nazionale (que, apesar do nome, não tinha nada a ver com o movimento fascista). Em janeiro de 1920, Lombardo-Radice lança, no Fascio di Educazione Nazionale, um apelo aos educadores: ele os convida a trabalhar pela regeneração das consciências, pedindo-lhes que abandonem as antigas associações profi ssionais que, movidas por preocupações exclusivamente econômicas, “se mostram incapazes de defender os supremos interesses coletivos” (apud Jovine, 1980, p. 221).

5. Será principalmente com base nessa reforma que Adolphe Ferrière, diretor-adjunto do Bureau International d’Éducation e vice-presidente da Ligue Internationale pour l’Éducation Nouvelle, incluirá Lombardo-Radice entre os três pioneiros da educação nova na Europa (Ferrière, 1928, p. 105 ss.). A reforma realizada por Lombardo-Radice será muito elogiada por Ferrière, que a considerará um exemplo e um modelo para o mundo inteiro (Ferrière, 1927, pp. 21-22). Sobre essa reforma, ver Horta (2006).

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zione Nazionale, depois de saudar a nomeação de Gentile, “hoje ministro devido ao simpático respeito de Mussolini ao alto valor que ele repre-senta na Itália”, Lombardo-Radice afi rmava categórico: “Nós, da revista Educazione Nazionale, que somos uma parte do Fascio de Educazione Nazionale, não somos fascistas... somos italianos que queremos trabalhar na escola em favor da pátria, fora e, se necessário, contra os partidos”6.

Ainda em novembro de 1922, em artigo publicado em Educazione Nazionale (apud Jovine, 1980, p. 254), Lombardo-Radice, comentando a nomeação de Gentile, escrevia:

Gentile retoma e continua a tradição recente, mas fortemente enraizada,

iniciada poderosamente por Croce e mantida por Anile: a tradição dos Gruppi

di Azione per la Scuola que se reuniram no Fascio di Educazione Nazionale,

em 1919. Ele próprio é o fundador moral desta organização, com o seu livro: Il

Problema del Dopoguerra. A contribuição que esperamos dele não é técnica,

mas política: nós observamos o Ministro Gentile que participa do Supremo

Conselho político da nação, em um Ministério criado por caminhos totalmente

novos e que abrirá precedentes graves se não tiver, imediatamente, a força de

dominar os acontecimentos e reconduzir a Itália à liberdade constitucional.

E Lombardo-Radice sente-se no direito de dizer a Gentile o que espera dele, enquanto ministro:

A Gentile, nós dizemos: nós desejamos que os jovens dependam de ti,

Ministro da Educação, pois eles são agora teus. Faça que os jovens voltem

para a única ocupação que lhes diz respeito: a escola. Nós sabemos que Gentile

não teria entrado no Ministério sem antes ter tido a certeza que os jovens se

consagrariam, de agora em diante à sua formação intelectual e moral na escola,

que ele chama de ofi cina sagrada do espírito [idem, p. 255].

Assim, mesmo consciente dos perigos que a onda fascista representa para a Itália, Lombardo-Radice confi a em Gentile e aceita o cargo que ele

6. A carta de Lombardo-Radice a Codignola, datada de 21 de novembro de 1922, encontra-se transcrita na íntegra em Bellucci e Ciliberto (1978, pp. 195-198).

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lhe oferece7. Suas intenções, ao aceitá-lo, transparecem na carta que ele es-creve à sua mulher, em dezembro de 1922 (apud Ostenc, 1973, p. 387):

Giovanni Gentile oferece-me a transferência defi nitiva para Roma, no

posto de diretor geral da Instrução Primária e Popular. Essa função não me

assusta: considero-a como a coroação digna de toda a minha vida. Eu saberei

como desempenhá-la. Há um campo admiravelmente fecundo para desbravar.

Há uma escola para criar, na Itália, começando das bases. Espero uma palavra

tua. Pensa que eu não realizarei nenhuma outra tarefa a não ser a minha, que

é uma função didática, não política.

Dessa maneira, segundo Jovine (1980, p. 256), as reformas centrali-zadoras e autoritárias introduzidas por Gentile no setor da administração da educação, as medidas tomadas contra as associações de professores e as circulares restritivas à liberdade de crítica enviadas por Gentile aos provveditori8 “apareciam como pequena sombra diante do esforço de

7. Não foi apenas Lombardo-Radice que depositou confi ança em Gentile. Ferrière, mesmo depois do afastamento de Lombardo-Radice e da demissão de Gentile, refere-se a esse último como “o fi lósofo moderno que um conjunto providencial de circunstâncias havia colocado no cargo de Ministro da Instrução Pública na Itália” (Ferrière, 1928, p. 105, grifo nosso).

8. Os provveditori eram os representantes do Ministério da Educação nas províncias. As circulares de Gentile tinham relação direta com as críticas formuladas pela Unione Magistrale ao projeto de aposentadoria compulsória de um grande número de professores idosos, sem o correspondente aumento das pensões (Régio Decreto de 11 de março de 1923). A reação de Gentile a essas críticas, publicadas em algu-mas revistas de associações de professores, foi imediata. Em 23 de abril de 1923, o ministro envia uma circular aos provveditori, pela qual esperava impedir toda discussão ou crítica. Dirigida contra “uma certa imprensa de classe, que deseja transformar toda organização de professores em instrumento de luta contra os plenos poderes”, e contra “velhos demagogos, agitadores do corpo de professores, que se apresentam ao Ministério debaixo do aspecto mentiroso de devotados cola-boradores”, a circular conclui: “Os senhores provveditori agli studi são informados da interdição que eu imponho a meus funcionários de receber os representantes de classe acima mencionados, que não se mostrartam dignos de falar em nome dos professores italianos” (Circolare n. 35, de 23 de abril de 1923. Bolletino Uffi ciale Del Ministero della Istruzione Pubblica, n. 10, 1923, pp. 1482-1483). Essa circular

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reconstrução da escola que o fascismo permitia aos expoentes do idea-lismo, no período de plenos poderes concedidos à Mussolini”9.

Entretanto, com a crise que se seguiu ao assassinato de Matteoti10, essa pequena sombra transformou-se em nuvem ameaçadora. Lombardo-Radice demitiu-se do cargo e cortou toda ligação com o fascismo. Ele explicará essa decisão em artigo publicado pouco depois, em setembro de 1924, na revista Educazione Nazionale:

Não somos ligados a nenhum partido; o nosso partido é a escola. Por este

partido ideal, superior aos partidos, o autor dessas linhas chegou a renunciar

à sua escola para transformar-se, durante um ano e meio, em um burocrata e

cuidar da execução da reforma da instrução elementar. Contra todas as suas

tormentosas dúvidas de caráter político, ele estava dominado pela a esperança de

que a Itália pudesse progredir; a presença de Giovanni Gentile era uma garantia

contra a ilegalidade sem controle [...] Gentile fascista era apesar de tudo Gentile

educador. Eu que, politicamente, não aderira ao fascismo, que ele ao contrário

aceitava, poderia, mesmo depois de sua inscrição no Partido, fi car ao lado dele

[...] Fiquei no ministério enquanto acreditei poder esperar que os dirigentes do

fascismo pudessem melhorar moralmente a vida italiana e não somente a escola.

Quando esta esperança se dissipou... [apud Goy, 1926, p. 51].

foi acompanhada de medidas concretas tomadas contra a Unione Magistrale. Na verdade, o caráter autoritário de Gentile havia se revelado antes, por meio de circular enviada aos funcionários, que continha a seguinte ameaça: “Todo ato capaz de per-turbar o funcionamento normal das instituições de ensino e de insinuar nos espíritos a desconfi ança e a indisciplina em relação à autoridade do Estado será severamente punido. Os chefes de setor serão considerados responsáveis por toda infração às presentes disposições” (Circolare de 25 de novembro de 1922. Bolletino Uffi ciale Del Ministero della Istruzione Pubblica, 30 de novembro de 1922, p. 2153).

9. No fi nal de novembro de 1922, as duas câmaras atribuem, por um ano, plenos poderes a Mussolini, que se torna assim “o ditador legal da Itália” (Milza & Berstein, 1980, p. 127). Concebida pelos parlamentares como um instrumento que possibilitasse ao chefe de governo proceder a uma “normalização” do país, a lei de plenos po-deres, promulgada em 3 de dezembro de 1922, será utilizada por Mussolini “para estabelecer os mecanismos que permitirão aos fascistas e a ele próprio manter-se à frente do Estado” (idem, p. 127).

10. Deputado do Partido Socialista Unitário, seqüestrado e assassinado por membros da Milícia Fascista, em junho de 1924.

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Assim, acreditando que “permanecer em um posto de direção na administração do Estado fascista após o assassinato de Matteoti signifi -caria para ele viver na mentira” (Borghi, 1974, p. 244), Lombardo-Radice renunciou ao cargo e retomou a direção de Educazione Nazionale, de onde continuou, dentro dos estreitos limites que lhe foram impostos pelo fascismo, a defender a sua reforma dos ataques de que ela começou a ser alvo, da parte dos fascistas, após a demissão de Gentile, em junho de 1924.

À demissão de Gentile, conseqüência da forte oposição que ele encontra no seio do Partido Fascista, e que se realiza no bojo da crise gerada pelo assassinato de Matteoti, segue-se uma série de retoques à sua reforma, inicialmente para atender às exigências dos meios liberais tradicionais e, depois, para abrir caminho ao processo de fascistização da escola, que se seguiu ao endurecimento do regime, em janeiro de 1925. Tal processo, que foi acompanhado da fascistização das associações de professores, conduziu à “bonifi ca fascista” da escola, em 1935, e às leis racistas de 1938 e culminou com a Carta della Scuola, em 1939. Con-comitantemente, realizou-se um amplo movimento de fascistização da juventude, que se iniciou com a criação da Opera Nazionale Balilla, em 1926, e se completou com a transformação desta em Gioventú Italiana del Littorio, em 193711. A fascistização da escola e da juventude foi acompanhada de tentativas mais ou menos bem-sucedidas de fascistização da cultura, que se inicia com a publicação do “manifesto dos intelectuais fascistas”, em 1925, e culmina na criação do Istituto Nazionale di Cultura Fascista, em 193712.

2. A política de retoques

As reações à Reforma Gentile começam no momento mesmo de sua aplicação. Alvo das severas críticas da oposição, Gentile deve enfrentar

11. Sobre a mobilização da juventude na Itália fascista, ver Horta (2004).12. Sobre as relações entre fascismo e cultura, ver Bobbio (1973).

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uma resistência crescente no seio mesmo do fascismo. A pequena bur-guesia, próxima do fascismo, inquieta-se com o caráter seletivo da escola gentiliana; os nacionalistas, que consideram a escola “a arma mais efi caz do Estado italiano para a manutenção e garantia de unidade espiritual da Nação” (Ostenc, 1980, p. 131), denunciam a redução drástica das esco-las públicas, sobretudo de nível elementar; outros, enfi m, consideram a “liberdade escolar” dos idealistas como incompatível com a concepção fascista do Estado. Enfi m, como afi rma Borghi (1974, p. 251), as famílias italianas rejeitam categoricamente a escola complementar, recusando-se a nela matricular os seus fi lhos13.

Em um primeiro momento, Gentile consegue resistir, graças ao apoio dos católicos e à intervenção direta de Mussolini a seu favor. Em dezembro de 1923, por ocasião da agitação causada nas universidades em razão da aplicação da Reforma do Ensino Superior, Mussolini or-dena aos prefeitos reprimir toda agitação estudantil, enviando-lhes um telegrama no qual afi rma: “Considero a Reforma Gentile como a mais fascista das reformas aprovadas pelo meu Governo” (apud Ambrosili, 1980, p. 135). Poucos dias depois, falando aos universitários fascistas, o chefe do governo dirá:

De todas as reformas que votamos, a Reforma Gentile é a única verdadei-

ramente revolucionária [...]. Durante cinqüenta anos se falou na necessidade

13. A escola complementar, criada por Gentile no bojo da Reforma do Ensino Médio, em substituição à antiga escola técnica, tinha, segundo o ministro, a função de “preparar os alunos para empregos menores e para a direção de pequenos negócios” (Circolare de 11 de dezembro de 1923, n. 117. Bolletino Uffi ciale Del Ministero della Istruzione Pubblica, n. 59, 31 de Dezembro de 1923, p. 5290). Segundo o decreto que estabeleceu os programas para o novo ensino médio, do aluno da es-cola complementar se espera que conheça “o seu valor e o seu lugar” na sociedade da qual faz parte, e se prepare “para a vida modesta mas nem por isto isenta de pesados e difíceis deveres, que ele deverá viver como pessoa e como cidadão”. Em suma, enquanto na instrução clássica o conhecimento deve ser buscado “em seu grau mais elevado”, na escola complementar ele deverá ser dado “na medida em que é necessário para ser bom cidadão” (Régio Decreto de 14 de outubro de 1923, n. 2.345. Bolletino Uffi ciale Del Ministero della Istruzione Pubblica, n. 50, de 17 de novembro de 1923, p. 4413).

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de uma renovação da escola, que foi criticada de todas as formas; em mil

tons se gritou que era necessário dar seriedade à escola, torná-la formadora

do caráter e do homem. O Governo fascista necessita da classe dirigente.

Pela experiência destes 14 meses de governo pude descobrir que a classe

dirigente fascista não existe. Não posso improvisar funcionários para toda a

administração do Estado: eles devem vir, pouco a pouco, das Universidades

[...]. É portanto necessário que os estudantes estudem a sério se se quer criar

uma Itália nova. Eis as razões profundas da Reforma Gentile: daquele que

eu considero o maior ato revolucionário ousado pelo Governo fascista nestes

meses de poder14.

Uma análise das circunstâncias em que essas palavras foram pro-nunciadas permite determinar bem o seu verdadeiro alcance. Mussolini refere-se aqui especifi camente à Reforma do Ensino Superior. As dis-posições da reforma haviam sido mal acolhidas pelos estudantes, que se inquietavam com o rigor que esta introduzia e com a exigência do Exame de Estado para o exercício profi ssional. Essa insatisfação foi a causa de greves e manifestações em algumas universidades. Ora, como afi rma Ambrosili (1980, p. 135), “Mussolini julgava deplorável as agita-ções estudantis e admirava-se que elas tivessem sobrevivido à guerra e à ‘revolução fascista’, pois eram expressão de um costume que deveria ser considerado superado para sempre”. Aos estudantes fascistas, Mussolini procura acalmar fazendo apelo ao seu espírito fascista e acenando-lhes com a perspectiva de ocuparem futuramente funções dirigentes na ad-ministração do Estado. Aos outros, contra os quais ele não hesitou em empregar a força, ele prometia ser intransigente. No citado discurso de dezembro de 1923, Mussolini afi rma:

O caráter desta agitação revela-se pela imprensa francesa e italiana que

a apóia: mesmo na hipótese de que os estudantes tivessem todas as razões

possíveis, enquanto eles estiverem nas praças e forem apoiados pela imprensa

14. O discurso de Mussolini encontra-se transcrito na íntegra em La Nuova Scuola Italiana, ano I, n. 13, p. 161, 23 dez. 1923.

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da oposição, eles não obterão a mínima satisfação. [...] Daqui a alguns meses,

quando esta agitação transformar-se em uma simples e infeliz recordação,

poder-se-á examinar se alguns aspectos secundários da reforma são mais ou

menos adequados às necessidades.

Como se pode ver, mesmo afi rmando ser de uma “intransigência absoluta” no que se refere à manutenção da “substância” da Reforma Gentile, Mussolini admite que ela possa sofrer modifi cações. Essas modifi cações começaram logo após a demissão de Gentile do Ministero della Pubblica Istruzione e a sua substituição por Pietro Fedele, após uma rápida passagem de Casati pelo ministério. A politica dei ritocchi, iniciada por Fedele em 1925, visará inicialmente atender às pressões da pequena e média burguesia, descontente com a severidade e o rigor da escola gentiliana; mas visará, principalmente, atender, naquilo que competia à escola, a proposta mussoliniana de “fascistizar a nação”. A fascistização da escola, que será antecedida pela fascistização das associa-ções de professores, realizar-se-á por meio de uma série de retoques que, sem atingir a Reforma Gentile na sua substância, procurará aproveitar ao máximo o potencial autoritário nela contido.

3. A fascistização das associações do professores

A fascistização das associações de professores realizou-se, rapida-mente, entre 1923 e 1925.

Quando o fascismo assumiu o poder, existiam na Itália três grandes associações de professores: a Unione Magistrale, de tendência maçônica, o Sindicato Magistrale, de obediência socialista, e a associação Niccolo Tommaseo, do grupo católico. A essas veio juntar-se, em 1923, a Corpo-razione della Scuola, criada pelos fascistas. Eis como Cremaschi (1952, pp. 164-165) descreve a situação de cada uma delas, no fi nal de 1923:

O Sindicato Magistrale estava praticamente impedido de realizar qual-

quer atividade orgânica, em vista da situação política, da qual ele recebia

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todos os contragolpes. A Tomaseo tinha obtido mais do que podia esperar

no que se refere ao ensino religioso e à valorização da escola particular. A

Corporazione della Scuola não podia agir a não ser por infl uência isolada de

algumas pessoas. A Unione Magistrale estava excluída de todo o contato com

o Ministro Gentile, que havia se ofendido com as críticas desta à aposentadoria

compulsória dos antigos professores.

A Unione Magistrale, depois de fracassar em uma tentativa de es-tabelecer um pacto com a Corporazione della Scuola, realiza, em maio de 1924, aquele que seria seu último congresso. Insistindo sobre a inde-pendência da Unione com relação aos partidos políticos, os congressistas reafi rmam que ela tem “uma razão de ser e o direito de viver” (Cremaschi, 1952, pp. 170-171)15. Mas a principal associação de professores tem os seus dias contados. Em julho de 1924, Accuzio Sacconi assume a direção da Corporazione della Scuola e propõe-se a obter, para sua associação, o monopólio da representação dos professores. Para atingir esse objetivo, por um lado ele exerce pressões, por intermédio do partido, para que o ministro não receba os dirigentes das outras associações e, por outro lado, como nos mostra Ostenc (1980, p. 162), procura provar aos professores que estava pronto a defender seus interesses. Atendendo ao desejo de Sacconi, Fedele recusa-se, em outubro de 1925, a receber os represen-tantes das associações de professores não fascistas. Ao mesmo tempo, começam as pressões sobre os professores para que adiram à corporação fascista e as violências contra a Unione. Esta tenta uma solução de última chance, propondo a Mussolini uma fusão entre as duas associações, com a formação de uma federação. Mas a proposta é rejeitada e a Unione Magistrale se dissolve, em novembro de 192516.

Em dezembro de 1925 será a vez do Sindicato Magistrale. Quan-to à Tomaseo, nem mesmo a intervenção indireta do Vaticano junto a

15. Sobre a reação da Corporazione della Scuola às conclusões do congresso da Unione Magistrale, ver Sacconi (1924, pp. 505-506).

16. Para Ernesto Codginola, essa dissolução constitue uma grande vitória da Corpora-zione della Scuola (Codignola, 1925a, p. 161).

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Mussolini, pelo intermédio do jesuíta Tacchi Venturi, no sentido de que o Duce se empenhasse pessoalmente para garantir a sobrevivência da associação dos professores católicos, foi sufi ciente para impedir o seu desaparecimento17.

Assim, em dezembro de 1925, ao realizar o seu Congresso Nacional, a Corporazione della Scuola apresenta-se como a única representante de todos os professores18. O congresso será inaugurado por Mussolini, na presença do secretário do PNF e do ministro Fedele19. Em seu discurso, o Duce, após manifestar sua alegria de ver reunidos todos os representantes da escola, “do asilo infantil até a universidade”, afi rmará:

Um outro motivo de alegria consiste em constatar, através da palavra dos

oradores que me precederam e através da vossa manifestação, que a escola

italiana tornou-se fascista. [...] Assim sendo - e assim realmente é - o governo

exige que a escola inspire-se nos ideais do fascismo, exige não apenas que

a escola não seja hostil ao fascismo, mas também que ela não seja estranha

ou agnóstica diante dele, exige que toda a escola, em todos os seus graus

e em todas as disciplinas eduque a juventude italiana para compreender o

fascismo, a renovar-se no fascismo, a viver do clima histórico criado pela

revolução fascista.

17. O padre Tecchi Venturi havia enviado, em 21 de dezembro de 1925, uma carta a Mussolini, na qual solicita a intervenção do chefe de governo a favor da associa-ção dos professores católicos, por se tratar de uma associação “que aderia plena e totalmente ao regime” (apud Ambrosili, 1980, pp. 202-203).

18. Ao comentar o congresso, Codginola não esconde o seu entusiasmo: “É a primeira vez na história da Itália moderna que toda a escola, sem distinção de interesses e de categorias, reúne-se, concorde e unânime, em uma atmosfera de entusiasmo quase religioso, ao redor de seus chefes, que falam, antes e acima de tudo, de deveres e de sacrifícios. É a primeira vez que o Chefe do Estado e os chefes das organizações políticas e sindicais proclamam com sinceridade franca e rude, o fi rme propósito de transformar a escola em um grande anfi teatro da austera disciplina civil e nacional e em um vigoroso organismo propulsor da expansão espiritual do mundo” (Codignola, 1925b, p. 217, grifos do original).

19. Os discursos pronunciados durante o congresso serão publicados na revista La nuova Scuola Italiana, ano III, n. 11, 13 de dezembro de 1925, de onde foram extraídas as citações que se seguem.

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Accuzio Sacconi, ao apresentar o seu relatório perante os congressis-tas, renovará seu apoio à Reforma Gentile e explicitará a sua concepção da fascistização da escola:

A Corporazione della Scuola tem o mérito de ter imposto à escola o es-

pírito fascista. A fascistização da escola comporta dois tempos: 1. a reforma

e a conseqüente reorganização dos institutos. Esta parte já foi realizada. 2.

separação nítida entre o velho e o novo sistema e conseqüente liquidação dos

velhos homens. Esta parte está ainda para ser realizada.

E o secretário-geral da Corporazione della Scuola, levando ao ex-tremo a exigência de vigilância e intransigência feitas pelo secretário do PNF nessa mesma ocasião, promete proceder a uma depuração radical na escola italiana:

A classe dirigente deve ser fascista, [...] os conselhos escolares deverão

ser compostos exclusivamente de fascistas, os diretores gerais nas comunas

autônomas serão substituídos por homens nossos, esquadristas autênticos. Não

se pode deixar a escola sob a direção de homens que traem o nosso trabalho

cotidiano. É necessário recrutar para os postos dirigentes da Administração

central e para os estabelecimentos escolares pessoas verdadeiramente idôneas.

[...] Procederei com mão fi rme e a depuração será radical. [...] Um terço dos

atuais provveditori deverá partir.

Como afi rma Ambrosili (1980, p. 205), Sacconi traduzia, em ter-mos coerentes com a vocação totalitária fascista, a relação entre escola e política:

Se na escola se realizava a formação do cidadão, era necessário que o

fascismo controlasse integralmente a escola, impondo-lhe a sua ideologia

por meio de programas adequados a isto; mas também impondo à escola

professores que fossem executores fi éis das decisões tomadas pelo governo

fascista e que fossem fi éis intérpretes da ideologia do regime.

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Accuzio Sacconi foi aclamado mais uma vez secretário-geral da Corporazione. Mas o seu discurso inquieta os moderados do PNF e desagrada ao próprio Mussolini, que não podia aceitar a pretensão de Sacconi de dirigir com “plenos poderes” o movimento corporativo dos professores italianos. Poucos dias depois, durante a discussão parla-mentar sobre a nova legislação sindical, o Duce intervém para afi rmar que a delicada missão “de modelar o espírito e formar o caráter [...] destacava de tal forma a individualidade do professor que este deveria colocar-se diante do Estado como indivíduo singular e não como grupo ou associação” (apud Ambrosili, 1980, p. 206). Assim, a nova legislação sindical20 incluiu os professores do ensino médio e universitário entre as categorias de funcionários que não poderiam organizar-se em sindicatos ou associações. Quanto aos professores primários, a lei permitia a sua organização em associações de caráter cultural e assistencial. Desse modo, a Corporazione della Scuola transforma-se em Associazione Na-zionale degli Insegnanti Fascisti, com fi nalidades culturais, assistenciais e políticas, sob a dependência direta do PNF.

Em setembro de 1926, será criada, por decreto do chefe de governo21, a Associazione Nazionale Fascista della Scuola Primaria, destinada “aos professores e diretores das escolas primárias inscritos no PNF e aos não inscritos que tivessem dado provas de leal adesão ao Regime” (art. 15). A associação, “inspirada nos princípios fundamentais do fascismo”, se propunha a promover a renovação da cultura dos professores “de acordo com o novo conceito da vida, da história e da Nação estabelecido pelo fascismo como baliza para a sua ação e o seu futuro” (art. 4).

Quanto aos professores do ensino médio e superior, o regime não hesitou em utilizar contra eles a repressão direta. Durante o ano de 1926, vários professores universitários antifascistas foram demitidos com base na lei de 24 de dezembro de 1925, que permitia a demissão de qualquer

20. Legge 3 Aprile 1926, n. 563, art. 11. Gazzetta uffi ciale del Regno d’Italia, n. 87, 1926.

21. Decreto Del Capo del Governo, 17 set. 1926. Bolletino Uffi ciale Del Ministero della Pubblica Istruzione, n. 40, set. 1926, p. 2.516.

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funcionário cujas opiniões não garantissem sua fi delidade ao regime e à política geral do governo. Em janeiro de 1927, uma nova lei permite a demissão de professores em caso de incompatibilidade com as diretrizes políticas do governo, manifestada dentro ou fora da escola. A mesma lei permite o fechamento de universidades ou institutos “quando o ensino neles ministrados não estiver orientado pelos princípios que dirigem a ordem social do Estado”22. Em abril desse mesmo ano, essas disposições são estendidas aos professores de qualquer nível de ensino23.

4. A fascistização da escola

Como vimos, as tentativas de fascistização do corpo docente fazem parte de um processo mais amplo de fascistização da escola, que se ini-ciará em 1926 e atingirá seu ponto culminante em 1935, com a bonifi ca fascista de De Vecchi.

A primeira etapa desse processo inicia-se com a introdução obri-gatória da saudação fascista na escola24 e estende-se até a declaração do Gran Consiglio de novembro de 1927. Ela pode ser caracterizada por aquilo que Segre (1963, p. 324) denominou “fascistização episódica” da escola. Por meio de circulares e de proclamações ministeriais a serem lidas obrigatoriamente em classe, Fedele aproveita todas as ocasiões para fazer os professores falarem do fascismo, para exaltar o Duce e sua obra. Segundo Ostenc (1980, p. 167), para Fedele, “fascistizar a escola signifi ca inocular nela o amor á pátria e a convicção profunda de que a cultura e a educação não devem se limitar à formação do homem universal, mas do cidadão que consagra a totalidade dele mesmo ao bem da Nação e lhe oferece o fruto de sua educação espiritual”. Mas isso não parece su-

22. Regio Decreto Legge, 13 gennaio 1927, n. 38. Bolletino Uffi ciale Del Ministero della Pubblica Istruzione, n. 5, fev. 1927, p. 533.

23. Régio Decreto Legge, 13 aprile 1927, n. 641. Sobre a repressão aos professores de ensino médio e superior, ver Ostenc (1973).

24. Circolare 2 gennaio 1926, n. 1. Bolletino Uffi ciale Del Ministero della Pubblica Istruzione, n. 1, jan. 1926, p. 37.

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fi ciente e, em novembro de 1927, Sammartano (1927, p. 426) afi rma que a revolução fascista ainda não havia entrado na escola: estava ainda na soleira da porta. E na mesma ocasião, fazendo um balanço da Reforma Gentile, o Gran Consiglio del Fascismo constata que ainda resta muito a fazer para a fascistização da escola (Ostenc, 1980, p. 177).

Em julho de 1928, Mussolini dá ao ministro da Instrução diretrizes precisas para “o aperfeiçoamento da fascistização de todas as escolas, não só em seus programas, mas também nos homens” (Salvatorelli & Mira, 1964, p. 401). Inicia-se, assim, uma segunda etapa na fascistiza-ção da escola, que incluirá modifi cações nos manuais e nos programas e aumento das pressões sobre os professores, especialmente de nível médio e superior. Essas medidas serão facilitadas pela transformação do Ministero della Pubblica Istruzione em Ministero dell’Educazione Nazionale, em setembro de 192925, e pela maior presença das organiza-ções de juventude dentro da escola.

Em nível do ensino elementar, “no conjunto, apesar da sobrevivência de alguns professores primários socialistas que não querem se curvar, o corpo docente é favorável ao regime” (Ostenc, 1980, p. 288). A fascis-tização completa-se pela adoção do livro único e pela modifi cação dos métodos e programas. Um decreto de março de 1928 proíbe, na escola elementar, o uso de livros de texto que não correspondam “no âmbito dos programas vigentes, às exigências históricas, políticas, jurídicas e econômicas estabelecidas a partir de 28 de outubro de 1922”26. Justifi -cando essa decisão, o ministro da Educação afi rmará que os livros de texto em uso, “embora úteis e bons do ponto de vista puramente didático, não atingiam aquela que deveria ser a sua fi nalidade precípua, ou seja, formar a nova consciência nacional, plasmando o tipo do italiano novo, totalmente dedicado à pátria e consciente dos próprios deveres para com ela”. Assim, segundo o ministro, “a maior parte dos autores de livros

25. Régio Decreto 12 set. 1929, n. 1.661. Bolletino Uffi ciale Del Ministero della Pub-blica Istruzione, n. 40, 1 out. 1929, p. 2.816.

26. Régio Decreto 18 marzo 1928, n. 780. Bolletino Uffi ciale Del Ministero della Pubblica Istruzione, n. 18, 1 maio 1928, p. 1.569.

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de texto não tinha uma visão clara, exata e completa daquilo que era o núcleo central do problema da educação, a saber, desenvolver na criança o senso viril da vida, e limitavam-se a dar ao livro apenas a veste e não a alma fascista” (Relazione riguardante l’exame e la scelta del libri di testo per lê scuole, apud Cannistraro, 1975, p. 425).

Em setembro de 1928, a comissão encarregada de examinar os ma-nuais de ensino elementar em função dessa nova exigência afi rma não ter encontrado “nenhum livro que correspondesse perfeitamente às fi na-lidades da escola fascista e merecesse uma verdadeira e plena aprovação” (Relazione..., 1928, p. 3162). Em vista disso, a comissão manifesta a sua satisfação pela decisão governamental de introduzir, na escola elementar, o livro de texto único, preparado pelo Estado. Em janeiro de 1929, será criada uma comissão para dirigir e coordenar o trabalho de elaboração do texto único do Estado a ser obrigatoriamente adotado por todas as escolas elementares públicas e privadas, a partir de 193027. Ao inaugurar os trabalhos da comissão, Mussolini afi rmará:

O livro de texto do Estado, do Estado fascista, deverá ser uma obra prima

didática e técnica; o seu conteúdo deverá educar os adolescentes na nova

atmosfera criada pelo fascismo e plasmar neles uma consciência imbuída dos

deveres do cidadão fascista [apud Jovine, 1980, p. 311]28.

De acordo com Ricuperati (1977, p. 106), o Estado editou e dis-tribuiu mais de cinco milhões de exemplares do livro de texto único, a partir de 1930. A apresentação era cuidada; quanto ao conteúdo “duas constantes não variarão e representarão sempre mais de 50% do total do texto: a exaltação do fascismo e a exaltação da Igreja”. Segundo Gentili (1979, p. 37),

27. Legge 7 gennaio 1929, n. 5. Bolletino Uffi ciale Del Ministero della Pubblica Is-truzione, n. 4, 22 jan. 1929, p. 226.

28. A respeito das orientações dadas pelo ministro à Comissão, ver Il Libro único di stato per la scuola elementare. Annali dell’Istruzione Elementare, anno III, n. 5-6, dez. 1928, pp. 136-139.

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os redatores, adaptando-se à orientação da pedagogia italiana da época e

dentro dos limites econômicos e técnicos impostos pela editora, visaram, direta

ou indiretamente, utilizando tanto o texto como as fi guras, de um lado criar um

mito em torno da fi gura e dos atos de Mussolini e, de outro, reforçar os conceitos

religiosos, sociais e morais tradicionais, para inculcar nos jovens os valores da

‘religião` e da ‘pátria`, o respeito à autoridade e aos homens que a detêm, o

nacionalismo, o culto da força e do heroísmo, a aceitação da sociedade dividida

em classes e, eventualmente, da posição de subordinado como um fato natural

na ordem das coisas humanas, em função do bem comum29.

A fascistização da escola elementar completa-se pela deturpação total dos métodos e programas introduzidos por Lombardo-Radice em 1923. Como afi rma Ostenc (1980, p. 188), “tudo que devia contribuir para tornar a escola serena será abandonado ou utilizado para fascistizá-la. [...] No plano pedagógico, a reforma de 1923 parece não ser mais que uma distante lembrança”.

A exigência da adequação às orientações do novo regime será estendida aos livros de texto do ensino médio, em janeiro de 192930. Entretanto, essas medidas não se limitarão aos livros de texto. Em abril de 1934, o ministro da Educação envia aos diretores das escolas uma circular, determinando que fosse feita uma revisão na biblioteca esco-lar e fosse eliminada toda publicação que não estivesse “em completa harmonia com as exigências espirituais da atual vida nacional” ou que pudesse “oferecer aos jovens idéias confusas ou sugestões prejudiciais à sua educação fascista”. Das bibliotecas deveriam ser excluídas

todas as obras nas quais os personagens e os acontecimentos da Revolução

fascista, os princípios nos quais esta se inspirou e aplicou à sua legislação, as

instituições que criou, os problemas que resolveu fossem apresentados com

29. Quanto à reação dos professores e alunos ao novo livro de texto, ver Cremaschi (1952, p. 189).

30. Circolare 19 gennaio 1929, n. 22. Bolletino Uffi ciale Del Ministero della Pubblica Istruzione, n. 5, 22 jan. 1929, p. 426.

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reservas mais ou menos abertas ou debaixo da luz de velhas verdades políticas

que o fascismo condenou ou superou31.

Mas os esforços de fascistização das escolas médias e da universi-dade concentrar-se-ão, principalmente, no corpo docente. Em março de 1930, o Gran Consiglio decide aumentar as pressões sobre os professores: “daí em diante, ninguém poderá tornar-se professor se não for um confi r-mado fascista; os reitores das universidades, os decanos das faculdades, os provedores e diretores dos estabelecimentos de nível médio devem ser escolhidos entre os professores inscritos no partido há cinco anos no mínimo” (Ostenc, 1980, p. 293). Em 1931, a Associazione Nazionale degli Insegnanti Fascisti transforma-se em Associazione Fascista della Scuola (AFS). Congregando professores de todos os níveis de ensino, a AFS é colocada na dependência direta do secretário do PNF. Em agosto de 1931, exige-se dos professores universitários um juramento de fi de-lidade ao regime fascista, sob pena de perderem a cátedra32. Dos 1.250 professores universitários, apenas 12 recusaram-se e foram demitidos.

Segundo Ostenc (1980, p. 299), esse juramento foi inútil, não cons-tituindo uma demonstração de adesão da universidade ao regime:

sob a aparência fascista, a escola continua a funcionar e, em geral, ela

funciona bem. É verdade, o regime manifesta sua presença pelas contínuas

intervenções [...] Contudo, a escola não é fascista por causa disso. [...] Se se

descontam as concessões ao triunfalismo do regime, aliás sem grande signifi -

cação diante da atmosfera geral da época, deve-se admitir que os esforços do

ativismo fascista não podem prevalecer, na escola italiana, sobre o movimento

cultural tradicional.

31. Circolare n. 19, 5 aprile 1934. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 16, 17 abr. 1934, p. 661. A organização das bibliotecas populares e escolares será regulamentada pela Circolare n. 55 de novembro de 1934. Bolleti-no Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 46, 6 de nov. 1934, p. 2.509.

32. Régio Decreto 28 aggosto 1931, n. 1.227, art. 18. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 41, out. 1931, p. 2.509.

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5. A militarização da escola e as leis racistas de 1938

Em 1933, Mussolini, consciente que a escola, sobretudo média e superior, não está ainda penetrada da “alma fascista”, decide concentrar os esforços do regime nessa direção. Em agosto de 1933, diante de um grupo de professores, ele dirá: “A escola deve ser sempre mais fascista. Não se deve crer que impomos a seu ensino uma linha demasiado fas-cista. A escola não será nunca sufi cientemente fascista. Quando se trata de fascismo, eu amo os excessos” (apud Goy, 1937, pp. 15-17).

No mês seguinte, diante do Consiglio Superior dell’Educazione Nazionale ele insiste que a escola deve ser profundamente fascista “não somente na forma, mas sobretudo no espírito” (Ostenc, 1980, p. 331). Ora, especialmente nesse momento, em que se iniciam os preparativos para a campanha da Etiópia, “espírito fascista” signifi ca “espírito guerreiro”33. Será esse espírito, do qual já estavam imbuídas as organizações de ju-ventude, que Mussolini procurará impor à escola, introduzindo cursos de cultura militar no ensino médio e superior e nomeando para o Ministério da Educação um “esquadrista” e antigo comandante-geral da Milícia, o quadriunvir Cesare De Vecchi.

Em setembro de 1934, Mussolini apresentará ao conselho de minis-tros seu projeto de preparação militar da nação, que será transformado em lei em dezembro do mesmo ano34. Com base no princípio de que “as funções de cidadão e de soldado são inseparáveis no Estado fascista”, a preparação militar será considerada “parte integrante da educação nacional”. Iniciada “a partir do momento em que a criança estiver em condições de aprender”, ela deve continuar “enquanto o cidadão estiver em condições de empunhar armas para a defesa da pátria”. A preparação militar propriamente dita, iniciada pela instrução pré-militar, a ser rea-lizada no quadro das organizações da juventude, deverá ser completada

33. Sobre a campanha da Etiópia, ver Rochat (1971). 34. Legge 31 dicembre 1934, n. 2.150. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione

Nazionale, n. 6, 5 fev. 1935, p. 347.

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pelo ensino da cultura militar, a ser ministrado em todas as escolas de nível médio e superior.

O programa dos cursos de cultura militar será estabelecido em dezembro de 193435. Para os alunos das escolas médias inferiores, no-ções elementares de cultura militar, comuns aos graduados das Forças Armadas; para os alunos do liceu, os conhecimentos indispensáveis aos futuros ofi ciais. Aos alunos do ensino superior seriam ministrados os conhecimentos necessários àqueles que futuramente iriam exercer funções de comando.

O novo papel confi ado à escola será comentado pelo ministro da Educação, em outubro de 1934. Segundo o ministro, com a introdução da cultura militar

elimina-se toda separação entre vida civil e vida militar; são demolidas

as barreiras existentes entre as instituições civis e as instituições militares;

opera-se uma íntima fusão entre as beneméritas Organizações juvenis, as

gloriosas Forças Armadas e a Escola; a educação militar, assumindo um

altíssimo valor moral, torna-se um elemento substancial da educação geral;

e à Escola, principalmente, cabe a honrosa e lisonjeira missão da formação

do italiano novo, do Cidadão Soldado36.

E o ministro conclui:

A Escola, potente expressão da revolução fascista, a Escola, primeira e

grande ofi cina do Regime, na qual se forja e se tempera o cidadão novo dese-

jado pelo Duce, não pode não compreender a grande importância da missão

que lhe foi dada, e não sentir-se orgulhosa de cumprí-la dignamente.

Mas para que a escola assumisse realmente essa missão, era neces-sário alguém capaz de comportar-se como “camisa negra” no Ministé-

35. Legge 31 dicembre 1934, n. 2.152. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 6, 5 fev. 1935, p. 352.

36. Circolare 29 ottobre 1934, n. 52. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 44, 30 out. 1934, p. 2.450.

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rio. Assim, em janeiro de 1935, Mussolini nomeará para o Ministério da Educação Nacional o conde Cesare Maria De Vecchi. Saudado pela imprensa educacional fascista como alguém capaz de “transformar a escola em uma espada temperada e afi ada à disposição do Duce para o cumprimento dos seus grandes desígnios”37, De Vecchi realizará em dois anos uma reforma administrativa radical, que fi cará conhecida por bonifi ca scolastica. Visando sujeitar totalmente a escola, ele “suprime praticamente todas as leis, avocando para si plenos poderes” (Cremaschi, 1952, p. 193). Em setembro de 1935, serão abolidas todas as disposições legislativas relacionadas com os poderes e as funções dos provvedito-ri, determinando-se que “os poderes e as funções relacionados com o governo do ensino elementar incumbem exclusivamente ao Ministro da Educação Nacional”. A partir de então, todas as decisões dos provveditori são tomadas “em nome do Ministro”, que pode, a qualquer momento, modifi cá-las ou anulá-las38. Em abril de 1936, considerando a “necessi-dade urgente e absoluta” de uniformizar os programas da escola elemen-tar e média, o governo decretará: “as matérias de ensino, os exercícios práticos, os programas e os horários para todas as escolas primárias e médias de todas as ordens e graus são estabelecidos por decretos reais, por proposta do ministro da Educação Nacional”39. De Vecchi assumirá, também, o poder de nomear, transferir e punir diretores e professores do ensino médio, sem possibilidade de recurso40. O tempo destinado aos

37. Ver, por exemplo, o editorial da revista Scuola e Cultura, ano XI, n. 1, jan./fev. 1935.38. Régio Decreto Legge 26 settembre 1935, n. 1.866. Bolletino Uffi ciale Del Minis-

tero dell’Educazione Nazionale, out. 1935, p. 2971. A aplicação desse decreto será regulamentada por uma circular de dezembro de 1935, na qual De Vecchi afi rma que, a partir dele, “o Ministro torna-se a única fonte de toda atividade e o sujeito de todo poder discrecional. [...] Os funcionários permanecem, mesmo com relação às atividades a eles delegadas, subordinados hierarquicamente ao Ministro, atuando a vontade dele, nunca a própria vontade” (Circolare 14 dicembre 1935, n. 1, Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 1, 7 jan. 1936, p. 33).

39. Régio Decreto Legge 10 aprile 1936, n. 634. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 19, 12 maio 1936, p. 492.

40. Régio Decreto 2 settembre 1935, n. 1.845, art. 2. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 45, 5 nov. 1935, p. 2961.

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cursos de cultura militar e às atividades das organizações de juventude será ampliado, em detrimento de outras matérias41. Os livros de texto para o ensino médio passarão por nova revisão, feita por uma comissão nomeada pelo ministro42. Quanto ao ensino superior, desaparece o que restava de autonomia universitária. De Vecchi assume o poder de criar e suprimir faculdades, escolas e cursos universitários, reagrupar as fa-culdades e escolas em institutos, escolher e transferir os professores e estabelecer a lista das matérias fundamentais de cada curso43. Em junho de 1935, todas as universidades públicas passarão para a dependência direta do Estado44 e o Consiglio Superiore dell’Educazione Nazionale perderá todas as suas funções deliberativas, passando a ser um órgão puramente consultivo, devendo pronunciar-se apenas sobre as questões que o ministro decidir submeter ao seu exame45.

Apesar dos protestos causados por essas medidas e pelas atitudes arrogantes de De Vecchi à frente do Ministério da Educação Nacional, ele permanecerá no cargo até fi nal de 1936. Como afi rma Gentili (1979, p. 2),

Ás vésperas da guerra da África, no momento em que era necessário

prevenir e controlar toda divergência que pudesse manifestar-se na escola

ou entre os intelectuais, a presença no Ministério da Educação Nacional de

um homem “duro” e ideologicamente intransigente como De Vecchi tinha

um signifi cado preciso. Mas, uma vez realizado o seu papel, ingrato embora

funcional para o Regime, era necessário pensar em sua substituição.

41. Régio Decreto 7 maggio 1936, n. 762. Bolletino Ufficiale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 19, 12 maio 1936 (suplemento).

42. Régio Decreto 2 settembre 1935, n. 1.845, art. 7. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 45, 5 nov. 1935, p. 2.961.

43. Legge 13 giugno 1935, n. 1.100. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 29, 16 jul. 1935, p. 2.408.

44. Régio Decreto 20 giugno 1935, n. 1.071. Bolletino Ufficiale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 29, 16 jul. 1935, p. 2.023.

45. Régio Decreto Legge 20 giugno 1935, n. 1.070. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 29, 16 jul. 1935, p. 2.020.

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Em novembro de 1936, De Vecchi deixará o ministério. Para substituí-lo será nomeado Giuseppe Bottai, autor da Carta del Lavoro, considerado “o maior expoente do corporativismo fascista” (Borghi, 1974, p. 298).

Mesmo mantendo a concepção totalitária e centralizadora própria ao regime, Bottai procurará reduzir o excesso de centralização imposto por De Vecchi. Os poderes delegados aos provveditori provinciais serão ampliados46 e as atribuições do Ministério da Educação Nacional serão mais bem defi nidas47. Mas ao mesmo tempo será ampliado o controle estatal sobre as escolas médias particulares, pela criação do Ente Nazio-nale Istruzione Media (ENIM), com a fi nalidade de “administrar escolas médias por delegação do Estado e impor uma fundamental unidade di-dática, educativa e política aos institutos particulares de ensino médio”. A partir desse momento, só seriam reconhecidas as escolas particulares que oferecessem “garantia segura de realizar as suas atividades em total correspondência com as exigências do Estado fascista”48.

A concepção militarista da escola será, também, mantida por Bottai e a escola será convocada para seguir a palavra de ordem do Duce e “elevar-se ao nível do Império”49. Mas os programas de cultura militar serão reformulados no sentido de acentuar a sua função “educativa” de “aumentar, reforçar e tornar consciente nos jovens o espírito militar”. Paralelamente à instrução pré-militar desenvolvida nas organizações de juventude, a escola civil, “harmonizando as disciplinas literárias, históricas, artísticas e científi cas com as disciplinas militares”, deveria visar principalmente à formação do “caráter” entendido como “o con-junto de qualidades intelectuais e físicas e principalmente morais que

46. Decreto Ministeriale 16 dicembre 1936. Bolletino Ufficiale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 5, 2 fev. 1937, p. 226.

47. Régio Decreto 5 novembre 1937, n. 2.031. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 52, 28 dez. 1937, p. 3.128.

48. Régio Decreto Legge 3 giugno 1938, n. 928, Art. 1 e Art. 15. Gazzetta uffi ciale del Regno d’Italia n. 155, 1938. A respeito do ENIM ver Belardinelli (1938, p. 283).

49. Circolare 30 Novembre 1936, n. 23. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 48, 1 dez. 1936, p. 1.364.

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são o fundamento da efi ciência dos quadros das Forças Armadas”50. Conseqüentemente, o tempo destinado ao ensino de cultura militar, propriamente dito, será reduzido e o Ministério da Educação passará a ter maior infl uência nessa matéria51.

Mas a passagem de Bottai pelo ministério será marcada sobretudo pelas medidas racistas aplicadas à escola e pela publicação da Carta della Scuola.

Drásticas medidas “em defesa da raça” foram adotadas pelo regime fascista, a partir de 1938. A escola colocou-se “na vanguarda” da apli-cação dessas medidas: os professores judeus foram demitidos de suas funções, os livros de autores judeus foram proibidos nas escolas e os alunos judeus excluídos das escolas públicas e particulares de qualquer nível, freqüentadas pelos italianos, sendo previstas a instalação de es-colas elementares especiais para as crianças judias52. Bottai (1939, pp. 209-210) defenderá essas medidas, em outubro de 1938:

Em 1938, conquista e proclamação do Império. A escola sente a formi-

dável sacudidela; e prescreve a si mesmo a fórmula mussoliniana: sul piano

dell’Impero. Mas 1938 fez amadurecer dois fatos que são conseqüências

necessárias do Império: o primado da Itália na Europa; o racismo italiano. [...]

A escola deve ser levada, verdadeiramente levada à frente da nova batalha com

todas as suas forças orientadas para o sucesso. É uma batalha de cultura e de

civilização. [...] A escola italiana para os italianos, dizemos. Os judeus terão,

no âmbito do Estado, a sua escola; os italianos, a deles. Isto é tudo.

As medidas racistas serão apoiadas pela imprensa fascista. Para Maggiore (1938, p. 386), “livrar a escola dos judeus signifi ca italianizar

50. Régio Decreto 23 settembre 1937, n. 1.711. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 42, 19 out. 1937, p. 2.668.

51. Régio Decreto Legge 8 luglio 1937, n. 1.541. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 39, 28 set. 1937, p. 2.518.

52. Régio Decreto Legge 5 settembre 1938, n. 1390. Gazzetta uffi ciale del Regno d’Italia, n. 209, 1938; Régio Decreto Legge 15 novembre 1938, n. 1.779. Gazzetta uffi ciale del Regno d’Italia, n. 272, 1938.

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a escola”. Por isso, a prioridade dada à escola na aplicação da política racial não é casual. Em editorial de setembro de 1938, Critica Fascista defenderá uma escola cem por cento italiana:

Na escola forma-se a personalidade do homem; por isso a depuração

deve começar pela escola. Se desejamos italianos cem por cento devemos

formá-los como tal; assim, devemos ter uma escola que seja cem por cento

italiana, isto é, italiana no seu ensino, nos livros, nos alunos. Italiana em

todos os seus graus53.

Não faltarão tentativas de criação de uma “pedagogia racista”, pe-dagogia “centrada não no indivíduo – que nunca é encontrado em estado puro na natureza – mas na raça” (Cottone, 1939, p. 35). Não faltarão tam-bém as sugestões para o estabelecimento de “meios e formas de enraizar na criança o orgulho e a altivez da própria raça” (Padellaro, 1938)54.

Mas as medidas racistas suscitam uma vaga de indignação no povo ita-liano e causam desgosto e irritação entre os professores e estudantes, prin-cipalmente no meio universitário. Como afi rma Ostenc (1980, p. 360):

O racismo anti-semita fracassa, pois, na tentativa de enxertar na cultura

universitária italiana um novo humanismo fundado não somente no voluntaris-

mo de uma educação ‘heróica’ e guerreira, mas também na exaltação da raça

53. “Primo: la scuola”. Critica Fascista, anno XVI, n. 22, 15 sept., 1938, p. 338.54. Eis o “método” apresentado por Nazareno Padellaro para convencer a criança de sua

superioridade racial: “Se, por exemplo, devo fazer os alunos compreenderem que os povos de cor pertencem a uma raça inferior, não devo multiplicar os enunciados, mas colocar-me no ponto de vista da criança. [...] Se um dia vejo uma criança incapaz de sair do impasse na análise lógica ou noto nela uma maneira confusa de agir, ou a vejo paralizada diante de um fato novo e digo-lhe: ‘Você é um negro hoje’, certamente lançarei nela o germe de um julgamento que criará nela o sentimento de superioridade diante da raça de cor, superioridade que não é desprezo, mas justa valorização. [...] Da raça de cor tiro os elementos para fazê-la compreender o problema judeu. Aqui bastará enunciar esse axioma: ‘Os judeus pertencem a uma outra raça’. A criança, que compreendeu a forma de diferenciação da raça negra, através das características exteriores, se convencerá que, mesmo não visíveis, devem existir características diferentes entre a raça ariana e a raça judia” (Padellaro, 1938, pp. 390-392).

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italiana. A reação humanitária do povo italiano, apiedando-se e se indignando

diante da injustiça e da brutalidade estúpida das disposições anti-semitas, é

a prova evidente que, apesar dos esforços do regime, os italianos se recusam

a endurecer na direção esperada pelo fascismo.

Mas o regime continua forte e politicamente todo-poderoso e ali-menta ambições ainda maiores:

O “manifesto da raça” se insere num contexto mais amplo e pretende

contribuir para a elaboração de uma nova civilização. Esta quer se construir

em proveito do “homem de Mussolini” e cultivar os valores de um novo

humanismo [...]. Nada é mais signifi cativo a esse respeito que a Carta da

Escola [Ostenc, 1980, p. 360].

6. A Carta da Escola

Logo após ter sido nomeado para o Ministério da Educação Nacional, Bottai recebeu de Mussolini a tarefa de estudar e realizar a unifi cação, em uma escola média única, das três classes do ginásio, do instituto técnico e da Escola Normal (Bottai, 1939, p. XIV). Mas o novo ministro estava cons-ciente que a crise da escola não se resolveria por meio de novos retoques e propõe ao Duce a aprovação de uma Carta della Scuola, isto é, “de um documento programático que contivesse todos os princípios pedagógicos do regime e constituísse a base de toda futura legislação” (Gentili, 1979, p. 14). Bottai, que estava convencido da existência de uma tradição “car-tista” italiana, pretendia assim “juntar à ‘sua’ Carta del Lavoro uma ‘sua’ Carta della Scuola, destinada a colocar os fundamentos, respectivamente, do Estado Corporativo e da educação fascista” (Gentili, 1979, p. 14).

A Carta della Scuola, elaborada por Bottai e aprovada pelo Gran Consiglio del Fascismo em fevereiro de 193955, divide-se em duas par-

55. Carta della Scuola. Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 13, 28 mar. 1939, p. 801. As citações que se seguem são tiradas desse documento.

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tes. A primeira apresenta os princípios, os fi ns e os métodos da escola fascista; a segunda traça as grandes linhas da nova organização a ser dada à escola.

Agindo no quadro da “unidade moral, política e econômica da Nação italiana, que se realiza integralmente no Estado Fascista”, a escola, que constitui “o primeiro fundamento da solidariedade de todas as forças sociais, da família às Corporações e ao Partido”, tem por função formar “a consciência humana e política das novas gerações”. A escola fascista realiza essa função por meio do estudo e do trabalho. Pelo estudo, ela desenvolve as bases “de uma cultura do povo, inspirada nos valores eter-nos da raça italiana e de sua civilização”; pelo trabalho, ela insere esses valores nas “atividades concretas dos ofícios, das artes, das profi ssões, da ciência, das armas”. O estudo visa a “formação moral e intelectual dos jovens” bem como “a sua preparação política e guerreira”. O trabalho, que deve fazer parte do programa de todas as escolas, associa-se ao estudo com a fi nalidade de “educar a consciência social e produtiva própria da ordem corporativa”. Escola e família, atuando em uma “comunhão de intenções e de métodos”, dirigem “a força da infância e da adolescência no caminho da religião dos pais e dos destinos da Itália”.

Mas a escola não é a única instância educativa no Estado fascista. Escola e organizações da juventude formam juntas “um instrumento unitário de educação fascista”. Por meio dele, o cidadão, desde a pri-meira idade até os 21 anos, cumpre o seu “serviço escolar” obrigatório, concretizando, assim, o princípio que “na ordem fascista, idade escolar e idade política coincidem”. A família participa também da vida da escola e colabora com ela na educação e orientação dos alunos.

Na segunda parte, a Carta della Scuola fi xa a nova estrutura da escola italiana, em seus diferentes níveis e graus e apresenta as características e fi nalidades próprias de cada um deles. A XXV Declaração resume o caminho seguido pelo aluno no sistema:

Da escola materna passa-se à escola elementar e, em seguida, à escola do

trabalho. Esta dá acesso à escola artesanal para aqueles que não pretendem

prosseguir os estudos no nível médio; à escola profi ssional e desta à escola

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técnica para aqueles que não pretendem continuar os estudos no nível supe-

rior e, fi nalmente, através de um exame de admissão, à escola média. Desta

se ascende, por meio de um exame de admissão, a todas as escolas de nível

superior. Os formados nas escolas de nível superior passam, ou diretamente

ou por meio de um exame, para as faculdades de nível universitário.

A escola italiana estrutura-se, assim, em quatro níveis: elementar, médio, superior e universitário.

No nível elementar, a escola maternal, de dois anos, “disciplina e educa as primeiras manifestações da inteligência e do caráter”; a escola elementar, de três anos, com programas e métodos distintos para a zona urbana e a zona rural, “dá uma primeira formação concreta do caráter”; a escola do trabalho, de dois anos, “suscita, com atividades práticas or-ganicamente inseridas nos programas de estudo, o gosto, o interesse e a consciência do trabalho manual”; a escola artesanal, de três anos, educa às tradições de trabalho da família italiana”. O trabalho ultrapassa nela a fase didática e assume a forma de “trabalho produtivo”.

No nível médio, a escola de três anos, comum a todos que pretendem prosseguir os estudos de nível superior, “dá aos jovens de 11 a 14 anos os primeiros fundamentos da cultura humanística”; a escola profi ssio-nal, na qual o trabalho, cientifi camente organizado, ocupa uma posição preponderante, destina-se aos jovens de 11 a 14 anos “que pretendem preparar-se para as exigências do trabalho próprio aos grandes centros”; a escola técnica, de dois anos, continua a escola profi ssional “preparando, especialmente, para os empregos menores e o trabalho especializado nas grandes empresas industriais, comerciais e agrícolas”.

No nível superior, o liceo classico, de cinco anos, “integrando o ensino da língua e da literatura antigas àquele da língua e literatura modernas, perpetua e reaviva a alta tradição humanística”; o liceo scientifi co, de cinco anos, “associa tradições clássicas e valores da vida atual na formação de um humanismo moderno”; o istituto magistrale, de cinco anos, de caráter ao mesmo tempo humanístico e profi ssional, “prepara à educação da criança”; o instituto técnico comercial, de cinco anos, “cuida da preparação do jovem para os empregos na administração

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pública e privada”; os institutos profi ssionais, de quatro anos, “cuidam da preparação dos jovens para o exercício prático das profi ssões de perito agrário, perito industrial, agrimensor e náutico”.

Ainda em nível superior, o Istituto Femminile e o Magistero Femmi-nile eram destinados a receber as jovens saídas da escola média “prepa-rando-as espiritualmente para o governo da casa e o ensino maternal”.

Finalmente, em nível universitário, a universidade “com a fi nalida-de de promover em um nível de alta responsabilidade política e moral o progresso da ciência e fornecer a cultura científi ca necessária para o exercício dos ofícios e profi ssões”.

Como se pode ver, embora afi rmando que “o acesso aos estudos e o seu prosseguimento são regulados exclusivamente pelos critérios de capacidade e aptidão”, a Carta della Scuola mantém e amplifi ca o caráter seletivo da escola fascista. A escolha da carreira é feita após a escola do trabalho, isto é, aos 11 anos, por critérios estritamente econômicos. Aliás, o próprio ministro havia justifi cado isso, afi rmando “ser ilusório pensar que a luta no campo da escola deve realizar-se em igualdade de condições entre os alunos das diferentes classes sociais” (Bottai apud Jovine, 1980, p. 369). Segundo Bottai (1939, p. 34), uma escola igual para todos até os 14 anos seria demagógica, além de ser “fomentadora de ambições, criadora de uma massa de desocupados e descontentes, fator constante de desordem e de perturbação na vida econômica e social do país”. Como solução, a Carta della Scuola propõe a criação dos Collegi di Stato, internatos gratuitos, “cuidadosamente organizados em um estilo militar e fascista”, destinados a receber os melhores alunos das escolas artesanais e profi ssionais e oferecer-lhes um curso de integração que lhes possibilitasse ascender aos cursos superiores, inclusive universitários. Dessa forma, segundo Bottai (1939, p. 34), “o povo estaria em condições de ser representado, através de seus melhores, nas classes dirigentes do país”. Segundo Ostenc (1980, p. 352), tratava-se de um “paliativo”. Mas, muito mais que um paliativo, tratava-se de uma armadilha:

Os poucos membros da classe trabalhadora admitidos nos Collegi di Stato

seriam mantidos debaixo de uma estreita vigilância estatal, seriam educados

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no espírito da autoridade e da obediência e, ao mesmo tempo em que seriam

transformados em cães policiais do fascismo, dariam a este condições de

afi rmar que todos os estratos do povo italiano eram chamados a participar da

nova classe dirigente no Estado Corporativo [Borghi, 1974, p. 305].

A Carta della Scuola será muito bem recebida nos meios fascistas.

Um concerto de louvores acolhe a Carta della Scuola. [...] Todos se es-

forçam em demonstrar que a Carta da Escola não corrige, mas substitui uma

reforma Gentile completamente ultrapassada, ligada a uma sociedade liberal

e burguesa, feita para educar o cidadão e não o fascista, fundada sobre o saber

mais que sobre a fé política e formulada antes que a organização corporativa,

o Império e o partido abrissem novos horizontes educativos [Ostenc, 1980,

pp. 354-355]56.

Nos meios católicos, embora a atitude ofi cial da Igreja fosse de “uma prudente adesão” (Ostenc, 1980, p. 355), a imprensa católica manifestava sua satisfação pela importância atribuída, na Carta della Scuola, à famí-lia, pela manutenção da orientação humanística na educação destinada à formação das “personalidades dirigentes”, pela manutenção do latim na escola média e pela clara manifestação do desejo de estabelecer uma educação distinta para a mulher (Gentili, 1979, pp. 76-83).

Em fevereiro de 1939, Bottai exigirá a adesão dos professores aos novos princípios estabelecidos pela carta, destinada a operar “uma re-novação radical da escola fascista nos seus sistemas didáticos, nos seus métodos, na sua estrutura, no seu estilo”57.

Entretanto, esta “renovação radical” previsão de Bottai não se concre-tizará. A única concretização da Carta della Scuola será a escola média

56. São muitos os artigos elogiosos à Carta della Scuola na imprensa pedagógica fascista. Ver, por exemplo, La Carta della Scuola e la sua etica. Critica Fascista, anno XVII, n. 9, mar. 1939, pp. 130-131, e Padellaro (1939, pp. 5-11).

57. Circolare 16 febbraio 1939, n. 5, Bolletino Uffi ciale Del Ministero dell’Educazione Nazionale, n. 8, 21 fev. 1939, p. 425.

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única, regulamentada por um decreto de julho de 194058. Todo o restante fi cará na carta e será abafado pela guerra. Em julho de 1943, uma circular de Leonardo Severi, ministro da Educação do Governo Badoglio, abolirá a carta, iniciando, assim, o processo de desfascistização da escola, que se acentuará, a partir de 1945, pela atuação da Subcomissão de Educação do Governo Militar Aliado, dirigida por C. W. Washburne59. E, sintoma-ticamente, I Diritti della Scuola, no seu primeiro número após a queda de Mussolini, reclamará um “retorno” à Lombardo-Radice! (Masselli, 1943, pp. 403-404).

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58. Legge 1 luglio 1940, n. 889. Gazzetta uffi ciale del Regno d’Italia, n. 173, 1940.59. Washburne era professor do Brooklin College de Nova York. Deweyniano, tornou-

se conhecido pela experiência de ensino individualizado por ele desenvolvida em Winnetka. Sobre a atuação da Subcomissão de Educação do Governo Militar Aliado, ver Jovine (1980, pp. 398-404), Tomasi (1976, p. 14) e Washburne (1970).

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Endereço para correspondência:José Silvério Baia Horta

Rua 2, casa 2, Conjunto Jardim Primavera 1, quadra 1Parque 10 de Novembro – Manaus-AM

CEP 69054-230E-mail: [email protected]

Recebido em: 9 out. 2007Aprovado em: 18 fev. 2008

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A contribuição de Aléxis de Tocqueville por meio da obra A democracia

na América para a elaboração das argumentações de Tavares Bastos

sobre a organização escolar e político-institucional no Brasil

Josefa Eliana Souza1

*

Resumo:Neste artigo, objetiva-se demonstrar a contribuição que A democracia na América propiciou aos escritos de Tavares Bastos (1839-1875), no que se refere à escola como um ambiente indispensável à formação da unidade e identidade nacional e à discussão da educação como uma forma de integrar o imigrante à sociedade brasileira, temas também abordados por Aléxis de Tocqueville, no estudo realizado sobre a sociedade norte-americana. Percebe-se o uso por Tavares Bastos de idéias defendidas por Tocqueville especialmente no que se refere ao reordenamento político administrativo, à valorização do aparato jurídico, que deveria amparar as instituições do país, e, fi nalmente, à defesa do bem-estar social, da educação cívica e da liberdade, defendidos por Tavares Bastos (1975).

Palavras-chave:Aléxis de Tocqueville; Tavares Bastos; educação; unidade; identidade nacional.

* Doutora em Educação: História, Política e Sociedade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em educação, Universidade Federal de Sergipe. Professora titular III da Universidade Tiradentes (UNIT/SE).

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The contribution of Aléxis of Tocqueville’s book, The democracy

of America, to Tavares Bastos’s discussions about school and political-

institutional organization in Brazil

Josefa Eliana Souza

Abstract:The objective of this article is to show the contribution of The democracy of America in the writings of Tavares Bastos (1839-1875), which depicts the school as an indispensable environment for the construction of national unity and identity, as well as discusses education as a form of integrating the immigrant into the Brazilian society. Such themes were also dealt with by Aléxis de Tocqueville in his study of North-American society. It is noticeable that Tavares Bastos makes use of the ideas defended by Tocqueville, especially regarding political-administrative reorganization, the importance of the juridical apparatus, that should give support to the country’s institutions, and, fi nally, the defense of social welfare, civic education, and freedom, also defended by Tavares Bastos (1975).

Keywords:Aléxis de Tocqueville; Tavares Bastos; education; unity; national identity.

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O objetivo, com este estudo, é examinar a contribuição que a leitu-ra de A democracia na América propiciou aos escritos produzidos por Tavares Bastos (1938), no que se refere à escola como um ambiente indispensável para a formação da unidade e identidade nacional e na discussão que esse autor realizou, ao tratar a educação como uma forma de integrar o imigrante à sociedade brasileira, uma vez que esses temas suscitaram a atenção de Aléxis de Tocqueville, no estudo que realizou sobre a sociedade norte-americana.

Mas é pelas prescrições relativas à educação pública que desde o princí-

pio, vemos revelar-se com toda a sua clareza o caráter original da civilização

americana. Diz a lei: “Considerando que Satanás, o inimigo do Gênero hu-

mano, encontra na ignorância dos homens suas mais poderosas armas e que

é importante que as luzes que nossos pais trouxeram não fi quem sepultadas

em seu túmulo; considerando que a educação das crianças é um dos primeiros

interesses do Estado, com a assistência do Senhor” seguem-se as disposições

que criam escolas em todas as comunas e obrigam os habitantes, sob pena de

fortes multas, a tributar-se para sustentá-las [Tocqueville, 2001, p. 49].

Nessa afi rmação de Aléxis de Tocqueville (2001), percebe-se a rele-vância da educação no processo de constituição da sociedade norte-ame-ricana, assim como a profundidade que o espírito de religião e o espírito de liberdade desempenharam como destaca o autor. Tocqueville (2001), ao olhar para a Europa, viu com clareza que do lado de cá do Atlântico nascia uma nova sociedade com outros padrões de civilidade.

Impressionado por esses princípios, após a leitura de A democracia na América, Aureliano Cândido Tavares Bastos1 (1976a) revela, desde

1. Aureliano Cândido Tavares Bastos nasceu a 20 de abril de 1839, na cidade de Ala-goas, à época, capital da província de Alagoas, hoje Marechal Deodoro. Morreu em 3 de dezembro de 1875, em Nice, no sul da França. Em 1858, tornou-se bacharel pela Faculdade de Direito de São Paulo e em 1859 recebeu o grau de doutor em direito, com exposição e debate dos seguintes temas: “Sobre quem recaem os impostos lançados sobre os gêneros produzidos no país? Sobre o consumidor? O que sucede quanto aos gêneros importados e exportados?”. Com o apoio de José

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o início do lançamento das publicações que fez, interesse pela obra de Tocqueville (2001), que pode ser verifi cado na leitura dos variados panfl etos2 do autor/parlamentar alagoano, cujos temas também se fazem presentes na obra do escritor francês. Além de indícios, na produção bibliográfi ca de Tavares Bastos, de que ele tenha lido A democracia na América, não se pode deixar de considerar que ele pertenceu ao grupo dos representativos leitores brasileiros, a considerar os publicistas, políticos e intelectuais do Segundo Império que se interessaram pela referida obra.

A obra de Tocqueville (2001) não demorou a entrar em circulação no Brasil após sua publicação, em 18353, data do lançamento do primeiro tomo. Foi o primeiro livro publicado por Tocqueville, resultado da via-gem que esse francês empreendeu, juntamente com o amigo Gustave de Beaumont, aos Estados Unidos da América.

Em maio de 1831, os dois jovens magistrados embarcaram no porto de Havre (França), incumbidos da missão, a eles confi ada pelo Ministério da Justiça, de examinar as instituições penitenciárias norte-americanas. A missão foi coroada por um “relatório”, remetido aos poderes públicos e publicado em seguida em dois tomos, com o título A democracia na América. O primeiro é dedicado principalmente à descrição analítica das instituições norte-americanas, e, no segundo, publicado em 1840, o autor

Antonio Saraiva (1823-1895) e João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu (1810-?) ingressou na vida parlamentar, em 1861, como deputado pela província de Alagoas e exerceu três legislaturas seguidas. Com a dissolução da câmara em 16 de julho de 1868, deixou a carreira parlamentar sem, contudo, se afastar dos vínculos que o mantiveram ligado aos problemas políticos, econômicos e sociais do país. Publicou vários panfl etos, pelos quais expunha refl exões acerca do país, de 1861 até o ano de 1873 (cf. Souza, 2006).

2. Entre os anos de 1861 a 1873, Tavares Bastos publicou oito panfl etos: Os males do presente e as esperanças do futuro (1861), Cartas do solitário (1862), O vale do Amazonas (1866), Memória sobre imigração (1867), A província (1870), A situação e o Partido Liberal (1872), A reforma eleitoral e parlamentar (1873) e A constituição da magistratura (1873).

3. Dedução construída a partir da afi rmação que segue: “Seu [de Aléxis Tocqueville] primeiro livro, American Democracy (1834), foi quase espontaneamente um best-seller na Europa Ocidental” (Barbu, 1982, p. 11).

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ocupou-se de um conhecimento mais abstrato, verifi cando a contribuição da democracia sobre os costumes e os hábitos americanos.

Aléxis Charles-Henri-Maurice Clérel de Tocqueville nasceu em Paris, a 29 de julho de 1805, e morreu em Cannes, a 16 de abril de 1859. Por parte do pai, pertencia à pequena nobreza da Normandia, e por parte da mãe, tinha ligações próximas com os Malesherbes. Teve uma infância repleta de recordações tenebrosas dos acontecimentos dos primeiros anos da revolução, por terem sido seus pais aprisionados e seu avô materno, o marquês de Rosambo, morto na guilhotina em defesa da liberdade, igualdade e fraternidade (Barbu, 1982, pp. 12-13).

Em que pesem os embaraços motivados pelas circunstâncias, Tocque-ville integrou-se com a nova sociedade, inicialmente como magistrado, depois como membro do parlamento na fase da monarquia orleanista e também como secretário de Assuntos Estrangeiros, num período pe-queno, durante a Segunda República. Barbu (1982), na apresentação da obra O Antigo Regime e a Revolução de Aléxis de Tocqueville, afi rma que o pensador francês

era um liberal convicto, o que, no contexto de sua época, signifi cava a

favor da Restauração e contra as classes médias, tendo-se em vista os seus

laboriosos esforços para atingirem uma posição de dominação política.

Desapontado com a orientação política da França, particularmente durante

o período da Restauração, abandonou a vida política como protesto contra o

coup d’Etat de Luís Bonaparte, e com o objetivo de dedicar-se ao estudo da

História [Barbu, 1982, p. 13].

Tocqueville era formado em direito e publicou, em 1835, Ensaio sobre a pobreza e O Antigo Regime e a Revolução, em 1856. Os escritos deixados pelo referido autor revelam a extensão do interesse dele na viagem que empreendeu para os Estados Unidos da América. O autor explicita que, muito mais que se informar acerca do sistema penitenciário norte-americano, o interesse era ver, in loco, como se desenrolavam, nos Estados Unidos, os ideais de igualdade e de liberdade, como, na práti-ca, essa questão estava sendo trabalhada pelos norte-americanos. Em

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Tocqueville (2001), evidencia-se também a pequena comunidade política, uma vez que nela é possível proporcionar a solidariedade tão necessária para incentivar a prática da virtude cívica e a preservação da liberdade.

Algumas dessas questões foram vistas por Tavares Bastos (1975) e permitiram que ele elaborasse uma compreensão acerca da realidade brasileira. O entendimento do deputado alagoano revelou-se indispen-sável para o que ele formulou sobre o papel das províncias no âmbito da organização política, administrativa e social do Brasil do século XIX. Assim, questões como: a descentralização administrativa, o papel das leis para o funcionamento das instituições e a importância da escola na discussão dos costumes e hábitos, assim como na formação do “caráter nacional” da população, foram aspectos privilegiados por Tavares Bastos (1975) como foram para Tocqueville (2001).

A escola como um ambiente para a formação da unidade e identidade nacional

Tavares Bastos (1976a) havia compreendido que a degeneração moral do país era um problema a ser solucionado e que a escola poderia exercer um papel fundamental para isso. Nesse sentido, entendia que a instituição escolar seria uma fonte na qual a criança e o jovem poderiam beber as informações que propiciariam a formação moral, intelectual e política, necessárias para um cidadão realizar os próprios projetos e atender as neces-sidades da sociedade brasileira na busca do caminho para a civilização.

O autor/parlamentar havia percebido que o Brasil tinha herdado alguns problemas provenientes do atraso motivado pela colonização portuguesa. Ressaltava que a metrópole passara por uma espécie de “desfalecimento silencioso” que lhe motivara a ganância pelo ouro. Entretanto, à imagem da exploração material somava-se a do estímulo à degeneração moral. O fato de ser uma sociedade marcada pela indolência, ignorância e servilismo havia transformado “a independência pessoal em crime de lesa-majestade”, afi rma Tavares Bastos (1976a, p. 31) em Os males do presente e as esperanças do futuro.

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Segundo ele, a escravidão estava inserida nesse quadro de explora-ção e degeneração. A escravidão do indígena e do negro, além de alterar completamente a ordem natural do trabalho, promovia a degeneração moral com tal profundidade que entendia ser a “maior corrupção dos costumes” (Tavares Bastos, 1976a, p. 31) em uma sociedade em for-mação, como era o caso da brasileira. Por isso, era preciso tratar urgen-temente da inserção do Brasil na órbita das civilizações que primavam pela valorização da igualdade, do progresso e nas quais a liberdade era um princípio valioso.

Desse modo, Tavares Bastos (1976a) chamava a atenção dos seus pares ao argumentar em favor da liberdade que deveria prevalecer nas instituições brasileiras. E o modelo de liberdade que ele considerava essencial para que o Brasil tomasse como referente era o dos Estados Unidos da América. “O exemplo dos Estados Unidos caracteriza bem o nosso pensamento. Sim, não conhecíamos o espírito público, nem a liberdade do indivíduo, ao começar este século” (Tavares Bastos, 1976a, p. 32). Com, isso, o autor indicava o lugar para onde se devia olhar e pensar nas transformações que poderiam ser operadas no Brasil.

Era preciso superar a herança e modifi car a sociedade brasileira. Era preciso formar homens modernos, com consciência pública, espírito de iniciativa e liberdade individual. Carecia, pois, suplantar aquela menta-lidade nefasta, atrasada que havia produzido homens dependentes, servis e sem a necessária compreensão do que era a coisa pública e como o país poderia alcançar outro patamar. Ou seja, esse país, segundo Tavares Bastos (1938), precisava de homens que tivessem cultura cívica.

Para ele, os Estados Unidos da América representavam o ideal da cultura cívica e era o mais eloqüente exemplo de sociedade em que essa cultura tinha raízes bastante profundas e estava entranhada na alma do povo. Assim, para pensar a reforma moral a ser instituída no Brasil, Tavares Bastos (1938) considerou a necessidade de formar a criança e o jovem em uma cultura moral e cívica, tal qual acontecia na sociedade norte-americana, que chamou a atenção de Tocqueville (2001).

Mas, para que isso se realizasse, o deputado alagoano percebeu que era necessário que a instrução pública fosse disseminada em todo o terri-tório nacional. Cuidar dos interesses do povo, acabar com a “mesquinhez

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da instrução” e retirar os projetos enterrados na burocracia estatal, acabar com os “tristes hábitos e os expedientes da inércia [...], fundando, por toda a parte, escolas, preparando, em suma, o caminho da liberdade, a exaltação da democracia” (Tavares Bastos, 1975, p. 201). Essa era uma tarefa a ser realizada, segundo esse autor, pelo governo central.

Contudo, o autor tinha convicção e já havia expressado, em diver-sas oportunidades, o quanto considerava antiquado o funcionamento da máquina estatal, em que pese não fosse contrário ao regime político implantado no Brasil – a monarquia, embora não concordasse com a forma como o estado funcionava. A estrutura burocrática e centralizada consistia em um dos maiores elos da tradição funesta presente na mecâ-nica do Estado brasileiro. E, por isso, era uma barreira na articulação do povo-nação. Nessa direção, a perspectiva de transformação era possível por meio da educação pública generalizada e implantação de escolas técnicas e agrícolas, respeitando, assim, as diferenças regionais. Essa medida poderia confi gurar uma das possibilidades de instituição de la-ços e vínculos de identidade nacional, proporcionando unidade moral, a essência de uma nação.

Contudo, identifi ca-se, na visão de Tavares Bastos (1975), um fator de impedimento da realização da escola pública, que advinha da natureza do Estado brasileiro e manifestava-se na excessiva centralização político-administrativa, que se confi gurava como sendo um dos maiores entraves para a conformação da escola pública. Contrário a essa situação, Tavares Bastos (1975) defendia a reorganização político-institucional do Estado, como um ponto de apoio;

Quanto a nós, não há outro; é a autonomia da província. Votai uma lei

eleitoral aperfeiçoada, suprimi o recrutamento, a guarda nacional, a polícia

despótica, restabelecei a independência da magistratura, restaurai as bases do

código do processo ou aboli o poder moderador; - muito tereis feito, muitíssi-

mo, pela liberdade do povo e pela honra da nossa pátria: mas não tereis ainda

resolvido este problema capital, ecúleo de quase todos os povos modernos:

limitar o poder executivo central às altas funções políticas somente [Tavares

Bastos, 1975, p. 29].

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Percebe-se, por essa afi rmação, que o autor, embora defendesse a efetivação de outras reformas e as considerasse necessárias, destacava o reordenamento político-institucional, assentado no princípio federativo, que dava a conotação de reforma indispensável na sua consideração. Nesse sentido, pode-se afi rmar que o modelo de centralização política e administrativa aplicado pelo Estado brasileiro foi analisado, por Tavares Bastos (1975), com base nas críticas e à luz das idéias defendidas por Tocqueville (2001) acerca das instituições norte-americanas.

O autor francês, ao trabalhar numa perspectiva comparativa entre os diferentes modelos, evidenciava as características da democracia francesa em relação à das democracias americana e inglesa. E Tavares Bastos (1975), por sua vez, analisava a centralização política e administrativa do Brasil, no Segundo Império, com o olhar voltado para os Estados Unidos da América.

Tavares Bastos já havia compreendido a dimensão das idéias de-fendidas por Tocqueville (2001) para discutir a questão da centralização versus descentralização, afi rmando, com clareza, em 1862:

Ninguém pretende certamente repudiar a centralização governamental

ou política, segundo a diferença introduzida pelo autor de A democracia na

América. Mas é impossível não combater a centralização administrativa. Ela,

com efeito, compreende assunto mais vasto, do que geralmente se costuma

ligar à palavra [Tavares Bastos, 1938, p. 44].

Tavares Bastos (1938), ao referir-se à “diferença introduzida pelo autor...”, certamente estava alertado pelo argumento do pensador francês, quando esse trata “Dos efeitos políticos da descentralização administrativa nos Estados Unidos” (no capítulo V do primeiro tomo). Nesse capítulo, Tocqueville (2001) alertava que a centralização era uma palavra muito utilizada, naquele momento, mas com sentido impreciso. Isso justifi ca por que considerou necessário esclarecer seu entendimento acerca do conceito.

O pensador francês acreditava que uma das centralizações era ne-cessária para a prosperidade da nação: “quanto a mim não conseguiria

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conceber que uma nação seja capaz de viver nem, sobretudo, de prosperar sem uma forte centralização governamental” (Tocqueville, 2001, p. 99), embora não atribuísse importância ao outro tipo de centralização – a ad-ministrativa, por defender que promovia o enfraquecimento dos povos, diminuía o espírito de cidadania e era nociva à reprodução das forças. Defendia que a centralização administrativa poderia até contribuir para a grandeza breve de um indivíduo, mas não para a prosperidade perma-nente de um povo.

No que se refere ao uso da descentralização administrativa e à cen-tralização governamental, Tocqueville (2001) exemplifi ca, mostrando o modelo norte-americano:

Vimos que nos Estados Unidos não existia centralização administrativa. Lá

mal encontramos o indício de uma hierarquia. A descentralização foi levada a

um grau que nenhuma nação européia seria capaz de suportar, penso eu, sem

profundo mal-estar, e que inclusive produz efeitos importunos na América.

Mas, nos Estados Unidos, a centralização governamental existe em alto grau.

Seria fácil provar que a potência nacional está mais concentrada aí do que em

qualquer das antigas monarquias da Europa [Tocqueville, 2001, p. 100].

Verifi ca-se que, ao tratar da centralização governamental, Tocqueville (2001) explica com os Estados Unidos, onde, em cada Estado, existia apenas um corpo que elaborava as leis, apenas um corpo era capaz de criar vida política em torno de si, evitando, dessa forma, a reunião de numerosas assembléias de distritos ou condados, para que essas não caíssem na tentação de extrapolar as suas funções administrativas e obstruíssem a ação do governo. A legislatura de cada Estado não tinha, segundo Tocqueville (2001), privilégios, imunidade local, nem infl uên-cia pessoal. Ao seu lado e sob sua mão estava o representante do poder executivo que, apoiado pela força material, tinha a obrigação de fazer a lei ser cumprida pelos desobedientes.

O escritor francês avalia que era por meio das esferas da ação social que o cidadão norte-americano poderia exercer a cidadania e aprender a arte da política. Compreendia o papel relevante das instituições da esfera

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social, comparando com as condições que viu na França, de sua época. Lá, as instituições intermediárias haviam sido destruídas pela sanha da revolução francesa.

Já segundo Tavares Bastos (1938), o momento mais importante para o projeto da descentralização havia sido, no Brasil, o ato adicional, assi-nado em 10 de agosto de 1834, por ele denominado, na quarta carta, de “bula de ouro”. O ato adicional poderia ser interpretado como o momento das conquistas democráticas, que vinham sendo preparadas, desde 1832, pela geração que havia efetuado a independência e tentado operacionali-zar a descentralização do poder. Portanto, era contrário aos que tinham considerado a descentralização, um “pensamento desconexo e isolado na história do nosso desenvolvimento político” (Tavares Bastos, 1975, p. 63). Para ele, a lei, inspirada pela democracia, tinha abolido o Conselho de Estado, decretado uma regência nomeada pelo povo, propiciando à sociedade brasileira o ensaio do governo eletivo durante algum tempo, além de ter criado o poder legislativo provincial. Esse, porém, tornou-se limitado, porque estava preso às mãos do Poder Executivo, já que os presidentes de províncias continuavam nomeados pelo imperador.

Na quarta carta, Tavares Bastos (1938), objetivando esclarecer os danos causados pela centralização no âmbito das províncias, dedica-se a mostrar também o quanto era importante o desenvolvimento não só material, mas também moral das unidades administrativas. No entendi-mento dele, o poder transformador do ato adicional era muito importante e, se pensado a partir das necessidades do povo brasileiro, poderia ser extremamente benéfi co se colocado em prática. Mas, no que se refere à autonomia das províncias, ele constata o quanto elas puderam usufruir:

Percorremos os atos legislativos de algumas das maiores províncias no

período de 1835 a 1840. Encontramos leis organizando as novas repartições,

erigindo cadeias, fundando templos, abrindo escolas, construindo estradas e

melhorando rios [...] Tinham as províncias iniciativas para abrir o caminho

ao progresso; de si mesmas dependia o seu porvir: não fi cariam a desfalecer

aguardando o ilusório impulso do governo central [Tavares Bastos, 1975,

p. 67].

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O ato adicional teria sido positivo, também, em termos educa-cionais, pois havia descentralizado a educação primária e secundária, deixando a sua gerência a cargo das províncias, à exceção do Colégio dom Pedro II, que continuava sob a autonomia da Corte. Era esse colégio que deveria servir de parâmetro para todos os demais do país dedicados ao ensino secundário. Entretanto, o ensino ministrado no Colégio dom Pedro II foi, portanto, durante todo o Império um padrão ideal. O padrão real foi fornecido pelos preparatórios e exames parce-lados (Haidar, 1972).

Na análise de Tavares Bastos (1975), o ato adicional, ao permitir que as assembléias provinciais criassem novas escolas elementares, secundárias e superiores, favorecia a possibilidade de colocar o Império brasileiro ao lado das nações civilizadas e modernas. No entanto, o que se verifi cou foi uma partilha das atribuições entre a Assembléia Legislativa Geral e as Assembléias Legislativas das Províncias. Estas fi caram com a educação primária e o curso de formação de professores, cabendo o controle tanto do ensino superior quanto das aulas do Colégio dom Pedro II à Assembléia Geral e aos ministros do Império.

Ao analisar as difi culdades criadas pelos presidentes de província, Tavares Bastos (1975) percebe que muitas das medidas adotadas por eles eram norteadas muito mais pela preocupação política do que pela intenção de bem servir aos interesses das províncias. Nesse sentido, o deputado era um crítico da incapacidade, do despreparo e da instabilidade dos presidentes de província – chamados por ele de delegados do poder central. Por esse motivo, o parlamentar alagoano era defensor da eleti-vidade dos presidentes de província, tendo apontado, em seus escritos, as mazelas oriundas das nomeações efetuadas pelo governo central. A afi rmação que segue é elucidativa no que concerne a esse aspecto:

inábeis e fúteis são tantos dos presidentes nomeados pelo governo im-

perial que, sem hipérbole, poder-se-ia dizer que o povo, inda que quisesse,

não elegeria piores. Alguns conhecemos literalmente ignorantes de qualquer

ciência ou arte; outros que nem aprenderam a gramática; muitos que não

brilhavam por seus costumes privados... Não; piores não pode haver que os

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governadores daqui enviados a perverter, atrasar, endividar e desgovernar as

províncias [Tavares Bastos, 1975, p. 92].

Por isso, ele defendia que, se eleito, o presidente de província exerceria suas funções dentro de um mandato de quatro anos, “como em grande número dos Estados Unidos” (Tavares Bastos, 1975, p. 90). Com isso, acabaria a instabilidade deplorável que reinava nas províncias brasileiras.

Na república norte-americana, os governadores, secretários e altos fun-

cionários que o presidente nomeia para os territórios, servem quatro anos,

com quanto possam ser exonerados antes. Nos estados constituídos, todos os

altos funcionários têm um período fi xo, exceto se destituídos em virtude de

processo. Imagina-se a segurança que daí resulta para a marcha administrativa,

e sua benéfi ca infl uência na promoção de melhoramentos públicos [Tavares

Bastos, 1975, p. 90].

Para o autor, enquanto nos Estados Unidos a marcha administrativa funcionava de modo que respeitasse o direito do contribuinte que manti-nha aquela estrutura, no Brasil, a imobilidade emperrava o funcionamento da máquina administrativa e a vida do cidadão. A estrutura administrativa tornava o funcionário perpétuo, em que pese possa ser registrado um “troca-troca” de presidentes, chefes de polícia e outros empregados. Esses fatos não se verifi cavam somente pela inconstância política, que não cessava de nomear e demitir ministérios, mas considerava que a instabilidade era, às vezes, conveniência política “para o poder e alívio do povo, quando ambos libertam-se de administradores cuja conservação fora insuportável ou perigosa” (Tavares Bastos, 1975, p. 91), sendo, por vezes, vista como um mal necessário.

Mesmo assim, o autor não perdia de vista os “sacrifícios” impostos pela “organização viciosa” que, repetidas vezes, promovia lamentações na imprensa e na tribuna parlamentar. Nesse sentido, afi rmava a neces-sidade que tinham as províncias de um impulso efi caz para executarem melhorias reais e acabar com os comprometimentos e a fraseologia ofi cial que consumiam o tempo e a paciência do povo, para quem faltam

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a instrução primária, professores idôneos, casas, livros de escola, e não

existe a secundária quase em parte alguma, não obstante assinalar-se cada

presidência por um novo regulamento para as escolas públicas; que, fi nal-

mente, em ofícios, intrigas eleitorais e viagens de recreio passam esses breves

governos de uma estação. O lugar comum é aqui a viva expressão da realidade

[Tavares Bastos, 1975, p. 91].

Tavares Bastos (1975) entendia que o poder arbitrário do governo era uma das fontes da opressão e da decadência moral do povo brasileiro. Por isso, defendia a necessidade de promover a recuperação moral do povo. Essa recuperação, segundo ele, seria possível pela aquisição de conhecimento, que propiciaria novos costumes, novos hábitos, além da formação cívica. A união desses fatores constituiria o “caráter nacional” da população. A fi m de que isso fosse efetivado, a instrução pública deveria ser promovida pelos poderes municipais e, principalmente, provinciais.

A defl agração do processo reformista e de expansão do sistema de ensino não poderia, durante a fase inicial – “período dos primeiros ensaios” –, prescindir do auxílio do poder central “ao menos em favor das menores províncias” (Tavares Bastos, 1975, p. 158).

Defendia que a educação no país precisava ser reformada, em decor-rência de uma série de problemas, a exemplo da insufi ciência do número de escolas, da falta de preparo pedagógico dos professores, das verbas limitadas para o funcionamento adequado das escolas, das sinecuras nas nomeações de professores e administradores escolares, da inadequação dos programas de ensino, da necessidade de escolas técnicas etc.

A preocupação de dar conta desses problemas decorre do fato que carecia alimentar não somente os corpos dos homens, mulheres e crianças do interior e das cidades, mas o espírito, por meio do “derramamento da instrução elementar e dos conhecimentos úteis”, pois esses eram as marcas da “medida de progresso de um povo”, que o retiraria da deca-dência moral a que estava submetido, e porque difundiriam princípios de civilização (Tavares Bastos, 1938, pp. 58-73).

Esses fatos e essas idéias levaram o parlamentar a questionar as

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medidas adotadas pelos presidentes de províncias no país. Ele achava que havia uma certa inércia por parte desses representantes do governo central que, erradamente, escolhia pessoas para governar as províncias obedecendo às regras da amizade ou as preferências partidárias. Essas atitudes do governo de Pedro II acabavam promovendo um descompro-misso do governante em relação à coisa pública. Por isso, Tavares Bastos (1938) defendia a eletividade dos presidentes de província, assim como uma reforma no âmbito educacional.

Entre as medidas sugeridas por Tavares Bastos (1938), para repa-rar imediatamente alguns dos problemas já citados, estavam: reduzir o número de cadeiras, remunerar bem o professorado, destituir os mestres que fossem considerados inábeis para o exercício do magistério, contratar professores nacionais ou estrangeiros para enriquecer o quadro de educa-dores, já que eles trariam conhecimentos e experiências indispensáveis para o fortalecimento moral das crianças, contribuiria na formação de novos costumes e hábitos, além de sedimentar o “espírito cívico” na estruturação do “caráter nacional” da população brasileira.

A idéia do progresso, assim como a de colocar o país no patamar das nações mais civilizadas, aparece de forma latente em textos do parlamentar alagoano que, freqüentemente, recorre ao modelo norte-americano para apontar o caminho no qual o Brasil deveria se espelhar (Tavares Bastos, 1938, 1975, 1976b). Ao tratar da estrutura das escolas brasileiras, ele observava que os norte-americanos poderiam ensinar a modifi car os prédios das Escolas Normais, caso fosse dedicada atenção à school-house. Para Tavares Bastos (1938), cabia ao governo brasileiro aparelhar e estruturar, de modo adequado, as Escolas Normais do país, pois nelas seriam formados os futuros profi ssionais do magistério:

um pequeno edifício circular, acomodado as leis da acústica, em anfi tea-

tro e com os repartimentos necessário; essas escolas normais seriam a fonte

abundante de onde sairiam meninos bem educados e ilustrados, que, dentro

de pouco tempo, se derramariam pelos campos e pelo interior, facilitando a

seus habitantes a aquisição de bons professores. É este o sistema adotado

nos estados da União Americana. O que atualmente praticamos é, como tudo

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entre nós, uma simples aparência para iludir os olhos do povo. Desde que essa

idéia entrasse nos planos administrativos dos governos, preocupados, aliás,

com os meios de corromper as câmaras e de ganhar eleições; desde que ele

a recomendasse efi cazmente a seus delegados, operar-se-ia no Brasil a mais

salutar das revoluções [Tavares Bastos, 1938, pp. 64-65].

Constata-se que a educação, para Tavares Bastos (1938), era tão relevante quanto o desenvolvimento industrial ou os avanços da agri-cultura para avaliar o progresso de um país. Na verdade, entendia que uma profunda transformação poderia ser operada no seio da sociedade brasileira. Uma “revolução” pacífi ca, que atingiria diversos setores so-ciais e proporcionaria um aumento de consciência e elevação moral. A revolução possibilitaria a formação de uma gente mais preparada não somente para as tarefas materiais, mas para a compreensão do papel de cidadão que teria o direito de exercer.

Por isso, a busca do aperfeiçoamento deveria ter espaço reservado dentro das escolas brasileiras, as quais, segundo Tavares Bastos (1938), careciam de um programa de estudos moderno e afi nado com os interesses do momento, afi nado com as idéias que valorizassem as disciplinas de cunho científi co. Criticava o ensino daquelas que considerava pouco úteis aos jovens estudantes, por serem mais voltadas à formação humanística e trazerem poucos resultados práticos.

Nos textos que publicou, ele evidencia o interesse pelos problemas que afetavam a instrução primária, questionando o sentido da aplicação cotidiana dos conhecimentos lá obtidos, ao dizer da necessidade de uma instrução voltada para o conhecimento científi co e prático, ao passo que avaliava ser o ensino nas províncias bastante onerado por aulas dispen-sáveis: de latim, retórica e poética (Tavares Bastos, 1938).

Percebe-se que, nesse aspecto, o autor diferenciava-se de Tocqueville (2001), uma vez que este defendia o estudo da literatura grega e latina nas escolas, porque as considerava importantes para melhorar o conhe-cimento das sociedades democráticas. Ele entendia que não havia uma literatura que desse destaque mais ao estudo das democracias do que a da Antigüidade. Ao tempo que fazia essa análise, compreendia também que

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“um estudo pode ser útil à literatura de um povo e não ser apropriado as suas necessidades sociais e políticas” (Tocqueville, 2001, p. 72), dado que o interesse dos indivíduos, nas sociedades democráticas, assim como a segurança do Estado, exige que a educação da maioria da população tenha um caráter menos literário e mais científi co, comercial e industrial.

Desse modo, apesar de defendê-lo, via com restrições o ensino da literatura grega e latina, em razão da forma como essas disciplinas eram ministradas, sendo as universidades, segundo Tocqueville (2001), o lugar mais apropriado para o ensino da literatura antiga, em contraposição ao colégio. Nas palavras do autor francês,

o grego e o latim não devem ser ensinados em todas as escolas; mas é

importante que aqueles cuja natureza ou fortuna destina a cultivar as letras

ou predispõe a apreciá-las encontrem escolas em que possam se apossar

perfeitamente da literatura antiga e fazer-se impregnar inteiramente por seu

espírito. Algumas universidades excelentes valeriam mais para atingir essa

meta, do que uma multidão de maus colégios, em que estudos supérfl uos mal

feitos impedem fazer estudos necessários [Tocqueville, 2001, pp. 72-73].

Na obra A província, Tavares Bastos (1975) retoma a discussão acerca do estudo das línguas mortas. Continua afi rmando que as duas línguas (grego e latim) não deveriam ser ensinadas nas escolas públicas e recorre à necessidade de tornar o ensino livre, para argumentar que não faltariam colégios particulares, onde as classes abastadas pudessem man-dar “educar e aperfeiçoar seus fi lhos no gosto da Antigüidade” (Tavares Bastos, 1975, p. 157). Porém, assim como Tocqueville (2001), criticava a forma como eram ministradas as aulas sobre as línguas mortas.

Tavares Bastos (1938) não colocava o estudo do latim e do grego na ordem do dia, pois, por compreender o quadro das necessidades bra-sileiras, percebia que, antes de fazer investimentos para promover uma instrução “desinteressada”, era preciso contemplar as prioridades. No entanto, defendia que a liberdade de ensino das línguas clássicas propi-ciaria às classes abastadas a possibilidade de aperfeiçoar seus fi lhos no “gosto da Antigüidade”, para o que haveria as escolas particulares.

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O que é possível apreender é que tanto Tocqueville (2001) quanto Tavares Bastos (1975) compreendiam a importância do uso do latim para aprofundar o conhecimento acerca da Antigüidade. Entretanto, percebiam que as exigências do cotidiano moderno, mais direcionadas para setor da produção material, tinham modifi cado os requisitos das exigências para o homem que iria atuar em determinados setores que, como afi rma Tocqueville (2001, p. 72), exigia “que a educação da maioria da população [tivesse] um caráter menos literário e mais científi co, comercial e indus-trial”. Algo semelhante havia defendido Tavares Bastos (1938, p. 63), ao sugerir a “aquisição de conhecimentos úteis” na instrução primária, assim como as ciências positivas, física, mecânica, as matemáticas e a economia política, por entender que essas eram as disciplinas fundamentais para a formação de uma sociedade civilizada e amante do progresso.

O foco deveria recair sobre a necessidade de promover, no país, a reforma que instauraria novo reordenamento político-institucional, assentado no princípio federativo. Constituída a federação, a realiza-ção do poder provincial derivaria de uma reforma institucional, com a distribuição do poder pelas várias unidades do país: as províncias. Desse modo, o poder local teria como missão cívica instituir a reforma educacional que proveria o espírito cívico e a unidade nacional e, assim, realizar-se-ia na prática a verdadeira “escola de liberdade”, como aponta Tocqueville (2001).

Na concepção de Tocqueville (2001), essa “escola de liberdade” institui-se a partir da realização da vontade, do interesse e da virtude cívica do homem, quando opta pela participação política no âmbito do poder local, a comuna. Ela representa o “foco de febril atividade social e de sadia emulação” (Rodriguez, 1998, p. 99), pois é nela que se realiza a competição sadia das idéias, das discussões acerca das decisões que dizem respeito a todo e qualquer cidadão a ela pertencente.

Tocqueville (2001) destaca que o papel das instituições políticas locais é o de fazer com que o cidadão aprenda a utilizar correta e responsavelmente o direito à liberdade, para o que era importante que o cidadão percebesse as vantagens que poderiam advir do uso responsável da liberdade. Mas, mais que isso, caberia plantar, no cidadão, o amor à liberdade, que se efetivaria

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ao praticá-la e, para Tocqueville (2001), só a prática da liberdade poderia desenvolver o gosto pelo debate e pela ação política e ver a liberdade de ação como um valor possível de ser alcançado.

Contudo, mais do que fortalecer a democracia da comuna, o que Tocqueville (2001) via era a possibilidade de formação e de amadureci-mento do corpo eleitoral, instrumento indispensável para que a demo-cracia se consolidasse no âmbito nacional. Isso representa, segundo o autor, renunciar ao hábito de dirigir por si mesmo e habilmente escolher aqueles que o devem conduzir.

A capacidade do exercício da cidadania do brasileiro não foi marginalizada por Tavares Bastos (1975), pois, por meio das reformas constitucionais, defende a presença de instituições capazes de garantir os direitos do cidadão, visando entre outras salvaguardas à livre mani-festação política.

No entanto, a expressão da liberdade dependia, segundo o autor alagoano, da capacidade que o brasileiro teria de escolher os seus re-presentantes. E, nesse sentido, a consolidação de um sistema político pautado na liberdade dependeria, na sua base, da capacidade de escolha manifestada pela população.

Assim, à escola caberia parte da responsabilidade na formação desse cidadão habilitado para o exercício da política. Outra contribuição poderia ser obtida na própria participação do cidadão em instituições como a impren-sa, reuniões ou associações de qualquer natureza, ou no parlamento. Mas, o ponto de destaque do cidadão seria a liberdade de opinião e a capacidade de aprender com a experiência obtida no exercício da cidadania. A prática constante desse exercício daria a formação e a unidade que o brasileiro carecia, no sentido de construir a unidade e a identidade nacional.

A educação como meio de integração do imigrante na sociedade brasileira

Assim, o europeu deixa sua casinha para ir habitar nas orlas transatlânti-

cas, e o americano que nasceu nessas mesmas costas penetra por sua vez nas

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solidões do centro americano. Esse duplo movimento de imigração não pára

nunca: começa no fundo da Europa, continua no grande oceano, prossegue

através das solidões no novo mundo [Tocqueville, 1938, p. 330].

Assim como Tocqueville (1938), que percebeu no imigrante um instrumento de ordem e prosperidade e que poderia estar no amálgama da sociedade norte-americana, compondo um sentimento de coesão e de marcha para fortuna material e espiritual, Tavares Bastos (1976b) via na imigração um instrumento de grande relevância para a construção da nova civilização política brasileira. Assim como as transformações materiais que planejava ver realizadas, com a fi nalidade de ver o país transpor as barreiras do atraso e se inserir na “órbita da civilização”, a presença do imigrante estrangeiro era apontada pelo deputado como um dos elementos que comporiam o leque das reformas que deveriam ser colocadas em prática na segunda metade do século XIX.

Constata-se que, segundo Tavares Bastos (1938), a cultura norte-americana, e, especialmente, a educação norte-americana, era de funda-mental importância para pensar os caminhos que poderiam ser tomados pela educação pública para organizar e delimitar a função do aluno, fosse ele criança ou jovem, no conjunto das mudanças que deveriam ser adotadas, assim como o papel do professor e a organização que seria imposta, caso o modelo norte-americano fosse institucionalizado.

Uma das soluções apresentadas pelo parlamentar alagoano, para fazer com que o Brasil se aproximasse cada vez mais dos princípios culturais norte-americanos, e o meio de viabilizá-la, era abrir as portas do país para os imigrantes. Esse fato consubstanciar-se-ia com a elabo-ração de leis que permitissem a emigração e a fi xação dos estrangeiros em terras brasileiras.

Além dessa medida, outro meio de promover a aproximação entre brasileiros e os norte-americanos seria facilitando as comunicações entre uns e outros. Essa foi uma das razões que justifi cou a defesa de Tavares Bastos (1938) à abertura do Rio Amazonas para o estrangeiro. Essas medidas trariam modifi cações profundas para a sociedade brasileira, pois, segundo o parlamentar alagoano, era “preciso mudar de hábitos,

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[era] preciso pôr outra alma no corpo brasileiro” (Tavares Bastos, 1938, p. 414).

Verifi ca-se que o contato do Brasil com os povos norte-americanos, germânicos, ingleses e irlandeses enriqueceria, segundo Tavares Bastos (1938), moralmente o brasileiro, não somente pelo acesso a outros há-bitos e costumes, mas também porque outras leis seriam promulgadas a fi m de propiciar a “mais plena liberdade religiosa e industrial” (Tavares Bastos, 1938, pp. 414-415).

Certamente, pode-se afi rmar que a leitura da obra de Tocqueville (2001) contribuiu bastante para a defesa apresentada por Tavares Bastos (1938) acerca da moralização dos costumes e da sua institucionalização pelas leis elaboradas no país, uma vez que esses dois pontos haviam sido apontados pelo autor francês como fundamentais na construção da sociedade e da democracia americana. Quanto aos costumes, entendia Tocqueville (2001, p. 338), como “todo o estado moral e intelectual de um povo”, ao tempo em que considerava “uma das grandes causas gerais a que se [podia] atribuir a manutenção da república democrática nos Estados Unidos”.

Observa-se que, para Tocqueville (2001), a educação pública teve um papel destacado para a consolidação da democracia na formação da sociedade norte-americana. Essa avaliação pode ser claramente perce-bida nas próprias palavras do autor; “mas é pelas prescrições relativas à educação pública que, desde o princípio, vemos revelar-se com toda a sua clareza o caráter original da civilização americana” (Tocqueville, 2001, p. 49).

Como foi a Nova Inglaterra, a comuna, que o autor francês utilizou como o modelo nos dois tomos de A democracia na América, ele in-forma que, desde 1650, essa comuna estava completa e defi nitivamente constituída e foi dessa unidade que destacou um decreto, que trazia, em seu preâmbulo, uma observação às leis divinas, mostrando que estas (a religião) conduziriam o homem para o caminho da liberdade.

Tocqueville (2001) explica que, a partir dessa prescrição legal e geral, disposições orientaram a sociedade americana no sentido de criar escolas em todas as comunas, obrigando os habitantes, sob fortes penas

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de multas, a pagá-las para que fossem sustentadas. Na interpretação da lei, percebe-se que a ignorância foi vista como uma arma poderosa do demônio e, por isso, era necessário que as luzes, os conhecimentos trazidos pelos imigrantes, não fi cassem sepultadas juntamente com o pó dos ancestrais dos norte-americanos. Portanto, guiados pela luz divina e com a “assistência do Senhor” (Tocqueville, 2001, p. 50), a lei, que estabelecia a criação de escolas, deveria ser mantida pela população.

As escolas superiores obedeceriam aos mesmos critérios para a sua manutenção e seriam criadas nos distritos mais populosos. Cabia aos magistrados municipais o dever de zelar para que os pais mandassem os seus fi lhos para a escola, com o direito de atribuir multas contra os que se recusassem. E, se a resistência dos pais continuasse, a sociedade fi caria no lugar da família, apossando-se dos seus fi lhos, retirando dos pais “os direitos que a natureza lhes dera, mas que sabiam utilizar tão mal” (Tocqueville, 2001, p. 50).

Percebe-se que Tocqueville (2001, p. 50) chama atenção para o preâmbulo do decreto, anteriormente citado, para destacar que “é a religião que leva as luzes; é a observância das leis divinas que conduz o homem à liberdade” na sociedade norte-americana do século XVII. Em contrapartida, ele, examinando o funcionamento da realeza européia, espantava-se ao dar-se conta de que ela havia desconhecido ou margi-nalizado princípios que conhecidos pela nobreza; a exemplo das idéias dos direitos, vida política e noções de verdadeira liberdade. Ao passo que os norte-americanos haviam percebido e estimulavam a ampliação dessas idéias.

No seio dessa Europa brilhante e literária, nunca talvez a idéia dos direitos

havia sido mais completamente ignorada; nunca os povos haviam vivido menos

da vida política; nunca as noções da verdadeira liberdade haviam preocupado

menos os espíritos; e era então que esses mesmos princípios, desconhecidos

das nações européias ou por elas menosprezados, eram proclamados nos

desertos do novo mundo e tornavam-se o símbolo futuro de um grande povo

[Tocqueville, 2001, p. 50].

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Constata-se que, enquanto nos Estados Unidos a religião e as leis haviam contribuído para a disseminação da instrução e do conhecimento, no Brasil, na segunda metade do século XIX, Tavares Bastos (1938) per-cebia a religião como um empecilho para o progresso da sociedade. Ao tempo que lamentava o descuido dos administradores do país em relação à educação do povo, também lamentava a ignorância e a degradação dos costumes e apontava para o perigo do fanatismo religioso, como respon-sável por embaraçar o avanço da sociedade, presa às noções ultrapassadas de uma religiosidade que desviava do caminho das esperanças das luzes lançadas no século XVIII.

Tavares Bastos (1975) defendia que o aparato legal devolveria à sociedade brasileira a liberdade que lhe era de direito. As críticas, que fazia à lei que prescrevia a concessão de licença para reuniões públicas, deviam-se ao fato de que “a mais alta manifestação da liberdade de pensamento é a do ensino em conferências públicas, onde [sic] a palavra inspirada atrai e subjuga o auditório, propagando-se com a rapidez da eletricidade” (Tavares Bastos, 1975, p. 146).

Acredita-se que, por isso, ele tenha reivindicado a revogação dessa lei, pois entendia que se contrapunha à liberdade fundamental, à expressão livre do pensamento. E, ao analisar as medidas aplicadas por leis opres-soras, Tavares Bastos (1975) conclui que, até 1850, não se conhecera, no Brasil, tantos abusos, como o de inspiração européia, que permitiam intervir no ensino privado, de modo que crescia, nas províncias, imposição institucionalizada pelos presidentes que cerceavam esse tipo de ensino. Contrário a essas ações, Tavares Bastos (1975, p. 148) prescrevia:

Seja livre o ensino: não há mais abominável forma de despotismo do

que o de governos nulos que, sem cooperarem seriamente para o progresso

das luzes, embaraçam os cidadãos que empreendem esta obra evangélica, e

ousam sujeitar ao anacrônico regime das liberdades e patentes a mais nobre

das artes, aquela que lavora com o espírito.

No entanto, foi para o ensino público que Tavares Bastos (1975) dedicou maior interesse. Nesse sentido, uma das soluções apresentadas

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por ele, no tocante aos problemas do orçamento fi nanceiro da instrução pública, foi a criação da taxa escolar, que consistiria em uma contribuição direta paga por cada habitante ou por cada família. Era preciso admitir, segundo Tavares Bastos (1975), que não havia nenhum sistema de ins-trução efi caz sem que nele fosse gasto muito dinheiro. A taxa escolar, pensada por Tavares Bastos (1975), seria composta por dupla imposição: local e provincial.

A manutenção da escola pública brasileira se daria com a contri-buição da população, sem isentar os poderes públicos de sua obrigação. Ou seja, no elenco de questões vinculadas à escola, Tavares Bastos (1975) primava pela defesa de pontos que considerava indispensáveis ao desenvolvimento da instrução pública: a criação da taxa escolar, descen-tralização administrativa, ensino livre, liberdade de culto, valorização do ensino agrícola, regulamentação da profi ssão do professor, escola mista, revisão do conteúdo curricular, educação dos africanos, defesa da escola privada e do ensino público e obrigatório onde existisse escola, consi-derando desumano os pais retirarem dos fi lhos o direito de freqüentar a escola. Defendia, com muita fi rmeza, assim como Tocqueville (2001) viu acontecer nos Estados Unidos, a necessidade de coagir os pais ou tutores que se comportassem de forma negligente, por meio de penas, sobretudo, àqueles “obstinados em afastar os fi lhos e pupilos dos templos da infância” (Tavares Bastos, 1975, p. 150).

Cabe considerar que, para Tavares Bastos (1938, 1975), realizar essas modifi cações era necessário para colocar o Brasil nos trilhos do progres-so, o que o levou a propor, por meio de escritos, reformas em diversos campos da vida pública: livre-cambismo, reforma eleitoral, incentivo à vinda de imigrantes para o Brasil, reforma educacional e federalismo. Inspirado nas idéias defendidas por Tocqueville (2001), entendia ser imprescindível o reordenamento, sobretudo administrativo nas províncias brasileiras, de modo que facilitasse para a máquina gestora aumentar a efi cácia dos serviços que eram prestados pelo Estado.

No que se refere ao âmbito da política, Tavares Bastos (1975) defen-dia a descentralização política e entendia ser necessário resgatar o espírito democrático que ele acreditava estar presente no ato adicional de 1834 e

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que havia sido apagado pelos conservadores na Lei de Interpretação do Ato Adicional em 1840. Por Tavares Bastos (1975) compreender como fundamental o papel que a instrução poderia exercer para os povos mo-dernos, avaliava que a centralização havia sido um empecilho funesto para a propagação de um bem indispensável: a educação. Esse era, para ele, um instrumento capaz de moldar o “caráter nacional” e modifi car os costumes, os hábitos do povo brasileiro, afastando-o da ignorância e fortalecendo o sentimento necessário de cidadania.

Percebe-se que Tocqueville (2001) havia entendido que não bas-tava ensinar a ler e a escrever para fazer, imediatamente, os homens cidadãos, pois as verdadeiras luzes nasciam principalmente da expe-riência e, se os norte-americanos não tivessem sido habituados, pouco a pouco, a se governar, os conhecimentos literários que possuíam não lhes seriam, naquele momento, de grande auxílio para o êxito. Também atribuía a manutenção das instituições democráticas nos Estados Unidos da América às circunstâncias, às leis e aos costumes. Defendia que a democracia lá se estabelecera em virtude do estado social democrático, para o que as leis e os costumes dos anglo-americanos haviam sido a razão da sua grandeza.

Nesse sentido, percebe-se que Tocqueville (2001) contribuiu na for-mação das idéias e propostas defendidas por Tavares Bastos (1975), no que se refere ao reordenamento político administrativo, mas, sobretudo, na valorização do aparato jurídico, que deveria amparar as instituições do país, e, fi nalmente, na defesa do bem-estar social, da educação cívica e da liberdade. Elementos que seriam conseguidos não somente por meio da reforma político-administrativa, mas que deveriam somar-se à disse-minação da instrução no Brasil, com vistas a propiciar a construção de uma sociedade que usufruísse, como a norte-americana, dos benefícios do direito à cidadania e que estivesse pronta para cumprir os seus deveres como cidadã (Tavares Bastos, 1938, 1975).

Desse conjunto de elementos dependeria o bom ou mau funciona-mento da escola brasileira, instituição que podia desempenhar um papel relevante na difusão dos costumes e hábitos necessários para a formação do “caráter nacional” do povo no país. Desse modo, a sociedade brasileira

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estaria preparada para agir por si e sobre si mesma e seria constituída por uma população que pudesse participar da composição das leis por meio da escolha de seus legisladores, do Poder Executivo, de forma que fosse possível afi rmar que era possível governar a si próprio. Assim, realizar-se-ia a sociedade democrática vista por Tocqueville (2001).

Desse modo, a idéia de preparar uma sociedade, de acordo com o programa político defendido por Tavares Bastos (1975) e adequado às exigências dos partidos aos quais ele esteve ligado durante a sua traje-tória, na qual homens livres e instruídos pudessem desempenhar com competência e conhecimento os papéis que as exigências do mercado lhes cobrassem, era primordial. Os panfl etos lançados, entre os anos de 1861 a 1873, foram muito importantes no sentido de expressarem as idéias de renovação e mudança defendidas pelo parlamentar alagoano, ao perceber que o futuro da nação brasileira não deveria ser delineado a partir dos valores absorvidos no processo de colonização portuguesa. Assim, Tavares Bastos (1938) alertava um outro motivo de embaraço, a manutenção do modelo francês, ao qual ele não se mostrava favorável, embora ainda presente em alguns aspectos, porque era preciso olhar que o progresso estava se realizando noutra direção.

Considerações finais

Portanto, com base na leitura de escritos de Tavares Bastos é possível perceber que a obra de Tocqueville contribuiu para que o parlamentar alagoano pensasse o Estado, a economia, a sociedade e a cultura dos brasileiros. A partir dela, parecia entender, com maior clareza, o quanto era necessário a organização de um Estado de direito democrático, que abolisse as amarras que prendiam as relações comerciais entre o Brasil e os outros povos, assim como era fundamental a preparação de um lastro cultural que oferecesse à gente brasileira ferramentas mentais para cons-truir uma nação mais moderna e plasmada nos valores de democracia e racionalidade que amparavam a sociedade norte-americana.

Ou seja, o modelo cultural norte-americano passava a ser uma refe-rência para o Brasil, a partir dos exemplos que apresentou por meio das

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Josefa Eliana SOUZA

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escolas que instituiu. Pode-se dizer, com isso, que as escolas protestan-tes americanas, criadas inicialmente em São Paulo, foram as principais responsáveis por trazer, para o país, o modelo norte-americano.

Observa-se que, nos Estados Unidos, ao mesmo tempo em que nascia uma nova forma de produção, o novo trabalhador e uma indústria mais moderna e mais atenta às necessidades do capital, formava-se um caldo de cultura profundamente singular, já que se mantinham, em seu seio, assimilações de outros padrões culturais que ali chegaram como parte de iniciativas governamentais ou não e produziram um novo padrão de organização, tanto da vida material quanto simbólica, objetiva e subjetiva: o americanismo.

Portanto, para o deputado alagoano, era imprescindível ter conhe-cimento do que acontecia nos Estados Unidos da América, onde estava se realizando uma transformação de tal monta que carecia ser examina-da e aproveitada. Na concepção de Tavares Bastos, a solução passava pela compreensão do modelo que podia ser traduzido no Brasil como o ideal de mudança de uma sociedade que caminhava a largos passos em direção ao crescimento, progresso e civilização. Era esse tipo de refl e-xão e de ação transformadora que modifi caria a estrutura da sociedade brasileira, favoreceria desenhar uma face mais moderna e mais afi nada com o ideal do país que deveria entrar na ordem das nações civilizadas. Por isso, para Tavares Bastos a educação pública era indispensável nesta transformação.

Referências bibliográficas

BARBU, Z. Apresentação. In: TOCQUEVILLE, A. O Antigo Regime e a Revolução. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. [1856]

HAIDAR, M. de L. M. O ensino secundário no Império brasileiro. São Paulo: Grijalbo/Ed. da Universidade de São Paulo, 1972.

RODRIGUEZ, R. V. A democracia liberal segundo Aléxis Tocqueville. São Paulo: Mandarim, 1998.

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SOUZA, J. E. Uma compreensão a partir de referente norte-americano do “Pro-grama de Instrução Pública” de Aureliano Cândido Tavares Bastos (1861-1873). Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2006.

TAVARES BASTOS, A. C. Cartas do solitário. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1938. [1862] (Coleção Brasiliana.)

. A província. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975. [1870] (Coleção Brasiliana.)

. Os males do presente e as esperanças do futuro. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976a. [1861] (Coleção Brasiliana.)

. Memórias sobre a imigração. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976b. [1867] (Coleção Brasiliana.)

TOCQUEVILLE, A. de. A democracia na América. São Paulo: Martins, 2001. [1835]

Endereço para correspondência:Josefa Eliana Souza

Rua Matilde Silva Lima, 400 – Condomínio Costa Verde, bloco Iguape, 201

Luzia – Aracaju-SECEP 49045-080

E-mail: [email protected]

Recebido em: 1 abr. 2007Aprovado em: 8 abr. 2008

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Cristina ARAÚJO

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A Reforma Antônio Carneiro Leão no final dos anos de 1920

Cristina Araújo1

*

Resumo:A Reforma Carneiro Leão da educação pernambucana, promulgada pelo governador Estácio Coimbra, em 1928, inscreve-se entre as ocorridas no Brasil, nos anos de 1920 e 1930, inspiradas na Escola Nova, respondendo a um clamor de modernização do país. Impunha-se republicanizar a República, mediante uma educação que atendesse às exigências de uma nova sociedade industrial e urbana, evoluindo para uma democracia social e econômica. Para Carneiro Leão, a educação tornaria o povo brasileiro uma força criadora, neutralizando a carga nociva e vergonhosa advinda de nossas raízes étnicas. Uma educação cívica e profi ssionalizante minimizaria essa herança danosa. A reforma, implantada por educadores paulistas, teve duração efêmera em razão dos fatos de 1930 e da queda do Governo Coimbra.

Palavras-chave:educação; Pernambuco; Escola Nova; Reforma Carneiro Leão; 1920.

* Mestre em educação.

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A Reforma Antônio Carneiro Leão no fi nal dos anos de 1920

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Antônio Carneiro Leão’s Reform at the end of 1920’s

Cristina Araújo

Abstract:Carneiro Leão’s Reform of the education in Pernambuco, promulgated by the State Governor Estácio Coimbra, in 1928, is among those taken place in Brazil, in the 1920s and 1930s, which were inspired by Escola Nova (New School) Movement. Such reforms were intended as an answer to the claims for the Country’s modernization. It was a necessity to make the Republic look like one, by means of an education that could meet the demands of a new urban, industrial society, which was evolving into a social economic democracy. According to Carneiro Leao, education should turn the Brazilian people into a creative power, neutralizing the damaging and embarrassing burden generated from our ethnical roots. A professionalizing civic education would diminish such damaging heritage. The reform, put into practice by educators from São Paulo, was short-lived due to the happenings of the 1930s, as well as to the falling of Coimbra’s administration.

Keywords:Education; Pernambuco; Escola Nova; Carneiro Leão’s Reform; 1920s.

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Cristina ARAÚJO

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A Reforma Carneiro Leão (Pernambuco, 1929), instituída pelo ato n. 1.239, de 27/12/1928, do governador de Pernambuco Estácio Coimbra, inscreve-se entre as reformas educacionais ocorridas no Brasil nos anos de 1920, início dos anos de 1930, inspiradas no ideário da Escola Nova. São Paulo antecipou-se, com a de Caetano de Campos, em 1892. Vale lembrar que Carneiro Leão, já nos anos de 1910, elogia as inovações introduzidas no Ensino Normal, no Rio de Janeiro e em São Paulo, sob inspiração americana, registrando a presença do learning by doing.

Em 1920-1921 acontece, em São Paulo, a Reforma Sampaio Dória. Pela repercussão obtida, o governador do Ceará, Justiniano Serpa, soli-cita ao de São Paulo, Washington Luiz, a colaboração de um educador paulista para reformular a educação naquele estado: Lourenço Filho é enviado para esse fi m e elabora a reforma entre 1922-1923. A da Bahia, realizada por Anísio Teixeira, acontece em 1924. No Rio de Janeiro, à época Distrito Federal, verifi ca-se, entre 1922-1926, a de Carneiro Leão, então diretor-geral da Instrução Pública. No seu discurso de posse, afi rma ele que o projeto que havia elaborado para a educação no Distrito Federal deveria servir de modelo para toda a República Brasileira e referência para o nosso progresso pedagógico e cultural. Seu sucessor, Fernando de Azevedo, entre 1927 e 1931, promove, mais uma vez, uma reforma educacional no então Distrito Federal, e, em seguida, vem a de Anísio Teixeira, entre 1931 e 1935. No Rio Grande do Norte, José Augusto Bezerra de Menezes é o autor da reforma educacional, entre os anos de 1925 e 1928. Finalmente, a pernambucana, em 1928, efetivada por Antônio de Arruda Carneiro Leão.

Tais reformas atendiam a um forte apelo, a um verdadeiro clamor, então existente, de modernização da sociedade brasileira. O livro À margem da História da República (apud Nunes, 1996), elaborado por um grupo de jovens intelectuais, em 1929, entre os quais Carneiro Leão, expressa a frustração dos seus autores e o desejo de mudança para o país. Partem do suposto da ausência do povo e da necessidade da sua construção por intermédio de uma república educadora. Era imperioso republicanizar a República, e a educação era considerada o instrumento adequado. Obviamente, não uma educação qualquer, mas aquela que

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viesse responder às exigências de uma nova sociedade, de formato in-dustrial, urbano, em evolução para uma democracia social e econômica. Importante era a unifi cação de ideais e objetivos a serem atendidos pelo sistema educacional, em âmbito nacional, por uma política traçada pelas elites governantes. O ideal democrático valorizava o ensino profi ssional. E o liberal acenava para a mobilidade social via escola, defendendo o lema educação para todos como instrumento viabilizador da ascensão social, tornando possível, pela escola, uma sociedade aberta. Salientemos que, no escolanovismo, está também presente o princípio de igualdade e oportunidade para todos. A educação deveria tornar o povo brasileiro uma força criadora.

Pela afi nidade com esses ideais, todas as reformas se pautaram pelos princípios da Escola Nova, movimento pedagógico que surgiu na Inglaterra (pátria da Revolução Industrial), no século XIX. É interessante constatar, também, seu parentesco com os princípios proclamados pela Revolução Francesa quanto aos ideais de escola pública: universalidade, obrigatoriedade, laicidade, gratuidade.

Os grandes mentores da Escola Nova, críticos ferrenhos da escola tradicional, respaldados no desenvolvimento das ciências biológicas e psicológicas, estabeleceram um conjunto de regras das quais se desta-cam: a supremacia dos métodos ativos, a preocupação com a criança e sua interação com a sociedade, a ênfase no aprender fazendo (o famoso learning by doing), o apelo ao trabalho individual, baseado no interesse, e a iniciação da criança no mundo do trabalho.

Dos valores que davam respaldo a esse conjunto de idéias e ideais perseguidos pela elite de então – explicitados ao longo da obra de Car-neiro Leão, e presentes na Justifi cação (Carneiro Leão, 1929b) dirigida ao secretário da Justiça e Negócios Interiores do Estado de Pernambuco, Gennaro Guimarães, em dezembro de 1928, bem como no texto da própria Reforma –, destaca-se a apologia do novo, que caracterizou a obra de importantes educadores nos anos de 1920 e 1930. O momento histórico era marcado, igualmente, pela absorção de valores culturais europeus e norte-americanos pós-1a Guerra Mundial, conduzindo ao fomento à indústria nacional, a um novo estágio do capitalismo, à imigração, à

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identifi cação com o positivismo. Tal ideário marcou profundamente o Brasil, aportando na Faculdade de Direito do Recife, pela Escola do Recife, produto do positivismo aplicado ao Direito, no fi nal do século XIX. Carneiro Leão, nascido em 1887, forma-se na Faculdade de Direito do Recife em 1911. Celso Kelly (1966, pp. 3-4) o considerava um autên-tico fruto da Escola do Recife, que se caracterizou pela reação à visão projetada da sociedade e do Direito, do dever-ser idealizado católico, no entender de Joaquim Falcão (1984, p. 184).

As correntes de idéias que se difundiam pela Europa chegaram vigo-rosamente ao nosso país, interferindo na nossa vida econômica, política, social, educacional. Junto com o positivismo, vieram o evolucionismo, as teorias raciais, conduzindo à justifi cativa da eugenia. Duas das disciplinas introduzidas pela Reforma Carneiro Leão para o ensino normal, Inglês e Sociologia, são vistas por ele como auxiliares da atenção que deveria ser dispensada à eugenia. Assim é que, justifi cando a adoção da língua inglesa, afi rma Carneiro Leão (1929a):

As medidas de inteligência, o esforço pela generalização de uma consciên-

cia segura do valor indiscutível da eugenia no meio escolar, as experimentações

sociais, as experiências pedagógicas, os ensaios de métodos novos, as mil e

uma investigações que se estão realizando, em grande parte com êxito, devem

ser conhecidas do professorado brasileiro. E como consegui-lo se a língua

inglesa continua vedada ao magistério primário?

A sociologia, que teve em Gilberto Freyre seu primeiro professor, viria proporcionar a conscientização dos grandes problemas da sociedade, alertando os jovens quanto à importância dos exames pré-nupciais, a proi-bição do alcoolismo, a propaganda da eugenia, o combate à ociosidade, tal como proclama o nosso reformador, textualmente.

Na entrevista que me concedeu, em setembro de 1985, contou-me Gilberto Freyre que havia dado ao ensino de Sociologia uma visão, um caráter inteiramente novo de pesquisa de campo, escandalizando a con-servadora sociedade pernambucana, ao sair com suas alunas da Escola Normal pelos bairros do Recife, ele um jovem professor. Realizavam

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inquirições das quais resultaram a implantação de parques públicos, playgrounds, como preferia chamar, destinados ao lazer. Destacou o pioneirismo de tal empreendimento, pois, no seu entender, constituía-se uma inovação de notável alcance social, vez que visava dar às crianças todas, crianças ricas, crianças pobres, da classe média, dos dois sexos, adolescentes, a oportunidade de brincarem juntos, uma grande novidade para a época.

Foram promovidas também excursões ao interior do Estado, para as quais eram alugados automóveis a fi m de conduzir as normalistas com os seus professores, dada a precariedade dos transportes públicos para aqueles municípios. Refere-se ainda Gilberto Freyre aos inquéritos que as alunas faziam sobre os mais diversos temas, tais como: O que é o Gi-násio Pernambucano?, Quais são as faculdades que existem no Recife? Enfi m, diversos assuntos indicados pelo professor, realizações essas, no seu vaidoso entender, que se constituíam um pioneirismo pernambucano, pois, conforme me declarou, não havia nada disso então, no Rio, São Paulo ou Minas Gerais.

Vale referir uma série de acontecimentos ocorridos no país pelos anos de 1910, como a Liga Contra o Analfabetismo, criada no Clube Militar do Rio de Janeiro, e a de Defesa Nacional, ambas em 1915, a Liga Nacionalista, fundada em São Paulo, em 1916, com forte conotação nacionalista, incluindo reivindicações relativas à instrução popular. Foram essas iniciativas amplamente louvadas por Carneiro Leão, embora fosse ele possuidor de forte ambigüidade entre o nacional e o estrangeiro.

No livro Educação, 1909, Carneiro Leão alude à conferência que pronunciou no Primeiro Congresso Brasileiro de Estudantes, em 1909, referindo-se às nossas raízes étnicas:... E assim, de um fusionamento tal, de íncolas na idade da pedra, de negros na idade do bronze e brancos degenerados, só um resultado medíocre poderíamos lograr.

Mas, no seu entender, a educação, sobretudo a cívica e aquela de caráter profi ssionalizante, viria neutralizar a carga nociva e vergonhosa advinda das nossas origens raciais, minimizando essa herança danosa.

É oportuno advertir que os valores atribuídos às idéias não têm co-notação absoluta, são relativos ao tempo/espaço onde ocorrem.

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Ainda voltando aos acontecimentos que sobressaem, no contexto brasileiro dos anos de 1920 e 1930, do ponto de vista político e cultural, e que contribuíram para o estabelecimento de um clima de mudança e transformação, destaquemos: a criação e a atuação marcante da Associa-ção Brasileira de Educação (ABE), com suas Conferências Brasileiras de Educação (em 1927, Miguel Couto discursa sobre o tema No Brasil só há um problema nacional: a educação do povo); a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, em 1922; o Tenentismo, o Movimento Regio-nalista de 1926, liderado por Gilberto Freyre, a fundação do Partido Comunista, em 1922.

Os festejos do Centenário da Independência mobilizaram enorme-mente o país, seus políticos, governantes e os intelectuais. O presidente Epitácio Pessoa discursa pelo rádio – inaugurando a radiotransmissão ofi cial no Brasil –, veículo de comunicação que vem a ser bastante va-lorizado pelos escolanovistas, e, juntamente com o cinema educativo, adotado pela Reforma Carneiro Leão.

É importante lembrar que, já no livro Educação, de 1909, Carneiro Leão inclui um plano de instrução popular para o estado de Pernambuco, similar, nas suas grandes linhas, à reforma, a qual, só em 1928, às vés-peras da Revolução de 1930 – com uma nova ordem social emergindo, gerando diferentes necessidades profi ssionais, contando com a vontade política e com a adesão, pela afi nidade de idéias e propósitos com o plano apresentado, do governador Estácio Coimbra –, encontra terreno propício para fl orescer. E faz-se realidade, embora, por uma série de circunstâncias, efêmera.

Há algo signifi cativo a mencionar: em conferência pronunciada no Rio de Janeiro, na ABE, pouco após a promulgação da reforma, afi rma Carneiro Leão (1929b) que:

Pernambuco devia a seu passado uma reforma radical da sua instrução

pública. Até agora as forças econômicas que atuam implacavelmente, sem

preocupação de justiça, haviam retardado essa obra, devida a um dos mais

importantes Estados do Brasil.

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A quem estaria se referindo Carneiro Leão? À oligarquia canavieira pernambucana, aos proprietários pernambucanos do açúcar? A ela per-tencia Estácio Coimbra, sobre quem, a propósito, declara o reformador, dizendo-se consciente da difi culdade de semelhante empreendimento:

Ao contacto, porém, daquele que o inspirava, de sua convicção ardente, de

sua vontade, de sua cultura, eu pressentia a realização. O Sr. Estácio Coimbra

desejava que a reforma fosse uma realidade ativa, inspirada nos métodos mo-

dernos e nos ideais mais altos... Basta evocar as formosas palavras com que

ele, ainda candidato ao Governo do Estado, traçava a sua concepção de uma

reforma de ensino: “Simultaneamente com o aperfeiçoamento econômico”,

diz o Sr. Estácio Coimbra, na sua plataforma, “impõe-se a valorização do

homem, pois a melhor condição de trabalho nos campos, nos balcões, nas

ofi cinas e nas fábricas não será elemento poderoso de vigor e de vitória para

o organismo social, se o indivíduo se conserva ignorante e incapaz, como

uma partícula inconsciente na elaboração do progresso humano” [Carneiro

Leão 1929b].

Para elaborar a reforma, Carneiro Leão visitou as escolas da capital e grande parte das existentes no sertão. A partir do que observou, redi-giu a Justifi cação, incluída no documento Organização da Educação em Pernambuco: justifi cação, lei orgânica, explicações e comentários, opiniões de associações e da imprensa, publicado pela Imprensa Ofi cial do Estado, em 1929 (pp. 5-33).

Uma das coisas que mais o impressionou foi a falta de assistência e apoio ao professorado. Os inspetores faziam apenas a fi scalização de ordem administrativa. E, no Interior, esse papel era desempenhado pelo promotor de Justiça.

O ensino primário durava quatro anos, e o ingresso na Escola Normal era feito aos onze, doze anos, desde que se demonstrasse idade mental de treze anos.

Redigido de forma clara e precisa, o texto da reforma apresenta 27 títulos, 61 capítulos, 424 artigos, deixando patente o propósito do seu autor de instituir um rigoroso controle de todos os aspectos do sistema

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educacional em Pernambuco, incluindo a tabela de vencimentos de todo o pessoal integrante do quadro de educação do estado. E deixando claro, em última instância, um projeto de nação.

Entre os elementos presentes à reforma, além do cuidado com a modernização, podemos nomear:

a) a racionalidade, traduzida pela forma adotada para organizar o sistema educacional, visando a assegurar a qualidade, a efi ciência e a efi cácia, mediadas pela introdução dos métodos ativos e pela segurança do bom funcionamento da Diretoria Técnica de Educação, órgão criado com o fi m de superintender, dirigir e orientar tudo o que se referir à parte técnica da Educação;

b) o cientifi cismo do ensino, da atividade escolar, aliado da moderniza-ção, da preocupação de estar absolutamente em dia com as últimas novidades dos centros mais avançados;

c) os cuidados com a saúde dos que integravam o aparelho estatal escolar, sobretudo os alunos, que a educação física – em moldes científi cos, praticada diariamente – viria, senão afi ançar, pelo menos concorrer para melhorar, aqui incluída a higiene (permeia o docu-mento da reforma a preocupação com o aprimoramento da raça, a boa aparência das pessoas, a eugenia, a vitalidade);

d) o controle exercido em todos os níveis do sistema escolar: os livros adotados, os adquiridos para as bibliotecas, o prédio, o currículo, o método de ensino, as nomeações de docentes e diretores, a obriga-toriedade de freqüência à escola, os discursos e pronunciamentos feitos nos estabelecimentos de ensino, e até mesmo a exigência de autorização para os professores gozarem férias fora da capital ou do estado.

Mas, o ponto central, o núcleo da reforma localiza-se na qualifi cação profi ssional, em função da qual gravitam todos os outros, como que a servirem de suporte, de apoio para a sua efetivação. Aparece na justifi -cação e no ato n. 1.239, de 1928, bem como em livros de Carneiro Leão e na Plataforma de Estácio Coimbra, quando candidato ao governo.

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A Reforma Antônio Carneiro Leão no fi nal dos anos de 1920

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Na realidade, até a introdução – grandemente defendida e destacada – de novos métodos desde o jardim de infância e classes primárias, a ênfase nas manualidades guarda coerência com os propósitos de formação de mão-de-obra qualifi cada.

Essas constatações nos levam à evidência de um pensamento perver-samente maniqueísta que acompanha o nascimento histórico da escola, concebida liberal para os privilegiados da sociedade e profi ssional para o imenso contingente da população menos favorecida. Questão complexa, não desconhecemos...

A reforma possui inúmeros aspectos positivos. Mencionaremos alguns deles: a preocupação com a expansão da escolaridade; a revi-talização da carreira de professor; o estabelecimento da licença-mater-nidade, da jubilação, da licença-prêmio para os professores e técnicos de educação; a melhoria da qualidade do ensino; a criação da Diretoria Técnica de Educação; o aumento da duração da escola primária; a elevação da idade para ingresso na Escola Normal; o desdobramento do curso Normal em dois: geral e profi ssional; a criação dos cursos de férias e de aperfeiçoamento, nos quais os professores do Interior e da Capital, respectivamente, teriam a chance de rever e atualizar os seus conhecimentos profi ssionais; a criação da Escola Normal Superior, da Escola de Aplicação, da Biblioteca do Professor, do Museu Pedagógico; o incremento do ensino de música, e, até mesmo, a adoção de medidas de amparo aos alunos mais pobres, com o estabelecimento da assistência escolar, compreendendo o fundo escolar, as caixas escolares e as ligas de bondade, assistências médica e dentária, diárias para os alunos das escolas técnico-profi ssionais.

Para a execução da reforma, coerentemente com a admiração de Carneiro Leão por São Paulo e pelo vanguardismo de sua educação, era imprescindível a vinda de educadores paulistas. Das diversas viagens realizadas para aquele estado, ainda nos anos de 1910, quando estudante de direito, existem inumeráveis registros nos seus livros, bem como no texto da Justifi cativa da Reforma, reveladores da forte e favorável impres-são que tais visitas lhe causaram, infl uenciando-o de maneira defi nitiva e provocando apaixonados elogios.

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Alguns exemplos podem ser encontrados no seu O Brazil e a edu-cação popular:

A ação fecunda da educação paulista foi hipnótica sobre o meu espírito.

E felizes os que, vendo e compreendendo o futuro magnífi co que aqui se

elabora, sofrem o infl uxo de São Paulo, porque esses terão um surto novo na

sua vida, uma nova diretriz no seu destino.

Ou convidam-se educadores de São Paulo para que criem a educação

popular brasileira, ou ter-se-á de mandar à América do Norte, à Inglaterra ou

à Suíça, os nossos mestres, para estudarem e adaptarem, nos seus Estados,

o que de interessante e facilmente aplicável encontrarem no estrangeiro

[Carneiro Leão, 1918, p. 20].

Dessa forma, contando com a colaboração do governador de São Paulo, Júlio Prestes, do seu secretário do Interior, Fábio Barreto, e do diretor da Instrução, Amadeu Mendes, promove-se a vinda para o Recife dos professores José Ribeiro Escobar, sua mulher Philomena Bernar-des Escobar, José Scaramelli, Paschoal Montesano Salgado e Fabiano Losano. José Ribeiro Escobar, professor de Matemática da Escola Nor-mal de São Paulo, considerado um educador competente, comprometido com as inovações pedagógicas do ensino normal paulista, é designado diretor técnico de Educação; Philomena Bernardes Escobar, diretora da Escola Técnico-Profi ssional Feminina; José Scaramelli, professor da cadeira de Didática da Escola Normal Ofi cial de Pernambuco, função acumulada com a de diretor da Escola de Aplicação, como preconizava a reforma.

Paschoal Montesano Salgado, então diretor da Escola Técnico-Profi ssional de Franca, é nomeado diretor da Escola Técnico-Profi ssional Masculina, e o maestro Fabiano Losano, mencionado como um destacado renovador no ensino da música nas escolas primárias de São Paulo, é encarregado de conduzir a educação musical.

José Ribeiro Escobar, empenhado na preparação pedagógica dos profi ssionais da educação pernambucana, publica Educação Nova e assim se manifesta, na sua introdução:

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Para orientar o professorado pernambucano, estimulei os colegas a pu-

blicarem livros didáticos modernos e eu mesmo escrevi muitos, dos quais

estão publicados: ‘Planos de aula de aritmética’, com 46 páginas; ‘Programa

do Curso Primário, com planos metodológicos’, com 262 páginas; ‘Ensino

de Didática’, com 144 páginas; ‘Ensino das Frações’, com 141 páginas; e

‘Educação Nova’, com 104 páginas.

Este último livro é apenas uma reunião de trabalhos esparsos para fi xar

várias informações, dadas nas sessões pedagógicas de inspetores e diretores,

as quais instituí, duas vezes por semana, na Diretoria Técnica de Educação.

Doutrinando incessantemente e realizando as idéias mais insinuantes,

preparo a transição para Pernambuco, dignamente, executar a educação

nova, sonhada por John Dewey em ‘School and Society’ (1899); ‘The child

and the curriculum’, ‘Moral Principles in Education’, ‘Interest and Effort in

Education’, ‘Democracy and Education’.

A realização sincera destes ideais pedagógicos, que a consciência de todo

educador escrupuloso deve apressar, será uma glória para o Brazil, porque

uma felicidade para a infância brasileira.

Em consciência não sei dizer quando aprendi mais, se nos quarenta minu-

tos durante os quais visitei a granja Windsor, se nos cinco anos da Escola de

Direito. Todo trabalho do professor só tem um fi m – fazer o aluno trabalhar.

A educação vem pelos músculos [Escobar, 1930].

A despeito do empenho demonstrado pelos paulistas na sua nova missão, as coisas não se passaram de forma tão tranqüila e construtiva como desejavam os idealizadores da reforma e os seus executores, que se defrontavam com grandes difi culdades para a sua realização.

Aliada ao fato de o momento histórico não ser favorável à sustentação política do Governo Estácio Coimbra, além da falta de envolvimento/comprometimento com a reforma, dos integrantes do sistema educacional, obrigados a aceitar uma equipe vinda de São Paulo, encontra-se a escas-sez de recursos fi nanceiros, apesar da promessa feita pelo governador a Escobar, persuadido a assumir a Diretoria Técnica de Educação porque a verba seria elevada.

A maneira como foi conduzida a nova disciplina Anatomia e Fi-

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siologia Humanas praticamente inviabilizou o êxito da implantação da reforma. Criou uma enorme polêmica, um verdadeiro escândalo na conservadora sociedade pernambucana, em setores expressivos da Igre-ja Católica e da imprensa. É que, fi el ao experimentalismo, atribuindo à execução da reforma um caráter pragmático, introduz elementos de educação sexual na matéria Anatomia e Fisiologia Humanas, assunto controvertido e inviável numa escola pública pernambucana dos anos de 1920, constituindo-se um verdadeiro impasse.

Ademais, as aulas práticas eram realizadas na Fazenda Modelo, no subúrbio recifense de Tegipió, dando margem a veementes protestos e indignações, paralelamente a modinhas bastante jocosas que as meni-nas da Escola Normal, com o seu tradicional uniforme azul e branco, cantaram, em passeata dirigida ao Palácio do Governo, com a música da canção popular Gosto que me enrosco, em voga na época, como registra Waldemar Valente:

Dizem que o programa da Normal tem coisas que eu não posso acreditar;

que tem sapos, minhocas e lagartixas e como o rato faz pra se casar. Gosto

que me enrosco de pensar só no que lá em casa vai dizer vovó quando a Ziza

contar tudo o que viu e que assistiu lá em Tegipió [Valente, 1973].

O governador cuidou, habilidosamente, de dissolver a passeata. Mas, não pôde responder por todo um clima de hostilidade ao seu go-verno, aos executores da reforma, às críticas endossadas pelo seu amigo e colaborador Gilberto Freyre, que considerava Escobar e Scaramelli uns desastrados, bobalhões em atividade, matutões importados de São Paulo (embora ressalvando tratar-se de bons técnicos), desaguando num impasse incontornável. Declinando do convite feito pelo governador para aceitar o cargo de diretor do Ensino Normal, com vistas a dirigir do alto a execução da reforma, Gilberto Freyre sugere que o amigo Estácio Coimbra traga do Rio de Janeiro, para a direção suprema da reforma, o próprio reformador.

As críticas não se limitaram, apenas, à provinciana cidade do Recife. Gilberto Freyre comenta, conversando com seu diário:

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A Reforma Antônio Carneiro Leão no fi nal dos anos de 1920

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Recife, 1929

Que dizer a V., amigo diário, da Reforma Carneiro Leão de ensino da

qual tanto se está falando nos jornais do Recife, do Rio e até nos dos Jesuítas

de Paris, que a combatem? É inteligente no seu modo de ser modernizante.

Revolucionariamente modernizante. Tem certos aspectos mais que mo-

dernizantes: modernistas, que me repugnam. Enfaticamente modernistas

para uma província, como é Pernambuco, como toda província apegada a

convenções. Direi, como homenagem ao seu valor e restrição ao seu método,

que é uma espécie de Semana de Arte Moderna – o Modernismo – de São

Paulo, 1922, em termos pedagógicos. Vai ter, no ensino brasileiro, uma

atuação semelhante à que o Modernismo teve nas artes e nas letras. Porque

do Recife repercutiria noutros pontos do país. A oposição está sendo vio-

lenta. É, em parte, de politicóides inimigos de Estácio. Mas também dos

Padres Jesuítas do Recife, que conseguiram associar a sua hostilidade de

ultraconservadores a uma reforma que não pode ser considerada anticatólica,

ou seus superiores intelectuais, mas no caso, mal informados, de La Croix,

os Jesuítas de Paris. Está se dizendo contra a Reforma e contra o seu prin-

cipal executor, o Professor José Escobar, trazido de São Paulo, muita coisa

falsa: ou maliciosamente inexata. O casal Escobar foi mal escolhido pelo

Carneiro Leão para a delicadíssima missão. São do interior de São Paulo.

Falta-lhes, além de traquejo social, tato. Afi nal Pernambuco é Pernambuco.

Bons técnicos, eles são. Mas com essas defi ciências. São uns matutões do

interior [Freyre, 1975].

Por outro lado, o Padre Montenegro, nos sermões durante as missas dominicais celebradas na Matriz da Boa Vista –, bairro do Recife àquela época habitado, em boa parte, pela elite local -, contando com grande afl uência de fi éis, era enfático ao condenar as ousadas inovações intro-duzidas pela reforma.

Atendendo ao convite do governador pernambucano, Carneiro Leão ocupa o cargo de secretário da Justiça e Negócios Interiores do Estado de Pernambuco, estando aí incluída a responsabilidade pela educação, de setembro de 1929 a setembro do ano seguinte, quando volta para o Rio de Janeiro.

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A reforma teve duração efêmera em razão dos acontecimentos de 30 e da queda do Governo Coimbra. Contudo, várias iniciativas foram concretizadas: a implantação da Diretoria Técnica de Educação, das Escolas Técnicas Profi ssionais Feminina e Masculina, da Escola de Aplicação, nos moldes preconizados pela Reforma, dos cursos de férias; a utilização dos métodos ativos, da nova estrutura curricular proposta para a Escola Normal.

A título de ilustração, reporto-me aos depoimentos de dois dos meus en-trevistados. Uma delas, professora primária no alto sertão de Pernambuco, me informou ter freqüentado, com grande proveito, o Curso de Férias na Capital, no ano de 1929. Outro, aluno da quinta série primária no grupo escolar Amaury de Medeiros, no Recife, em 1929, estabelecimento de ensino que teve atuação destacada nas inovações introduzidas pela Escola Nova, deu-me conta de fatos demonstrativos de tais novidades: o caráter lúdico dado às aulas de educação física, para onde as crianças se dirigiam cantando canções alusivas àquela atividade escolar; os chás promovidos entre as diversas séries da escola, quando uma turma convidava a outra, como parte da preocupação com a sociabilidade, com o aprimoramento do traquejo social; a ênfase dada, nas aulas de Português ao poeta Olavo Bilac e à feição alegre e dinâmica imprimida ao ensino em geral.

Barbosa (1982, p. 94) diz-nos: “...José Scaramelli, no seu livro sobre a Reforma Educacional em Pernambuco, refere-se diretamente a Dewey como o inspirador do sistema de educação da Reforma no Estado de Pernambuco”. Adiante, à p. 98, Barbosa (1982) refere-se ao entusiasmo de Scaramelli, que julgava excelente o ensino na Escola Normal de Pernambuco.

Finalmente, transcreve o que aquele educador considerara uma aula tão maravilhosa que só poderia dar uma pálida descrição dele. Eis as palavras de Scaramelli:

Apresentarei a largos traços, para exemplifi car, uma aula-modelo sobre

peixes dada na Escola de Aplicação, anexa a Escola Normal Ofi cial do Re-

cife, pela professora senhorita Maria Cavalcanti de Albuquerque Maranhão,

uma de minhas mais brilhantes colaboradoras, quando me coube a honra de

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dirigir a referida Escola de Aplicação e de organizá-la de conformidade com

os princípios da Escola Nova.

Se me não assaltasse o receio de me acoimarem de imodéstia, porque fui

nisso mínima parte, com certeza a menos valiosa – receio terrível que me há

refreado, na vida, constantemente, o anseio de voar -, ousaria afi rmar que talvez

se tivesse realizado, naquele casarão secular da praça 13 de Maio, no Recife,

o mais sério ensaio de Escola Nova que se operou até esta data no Brasil.

Com a Revolução de 1930, aparentemente grandes mudanças ocor-rem no sistema educacional do estado. Seus condutores, mediante atos do sr. interventor Carlos de Lima Cavalcanti, procedem a modifi cações na equipe de educação do estado.

Pelo ato n. 1, de 6 de outubro de 1930, é nomeado o dr. Arthur de Souza Marinho para exercer, em comissão, o cargo de secretário da Jus-tiça e Negócios Interiores, em substituição ao dr. Gennaro Guimarães, que voltara a ocupar aquele posto após o retorno de Carneiro Leão para o Rio de Janeiro. Na mesma data, pelo ato n. 10, é nomeado o dr. Luiz de Barros Freire para diretor da Educação Normal e, pelo ato n. 35, de 14/10/1930, é determinado que este exerça, também, provisoriamente, as funções de diretor técnico de Educação.

Pelo ato n. 29, de 13/10/1930, são exonerados os professores que vieram de São Paulo para a execução da reforma.

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Cristina ARAÚJO

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Endereço para correspondência:Cristina Araújo

Res. Osman Loureiro, 77, quadra D6Clima Bom – Maceió-AL

CEP 57071-330

Recebido em: 1 dez. 2006Aprovado em: 20 maio 20081

Nota: Outras informações e análises mais aprofundadas sobre a Reforma Carneiro Leão encontram-se no meu livro A Escola Nova em Pernambuco: educação e modernidade, resultante da minha dissertação de mestrado, defendida em 1987, na UFPE, bem como no verbete monográfi co, de minha autoria, sobre Antônio de Arruda Carneiro Leão que integra o Dicionário de Educadores do Brasil (Fávero & Britto, 2002).

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Diogo da Silva ROIZ

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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”: formas

de como se escrever a(s) história(s) da Universidade de São Paulo1

*

Diogo da Silva Roiz2

**

Resumo:O objetivo deste artigo é demonstrar como Júlio de Mesquita Filho e Fernando de Azevedo preocuparam-se em elaborar “discursos fundadores”, por meio de “pronunciamentos” e “discursos” efetuados em momentos de consagração da instituição, em que eram convidados a participar, com vistas a defi nir os principais momentos e “atores sociais” que vieram a participar da criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934. Esses discursos, em parte, fi xados na “memória coletiva” serviram, muitas vezes, de base para indicar formas de como se deveria escrever a(s) história(s) da USP. Indica-se, ainda, que, em muitos casos, tais discursos eram criticados, e às vezes até refeitos, por outros “atores sociais” do período, que, direta ou indiretamente, também haviam participado da criação da universidade.

Palavras-chave:memória coletiva; discurso fundador; formação profi ssional;

Faculdade de Filosofi a.

* Gostaria aqui de agradecer ao professor doutor Ivan Aparecido Manoel, à professora doutora Márcia Regina Capelari Naxara, ao professor doutor José Luís Sanfelice, ao professor doutor Jean Marcel Carvalho França, ao professor doutor Nelson Schapo-chnik e ao professor doutor Jonas Rafael dos Santos, pelas sugestões e críticas, que dentro do possível foram incorporadas a essa versão do texto. Uma versão deste texto foi apresentada no XVI Encontro Regional de História, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. O texto é resultado parcial da pesquisa em desenvolvimento: “O ofício de historiador na Universidade de São Paulo: entre o ‘au-todidatismo’ e a profi ssionalização do trabalho intelectual de história (1934-1968)”.

** Professor do Departamento de História nos cursos de história e de ciências sociais da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), na unidade de Amambai.

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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”

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From the “founding speeches” to the creation of a “collective memory”:

forms of writing the history(ies) of the University of São Paulo

Diogo da Silva Roiz

Abstract:The purpose of this article is to show how Julio de Mesquita Filho and Fernando de Azevedo worried abou to prepare “fouding speeches”, through “pronouncements” and “speeches” effectuated at moments of consecration of the institution, which were invited to participate, in order to defi ne the principal moments and “social actors” that participate of the Universtity of Sao Paulo’s creation, in 1934. These speeches, in part, fi xed on the “collective memory”, helped, many times, of basis to indicate the form of how to writing the history(ies) of the University of São Paulo. It indicates, that, in many cases, such speeches were criticized, and sometimes even remade, by another “social actors” of the period, which directly or indirectly, they had participated of the creation of the university.

Keywords:coletive memory; discurse; professional; Philosophy College.

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Diogo da Silva ROIZ

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Introdução

O objetivo deste artigo é demonstrar como Júlio de Mesquita Filho (1892-1969) e Fernando de Azevedo (1894-1974) preocuparam-se em elaborar “discursos fundadores”, com vistas a defi nir os principais momentos e “atores sociais” que vieram a participar da criação da Universidade de São Paulo (USP). Para efetuar tal empreendimento, utilizaram-se, principalmente, cerimoniais de formatura e comemorações da instituição, que eram corriqueiramente convidados, em que orações de paraninfos de turma, palestras e conferências vieram a servir dire-tamente para a formulação e manutenção de uma “memória coletiva”1 entre alunos e professores da universidade, por meio da repetição. De modo que esses discursos, em parte, fi xados na “memória coletiva”, serviram, muitas vezes, de base para indicar formas de como se deveria escrever a(s) história(s) da USP. Evidentemente, como se mostrará no decorrer do texto, tais discursos, embora fundadores de uma “tradição inventada”, para incutirem, via repetição, uma “memória coletiva” sobre a criação da instituição, entrava diretamente em choque com leituras e interpretações (distintas) de outros “atores sociais” que participaram, direta ou indiretamente, da fundação da Universidade de São Paulo, em 1934. Tais histórias associavam a trajetória do estado de São Paulo, a experiência histórica da Alemanha do fi nal do século XVIII e da França pós-1870, como ocorrera com os protagonistas que escreveram o projeto piloto de criação da universidade, a exemplo de Fernando de Azevedo e Júlio de Mesquita Filho; ou então, voltavam-se para a história do bandeirantismo paulista, de modo que indicassem o pioneirismo de São Paulo, como justifi cativa histórica para a sua recuperação após 1930, a

1. Para Maurice Halbawachs, a “memória coletiva” resultaria de um quadro histórico de uma época, porque é uma construção social que dá sentido a identidade de um grupo de pessoas. Ao mesmo tempo em que estariam limitadas as circunstancias sociais dessa época. Por isso entenderiam aquela história rememorada como “real”. Esses atores sociais, por isso, seriam resultados e resultantes daquela atmosfera psicológica que construiu suas personalidades individuais (Halbawachs, 1990).

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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”

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exemplo de Afonso D’Escragnolle Taunay (1876-1958) e Alfredo Ellis Júnior (1896-1974). No primeiro caso, defendia-se a vinda de profi ssio-nais estrangeiros como um dos critérios para a formação de professores para o ensino “secundário” e de especialistas para o ensino superior, no segundo caso, se era contrário a tal justifi cativa, associando-se a neces-sidade de aproveitar os “autodidatas” do estado e do país (Carelli, 1994; Bontempi Jr., 2001; Ferreira, 2002; Araujo, 2006; Roiz, 2007). Portanto, é sobre essa questão que o texto irá se deter mais pausadamente. Assim, levanta-se, no artigo, a possibilidade de fabricação de uma imagem, entre as décadas de 1930 e 1950, sobre a criação da USP, que viria a se constituir como uma tradição. Destarte, conforme havia dito Eric Hobsbawm, na introdução do livro A invenção das tradições, “muitas vezes ‘tradições’ que parecem ou são consideradas antigas são bastante recentes, quando não são inventadas”. Assim:

[...] por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, nor-

malmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceitas; tais práticas,

de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de

comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma

continuidade em relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se

estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado [...]. Contudo,

na medida em que há referência a um passado histórico, as tradições “inven-

tadas” caracterizam-se por estabelecer com ele uma continuidade bastante

artifi cial. Em poucas palavras, elas são reações a situações novas que ou

assumem a forma de referência a situações anteriores, ou estabelecem seu

próprio passado através da repetição quase que obrigatória [Hobsbawm &

Ranger, 1997, pp. 9-10].

Para este, a “invenção de uma tradição”, que envolve a elaboração de práticas e de um “relato fundador” que se repita no tempo, ocorre, fundamentalmente, quando os “atores sociais” que fazem parte desse relato fundador deixam de desempenhar as suas funções. Quanto a esse aspecto, tanto Júlio de Mesquita Filho, quanto Fernando de Azevedo, em suas falas, viam na fi gura de Armando de Salles Oliveira (1887-1945) a

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base para o sucesso do projeto de criação de uma universidade no Estado de São Paulo nos anos iniciais da década de 1930. Em contrapartida, de acordo com Ângela Alonso:

É da natureza dos movimentos intelectuais e políticos inventarem rótulos

de identidade, como estratégia de diferenciação, bem como uma tradição, um

panteão de heróis e obras de legitimação de suas posições, especialmente em

períodos de mudança social [Alonso, 2002, p. 32].

Portanto, os movimentos intelectuais e políticos, no Brasil, desde o século XIX, pelo menos, procuraram construir as suas tradições, por meio de um repertório discursivo que os diferenciassem de outros grupos, ao mesmo tempo em que delineavam uma pretendida originalidade teórica e prática, com obras e manifestos de fundação elaborados por seus “atores sociais” originários (Alonso, 2002). Ou ainda, a faziam retrospectiva-mente, como forma de defi nir campos de atuação, a partir da ação dos fundadores do movimento e das obras e autores a ele vinculados, com os quais se preocupavam em situar objetivos paralelos, na medida em que se defi nia uma “identidade em comum” (Ferreira, 2002).

No caso específi co da fundação da USP, como se verá, ambas as pos-sibilidades se mesclavam, por se tratar de um movimento em que os atores sociais que deram origem as primeiras iniciativas para sua criação, atu-arem em momentos emblemáticos da instituição (como comemorações, rituais de consagração, aulas e orientações de pesquisas), formando nas primeiras turmas dos cursos da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, “laços de continuidade”2. Muitas vezes, os alunos que prosseguiam na

2. Bontempi Jr. (2001) observou questão similar ao analisar o tema. Sua preocupação, fundamental, estava em demonstrar o contexto no qual surgiu a cadeira de história e fi losofi a da educação da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras da USP, entre as décadas de 1940 e 1960, por meio da análise pormenorizada da trajetória de Laerte Ramos de Carvalho, que a regeu durante vários anos. Principalmente, por que esse teria elaborado “aquele que é considerado o primeiro projeto acadêmico de escrita da história da educação brasileira”, nas palavras do autor. E quanto a esse aspecto, qual foi a sua contribuição para a história da historiografi a da educação no Brasil. Nossa

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Faculdade de Filosofi a, como assistentes nas cátedras, mantinham uma tradição intelectual: ou por manutenção dos ideais dos fundadores, ou por discordância as suas iniciativas (Gomes, 1999). Assim, para delimitar melhor a exposição nos pautaremos nos seguintes pontos: a) como foi interpretada a criação da universidade; b) quem foram os “atores sociais” que participaram do empreendimento; c) e quais os objetivos principais da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras. Esses três pontos estiveram nos pronunciamentos e discursos aqui analisados.

É comum a constatação de que a história da criação das universidades brasileiras, e por extensão do ensino universitário, ainda ser um tema pouco investigado na historiografi a nacional3. Embora muitos estudos aventem as diferenças estaduais quanto à implantação de universidades no Brasil, a partir da década de 1920, constituindo-se em importante referência para pesquisadores, revelam-se insufi cientes no que diz res-peito à fundação de várias universidades, ao desenvolvimento de cursos, programas de ensino e pesquisa e ao formato curricular das “novas” áreas que foram criadas nos anos de 1930 (Cunha, 1975, 1986, 1989; Falcon, 1996; Roiz, 2004, 2007). A importância deste estudo justifi ca-se, por-tanto, por procurar delinear melhor a forma de como foram elaborados os primeiros relatos sobre a criação da USP, e que, em muitos casos, serviram de base para a escrita de algumas de suas histórias4.

preocupação, por outro lado, esteve mais em demarcar diferentes modos de “escrita da história” sobre a universidade, que direta ou indiretamente, eram “infl uenciados” pela “memória coletiva” elaborada sobre a instituição. Que, em geral, esbarrava-se perante as críticas de “atores sociais” contrários a maneira como o projeto havia sido colocado em “pratica”, com a criação da instituição em 1934.

3. Nas últimas duas décadas a bibliografi a sobre a história das universidades e dos cursos universitários no Brasil vem se apresentando de forma mais expressiva, a exemplo de trabalhos como: Miceli (1989, 1995, 2001) e Schwartzman (1979, 1982).

4. A construção dessa “memória coletiva” foi também ensejada por uma parte dos in-térpretes da história da instituição. Ernesto de Souza Campos ao procurar historiar o processo de construção da USP procurou desenvolver os caminhos percorridos pela intelectualidade paulista. Diferente de sua oração como paraninfo da turma de 1938, aqui o autor demonstrava a participação do grupo de O Estado de S. Paulo e de Fernan-do de Azevedo, e o grupo da Escola Nova (Campos, 1954). Heládio Antunha em sua tese de livre docência sobre a história da universidade procurava historiar os caminhos

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Os principais informes compulsados nesta pesquisa foram os Anuários da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras da USP, produzidos entre as décadas de 1930 e 1950. Na década de 1930, elaboraram-se três números re-ferentes aos anos de: 1934-1935; 1936; 1937-1938. Neles apresentavam-se: reprodução total (às vezes parcial) dos discursos de paraninfos e oradores de cada turma de formandos da instituição; aulas inaugurais (proferidas pelo catedrático mais recente no início do ano letivo); os programas de disciplinas de cada um dos cursos das subseções (com súmula de matéria da disciplina, em alguns casos acrescentada de bibliografi a organizada pelo docente); listas de matrículas de alunos e listas de formandos entre os cursos; relatórios de cadeira, de onde os docentes avaliavam procedimentos didáticos, matéria e leituras; reprodução de atas das reuniões da congrega-ção da Faculdade de Filosofi a; súmula curricular de docentes contratados para os cursos e gráfi cos de orçamentos e gastos da faculdade. Na década de 1940 a produção dos anuários foi interrompida, principalmente, em função de problemas orçamentários. Foi nos anos iniciais da década de 1950, com a administração de Eurípides Simões de Paula (1910-1977), então diretor da Faculdade de Filosofi a, que os anuários voltaram a ser produzidos. Na década de 1950 foram organizados mais quatro números: 1939-1949, 2 v.; 1950; 1951; 19525. O formato foi similar aos daqueles

trilhados pela intelectualidade paulista para alcançarem a meta de construção de uma universidade no Estado (Antunha, 1974). Diferente desses, Simon Schwartzman, que não teve sua formação enraizada na USP, acabava também por concordar com as linhas gerais daquele relato que delineava a fundação e os objetivos da instituição, como uma forma de recuperar a hegemonia perdida pelo estado de São Paulo (Schwartzman, 1978). Nesse sentido, pode-se observar a força e os prolongamentos daquela “memória coletiva” construída sobre a instituição entre os anos de 1930 e 1950. Evidentemente esse relato já foi consideravelmente revisto pela historiografi a, como discorrem os trabalhos de: Prado (1974), Cardoso (1982), Nadai (1987), Limongi (1988), Freitas (1993). Todavia, até aqui nenhum trabalho procurava historiar a construção daquele relato fundador sobre a história da instituição.

5. Na década de 1930 foram impressos três volumes: USP, FFCL. Anuário da Facul-dade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1934-1935. São Paulo: Empreza Grafi ca da Revista dos Tribunaes, 1937; . Anuário da FFCL,1936. São Paulo: Empreza Grafi ca da Revista dos Tribunaes, 1937; . Anuário da FFCL, 1937-1938. São Paulo: Empreza Grafi ca da Revista dos Tribunaes, 1939.

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produzidos nos anos de 1930. Contudo, diminuiu-se a reprodução de atas e aumentou a de editais de concursos de cátedra e das legislações aprovadas pela Câmara dos Deputados da Assembléia Legislativa de São Paulo para os cursos. Neste estudo detivemo-nos na análise e comparação dos discursos de paraninfos e oradores de cada turma de formandos da instituição (e de suas respectivas obras).

A escolha das fontes ocorreu principalmente por serem locais de reunião e organização do espaço de decisões do trabalho intelectual, tanto individual como coletivamente, em que posições são tomadas e propostas são criadas e, conseqüentemente, conhecidas e divulgadas6. A preocupação com o tempo em que foram produzidas as fontes, nesse sentido, resulta como uma das necessidades para se rastrear o tempo histórico no qual e pelo qual o historiador ordena e seleciona os aconteci-mentos. Por suas características próprias, existe o “tempo” em que houve a criação da USP e o estabelecimento institucional de suas delimitações; o “tempo” em que foi elaborado o seu “relato fundador”; o “tempo” da rememoração dos acontecimentos, a partir das formaturas e rituais de consagração, nos quais se procurava criar uma “memória coletiva” e o “tempo” de produção e publicação de livros e artigos sobre a história da instituição.

De acordo com vários autores, dentre os quais Sérgio Miceli (2001), formar-se-ia a partir da Primeira República (1889-1930), as condições

Na década de 1950 foram publicados outros cinco volumes: USP, FFCL. Anuário da FFCL, 1939-1949. São Paulo: Seção Gráfi ca; Industria Gráfi ca José Magalhães Ltda., 1953, 2 v.; . Anuário da FFCL, 1950. São Paulo: Seção Gráfi ca; Industria Gráfi ca José Magalhães Ltda., 1952; . Anuário da FFCL, 1951. São Paulo: Seção Gráfi ca; Industria Gráfi ca José Magalhães Ltda., 1953; . Anuário da FFCL, 1952. São Paulo: Seção Gráfi ca; Industria Gráfi ca José Magalhães Ltda., 1954.

6. Bruno Bontempi Jr., em sua tese de doutorado (2001, pp. 31-76), já havia trabalhado com as mesmas fontes e historiado de modo consistente parte do processo histórico que desencadeou a produção de uma “memória coletiva” sobre a USP. Procurou-se, com esse texto, avançar em alguns pontos daquele “relato fundador”, mas sem com isso deixar de observar a importante contribuição efetuada por Bontempi Jr. para o tema.

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básicas necessárias ao desenvolvimento de um “campo intelectual”7 no Brasil, no qual a crítica especializada, a impressão seqüencial de livros e revistas especializadas, e a formação de intelectuais nos mais diversos campos do saber seriam o alicerce fundamental, a expansão dos deba-tes e intercâmbios culturais, que marcariam em congressos, institutos e universidades os lugares sociais essenciais, às trocas de idéias e disputas pelo poder. Além disso, consistiria ainda do “campo intelectual” os rituais de consagração que se estenderiam aos momentos comemorativos da instituição, a defesas de dissertações e teses, a nomeações, a concursos e ao recebimento de títulos. O conceito de intelectual a ser utilizado nesta pesquisa restringe-se ao produtor de “bens simbólicos” (participante ou não na arena dos debates políticos), envolvendo-se essencialmente com a interpretação da realidade social e sendo um elaborador e divulgador de “visões de mundo” (Gomes, 1996, pp. 38-39).

Os locais ou espaços de sociabilidade8 que se formavam na USP, na Faculdade8 de Filosofi a, Ciências e Letras, e no interior de cada curso

7. Para Pierre Bourdieu o campo é o espaço de disposição e de diferenciação dos grupos sociais. Nele se avaliariam as formas de enfrentamento e disputas pelo poder. O campo possuiria um grau de autonomia relativa com relação ao espaço exterior, mas não se fecharia sobre si, porque não deixaria de analisar condicionantes e disposições externas. Apesar de seu grau de autonomia relativa, o campo depende das disposi-ções de lucro, preço, venda, determinações políticas, no espaço social. No campo intelectual, tudo que o envolve formariam ritos de consagração. Para ele, o campo científi co “enquanto sistema de relações objetivas entre posições adquiridas (em lutas anteriores) é o lugar, o espaço de jogo de uma luta concorrencial. O que está em jogo especifi camente nessa luta é o monopólio da autoridade científi ca defi nida, de maneira inseparável, como capacidade técnica e poder social; ou, se quisermos, o monopólio da competência científi ca, compreendida enquanto capacidade de falar e agir legitimamente (isto é, de maneira autorizada e com autoridade), que é socialmente outorgada a um agente determinado” (Bourdieu, 1983, pp. 122-123).

8. Para Ângela de Castro Gomes, as redes de sociabilidade tratariam de idéias defen-didas por grupos e distinguiriam as próprias posições que os atores sociais ocupa-riam no interior do grupo. Elas se formariam a partir de interesses comuns entre as pessoas que compõe o grupo, ou que estão nos seus arredores (Gomes, 1999). De modo que, os espaços de sociabilidades devem ser vistos num duplo sentido, como locais de produção e como espaços de trocas ocorridas nestes locais. Para Jean-Françóis Sirinelli “a palavra sociabilidade reveste-se, de uma dupla acepção, ao

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caracterizavam os laços de amizade, as escolhas políticas e as predisposi-ções teóricas e práticas de cada um dos professores e alunos da instituição (Trigo, 1997; Cerdeira, 2001). Teresa Malatian (2001, pp. 20-21) notou que o conceito de “colégio invisível” empregado por Raquel Glezer se mostra útil para a compreensão do conceito de espaço de sociabilidade, porque o colégio consiste em um:

[...] grupo de pessoas, em cada ramo do conhecimento [...] razoavelmente

bem relacionadas entre si, encontrando-se em conferências, permutando pu-

blicações e colaborando em instituições de pesquisa. Constituem um grupo

de poder, em níveis locais e nacionais, controlando instituições, prestígio

pessoal, destino de novas idéias e orientação para abordagem de novas áreas

[Glezer, 1976, p. 22].

Desse modo, defi nindo-se como órgão de formação de professores para o ensino “secundário” e de pesquisadores profi ssionais para o ensino superior, versados em áreas específi cas do conhecimento, a Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, constituía-se como a principal instituição da USP, criada em 1934, segundo parte de seus fundadores9.

Nesse sentido, a hipótese que acompanha esta análise é que se procurava elaborar um discurso específi co sobre a fundação da insti-tuição, principalmente por parte do grupo que a organizou, dispondo-o

mesmo tempo ‘redes’ que estruturam e ‘microclimas’ que caracterizam um micro-cosmo intelectual particular” (Sirinelli, 1996, pp. 252-253) variando, naturalmente, de acordo com o grupo ou a época estudada. No sentido conferido pelo autor, o espaço de sociabilidade representaria simultaneamente as estruturas institucionais e as redes organizacionais derivadas das relações dos intelectuais naqueles locais específi cos. Assim, os espaços de sociabilidade corresponderiam a locais geogra-fi camente situados e a relações afetivamente construídas pelos “pares”.

9. Dentre os quais: Azevedo (1963, 1971) e Mesquita Filho (1969). Para uma análise do contexto social em que essas idéias foram pensadas e implantadas ver: Mate (2002) e Rocha (2004). Para uma análise detalhada a respeito do movimento da Escola Nova ver: Cunha (1992). Para uma análise de O Estado de S. Paulo nesse período ver: Prado (1974). E para um estudo a respeito das discussões do grupo “d’O Estado” com o grupo “da Escola Nova” ver: Cardoso (1982) e Limongi (1988).

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em momentos comemorativos (como formaturas, aulas inaugurais e conferências), e almejando-se estabelecer uma “memória coletiva” sobre os acontecimentos que viabilizaram a fundação da universidade. Embora a forma de recepção daquele discurso fosse variada entre alunos e professores, procuraremos mostrar que, entre os anos de 1930 e 1950, tentava-se viabilizá-lo para diferenciar a Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras da USP10 de instituições similares criadas no período, como a Escola Livre de Sociologia e Política, fundada em 1933 (Limongi, 1989). Procuravam também defi nir uma identidade para a instituição, no interior da universidade. Indica-se que a justifi cativa para tais propostas decorria, de um lado, do momento em que foi fundada a universidade, e de outro, da maneira como foram organizadas as faculdades. As faculdades que fi zeram parte da organização institucional, representada na forma da USP, já contavam com uma história particular, porque foram criadas se-paradamente, no século XIX, para a formação de profi ssionais em áreas “práticas” – como a medicina, a engenharia e o direito11.

Dos projetos de fundação à criação da USP

A história do ensino universitário brasileiro tem demonstrado que iniciativas para a criação de faculdades e universidades no país – com exceção do projeto educacional dos jesuítas (Da Cás, 1996) – não foram anteriores a instalação da família real portuguesa em sua colônia, no ano de 180812. E, assim, seria do “conhecimento de todos que a educação superior foi instalada [...] de uma forma isolada e desarticulada dos ní-veis e graus, como decorrência da necessidade de formação de quadros”

10. De agora em diante, salvo exceções: Faculdade(s) de Filosofi a; FFCL; USP; ou FFCL/USP.

11. Para mais detalhes sobre o tema ver: Campos (1954), Nadai (1987), Sawaia (1979), Adorno (1988), Balbachevisky (1996) e Barros (1959).

12. Entre os vários autores que discutiram o assunto ver, entre outros: Cunha (1986), Nadai (1987), Schwartzman (1979), Alonso (2002), Barros (1959), Coelho (1999), Haidar (1972) e Iglésias (2000).

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(Nadai, 1983, p. 3). Embora pareça facilmente convincente esta interpre-tação, porque, evidentemente, representa uma análise cuidadosa sobre o assunto, na verdade acaba, senão por desconsiderar outros caminhos, no mínimo a reduzir a complexidade do processo.

O contexto social no qual foi criada a USP talvez seja representativo para justifi car esse apontamento. Porque pensar a criação de uma universi-dade no estado de São Paulo esteve relacionado às discussões da Câmara dos Deputados e permaneceu na pauta de vários intelectuais, desde, pelo menos, o fi nal do século XIX. A primeira tentativa de implantação de uma universidade, chamada Universidade de São Paulo, ocorreu nos anos de 1910, com caráter particular e não público. Por diversos motivos a iniciativa foi criticada e não se desenvolveu: faltavam alunos e em algu-mas cadeiras não havia professores (Nadai, 1987). Porque também, entre as décadas de 1930 e 1950, procurava-se ainda defi nir a identidade da instituição, criada em 1934, agora com caráter público. Evidentemente, muitas universidades foram criadas nesse período.

Em 1930 havia no país duas universidades em funcionamento: a Univer-

sidade do Rio de Janeiro, criada em 1920 por decisão do governo federal,

e a Universidade de Minas Gerais, formada em 1927, como realização do

governo desse estado. Além delas, foram criadas mais três após a reforma de

1931: a Universidade do Rio Grande do Sul que obteve o seu reconhecimento

em 1934; a Universidade de São Paulo (USP), formada em 1934, durante o

governo de Armando de Salles Oliveira e a Universidade do Distrito Federal

(UDF), organizada por Anísio Teixeira em 1935, quando Pedro Ernesto era

prefeito do Rio de Janeiro. Tanto na USP quanto na UDF, existia uma FFCL

[Gomes, 2002, p. 421].

Mas o que nos interessa é demonstrar que os protagonistas partici-pantes na criação da USP, para justifi carem a fundação da instituição, procuraram cobrir toda a história nacional, com vistas a reconstituir o processo histórico, segundo seus próprios fi ns. Para alcançarem esses objetivos, entretanto, foram obrigados, inevitavelmente, a indicarem os momentos decisivos, em que projetos de criação de universidades foram

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pensados no Brasil e as razões que promoviam a dissolução daquelas iniciativas. As formaturas foram, assim, momentos propícios para cele-brarem a realização de um projeto e, com isso, se aproveitar à ocasião para formularem um “discurso fundador” sobre os acontecimentos, que dariam margem à execução das iniciativas que resultariam na criação de uma universidade no estado de São Paulo.

Quando, em 1934, foi criada a USP muito já se tinha discutido sobre o que era a universidade e qual a sua função. Para Francisco Campos (1891-1968), ainda no início dos anos de 1930, a universidade era en-tendida como uma “unidade administrativa e didática que reun[iria], sob a mesma direção intelectual e técnica, todo o ensino superior, seja o de caráter utilitário e profi ssional, seja o puramente científi co e sem apli-cação imediata” (Campos, 1940, p. 60). O mesmo entendimento sobre a universidade era tido pelo grupo que se convencionou caracterizar como movimento por uma Escola Nova (Cunha, 1992). Diversos intelectuais participariam daquele grupo, dentre os quais, Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira (1900-1971), M. B. Lourenço Filho (1897-1970), Ro-quette Pinto (1884-1954), Sampaio Dória (1923-1964), Paschoal Leme (1904-1997), Afrânio Peixoto (1876-1947) e o próprio Júlio de Mesquita Filho. Antes de serem organizadas as primeiras universidades no Brasil, alguns daqueles intelectuais participaram de importantes reformas no ensino. Sampaio Dória foi responsável pela reforma de 1920, em São Paulo. Lourenço Filho pela reforma de 1922 no Ceará. Fernando de Azevedo foi, ao lado de Paschoal Leme, que fazia parte de sua equipe, responsável pela reforma de 1927 no Distrito Federal13.

Embora seja Francisco Campos considerado adepto da Escola Nova,

assim como outros pedagogos da década de [19]20, incluindo Fernando de

Azevedo, e tendo realizado a reforma do ensino primário e normal em Mi-

nas Gerais [quando secretário do interventor no governo do estado, Antônio

Carlos (1926-1930)], a partir desta postura pedagógica, isto não impede um

13. Para uma avaliação dessas reformas ver: Mate (2002) e Piletti (1982).

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posicionamento político e ideológico, que guarda grandes diferenças com

o “sistema de princípios” que preside o projeto da Comunhão [paulista do

grupo ‘do Estado]. É Francisco Campos defensor das instituições políticas

vigentes na década de 20: defende, quando deputado federal [por Minas

Gerais entre 1922 e 1926], o regime de estado de sítio, as medidas de exce-

ção e repressão contra as manifestações militares de protesto às instituições

vigentes; é opositor das manifestações tenentistas e do programa político de

Assis Brasil. Coloca-se contra a autonomia dos municípios e dos estados e

defende o fortalecimento do Poder Central. É contra o voto secreto, o sistema

de partidos e os parlamentos, propondo a iniciativa e o monopólio da legislação

pelo Poder Executivo [Cardoso, 1982, pp. 101-102].

Nos anos de 1930, o movimento diversifi cou sua ação, indo parte do grupo para gabinetes estaduais e federais, outra parte para escolas e institutos normais de formação de professores, e outros se dirigiram para iniciativas, que pretendiam construir universidades no país (Rocha, 1990, 2004). Anísio Teixeira foi um dos idealizadores da Universidade do Distrito Federal, fundada em 1935, e Júlio de Mesquita Filho e Fernando de Azevedo contribuiriam diretamente na fundação da USP, em 1934, quando Armando de Salles Oliveira era o interventor do estado.

Quando foi criada a instituição, segundo o decreto estadual n. 6.283 de 25 de janeiro de 1934, assinado por Armando de Salles Oliveira, aquela seria a “primeira universidade” criada sob o regime direcionado pelo “Decreto de 1931” (Cardoso, 1982, pp. 95-126), de Francisco Campos, então ministro da Educação e Saúde, no qual ressaltaria a compreensão exposta sobre o que era a universidade. Iriam se agrupar a ela: a Facul-dade de Direito (ainda pertencente ao governo federal); a Faculdade de Medicina (criada pelo governo estadual em 1913); a Faculdade de Far-mácia e Odontologia (criada pelo governo estadual em 1899); a Escola Politécnica (criada pelo governo estadual em 1894); o Instituto de Edu-cação; a Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras (criada pelo decreto de 1934); o Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais (que viria a ser instalado em 1946); a Escola de Medicina Veterinária (criada pelo

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governo estadual em 1928) e a Escola Superior de Agricultura (criada pelo governo estadual em 1899)14. Além dessas, englobariam a instituição, dentre outros: o Instituto Butantã, o Museu de Arqueologia, História e Etnografi a (mais conhecido como Museu do Ipiranga), o Serviço Flores-tal, o Instituto Biológico, o Instituto Agronômico de Campinas etc. De acordo com Irene Cardoso, o decreto de criação da universidade trazia entre os primeiros artigos as seguintes deliberações: a) a formação das classes dirigentes e a democracia; b) a função primordial da universidade deveria ser a de afetar a “consciência social”; c) a universidade deveria estar voltada para a resolução dos problemas da nacionalidade; d) primar pelos altos estudos e a cultura livre e “desinteressada”; e) buscar a pre-paração dos jovens ao exercício de todas as profi ssões, por meio de uma concepção de divisão do trabalho intelectual, com vistas a organizar os quadros; f) por fi m, ao Estado caberia a manutenção da educação, nesta instituição (Cardoso, 1982, pp. 122-123).

Assim, para aqueles protagonistas uma pergunta talvez tenha sido crucial: quais as condições que possibilitaram a criação da USP na dé-cada de 1930?

Sem dúvida esse questionamento (como outros similares) serviu de base para que Júlio de Mesquita Filho e Fernando de Azevedo constru-íssem um relato convincente sobre a fundação da instituição, entre as décadas de 1930 e 1950, a partir da repetição de um discurso proliferado, em especial, nos momentos comemorativos da instituição. Para ambos15, o fato de ter sido convocado, em 1933, Armando de Salles Oliveira16

14. Para mais detalhes consultar: Nadai (1987) e Cardoso (1982).15. Oração do paraninfo Júlio de Mesquita Filho In: Anuário da Faculdade de Filosofi a,

Ciências e Letras 1936, 1937, pp. 198-206; Discurso do paraninfo Júlio de Mes-quita Filho. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, pp. 273-283; Discurso do paraninfo prof. dr. Fernando de Azevedo. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1950, 1952, pp. 56-70.

16. Nasceu em 24 de dezembro de 1887 na cidade de São Paulo. Filho de comerciante português, também envolvido com o negócio de exportação de café. Fez seus es-tudos primários e secundários na capital do estado, fazendo em seguida o curso de engenharia civil na Escola Politécnica de São Paulo. A partir de 1908, com a morte dos pais, trabalhou em vários projetos, com a construção de trechos da Mojiana.

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(aquela altura cunhado de Júlio de Mesquita Filho e diretor de o jornal O Estado de S. Paulo), como interventor do estado de São Paulo, a convite de Getúlio Vargas, então presidente da República, foi-lhes decisivo na viabilização do projeto que daria o formato da futura universidade.

Mas se foram aquelas circunstâncias precisas que favoreceram a execução do empreendimento, o projeto que deu forma a iniciativa, em contrapartida, era fruto das discussões efetuadas pela intelectualidade paulista, desde, pelo menos, a década de 1920.

Na década de 20, enquanto Júlio de Mesquita era ainda diretor-presidente

de O Estado de S. Paulo, Júlio de Mesquita Filho era secretário do jornal (cargo

que assumiu em 1921) e Francisco Mesquita, seu irmão, gerente. Os redatores

principais eram Nestor Rangel Pestana e Júlio de Mesquita Filho. Armando

de Salles Oliveira já era um dos diretores da Sociedade Anônima desde 1914,

ao lado de Júlio Mesquita, pai. Com a morte deste, em 1927, Armando de

Salles Oliveira tornou-se presidente da empresa e Júlio de Mesquita Filho,

diretor do jornal. São redatores, nesta época, Plínio Barreto, Paulo Duarte,

Léo Vaz, Amadeu Amaral e Vivaldo Coaracy. Fernando de Azevedo ingressou

na redação em 1923, permanecendo até 1926 [Cardoso, 1982, p. 43].

Para Irene Cardoso (1982), que inventariou uma parte daquelas discussões, as relações da intelectualidade se mantinham presentes

Destacava-se como engenheiro e empresário, quando do casamento com Raquel de Mesquita, fi lha de Júlio de Mesquita, com quem fez sociedade em O Estado de S. Paulo. Lá conheceu Júlio de Mesquita Filho, Fernando de Azevedo e Rangel Pestana. Antes de se tornar interventor do estado (entre 1933 e 1936), foram inter-ventores: João Alberto Lins de Barros (que permaneceu entre novembro de 1930 até 13 de junho de 1931), Laudo Ferreira de Camargo (que fi cou até 13 de novembro de 1931), Manuel Rabelo (até o fi nal de 1931), Pedro de Toledo (nomeado em 2 de março de 1932 permaneceu até o início de 1933). Entre o fi nal de 1932 e início de 1933 foram solicitadas eleições para o estado, mas permaneceram inexistentes em função da pressão militar. Quando ocorreu a saída de Pedro Toledo fi cou no seu lugar Valdomiro Lima ligado a “Chapa única por São Paulo Único”. Em 14 de julho Valdomiro Lima foi exonerado do cargo, substituindo-o Manuel de Cerqueira Daltro Filho. A 17 de agosto de 1933, devido as pressões partidárias do estado, Armando de Salles Oliveira era nomeado por Getúlio Vargas como interventor do estado. Para mais detalhes: Abreu (2001, pp. 5.175-5.180).

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principalmente a partir da imprensa periódica, naquele momento cen-tralizada em São Paulo, no grupo de “O Estado”17. Segundo ela, com a obra de Júlio de Mesquita Filho A crise nacional, publicada original-mente em 1925, que as discussões sobre a universidade se revigoraram. Porque a obra foi à pioneira de um conjunto de outras que discutiriam a necessidade de criação no país, de centros de ensino e pesquisa nos mais variados ramos do conhecimento. E que foi aprofundada, primeiro, com o inquérito sobre a educação nacional, e paulista em particular, produzido por Fernando de Azevedo em 1926, a pedido do próprio Jú-lio de Mesquita Filho, e publicado na íntegra no jornal O Estado de S. Paulo; segundo, com o manifesto dos pioneiros da educação de 1932, no qual se reuniria parcela signifi cativa dos integrantes do grupo da ‘Escola Nova’ (Mate, 1991, 2002; Cunha, 1992; Miranda de Sá, 2003; Rocha, 1990, 2004).

Para o “O ESP” as causas dos problemas políticos com que se defronta-

va a Nação [...] residiam na ausência das “elites intelectuais” e a superação

desses problemas só se poderia conseguir mediante o forjamento de uma

nova elite à altura das necessidades do país [...] na perspectiva de “O ESP”

um dos fatores determinantes do caos político do país residia precisamente

na ausência de uma elite intelectual, capaz de compreender os problemas de

17. Segundo Irene Cardoso: “‘Grupo do Estado’ corresponde à prática política do partido, partido que faz aliança com o P.D., mas não se confunde com ele; que se alia à Aliança Liberal e, nessa condição, é chamado a participar do ‘secretariado do P.D.’ (Plínio Barreto); que tem um seu representante (ainda Barreto) indicado para a interventoria em São Paulo, por João Alberto; que tem um representante novamente indicado e, desta vez, aceito, para a interventoria (Armando de Salles Oliveira); que assume o governo constitucional de São Paulo (A. S. O.); que lidera a formação do Partido Constitucionalista e que lança a candidatura de um seu representante para a Presidência da República (A. S. O.); que participa da União Democrática Brasileira [...]. O ‘grupo do Estado’ é dissidência do P.R.P. de que se afasta por não se ver representado, ao lado do P.D., também dissidência [...] o Partido Constitucionalista e a União Democrática Brasileira, partidos institucionalizados dentro da estrutura partidária, não são a mera expressão do ‘grupo do Estado’, constituem alianças feitas sob a liderança efetiva dele” (Cardoso, 1982, p. 45).

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sua época e de dar a eles solução adequada. O preenchimento desse “vazio

intelectual” foi a tarefa que “O ESP” reservou às universidades, por cuja

criação desencadeou intensa campanha [...]. O projeto inicial de Júlio de

Mesquita Filho previa a criação de três universidades – uma ao norte, outra

no centro e a terceira no sul – que seriam responsáveis pela transformação

da mentalidade brasileira. Foi em função desse plano que se fundou a Facul-

dade de Filosofi a, Ciências e Letras da atual Universidade de São Paulo [...].

Assim, a formação de “elites intelectuais”, capazes de discernir e equacionar

os problemas brasileiros, liga-se ao desenvolvimento da consciência nacional

e à própria elaboração da cultura do país. O papel que lhes era reservado, no

plano político e cultural, revestia-se de suma importância, de vez que “O ESP”

entendia que as soluções para os intrincados problemas nacionais deveriam

brotar da educação. Mesmo quando afastados do contato direto com as coisas

da política, caberia a esses intelectuais – a partir da imprensa, da cátedra ou

da literatura – formar e dirigir a massa inculta, forjando a “opinião pública”,

esteio sobre o qual se assentava, na concepção do jornal, o destino político

da nação [Prado, 1974, pp. 98-101].

Quando Fernando de Azevedo ingressou no jornal O Estado de S. Paulo em 1923, ele já conhecia Júlio de Mesquita Filho. Foi em 1926, que Fernando de Azevedo organizou um inquérito sobre a educação, publicado na íntegra no jornal naquele mesmo ano, com o objetivo de verifi car a situação da educação pública paulista, circunstanciar as relações entre educação e política, e demonstrar que ao Estado caberia a promoção da educação. Mesmo após sua saída do jornal, em 1926, continuou-se, nos anos seguintes, a se divulgar notícias e artigos sobre a universidade e o ensino “secundário” do estado de São Paulo, e depois de criada a universidade em 1934, o jornal passou a indicar também as suas contribuições, para resolver parte daqueles problemas educacio-nais, políticos e econômicos (Bontempi Jr., 2006, pp. 121-158). Nesse sentido, segundo Irene Cardoso, a universidade “teria basicamente duas funções dentro da sociedade: formação do professorado secundário e superior e, ‘função superior e inalienável’, formação, isto é, preparo e aperfeiçoamento das classes dirigentes” (Cardoso, 1982, pp. 29-30).

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Neste ponto, Jorge Nagle observa de forma semelhante à questão. Para ele no inquérito de 1926 se acentuava a:

[...] tríplice função dos estabelecimentos universitários, “de elaborar,

ensinar e divulgar as ciências” [...] ao [...] regime universitário atribuíam-se

tarefas de suma importância: o preparo das classes dirigentes [...] a forma-

ção do professorado secundário e superior – problema importante devido ao

autodidatismo reinante – e o desenvolvimento de uma obra nacionalizadora

da mocidade – núcleo para o qual convergem os problemas da universidade

e da sociedade [Nagle, 1976, p. 134].

A aproximação dos autores deve-se ao fato de o inquérito ter sido proposto como parte integrante das ações do grupo de “O Estado”18. A ação daqueles protagonistas pode ser mais bem analisada quando compa-rados seus discursos de paraninfos na universidade. Em seu discurso como paraninfo da primeira turma da Faculdade de Filosofi a, na cerimônia realizada a 25 de janeiro de 1937, não por acaso, junto à comemoração do aniversário da cidade de São Paulo, Júlio de Mesquita Filho19 ressal-taria a precariedade dos níveis de ensino “primário” e, principalmente, “secundário”. Para ele, proporcionada pela falta de pessoal qualifi cado para atender as necessidades de formação de uma “cultura geral” nos alunos, e pela falta de salas e escolas para atender ao público crescente de crianças em idade escolar. A universidade, portanto, cumpriria um papel fundamental na formação de quadros. Mas, para Júlio de Mesquita Filho, esse papel se desdobraria na elevação cultural dos alunos, na medida em que fossem conscientizados da tarefa na qual estavam ligados, quando fossem ao encontro dos pais, com a função de esclarecê-los sobre o lugar do estado de São Paulo na “nação brasileira”.

Criava-se, desse modo, com a data comemorativa um momento de

18. Muitos outros autores têm chamado atenção para esse ponto: Mate (2002), Rocha (2004), Cunha (1992), Prado (1974) e Limongi (1988).

19. Oração do paraninfo Júlio de Mesquita Filho In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras 1936, 1937, pp. 198-206

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consagração20, no qual o projeto de elaboração de universidades consti-tuiria o ponto central da cerimônia, dispondo na “memória coletiva” das pessoas que compareceram ao anfi teatro, o enaltecimento de um projeto dirigido por uma parte da “elite dirigente paulista”, em que se agrupava “empresários” e “educadores”, desde o fi nal dos anos de 1920 (Limongi, 1989, pp. 111-187; Cardoso, 1982). Nele se reuniram, de um lado, pro-fi ssionais liberais que viriam a ser conhecidos como o “grupo do jornal O Estado de S. Paulo” sob o comando de Júlio de Mesquita Filho, e do outro, com integrantes do que veio a ser denominado “escolanovismo brasileiro”, no qual se reuniriam, entre outros, Fernando de Azevedo21. A meta almejada por aqueles homens e mulheres (que compunham o movimento escolanovista) foi à reconstrução do país, a partir da expan-são do ensino ‘primário’ e ‘secundário’ por todo o território nacional (Nunes, 2001; Cunha, 1992; Bueno, 1987). Dentro desse contexto social específi co, que se deve observar o discurso de Júlio de Mesquita Filho, paraninfo da turma de 1936 da Faculdade de Filosofi a. Nesse discurso, Júlio de Mesquita Filho, propôs uma maneira para a qual deveria ser entendida a fundação da USP e de sua FFCL, e, conseqüentemente, os caminhos que ela deveria seguir. Nas suas palavras:

... não me seria licito equiparar a entrega de diplomas à primeira turma

de licenciados [...] ao ato banal e corriqueiro pelo qual, fi ndo os cursos

regulares, são considerados aptos a exercer as chamadas profi ssões liberais

àqueles que [se formavam] no Direito, na Engenharia ou na Medicina [...]. As

vossas preocupações são de outra natureza. Não são passíveis de aplicação

imediata as disciplinas em que formastes o vosso espírito. Egressos de uma

Faculdade onde se professa o culto pela ciência, espontâneamente votastes a

vossa vida e a vossa inteligência ao progresso dos conhecimentos humanos

[...] cabe-vos de direito um lugar destacado na comunhão universitária, e

20. Sobre a questão dos níveis de consagração ver: Abreu (1996). Para uma análise da atuação profi ssional no setor acadêmico ver: Balbachevisky (1996).

21. Para mais detalhes e análise do assunto consultar, entre outros: Cardoso (1982), Mate (2002) e Bittencourt (1990).

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a vossa formatura, ultrapassando de muito o signifi cado de uma simples

festividade escolar, marca um etapa decisiva na história do pensamento na-

cional [...]. Com a vossa licenciatura, pela primeira vez, no decorrer de nossa

evolução, aparece, para atuar nos destinos da nacionalidade, um grupo de

jovens, oriundos de um instituto de alta cultura, cujos diplomas [...] integram

a totalidade das disciplinas de que se constitui o saber humano. Assim, o fato

de vos achardes prontos a preencher a lacuna centenária que nos relegava à

condição humilhante e subalterna de colônia intelectual, passa a assinalar

uma das mais profundas transformações jamais verifi cadas em nosso meio.

Encerrastes defi nitivamente um ciclo da nossa existência, para dar início a

outro: o da maioridade cultural22.

Continuava o discurso, expondo as razões pelas quais o Estado de São Paulo havia estado no centro da economia nacional – com a produção e exportação de café –, para onde saiu (parcialmente) do cenário, depois da ‘crise de 1929’ (em meio aos turbilhões internacionais nas bolsas de valores), quando acabou perdendo força política23, junto com o Estado de Minas Gerais, em função da “Revolução de 1930” (Fausto, 1997). Naquelas circunstâncias, segundo ele, o Estado de São Paulo buscou em vão o retorno “glorioso” por meio da “Revolução constitucionalista de 1932”, porque era necessária uma transformação, naquele momento, não apenas estadual, mas em nível nacional. A melhor forma para isso, prosseguia, era a criação de uma “nova elite dirigente” formada nas Universidades, para buscar cultivar nas “gerações” de jovens do ensino “primário” e “secundário” a “consciência nacional”. Por “elite dirigente” entendia um conjunto de indivíduos de origens diversas, mas detendo posições econômicas e políticas signifi cativas no interior da sociedade, a partir das quais atingiam setores de comando estatal, onde as decisões do Estado e da Nação eram tomadas. Mas, já nesse momento, não via

22. Oração do paraninfo Júlio de Mesquita Filho In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras 1936, 1937, p. 198.

23. Para uma análise dos desdobramentos políticos, econômicos e sociais daquele perío-do consultar, entre outros: Cano (1998a, 1998b), Mello (1998) e Arruda (2001).

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mais a “elite dirigente”, somente enquanto proveniente da reprodução dos próprios grupos políticos e econômicos no poder, mas enquanto um grupo diversifi cado que tinha como ponto em comum originar uma “elite dirigente”, por meio do ensino oferecido em escolas “primárias” e “secundárias” (Miceli, 2001; Cardoso, 1982). Na verdade, muito poucos jovens atingiam o ensino superior, e por isso o público alvo daquela ini-ciativa foram às crianças e jovens do ensino “primário” e “secundário”, as quais deveriam proliferar aqueles ensinamentos dentro do ambiente familiar, no qual a maioria dos pais não sabia ler ou escrever (Cunha, 1992; Bueno, 1987). Portanto, para São Paulo voltar à sua posição de “locomotiva do país” deveria antes de tudo alfabetizar a população do Estado. Evidentemente, Júlio de Mesquita Filho, não se referia a uma efetiva reestruturação da educação pública e privada. O seu interesse era na formação de “novos quadros” para o ensino – em que até aquele momento se dirigiam os “derrotados” das profi ssões liberais – com o objetivo de suprir, além das necessidades de formação de pessoal qua-lifi cado, dirigir a população os caminhos que “efetivamente” deveriam ser tomados pelo Estado. Daí, para ele, a importância do professor se-cundário: “formar grupos dirigentes”. Quer dizer: capacitar a população para conhecer as alternativas que deveriam ser tomadas pelo Estado e preparar as próximas gerações de “grupos dirigentes”, que receberiam a etapa fi nal de sua formação nas universidades. Diz ainda:

Sabeis o que representa para um povo o ensino das humanidades. Não

desconheceis que dêle depende principalmente a maior ou menor aptidão dos

povos para conservar a própria independência, senão o lugar que porventura

venham a ocupar na hierarquia internacional. É [...] de capital importância

para as nacionalidades a organização de um ensino secundário capaz de

suscitar valores e capacidades em condições de constituir uma sólida elite

dirigente [...]. Para os advogados sem causas reserva[vam]-se as cadeiras

de português, de história, de lógica e de psicologia. Nunca conseguira um

engenheiro um trecho de estrada ou a construção de uma ponte? Dava-se-lhe

no ginásio mais próximo, como fi cha de consolação, a cadeira de álgebra

ou de física, de desenho ou de aritmética. Ao médico destituído de clientela

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cabia lecionar química ou as ciências naturais [...] eu vos dizia, há pouco,

que, entre as múltiplas tarefas que vos incumbe realizar, está na primeira

plana o dever de substituir o conceito do saber por um outro: o do saber

posto ao serviço da coletividade [...] tendes por principal missão criar um

ideal, uma consciência coletiva ou, para falar a linguagem da época, tendes

por principal missão criar no espírito da juventude e instilar-lhe na alma

coletiva a mística nacional [...]. Sois, na quási totalidade, nascidos em S.

Paulo; e, se porventura alguns de vós aquí não viram pela primeira vez a luz

do sol, dentro de nossas fronteiras formaram o seu caráter e amadureceram

para a vida do pensamento. Nessas condições, basta que volvais o olhar

para o passado, basta que vos apliqueis a penetrar o verdadeiro sentido da

nossa história, para que não vos assalte sombra de uma dúvida sobre a rota

a indicar às gerações de amanhã24.

Assim, a fala de Júlio de Mesquita Filho veio destacar como uma das principais funções da USP e de sua FFCL, a formação de pessoal qualifi cado para suprir as necessidades do ensino público e privado ofere-cido até aquele momento no nível “primário” e “secundário” das escolas federais, estaduais, municipais, religiosas ou fundadas por imigrantes (Bittencourt, 1990; Bueno, 1987; Tanuri, 1973). Mesmo que, desde 1925, com a publicação do texto A crise nacional, Júlio de Mesquista Fillho já viesse esboçando tais idéias, foi apenas depois de 1930, com as revira-voltas do sistema político e econômico, que o projeto ganhou contornos mais defi nidos (Bontempi Jr., 2001). Para Júlio de Mesquita Neto:

[...] quase todos se esquecem de que o projeto da Universidade e da

Faculdade de Filosofi a, tal qual sonhado em 1925 por Júlio de Mesquita

Filho e publicado em ‘A crise nacional’, consistia não apenas em criar um

centro de investigação científi ca, mas também de formação de professores

capacitados para o ensino secundário. Mais ainda, esquece-se de que o en-

sino na Universidade de São Paulo e na Faculdade de Filosofi a era público

24. Oração do paraninfo Júlio de Mesquita Filho. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras 1936, 1937, pp. 203-205.

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e gratuito [com exceção de matrículas em exames de ingresso] e que uma

das obsessões de Júlio de Mesquita Filho e de Armando de Salles Oliveira

era que o ensino secundário fosse de alto nível e para isso bem remunerado.

[Em seguida ressalta que as idéias de] Júlio de Mesquita Filho sobre a crise

nacional, expostas em 1925 [...] são o alicerce sobre o qual se construirão a

Universidade e a Faculdade de Filosofi a. Não havia questão de hegemonia

paulista em 1925; havia consciência, isto sim, de que contribuição São Paulo

poderia dar para auxiliar o Brasil a superar suas difi culdades [Mesquita Neto

in Freitas, 1993, pp. 12-13].

Júlio de Mesquita Neto (1922-1996), não entendia, por isso, porque foi proliferada uma outra “memória coletiva” sobre aqueles aconteci-mentos. Na verdade, Mesquita Neto, não teve contato direto com os discursos e as ocasiões a que vinha participando Júlio de Mesquita Filho, depois de fundada a Universidade – o que lhe possibilitaria veri-fi car como a proposta de 1925 se adequou as características da década de 1930.

Quando, em 1945, foi novamente paraninfo de outra turma de for-mandos, Júlio de Mesquita Filho lembraria que não:

[...] vos terá passado [...] despercebida a importância que vimos em-

prestando em nossa exposição ao ensino secundário. É que formamos da

universidade um conceito integral. Concebemo-la como um todo orgânico,

que, acompanhando o adolescente nos bancos ginasiais, só o restitui a so-

ciedade, completada a sua formação intelectual, após os cursos do chamado

ensino superior. Qualquer distinção fundamental que se pretenda estabelecer

entre as duas fases do processo educativo não encontraria base na natureza

essencial do sistema. E era o que sempre tivemos em vista ao estabelecer as

linhas mestras do plano primitivo da nossa Universidade. [Para ele os órgãos]

em que se subdividiriam o organismo na sua totalidade, seria uma resultante

das necessidades da nação, das suas aspirações culturais, respeitadas, é claro,

e como acabais de ver pelo que já fi cou dito, as nossas tradições [Mesquita

Filho, 1969, pp. 184-185].

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Tarefa semelhante foi incluída na fala de Fernando de Azevedo25, na cerimônia de formatura realizada em 1950. Assim, indicando que a repetição e a proximidade de objetivos faziam parte de um projeto em comum defendido tanto por Júlio de Mesquita Filho, quanto por Fernan-do de Azevedo. Para ambos o papel de Armando de Salles Oliveira foi fundamental não apenas na construção da universidade, mas também no desenvolvimento da instituição.

O próprio Armando de Salles Oliveira avaliaria sua intervenção no estado diante da Assembléia Legislativa de São Paulo, em 1937, da seguinte maneira:

O ensino é hoje, em São Paulo, um apparelhamento complexo, que vae

das formas rudimentares adaptadas aos meios ruraes á organização grandiosa

de sua Universidade [...]. A escola e o voto são as armas das democracias

– serão as grandes armas do Brasil. No governo de São Paulo, disseminei

escolas e respeitei o voto. Por isso, ainda que não tivesse realizado as obras

que realizei, teria feito um genuíno governo para o povo26.

Em discurso pronunciado no Theatro Municipal de Belo Horizonte, a 16 de agosto de 1937, acrescentaria as suas realizações que:

Nunca será demais repetir que as universidades, qualquer que seja o logar

do paiz em que se ergam, devem ser criadas para exercer sua infl uencia, não

sobre uma região, mas sobre toda a nação. Essas instituições, que não podem

subsistir sem um sólido systema de educação secundaria, têm o objetivo de

cultivar as sciencias, ajudar o progresso do espírito humano e dar á sociedade

elementos para a renovação incessante de seus quadros scientifi cos, culturaes,

technicos e políticos27.

25. Discurso do paraninfo prof. dr. Fernando de Azevedo. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1950, 1952, pp. 56-70.

26. Armando de Salles Oliveira. In: Annaes da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Sessão ordinária de 1937. São Paulo: Industria Gráfi ca Siqueira S. A., 1953, v.1, p. 985 e 992.

27. Discurso pronunciado no Theatro Municipal de Belo Horizonte, em 16 de agosto de

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Muitos anos depois, em entrevista concedida a Sônia de Freitas (1992), Antônio Candido de Mello e Souza (1918 - )28 assim se lembraria daquele momento:

A Universidade [...] nasceu realmente de um projeto político de setores

esclarecidos da classe dominante, e seu idealizador, a pessoa que mais lutava,

que mais tinha vontade de que houvesse uma Universidade em São Paulo, foi

Júlio de Mesquita Filho. Isso foi possível quando o cunhado dele, Armando

de Salles Oliveira, se tornou interventor federal, quer dizer, o homem que

dirigia o Estado. Tendo os instrumentos políticos na mão, os referidos seto-

res esclarecidos das classes dirigentes de São Paulo realizaram o projeto da

Universidade, que acarretou a criação da Faculdade de Filosofi a, Ciências e

Letras. Júlio de Mesquita Filho disse mais de uma vez que eles desejavam que

São Paulo, derrotado pelas armas em 1932, recuperasse a sua força através

da cultura. É curioso que, numa espécie de paranóia de classe, ele compara

a situação de São Paulo com a situação da França, depois de derrotada pela

Alemanha em 1870, como se fosse um país. Acho que esta é a versão mais

próxima da realidade: um projeto político, a fi m de equipar o Estado com

os instrumentos culturais necessários para ele assumir em nível elevado a

liderança da Federação [Melo & Souza in Freitas, 1993, pp. 35-36].

1937. In: Annaes da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Sessão ordinária de 1937. São Paulo: Industria Gráfi ca Siqueira S. A., 1953, v.1, pp. 993-994.

28. Essa não foi à primeira ocasião em que Antônio Candido se referiu ao tema. Muitos anos antes, em 1947, quando foi paraninfo de uma turma de formandos da FFCL, assim já percebia a questão: “Nas Faculdades jovens, como a nossa, as distâncias entre professôres e alunos são, felizmente, pequenas, porque todos têm o sentimento vivo de participar, lado a lado, na construção de alguma coisa que não adquiriu contornos defi nitivos; a tradição ainda não ergueu, em nossa casa, as barreiras segregadoras do status, as pequenas querelas de precedência e as grandes vaidades catedráticas. [...] No conjunto das vocações universitárias, pertence-vos a do ma-gistério secundário – convicção de grandeza intelectual de um povo. Independente da pesquisa e da criação, que também defi nem a Faculdade de Filosofi a, é como professôres que nos apresentaremos à comunidade universitária e à sociedade do nosso país, e é nessa qualidade que tanto se espera de nós”. In: Oração do paraninfo Antônio Cândido de Mello e Souza. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, p. 283.

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Os “discursos fundadores” pelos olhares de outros protagonistas

A participação de Armando de Salles Oliveira, entretanto, não era vista com tamanha contribuição por outros protagonistas, seja na efe-tivação do projeto de criação da universidade no estado, seja quanto à melhoria e a expansão dos níveis de ensino. O mesmo vale, para o papel desempenhado por Júlio de Mesquita Filho e por Fernando de Azevedo, que para muitos foi secundário, se comparado a história da universidade no Brasil.

Alfredo Ellis Júnior (1896-1974), por exemplo, então Deputado da Câmara Estadual e vinculado ao Partido Republicano Paulista (o PRP), observava da seguinte forma a sua intervenção no estado:

[...] a administração do sr. Armando de Salles Oliveira fez crescer a

dívida interna consolidada e a dívida interna fl utuante, as quaes subiram nas

proporções phantasticas de 200 e 300%, crescendo egualmente em proporções

formidáveis a dívida externa, em virtude da queda do câmbio, ao qual ainda

estamos amarrados na nossa vida fi nanceira29.

Não era apenas uma disputa partidária. Alfredo Ellis Júnior dife-renciava-se do grupo de O Estado, também sob a análise do processo. Para ele o:

[...] dr. Armando de Salles Oliveira, quando era Interventor, em 1935,

para ‘fazer bonito’ para os outros Estados brasileiros em propaganda da sua

futura candidatura á Presidência da República [depois cancelada, por causa do

golpe de 1937], creou, de uma só vez 1.024 [...] escolas públicas. Mal sabem

os nossos ilustres patrícios que essa proeza foi feita com grande sacrifício

para o misero professor paulista, á custa da reducção dos seus minguados

29. Alfredo Ellis Júnior. 25ª sessão ordinária em 9 de agosto de 1937. In: Annaes da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Sessão ordinária de 1937. São Paulo: Industria Gráfi ca Siqueira S. A., 1953, v.1, p. 531.

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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”

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vencimentos de rs. 400$000 para 300$000 no Estado que se diz o ‘leader’ da

Federação. Introduziu no magistério [...] a famosa classe de estagiários que

não têm direito a cousa alguma na vida30.

Alfredo Ellis Júnior, antes de eleito deputado, era professor secun-dário de História da Civilização em colégios da cidade de São Paulo. Ressaltava corriqueiramente sua trajetória, nas sessões da Câmara. Ma-nifestava abertamente seu “orgulho” em “ser paulista” e:

[...] desde 1935 que venho dizendo em successivos discursos, que o nosso

magno objectivo na guerra de 1932 foi tirar uma satisfacção contra a oppressão

que a dictadura [...] baixava sobre nós, desde 1930 [...] queríamos lavar a nossa

cara! [...]. Queríamos nos reabilitar perante nós mesmos [...] outro objectivo

era a conquista do regimen constitucional. Elle nos daria a autonomia que

nos fôra arrancada em 1930 naquella tragédia que se iniciava soturnamente

[...] quer por meio da palavra quer por meio das armas31.

Esse quadro nos leva inevitavelmente a questionar como esses discursos foram recebidos e interpretados por outros protagonistas no período, principalmente aqueles que estiveram próximos à universi-dade. Na maioria dos casos notou-se que esses discursos eram pouco conhecidos. Eram discutidos apenas quando os protagonistas os haviam escutado. No caso destes, porém, as indagações não fi cavam tão somente sobre o que permitiu a criação da instituição, mas se desdobravam em: qual a história do ensino superior brasileiro e o que o diferenciava de outros países? Porque a criação de universidades no Brasil foi tardia? E, fi nalmente, como deveria ser pensado o papel das universidades no país? (Ferreira, 2002).

30. Alfredo Ellis Júnior. Leitura da carta ‘Os estagiarios’ na 28ª sessão ordinária em 12 de agosto de 1937. In: Annaes da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Sessão ordinária de 1937. São Paulo: Industria Gráfi ca Siqueira S. A., 1953, v.1, p. 604.

31. Alfredo Ellis Júnior. 14ª sessão ordinária em 27 de julho de 1937. In: Annaes da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Sessão ordinária de 1937. São Paulo: Industria Gráfi ca Siqueira S. A., 1953, v.1, p. 320.

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Verifi cou-se que nem sempre eram conhecidos os discursos de um paraninfo para outro. Mesmo no que dizia respeito ao conhecimento da publicação de obras de um para o outro, que se davam, em geral, fora da universidade, os discursos tocavam pouco (e na maioria das vezes nada) no assunto. Por exemplo, Ernesto de Souza Campos (1882-1970), médico, professor de ensino superior durante vários anos, foi convocado pela turma de formandos de 1938 a ser o paraninfo, convite a que con-cordou de imediato. Em sua fala alertava que não se devia apenas viver do passado, mas pensar caminhos para o futuro. Embora as Faculdades de Filosofi a estivessem cumprindo seu papel ao formarem “professôres para o magistério secundário”, o campo da pesquisa acadêmica estava pouco desenvolvido, contando ainda com o “intercâmbio científi co com o estrangeiro” para colher seus frutos. A USP não era a mais antiga no país “mas ocupava excelente posição entre as suas congêneres brasileiras [...] ela não se limitou, na sua formação, a um simples agrupamento de escolas superiores. Com ela se criou o núcleo fundamental que é esta Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras”32. Assim, considerava impor-tante observar a experiência de outros países.

Harvard [nos EUA] já celebrou o seu terceiro centenário. Vem de 1636.

Conta hoje a América do Norte 81 grandes Universidades em uma percenta-

gem de 21% sôbre as 356 existentes no globo. Em relação à população, tem

uma para cada 1.628.000 habitantes. É o país mais rico em Universidades.

São também bem antigas as outras Universidades da América. Entre as 14

do Canadá, a mais velha vem de 1800, datando a mais moderna de 1912. No

México, a ‘Universidad Nacional’, criada com a denominação de real e pon-

tifícia, em 1553, foi renovada em 1910, tornando-se autônoma em 1922. Das

cinco Universidades argentinas, a mais antiga, que é a de Córdoba, formou-se

ainda sob o domínio de Espanha. A de Bogotá, na Colômbia, vem de 1622;

a de Quito, no Equador, de 1640. Santiago, no Chile, marca a sua fundação

de 1838; Montevidéu, de 1849. Mesmo nas repúblicas que resultaram da

32. Oração do paraninfo Ernesto de Souza Campos. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, p. 190.

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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”

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fragmentação política da América Central, são antigas as Universidades. A de

Guatemala, fundada pelo Supremo Conselho das Índias, tem sua origem em

1675; a de Honduras provém de 1847. [...] Fora da América, outros países,

novos como o nosso, cuidaram destas instituições desde épocas remotas.

Sidney começou em 1850, Melbourne, três anos depois, Adelaide, em 1874.

Na Nova Zelândia a mais antiga é de 1869. Na África do Sul elas se insta-

laram desde 1881. O Brasil, com seus 40 milhões de habitantes, só cogitou

dêste assunto em 1920. Entre os países da América foi o último a tratar dêste

problema. Por isso, hoje só temos 4 Universidades, quando a Argentina, com

13 milhões, tem cinco, o Canadá, com 9 milhões, 13, a Austrália, 6 para os

seus 6 milhões e meio de habitantes e a Nova Zelândia, 3 para uma população

de 1 milhão e quinhentos mil33.

Em seu exame, Ernesto de Souza Campos, comparava a situação do Brasil com a de outros países. Inferia que aqui as universidades ainda não haviam tido a devida atenção, como ocorria em outros lugares. Para demonstrar a sua afi rmação procurava historiar as tentativas de execução de tal empreendimento, e que tiveram início na América Portuguesa (depois no Brasil independente), a partir do século XVI, quando padres jesuítas tentaram instalá-las aqui. O movimento, entretanto, foi desfeito quando o Marquês de Pombal, no século XVIII, decretou a expulsão destes (Da Cás, 1996).

A segunda tentativa de criação de uma Universidade foi estabelecida nos

planos da Inconfi dência Mineira. As referências são encontradas em vários

documentos que fazem parte dos ‘Autos de devassa da Inconfi dência Mineira’.

Depois essas tentativas se foram sucedendo, sempre sem êxito, tôda a vez que

um grande acontecimento se registrava na história do país. Com a mudança

de sede da monarquia portuguêsa, o comércio da Bahia, interessado em que

se estabelecesse naquela cidade a sede do govêrno da metrópole, ofereceu-se

para construir o palácio real, reservando, ainda, a soma de 80 contos, con-

33. Oração do paraninfo Ernesto de Souza Campos. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, pp. 191-192.

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siderável naquele tempo, para que se fundasse ali uma Universidade. Foi a

terceira investida. Não aceitou o Príncipe Regente nem uma, nem outra oferta,

fazendo-se de velas para o Rio de Janeiro [onde desembarcaria em 1808]34.

A quarta tentativa ocorreu quando o Brasil foi elevado à categoria de reino, depois de 1808. Mas a proposta foi rejeitada, em 1816, pela As-sembléia Constituinte. Segundo Ernesto de Souza Campos as esperanças foram renovadas a partir da Independência. Mas em função de disputas políticas, em torno de onde seria instalada a universidade, novamente o projeto seria silenciado. Para ele iniciava uma ‘vitória incompleta’ quando começaram a serem criadas escolas médicas (uma na Bahia e outra no Rio de Janeiro em 1808), escolas de engenharia e “os cursos jurídicos de São Paulo e Olinda [a 11 de agosto de 1827]”. Segundo ele, apresentava-se, na década de 1840, outros projetos de reformas gerais do ensino, mas todos foram engavetados. Com tantas tentativas, encerrar-se-ia o século XIX com mais de dez, todas elas desfeitas. Terminada a Monarquia, nos primeiros anos da República nada de signifi cativo alterou a situação. Fato, que segundo este, só se reverteria na década de 1920, quando as primeiras tentativas de criação de universidades foram realmente concretizadas.

No início dos anos de 1930, com a emenda “Roquette Pinto”, exigia-se para a instalação de universidades o agrupamento, ou criação, de pelo menos três escolas superiores, sendo uma das quais, a Faculdade de Filo-sofi a, Ciências e Letras. Na década de 1930, só eram encontradas em São Paulo (com uma na recém-criada USP) e no Rio de Janeiro (com uma na Universidade do Distrito Federal (UDF), depois anexada à Universidade do Brasil, criada em 1939, em função da extinção da UDF). Outras foram inauguradas, nos anos de 1930, mas tiveram vida curta (provavelmente por terem sido empreendimentos privados). Assim, em sua fala lembraria mais a história do ensino superior no Brasil, do que o empreendimento realizado nos anos de 1930 pelo grupo de O Estado.

34. Oração do paraninfo Ernesto de Souza Campos. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, p. 198.

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O mesmo caminho foi escolhido por Afonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958), em 1939, quando foi o paraninfo da turma de formandos. Para ele:

As velhas faculdades superiores que vieram da colônia, as academias

militares de guerra e de marinha, as escolas de medicina e a de belas artes,

todas ainda de fundação joanina, desdobraram-se na época imperial como se

deu com as faculdades médicas, a separação do ensino da engenharia militar

do da civil, a fundação dos cursos jurídicos de São Paulo e Olinda, da Escola

de Minas de Ouro Preto.

Veio a República encontrar um aparelhamento de ensino superior cons-

tante de um número de órgãos já assaz vultuoso e subdividido em diversas

especializações.

[...]

A reforma da instrução pública, em 1915, decretada na presidência

Wenceslau Braz, sob a inspiração do Ministro Carlos Maximiliano, previa a

criação da Universidade do Brasil que só foi levada a efeito em 1924, sob a

presidência Epitácio Pessoa.

Mas esta criação nada mais era do que um esbôço de regime universitário.

Sob a presidência de Getúlio Vargas, em 1932, caberia ao ministro da

educação Dr. Francisco Campos o grande mérito de dar ao nosso ensino supe-

rior a organização ora vigente, sob um estatuto que, sem favor algum, é obra

obediente a tão sólido critério quanto elevado conhecimento das condições

universitárias universais.

[...]

Não era possível, de início, certamente, estabelecer cursos minudentemen-

te especializados como os que constituem os elencos da atividade anual dos

aparelhos universitários seculares europeus e notadamente americanos.

Impunham as circunstâncias que os nossos programas abrangessem,

sobretudo, as linhas mestras das grandes disciplinas, coordenadas num curso

de aperfeiçoamento cultural35.

35. Discurso do professor Afonso d’Escragnolle Taunay, paraninfo da turma de 1939. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, pp. 224 e 226-227.

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O seu discurso incluiria apenas algumas palavras a Fernando de Azevedo, que teria o mérito de incentivar a criação de associações, edi-toras, bibliotecas e auxiliar na execução do projeto de criação da USP. Não ressaltava nem a participação de Júlio de Mesquita Filho, nem de Armando de Salles Oliveira. Sua ressalva se deve, em parte, a sua dis-cordância quanto à contratação de professores estrangeiros, em prol dos profi ssionais do país, com a justifi cativa de que tinham uma formação “autodidata”. Discordava ainda, sobre a comparação feita por tais pio-neiros, de São Paulo se assemelhar a história da Alemanha, nos séculos XVIII e XIX, e a França pós-187036. Suas obras, naquele momento em elaboração, refl etiam o papel do bandeirante, como em História Geral das bandeiras paulistas, obra publicada entre 1924 e 1950 em 11 volumes, e em História do café no Brasil, também em 11 volumes lançados entre 1929 e 1941 (Araújo, 2006). Não foi por acaso, portanto, que ele e sua obra tenham sido homenageados várias vezes na Assembléia Legislativa de São Paulo, entre 1936 e 193737; em especial, por Alfredo Ellis Júnior, autor de, entre outros, Os primeiros troncos paulistas e o cruzamento euro-americano (de 1936), A nossa guerra (de 1933) – em que ressaltava as conseqüências da “Revolução de 1930”, para o estado de São Paulo – e Meio século de bandeirismo (de 1939), tese de cátedra, com a qual se efetivou na cadeira de História da Civilização Brasileira do curso de Geografi a e História da FFCL/USP, que até então havia sido ocupada por Afonso de Taunay (Ferreira, 2002), seu “antigo” mestre e amigo.

O mesmo faria Adhemar Pereira de Barros (1901-1969), então governador do estado, em seu discurso de 1940, para a turma de forman-dos. Nele lembraria que a Faculdade de Filosofi a “não foi incorporada à organização universitária de São Paulo por mero embelezamento. Os

36. Bontempi Jr. (2001) avança nessa discussão, ao demonstrar a complexa rede de circunstâncias históricas que viabilizaram a inserção de movimentos católicos e de direita no interior da instituição, a partir dos anos de 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, e a forma como esse discurso “politizado” era discutido e absorvido por outros professores e pelos alunos da universidade nesta época.

37. Annaes da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Sessão ordinária de 1937. São Paulo: Industria Gráfi ca Siqueira S. A., 1953, 3v.

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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”

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diferentes cursos que a compõem preparam os moços para as fi nalidades mais diversas e, ao mesmo tempo, mais necessárias”38. Recordando, então, a função de qualifi cação de pessoal para o ensino “secundário” e para o superior.

Alguns anos depois, o professor André Dreyfus (1897-1952), para-ninfo da turma de 1943, iria também lembrar que a Faculdade de Filosofi a “visa[va] dois fi ns principais: preparar professorado de carreira para o ensino secundário e estimular a formação de pesquisadores nos vários campos do saber humano”39.

Em busca de uma “memória coletiva” sobre a criação da USP

Se, como vimos, os protagonistas do período formularam interpreta-ções diversifi cadas sobre a origem da instituição, tendo como ponto em comum observarem a centralidade da Faculdade de Filosofi a na formação de profi ssionais para o ensino “secundário” e para o superior, no caso dos alunos formados pela instituição, e que permaneceram nesta como professores, houve uma similitude de pensamento, devido à maneira como foram periodicamente relembradas, nas cerimônias de formatura, as origens e a função da universidade40.

Para João Cruz Costa (1904-1978), por exemplo, orador da primeira turma de formandos de 1936, no “inevitável desenrolar dos acontecimen-tos políticos, deram-se os movimentos revolucionários de 1930 e 1932.

38. Discurso do Dr. Adhemar Pereira de Barros, paraninfo da turma de 1940. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, p. 242.

39. Discurso do professor André Dreyfus, paraninfo da turma de 1943. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1939-1949, 2v., 1953, p. 250.

40. No que diz respeito à recepção daquele “discurso fundador” entre os alunos da instituição, e que contribuíram também com a elaboração da “memória coletiva” sobre a criação e o desenvolvimento da Universidade de São Paulo, e de sua Fa-culdade de Filosofi a, Ciências e Letras, além da discussão aqui desenvolvida, ver: Roiz (2006).

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O que êles mostraram, o que êles ensinaram e o que nos mostrou e o que nos ensina ainda hoje a experiência de outras nações, é que devemos cuidar da educação e da cultura do nosso povo, afi m de nos aprestarmos para iniciar uma nova e mais segura rota”41. Portanto, a “nossa missão, quaisquer que sejam os caminhos que agora tenhamos de trilhar, está intimamente ligado aos destinos da Universidade. Interessa-nos altamente a sua existência e a sorte que lhe está reservada, porque o seu destino se confunde com o nosso. É mister, pois, defi nir a nossa posição e o nosso pensamento acêrca da renovação que a Universidade veio operar em nosso meio”42. Acreditava João Cruz Costa que a função da universidade não estava somente na formação de pessoal qualifi cado para o ensino secundário, mas também na formação de novos quadros de professores para suprir as próprias necessidades do ensino superior, na medida em que se procurava nos alunos o desenvolvimento do cultivo pelas ciências e pela “cultura do espírito”. Para ele esta renovação se dera, quando Júlio de Mesquita Filho, Fernando de Azevedo e Armando de Salles Oliveira, então interventor do Estado de São Paulo, se uniram para fundar uma universidade no estado.

Posição semelhante foi a de Carlos Marques Pinho, licenciado e orador da turma de 1945, quando relembrou o papel de Fernando de Azevedo, Júlio de Mesquita Filho e, principalmente, de Armando de Salles Oliveira (1887-1945) na concretização do projeto de criação da Universidade de São Paulo. Em suas palavras: “Armando de Salles Oli-veira não morreu! Vive imperecìvelmente pelas suas idéias, pelas suas obras, pela sua sábia conduta de líder democrata sincero, na profi ssão de fé, na Democracia e na Honestidade”43.

Em 1949, não contrariando tal “memória coletiva”, o licenciado Ro-que Spencer Maciel de Barros (1927-1999), orador daquela turma, diz:

41. Discurso pronunciado pelo orador da turma João Cruz Costa em 25/1/1937. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1936, 1937, p. 192.

42. Discurso pronunciado pelo orador da turma João Cruz Costa em 25/1/1937. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1936, 1937, pp. 190-191.

43. Discurso pronunciado pelo orador da turma de 1945, o licenciado Carlos Marques Pinho. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1939-1949, 1953, p. 339.

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Dos “discursos fundadores” à criação de uma “memória coletiva”

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E, confrontando a realidade e o sonho, pudemos de fato chegar a um

ideal legítimo de Universidade, pelo qual creio estarmos todos dispostos a

lutar, ainda que árdua seja a nossa luta. Compreendemos, de início, que a

Universidade no Brasil, continua ainda uma aspiração, não um fato. Que êsse

reino de justiça e de razão deve ser construído com sacrifício e persistência,

com luta e desprendimento. Porque ele, indubitavèlmente, é uma necessidade

para o destino cultural e moral do País, como o compreendeu, no momento

oportuno, aquêle que foi grande demais para ter continuadores: Armando de

Salles Oliveira44.

Com argumentos semelhantes, na cerimônia de colação de grau realizada no Teatro Municipal da cidade de São Paulo, a 27 de dezembro de 1950, para conferir os títulos de licenciados e bacharéis a mais uma turma que se formava na FFCL/USP, aproveitava-se o momento para repetir um ritual de consagração e manter a ‘imagem’ que estava sendo construída sobre a instituição. Nela participaram como paraninfo o prof. dr. Fernando de Azevedo e o orador de turma Dante Moreira Leite (1927-1976), do curso de Filosofi a, além, evidentemente, dos convidados e formandos. Na ocasião, Fernando de Azevedo aproveitava para “reavivar” as circunstâncias pelas quais passaram os “atores sociais” envolvidos na construção da instituição, ressaltando o papel que agora cabia “as novas gerações” continuar por meio de sua atuação profi ssional. Diz ele:

Não há atmosfera tão impregnada do sentimento de continuidade e de

espírito de renovação como esta em que se envolve a solenidade de hoje, e

que, ultrapassando-os, prolonga os mestres nos discípulos e mantém viva a

idéia de ligação do passado e do presente, na sucessão ininterrupta de gerações

de educadores [...]. Mas, se essas tradicionais festas escolares assumem, por

isto, o caráter de uma cerimônia ritual, por assim dizer religiosa, com que

se alimenta uma fé constante no primado das cousas do espírito e nos fi ns

44. Discurso pronunciado pelo orador da turma de 1949, o licenciado Roque Spencer Maciel de Barros. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1939-1949, 1953, p. 356.

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superiores da vida, traz a solenidade magnífi ca desta noite um signifi cado

particular, verdadeiramente agradável a todos os que empenharam suas fôrças

em obter, através da unidade de formação dos mestres, a unidade de espírito

nas escolas normais e secundárias do país. Pela complexidade de sua estrutura,

pela extensão de suas ramifi cações, a Faculdade de Filosofi a que vos confere

o grau de licenciado, visa, certamente, não estancar nenhuma fonte, levar em

conta todos os pontos de vista e despertar o hábito e o gôsto dos horizontes

largos [...]. Para essa função primordial de elevar, aperfeiçoar e renovar, de

concentrar e difundir a cultura, fi losófi ca, literária e científi ca, é que se fundou,

como parte integrante do sistema universitário, a Faculdade em que terminastes

vossos cursos, nas diversas seções de sua vasta e complexa organização [...] é

dela que os outros institutos, guardadas as suas fi nalidades específi cas, devem

haurir os princípios universais da ciência para os fazer frutifi car no campo

da aplicação e da especialização profi ssional; é por ela, que tôdas as outras

escolas superiores, que se elaboram a inter-penetração e a coordenação dos

conhecimentos humanos, a unidade de espírito na diversidade dos estudos, a

reintegração do saber num tipo de cultura45...

A essa altura, o discurso de Fernando de Azevedo já dispunha de condições “oportunas” e “favoráveis” para possíveis comparações entre os anos de 1930, antes da criação da Faculdade de Filosofi a, e os anos de 1940 e início dos anos de 1950, quando esta havia conferido o título de licenciados para várias turmas de formandos. O seu objetivo foi mos-trar a transição na qual passava a sociedade brasileira: de tipicamente rural e agro-exportadora, para urbana e industrial. E no interior dessa mudança, assentava-se outra transformação: a expansão do ensino pú-blico em escolas ofi ciais de níveis “primário” e “secundário” (Arruda, 2001). Na reorganização que passava a escola secundária, prosseguia Fernando de Azevedo, o papel do professor, formado em Faculdades de Filosofi a, apresentava-se essencial para renovar o ensino, que ainda naquela altura dos anos de 1950 era ministrado, indistintamente, tanto

45. Discurso do paraninfo Prof. Dr. Fernando de Azevedo. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1950, 1952, pp. 56-58.

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por não-licenciados (formados em outras áreas), como por licenciados46. Ressalta ainda:

Mas, a escola secundária, capaz de exercer essa função, na sua plenitude,

não é como sabeis e já tendes a experiência, o tipo de escola que encontrareis

no país, e sôbre o qual, a despeito da transformação parcial dos métodos de

ensino, não passou ainda um sôpro vigoroso de renovação, inspirada no sen-

tido real do humano e mais nìtidamente orientada para a cultura do espírito.

Aquêles, dentre vós, que pretendem dedicar-se ao magistério secundário e

não à pesquisa e às atividades científi cas, no domínio dos estudos em que se

especializaram, terão, pois, sôbre os ombros uma tarefa difícil e árdua – a de

contribuir, cada qual na sua disciplina e todos, pela unidade fundamental de

espírito e de métodos, para a renovação do ensino secundário no Brasil. A

essência dêsse ensino virá do seu germe, de suas raízes, do ar que respirou,

de tôdas as secretas infl uências de escolas como as Faculdades de Filosofi a,

mantidas no mais alto nível, de que deve ser o produto vivo, e cujos progressos,

por sua vez, embora dependentes sobretudo do trabalho de seus mestres e do

impulso dado às atividades criadoras, estão ìntimamente ligados, pela base,

aos do ensino secundário, em seu novo espírito e em suas novas formas47.

No seu discurso, Dante Moreira Leite, além de concordar com as opiniões de Fernando de Azevedo, apontava outro ponto sobre o problema do ensino secundário: a má compreensão por parte da “sociedade civil” das funções e das necessidades da pesquisa.

[...] Temos compreendido a inteligência como ato milagroso, capaz de

superar anos de pesquisa metódica [...]. O mesmo acontece com a profi ssão

que a maioria dos licenciados adota: o professorado. Pois também se julga

que para ensinar determinado assunto, não é, de maneira alguma, necessário

estudá-lo antes [...] não se compreendeu a importância decisiva que tem a

46. Volta novamente a discutir o tema em: Azevedo (1963, 1971).47. Discurso do paraninfo prof. dr. Fernando de Azevedo. In: Anuário da Faculdade

de Filosofi a, Ciências e Letras, 1950, 1952, p. 59.

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formação de escola secundária, mesmo para os que vão seguir uma carreira

liberal. Tem-se fi rmado a idéia da especialização, como se esta não supu-

sesse, antes, um preparo geral, sem o que, longe de preparar um homem ou

uma mulher as nossas escolas estarão fabricando técnicos incapazes de ser

verdadeiros cidadãos. O resultado dessa estreita concepção do ensino como

preparação para uma carreira, abandonando a educação como preparação para

a vida, é que os nossos alunos saem da escola exatamente como entraram

para ela. Além de um pequeno preparo técnico, não se nota um progresso, por

pequeno que seja, no desenvolvimento da capacidade de pensar as situações

concretas da existência; não se nota em que êsses alunos são superiores aos

que não tiveram possibilidades de preparo escolar. Em outras palavras, o

estudo, nesse caso, foi perfeitamente inútil48.

O fato concreto, portanto, que sobrepunha à fala de ambos foi o lugar a ser ocupado na sociedade pela FFCL/USP. Quer dizer, em momentos de transformações generalizadas defl agradas naquelas décadas na socie-dade brasileira (como a urbanização repentina causada pelo crescimento populacional e pelo desenvolvimento industrial, a formação de “novos estratos sociais” dentro da sociedade, com a incorporação do imigrante europeu e asiático, e a reestruturação do ensino ofi cial), qual deveria ser o posicionamento das instituições de ensino superior, já que desde os anos de 1930, procurou-se construir uma tradição, onde as Faculdades de Filosofi a, preferencialmente, deviam ser os suportes para a formação de “grupos dirigentes”? (Nadai, 1991).

Esse foi, efetivamente, o problema que pareceu, de tempos em tempos, situar-se nos cerimoniais de formatura, e nos discursos de paraninfos e de oradores de turma. Na cerimônia realizada em fevereiro de 1952, refe-rente à turma de formandos de 195149, Eurípides Simões de Paula (atual

48. Discurso do orador, o Licenciado Dante Moreira Leite. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1950, 1952, pp. 73-74.

49. Atraso ocorrido por causa das paralisações daquele ano, em prol das Faculdades de Filosofi a, que estavam em risco, em função de solicitações de “autodidatas” e não-licenciados, junto ao Congresso Nacional, reivindicando-se paridades entre eles e os licenciados nos concursos e nas escolas. As greves das Faculdades de Filosofi a fi zeram

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diretor da Faculdade de Filosofi a) foi o paraninfo, ao lado do licenciado, em ciências sociais, Renato Jardim Moreira, orador da turma. No seu discurso Eurípides Simões de Paulo (1910-1977) ressaltava que em “1932 [...] um grupo de intelectuais paulistas, chefi ados por Alcântara Machado, fundou a Faculdade Paulista de Letras e Filosofi a [...] [indicando] que o papel desempenhado pelas nossas tradicionais escolas superiores, Direito, Politécnica, Medicina, já não era sufi ciente” para subsidiar as necessidades da sociedade, que estava se tornando mais complexa. Apoiando-se nos discursos de Júlio de Mesquita Filho, pronunciados em 1936 (quando foi formando de turma), e outro em 1950, no I Congresso de ex-alunos da Faculdade de Filosofi a (quando já era professor da faculdade), Eurípides retornou a tradição discursiva para a qual a fundação da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras e da USP ocorreu “principalmente devido ao desfecho da nossa Revolução [de 1932]. São Paulo iria agora disputar a primazia no campo intelectual, já que no terreno político parecia que perdera hegemonia”. Mas justamente por causa disso “a nossa Faculdade [nasceu], num ambiente de luta e de incompreensão e, nele, infelizmente, ainda nos mantemos”. Aí notaria o paraninfo, as sutilezas dos paradoxos subjacentes a ‘memória coletiva’ que foi construída sobre aqueles eventos históricos, ao ressaltar a diversidade de interpretações que acabaram sendo elaboradas entre ex-alunos e professores. Também notava a divisão entre os favoráveis e os contrários a iniciativa da fundação da universidade. Aos contra o projeto, outro fator contribuiu para a “incompreensão”. Para ele, quando Armando de Salles Oliveira enviou o professor Teodoro Ramos a Europa para contratar professores e pesquisadores para ministrarem disciplinas, em que no Brasil não havia especialistas, tivemos, segundo Eurípides, “então, um movimento de repulsa a Faculdade. Muitos autodi-datas se insurgiram contra ela, sentindo-se prejudicados”50.

o congresso nacional voltar atrás ao projeto de lei, que foi engavetado. Para maiores detalhes consultar: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1951, 1952, pp. 52-56; Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1952, 1953.

50. Discurso do Paraninfo, Prof. Dr. Eurípides Simões de Paula. In: Anuário da Facul-dade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1951, 1952, p. 52. Para uma discussão dessa questão ver: Carelli (1994)

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Em função de todos esses fatores estiveram presentes aos discursos à “repetição” e o uso de uma “tradição” sobre a origem da instituição, fi xada na “memória coletiva”, ora alicerçando as falas e as ulteriores iniciativas, ora servindo de base para novas orientações de ação e planejamento. Tal foi à recepção daquela “tradição discursiva”, que Renato Jardim Moreira, assim se referiu sobre a fundação da Faculdade de Filosofi a:

[...] originou-se da compreensão dessa realidade [...] estava presente ao

espírito de seus fundadores [Júlio de Mesquita Filho, Fernando de Azevedo e

Armando de Salles Oliveira] a necessidade imperiosa de se organizar um Insti-

tuto para formar professôres e pesquisadores capazes de satisfazer às exigências

da vida moderna, por intermédio de uma formação universitária especializada;

[e, ainda assim, uma] série de fatôres, decorrentes de nossa formação histórico-

social, tem contribuído para que o seu êxito não seja completo51.

Conclusões

A partir desse quadro se verifi ca que os protagonistas mesmo tendo fi ns diversos, aproximavam-se sobre a pretensão de construírem uma identida-de para a universidade, a partir da FFCL/USP. Ao historiarem o processo que culminaria na criação da universidade, apoiavam-se em suas próprias experiências e nas ações dos grupos que faziam parte. Observavam que a criação de universidades no Brasil tardou, fundamentalmente, em função da sua condição de colônia de Portugal, e da sua localização no mercado internacional ser, naquele momento, secundária. Para justifi carem a volta do estado de São Paulo à “soberania nacional”, após os eventos de 1929, 1930 e 1932, de um lado, comparavam a condição deste “Estado”, a vivida pela França, após a guerra franco-prussiana de 1870; de outro, com base no bandeirantismo paulista, o estado de São Paulo deveria olhar para a sua própria história de pioneirismo, diante da “nação”. Essas posições, como

51. Discurso do orador da turma, o Licenciado Renato Jardim Moreira. In: Anuário da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, 1951, 1952, p. 57.

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vimos, defi niam os grupos, suas disputas políticas e intelectuais, e seus olhares sobre o processo. Observavam ainda que a função da universidade, nos anos de 1930, era caracterizada, principalmente, a partir da Faculdade de Filosofi a, que organizaria quadros para o ensino “secundário” e para o superior – ainda que aqui também houvesse uma tensão entre o “autodi-datismo” e a profi ssionalização do trabalho intelectual no país (Bontempi Jr., 2001; Miranda de Sá, 2003; Roiz, 2004).

Desse modo, vimos como durante esse período Fernando de Azevedo e Júlio de Mesquita Filho procuraram rememorar a fundação da insti-tuição, tendo em vista o papel crucial exercido por Armando de Salles Oliveira, quando foi o interventor do estado de São Paulo, e de como as tentativas de se criar uma “memória coletiva” sobre àqueles acontecimen-tos, esbarravam-se, muitas vezes, as leituras e interpretações de outros protagonistas, tornando cada vez mais complexa a tarefa de se escrever uma história sobre a USP, e, por extensão, sobre a sua Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras. Portanto, as formas de manutenção daquele “discurso fundador”, a partir da elaboração de uma “memória coletiva”, sobre os acontecimentos que vislumbraram a fundação da USP e de sua FFCL, ocorreram em um período de “transição da sociedade brasileira” (Cano, 1998a, 1998b; Arruda, 2001) e, por isso, as iniciativas receberam diversas interpretações52.

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a) Fontes impressas:

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52. Embora em sua pesquisa Sônia Maria de Freitas não analise os discursos de para-ninfos e oradores de turma, entre as décadas de 1930 e 1950, para compreender a diversidade de interpretações sobre a fundação da USP, que haviam sido incorpo-radas por ex-alunos e professores, a sua pesquisa contribui para revelar justamente a forma como ocorria a transmissão e assimilação da “memória coletiva” de um grupo para outro (Freitas, 1992, 1993).

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Diogo da Silva ROIZ

185Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 137-185, jan./abr. 2009

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Endereço para correspondência:Diogo da Silva Roiz

Rua José Luiz Sampaio Ferraz, 1.133Vila Gisele – Amambai-MS

CEP 79990-000E-mail: [email protected]; [email protected]

Recebido em: 1 mar. 2006Aprovado em: 6 maio 2008

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Macioniro Celeste FILHO

187Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 187-204, jan./abr. 2009

Os primórdios da Universidade de São Paulo

Macioniro Celeste Filho1

*

Resumo:A criação da Universidade de São Paulo (USP) no início da década de 1930 comportou disputas de projetos quanto à sua organização. A Escola Politécnica de São Paulo pretendia tornar-se o núcleo da futura instituição. No entanto, a opção adotada em 1934 atribuiu essa incumbência à recém-criada Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras. Isso provocou forte reação das antigas unidades profi ssionalizantes incorporadas à universidade, em especial na Escola Politécnica. O atual trabalho pretende acompanhar os confl itos entre a Escola Politécnica e a Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras nos tumultuados primórdios da USP.

Palavras-chave:Escola Politécnica; Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras; Universidade de São Paulo; sistema de cátedras; Teodoro Ramos.

* Doutor em educação, com área de especialização em história da educação, pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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Os primórdios da Universidade de São Paulo

188 Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 187-204, jan./abr. 2009

The beginning of São Paulo University

Macioniro Celeste Filho

Abstract: The foundation of São Paulo University, in the beginning of the decade of 1930, suffered disputes of projects for its organization. The São Paulo Polytechnic School intended to become the nucleus of the coming institution. Meanwhile, the option adopted in 1934 imputed this duty to the newly created Faculty of Philosophy, Sciences and Literature, which provoked a strong reaction of the early professionalizing units that were connected to the university, specially in Polytechnic School. The present text intends to study the confl icts between São Paulo Polytechnic School and Faculty of Philosophy, Sciences and Literature during the tumultuous beginnings of São Paulo University.

Keywords:Polytechnical School; Faculty of Philosophy, Sciences and Literature; São Paulo University; cathedra system; Teodoro Ramos.

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Macioniro Celeste FILHO

189Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 187-204, jan./abr. 2009

Os primórdios da Universidade de São Paulo (USP) foram turbu-lentos. Existiu, por breve momento, entre 1932 e 1934, a possibilidade da Escola Politécnica de São Paulo transformar-se em núcleo da futura universidade estadual de São Paulo. Não foi este o projeto a ser implan-tado em 1934. A opção de que a recém-criada Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras fosse a unidade a dar coesão à USP provocou forte reação das antigas unidades profi ssionalizantes, em especial na Escola Politécnica. O atual trabalho pretende acompanhar os confl itos entre estas duas unidades na nascente Universidade.

A criação de universidades no Brasil, tema debatido desde as últimas décadas do século XIX e início do século XX no país, destacadamente na década de 1920, tem sua confi guração articulada em 1931 com o Estatuto das Universidades Brasileiras. Um dos motivos de confl ito na nascente universidade da década de 1930 era como equacionar sua organização. Manteria-se o sistema de cátedras? A criação de uma unidade nova, in-cumbida da coesão universitária, poderia arejar ou aperfeiçoar o sistema de cátedras? Em quais unidades da universidade deveriam permanecer ou serem alocadas as cátedras básicas de ciência?

Para entender o sistema de cátedras, recorreu-se à bibliografi a sobre o assunto. Entre outros estudos, existem dois trabalhos fundamentais sobre sistema de cátedras. A dissertação de mestrado de Helena Co-harik Chamlian (1977) com o título de O departamento na estrutura universitária. E o texto de Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero (2001) intitulado “Da cátedra universitária ao departamento: questões para um debate”.

O trabalho de Helena Coharik Chamlian tem a vantagem de ter sido escrito quando a Reforma Universitária de 1968 ainda era recente e o sistema de cátedras havia desaparecido há poucos anos. A autora afi rma que a descrição do sistema de cátedras, desde o modelo da Universidade de Coimbra até a década de 1960, deveria ser apenas parte introdutória do texto. Porém, a análise do sistema de cátedras adquiriu, durante a pesquisa, importância crucial. A autora divide seu trabalho em duas partes. A primeira parte analisa a cátedra e suas características na estru-tura tradicional do ensino superior brasileiro; assim como as mudanças

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Os primórdios da Universidade de São Paulo

190 Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 187-204, jan./abr. 2009

ocorridas no período fi nal de sua existência. A segunda parte investiga o surgimento dos departamentos antes da Reforma Universitária e a concepção de departamento que foi consagrada nos dispositivos legais desta reforma. Nas considerações fi nais, Helena Coharik Chamliam descreve casos concretos da implantação dos departamentos em alguns estabelecimentos de ensino superior até meados da década de 1970. O trabalho desta autora possibilita a compreensão detalhada do sistema de cátedras existente nas universidades brasileiras até 1968.

O trabalho de Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero é sintético. Embora busque as origens da cátedra no ensino superior brasileiro desde o século XIX, a autora dedicará maior atenção aos seus últimos trinta anos de existência. Neste texto, é abordada a luta pela constituição da carreira do magistério em paralelo às críticas ao sistema de cátedras. A autora analisa os artigos vetados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961 que tratavam do tema, resultando então no fi m da obrigatoriedade das cátedras no ensino superior brasileiro. Maria de Lourdes Fávero trata da convivência no ensino superior brasileiro, na década de 1960, entre os dois sistemas: de cátedras e de departamentos. A autora encerra seu texto com a descrição da institucionalização do sistema departamental no fi nal da década de 1960. Seu texto é funda-mental para compreender a importância das cátedras de ciência básica e sua conseqüente disputa por unidades diferentes da universidade em seus primeiros anos de existência.

No século XX, a primeira reestruturação importante na confi guração do ensino superior brasileiro acontece em 1931 com a criação do Esta-tuto das Universidades Brasileiras, também conhecida como Reforma Francisco Campos.

Em relação à cátedra, o Estatuto [de 1931] ratifi ca o professor catedrá-

tico como o primeiro na hierarquia do corpo docente e coloca em termos de

exigência para o provimento no cargo o concurso público de títulos e provas.

Prevê, também, a nomeação de professor sem concurso, no caso de candidato

insigne que tenha realizado invento ou descoberta de alta relevância, ou tenha

publicado obra doutrinária de excepcional valor [Fávero, 2001, p. 225].

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Macioniro Celeste FILHO

191Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 187-204, jan./abr. 2009

O Estatuto das Universidades Brasileiras, ao manter a cátedra, acarreta um adiamento na criação de uma carreira para o magistério superior. Os diversos auxiliares do catedrático, quer sejam chefes de clínica, chefes de laboratórios, assistentes ou auxiliares de ensino deve-riam ser de confi ança do respectivo catedrático. Eram por ele escolhidos e sua permanência no cargo, dele quase sempre dependia. A ascensão na carreira dos assistentes e auxiliares estava calcada na vontade do ca-tedrático, em decisões às vezes tendenciosas e eivadas de autoritarismo. Década e meia depois, a Constituição de 1946 consagra três aspectos no sistema de cátedras. Segundo a Carta Magna, o provimento das cátedras se dará por concurso de títulos e provas, ela será a garantia da liberdade de ensino e será vitalícia (Fávero, 2001, pp. 226-227).

A reforma do ensino superior de 1931 possibilitou que as univer-sidades criadas nos anos seguintes adaptassem, em termos de estrutura administrativa e didática, diversas práticas há muito tempo em vigor nas escolas isoladas ofi ciais. O ensino superior na década de 1930, na maior parte das vezes, não visou instituir universidades inteiramente novas, mas incorporar os institutos isolados aos novos organismos a serem criados. Isso provocou um longo processo de marchas e contramarchas em prol da integração das velhas instituições nas novas universidades.

As escolas tradicionais, aparentemente, sempre tiveram uma atitude de

ambivalência em relação ao novo regime: de uma parte sempre se interessa-

ram por elevar-se ao novo “status” universitário, em virtude do prestígio das

novas instituições, da maior facilidade em obtenção de verbas etc, mas, de

outra parte, algumas delas resistiram sempre a qualquer medida destinada a

romper o seu tradicional isolamento e a efetivamente incorporá-las ao com-

plexo universitário [Antunha, 1974, p. 75].

Uma das soluções encontradas na década de 1930 para a constitui-ção da universidade, marcadamente em São Paulo, foi a criação de uma unidade central, de caráter não profi ssional, a Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras na qual seriam reunidas todas as cátedras de ensino de tópicos gerais, até então dispersas pelas diversas faculdades profi ssionais.

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192 Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 187-204, jan./abr. 2009

Neste trabalho, não será possível tratar da estruturação das várias univer-sidades surgidas no país desde a década de 1930, optando-se então em usar como referência a Universidade de São Paulo. No caso específi co da USP, sua Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras possibilitou uma fl exibilização na rigidez do sistema de cátedras com a contratação em caráter temporário de professores estrangeiros.

Nesses primeiros tempos, o rígido regime de cátedras foi, em grande

parte, colocado de lado com a efetivação do sistema de contrato de mestres

estrangeiros. Ao contrário do que ocorria com as demais escolas, que possu-

íam professores catedráticos – vitalícios e inamovíveis – a nova Faculdade

pode dispor, durante muito tempo, de um corpo de professores, relativamente

jovens, sem intenções de perpetuação nas funções para as quais haviam sido

contratados, porém com profundas ambições de natureza intelectual. Isto

redundou, sem dúvida, num arejamento do sistema e, ao mesmo tempo que

levantou críticas e objeções, trouxe à Universidade um novo espírito, mar-

cado por um certo “cosmopolitismo”, bem como por um intenso dinamismo

e pela produtividade intelectual. Na verdade, a intenção dos fundadores da

USP era a de fazer com que a infl uência da missão estrangeira ultrapassasse

os limites da própria Faculdade de Filosofi a, desbordando para as outras

escolas, contribuindo assim para reformar a Universidade como um todo

[Antunha, 1974, p. 108].

A transferência das cadeiras de ensino de tópicos gerais das diversas escolas profi ssionais da USP, como matemática ou química, por exemplo, para a Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras não se concretizou. O argumento freqüentemente utilizado para evitar isto era diferenciar a formação de um cientista da preparação de um profi ssional. O profi ssional desenvolvia um saber técnico, enquanto a ciência não tinha fi nalidade de aplicação prática. Portanto, deveria impor-se a separação didática entre um cientista da área da física e um engenheiro, por exemplo. A última tentativa de transferência das cadeiras básicas da USP para a Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras ocorreu em 1937. Para tanto, Armando de Sales Oliveira – interventor que governava São Paulo – nomeou Alexandre

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193Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 187-204, jan./abr. 2009

Albuquerque para a direção da Escola Politécnica, com a incumbência de que as cadeiras das disciplinas fundamentais devessem ser desagregadas desta escola para serem exclusivas da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras. Tal mudança afetaria posteriormente todas as demais faculda-des tradicionais e não apenas a Escola Politécnica. Esta transferência de cátedras impossibilitaria a total autonomia curricular das unidades tradicionais da USP na formação profi ssional de nível superior. Caso a transferência ocorresse, os catedráticos oriundos da Escola Politécnica trabalhariam lado a lado com os professores estrangeiros contratados em caráter temporário pela Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras. Na década de 1930, seria duvidosa a submissão dos professores estrangeiros à rígida hierarquia catedrática das tradicionais escolas profi ssionais que formaram a USP. Nesse cenário, a Congregação da Escola Politécnica, contrariando seu diretor, recusa-se a aprovar a transferência das cadeiras básicas para a Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras, opondo-se a qualquer tentativa do Conselho Universitário neste sentido.

Heladio Antunha, Beatriz Fétizon e Bruno Bontempi Jr., em seus respectivos trabalhos sobre a USP, abordaram os confl itos entre a Facul-dade de Filosofi a, Ciências e Letras e a Escola Politécnica. No entanto, estes autores enfocaram privilegiadamente o papel da Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras (FFCL) em relação à organização da USP. Em seus importantíssimos textos, as outras unidades da universidade foram tratadas secundariamente.

Ana Paula Hey e Afrânio Mendes Catani sintetizaram a reação que os professores contratados para a FFCL provocaram na comunidade intelectual de São Paulo:

Por uma gama de motivos, o modelo concebido originalmente para a

FFCL jamais se implementou nesses termos. Beatriz Fétizon (1986) realiza

um inventário das razões desse insucesso. Entendemos que Irene Cardoso

(1982) fornece explicação abrangente a respeito. A partir da entrevista com

Roger Bastide constatou-se que havia um clima hostil à missão francesa por

parte dos católicos, “que julgavam os professores de esquerda; por parte das

escolas profi ssionais, que achavam que o Brasil não precisava de humanismo,

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194 Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 187-204, jan./abr. 2009

mas de técnicos para o seu progresso econômico; por parte dos integralistas,

que defendiam um nacionalismo de direita e julgavam dispensável a presença

de professores franceses na Faculdade. Conforme entrevista com Cruz Costa,

o jornal A Gazeta teria combatido intensamente a Universidade, especial-

mente a vinda de professores franceses para a Faculdade. [...] A reação das

faculdades profi ssionais da própria Universidade expressa nos debates do

Conselho Universitário, contra a idéia da integração naquela Faculdade de

todas as cadeiras de conteúdo não profi ssionalizante da Universidade” [Hey

& Catani, 2006, p. 302].

Para esclarecer os motivos dessas reações, é apropriado atentar um pouco mais à dinâmica da disputa entre a FFCL e a Escola Politécnica. Os embates entre a Escola Politécnica e a recém-criada Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras pelas cátedras de ciência básica têm por personagem central o professor Teodoro Augusto Ramos. Nascido em 1895, um ano depois da criação da Escola Politécnica, era professor concursado nesta instituição desde 1922. Em 1929, Rodolpho Baptista de São Thiago, diretor da Escola Politécnica, planejando que esta Escola se confi gurasse como raiz da universidade a ser criada em São Paulo, envia questionário aos catedráticos da Escola Politécnica como forma de colher idéias sobre este projeto. Teodoro Ramos, em viagem de estudos à Europa, envia carta em 19 de agosto de 1929 afi rmando que:

Caso a Escola Politécnica de São Paulo venha a fazer parte de uma

organização universitária, as questões de caráter didático e administrativo

referentes ao ensino nela professado deverão ser resolvidas pela sua con-

gregação.

[...]

A criação imediata de uma Faculdade de Letras e o aperfeiçoamento da

nossa Escola Politécnica de modo a dar-lhe uma organização semelhante, em

muitos pontos, à que possuem as universidades técnicas alemãs, poderiam

talvez constituir medidas sobre as quais se assentaria em São Paulo, mais

tarde, uma sólida universidade [Escola Politécnica de São Paulo, 1937,

pp. 101-102].

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Macioniro Celeste FILHO

195Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 187-204, jan./abr. 2009

Antes da sondagem executada em 1929 pelo diretor da Escola Politécnica de São Paulo, no inquérito sobre o ensino realizado por Fernando de Azevedo em 1926 para o jornal O Estado de S. Paulo, embora cogitasse na criação de uma Faculdade de Filosofi a e Letras, Teodoro Ramos afi rmava que os futuros cursos científi cos deveriam ser integrados à Escola Politécnica. Ainda em 1926, não questionava o papel privilegiado a ser desempenhado pelas tradicionais congregações na formação das universidades:

No que diz respeito especialmente à instrução superior, penso que con-

trariamente ao que tem sido praticado pela União, a questão da orientação do

ensino deveria ser, de preferência, discutida e resolvida pelas congregações

das escolas superiores.

[...]

Penso que, inicialmente, poderia o governo do Estado criar uma

Faculdade de Filosofia e Letras, um Instituto de Educação e alguns

cursos superiores de matemática, física e química anexos à Escola

Politécnica, cujos laboratórios seriam completados [Azevedo, 1937,

p. 402 e p. 409].

Após a tomada do poder federal por Getúlio Vargas, esse posicio-namento e a atuação de Teodoro Ramos como secretário da Educação e Saúde Pública do estado de São Paulo desde novembro de 1930 ga-rantiram ao professor o apoio da direção da Escola Politécnica para que compusesse, em companhia de Carlos Chagas e de Figueira de Mello, a comissão encarregada de elaborar o Estatuto das Universidades Bra-sileiras, ainda nos primeiros meses do Governo Provisório. Assim, no início de 1931, um engenheiro, um médico e um advogado redigiram o primeiro Estatuto para a criação das universidades no Brasil (Escola Politécnica de São Paulo, 1937, p. 101). O estatuto foi editado como decreto n. 19.851 em 11 de abril de 1931.

Um ano depois, em 18 de abril de 1932, a Escola Politécnica de São Paulo é autorizada pelo decreto federal n. 21.303 a constituir-se como Universidade Técnica de São Paulo. Porém, este decreto não concede

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Os primórdios da Universidade de São Paulo

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completa autonomia ao Estado de São Paulo na organização da futura universidade, nem era esse o propósito do Estatuto das Universidades Bra-sileiras. Em seu primeiro artigo, o decreto n. 21.303 estabelecia que:

Os estatutos da Universidade, de que trata este artigo [1º.], logo que as

condições fi nanceiras do Estado de São Paulo permitirem a sua organização

completa, deverão ser submetidos à aprovação do Governo Federal.

O decreto estabelecia que a Escola Politécnica de São Paulo passasse a apresentar anualmente ao governo federal relatório orçamentário e de suas atividades didáticas:

Nos termos deste artigo [3º.], o Governo do Estado de São Paulo apresenta-

rá anualmente, ao Governo Federal, relatório circunstanciado sobre a atividade

didática e a situação fi nanceira da Escola Politécnica de São Paulo.

Tal aspecto da lei demonstra a intenção de constituir um sistema universitário onde possíveis universidades estaduais tivessem que prestar contas ao governo federal. Ao mesmo tempo em que autorizava a trans-formação da Escola Politécnica de São Paulo em universidade, também estabelecia premissas inéditas de controle federal sobre esta Escola. Isso talvez tenha favorecido a que o governo do estado optasse pela criação da USP por outros caminhos.

No primeiro trimestre de 1933, Teodoro Ramos exerceu o cargo de prefeito de São Paulo. Ao término do terceiro mês de sua administração, demite-se do cargo por divergir da política de gastos e obras públicas. Em sua carta de demissão, recomenda a suspensão de “todas as obras públicas adiáveis” e a paralisação “do início de obras, salvo as de urgente necessidade para São Paulo”. Afi rmava ainda que sua administração, entre outros fatores, se caracterizara pela defesa de uma regulamentação dos serviços públicos e pela preocupação de só realizar as obras de neces-sidade urgente para São Paulo (FGV-CPDOC, Teodoro Ramos, 2001). Talvez estejam na passagem de Teodoro Ramos no cargo de Prefeito de São Paulo os motivos de sua progressiva ruptura com a Escola Politécnica

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Macioniro Celeste FILHO

197Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 187-204, jan./abr. 2009

de São Paulo. É hipótese plausível que em sua breve experiência como prefeito, em choque com executores de obras públicas, Teodoro Ramos tenha se indisposto com engenheiros e escritórios de engenharia encar-regados dessas obras. Tais profi ssionais eram provavelmente oriundos da Escola Politécnica de São Paulo, ou, ao menos, com fortes laços de sociabilidade com membros dessa instituição.

Em 1934, quando da criação da USP, Armando Sales de Oliveira – interventor do Estado e engenheiro formado pela Escola Politécnica – opta pelo projeto idealizado por seu cunhado Julio de Mesquita Filho em parceria com Fernando de Azevedo, Paulo Duarte e Teodoro Ramos1. Esse projeto concebia a USP tendo como unidade aglutinadora da instituição a Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras e não a Escola Politécnica. Teodoro Ramos, catedrático da Escola Politécnica, é nomeado como pri-meiro diretor da recém-criada Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras (FFCL). Ainda em 1934, Teodoro Ramos é incumbido por Armando Sales de Oliveira de viajar à Europa para convidar professores estrangeiros para trabalhar na nascente USP.

Os confl itos entre a Escola Politécnica e a FFCL têm como ponto inicial a contratação do matemático italiano Luigi Fantappié para a cadeira de complementos de geometria analítica, cálculo diferencial e integral e nomografi a, mais conhecida como cátedra de cálculo. Para tanto, o concurso para esta cadeira, em litígio desde o fi nal de 1933, teve que ser suspenso por Armando de Sales Oliveira2. O convite feito a Luigi Fantappié em 1935 para que lecionasse cálculo simultaneamente aos alunos da FFCL e da Escola Politécnica teve repercussão negativa entre os professores da Politécnica. Em discursos na Assembléia Legislativa de São Paulo Mariano Wendel, deputado estadual pelo PRP e profes-

1. Para uma análise da atuação desse grupo de intelectuais no processo de criação da USP, veja o trabalho de Fernando Limongi (1989) intitulado “Mentores e cliente-las da Universidade de São Paulo” e também o livro de Irene Cardoso (1982): A universidade da comunhão paulista.

2. José Otávio Monteiro de Camargo – professor aprovado em concurso em 1933 para a cadeira de Cálculo –, em seu livro citado na bibliografi a, relatou a trajetória judicial bem-sucedida na década de 1930 para a recuperação dessa cátedra.

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Os primórdios da Universidade de São Paulo

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sor licenciado da Escola Politécnica, ataca duramente Teodoro Ramos (Wendel, 1935, pp. 1-24).

Em 1937, o confronto entre a Escola Politécnica e a FFCL atinge seu apogeu. Até esse ano, alunos da Politécnica e da FFCL tinham aulas comuns em cadeiras de ciência básica. Com a pressão para que estas cadeiras fossem agrupadas na FFCL, o confl ito entre as duas unidades da USP eclode. Em 30 de agosto de 1937, Alexandre Albuquerque – di-retor da Escola Politécnica – e Altino Antunes sancionam o parecer do Conselho Universitário da USP para que a cátedra de cálculo, a cátedra de mecânica racional, a cátedra de Física e parcialmente a cátedra de mineralogia sejam transferidas da Escola Politécnica para a FFCL. A Faculdade de Farmácia e Odontologia deveria transferir para a FFCL as cadeiras de física aplicada à farmácia, botânica aplicada à farmácia, parcialmente a cátedra de zoologia e a cátedra de química orgânica. A Faculdade de Medicina Veterinária deveria transferir para a FFCL par-cialmente as cátedras de química orgânica e de zoologia médica (Escola Politécnica de São Paulo, 1937, pp. 169-170).

Sucessor de Teodoro Ramos na direção da FFCL, Ernesto de Souza Campos publica entre 9 e 16 de setembro de 1937 no jornal O Estado de S. Paulo três artigos onde explicita seu voto favorável no Conselho Universitário da USP para que as cadeiras de ciência básica das diversas unidades da Universidade fossem agrupadas na Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras. Em sua argumentação, Souza Campos defende que a universidade só merece este nome quando é foco de cultura, isto é, divulga a ciência adquirida e cria ciência nova. Nessa perspectiva:

Sem laboratórios bem montados e bem aparelhados, instituídos sob o

regime de tempo integral e da investigação original não se faz ciência. Sem

tais elementos pode-se obter apenas uma simulação de cursos científi cos. Não

chegamos, porém, a ponto de podermos possuir, nem mesmo em duplicata,

grandes institutos de ensino que são de aparelhamento caro, difíceis de orga-

nizar, manejar e manter, e dos quais ainda não possuímos entidades capazes

de se por em paralelo com as melhores do mundo. Concentremos, pois, os

nossos esforços a fi m de nos ser possível atingir o nível desejável.

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199Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 187-204, jan./abr. 2009

Tal concentração, porém, só pode ser feita na Faculdade de Ciências. Esta

Faculdade abrange não só a física e a matemática, que mais se relacionam

com a Escola Politécnica, como ainda compreende outros assuntos, tais como:

zoologia, botânica, biologia geral etc. Se fôssemos reunir os departamentos de

física e matemática à Escola Politécnica, teríamos de fazer outro tanto com a

zoologia, a botânica e a biologia, em relação a diversas outras instituições da

nossa Universidade, que com igual direito poderiam pleitear a incorporação

destes cursos aos seus domínios, como a Faculdade de Medicina, a de Me-

dicina Veterinária ou a Escola Agrícola etc. Desaparecida, pois, entre nós, a

Faculdade de Ciências, instituição que desde os primórdios das organizações

universitárias existe em todas as partes do mundo. Com tal deliberação seria

extinta a nossa Universidade, pois que para tal título se exige que haja – Plano

Nacional de Educação – pelo menos três escolas superiores, devendo uma delas

ser fatalmente a Faculdade de Filosofi a, Ciências e Letras [Escola Politécnica

de São Paulo, 1937, pp. 165-166].

É importante ressaltar que o diretor da FFCL faz referência aos fu-turos “departamentos” de física e matemática, por exemplo, e não mais às respectivas cátedras.

A Congregação da Escola Politécnica, contrariando seu diretor, nega-se a transferir as cadeiras de ciência básica para a FFCL. A ar-gumentação apresentada pela Congregação da Escola Politécnica é a de que a especialização moderna torna necessário um ensino também especializado:

O professor de ciências fundamentais na escola de engenharia e o professor

dessas mesmas ciências na faculdade de fi losofi a estão hoje, em conseqüência

do avanço da técnica e do progresso científi co, na obrigação de ensinarem

disciplinas diversas (em quantidade, qualidade, métodos e orientação, como

nas matemáticas, em escala maior ou menor). De tal modo diversas que

correspondem a formações distintas.

E o problema é este: é possível ao que recebeu uma das formações, sa-

tisfazer ao que é requerido pela outra?

[...]

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Os primórdios da Universidade de São Paulo

200 Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 187-204, jan./abr. 2009

Transferido o ensino da matemática para a Faculdade de Filosofi a, Ciên-

cias e Letras, o Conselho Universitário da Universidade de São Paulo concede

apenas à Escola Politécnica a elaboração de programas. O professor, esse, é

recrutado pela Faculdade de Filosofi a e segundo a orientação própria desta – a

pesquisa em ciência pura. É justamente isso que não basta; a Escola Politéc-

nica, na defesa da formação dos seus engenheiros, necessita ter o direito de

conservar sob sua alçada a escolha dos seus professores de matemática, para

os quais não basta ser matemático.

[...] Não repugna mesmo supor o poder encontrar-se professores capazes

de bem desempenhar a sua missão, simultaneamente, na Faculdade [de Ciên-

cias] e na Escola [Politécnica]. O que repugna em absoluto é admitir-se que,

pelo motivo de suas qualidades corresponderem ao que lhe pede a Faculdade

de Ciências, a Escola Politécnica tenha de se dar por satisfeita no que lhe diz

respeito. Seria simplesmente absurdo [Escola Politécnica de São Paulo, 1937,

pp. 29-32, grifos do original].

A Congregação da Escola Politécnica utiliza o Estatuto das Univer-sidades Brasileiras como argumento jurídico para não acatar a decisão do Conselho Universitário da USP:

Desse marcado retrocesso conseguirá escapar a Escola Politécnica e, por

conseqüência, a própria Universidade, com a simples observância do princípio

da “autonomia das congregações”, parte integrante do regime universitário

e, como tal, constituindo disposição essencial do Estatuto das Universidades

Brasileiras [Escola Politécnica de São Paulo, 1937, p. 40].

Em seu artigo 44, o estatuto assegurava que a centralização das disciplinas fundamentais num único instituto universitário dependia da aprovação das congregações das unidades envolvidas nesse processo. Assim:

A lei não autoriza a modifi cação sem o assentimento da Escola Politécni-

ca, e esta, pela sua Congregação, lhe nega o assentimento [Escola Politécnica

de São Paulo, 1937, p. 42, grifos do original].

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Macioniro Celeste FILHO

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Esse confl ito chega ao Conselho Nacional de Educação (CNE). É que a Escola Politécnica de São Paulo tem informações de que o CNE pretende modifi car o artigo 44 do Estatuto das Universidades Brasileiras, apontado como responsável pelo fracasso da criação da universidade no país (Escola Politécnica de São Paulo, 1937, p. 131). Para evitar mudan-ças no estatuto, a Escola Politécnica de São Paulo organiza atuação em conjunto com a Escola Politécnica do Rio de Janeiro, a Escola Politécnica da Bahia, a Escola de Minas de Ouro Preto e a Escola de Engenharia de Belo Horizonte para pressionar o CNE a não mudar o estatuto no que se refere à autonomia das congregações universitárias (Escola Politécnica de São Paulo, 1937, p. 132). O movimento é bem-sucedido. As cadeiras de ciências básicas não são transferidas, ao menos na USP, para a FFCL.

A Escola Politécnica de São Paulo pretendia que a coesão universitá-ria fosse incumbência dela. Sua proposta é de que as disciplinas de ciência básica fossem concentradas na Escola Politécnica nos dois primeiros anos curriculares dos cursos da universidade. A partir do terceiro ano, os futuros engenheiros continuariam nesta Escola. Os demais poderiam cursar três anos complementares na FFCL, incumbida de formar doutores, isto é, pesquisadores e cientistas (Escola Politécnica de São Paulo, 1937, pp. 126-127). A proposta da FFCL era exatamente o oposto. Nenhuma das duas unidades da USP conseguiu implantar seu projeto. Mantiveram ou criaram, então, estruturas curriculares paralelas.

Um dos resultados desse confronto foi a expulsão dos cursos minis-trados pela FFCL de espaços que pertencessem à Escola Politécnica.

As escolas profi ssionais encontravam-se, de um modo geral, instaladas

com um certo conforto, porém localizadas em pontos distantes umas das

outras, em diferentes lugares da cidade. A Faculdade de Filosofi a não possuía

qualquer edifício próprio e o seu destino nos primeiros tempos foi dispersar-

se, localizando suas secções em diversos edifícios e mudando várias vezes

de um lugar para outro [Antunha, 1974, pp. 120-121].

Até 1937, vários cursos da FFCL ocorriam em salas de aula e labo-ratórios da Escola Politécnica. A expulsão destes cursos de espaços da

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Os primórdios da Universidade de São Paulo

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Escola Politécnica e a negativa de sua congregação para que as cadeiras básicas fossem transferidas para a FFCL marcam o fi m das primeiras tentativas para se conseguir a integração universitária da USP. Em de-zembro de 1937, aos 42 anos de idade, morre Teodoro Ramos, primeiro diretor da FFCL. Com ele, sucumbe também a tentativa de integrar a universidade tendo como seu núcleo a FFCL. As diversas unidades da USP continuariam a se manter isoladas por muito tempo.

Nos primórdios da criação da USP, a Escola Politécnica de São Paulo pretendia ser o núcleo da nascente universidade. A Escola Poli-técnica não teve força bastante para impor-se como tal, mas teve força sufi ciente para impedir que qualquer outra unidade da USP ocupasse essa função. Dos confl itos desse período surge a universidade brasileira que conhecemos, sem coesão e predominantemente conglomerada em torno de suas unidades profi ssionalizantes. A Reforma Universitária da década de 1960 tentou reverter tais características. É então proposta a possibilidade de uma universidade mais integrada, com a substituição das Faculdades de Filosofi a, Ciências e Letras por Institutos de Ciência; extingue-se defi nitivamente ness reforma o sistema de cátedras, mas essa é outra história.

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Macioniro Celeste FILHO

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Os primórdios da Universidade de São Paulo

204 Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 187-204, jan./abr. 2009

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Endereço para correspondência:Macioniro Celeste Filho

Av. Paes de Barros, 1.252, ap. 22São Paulo-SP

CEP 03114-000E-mail: [email protected]

Recebido em: 21 nov. 2007Aprovado em: 24 mar. 2008

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Léia Teixeira Lacerda MACIEL e Giovani José da SILVA

205Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 205-226, jan./abr. 2009

Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”: uma crítica a concepções teórico-metodológicas

em pesquisas sobre educação escolar indígena, em Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul (1995-2001)1

Léia Teixeira Lacerda Maciel2

** e Giovani José da Silva3

***

Resumo:A escolarização formal de indígenas ocorre no Brasil há quase um século, mas grande parte da história da educação escolar nas aldeias ainda está por ser escrita. Ainda são poucos os estudiosos que se debruçam sobre os processos de educação formal realizados junto aos índios pelo órgão indigenista ofi cial, missões religiosas e outras instituições ao longo do século XX. O objetivo do artigo é apresentar, sinteticamente, os primeiros resultados de um amplo estudo empreendido pelos autores sobre a história da educação escolar indígena no Brasil, com ênfase na Região Centro-Oeste, particularmente Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Palavras-chave:História; educação escolar indígena; Mato Grosso, Mato Grosso do Sul.

* O artigo trata-se de uma versão modifi cada e ampliada da comunicação apresentada pelos autores no VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, ocorrido em Uberlândia (MG), em abril de 2006 (cf. José da Silva & Lacerda, 2006). Aos colegas que colaboraram com críticas e sugestões, sinceros agradecimentos dos autores, únicos responsáveis pelas idéias contidas no texto.

** Mestre em psicologia e em história pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), respectivamente. Doutoranda em educação na Universidade de São Paulo (USP) e docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), unidade universitária de Campo Grande.

*** Especialista em antropologia pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), mestre em história pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e doutorando em história pela Universidade Federal de Goiás (UFG).

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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”

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Neither a waste of time nor a trojan horse: a criticism to theoretical and methodological conceptions in research on indigenous school

education in Mato Grosso and Mato Grosso do Sul (1995-2001)

Léia Teixeira Lacerda Maciel e Giovani José da Silva

Abstract:Formal schooling of Indians has occurred in Brazil for almost one century, but great part of the History of Schooling in the settlements has not been written yet. Few scholars dedicate themselves to the processes of formal schooling involving the Indians, carried out by offi cial Indian organisms, religious missions and other institutions throughout the 20th century. The aim of this article is to present a synthesis of the fi rst results of a broad study carried out about the History of Indian Schooling in Brazil, focusing the Midwest, especially Mato Grosso and Mato Grosso do Sul.

Keywords:History; indian schooling; Mato Grosso; Mato Grosso do Sul.

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Léia Teixeira Lacerda MACIEL e Giovani José da SILVA

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Considerações iniciais

O Brasil é reconhecidamente um país pluriétnico, constituído por uma considerável variedade de sociedades indígenas, cada uma delas com histórias, saberes, tradições, usos, línguas e costumes próprios (al-gumas correndo o risco, ainda hoje, de desaparecer sem terem sido sequer conhecidas!). Importante reafi rmar que mesmo antes da introdução de instituições escolares em terras indígenas, esses grupos têm desenvolvido complexos sistemas de saberes, independentemente de terem acesso à educação formal. Antropólogos, sobretudo, vêm-se dedicando ao estudo desses sistemas, mas ainda pouco se sabe sobre os processos históricos que engendraram as experiências escolares formais entre as sociedades indígenas do país. Reconhecem-se, comumente, duas tendências nas relações entre o Estado brasileiro e os indígenas no Brasil, ao longo da história, no tocante à educação: a de dominação, por meio de tentativas de integração, assimilação e homogeneização cultural (predominante, porém não exclusiva, desde o período colonial até o fi nal do século XX) e a de reconhecimento ao pluralismo cultural, intensifi cada nas últimas décadas e ainda em curso.

O presente artigo tem, assim, o objetivo de apresentar os primeiros resultados de uma ampla pesquisa acadêmica desenvolvida nos últi-mos anos sobre a história da educação escolar indígena no Brasil, com ênfase na Região Centro-Oeste, particularmente nos estados de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul. Para tanto, o recorte temporal pro-posto é predominantemente o século XX e as fontes utilizadas para este empreendimento são diversifi cadas (escritas, iconográfi cas, orais etc.) e provenientes, sobretudo, de pesquisas desenvolvidas em programas de pós-graduação em universidades localizadas na região mencionada. Além disso, os arquivos de missões religiosas e dos arquivos do órgão indigenista ofi cial (antigo Serviço de Proteção aos Índios – SPI –, atual Fundação Nacional do Índio – FUNAI) também servirão de fontes de consulta no decorrer da pesquisa.

Neste primeiro exercício de sistematização empreendido pelos autores, atém-se somente à produção acadêmica a respeito do tema,

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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”

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problematizando-a teórica e metodologicamente a partir de algumas obras consideradas signifi cativas no âmbito da trajetória histórica da educação escolar entre os índios no Brasil. Os estados de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul1 foram escolhidos para uma breve amostra, pois neles se concentram as atuais pesquisas dos autores. Um contraponto crítico aos trabalhos produzidos até o momento fez-se necessário, tendo em vista a verifi cação de certas limitações teórico-metodológicas recorrentes nos trabalhos arrolados e investigados até o momento.

As pesquisas acadêmicas em história da educação escolar indígena no Brasil: breve panorama

Em levantamento publicado em 2003, o antropólogo Luís Donisete Benzi Grupioni destacou que, no período compreendido entre 1978 e 2002, foram defendidas, pelo menos, setenta e quatro dissertações e te-ses em diferentes áreas do conhecimento que versam sobre a educação escolar indígena no Brasil (Grupioni, 2003). O número, porém, pode estar incorreto, haja vista que, por exemplo, as dissertações de mestrado de Silvia Helena Andrade de Brito (Brito, 1995) e de Renata Lourenço Girotto (Girotto, 2001), defendidas respectivamente em 1995 e 2001, na UFMS, não foram incluídas na relação apresentada pelo antropólogo. Crê-se, portanto, que o número de dissertações e teses seja ligeiramente maior do que o registrado por Grupioni no referido inventário.

Percebe-se que as universidades localizadas na Região Centro-Oeste contribuíram com aproximadamente 30% de toda a produção acadêmica brasileira a respeito da educação escolar indígena no período compreendido entre 1978 a 2002. 35% de toda a produção abordaram diretamente grupos indígenas localizados na região. Interessante notar que há um enorme hiato na década de 1980 a respeito do tema, visto que de 1981 a 1990 não há o registro de um único trabalho versando sobre

1. Salienta-se que até 1977 os atuais estados de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul compunham um único estado, o de Mato Grosso.

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Léia Teixeira Lacerda MACIEL e Giovani José da SILVA

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educação nas aldeias. Outro dado interessante do inventário é que em muitos trabalhos realizados fora do Centro-Oeste, os temas das pesquisas focalizaram sociedades indígenas localizadas na região, especialmente as sociedades xinguanas (Kuikuro, Kayabi, dentre outras). Xavante e Terena aparecem como os grupos mais pesquisados, enquanto outros ainda carecem de investigações.

O primeiro trabalho acadêmico de que se tem notícia sobre educa-ção escolar indígena no país foi defendido, em 1978, na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) por Nancy Antunes Tsupal, orientada pelo professor doutor José Maria Gonçalves Júnior. Intitulada Educação indígena bilíngüe, particularmente entre os Karajá e Xavante: alguns aspectos pedagógicos, considerações e sugestões (Tsupal, 1978), a dissertação, de acordo com a autora, é um relato de natureza etnográfi ca sobre aspectos da educação indígena no Brasil, especifi camente entre as etnias Karajá e Xavante, localizadas nos estados de Goiás/Tocantins e Mato Grosso. No texto, Tsupal apresenta algumas considerações e suges-tões, sobretudo a respeito do caráter da política indigenista educacional praticada na época pela Funai.

Um marco das pesquisas em educação escolar indígena é, sem dúvida, a dissertação de mestrado defendida, em 1992, na Universidade de São Paulo (USP) pela antropóloga Mariana Kawall Leal Ferreira. Intitulada Da origem dos homens à conquista da escrita: um estudo sobre povos indígenas e educação escolar no Brasil (Ferreira, 1992), a dissertação foi orientada pela professora doutora Maria Aracy de Pádua Lopes da Silva e passou a servir como referência para muitos dos posteriores trabalhos de investigação acadêmica sobre o tema em questão no Brasil, inclusive alguns daqueles produzidos no âmbito dos programas de pós-graduação em educação das universidades de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, instituições que, ao lado da UnB e da Universidade Federal de Goiás (UFG), se destacam no cenário nacional pela fecunda produção na área.

No referido trabalho, a autora afi rma que:

Dos diferentes momentos da história da educação escolar para as so-

ciedades indígenas no Brasil, cabe a nós, antropólogos, interpretar o último

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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”

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deles – a luta pela conquista da autodeterminação dos índios também em

relação às práticas escolares – à luz da tendência política que tem marcado

a Antropologia feita no Brasil. O compromisso político dos etnólogos para

com os ideais do movimento indígena formaliza-se, na visão de Gersem

[Luciano dos Santos, indígena Baniwa, do Estado do Amazonas], enquanto

aliança mútua, possibilitando a índios e não-índios, assessorados e assessores,

compartilhar conhecimentos oriundos de diferentes modos de ser, agir e pensar

das distintas sociedades [Ferreira, 1992, p. 214].

Como se verá adiante, este referencial já foi alvo de duras críticas por parte de outros antropólogos (Cavalcanti, 1999, por exemplo).

Em posterior artigo intitulado “A educação escolar indígena: um diagnóstico crítico da situação no Brasil” (Ferreira, 2001), a mesma au-tora examina as experiências educativas desenvolvidas pelo Serviço de Proteção aos Índios, a FUNAI, missões religiosas, secretarias municipais e estaduais de educação, entidades indígenas e indigenistas e, também, as práticas pedagógicas vivenciadas pelos próprios índios na região norte do país. A antropóloga, a exemplo do que escreveu na dissertação de mestrado de 1992, defende que o Estado brasileiro procurou, ao longo do tempo, integrar os índios por meio da escolarização, situação que se confrontaria, atualmente, com os ideais de autodeterminação das sociedades indígenas.

Assim, Ferreira salienta que:

Para os índios, a educação é essencialmente distinta daquela praticada

desde os tempos coloniais, por missionários e representantes do governo. Os

índios recorrem à educação escolar, hoje em dia, como instrumento concei-

tuado de luta [Ferreira, 2001, p. 71].

Contudo, pergunta-se quem seriam exatamente “os índios” de que fala a antropóloga em seu texto. Seriam todos os membros das socieda-des indígenas brasileiras? A quem a autora realmente se refere quando escreve? Além disso, parece haver uma idéia que todo o passado colonial tenha sido de experiências negativas, numa visão uniforme e cronologica-

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mente linear, e que agora, “todos” os índios estariam utilizando o espaço escolar como “instrumento de luta”! Para afastar qualquer perspectiva de generalização, uma das inúmeras armadilhas nas quais pesquisadores da educação escolar indígena em perspectiva histórica correm o risco de se deixarem emaranhar, os autores do presente texto optaram por iniciar os trabalhos de investigação histórica sobre os processos de escolarização formal nas aldeias do Brasil, a partir dos estados de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, Região Centro-Oeste.

As pesquisas sobre educação escolar indígena em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul: levantamento preliminar

A Região Centro-Oeste do Brasil possui uma rica diversidade socio-cultural e étnico-racial e abriga/ abrigou inúmeras sociedades indígenas ao longo do tempo. Mato Grosso do Sul, por exemplo, é um dos estados da federação que apresenta uma das maiores populações indígenas do país na atualidade e onde estão presentes, pelo menos, dez etnias – Ati-kum, Guarani-Kaiowá, Guarani-Ñandeva, Guató, Kadiwéu, Kamba, Kinikinau, Ofaié, Terena e Xamacoco (Ricardo & Ricardo, 2006). A diversidade encontrada em terras sul-mato-grossenses revela distintas situações vivenciadas por cada uma das etnias no que se refere à presença de escolas nas aldeias. Cada um dos grupos étnicos, portanto, vivencia/ vivenciou uma situação particular e específi ca no tocante à educação escolar. Entretanto, é possível verifi car pontos em comum em todas essas experiências, sobretudo no aspecto da violência física e psicológica a que foram submetidos inúmeros indígenas nos ambientes escolares. A esse respeito, os trabalhos de Darlene Taukane (1996, 1999), além das comunicações de Giovani José da Silva (2002) e de Giovani José da Silva e Léia Teixeira Lacerda (2004), dentre outros, são contundentes.

Se a Constituição Federal Brasileira de 1988 foi de fundamental importância para uma mudança de postura jurídica em relação à educação escolar oferecida às sociedades indígenas, é necessário que se refi ra à

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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”

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década de 1970 como um momento de estruturação de diferentes organi-zações indígenas e indigenistas (Brito, 2004). Essas organizações tiveram como objetivos a defesa das terras e lutas por outros direitos, dentre eles a educação. Em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, verifi ca-se que este movimento social se intensifi cou nas últimas décadas do século XX e no início do século XXI, inclusive com a emergência de etnias outrora consideradas “extintas”, tais como os Kinikinau, os Ofaié e os Kamba, atualmente em território sul-mato-grossense e os Guató, que se encontram no Pantanal de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul.

Duas instituições universitárias destacam-se na Região Centro-Oeste, com trabalhos que versam sobre educação escolar indígena: a UFMT e a UCDB, ambas com programas de pós-graduação em educação. No período de 1978 a 2002, Luis D. B. Grupioni (2003) registrou a signifi cativa defesa de oito trabalhos na UFMS, sendo cin-co deles orientados pela antropóloga professora doutora Edir Pina de Barros. Já na UCDB, sediada em Campo Grande, quatro dissertações foram defendidas no mesmo período. Atualmente, a linha de pesquisa em educação escolar indígena encontra-se desativada na UFMT, ao contrário do que ocorre na UCDB, que tem incrementado a mesma ao longo dos últimos anos.

Os grupos pesquisados em Mato Grosso foram os seguintes: Xavante (Silva, 1995; Mata, 1999), Bororo (Aguilera, 1999; Isaac, 1997, 2004), Paresi (Souza, 1997), Bakairi (Taukane, 1996, 1999), Tikuna (Leite, 1994) e Parintintin (Schroeder, 1995), os dois últimos do estado do Amazonas. Em um estado que conta com mais de 35 etnias atualmente, poucas, portanto, foram estudadas. Já em Mato Grosso do Sul, as etnias pesquisadas foram apenas Terena (Carvalho, 1996, 1998; Mangolim, 1998; Fernandes Jr., 1998), Guarani-Kaiowá e Guarani-Ñandeva (Doreto, 1997). Observa-se que nesse caso as etnias Atikum, Guató, Kadiwéu, Kamba, Kinikinau, Ofaié e Xamacoco não receberam atenção alguma por parte de pesquisadores da educação escolar indígena, entre as déca-das de 1970 e 1990. Nesse levantamento preliminar, destaca-se, ainda, o pioneiro trabalho de Rosely Fialho de Carvalho, intitulado Subsídios para a compreensão da educação escolar indígena Terena do Mato Grosso

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Léia Teixeira Lacerda MACIEL e Giovani José da SILVA

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do Sul (Carvalho, 1995), defendido no Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Rio Grande do Sul, em 1995, sob a orientação de Aldema Menine Trindade.

Renata Lourenço Girotto, em dissertação de mestrado em história defendida na UFMS, campus de Dourados (atual Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD), abordou o processo de organização do movimento de professores indígenas Guarani-Kaiowá e Guarani-Ñandeva no estado de Mato Grosso do Sul (Girotto, 2001). Já Silvia Helena Andrade de Brito, em dissertação defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMS, tratou dos projetos educacio-nais dirigidos pelo movimento indigenista, entre as décadas de 1970 e 1990, em todo o Brasil (Brito, 1995). Como já observado, ambos os trabalhos foram ignorados no inventário organizado e comentado por Grupioni (Grupioni, 2003).

Nos últimos três congressos brasileiros de história da educação – Na-tal (2002), Curitiba (2004) e Goiânia (2006) – registrou-se a participação de reduzido número de pesquisadores da temática indígena e, particular-mente dos estados de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, apenas dois trabalhos versaram sobre a educação escolar entre indígenas Kadiwéu (José da Silva, 2002; José da Silva; Lacerda, 2004). Recentemente, na revista Sociedade e Cultura, do curso de ciências sociais da UFG, em número que traz um dossiê sobre “Identidade Indígena e Território”, foi publicado um artigo sobre a educação escolar indígena entre os Kiniki-nau (José da Silva; Souza, 2003). Esses são apenas alguns dos trabalhos realizados nos últimos anos, em âmbito acadêmico, que versam sobre educação escolar e sociedades indígenas no Brasil.

Nesse cenário ainda pouco promissor, os trabalhos de Darlene Yami-nalo Taukane sobre a educação escolar entre os Kurâ-Bakairi, etnia a qual a pesquisadora pertence, ilustram exemplarmente o estágio das pesquisas sobre a temática no Brasil e, em particular, no estado de Mato Grosso (Taukane, 1996, 1999). A autora periodiza a educação escolar entre os Bakairi em dois momentos: de 1920 a 1984, marcado pela atuação do órgão indigenista ofi cial (SPI, depois FUNAI) e de 1985 até os dias atuais, com a apropriação da escola pelos próprios Bakairi. Essa periodização,

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de caráter linear e etapista, parece ser a tônica dos estudos acadêmicos em história da educação escolar nas aldeias e merece uma análise mais minuciosa e crítica.

Aponta-se, dessa forma, que é necessário romper com a história his-toricizante, factual, eivada de senso comum e que ainda marca algumas pesquisas e que se traduzem, por exemplo, na linearidade e na divisão rígida por etapas ou fases. Com isso, será possível a elaboração de uma história da educação escolar indígena no Brasil mais holística, plural e em uma perspectiva de longa duração. O problema de se produzir uma história marcada pelo caráter linear, cronológico e por etapas é que desse modo não são contemplados os múltiplos aspectos e perspectivas espaciais e temporais, aprisionando uma realidade rica e complexa em cânones há muito questionados no interior do próprio saber historiográ-fi co. Isso sem contar com outros problemas, apontados por especialistas de diversas áreas, tais como o engajamento ideológico e militante de certos pesquisadores, a escatologia presente em muitos trabalhos, além da chamada “armadilha arianista” (Funari, 1998).

Contrapontos aos resultados das pesquisas acadêmicas em história da educação escolar indígena: uma crítica

A visão apresentada por Mariana Kawall Leal Ferreira, embora bastante utilizada até hoje pelos pesquisadores da história da educação escolar indígena no Brasil, é passível de críticas, dado o caráter de divisão histórica em etapas linear e taxativamente estabelecidas – as primeiras às quais se outorga um caráter negativo (catequese no Brasil colonial, integração do índio pelo SPI/ FUNAI, infl uência da Sociedade Internacional de Lingüística – SIL, antigo Summer Institute of Linguistics – e missões religiosas) e às últimas, um caráter positivo (projetos alternativos de organizações não-governamentais indigenistas e indígenas). É como se a história da educação escolar indígena tivesse um “passado de trevas”, promovido por agentes não-índios, e um “futuro iluminado” exclusiva-

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mente pela presença de professores, técnicos e gestores indígenas nas escolas localizadas nas aldeias.

A concepção de educação escolar indígena apresentada nos Re-ferenciais Curriculares Nacionais para a Educação Indígena (RCNEI), documento lançado pelo Ministério da Educação em 1998 (Brasil, 1998), não escapa dessa visão e vai ao encontro de inúmeras das idéias de Ma-riana K. L. Ferreira (não por acaso, pois a antropóloga foi uma de suas consultoras e redatoras!). O texto do documento não problematiza, por exemplo, a questão de como o ensino vem ocorrendo nas aldeias de norte a sul do Brasil há tempos. É como se professores, técnicos e gestores indígenas estivessem começando “da estaca zero”, sem uma história das escolas em suas aldeias e sem atentar para o que eles próprios aprenderam a considerar o que seja adequado para o processo ensino-aprendizagem em outras épocas e que os infl uenciam até os dias de hoje.

A própria obra da indígena Darlene Y. Taukane, anteriormente ci-tada, revela os limites da periodização estabelecida pela autora: há uma espécie de fase de “decadência”, sob a responsabilidade de instituições governamentais e religiosas e uma fase “áurea”, em que os índios se apropriaram e assumiram o papel de protagonistas em suas escolas. Pergunta-se: será que há uma real apropriação das escolas por parte da maioria das comunidades indígenas no Brasil de hoje? É possível se construir uma história da educação escolar indígena recorrendo-se somente às já consagradas etapas dicotômicas de fases “decadentes” e fases “áureas”? As respostas a essas perguntas, pelo material examinado até o momento, apontam caminhos diferentes daqueles adotados pela maioria dos pesquisadores.

Para auxiliar na compreensão do que foi exposto, recorre-se ao texto da própria Taukane. Na introdução de sua obra, por exemplo, a autora revela que:

Meu grande desejo é que este estudo, realizado por uma Kurâ, membro

da sociedade em foco possa contribuir para o debate da questão da educação

escolar indígena, de uma maneira mais ampla e particular. Parto da premissa

de que podemos e devemos contar e recontar a nossa história, na nossa con-

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cepção. Precisamos desafi ar os nossos horizontes e dilemas, que precisam ser

respeitados na construção dos nossos projetos [Taukane, 1999, p. 30].

Longe de questionar o direito de Taukane ou de qualquer outro indí-gena de escrever sobre a sua própria história, os autores problematizam o fato de que apenas a autoria indígena garanta a qualidade da escrita da história da educação escolar indígena. Em texto apresentado em 2003, no II Seminário Internacional Educação Intercultural, Gênero e Movimentos Sociais, ocorrido em Florianópolis, o historiador e antropólogo Giovani José da Silva questionou se é prerrogativa exclusiva dos indígenas a pesquisa sobre educação formal em sociedades nativas. Inspirado pelo antropólogo estadunidense Clifford Geertz (2002), o autor comenta que “[...] não é necessário ser um ‘nativo’ para conhecer um, ou melhor, a interpretação do modo de vida de uma sociedade não deve fi car limitada pelos horizontes mentais dessa mesma sociedade” (José da Silva, 2003). Isso equivale a dizer que, a princípio, a qualidade dos trabalhos sobre indígenas não será melhor (ou pior) se os pesquisadores forem os índios! Além disso, é a própria Darlene Y. Taukane quem afi rma ser necessário desafi ar seus próprios horizontes e dilemas...

Entretanto, não é apenas a periodização o único problema a ser apontado nas pesquisas em educação escolar indígena que se realizam hoje. De acordo com a antropóloga Mariana Paladino:

Certos temas e polêmicas também são recorrentes e permitem identifi car

as questões legítimas a serem discutidas sobre educação escolar indígena.

São: introdução da escrita em sociedades de tradição oral, importância que o

ensino formal adquire para estas populações, efeito das intervenções exter-

nas, possibilidade de autonomia e maior controle do relacionamento com a

sociedade nacional que oferece o conhecimento escolar, papel do professor

indígena, impacto da educação missionária, confl itos entre aprendizagem

formal e tradicional, relação entre oralidade/ escrita e mito/ história. Estas

questões estabelecem um padrão nas discussões e nas linhas de pesquisa, que

difi cilmente se afastam delas ou apontam para outras problemáticas. [...]. De

fato, depois de 20 anos continuam sendo as mesmas.

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Ainda de acordo com Paladino:

[...] muitas dessas polêmicas se originam e desenvolvem a partir de um

posicionamento político pessoal sem pesquisa que fundamente as apreciações.

[...]. Outro traço comum é o destaque que se dá a certos agentes, suas falas ou

textos, esses tornam-se referenciais ao serem mencionados por grande parte

dos agentes e tomados como base de hipóteses e focos de extrapolações para

outros períodos históricos e etnias, às vezes sem o sufi ciente rigor comparativo

[Paladino, 2003].

Mariana Paladino também critica o engajamento ideológico e militante de alguns pesquisadores, pois revela o quanto essa postura infl ui nos resultados das pesquisas e nas atuais práticas pedagógicas implantadas nas escolas localizadas em áreas indígenas, em que se ve-rifi cam, ainda, práticas que poderiam ser consideradas “paternalistas” ou “assistencialistas”.

Da mesma forma, o antropólogo Ricardo Cavalcanti (1999), ao realizar uma contundente crítica ao trabalho de Mariana K. L. Ferreira, revela que:

O que me impressiona em muitas dessas histórias da educação formal para

índios, que usualmente começam pelo período da Colônia, é passar pelo alto

dos séculos para caracterizá-los como uma espécie de preâmbulo de opressão

colonial, ao fi m do qual despontaria a Nova Era. [...] Quero dizer, não me

parece tanto uma história, mas antes uma escatologia. Creio que nesse caso,

o que move são exatamente aquelas idealizações em torno da autonomia e

da autodeterminação.

Cavalcanti ainda sugere que:

Tensionar o quanto possa haver de idealização e o quanto tais referências

possam ser histórica e discursivamente determinadas seria uma forma de

recusar as soluções fi nalistas, ao mesmo tempo em que se recusa a evidência

demasiada natural desses ideais que embalam sonhos politicamente corretos.

Que em nome desses ideais os índios sejam declarados (ou imputados como)

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“autores” parece-me, sociologicamente, no mínimo, uma precipitação. Os

índios sim, podem ser vistos como autores ou sujeitos sociais (desde que

não sirvam apenas – como se usa correntemente em certa vulgata – para

ocupar os lugares de vítimas da história ou heróis ecológicos), mas não creio

que antropologicamente se deva ter o mal [sic] senso de fazê-lo a partir das

idealizações dos brancos [Cavalcanti, 1999, pp. 31-32].

Aos autores do presente artigo, as provocações de Mariana Paladino e Ricardo Cavalcanti parecem bastante pertinentes. Nos trabalhos até agora levantados e estudados para esta pesquisa, percebeu-se que, em inúmeros casos, seus autores também estiveram profundamente engajados nos trabalhos de educação escolar indígena que se propuseram a analisar.

Em uma das primeiras dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação na UFMT sobre educação escolar indígena, por exemplo, o texto de Teodorico Fernandes da Silva revela uma das tendências apontadas e criticadas por Cavalcanti:

Decorridos quase quarenta anos, já não há mais internato e foi implan-

tado o Curso do Magistério em Sangradouro, a partir de 1994 atendendo

as reivindicações dos Xavante no sentido de formação de membros de sua

própria sociedade para atender as demandas das escolas existentes em suas

inúmeras aldeias.

Os Xavante hoje, como outros tantos povos indígenas, participam do

movimento em direção à autogestão do seu processo escolar. O Curso do

Magistério conta com a participação de aproximadamente meia centena de

alunos, oriundos, de diversas aldeias Xavante. A história acusa essas e outras

mudanças, tanto a nível das práticas quanto dos discursos, que merecem ser

registradas e analisadas [Silva, 1995, pp. 15-17].

No trecho reproduzido, verifi ca-se como a escatologia apontada por Ricardo Cavalcanti revela-se na pesquisa empreendida sobre a educação escolar indígena entre os Xavante, de Mato Grosso. Trata-se, pois, de uma outra armadilha teórica a ser evitada por quem pesquisa e escreve a respeito da história da educação escolar nas aldeias.

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Afi nal, como sabiamente ressalvam as pesquisadoras Circe Bitten-court e Adriane Silva:

Catequizar, civilizar, integrar e preservar são práticas de educadores-

eruditos a serviço da Igreja, do Estado nacional, monarquista ou republicano

e, fi nalmente, da ciência, agentes cujas ações educativas foram e parecem

ser ainda motivadas pela crença na inevitabilidade da passagem do estado

de barbárie para o de civilização e no desaparecimento das populações in-

dígenas. Afi nal, continuamos a mistifi car a escola, atribuindo-lhes o poder

de ensinar a mágica da escrita, evitando por esta concepção educacional

as críticas relativas ao projeto de colonização simbólica dos não-índios e

justifi car nossos projetos “alternativos” de escolas para índios, muitos deles

atualmente apoiados/ encampados pelas agências governamentais envolvidas

com pesquisa e educação [Bittencourt & Silva, 2002, pp. 75-76].

Um outro problema merece ser citado, dada à recorrência com que aparece nos textos: trata-se daquilo que o arqueólogo Pedro Paulo Abreu Funari qualifi ca sugestivamente como “armadilha arianista”, ou seja, a utilização de um discurso relativo aos indígenas que os aprisiona em uma interpretação culturalista e, por que não dizer, racista:

[...] o discurso sobre os indígenas americanos, antes do contato com os

europeus e nos séculos posteriores, ainda constrói-se, no Brasil, a partir dos

conceitos arianistas, aqui transpostos para os grupos indígenas. Língua gua-

rani, povo guarani, cultura guarani, território guarani, migrações guaranis,

remetem ao modelo arianista de Kossina [...], agora aplicados aos ameríndios.

Não é casual que teorias racistas vicejem na sociedade abrangente, pois, no

interior da academia, geram-se interpretações culturalistas que retornam à

sociedade, intensifi cando os preconceitos do senso-comum. “Raças (ou povos)

são assim ou assado”, “As sociedades são todos coesos, homogêneos, cujos

integrantes seguem regras e normas de comportamento socialmente aceitos”

[...] [Funari, 1998, p. 159].

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Determinados autores, enfoques, lideranças indígenas são encontra-dos com facilidade, e até certa repetição, nos trabalhos sobre educação escolar indígena elaborados pelo país afora. Falar em escola indígena intercultural, bilíngüe, diferenciada e específi ca tornou-se, portanto, um chavão esvaziado de conteúdos e signifi cados. Pesquisas etnográfi cas nas atuais escolas localizadas em áreas indígenas, contudo, poderiam revelar práticas pedagógicas tão ou mais autoritárias que as exercidas em escolas não-indígenas no passado e no presente. Afi nal, por quais métodos pedagógicos os atuais professores indígenas passaram em seu processo de escolarização formal? Com certeza, muitos desses profi ssio-nais carregam, em si mesmos, marcas de violência psicológica e física a que foram submetidos quando crianças, adolescentes e jovens e não é possível, portanto, começar “da estaca zero” sem se referir à escola dos “tempos de antigamente” para desvelar a escola do “tempo presente”. Desvendar esse passado ainda é um grande desafi o para todos os que se aventuram pela história da educação escolar indígena no Brasil.

Considerações finais

O presente texto não pretendeu ser exaustivo em seu levantamento sobre os estudos que versam a respeito da educação escolar indígena, pois se sabe que há inúmeros trabalhos defendidos em programas de pós-graduação por todo o Brasil, aos quais os autores ainda não obtiveram acesso. No momento, realiza-se um volumoso levantamento das fontes documentais e verifi cam-se, inclusive, muitos trabalhos de mestrado e de doutorado elaborados em diferentes pontos do país, nos últimos anos, sobre a temática2. Entretanto, a produção ainda pode ser conside-rada incipiente e pouco divulgada, fazendo-se necessário, portanto, a criação de uma rede de colaboradores para a melhoria na qualidade da

2. Conferir, por exemplo, Cota (2000), sobre a educação escolar entre os Tupinikim, do Espírito Santo, e Pieruccini (2002), sobre educação escolar indígena nos alde-amentos Guarani no estado do Paraná.

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obtenção de dados, troca de informações e o refi namento dos debates teórico-metodológicos.

Ressalta-se, entretanto, que não se pretendeu aqui estabelecer um diálogo com militantes da causa indígena. Almeja-se, sim, organizar um referencial teórico-metodológico (apoiado nas contribuições da história, da antropologia e de outras disciplinas), a partir dos trabalhos acadêmicos já realizados, criticando visões simplistas e reducionistas encontradas em muitos deles. Evidentemente, sabe-se que para os índios da atualidade e seus assessores interessa um discurso politicamente correto que vai ao encontro de textos acadêmicos calcados na linha dicotômica “passado triste” versus “futuro brilhante” das escolas localizadas em áreas indí-genas. Busca-se, dessa forma, travar um diálogo com os pesquisadores da história da educação escolar indígena no Brasil, ainda que sejam em número reduzido e de distintas áreas do conhecimento.

A história da educação escolar indígena no país, e particularmente de cada uma das mais de duzentas sociedades que compõem o atual cenário étnico, não é linear e, tampouco, pode ser dividida em rígidas etapas estanques, cristalizadas. A escolarização formal de indígenas já ocorre no Brasil há muito tempo, mas grande parte da história da educação escolar nas aldeias ainda é desconhecida e está por ser desvelada. Poucos ainda são os estudiosos que se debruçam sobre os processos de educação formal realizados junto aos índios ao longo do tempo, especialmente pelo órgão indigenista ofi cial em convênio com missões religiosas e outras instituições ao longo do século XX. Sabe-se que há muito a ser lido, especialmente a produção mais recente sobre o assunto, infelizmente pouco divulgada, às vezes no próprio meio acadêmico!

As conclusões, ainda parciais, apontam para o crescimento dos estudos sobre a história das instituições escolares em áreas indígenas no país, em que pese os problemas apontados. Mais importante do que chegar a conclusões, contudo, é levantar a problemática relacionada à introdução dessas escolas nas aldeias, criticar os pressupostos das atuais pesquisas e estimular outros pesquisadores a compreenderem os instigantes percursos e desafi os da pesquisa de história da educação escolar indígena no Brasil. Pensar a história da educação e seus sujeitos

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obriga os pesquisadores também a pensar sobre a histórica exclusão a que foram submetidos determinados sujeitos do processo escolar, tais como as populações indígenas e a população negra. Perceber as traje-tórias espaciais e temporais dessas populações e suas relações com a instituição escolar enriquece a própria história da educação brasileira, infelizmente ainda bastante focada em escolas urbanas e pouco atenta à diversidade étnico-cultural.

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SOUZA, H. C. de. Entre a aldeia e a cidade: educação escolar Paresi. Disserta-ção (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 1997.

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TSUPAL, N. A. Educação indígena, bilíngüe, particularmente entre os Karajá e Xavante: alguns aspectos pedagógicos, considerações e sugestões. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de Brasília,

1978.

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Nem “programa de índio”, nem “presente de grego”

226 Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 205-226, jan./abr. 2009

Endereço para correspondência:Giovani José da Silva

Av. Capitão Olinto Mancini, 1.606, ap. 19Jardim Primaveril – Três Lagoas-MS

CEP 79603-011E-mail: [email protected]

Léia Teixeira Lacerda MacielAv. Júlia Maksoud, 593, ap. 33, bloco A9,

Residencial José PedrossiamCampo Grande-MS

CEP 79011-100E-mail: [email protected]

Recebido em: 1 jan. 2007Aprovado em: 1 maio 2008

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Resenha. Cézar de Alencar Arnaut de Toledo, Marcos Ayres Barboza

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Resenha

Educação, história e cultura no Brasil Colônia

autores José Maria de Paiva, Marisa Bittar Paulo de Assunçãocidade São Pauloeditora Arkéano 2007

A presente obra é o resultado do trabalho de pesquisa de nove pesquisadores de universidades públicas e privadas brasileiras, li-gados ao Grupo de Pesquisa “Educação, História e Cultura: Brasil, 1549-1759”, liderado pelo pesquisador José Maria de Paiva, profes-sor da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).

O grupo de pesquisa, criado em 2000, está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP, com núcleos de pesquisa na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR, São Carlos-SP); na Universidade Estadual de Maringá (UEM, Maringá-PR); no Centro Universitário Assunção (UNIFAI, São Paulo-SP) e na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ, Rio de Janeiro-RJ).

O objetivo do livro é apresentar ao campo científi co da área de ciências humanas, notadamente da educação e da história da educa-ção, o resultado de pesquisas e debates promovidos nos encontros de apresentação e discussão de trabalhos do grupo de pesquisas, ocorridos em sua trajetória. Para tanto, está organizado em sete ca-pítulos da seguinte maneira: capítulo um, “Religiosidade e cultura brasileira – século XVI”, escrito por José Maria de Paiva; capítulo dois, “Educação jesuítica no império português do século XVI: o colégio e o Ratio Studiorum”, escrito por Célio Juvenal Costa; capí-tulo três, “As relações epistolares: humanistas e jesuítas”, escrito por Edmir Missio; capítulo quatro, “Os exercícios espirituais e o teatro”, escrito por Paulo Romualdo Hernandes; capítulo cinco, “Educação e cultura na América portuguesa: as reformas de Sebastião José de

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Carvalho Melo”, escrito por Paulo de Assunção; capítulo seis, “A pesquisa em história da educação colonial”, escrito por Marisa Bittar e Amarílio Ferreira Júnior e, por último, capítulo sete, “Educação jesuítica no Brasil colonial: estudo baseado em teses e dissertações”, escrito por Maria Cristina Innocentini Hayashi e Carlos Roberto Massao Hayashi.

No capítulo um, “Religiosidade e cultura brasileira no século XVI”, José Maria de Paiva afi rma que não se pode compreender a religiosidade brasileira sem que se faça referência à cultura, considerada como a maneira de ser da sociedade e, na qual, as pessoas se expressam por meio das relações. Na primeira parte, “A religiosidade nas práticas sociais”, analisa documentos ofi ciais de um período histórico em que a cultura portuguesa, como um tudo, tinha um único objetivo, o cuidado da religião. A religiosidade cristã era a forma de ser da sociedade portuguesa. A existência humana em conformidade com a fé era uma exigência cultural e, como tal, uma obrigação pública e social. A vida em sociedade era regida pela “nossa santa fé”; os comportamentos considerados de “bons costumes” fundamentavam-se na doutrina da Igreja e, tam-bém, na legislação do Reino. Aqueles que se desviavam dos “bons costumes”, aos olhos dos indivíduos e da sociedade mereciam re-provação social e punição pelos seus pecados. Na segunda parte, “A religiosidade na sua expressão devocional”, o professor José Maria de Paiva analisa a prática devocional e cultural dos portugueses na colônia, visando demonstrar a formação da subjetividade portuguesa alicerçada sobre a religiosidade. Ser cristão, nesse período, signifi -cava ir a missa e comungar; além disso, uma maneira de apreender e pregar os “bons costumes”. A devoção era caracterizada como o novo modo de vida que se assumia, por meio de jejuns, abstinência e disciplina para a renovação ou reformulação da espiritualidade. A fé cristã, na sociedade portuguesa, não implicava na conformidade com os ensinamentos dos padres, mas no viver uma vida em que Deus se põe presente. Assim, para não se cair em contendas com a fi gura do poder sagrado, a solução era ganhar as boas graças pelo cumprimento da obediência.

No capítulo dois, “Educação jesuítica no império português do século XVI: o colégio e o Ratio Studiorum”, Célio Juvenal

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Resenha. Cézar de Alencar Arnaut de Toledo, Marcos Ayres Barboza

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Costa afi rma que o objetivo inicial da Companhia de Jesus era a reconquista da cidade de Jerusalém para os cristãos, mas, no decorrer dos primeiros decênios de sua existência, por infl uência dos fundamentos teológicos e fi losófi cos da escolástica, igualmente pela austera formação dos clérigos, contribuíram com os objetivos da Igreja que visavam lidar com questões novas, como a expansão do comércio e a descoberta do novo mundo. Para discutir o papel do colégio e do Ratio Studiorum no trabalho jesuítico de forma-ção escolar no século XVI, dividiu o trabalho em quatro partes: a primeira, “O jesuíta como instrumento da Reforma Católica”; a segunda, “A racionalidade educacional jesuítica”; a terceira, “O colégio” e, por último, a quarta, “Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu”. Segundo o autor, os colégios e o programa de formação elaborado pelos jesuítas, disponíveis aos jovens em geral, desenvolviam uma educação séria e exigente, o que se observa na análise dos cursos de humanidades, fi losofi a e teologia do Ratio Studiorum. Nas colônias, os colégios não se restringiam somente à formação, eram responsáveis também pela administração de povoações, cidades, igrejas e fazendas. Desse modo, conclui que tanto o plano de estudos como os colégios foram a expressão de experiências históricas que, avaliadas e reavaliadas, instituiu a forma de ser da Companhia de Jesus.

No capítulo três, “As relações epistolares: humanistas e je-suítas”, Edmir Missio analisa o papel exercido pelas cartas como instrumento de formação, que contribuía para a educação dos fi lhos da família Sforza, futuros governantes do ducado de Milão. Nas cartas, os fi lhos relatavam suas experiências e, também, serviam como um instrumento à manutenção das relações e hierarquias. A escrita das cartas exprimia as ações e os pensamentos, exigindo um grande esforço argumentativo, com o qual se verifi cava a formação recebida. Tratava-se de “uma técnica de composição e elaboração [dos] estudos de retórica e poética” (p. 46); elas eram avaliadas como um instrumento, “[...] de propaganda política e difusão cultural” (p. 46). Desse modo, o aprendizado das cartas passou “[...] a fazer parte do currículo das escolas fundadas pelos humanistas, as quais proverão quadros administrativos dos governos, como secretários e diplomatas” (p. 49). Assim, no decorrer do século XVI, a expansão do

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comércio e a descoberta do novo mundo, transformaram as relações sociais e culturais, e exigiram o desenvolvimento de uma educação mais apropriada aos desafi os da época, isto é, uma educação de caráter utilitário.

Capítulo quatro, “Os exercícios espirituais e o teatro”, Paulo Romualdo Hernandes discute a importância histórica dos exercícios espirituais, entendidos como um exame mental criado por Inácio de Loyola que, depois de aperfeiçoado, tornou-se um manual de educação e ensino da religiosidade cristã católica. Tratava-se de um método rigoroso, constituído por quatro semanas de exercícios; na primeira, o exercitante era convidado a realizar orações, colóquios, penitências e arrependimentos para se livra de seus pecados e, assim, purgado e penitenciado, o exercitante passa para a segunda semana de exercícios. A principal característica desse período chamado de semana era a iluminação divina; nela, o exercitante seguia a Jesus em todos os seus passos. As tarefas do diretor espiri-tual, como um mediador pedagógico, era possibilitar as condições necessárias para que o exercitante chegasse a experiência interior. Imitar Cristo signifi ca “morrer para a vida que se tem, realidade real, para ressuscitar e viver eternamente espiritualmente” (p. 64). Ao aceitar o caminho de imitação de Cristo, o exercitante entra na terceira semana que também é iluminativa. Nela, ele vivia intensamente a Paixão de Cristo com todas as implicações que ela pudesse causar. Segundo Hernandes, “o que faz a plástica e a didática dos exercícios são o sentir interiormente trazendo para a memória, entendimento e vontade as dores da Paixão” (p. 65). Pelo renascer com Cristo, o exercitante entrava na quarta semana, caracterizada como um momento de União com Deus. Os exercícios espirituais não eram simples experiências místicas mas, também, uma dramatização, representações interiores que possibilitaram aos que não viveram na época de Jesus, conhecer a história da salvação do povo de Deus. Enfi m, as dramatizações tinham como objetivo tornar possível, por meio das representações, o conhecimento das verdades do sofrimento de Cristo e, notadamente, viver a alegria de Cristo Ressuscitado.

No capítulo cinco, “Educação e cultura na América portuguesa: as reformas de Sebastião José de Carvalho Melo”, Paulo de Assunção

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Resenha. Cézar de Alencar Arnaut de Toledo, Marcos Ayres Barboza

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analisa o contexto histórico de Portugal após a morte do monarca dom João V, em 31 de julho de 1750, com a nomeação de Sebastião José de Carvalho e Melo, como primeiro-ministro de Portugal. Ele, ao assumir suas funções, implementou um conjunto de medidas para ampliar o poder do Estado, por meio da centralização do poder mo-nárquico em relação ao poder exercido pela Igreja e pela nobreza. O rompimento com a Igreja ocorreu entre 1760-1770, período em que o Estado português delegou aos tribunais civis poderes para legislar sobre assuntos de ordem pública, revogando o cumprimento dos do-cumentos ofi ciais da Igreja. A reformulação institucional “procurou atuar por meio de leis que clarifi cassem o papel das instituições, bem como das relações entre elas” (p. 76). A reorganização do império português visava o saneamento das contas do Estado, debilitada pelos acordos celebrados entre Portugal e a Inglaterra. As transformações repercutiram também no campo subjetivo e social, infl uenciadas pela efervescência das idéias iluministas. “O pensamento iluminista foi profícuo na discussão da liberdade e autonomia do Estado em relação à Igreja” (p. 78). Esses debates ainda repercutiram na educação e nos sistemas pedagógicos, já que a afi rmação do poder do Estado evidenciou um ideal progressista que exigia o estabelecimento de uma educação de base científi ca, sobretudo da formação recebida nas escolas e universidades, que se encontravam sobre a infl uência da educação jesuítica.

No capítulo seis, “A pesquisa em história da educação co-lonial”, os autores, Marisa Bittar e Amarílio Ferreira Júnior, discutem a produção científi ca no campo da educação, referente ao período colonial em que os jesuítas tiveram o domínio sobre a sistematização do trabalho pedagógico na colônia brasileira. A criação de um grupo de pesquisa, intitulado “Educação Jesuítica no Brasil colonial”, desenvolvido na UFSCAR, ligado ao Diretório de Pesquisa “Educação, História e Cultura Brasileira: 1549-1759”, liderado por José Maria de Paiva, possibilitou a análise de lacunas temáticas sobre essa produção, o que objetivou o desenvolvimento de pesquisas para ampliar a historiografi a da educação brasileira desse período. Os autores, para analisarem a produção científi ca sobre a educação colonial, entre 1549 a 1759, estabeleceram seis categorias analíticas: a primeira, “A hegemonia dos jesuítas e a

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Educação, história e cultura no Brasil Colônia. Resenha

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presença de sua ação pedagógica nos eventos científi cos”; a se-gunda, “As correntes interpretativas sobre a ação pedagógica dos jesuítas”; a terceira, “O tema nos manuais didáticos”; a quarta, “O tema em artigos e capítulos de livros”; a quinta, “O tratamento teórico-metodológico” e, por último, a sexta, “A questão das fon-tes”. Na conclusão, afi rmaram que ainda existe uma enorme gama de assuntos não pesquisados, relacionados ao tema, sendo que as chances de estudos inéditos são maiores, porém, essa temática atrai um número restrito de profi ssionais em razão da necessidade de afeição com a história de nossos primeiros séculos; da disciplina de estudo para trabalhar com documentos históricos, da abrangência do campo de pesquisa em educação e a exigência de um tratamento epistemológico que dê materialidade a totalidade histórica dos primeiros séculos da formação social brasileira.

E, por fi m, no capítulo sete, “Educação jesuítica no Brasil co-lônia: um estudo baseado em teses e dissertações”, Maria Cristina Innocentini Hayashi e Carlos Roberto Massao Hayashi analisam a produção científi ca sobre a educação jesuítica no Brasil colônia. O material de estudo constituiu-se de teses de livre docência e douto-rado e dissertações defendidas em programas de pós-graduação de instituições de ensino superior; para a coleta de materiais elegeu-se as bibliotecas digitais de teses e dissertações como fonte de pes-quisa com base em uma abordagem bibliométrica. Essa abordagem consiste no estudo da atividade científi ca, visando o desenvolvi-mento de indicadores de avaliação da produção de conhecimento. De acordo com o levantamento bibliográfi co disponibilizado em diversas fontes de dados na Internet, das instituições de ensino superior, os resultados demonstraram que a maior parte da produ-ção científi ca relacionada ao tema encontra-se em programas de pós-graduação da Região Sudeste do Brasil. A distribuição das 275 teses e dissertações realizadas possibilitou verifi car que a maioria dos trabalhos encontra-se vinculados a programas de história (119 trabalhos); educação (46); letras (16) e antropologia social (12). A análise bibliométrica da produção científi ca relacionada ao tema da educação jesuítica no Brasil colônia possibilitou a afi rmação de que, a partir dos anos de 1990, houve um aumento signifi ca-tivo do número de trabalhos acadêmicos sobre a temática, sendo

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que a maioria desta produção concentra-se nas áreas de história e educação.

O trabalho desenvolvido pelo grupo envolve pesquisas rela-cionadas à presença jesuítica no Brasil colônia. Tem como centro a história da educação, defi nida como a aprendizagem da maneira de ser, a qual se constitui pela formação da identidade dos indiví-duos e da sociedade. A educação e a cultura são compreendidas como dois elementos de análise do mesmo processo social; nele, a educação é ligada à aprendizagem e a cultura às formas de ser. A história, nesse contexto, é analisada com base na ação dos homens, que transformam e são transformados pelo produto de sua própria atividade material.

A disponibilização das pesquisas realizadas pelo grupo de pes-quisa tem o mérito de abordar uma área de pesquisa que não tem recebido a devida atenção na área de educação. A tarefa de revisitar as fontes já conhecidas e de tratar temas também conhecidos, além de descortinar novas possibilidades interpretativas, pode apontar novos rumos e novas fontes para a pesquisa acadêmica. O livro é bem apresentado e cumpre uma importante função de apresentar, de forma acadêmica, temas e assuntos conhecidos.

A editora Arké traz ao público brasileiro uma importante refe-rência temática da história da educação no Brasil, uma vez que a história da educação colonial é uma área pouco estudada entre os pesquisadores brasileiros que, nos últimos anos, tem ganhado expres-sividade com o trabalho realizado pelo Grupo de Pesquisa “Educação, História e Cultura: Brasil, 1549-1759”. Além disso, contribui para a divulgação do trabalho desenvolvido por pesquisadores da área. O livro destaca especialmente a atuação dos jesuítas no Brasil e, esse destaque, mostra a proeminência incontestável da Companhia de Jesus no campo da educação e mesmo da religião.

Cézar de Alencar Arnaut de ToledoUniversidade Estadual de Maringá (UEM)

Doutor em educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP, 1996), professor no Departamento de Fundamentos da

Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM

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Educação, história e cultura no Brasil Colônia. Resenha

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Marcos Ayres BarbozaMestre em educação (2007) pela Universidade Estadual de

Maringá (UEM)

Endereço para correspondência: Cézar de Alencar Arnaut de Toledo

Rua Saldanha Marinho 870, ap. 301Zona 7 – Maringá-PR

CEP 87030-070E-mail: [email protected]

Recebido em: 29 ago. 2008Aprovado em: 2 set. 2008

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Orientação aos colaboradores

235Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 235-236, jan./abr. 2009

A Revista Brasileira de História da Educação publica artigos, dossiês, traduções, resenhas e notas de leitura inéditos no Brasil, relacionados à história e historiografi a da educação, de autores brasileiros ou estrangeiros, escritos em português ou espanhol, reservando-se o direito de encomendar trabalhos e compor dossiês.

Os artigos devem ser inéditos e apresentar resultados originais de trabalhos de investigação e/ou de refl exão teórico-metodológica.

As traduções devem versar sobre temáticas signifi cativas para o campo da história e historiografi a da educação.

As resenhas devem efetuar um estudo crítico de textos recentemente publicados ou de obras consideradas clássicas na área. Devem constar, obrigatoriamente, a referência bibliográfi ca completa da obra, a descrição sumária de sua estrutura, a indicação de seu conteúdo geral e tópicos fundamentais, dados biobibliográfi cos do(s) autor(es), não sendo aconselhável a utilização de título, epígrafe ou fi guras. Espera-se que contenha comentários e julgamentos sobre as idéias contidas na obra, os termos e metodologia empregados, a relevância do tema e da abordagem para a área e a posição do(s) autor(es) no debate acadêmico.

As notas de leitura são apontamentos sucintos a respeito de obras recentemente publicadas, prestando-se, fundamentalmente, a destacar sua pertinência e interesse para a área e a especialidade desta publicação. Seleção dos trabalhos

Os artigos, dossiês e traduções recebidos serão submetidos anonimamente a dois pareceristas ad hoc, sendo necessária para a sua publicação a dupla aprovação. No caso de divergência entre os pareceres, os textos serão encaminhados a um terceiro pareceris-ta. Os critérios para a seleção de artigos levam em conta, além dos aspectos formais do texto, a sua originalidade; a relevância do tema; a indicação clara dos objetivos, fontes, metodologia de pesquisa e fundamentação teórica; a adequação bibliográfi ca.

A primeira página deve trazer o título do artigo, sem indicar nome e inserção insti-tucional do autor. Deve conter também o resumo em português ou espanhol, o resumo em inglês (abstract) e cinco palavras-chaves em português ou espanhol e em inglês. Em folha avulsa, o autor deve informar o título completo do artigo em português ou espanhol e em inglês, seu nome, titulação e instituição a que está vinculado, e grupos de pesquisa dos quais participa. Deve constar ainda o endereço, telefone e e-mail, que serão divulgados pela Revista. Caso esses dados não forem os mesmos para o recebimento de correspondência, favor notifi car à secretaria.

As traduções deverão vir acompanhadas de uma autorização do autor da obra ori-ginal ou da editora na qual o texto tenha sido eventualmente publicado. Caso a obra seja de domínio público esse procedimento não é necessário, sendo, o autor da tradução, o responsável por esta informação.

Os dossiês deverão ter um caráter interinstitucional, de forma a ampliar a circulação do debate acadêmico e fomentar intercâmbios de pesquisa. Devem ser compostos de uma apresentação e de três a cinco artigos, abordando temáticas de relevância para área da história da educação. Os dossiês serão analisados na íntegra, e pode ocorrer que nem todos os textos que os compõem sejam aprovados. Em caso de aprovação de um ou dois textos, estes poderão ser publicados isoladamente. Só serão publicados como dossiês um conjunto mínimo de três artigos aprovados pelos pareceristas.

As resenhas, notas de leitura e traduções são avaliadas pela Comissão Editorial.

Orientação aos Colaboradores

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Orientação aos colaboradores

236 Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 235-236, jan./abr. 2009

Normas gerais para aceitação de trabalhosOs originais devem ser encaminhados em uma via impressa e uma cópia em CD-

ROM, observando-se o formato: 2,5 cm de margem superior e inferior e 3 cm de margem direita e esquerda; espaço entrelinhas de 1,5; fonte Times New Roman no corpo 12.

Os trabalhos remetidos devem obedecer a extensão mínima e máxima, respecti-vamente:

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• Resenhas - de 8.000 caracteres a 15.000 caracteres com espaços (aproximada-mente de 4 a 8 páginas);

• Notas de leitura - de 2.000 caracteres a 4.000 caracteres com espaços (aproxi-madamente de 1 a 2 páginas);

• Resumos e abstracts – de 700 caracteres a 800 caracteres com espaços (aproxi-madamente 10 linhas)

• As indicações bibliográfi cas, dentro do texto, devem vir no formato sobrenome do autor, data de publicação e número da página entre parênteses, como, por exemplo, (Azevedo, 1946, p.11). As referências no fi nal do texto devem seguir as normas da ABNT NBR 6023:2000. Notas de rodapé, em numeração consecutiva, devem ter caráter explicativo;

• As citações devem seguir os seguintes critérios:a) citações textuais de até três linhas devem vir incorporadas ao parágrafo,

transcritas entre aspas, seguidas do sobrenome do autor da citação, ano da publicação e número da página, entre parêntese;

b) citações textuais com mais de três linhas devem aparecer em destaque em um outro parágrafo, utilizando-se recuo (4 cm na margem esquerda), em corpo 11, sem aspas.

A Comissão Editorial só aceitará artigos apresentados com as confi gurações acima descritas. Trabalhos fora deste padrão serão recusados automaticamente.

A revista não devolve os originais submetidos à apreciação. Após a aprovação do trabalho, os autores deverão enviar pelo correio, assim que solicitados, uma autoriza-ção de publicação em três vias impressas. Os direitos autorais referentes aos trabalhos publicados fi cam cedidos por um ano à Revista Brasileira de História da Educação. No caso de artigos que contenham imagens, citações de obras literárias ou de páginas da World Wide Web, o autor deverá encaminhar também uma autorização de cessão dos respectivos direitos.

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Revista Brasileira de História da Educaçãojaneiro/abril 2008 n. 16

Artigos

Emigrantes, escuelas y regeneración social: Los emigrantes gallegos a América y el impulso a la educación (1879 – 1936)Antón Costa Rico

Reabrindo o debate sobre Nagle, a educação e a saúde na historiografi a brasileiraLuiz Antonio de Castro Santos

Intelligentsia e intelectuais: sentidos, conceitos e possibilida-des para a história intelectualCarlos Eduardo Vieira

Bernardo Guimarães, pensador socialLuciano Mendes de Faria Filho

Um bacharel na secretaria do interior e justiça: o intelectual Delfi m Moreira e a reforma do ensino em Minas GeraisIrlen Antônio Gonçalves

O pensamento de Edward Palmer Thompson como programa para a pesquisa em história da educação: culturas escolares, currículo e educação do corpoMarcus Aurélio Taborda

Difusão, apropriação e produção do saber histórico: A Revista Brasileira de História da Educação (2001-2007) Ana Maria Galvão, Dislane Zerbinatti Moraes, José Gonçalves Gondra e Maurilane de Souza Biccas

Resenha

A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades Alessandra Frota Martinez de Schueler e José Cláudio Sooma Silva

A história do currículo ofi cial de ensino fundamental e médio no Brasil Diogo da Silva Roiz

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Revista Brasileira de História da Educaçãomaio/agosto 2008 n. 17

Artigos

O manual didático Práticas escolares: um estudo sobre mudanças e permanências nas prescrições para a prática pedagógicaVera Valdemarin

Mapas de freqüência a escolas de primeiras letras: fontes para uma história da escolarização e do trabalho docente em São Paulo na primeira metade do século XIXDiana Gonçalves Vidal

DossiêConcepções de universidade e de educação superior no Brasil nos anos de 1920 e 1930

ApresentaçãoJosé Carlos Souza Araújo

Concepções de universidade e de educação superior no Inquérito de 1926 de Fernando de AzevedoJosé Carlos Souza Araújo

Carneiro Leão e a questão da educação superiorMaria Cristina Gomes Machado

O “Manifesto dos Pioneiros” de 1932 e a cultura universitária brasileira: razão e paixõesMarcus Vinicius da Cunha

A universidade brasileira na Reforma Francisco Campos de 1931José Carlos Rothen

Anísio Teixeira e a Universidade do Distrito FederalMaria de Lourdes Albuquerque Fávero

Tradução

A Escola de Psicologia de Genebra em Belo Horizonte: um estudo por meio da correspondência entre Edouard Claparède e Hélène Antipoff (1915-1940)Martine RuchatTrad. de José Gonçalves Gondra e Ana Maria Magaldi

Resenha

A higienização dos costumes: educação escolar e saúde no projeto do Instituto de Hygiene de São Paulo (1918-1925)Maria Aparecida Augusto Satto Vilela

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Revista Brasileira de História da Educaçãosetembro/dezembro 2008 n. 18

Artigos

O ensino da escrita, da leitura, do cálculo e da doutrina religiosa nas escolas de primeiras letras da província de Goiás no século XIXSandra Elaine Aires de Abreu

Leituras de formação: raça, corpo e higiene em publicação pedagógica do início do século XXRegina Cândida Ellero Gualtieri

História da matemática e positivismo nos livros didáticos de Aarão Reis Maria Laura M. Gomes

Educação dos índios na Amazônia do século XVIII: uma opção laicaMauro Cezar Coelho

Das escolas mistas industriais ao grupo escolar: a educação do operário viabilizada na Companhia Taubaté Industrial (CTI) e divulgada pelo CTI Jornal (1937-1941)Mauro Castilho Gonçalves

Ser Stella: um estudo sobre o papel da mulher e da educação feminina na Juiz de Fora do início do século XXAna Luiza de Oliveira Duarte Ferreira

Tradução

A história das disciplinas escolaresAntonio ViñaoTrad. de Marina Fernandes Braga

Nota de leitura

História da educação pela imprensaCynthia Lushiuen Shieh

Relação de pareceristas ad hoc 2008

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