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1 Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011

Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre ... · Aspectos da nota promissória ... Alegre em situação de rua. Há, igualmente, um artigo abordando aspectos da educação

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011

Endereço para permuta:Rua Mal. José Inácio da Silva, 355 Passo D’Areia - Porto Alegre - RS

Tel: (51) 3361.6700 www.faculdade.dombosco.net

Porto Alegre, 2011

REVISTA ATITUDE – Construindo Oportunidades Periódico da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre - Ano V - Nº 9 - Janeiro a Junho de 2011 Porto Alegre - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

ISSN 1809-5720

A REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades tem por finalidade a produção e a divul-gação do conhecimento nas áreas das ciências aplicadas produzido particularmente pelo seu corpo docente e colaboradores de outras instituições, com vistas a abrir espaço para o intercâm-bio de ideias, fomentar a produção científica e ampliar a participação acadêmica na comunida-de. O Conselho Editorial reserva-se o direito de não aceitar a publicação de matérias que não estejam de acordo com esses objetivos. Os autores são responsáveis pelas matérias assinadas.

É permitida a cópia (transcrição) desde que devidamente mencionada a fonte.

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Diretor/DirectorProf. Dr. Pe. Marcos Sandrini - [email protected]

Editor/EditorProf. Dr. Marco Antonio Fontoura Hansen - [email protected]

Comissão Editorial/Editorial BoardProfa. Dra. Aurélia Adriana de Melo - [email protected]

Prof. Ms. José Nosvitz Pereira de Souza - [email protected]. Dr. Luís Fernando Fortes Garcia - [email protected]

Prof. Ms. Luiz Dal Molin - [email protected]. Dr. Marco Antonio Fontoura Hansen - [email protected]

Comissão Científica/Scientific CommitteeAvaliadores ad-hoc/Ad-hoc reviewers

Prof. Ms. Aécio Cordeiro Neves (FDB/Porto Alegre, RS)Profa. Dra. Angela Beatrice Dewes Moura (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Dr. Bachir Hallouche (UNISC/Santa Cruz do Sul, RS)Pesq. Ms. Camila Cossetin Ferreira (INPE-CRS/Santa Maria, RS)

Prof. Dr. Carlos Garulo (IUS/Roma, Itália)Prof. Dr. Erneldo Schallenberger (UNIOESTE/Cascavel, PR)Prof. Dr. Fábio José Garcia dos Reis (UNISAL/Lorena, SP)

Prof. Dr. Friedrich Wilherm Herms (UERJ/Rio de Janeiro, RJ)Prof. Dr. Geraldo Lopes Crossetti (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Dr. José Néri da Silveira (FDB/Porto Alegre, RS)Profa. Dra. Letícia da Silva Garcia (FDB/Porto Alegre, RS)

Pesq. Dr. Manoel de Araújo Sousa Jr. (INPE-CRS/Santa Maria, RS)Prof. Dr. Pe. Marcos Sandrini (FDB/Porto Alegre, RS)Profa. Dra. Marisa Tsao (UNILASALLE/Canoas, RS)

Prof. Dr. Nelson Luiz Sambaqui Gruber (UFRGS/Porto Alegre, RS)Prof. Dr. Osmar Gustavo Wöhl Coelho (UNISINOS/São Leopoldo, RS)

Pesq. Ms. Silvia Midori Saito (INPE-CRS/Santa Maria, RS)Prof. Dr. Stefano Florissi (UFRGS/Porto Alegre, RS)

Pesq. Dra. Tania Maria Sausen (INPE-CRS/Santa Maria, RS)Profa. Ms. Viviani Lopes Bastos (UCS/Caxias do Sul, RS)

Publicação e Organização/Organization and PublicationRevista Atitude - Construindo Oportunidades

Rua Mal. José Inácio da Silva, 355 – Porto Alegre – RS – BrasilCEP: 90.520-280 – Tel.: (51) 3361 6700 – e-mail: [email protected]

Produção Gráfica/Graphics Production Arte Brasil Publicidade

R. P. Domingos Giovanini, 165 – Pq. Taquaral – Campinas – SPCEP 13087-310 – Tel: (19) 3242.7922 – Fax: (19) 3242.7077

Revisão:Cristiane Billis – MTb 26.193

Os artigos e manifestações assinados correspondem, exclusivamente, às opiniões dos respectivos autores.

Revista Atitude - Construindo Oportunidades – Revista de Divulgação Científica da FaculdadeDom Bosco de Porto Alegre

Ano V, Volume 5, número 9, jan-jun 2011 – ISSN 1809-5720

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SumárioApresentação ...................................................................................................................... 7

CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS ................................................................................... 9

1. Educação: da unidimensionalidade à complexidade, um desafio premente ........ 11 Marcos Sandrini

2. Sair da rua: fácil falar, difícil fazer! Um estudo sobre a Rede de Apoio Social a crianças e adolescentes em situação de rua moradia na Região Central de Porto Alegre ............................................................................................................................ 19Cristiane Vieira Chagas, Letícia Horn Oliveira, Jacqueline Costa da Silva, Carlos Alberto Kalinovski Hoffmann e Cristiane Saraiva Marins

3. Universidade, ética e direito ....................................................................................... 27 Osvaldo Biz

4. Reflexões críticas sobre o Instituto do Concubinato no Direito Brasileiro ........... 35 Roberta Drehmer de Miranda

5. Aspectos da nota promissória ................................................................................... 51 Alessandra Martins Belmiro, Caroline Silva Bianchi, Elves Luciano Ferreira de Paula,

Rafael Cardoso Cazara e Tatiana Vargas Bittencourt

6. A convergência da auditoria independente brasileira aos padrões internacionais de auditoria .................................................................................................................. 61

Cláudio Morais Machado e Fernanda Pucurull

7. Diferenciação ou necessidade na Certificação ISO 9001: uma análise em duas empresas agroindustriais ........................................................................................... 79Alexandre de Melo Abicht, Alessandra Carla Ceolin, Augusto Ormazabal de Faria Cor-rêa Paulo, Rodrigo Ramos Xavier Pereira e Tania Nunes da Silva

CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS .............................................................................................. 91

8. Avaliação das características do Lago Guaíba realizada na ETA José Loureiro da Silva, em Porto Alegre, RS .......................................................................................... 93Carlos Atalla Hidalgo Hijazin e Adriene Maria Sampaio Pereira

9. Comparação entre dois sistemas de energia termossolar para aquecimento da água: convencional e alternativo de baixo custo .....................................................Andréa Souza Castro, Aline Tonial Simões e Maiara Cecchin

10. Aplicação de testes não paramétricos e do método de Gumbel à série de cotas máximas anuais do lago Guaíba ................................................................................ Andréa Souza Castro e Alex Soares de Mello

11. db4objects: um sistema gerenciador de banco de dados orientados a objetos ... Adriana Paula Zamin Scherer, Anderson Corbellini e Willian Hart Oliveira

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ApresentaçãoREVISTA ATITUDE – Construindo Oportunidades chega ao seu número 9. Há nove

anos nascia a Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. O projeto vai-se solidificando... Nos-so grande objetivo é construir uma Faculdade empenhada e compromissada com a defesa e promoção da vida. Em todas as páginas desta revista você encontrará uma pitada de amor pela vida.

Esta Faculdade foi concebida, projetada e realizada pelos Salesianos de Dom Bosco. Presentes em 132 países do mundo, procuramos levar adiante o sonho de Dom Bosco, de construir uma sociedade mais justa e fraterna formando pessoas capazes de levar para a frente este projeto. Estamos em sintonia com as IUS – Instituições Salesianas de Educação Superior, presentes em cerca de 60 países.

Neste número estão presentes todos os cinco cursos da Faculdade. O curso de En-genharia Ambiental e Sanitária está presente com três artigos. A novidade é que eles foram construídos participativamente numa interação professor-aluno. Direito também está presen-te com três artigos. Igualmente há a presença de acadêmicos. O curso de Ciências Contábeis está presente com um artigo abordando aspectos da nova integração com a contabilidade internacional. De Sistemas de Informação há um artigo fruto de iniciação científica com a participação de uma professora e dois acadêmicos. O curso de Administração se faz presente com um artigo de jovens professores. Também o INSAPECA (Instituto Salesiano de Pesqui-sa sobre a Criança e o Adolescente) apresenta um artigo com o resultado de uma pesquisa envolvendo um grupo de pesquisadores do Instituto sobre crianças e adolescentes de Porto Alegre em situação de rua. Há, igualmente, um artigo abordando aspectos da educação nos dias de hoje.

Como se vê, nossa revista não é monotemática nem unidimensional. Ela aborda a reali-dade de diferentes ângulos numa dimensão de complexidade. Não queremos contribuir para a construção de um mundo que não é capaz de olhar a tudo e a todos numa visão de comple-mentaridade e reciprocidade. O amor pela vida requer isto.

O Sistema Educativo de Dom Bosco está focado em três palavras – Religião, Razão, Bondade. Ninguém constrói um Sistema apenas com uma dimensão da realidade e com uma visão de mundo. A unidimensionalidade mata, destrói, exclui. Razão demais, mata. Emoção demais, mata. Religião demais, mata. A Revista não só traz diversos assuntos, mas eles abordam a realidade a partir desta visão de complexidade. Para nós não é importante apenas a interdisciplinaridade, mas a transdisciplinaridade. O que adianta fazer uma leitura interdisci-plinar da realidade numa visão unidimensional? Interessa-nos uma leitura interdisciplinar da realidade mas numa visão de complexidade.

Agradecemos aos articulistas pela confiança e pontualidade na entrega dos artigos e aos leitores pelo apoio e incentivo.

Porto Alegre, 16 de agosto de 2011.196º Aniversário do Nascimento de Dom Bosco.

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Ciências Sociais e Aplicadas

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Educação: da unidimensionalidade à complexidade, um desafio premente

Marcos Sandrini1

Resumo: Dois conceitos perpassam este artigo: pensamento forte e pensamen-to fraco. Estamos numa mudança de época. Talvez a maior característica desta mudança seja a passagem do pensamento forte para o pensamento fraco. Forte é o pensamento com vontade de dominação, de poder e de potência. Forte é o pensamento totalitário, que não admite o outro. Pensamento fraco não é não ter pensamento, mas significa pensar sem vontade de domínio. Na história da humanidade sempre se privilegiou um pensamento como hegemônico excluindo ou matando quem pensa diferente. No mundo ocidental o pensamento dominan-te é masculino, branco, adulto, ocidental e cristão. O outro é o não masculino, não adulto, não ocidental, não cristão, não branco. Talvez esteja raiando um mundo com pensamento fraco, livre de prepotências e de totalitarismos.

Palavras-chave: Pensamento Forte. Pensamento Fraco. Bullying. Complexida-de. Unidimensionalidade.

Abstract: Two concepts are covered in this paper: strong thought and weak thou-ght. We have been through changing times. Maybe the greatest feature of this transformation is the passage from strong thought to weak thought. Strong is the thought willing to dominate, to have power and potency. Strong is the totalitarian thought which does not admit the image of the other. Weak thought does not re-volve around the absence of thought, but it means thinking without the eagerness for domain. In the history of humanity it has always been privileged a thought as hegemonic in order to exclude or kill those who think differently. In the western world the prevailing thought is male, adult, western and Christian.

Keywords: Strong Thought. Weak Thought. Bullying. Complexity. Unidimensionality.

A humanidade está cercada de cruzes e de sofrimentos inúteis e cruéis por todos os lados. Uma criança abandonada e violen-tada, um adolescente explorado por trafican-tes de droga, um jovem cerceado em seus sonhos e utopias, um adulto sucateado, um idoso excluído são personagens de nosso dia a dia. Conta-se que, quando Einstein visi-tou a Índia, encontrou-se com um Mestre de Espírito que lhe perguntou à queima-roupa: “em que sua ciência está ajudando a tirar o sofrimento do mundo?”. Independente-mente da resposta do cientista, esta é a pergunta fundamental que se deve fazer a

(1) Doutor em Educação pela PUC/RS. Diretor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre/RS.E-mail: [email protected]

qualquer cientista e a qualquer acadêmico. De que adianta uma ciência e uma técnica se não conseguem tornar as pessoas mais felizes?

Um dos grandes avanços da ciência é o reconhecimento da complexidade de tudo e de todos. A que se remonta esta palavra e ao conceito que ela indica? Seguramente se refere a duas realidades. A primeira delas é a incompletude de toda a realidade. Não há nada completo, inclusive os conceitos.

Atualmente tende a se impor a palavra “complexidade”; ela designa o estudo dos

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sistemas dinâmicos situados em algum ponto entre a ordem na qual nada muda, como pode ser o caso das estruturas cris-talinas, e o estado de total desordem ou caos como é o caso da dispersão da fuma-ça (MORIN, 2003, p. 46).

Reconhecer a incerteza, o caos e dialogar com eles é a primeira atitude de qual-quer cientista, sobretudo dos profissionais da educação. A segunda diz respeito à impos-sibilidade de se aproximar de qualquer realidade e de qual-quer conceito apenas com uma ferramenta epistemoló-gica. Daí brota a necessida-de da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade. É tempo de humildade. A soberba científica não leva a lugar nenhum, apenas multiplica os so-frimentos e as dores dos mais desvalidos.

Cada vez mais as pessoas, sobretudo as novas gerações, estão se convencendo de que o grande mal do mundo é a unidimensio-nalidade. Olhar o mundo apenas a partir de um único ponto, de uma única disciplina, de uma única ciência, traz consequências terríveis. Al-guém poderia perguntar: é possível unidimen-sionalidade com tantas especialidades? Aí é que reside o perigo. Um paciente, por exem-plo, pode ser tratado por diversos profissionais da saúde, cada um em sua especialidade, mas sem ter uma visão de sua complexidade. Aí o estrago pode ser maior do que se tives-se sendo tratado por apenas um profissional numa visão mais holística do mundo. A palavra holística, de origem grega, significa o todo. Uma visão holística significa, então, que o todo está nas partes e a parte está no todo.

Visitando escolas de ensino médio, qualquer ges-tor de educação pode se dar conta de que submetemos nossos adolescentes e jovens a uma ladainha de disciplinas sem diálogo entre si e todas ministradas por especialistas. Se não, vejamos: língua portu-

guesa (gramática, redação, literatura), língua espanhola, língua inglesa, matemática, física, química, biologia, educação física, educação artística, sociologia, filosofia, história, geogra-fia, ensino religioso. O que se foi fazendo foi seccionar, fracionar o currículo escolar sem

um diálogo interdisciplinar numa visão holística. Durante a semana, um desfile de dez a quinze professores passa diante de um grupo de qua-renta adolescentes sem uma visão de totalidade e de diálo-go científico.

Mais ainda. Em diálo-go com um jovem calouro universitário perguntei-lhe onde fizera o ensino médio. Indicou-me uma determinada escola. Causou-me espanto

porque pensava tratar-se apenas de um cur-so pré-vestibular. Como aconteceu este ensi-no médio? Esta escola não tem pátios, não tem música e canto, não tem esportes, não tem laboratórios. Trata-se de um prédio de três andares unicamente com salas de aula. A imagem que me vem à mente é a de uma ca-beça ambulante que recebe noções as mais diversas. De fato, todo o assim chamado con-teúdo é ministrado em dois anos. O terceiro ano é uma grande revisão dos dois primeiros anos. É o assim chamado terceirão.

Esta escola unidimensional continua pas-sando ao largo da complexidade. Para refletir educação faz-se necessário enfrentar esta questão. Nenhuma pessoa é simples e nem

complicada. Nenhuma esco-la tem que simplificar e nem complicar seus alunos e sua missão. A escola é complexa porque a vida é complexa.

De vez em quando es-cuta-se notícia de processos judiciais contra pais que que-rem educar seus filhos ape-nas em casa. Reportagem da Folha de São Paulo em 06/03/2010, Caderno C1, dá

a seguinte manchete: “Juiz condena pais por educar filhos em casa.” Como subtítulo afirma:

Visitando escolas de ensino médio, qualquer gestor de educação pode se dar conta de que submetemos nossos adolescentes e jovens a uma ladainha de disciplinas sem diálogo entre si e todas minis-tradas por especialistas.

Cada vez mais as pessoas, sobretudo as novas gerações, estão se convencendo de que o grande mal do mundo é a unidimensionalidade. Olhar o mundo apenas a partir de um único ponto, de uma única disciplina, de uma única ciência, traz consequências terríveis.

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“sentença prevê multa e fala em ‘abandono intelectual’ dos jovens de 15 e 16 anos, tira-dos da escola há quatro anos, em Minas”. A reportagem também afirma que este método chamado de homeschooling reúne cerca de 1 milhão de adeptos só nos EUA, embora or-ganizações de aprendizado escolar domiciliar sugiram que o número real possa ser o dobro.

Este fato nos pode levar a duas refle-xões antagônicas. A primeira delas é que pela forma como a escola está organizada, e os resultados que a sociedade espera dela, pouca diferença faz aprender em casa como aprender na escola. A unidimensionalidade da escola, educando apenas a cabeça das novas gerações, é que leva muitas famílias a refletir a partir da homeschooling. A teoria da complexidade coloca em xeque este tipo de escola unidimensional. Se a escola é as-sim, é porque a visão que se tem de ciência é assim. Ela não é capaz, hegemonicamente, de ter uma visão mais holística da realidade.

A unidimensionalidade na históriaAs idades históricas vão-se sucedendo,

umas criticando as outras, uma superando as outras, mas umas fazendo as mesmas coisas que as outras. Por quê? Por causa desta unidimensionalidade. A Idade Moder-na criticou fortemente a Idade Média. Su-perou-a? Avançou em muitos pontos, mas certamente reproduziu o que há de mais negativo naquela. A modernidade é a épo-ca da história única, dos colonialismos, dos grandes conglomerados econômicos, das nações hegemônicas com seus exércitos or-ganizados sempre em ordem de batalha, da militarização do mundo, das nações centrais e das nações periféricas.

As sociedades “centrais” do hemisfério norte se apresentam como totalidades fecha-das, intolerantes e autoritárias, porque se en-tendem como portadoras exclusivas dos cri-térios do que é bom ou ruim e do que agrada ou desagrada, do que é civilizado diante da barbárie. Nesta visão, não há histórias, mas história única, linear rumo ao progresso e à civilização identificada como a dos países centrais. São João Bosco (1815-1888) tam-bém foi perpassado por este espírito e por

este paradigma. Num de seus escritos, rela-tando seu projeto missionário em relação à Patagônia, na Argentina, afirma:

Trata-se de levar àqueles indígenas os nos-sos costumes, o nosso saber, a nossa ma-neira gentil de viver, entre o povo que não tem costume, está fora da lei, é ignorante das coisas mais necessárias da vida, en-tre um povo que jamais teria uma religião, uma literatura, uma cultura que o colocas-se entre as nações mais desenvolvidas do planeta (apud BRAIDO, 1984, p. 32).

Se analisarmos atentamente este tex-

to do século XIX percebemos que se trata da aculturação dos “selvagens” entendidos como “reductio ad ecclesiam et ad vitam civi-lem”. Nada de bom se encontra nos outros. É preciso levar a civilização, a religião, os bons costumes, as leis, a cultura. Aqui en-tra fortemente a visão da histórica como pro-gresso linear dos povos, sendo que alguns estão numa fase mais avançadas e outros precisam ser levados para este estágio de civilização para serem colocados entre os países mais desenvolvidos do mundo. Exis-tem países desenvolvidos e países em vias de desenvolvimento.

Todas as guerras de conquista são co-locadas nesta perspectiva, neste paradigma. Há os civilizados e há os selvagens. Aliás, a história ocidental tem grande dificuldade de incluir o outro. Ele só é incluído quando há projeção e prolongamento do mesmo. A mo-dernidade trabalha com inclusões e exclu-sões. É preciso sempre uma escolha e ela foi feita. Nossa sociedade é branca, ocidental, cristã, masculina e adulta. O diferente disso não existe.

É importante a condenação da Idade Média. Mas também é importante uma con-denação da Idade Moderna. Ambas são tre-vas porque unidimensionais e exterminado-ras do outro, do diferente. Quem mata não é a religião, mas o excesso de religião. Quem mata não é a razão, mas o excesso de razão. Aliás, na célebre frase de Descartes – penso, logo existo – nos preocupamos sempre com o verbo penso. É importante, porém, que fo-calizemos o pronome. Quem pensa? Eu! Eu,

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quem? Este eu se identifica com o europeu ilustrado. Só quem pensa, existe. Quem não pensa (como o europeu central), não existe. Isto não estaria na base do extermínio dos indígenas ou na sua redução à insignificân-cia? Antes da chegada do europeu à Amé-rica, se se perguntasse a um de seus habi-tantes: quem é você? Ele responderia: “eu sou uma pessoa humana?” Após a chegada do descobridor a resposta mudou: “eu sou um índio”, isto é, já não sou eu mesmo, mas tenho minha importância porque tenho mine-rais preciosos e terra. Hoje, após séculos de colonização, a mesma pergunta é feita e a resposta é outra: “eu sou um bugre, isto é, já não tenho mais nada, nem terra e nem mi-nerais, sou um despojado.” Quem despojou e matou o índio da América não foi a Idade Média, mas a modernidade e seu “eu penso” que se transformou em “eu conquisto”.

Idade Média e Idade Moderna têm fun-damentos sólidos e únicos. Só há mudança de fundamento, unidimensional e, por isso, não consegue a inclusão do outro, de qual-quer outro.

As encruzilhadas do novoHá autores que afirmam estarmos vi-

vendo uma nova mudança de época. Estaria havendo uma mudança de paradigma. Esta-ria nascendo um novo tipo de percepção da realidade, com novos valores, novos sonhos, nova forma de organizar arquitetonicamente os conhecimentos, novo tipo de relação so-cial, nova forma de dialogar com a natureza, novo modo de experimentar a última realida-de e nova maneira de entendermo-nos a nós mesmos e de definir nosso lugar no conjunto dos seres.

Esta mudança de época, que alguns chamam de pós-modernidade e outros de época sem nome, pode desembocar em três diferentes perspectivas.

A primeira delas seria a recuperação da dimensão perdida, ou seja, da emoção, do sentimento, do mistério. Há acontecimentos dramáticos que marcaram a segunda me-tade do século passado. O maior deles foi o lançamento das bombas atômicas em Hi-roshima e Nagasaki em 1945. Pessoas sen-

síveis criticam fortemente a unidimensionali-dade da civilização com a preponderância da razão, da ciência positiva e da técnica. O fu-turo está em risco quer pela energia nuclear, quer pela crise ecológica e social. O progres-so científico e tecnológico tem condições de melhorar a vida na face da terra e cada vez mais se arma para destruir e matar. Temos futuro? Neste sentido, o importante mesmo é construir o presente, fruí-lo, saboreá-lo. A emoção é a bola da vez. Assim como a Idade Média entronizou a religião, a Idade Moderna entronizou a Razão, a nova época entroniza a emoção. Todas as unidimensionalidades matam. O novo também mata e é terrível. Também a emoção unidimensional mata.

A segunda seria não mais uma troca de fundamento, mas a quebra de todo e qual-quer fundamento. Não há fundamento. Cada um é seu próprio fundamento. Foge-se do fundamentalismo e se erige o relativismo mais puro, mais legítimo e mais radical. A pessoa humana é o único fundamento de si mesma. Isto é terrível, mas também é des-lumbrante porque, pela primeira vez na histó-ria, o ser humano tem a vida em suas mãos. Não há mais necessidade de terceirização. Cada pessoa constrói o seu futuro a não ser com o paradigma que cria para si mesma. Não há lei divina e nem lei natural. O direi-to natural não existe, existe apenas o direito positivo. O jusnaturalismo é substituído pelo consenso entre os povos. Nem heteronomia, nem teonomia, mas a mais radical autono-mia e autossuficiência.

A terceira e última perspectiva de épo-ca seria a descoberta da dimensão perdida que, junto com as duas outras dimensões, é capaz, finalmente, de reconstituir a pessoa humana integral. Não mais a unidimensiona-lidade quer da razão, quer da religião, quer da emoção. Estas três dimensões juntas po-dem reconstruir uma pessoa mais holística, pluridimensional, complexa, aberta... Reli-gião, razão e emoção são as dimensões da completude da pessoa humana.

Também a educação é holísticaEstas três perspectivas abrem horizontes

diferentes para a educação. Tenho consciência

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de que quando se fala em pós-modernidade quer-se referir, sobretudo, ao seu nível mais ra-dical que é a quebra e a negação de qualquer fundamento. No entanto, nenhum educador pode e precisa aceitar este radicalismo. Por isso, vamos trabalhar, sobretudo com a última concepção acima explicitada, ou seja, a da descoberta da dimensão perdida.

Pensamento forte e pensamento fracoEstas noções se devem a Gianni Vattimo,

filósofo italiano. Ele é considerado o filósofo do pensamento fraco (pensiero debole). Por pen-samento fraco não se deve entender um pen-samento insignificante, de segunda categoria, sem argumentação e sem consistência. Trata--se de um pensamento sem vontade de poder, sem vonta-de de dominação. Há uma pa-lavra muito utilizada hoje que é a metanarrativa. Metanarra-tiva é um relato, uma narração abrangente, tão abrangente que não aceita outra perspec-tiva e outro paradigma que não seja este. Combina com a metanarrativa o pensamento único, a história única, a ética não aporética e não ambiva-lente, a ciência linear.

Deixando de lado argu-mentações teóricas, pode-mos nos debruçar em uma reflexão muito prática. Num mundo em que há hegemonias econômi-cas, políticas, culturais, religiosas, militares, quem garante que a visão de mundo, os pa-radigmas que contam não sejam determina-dos pela força e o poderio? As ideias são compradas e são vendidas. As verdades, as consciências, as opiniões são determinadas pelos poderosos do centro hegemônico. Num mundo em que grande parte da popu-lação mundial está em condições de misera-bilidade, analfabeta, subnutrida, refugiada, violentada por guerras colonialistas, quem é o eu penso de Descartes? Os letrados do centro, os acadêmicos da burocracia, os economistas do FMI e do Banco Mundial, os clérigos aburguesados, o aparelho militar?

Sou relativo sem ser relativista. Te-nho fundamento sem ser fundamentalista.

Podemos partir de um dado religioso para nossa argumentação. Os cristãos no mundo são 33% e destes, os católicos representam 17% da população mundial. Todo cristão colo-ca o fundamento da sua vida em Jesus Cristo. Para ele, isto é fundamental, não é relativo. Já para um budista, por exemplo, Jesus Cristo não é fundamental, não é o fundamento de sua vida. Para ele, Jesus Cristo é relativo. O que é fundamental para um, é relativo para outro e vice-versa. Isto não quer dizer proclamar o relativismo e nem o fundamentalismo. Para o cristão, Buda é relativo e Jesus é fundamento. Proclamar que existe fundamento não significa

necessariamente viver o fun-damentalismo.

Agora podemos voltar ao movimento homeschooling. No Brasil, até hoje, pelo que nos consta, nenhum juiz deu ganho de causa para qual-quer pai que quis educar seus filhos em casa, sem passar pela escola. Isto é compreen-sível porque a escola não é a continuação da família. Pelo contrário, ela é a ruptura com a família. As novas gerações precisam ser educadas junto com outras crianças numa so-ciedade pluralista. Ela não é um condomínio fechado. A es-

cola é um desenho do que é a sociedade. Toda criança precisa encontrar-se com crianças com outras concepções de vida de todos os tipos: políticas, culturais, religiosas, econômicas, so-ciais. Como uma criança vai ter noção de etnia se não convive com as diferentes etnias? Como pode ter uma noção de gênero se não convi-ve com o gênero diferente? O professor não é um computador ambulante, ele não é uma enciclopédia ambulante. Certamente que todo professor passa, transmite os assim chamados conteúdos. Uma boa escola tem que fazer isto. No entanto, todo professor é mais que isto. Ele é um mediador cultural. Toda sala de aula é um espaço de convivência com os diferentes. A es-cola é um ambiente de atitude e de socialização

Toda sala de aula é um espaço de convivência com os diferentes. A escola é um ambiente de atitude e de socialização e não apenas um lugar onde se ensina conhecimentos gerais. Mesmo que os pais pudessem passar os conteúdos em casa para seus filhos, eles não conseguem passar uma visão plural da sociedade, mais que isto, uma vivência plural da sociedade.

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e não apenas um lugar onde se ensina conhe-cimentos gerais. Mesmo que os pais pudessem passar os conteúdos em casa para seus filhos, eles não conseguem passar uma visão plural da sociedade, mais que isto, uma vivência plu-ral da sociedade. Escola é mais que um pré-dio de dois andares com sala de aula. Escola é mais que uma sala de aula, um computador e uma biblioteca.

Por isso também é que se deve repelir a escola única. Há um pluralismo de esco-las. O financiamento da educação deveria ser único. Há países que fazem assim. No Chile, por exemplo, há diversidade de esco-las: tanto as mantidas pelo estado quanto as mantidas por grupos organizados. Agora, o financiamento da educação é sempre com-petência do estado. Todas as escolas são gratuitas, tanto as do estado quanto as dos grupos organizados. Aí, sim, há possibilidade de opção de ensino. No Brasil, infelizmente, esta realidade nos parece difícil para não dizer impossível de acontecer. Há os estati-zantes que afirmam que “dinheiro público são para escolas públicas”, identificando público com estatal. Há, além disso, os privatizan-tes que dizem que as escolas mantidas por grupos organizados não devem receber di-nheiro do Estado porque precisam inserir-se no mercado e submeter-se às suas regras. A consequência desta visão é óbvia. A esco-la mantida pelo poder público estatal conti-nua não recebendo os recursos necessários destinando-se quase que exclusivamente às camadas populares, sobretudo na educação básica. Por outro lado, lançadas no mercado, as escolas mantidas por grupos organizados só podem ser frequentadas pelas classes mais abastadas ou pela sofrida classe mé-dia. Até quando esta visão deve prevalecer? Os impostos são pagos por todos os cida-dãos. Portanto, onde está o cidadão aí está o estado e também os recursos do estado. Não é possível uma boa escola particular se não houver boa escola pública.

A favor da diferença contra toda desigualdade

Uma das consequências da assunção do pensamento fraco (pensiero debole) é o

desejo de não aceitar a unidimensionalidade. Não há pensamento único, cultura única, eco-nomia única, religião única, ética única. Assim caminha a humanidade. Infelizmente estas questões estão tão arraigadas na sociedade e nas pessoas que é difícil reconhecê-las pre-sentes. A maioria das pessoas se acham isen-tas de preconceitos e conceitos. No entanto, até sua linguagem atraiçoa este bom desejo.

Coube-me fazer uma pesquisa com dez adolescentes numa escola particular de Por-to Alegre sobre a presença da violência na escola através da palavra. Dentre as muitas questões apresentadas a eles, uma delas questionava se já tinham sido vítimas de vio-lência através da palavra por parte de cole-gas. Todos afirmaram que sim. Mais ainda, todos afirmaram que também tinham agredi-do verbalmente seus colegas de escola. So-licitamos que indicassem as palavras mais utilizadas para esta agressão verbal. Foram apresentadas 58 palavras diferentes, uma vez que cada um poderia apresentar “ape-nas” dez palavras.

Surpreende que os adolescentes veem no corpo um elemento de discriminação. A obesidade, a altura, pequenos defeitos físi-cos são ressaltados. O corpo que deveria ser um elemento de agregação e de comu-nicação se torna elemento de discriminação. Acontece que nossa sociedade, sobretudo através dos MCS, seleciona um determina-do corpo como modelo e quem não obedece a este padrão está fora de cogitação. Num país de pobres que não conseguem ter uma alimentação equilibrada e nem os cuidados mínimos com a saúde a consequência é a marginalização. Há crianças que nunca sor-riem porque não podem cuidar adequada-mente de seus dentes, já se dando por feli-zes quando não têm dores.

Os portadores de necessidades espe-ciais também são considerados anormais, excepcionais negativos. Em Porto Alegre, por exemplo, é muito comum agredir verbalmente as pessoas chamando-as de “mongolóides”. Até os pobres entram na dança da agressão. Um xingamento comum é o de “vileiro”, cri-minalizando a pobreza e os pobres. E o que dizer dos adolescentes homossexuais? Há

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pesquisas que afirmam que muitos deles e delas faltam com frequência às aulas porque não suportam a pressão que lhes é feita.

O que está por detrás desta realidade? É o pensamento forte, o pensamento único, a visão de que a diferença se identifica com a desigualdade. Há um padrão de ser huma-no estandardizado e único que deve servir de metro para o julgamento das pessoas. O grande desafio para a educação é descobrir este currículo oculto verdadeiro e forte para enfrentá-lo adequadamente. Há pessoas que dizem que só a educação é capaz de salvar e desenvolver um país. Até aqui todos estão de acordo. No entanto, é importante se perguntar qual o tipo de educação necessária para um país como o Brasil que tem uma das maiores concentrações de renda do mundo. Há pes-soas que tiveram acesso a todos os estudos possíveis e, no entanto, continuam defenden-do uma sociedade livre sem ser justa o que, convenhamos, é uma grande impossibilidade.

Pesquisa realizada pela FIPE (Funda-ção Instituto de Pesquisas Econômicas), a pedido do Ministério da Educação, demons-trou que quanto mais preconceito e práticas discriminatórias existem em uma escola pública, pior é o desempenho de seus estu-dantes. Entre as experiências mais nocivas vividas por esses jovens está o bullying, que é a humilhação perante colegas por motivo de preconceito. A Folha de São Paulo de 18 de junho de 2009, C3, traz importante e ilus-trativo resumo desta pesquisa. Foram entre-vistadas 18.500 pessoas entre alunos, pais, diretores, professores e funcionários de 501 escolas de todo o Brasil. Entre os estudan-tes, participaram da pesquisa os que cursam a sétima ou oitava série do ensino funda-mental, a terceira ou quarta série do ensino medido e o EJA. Do total de estudantes en-trevistados, 70% têm menos de 20 anos.

Esta pesquisa revela que praticamente todos os entrevistados (99,3%) têm precon-ceito em algum nível. Sobre contra quem eles admitem ter preconceito, os alunos por ordem de preconceito revelaram: homossexual, de-ficiente mental, cigano, deficiente físico; os funcionários: deficiente mental, cigano, ho-mossexual, morador de periferia ou favela; o

corpo técnico: deficiente mental, cigano, ho-mossexual, deficiente físico e morador de pe-riferia ou favela; pais: deficiente mental, ciga-no e homossexual, deficiente físico e pobre, morador de periferia ou favela e índio.

Repetimos mais uma vez que, enquanto a educação não enfrentar estas questões, o que está acontecendo em nossas escolas é apenas uma transmissão de conteúdos, um verniz colorido que não penetra o âmago, a consciência e o coração das pessoas. O que mais impressiona na pesquisa é que o volu-me de excluídos apontados pelos pais é muito maior que o dos estudantes. Talvez esteja aí também uma mudança de rumo na convivên-cia social rumo à inclusão.

Zygmunt Bauman escreveu um livro so-bre Modernidade e Ambivalência. Aí denuncia a prática do estado jardineiro. Assim como um bom jardineiro faz uma seleção das melhores mudas e elimina as ervas daninhas, o mesmo deve acontecer no cultivo dos humanos. Poli-ticamente isto significa expurgar a ambivalên-cia, ou seja, eliminar a diversidade.

Primeiro e antes de qualquer coisa, porém, significa expurgar a ambivalência. No reino político, expurgar a ambivalência significa segregar ou deportar os estranhos, sancio-nar alguns poderes locais e colocar fora da lei aqueles não sancionados, preenchendo, assim, “as brechas da lei”. No reino intelec-tual, expurgar a ambivalência significa acima de tudo deslegitimar todos os campos de conhecimento filosoficamente incontrolados e incontroláveis. Acima de tudo, significa execrar e invalidar o “senso comum” – sejam “meras crenças”, “preconceitos”, “supersti-ções” ou simples manifestações de “ignorân-cia” (BAUMAN, 1999, p. 34).

Morin (2003, p. 51-59) apresenta seis características do pensamento complexo. A primeira delas, e é sobre ela que queremos nos deter, é que “o estatuto semântico e epistemológico do termo ‘complexidade’ não se concretizou ainda” (p. 52). E continua: “o discurso sobre a complexidade é um discurso que se generaliza cada vez mais a partir de diferentes vias, já que existem múltiplas vias de entrada a ela” (idem, ibidem). Isto nos leva

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a admitir que, hoje, se trava uma batalha entre o pensa-mento linear, forte, único e o pensamento complexo, fraco, plural. As questões de gêne-ro, deficiência, étnicas, raciais e de geração fazem parte do currículo escolar.

ConcluindoA unidimensionalidade

é uma distorção presente no mundo e que precisa ser combatida com políticas e ações concretas e adequadas. Os proble-mas sociais são tão grandes que nenhuma ciência tem todos os pressupostos episte-mológicos para enfrentá-los. O mesmo se diga a respeito das forças de gênero, de et-nia, de geração...

O mesmo Edgar Morin (2003, p. 111) apresenta magistralmente seis princípios de esperança no meio da desesperança. São eles: princípio vital, princípio do inconcebível, princípio do improvável, princípio da toupeira, princípio de salvação e princípio antropológico.

Princípio antropológico é a constatação de que o homo sapiens/demens usou até o presente uma pequena porção das pos-sibilidades de seu espírito cérebro. Isso supõe compreender que a humanidade se encontra longe de ter esgotado suas possibilidades intelectuais, afetivas, cul-turais, civilizacionais, sociais e políticas. Nossa cultura atual corresponde ainda à pré-história do espírito humano e nossa ci-vilização não ultrapassou a idade de ferro planetária (MORIN, 2003, p. 111).

A ciência moderna com sua linearida-

de de causa-efeito restringiu por demais as possibilidades humanas. Não resta dúvida que contribuiu sobremaneira para o progres-so técnico e tecnológico. No entanto, não conseguiu criar perspectivas éticas para a humanidade, que não fossem a de domina-ção e de exploração em grande escala. O pensamento complexo, ao contrário, vem

quebrar esta unidimensio-nalidade. O universo não é mais visto como uma má-quina ou um relógio, mas como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes es-tão essencialmente inter-re-lacionadas e só podem ser entendidas como modelos de um processo cósmico. O mundo está ameaçado por-que a vida está ameaçada. A pessoa humana, ao mesmo tempo que é parte de todo

este processo, é também estranha a ele. Ela sofre suas consequências, mas ao mesmo tempo interfere em suas causas. Dentro do princípio da retroalimentação, ela é causa e efeito, ao mesmo tempo. Sofre e faz sofrer, mas também ama e é amada.

É preciso denunciar para as novas ge-rações o serviço de jardinagem que existe no mundo produzido pelo mito da razão, pelo pensamento forte, pela história huma-na linear, pela ética do contrato, da recipro-cidade e do propósito... O seu contrário é que é capaz de gerar uma sociedade onde caibam todos.

ReferênciasBAUMAN, Z. Modernidade e Ambiva-

lência. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

BOFF, L. Virtudes para um outro mun-do possível – Vol. 1: Hospitalidade: direito & dever de todos. Petrópolis: Vozes, 2005.

BRAIDO, P. O projeto operacional de Dom Bosco e a utopia cristã. São Paulo: Salesiana Dom Bosco [Cadernos Salesia-nos, 35], 1984.

MORIN, E; CIURANA, E. R.; MOTTA, R. D. Educar na era planetária – o pensamen-to complexo como método de aprendizagem pelo erro e a incerteza humana. São Paulo/Brasília: Cortez/UNESCO, 2003.

A unidimensionalidade é uma distorção presente no mundo e que precisa ser combatida com políticas e ações concretas e adequadas. Os problemas sociais são tão grandes que nenhuma ciência tem todos os pressupostos epistemológicos para en-frentá-los. O mesmo se diga a respeito das forças de gênero, de etnia, de geração...

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Sair da rua: fácil falar, difícil fazer! Um estudo sobre a Rede de Apoio Social a crianças e adolescentes em situação de rua moradia na Região Central de Porto Alegre

Cristiane Vieira Chagas1

Letícia Horn Oliveira2

Jacqueline Costa da Silva3

Carlos Alberto Kalinovski Hoffmann4

Cristiane Saraiva Marins5

Resumo: O artigo aborda pesquisa realizada pelo grupo de estudos do Instituto de Pesquisa a Criança e Adolescentes (INSAPECA) que investigou as estraté-gias da Rede de Ação Social no atendimento a crianças e adolescentes da Re-gião Central de Porto Alegre para refletir sobre as políticas públicas de enfrenta-mento à questão das crianças e adolescentes em situação de rua moradia. Nos resultados qualitativos alcançados, pode-se verificar que a desestrutura familiar seguida da ausência de um adulto ou instituições significativas são pontos impor-tantes para a saída de casa e ida para o espaço desprotegido da rua. O fator dro-gadição surge ou como motivo de afastamento familiar e/ou indicador de refúgio para suportar a situação de vulnerabilidade, facilitando inclusive o agregamento nas ruas. Como indicativo final, a Rede de Proteção é considerada de suma im-portância para os adolescentes, pois significa resgate dos vínculos fragilizados, acolhimento e esperança para as possibilidades de transformação.

Palavras-chave: Adolescente. Rua moradia. Rede de Proteção. Família. Drogadição.

Abstract: The article discusses the research conducted by the study group named INSAPECA that investigated the strategies of the Network of Social Action in the care of children and adolescents in the Central Region of Porto Alegre and reflect on the public policies for addressing the issue of children and adolescents Street residence. In qualitative results achieved, we can see that family dysfunction, in addition to the absence of a significant adult or institutions are important points for leaving home and going to the unprotected area of the street. The addiction factor, is either familiar ground for expulsion and / or indicator of refuge to support the life of vulnerability, including facilitating the aggregation on the streets. Finally, the Protection Network is considered very important for teenagers because it means rescuing the lost links, shelter and hope for transformation.

Keywords: Teenage. Street housing. Safety Net. Family. Drug Addiction.

(1) Mestre em Educação. Coordenadora do Instituto Salesiano de Pesquisa sobre Criança e Adolescente (INSAPECA). E-mail: [email protected](2) Mestre em Psicologia(3) Assistente Social(4) Mestrando em Administração(5) Bacharel em Administração pela Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

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Introdução O grupo de pesquisa do Instituto Sale-

siano de Pesquisa sobre a Criança e o Ado-lescente (INSAPECA) estudou a realidade da criança e do adolescente em situação de rua moradia, sentindo-se instigado a com-preender o motivo pelo qual crianças e ado-lescentes permanecem nas ruas da Região Central de Porto Alegre. E ainda, conhecer e entender como se dá o funcionamento das Redes de Atendimento a esses adolescen-tes e jovens. Dessa maneira, investigou se há um trabalho estruturado para garantir a convivência das crianças e dos adolescentes com sua Rede Primária e buscou vivenciar o funcionamento destes processos.

Nesta perspectiva, através da pesquisa, se buscou conhecer a Rede de Assistência, para entender quais as medidas necessárias para garantir uma maior transformação desta realidade e a efetiva proteção integral. Apesar dos pesquisadores saberem da profundidade e seriedade do trabalho que já vem sendo de-senvolvido, entende-se que o olhar de um gru-po que não está diretamente envolvido com as ações possa auxiliar ainda mais nos processos instituídos. Pensar nestas questões amplia o campo de análise e crítica social, fazendo com que se reflita como fazer para que se cumpra a normatização legal, a ética e os princípios bá-sicos dos direitos da criança e do adolescente.

Assim, diante do exposto, pergunta-se: como ocorre a recorrente permanência da situação de rua de crianças e adolescentes face à rede de apoio social existente na Re-gião Central de Porto Alegre?

1. FamíliaO conceito de família, que vem se cons-

tituindo ao longo da história, nem sempre apresenta o estereótipo que hoje está esta-belecido, pois esta Instituição Social já cum-priu diversos papéis.

a família deverá ser encarada como um todo que integra contextos mais vastos como a comunidade em que se insere. De encontro a esta afirmação, JANOSIK e GREEN referem que a família é um “sis-tema de membros interdependentes que possuem dois atributos: comunidade den-

tro da família e interação com outros mem-bros” (STANHOPE, 1999, p. 492).

Na contemporaneidade há várias defi-nições a serem consideradas e são diversos os paradigmas que sustentam estes diferen-tes conceitos.

As definições clássicas de família pa-rental, nuclear e outras vêm sendo substi-tuídas por conceitos que entendem família enquanto núcleo de convivência, não neces-sariamente consanguínea.

“A família deve, portanto, se esforçar em estar presente em todos os momentos da vida de seus filhos. Presença que implica envolvimento, comprometimento e cola-boração. Deve estar atenta a dificuldades não só cognitivas, mas também comporta-mentais. Deve estar pronta para intervir da melhor maneira possível, visando sempre o bem de seus filhos, mesmo que isso sig-nifique dizer sucessivos ‘nãos’ às suas exi-gências. Em outros termos, a família deve ser o espaço indispensável para garantir a sobrevivência e a proteção integral dos filhos e demais membros, independente-mente do arranjo familiar ou da forma como se vêm estruturando.“ (KALOUS-TIAN, 1988).

Nesta pesquisa, percebe-se que crian-ças e adolescentes deixam muito cedo o convívio familiar já que este espaço apresen-ta-se como um lugar que carece de relações interpessoais construtivas estando impreg-nado de violência, drogas e trabalho infantil.

“... Eu não me dou muito bem com a minha mãe... Era ruim ficar em casa...” (Adoles-cente 1).“... Desde pequenininho trabalhava direi-to, honestamente, só quando fui entrar na adolescência que foi cruel... Cortava grama, limpava a piscina, passava óleo de peroba nos móveis em uma casa que trabalhava.” (Adolescente 2).“... De casa eu saí com seis anos... Não me dou com a minha mãe... Não conheço meu pai...” (Adolescente 3).

São crianças e adolescentes total-mente desprotegidos, que saem de casa sem

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rumo, abrigando-se ao relento e vivendo com grupos de crianças ou adultos significativos, que se tornam referência de proteção e aco-lhida. Para estas crianças, o espaço da rua é mais aprazível que sua casa e sua família. É um espaço que promove visibilidade e uma sensação de liberdade.

As crianças de rua estão envolvidas em sua rotina buscando meios para sobreviver. Vi-vem geralmente em pequenos grupos pela necessidade de segurança e aconchego. Dormem em calçadas, praças, casas aban-donadas, possuem uma linguagem própria, cheia de símbolos e significados. Criam regras particulares para manutenção e pro-teção do seu grupo. Geralmente cometem pequenos furtos ligados a questão da so-brevivência (CUNHA, 2000, p. 27).

A conceituação do autor pode ser per-cebida através do relato de outro adolescen-te entrevistado, quando este descreve em detalhes sua saída para a rua:

Estava com problemas na minha casa. Minha mãe bebia e meu pai batia. Então, peguei minha mochila, peguei o ônibus e fui embora. Encontrei uns guris que come-çaram a me perguntar quem eu era, para onde eu ia e eu falei que não sabia. Eles me convidaram para ir com eles, para a casa deles. A gente ficava na rua durante o dia e eu só puxava as bolsas. Eles rou-bavam. Com este dinheiro ajudava a tia a comprar comida (Adolescente 4).

O fator trabalho é outro ponto que deter-mina a situação de permanência ou moradia rua. A criança ou o adolescente que vai para a rua busca ajudar a prover melhores condi-ções de vida para seus familiares. O menino, na ausência do pai, que muitas vezes está preso ou é desconhecido, se vê responsável em auxiliar esta mãe e os irmãos. E outras vezes é a própria família que facilita a ida das crianças para a rua, o que resulta em di-minuição nos custos de manutenção do lar. Estes aspectos tão comuns na sociedade porto-alegrense e brasileira ferem a Consti-tuição e o Estatuto da Criança e do adoles-cente que determinam respectivamente:

É dever da família, da sociedade e do Es-tado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência fa-miliar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discri-minação, exploração, violência, crueldade e opressão (Const. Federal, art. 227).É proibido o trabalho infantil e aos adoles-centes com menos de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir dos 14 anos (ECA, art. 60).

Compreendendo e aceitando com pleni-tude o que nossas constituições determinam, não poderíamos deixar de considerar de que família trata a lei. Ora, trata de famílias vítimas do descaso deste estado que também não ga-rantiu a elas os direitos previstos. Logo, estas crianças e adolescentes em situação de rua tornam-se vítimas deste sistema de forma he-reditária, pois são fruto de uma família igual-mente desassistida.

Considerando a multiplicidade de fato-res implicados neste quadro social, pode-se citar a droga como um aspecto desagrega-dor. Os relatos dos adolescentes demons-tram e comprovam:

“Tinha muita situação ruim na minha casa quando era pequeno, minha mãe e meu pai brigavam e eu sentia aquilo ruim e não tinha como ajudar a minha mãe. E também meu padrasto tinha uma situação com a minha irmã e ela saiu de casa, daí eu senti falta dela e também saí de casa com 13 anos.” (Adolescente 4).“Quando fui procurar a minha irmã ela dis-se o que tu quer aqui; por que tu não volta para casa. Daí ela me levou para casa... Daí eu conversei com a minha mãe e ela não deu em mim, mas depois quando ela se chapou (álcool) e começou a encher o saco. Daí a mãe pediu para eu ir ao arma-zém e eu fui e não voltei.” (Adolescente 4).

A vulnerabilidade que acomete as crian-ças e adolescentes em situação de rua é pro-veniente na maior parte das vezes da falta de afeto no meio familiar. Sendo assim, as crianças acabam procurando a rua pela fal-

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ta de perspectiva quanto às condições de moradia, estu-do, alimentação, lazer e pelo envolvimento com situações como o tráfico de drogas, vio-lência doméstica (abuso físi-co e sexual).

O vínculo familiar muitas vezes não é quebrado de for-ma abrupta e sim de maneira gradual, pela necessidade de pertencer a um grupo. Se a criança não consegue a dis-ponibilidade de outros recur-sos de apoio na comunidade, como a escola, por exemplo, acaba buscando o apoio mais atrativo.

Portanto, o que se deve considerar é que, em geral, as crianças e adolescentes em situação de rua são privadas por longos períodos do convívio com um ambiente de referência onde as relações interpessoais sejam afetivas, estáveis e de confiança. O próprio Estatuto da Criança e do Adolescen-te assegura à criança o direito de ser criada e educada no seio de sua família. Porém, os vínculos frágeis e a ausência de uma verda-deira família levam muitas crianças a busca-rem o espaço da rua.

3. DrogadiçãoConforme referido na categoria anterior,

a droga aparece na pesquisa como um dos fatores que levam as crianças ou adolescen-tes a sair de casa, ou ainda que se torna a companheira de muitos meninos e meninas neste período em que vivem nas ruas.

A fim de melhor analisar a presença das drogas no contexto das ruas, dividiremos em três os motivos que levam ao consumo.

3.1 O uso da droga na família: mui-tas crianças entrevistadas justificam a droga como causa de sua saída de casa, já que agregado ao uso está presente a violência e o delito. Estes fatores levam a criança a re-correr às ruas como válvula de escape a esta situação de vulnerabilidade. Conforme indica um profissional que atua na Rede de Assis-

tência da Região Central de Porto Alegre:

“... na maioria das situações são crianças e adolescentes que não estão na rua por acaso, tem muitas situações de violência doméstica, de doença mental, de uso e tráfico dentro da famí-lia...” (Profissional 1).“Então, nós já fizemos todo um trabalho para convencer um me-nino, todo um trabalho de con-vencimento para ele sair da rua e quando conhecemos a fundo esta família descobrimos que a mãe e o padrasto eram traficantes e usavam ele, que era menor de idade, para entregar os produtos e ele não queria mais isto. Daí tu

te dá conta de que como tu vai convencer uma criança a voltar para casa para ela ser traficante...” (Profissional 2).

3.2. O uso da droga nas ruas: estar nas ruas muitas vezes é sinônimo de passar dificuldades quanto às necessidades bási-cas, isto é, passar fome e frio. Assim, para muitas crianças e adolescentes, a droga ser-ve como um recurso que ameniza esta con-dição de vulnerabilidade, inclusive os enco-rajando após usar, a furtar e se prostituir.

3.3 O uso da droga enquanto fator agregador: a vida nas ruas é sinônimo, em um primeiro momento, de desproteção, por isto a necessidade de um grupo de acolhida. Muitas vezes nestes grupos há o uso da dro-ga como fator socializador e de agregamento.

Considerando estes três fatores perce-bemos a problemática forte da drogadição como um agravante e/ou como fator que contribui para esta permanência nas ruas.

A Rede de Proteção por diversas vezes citou a problemática de encaminhamento destas crianças e adolescentes para trata-mento, seja em função da dificuldade do con-vencimento do ir tratar-se, da burocratização do sistema que exige diversas etapas ante-riores à internação e a ausência de vagas nas instituições públicas ou conveniadas.

Assim relatou um profissional da Rede

A vulnerabilidade que acomete as crianças e adolescentes em situação de rua é proveniente na maior parte das vezes da falta de afeto no meio familiar. Sendo assim, as crianças acabam procurando a rua pela falta de perspectiva quanto às condições de moradia, estudo, alimentação, lazer e pelo envolvimento com situações como o tráfico de drogas, violência doméstica (abuso físico e sexual).

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quando discutiu-se os desafios de buscar es-paços de internação...

“... o que as Instituições não sabem é que estas crianças em situação de rua não esperam este atendimento, elas somem, morrem ou desistem” (Profissional 3).

4. Rede de ProteçãoO homem é um ser social. Desde a

Pré-história à Pós-modernidade, o homem só consegue desenvolver-se enquanto ser social, na convivência com o outro. Nossos antepassados das cavernas organizavam-se em grupos, assim moravam, caçavam, ali-mentavam-se e, se necessário, deslocavam--se juntos para um novo território e ali inicia-vam nova convivência coletiva. Em grupos, conectados, formavam uma rede de sobrevi-vência e, dentre outros aspectos, fortaleciam a garantia da manutenção da espécie.

A vida social acaba sendo um espec-tro desta condição humana de coexistência, pois através da história e das sociedades percebemos evoluções e involuções que se estruturam em uma rede de relações.

Corte um fio da rede elétrica, rompa o elo de uma corrente, descosture os pespontos de uma roupa, abra um buraco na trama da rede de pesca. Você terá uma pequena amostra do que significa o trabalho em rede (ou a au-sência dele) (REICHEL in Türk.2001).

Com o advento do Capitalismo e do Neoliberalismo, a mesma lógica de orga-nização social que buscou a abertura das fronteiras, a socialização das culturas e a coresponsabilização dos atos sociais trouxe consigo efeitos nocivos à individualidade e a equidade. A luta por uma realidade social que consiga equilibrar os aspectos opressores da globalização, sem fechar as possibilidades abertas pela conectividade entre realidades distintas e distantes, ainda está travada.

Edgar Morin com a Teoria da Comple-xidade traz uma reflexão instigante quanto à redução da complexidade humana, ou seja, a tendência pós-moderna em tornar aquilo que é diverso e diversificado em algo único e simples. Transpondo para questões de glo-

balização seria: unir o “todo” diversificado e transformá-lo em algo “único”, massificado.

Vivemos sob o império dos princípios de disjunção, de redução e de abstração cujo conjunto constitui o que chamo de o “paradig-ma de simplificação” (MORIN, 2006, p.11).

A sociedade atual, ao mesmo tempo em que compreende a necessidade da vida cole-tiva para que as ações sociais tornem-se mais eficientes e eficazes, tende a usar desta Rede de Ação como algo que massifica e uniformi-za, desconsiderando as individualidades.

... o pensamento simplificador é incapaz de conceber a conjunção do uno e do múl-tiplo (unitat multiplex). Ou ele unifica abs-tratamente ao anular a diversidade ou, ao contrário, justapõe a diversidade sem con-ceber a unidade (MORIN, 2006, p.12).

Neste cenário social emergem as RE-DES DE AÇÃO em diversas frentes.

Uma estrutura em rede (...) corresponde também ao que seu próprio nome indica: seus integrantes se ligam horizontalmente a todos os demais, diretamente ou através dos que os cercam. O conjunto resultante é como uma malha de múltiplos fios que pode se espalhar indefinidamente para todos os lados, sem que nenhum dos seus nós possa ser considerado principal ou central, nem re-presentante dos demais. Não há um “chefe”, o que há é uma vontade coletiva de realizar determinado objetivo (WITHAKER, 1998).

Dançando entre a Evolução Científica e a Involução Ética, vive-se em um mundo que funciona, ou quase, através das Redes. Após o período Moderno onde se entendia que o cen-tro de todas as respostas para a satisfação e evolução humana estaria em si próprio, a partir da própria razão pessoal, entramos em uma era pós-moderna que resgata a essência humana da ação em rede. Assim, todos os processos, hoje, buscam funcionar em rede, entrelaçando cada vez mais os fios e formando uma malha de corresponsabilidades e cointeresses.

Em se tratando de Rede de Proteção podemos citar Brancher:

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Quando se fala em “Sistema de Garantia de Direitos”, melhor se tem em mente a compreensão teórica, abstrata e estática do conjunto de serviços de atendimento previstos idealmente em lei, enquanto a expressão “Rede de Proteção” expressa esse mesmo sistema concretizando-se di-namicamente, na prática, por meio de um conjunto de organizações interconectadas no momento da prestação desses serviços (2000 p.131).

Assim, a Rede de Proteção compõe uma teia que envolve Serviços Governamen-tais e não governamentais e Órgãos que a partir do mesmo ideário buscam garantir os direitos previstos em lei, garantindo políticas públicas e/ou medidas de proteção especial.

Logo, a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente deve ser um espaço de apli-cação de estratégias e instrumento profissio-nal necessário à garantia do que confere a Constituição de 1988 em seu artigo 277, de reconhecer as crianças e os adolescentes brasileiros como sujeitos de plenos direitos. E ainda o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que contempla o sistema de garantia de direitos incorporando tanto os Di-reitos Universais quanto a proteção especial no caso de violação de direitos.

Da perspectiva organizacional, o sistema ancora-se na integração interdependente de um conjunto de atores, instrumentos e espaços institucionais (formais e informais) que contam com seus papéis e atribuições definidos no estatuto. Quanto à gestão, o sistema de garantia funda-se nos princípios da descentralização político-administrativa e da participação social na execução das ações governamentais e não-governamen-tais de atenção à população infanto-juvenil brasileira (AQUINO, 2007, p 328).

Muitos são os desafios para o trabalho em Rede, por isto é importante definir os prin-cípios que qualificam os resultados desta ação. São eles: comunicação; interação; objetivo co-mum; dinamismo; confiança e cooperação.

A rede é uma estrutura não linear, descen-tralizada, flexível, dinâmica, sem limites

definidos e autorganizável; estabelece-se por relações horizontais de cooperação (COSTA et al,. 2003, p.73).

A Rede de Proteção precisa desenvol-ver-se como espaço de articulação entre es-tes atores sociais e também de entendimento que os mesmos têm, sobre ocupar, fazer par-te da rede, percebendo-se “peça” importante para as possibilidades de mudança, contri-buição na realidade sociofamiliar dos atores principais, pois:

... para que a transferência e, consequen-temente, o compartilhamento da informa-ção e do conhecimento sejam sucesso, faça-se uso da linguagem comum, sem a qual as pessoas não se entenderão e tampouco confiarão umas nas outras, bem como a necessidade, às vezes, do contato face a face (SANTANA et al, 2005, p. 138).

Neste sentido, o perfil e participação nesta Rede, a conexão entre estas relações e o conhecimento de como movimentar-se nos espaços é extremamente importante à medi-da que o grupo que o compõe deve oferecer confiança e não só conhecimento, pois:

O conhecimento é inerente às pessoas. Consequentemente o agenciamento dos relacionamentos e a confiança entre os indivíduos nas organizações têm papel determinante (...). Para compartilhar o co-nhecimento pessoal, os indivíduos devem confiar que os outros estejam dispostos a ouvir e a reagir às suas ideias (SANTANA et al, 2005, p. 135).

Esse compartilhamento de conheci-mento, informações e espaço, resultará em ideias e práticas que contribuirão para a construção de fluxos e processos legítimos de defesa de direitos, através do processo de instituir aprendizagem.

Consequentemente, a cultura apren-dida, o agir profissional, ocorrerá como en-grenagem, onde uma ação tem início a partir da demanda, mas que tendo esse ponto de partida deve estar conectada a outra, até que se tenha plano traçado e executado para de-terminado atendimento.

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Ainda que estes espaços sejam consti-tuídos, formados por profissionais, é impres-cindível a compreensão de que o público em atendimento são crianças, adolescentes, bem como suas famílias.

Desta forma, compreende-se pessoas não só “em” atendimento, mas “para” este atendimento, no que se refere à importân-cia do perfil dos profissionais que o compõe, assim como a acolhida nos locais de aten-dimento. Estas pessoas, podemos entender como capital, não financeiro, mas social.

O grupo de pesquisa se refere aqui, minimamente, ao processo de vinculação, tão vital aos resultados esperados dos aten-dimentos mas que, sem o processo de hu-manização, não constituirá o trabalho em Rede, tampouco de Proteção, uma vez que depende da interação de todos os atores so-ciais, visando contribuir para a construção de novas possibilidades de uma vida em so-ciedade. A Rede deve ser ainda significado de cuidado.

Considera-se a Rede enquanto espaço invisível onde concretizam-se as ações, in-tervenções, reuniões, contatos, enfim, as re-lações sociais e/ou profissionais que “costu-ram” o fazer profissional, a conexão entre os serviços que compõem este espaço, perpas-sando entre os atores sociais, com um objeti-vo comum: defesa e garantia de direitos das crianças e dos adolescentes.

5. Considerações FinaisA recorrente permanência da situação

de rua de crianças e adolescentes face à Rede de Apoio Social existente na Região Central de Porto Alegre ocorre em função de questões sociais, políticas e econômicas que ao longo da história brasileira deixam à margem as famílias pobres, bem como crianças e adolescentes de periferia. Sem o intuito de minimizar a complexidade dos fatos, podemos considerar que ocorre um ciclo de ações e reações sociais de desfavo-recimento e vulnerabilidade que em muitos casos, reflete na ida de crianças e adoles-centes para as ruas.

Violência familiar, abuso, drogadição, trabalho infantil, poucos vínculos com pes-

soas e instituições sociais são alguns dos motivos que separadamente, ou aliados, jus-tificam a ida às ruas.

No espaço da rua, a droga é presença constante, mas a Rede de Proteção é o sinal da possibilidade da mudança. Nesta rede, através do diálogo, da escuta acolhedora, do olhar, muitos adolescentes conseguem vislumbrar uma nova realidade, senão jun-to a sua família pregressa, com a próxima família que irá construir. Através do estudo da formação cultural e humana é resgatada a autoestima, que leva estes jovens a pen-sar em futuro. Os números daqueles que entram na rede não é tão grande quanto po-deria ser, mas o trabalho realizado é efetivo e eficaz.

Para transformar mesmo, e evitar a ins-talação deste quadro, é necessário trabalhar preventivamente. Garantir a estas crianças uma família acolhedora, uma escola encan-tadora, que preserve a infância e seus direi-tos. Além, é claro, de continuar lutando por políticas públicas e por melhorias nos aten-dimentos públicos e conveniados de qualida-de, que efetivamente resolvam situações e mudem vidas.

ReferênciasAQUINO, Luseni M.C. de. A rede de

proteção a crianças e adolescentes, a me-dida protetora de abrigo e o direito à convi-vência familiar e comunitária: a experiência em nove municípios brasileiros. IPEA, Brasí-lia, 2007.

BRANCHER, Leoberto N. Organização e gestão do Sistema de Garantia de Direi-tos da Infância e da Juventude In: KONZEN et alii. Pela Justiça na Educação. Brasília: MEC, 2000.

BRASIL 1. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 14. ed. São Paulo: Sarai-va, 1996.

BRASIL 2. Estatuto da Criança e do Adolescente. LEI N° 8.069, DE 13 DE JU-LHO DE 1990.

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CUNHA, H. R. Que as Crianças Can-tem Livres sobre os Muros. Sonho Possí-vel 2000.

KALOUSTIAN, S.M. (org.) Família Bra-sileira, a Base de Tudo. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNICEF, 1988.

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Bertrand Brasil, 2006.

SANTANA, Juliana Prates et al. Os ado-lescentes em situação de rua e as institui-ções de atendimento: utilizações e reconhe-cimento de objetivos. Lusociência, 1999.

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TÜRCK, Maria da Graça Maurer Go-mes. Rede Interna e rede social: o desafio permanente na teia das relações sociais. 2. ed. Porto Alegre/RS: Tomo, 2002. (Coleçao Amencar)

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Universidade, ética e direitoOsvaldo Biz1

Resumo: “Não sabe direito quem só sabe Direito” é uma frase bem aceita no mundo da Academia. De fato, é preciso ter uma cultura bem fundamentada para compreender os fenômenos e as condições que ajudam a contextualizar reali-dades que nos afetam. Daí, a importância da Universidade, das disciplinas de humanidades, como Filosofia, Sociologia, História, e a necessidade do diálogo entre Ética e Direito.

Palavras-chave: Universidade. Ética. Estado de Direito. Utopia.

Abstract: “Those who only know Law do not know things the right way” is a well accepted sentence in the academic world. In fact, it is necessary to have a well-grounded culture to understand the phenomena and conditions which help contextualize realities that affect us. Hence the importance of the university, the humanities courses such as Philosophy, Sociology, History, and also the signifi-cance of a dialogue between Ethics and Law.

Keywords: University. Ethics. Rule of Law. Utopia.

Missão da UniversidadeAs Universidades desempenham fun-

ções de ensino, investigação e prestação de serviços. Elas enfrentam desafios como o de detectar tendências e necessidades que sur-gem no interior da sociedade. Sua missão: procurar respostas; ensinar a pensar. Ten-do em vista este objetivo, deve ser possível oferecer ao mundo acadêmico e à socieda-de instrumentos adequados para que seja viável ampliar seus horizontes e lutar pelas transformações que o nosso país exige.

Para concretizar projetos de mudanças, a Universidade não pode perder sua capacida-de de questionar, de investigar, de incomodar e de criar soluções para os novos desafios de ordem tecnológica e social. Isso representa a necessidade do pluralismo de ideias, acompa-nhado de universalismos, solidariedade, ética, excelência, tolerância. É certo que sem plura-lismo não existe o cultivo do espírito crítico.

Tolerância não é indiferença. É paixão pelas ideias. Porém, não é nada fácil ser to-lerante. Como aceitar ideias intoleráveis para destruir a intolerância? Quando não há respei-(1) Bacharel em Comunicação Social, Jornalismo. Licenciado em Filosofia, Geografia e História. Mestre em História. Doutor em Comu-nicação pela PUCRS. Acadêmico de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

to pela diversidade, implanta-se a tirania. Essa foi a caminhada do Nazismo, cujas funestas consequências são do conhecimento de todos.

A tolerância é fundamental no convívio social. No entanto, a intolerância continua presente no mundo, basta ver a destruição de povos, ontem e hoje, desde os indígenas até as minorias espalhadas nas diversas par-tes do mundo, as rivalidades entre as tribos africanas, não esquecendo os conflitos com as grandes religiões do Oriente. Ora, todos têm direito à defesa da vida e à preservação de sua cultura. A tolerância e a aceitação das diferenças são princípios de uma democra-cia. A liberdade de expressão é um direito.

Cabe à Universidade, com sua cons-tante interpretação e reinterpretação da sociedade, prestar um serviço valioso para a formação da consciência crítica e para a consolidação de uma Nação democrática, que conviva respeitosamente e com firmeza, que se posicione em defesa do dissenso, da tolerância e da pluralidade de informações, combatendo a uniformização. Assim o fazen-do, posicionar-se-ia em favor do povo, da so-

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ciedade, cumprindo sua missão e dispensan-do a necessidade de explicar as razões de sua existência, justificando-se por si mesma.

O que pode acontecer de ruim é que, quando os intelectuais da Universidade, vista como uma instituição da sociedade, intervêm somente em momentos esporádicos, sem propostas concretas e de forma mais soli-tária do que solidária, sem questionar o po-der, os resultados acabam sendo ineficazes. Reforça-se, então, a cobrança da postura dos intelectuais, uma vez que todos somos responsáveis pelo silêncio e pela indiferença frente aos fatos locais.

O produto pode vir do trabalho da elite, mas o seu uso deve estar a serviço das gran-des massas e dos excluídos. Em suma, ao lado dos que não têm voz.

A Universidade, uma instituição originá-ria da Idade Média, tanto ontem como hoje tem a mesma função, qual seja, a busca do conhecimento. Ensinar a pensar, no sentido de indicar o que fazer com as informações, uma vez que as mudanças no campo das ideias são as mais difíceis. É sagrada a continuação da sua tarefa em defesa do po-tencial sócio-político-cultural.

A vida intelectual e a re-cusa para assumir ideias não combinam. Conforme o fale-cido Geógrafo Milton Santos, esse é o traço que diferencia o verdadeiro intelectual da-quele letrado que não quer ou não pode mostrar que pensa. Não há dúvida de que será de apenas uma parte da classe dos intelectuais que sai-rão propostas de mudança. Daqueles que, através de suas pesquisas, derrubam aquilo que é aceito como obviedade, sem nenhum questionamento.

Os modelos de sociedade resultaram da imposição de determinados grupos e, por isso mesmo, não são inexoráveis. A tendência, ao refletir sobre a realidade, é provocar uma inter-venção, ou seja, trabalhar por uma sociedade mais justa, diminuindo a desigualdade entre ricos e pobres. O compromisso do intelectual é radicalizar a crítica, já que ele trabalha com

ideias. No entanto, podem ser apontadas re-servas quanto ao trabalho de muitos deles, uma vez que, deixando de ser críticos, aca-bam justificando a ordem estabelecida.

Inexiste um receituário acabado quando o assunto é Universidade, afirma Marcovith. Mas é importante que prevaleça a insistência em relação aos dois eixos: missão acadêmi-ca e compromisso social. Estes dois precei-tos serão sempre atuais, enquanto a Univer-sidade for Universidade.

Ética e DireitoA visão de uma ética crítica e propositiva

permite alguns desdobramentos. Um deles é a constatação de que a realidade mostrada não é algo acabado, pronto, absolutizado, invariá-vel, desenraizado do passado. Há que descar-tar, conforme afirma Wolkmer (1996, p.139),

todo o extremado rigorismo que envolve a lei como axioma acabado, porquanto esta não deve ser vista como a única e exclu-siva fonte do Direito. Crer unicamente nas

convicções ideológicas de um le-gislador é esquecer que existem outros pressupostos, tanto ou mais incisivos que a própria le-gislação formal. É profundamen-te incorreto prestar reverência a uma lei que já não responde a uma justa e ética necessidade social.

Fala-se em falta de éti-ca. Mas quando nós aceita-mos esta disparidade social existente em nosso país,

esta concentração de renda, estes milhões de compatriotas classificados como miserá-veis, evidenciamos nosso comportamento antiético diariamente.

A ética é uma realidade aberta, sujeita a mutações. Através do empenho, é possível escrever o roteiro de nossa própria história, cada um tornando-se sujeito, e não mero es-pectador. A ética, segundo Márcio Fabri dos Anjos (1996, p. 12),

deve ser assumida como instância crítica e propositiva sobre o dever ser das relações humanas em vista de nossa plena realiza-

Fala-se em falta de ética. Mas quando nós aceitamos esta disparidade social existente em nosso país, esta concentração de renda, estes milhões de compatriotas classificados como miseráveis, evidencia-mos nosso comportamen-to antiético diariamente.

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ção como seres humanos. Entre seus crité-rios fundamentais está a convicção de que o outro, o semelhante humano, merece a respeitabilidade que se dá ao ‘eu’.

A Ética propositiva de Fabri dos Anjos in-dica que as instituições humanas evoluem, não são completas, podem crescer, fazendo surgir novas exigências e desafios. Daí a importân-cia da busca de novas atitudes. Necessário se faz, então, pesquisar a fundamentação de ações e relações, objetivando dar respostas a uma nova visão de homem, de sociedade, do agir humano e de suas transformações.

A instância Ética, na formação social, é a libertação dessas classes populares, como afirma Timm (1999, p. 97),

não se trata só de um conjunto bem-aca-bado de preceitos utilitaristas ou de pres-crições universais mais ou menos inócuas, mas fundamento último e primigênio do real. Compreender o mundo, nesse senti-do, não significa embriagar-se com a po-tência do logos em seu desdobramento, mas sim, significa construir humanamen-te o próprio sentido do mundo (...). Que a oportunidade que temos para tal constru-ção Ética – a nossa vida e o chamamento à responsabilidade pelo futuro – não seja em vão, e que a era da “igualdade” dê fi-nalmente lugar ao tempo da dignidade da diferença ética.

Todavia, só é possível entender a dig-nidade dentro de um princípio que inclua a construção histórica, o que se contrapõe a algo pronto, acabado. O caminho a ser ado-tado é o do diálogo, entendido não como o domínio de uma pessoa sobre a outra, mas como uma situação de igualdade, dentro de uma dimensão relacional.

Aí, então, é possível falar sobre ética de relações justas, pois ninguém pode ser ético sozinho, assim como não existe uma cida-dania solitária. Somos cidadãos quando em conjunto. Sob o império do Neoliberalismo, essas posturas éticas e a dimensão relacio-nal são incompatíveis. O realce é para o in-dividualismo e o egoísmo presentes na vida econômica e política, componentes da lógica capitalista. Vale a competitividade, o esma-

gar o outro para tomar o seu lugar. Não se pode falar em ética de relações justas se o sistema é egocêntrico e avança tendo como pressupostos práticas injustas, não dialógi-cas. Fabri dos Anjos (1996, p. 172) trata de uma ética emancipatória:

No panorama global, os números da po-breza socioeconômica são traduzidos em fome, precariedade de saúde, moradia e educação. De fato crescem; como cres-ce também a distância excludente entre ricos e pobres. A tentação será conside-rar os pobres cada vez mais uma massa anônima e manipulada. Mas pelo vetor da cultura, ao contrário, se encara a pobreza de forma menos massiva, considerando as diferentes capacidades de cada grupo em resistir e criar alternativas. Sem isto, em-pobrecemos conceitualmente ainda mais os pobres. Dessa forma, os conceitos de alteridade e gratuidade tão caros à ética de libertação ganham novos contornos pela consideração da cultura.

A ética se afina com a dialética, justa-mente porque esta é essencialmente crítica quanto aos pressupostos do conhecimento sobre as estruturas socioeconômicas, que marginalizam amplas camadas da sociedade. Dialética, etimologicamente, vem do grego, trazendo o sentido de dialogar, discursar, con-versar, ou seja, representa uma intervenção nas ideias, em que uma proposta é defendida ou contestada. O conhecimento é alcançado através de perguntas e respostas. Essa aber-tura para o outro – a do diálogo – pode signi-ficar a possibilidade de mudança nas próprias convicções, resultando daí um avanço. Sem isso o conhecimento seria mumificado. De acordo com Konder (1985, p. 7):

Dialética era, na Grécia Antiga, a arte do diálogo. Aos poucos, passou a ser a arte de, no diálogo, demonstrar uma tese por meio de uma argumentação capaz de de-finir e distinguir claramente os conceitos envolvidos na discussão.

A dialética busca desvendar o que se esconde atrás das aparências e fenômenos. É a antítese em relação ao que está institucio-

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nalizado, colocado e pensado como imutável, ou seja, a tese. Com a negação da afirmação chegamos à síntese, uma visão da totalida-de que, pelo próprio método, está sujeita a novas transformações, já que não é uma es-trutura invariante, absolutizada. A dialética é um dos métodos mais apropriados para fa-zer compreender a realidade histórico-social. Busca, na parte, a relação com o todo.

Pergunta-se: outro Direito é possível? Sabemos da ambiguidade do Direito (Mas-caro, 2003) ao mesmo tempo em que é ex-tremamente conservador e reacionário, é também contestador e transformador. Exis-tem muitas interpretações do e sobre o Di-reito, com destaque para o viés positivista e a perspectiva crítico-dialética, como alerta Wolkmer (1996, p. 126):

Certamente que o Direito na sociedade moderna está fundado na adequação com a forma burguesa de sociedade, com a culminância de um processo de produção capitalista, com a hegemonia legitimado-ra liberal-individualista e, finalmente, com o modelo de organização institucional de Estado burocrático-nacional. É como ins-trumental sociopolítico, normativo, assen-tado na institucionalização centralizadora do poder estatal, que o Direito moderno se impõe obrigatoriamente, materializando, coercitivamente, as condições de ação dos estratos e dos segmentos sociais.

A ética no Direito depende também de outras instâncias, assinaladas nas práticas cotidianas, como sustenta Fabri dos Anjos (1996, p. 14),

não são suficientes os códigos marcados pela ética. São indispensáveis também as atitudes e posturas éticas, e estas não apenas assumidas por indivíduos, mas principalmente por boas instituições, para que tenha sustentação e executoriedade das boas leis.

O filósofo Manfredo de Oliveira (1995, p. 13) pergunta como podemos considerar nosso país um Estado de Direito, enquanto a violência e as arbitrariedades sistêmicas regem as relações econômicas. Para ele, o

Estado de Direito é incompatível com o Esta-do de miséria, uma vez que a exigência ética básica é incondicional e abrange todas as di-mensões humanas.

Outro aspecto inerente à instância crí-tica é a não aceitação da imparcialidade da Ciência, uma vez que o pesquisador não é um sujeito isento, sem ponto de vista pessoal e desligado de valores morais. A injustiça so-cial é aceita como um parâmetro normal. Daí decorre a indiferença em relação à brutalida-de do desemprego, das condições de trabalho e das demais injustiças sociais já menciona-das. Buscando um contraponto, temos o Di-reito Alternativo, cujo fundamento é a ética da alteridade (Wolkmer,1996). Ele se inspira na situação histórica de estruturas socioeconô-micas marginalizadas até hoje.

O Direito Alternativo se propõe a gerar uma prática pedagógica libertadora, a fim de emancipar os oprimidos e excluídos. Conforme Wolkmer (1996), não se trata de desconside-rar a importância da legalidade, ou de atribuir ao juiz um poder indiscriminado. Mas, antes, trata-se de visualizar o Direito como instância de construção de uma sociedade mais justa.

Como, então, prestar reverência a uma lei que já não responde a uma legítima e ética liberdade social? Superar o legalismo, anali-sando a vida dos envolvidos nas lutas sociais, é o que pode ser chamado de Direito Vivo. É preciso transformar todo o Direito em ação, tornar a nós próprios instrumentos de ação, demarcar um novo sentido para a utopia.

O sociólogo português Boaventura de Souza Santos (Folha de São Paulo, 21 de maio de 2001, Caderno A, p.07) afirma que sociedades democráticas convivem com um novo fascismo, que não é um regime político, mas um sistema de relações sociais muito desiguais. Ele explica sua posição: a extrema polarização da riqueza em muitos países, e o Brasil é bom exemplo disso – está criando uma forma de convivência semelhante à pro-duzida pelas sociedades fascistas tradicionais.

A convivência com o medo e o colapso total das expectativas se traduz por uma vida sem certeza de continuidade, sem certeza de emprego, sem garantia de liberdade. Este tipo de rotina fascista, no entanto, não está sendo

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produzida por um Estado fascista. O Estado é democrático, em que há partidos, há assem-bleia, há leis, há instituições públicas. Porém, existe nele uma população, cada vez maior, que não tem acesso aos seus benefícios.

O Artigo 5º da nossa Constituição diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Entretanto, Boa-ventura Souza Santos, na abertura do II Fórum Mundial de Juízes, em Porto Alegre, (janeiro de 2003) alertou so-bre a dificuldade de se fazer justiça frente à exclusão so-cial. Muitos cidadãos estão excluídos do seu direito mínimo, muitos não existem socialmente. Entretanto, temos uma Constituição que garante direito a todos.

Trata-se do universal. A igualdade pe-rante a lei rompeu com a desigualdade ab-solutista (mas impede a visão das diferenças estruturais da sociedade). Em nosso país, que ostenta uma sociedade da opulência e outra da miséria, servirá o Direito para uma transformação social em favor do oprimido? Questiona Mascaro (2002, p. 12):

Para o sentido comum jurídico, o direito é o elemento de concórdia, é o fim do conflito, e a justiça social é imparcial. De antemão é preciso rejeitar esta frágil e tosca perspec-tiva jurídica. O direito, em quinhentos anos de Brasil, foi a forma pela qual o dominador organizou a colônia para a exploração, e, de-pois, a forma pela qual se organizou a socie-dade dos donos de escravos e, depois, a for-ma pela qual se organizou a sociedade dos exploradores sociais contra os explorados.

Um dos critérios da ética é reconhecer no outro um semelhante humano, e não al-guém cuja existência é inútil ou desneces-sária. A dimensão ética deve subjazer todo projeto que visa a construção de um novo modelo de sociedade, não permitindo que os grandes desafios do nosso tempo sejam deixados ao sabor do livre jogo das forças do mercado. O econômico não pode ser pensa-do fora da esfera da ética.

Além de a ética representar uma ins-tância crítica, ou seja, um pensamento que reconhece que há sempre algo por fazer, ela precisa ser propositiva em relação aos padrões éticos universais a serem adotados

para as atitudes. É neces-sário um ethos global, um novo código que proponha, por exemplo, passar de uma sociedade de exclusão para uma de inclusão, pois todos os indicadores demonstram a marginalização crescente dos desfavorecidos. A ética da alteridade deve ser cons-truída, o que confirma a vi-são de Fabri dos Anjos como

propositiva. No dizer de Wolkmer (1966. p. 144), essa ética da alteridade não se pren-de a engenharias “ontológicas” e a juízos “a priori” universais, mas reduz concepções va-lorativas que advêm das próprias lutas, con-flitos e interesses de sujeitos históricos em permanente afirmação.

De acordo com Fabri dos Anjos (1994), pelo menos em nossa experiência da Amé-rica Latina, a vitrine da necessidade que te-mos de ética são os números absurdos da fome e da miséria. Mas, por mais absurdos que sejam os números, a ética não emerge porque tocamos as raias da insuportabilida-de. Em outros termos, a ética não emerge na sociedade pelo canal da indignação. Antes, parece que ela tem chance de se mostrar pela verificação de que a pobreza produzida pela própria ordem econômica incomoda-a profundamente, ao mesmo tempo em que tal ordem se mostra impotente para reprimi-la, domesticá-la ou erradicá-la.

Em nossos dias, muito se fala da impor-tância da ética em relação aos políticos. Pou-co se fala de sua falta em muitas organizações e no modo de produção de capitalista, em que a corrente liberal sequer problematiza o fato de que o econômico não pode ser pensado totalmente fora da esfera ética. Isso acontece porque, segundo Oliveira, (1995, p. 65),

desde seu nascimento na modernidade, mas sobretudo, a partir dos economistas

Além de a ética representar uma instância crítica, ou seja, um pensamento que reconhece que há sempre algo por fazer, ela precisa ser propositiva em relação aos padrões éticos universais a serem adotados para as atitudes.

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neoclássicos, a ciência econômica levan-ta a questão de articular-se, como saber, dentro do paradigma do conhecimento da modernidade, ou seja, como um conhe-cimento isento de valores. Daí a tese da separação entre economia e ética. A tarefa fundamental da ciência econômica é ex-plicar o sistema econômico, abstraindo da questão ética de sua justiça ou injustiça.

No entanto, a economia deve estar a serviço das necessidades básicas dos seres humanos. Não se trata apenas de regras téc-nicas para o perfeito funcionamento do sis-tema econômico. Ora, o neoliberalismo, com seu efeito sedutor, com suas peculiaridades de exaltação do individualismo, com sua éti-ca da eficiência, com suas ideias de que bas-ta competir para vencer, com o livre merca-do como instituição perfeita, representando a solução de todos os problemas, beneficia somente os empreendedores, os inclusos no sistema. A aceitação desta postura significa uma ação ética conservadora.

Para Volkmer (1996, p.147), a ética deve se propor a gerar uma prática pedagó-gica libertadora capaz de emancipar os su-jeitos históricos oprimidos, injustiçados, ex-propriados e excluídos. Esta prática será possível muito mais facilmente com base em razões éticas do que em interesses políticos. Afinal, a dimensão ética é a dimen-são propriamente humana da existência.

ConclusõesA universidade deve assumir, dentre

seus vários objetivos, a responsabilidade so-cial. Os conhecimentos acumulados por seus agentes devem ser aplicados na solução dos problemas sociais. Não se pode permanecer apenas na vertente economicista e produti-vista, tendo em vista somente os problemas mundiais. A preocupação, hoje, deve voltar--se para os problemas nacionais e locais. Afi-nal, os cidadãos são mais importantes que os mercados.

Frente ao momento histórico, em que há destaque para o capital financeiro, frente

à globalização econômica, diante do menos-prezo da ética em relação a grupos humanos sem nenhuma expectativa de melhoria em sua condição econômica e social, é urgente que o Estado e a Sociedade Civil repensem suas práticas, em favor dos desafortunados.

A ética é uma reflexão teórica que tem condições de gerar análise e crítica a certos fatos apresentados pela mídia, os quais re-sultam da manifestação do ser humano, que é inacabado, imperfeito, limitado, em contí-nua busca por mudanças. Por isso, ela per-mite o questionamento sobre atitudes, regras e ações humanas.

Isso significa também que as institui-ções humanas evoluem, não são completas, podem crescer, fazendo surgir novas exigên-cias e desafios e, por consequência, a busca de novas atitudes. Por isso a ética não é es-tática, mas propositiva, assim como o direito.

Necessário se faz, então, através de ações e relações, dar respostas a uma nova visão de homem, de sociedade, do agir hu-mano e das suas transformações. Chega-mos, então, a uma ética propositiva: a práti-ca de uma ética que se compromete com o gênero humano, que denuncia a dominação,

a manipulação travestida de defesa do interesse de todos.

A dimensão ética não é pensada como algo pronto. Ela está para se posicionar sobre a evolução dos fatos. À medida que a sociedade apresenta novos desafios, a ética deve buscar res-

postas, sem renunciar ao que é irrenunciá-vel. Certas exigências da ordem social, do atendimento às necessidades básicas do ser humano, não podem ser negociadas, ao contrário, são exigências prioritárias até mesmo para o funcionamento de uma or-dem democrática.

A economia deve estar a serviço das ne-cessidades básicas dos seres humanos. Não se trata somente de regras técnicas para o perfeito funcionamento do sistema econômi-co. A aceitação desta postura significa uma ação ética conservadora. A ética propositiva, por seu turno, significa que as instituições

A universidade deve assumir, dentre seus vários objetivos, a responsabilidade social. Os conhecimentos acumulados por seus agentes devem ser aplicados na solução dos problemas sociais.

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humanas evoluem, que surgem novas exi-gências e desafios e, por isso mesmo, há a necessidade de novas atitudes. Esta consta-tação deixa visível a nossa incompletude, a necessidade contínua do “de vir”, na busca de um projeto comum de sociedade etica-mente regulada.

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Reflexões críticas sobre o Instituto do Concubinato no Direito Brasileiro

Roberta Drehmer de Miranda1

Resumo: O presente trabalho tem por finalidade demonstrar a ausência, no di-reito brasileiro, de uma clara distinção entre o concubinato, a união estável e o casamento. Embora tenha havido significativa evolução doutrinária e jurispru-dencial sobre os institutos, culminando com o advento do Código Civil de 2002 que sobrepõe o instituto do casamento sobre o concubinato e a união estável, ainda podem ser vistos e julgados, principalmente no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que dão aos concubinos status de casados, concedendo efeitos patrimoniais próprios do direito de família, manifestamente ilegais e antijurídicos. Por meio de uma análise histórico-sociológica, o presente artigo elucida que so-mente o casamento constitui comunhão plena de vida, como família, sendo a união estável apenas considerada pelo Direito como equiparada ao matrimônio e, por fim, o concubinato, como situação fática antijurídica, não aceita pelo Direito, resultando tão-somente em efeitos patrimoniais cíveis, como sociedade de fato.

Palavras-chave: Concubinato. União Estável. Relações Interpessoais. Direito de Família: Brasil.

Abstract: This work proposes to demonstrade the absent, in the brasilian law, of a clear distinction between common-law marriage, “união estável” and marriage. Though has been an significative evolution of the doctrine and the jurisprudence about the subject, wich culminate in the begining of the 2002 Brazilian Civil Code that overrides the marriage above common-law marriage and the “stable union”, still we can see precedents, specially in the Rio Grande do Sul Court, that gives to the concubines an couple status, like marriage, and a series of family law patrimo-nial efects, wich are clearly ilegal and against the law. Through an historical and sociological analisis, the presente article elucidates that only marriage can make a family, and the “stable union” is only considerades by the law as treated like a marriage, and, at last, the common-law marriage, as a fatical situation against the law, and not acepted by the law, wich results only in patrimonial efects, as a common-law society.

Key-words: Common law marriage. “União Estável”. Interpersonal relations. Fa-mily law: Brazil.

IntroduçãoAs relações humanas, no decorrer da

história, sempre nos trazem surpresas e mis-térios. Muito mais quando diz relação com a origem e evolução da família, ponto de parti-da de toda civilização política e do próprio di-

(1) Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutoranda em Sociologia do Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora da Faculdade de Direito Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected].

reito, na medida em que foi no seio das rela-ções familiares que as primeiras convenções positivas tornaram-se gerais e aplicáveis a todos, no âmbito social.

O surgimento da família está intima-mente ligado à religião. A preocupação com

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a descendência e com a existência de uma prole definida fez com que os povos pri-mitivos – mormente os que viveram tran-sitoriamente uniões livres – procurassem estabelecer relações monogâmicas fixas, celebradas com ritos religiosos, que tives-sem uma exterioridade duradoura e cons-tante. Esta, portanto, é a origem da família fundada sob o casamento.

Em paralelo a essas uniões duradou-ras constituídas por um casamento, algu-mas uniões, que poderíamos cunhar “extra-conjugais” (que não eram, repita-se, o caso central, pois não tinham respaldo algum na religião doméstica), não tinham reconheci-mento moral nem sociopolítico. A concubina era alguém subordinado ao chefe de famí-lia, mormente para manter somente relações sexuais, e não participava socialmente nem patrimonialmente do status do chefe, em igualdade com a esposa. A concubina per-manecia nessa situação e assim aceitava, por circunstância cultural.

Portanto, as situações sociais, do ponto de vista jurídico, sempre foram mui-to claras. Havia a separação nítida entre a esposa e a concubina. Por isso ser enten-dível que a maioria das legislações então vigentes assim disciplinassem as relações familiares fundadas no casamento e as ex-traconjugais, nesta se enquadrando a con-cubinária (livre ou impura).

Contudo, podemos dizer que foi a partir das ideias renascentistas, liberais, modernas, que, em verdade, são o fundamento dos mo-vimentos contemporâneos de liberdade moral e sexual da contemporaneidade (a partir dos anos 60 e 70), que o padrão histórico-jurídico da família fundada sob o casamento passou a ser questionado. Em primeiro lugar, pela po-sição tomada pela Igreja Católica no sentido de considerar como família verdadeira aque-la fundada sob o casamento em seu sentido sacramental, inadmitindo, pois, a separação judicial e o divórcio. Levando em conta que há um grande número de casais autointitu-lados “católicos” que estavam, em verdade, buscando o divórcio por falência da relação pessoal conjugal (e, portanto, forçavam um aval da Igreja) ou que se casaram por con-

veniência (e, portanto, não viam mais razão de viverem sob o mesmo teto), obviamente a posição católica foi a primeira a ser combati-da e, do ponto de vista do direito positivo, foi derrotada, pois hoje a maioria das legislações estatais admite o divórcio. Em segundo lugar, as uniões livres, que assim o eram, pois havia alguma circunstância social ou legal que im-pedia tal relação, passaram a ser a primeira opção, já que numa sociedade de individua-lismo extremado e de livre concorrência, a desconfiança acaba por imperar em todas as relações pessoais.

Dessa forma, houve uma gradativa al-teração do próprio termo “concubinato” que, antes considerado como união livre (lícita ou ilícita) não jurídica, passa a ter relevância ju-rídica sob dois aspectos: quando existente entre duas pessoas, livres, desimpedidas, com relação constante e duradoura (então chamada “união estável”, união de fato que não necessita de alguma celebração espe-cial ou rito de comunhão esponsal); e quan-do existente entre duas pessoas, sendo uma delas com algum impedimento decorrente de obrigação ou convenção esponsal. A primei-ra tem abrigo sob o direito; a segunda (o an-tigo concubinato impuro), o tem apenas sob o ponto de vista patrimonial, como se fosse constituída uma sociedade de fato.

O presente ensaio tem por objeto tra-balhar as seguintes questões: quais os efei-tos do concubinato, se existente? Ou: é lícito ou em conformidade ao direito (tomado aqui também como tradição) considerar o concu-binato como família? Ainda: qual o limite en-tre o concubinato e a união estável, e se há possibilidade de transformação do primeiro no segundo? Tais questionamentos são can-dentes na prática jurídica, e são vistos na ju-risprudência com frequência, sendo missão do jurista delimitar devidamente os institutos, sob o ponto de vista da tradição jurídica e da lei positiva, a fim de que nem um nem ou-tro seja esquecido ou subjugado a terceiro plano, o que levaria, sem dúvida nenhuma, a um subjetivismo ou decisionismo bem como a um relativismo extremo do próprio direito.

O trabalho está dividido em duas partes. Na primeira parte, abordar-se-ão algumas

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noções fundamentais acerca do concubina-to, seu conceito, origens e o tratamento legal disciplinado pelo sistema positivo brasileiro, mormente pelos Códigos Civis de 1916 e o atual, de 2002. Na segunda parte, analisar--se-ão alguns elementos dogmáticos e prá-ticos da relação concubinária, a evolução normativa e jurisprudencial, buscando fixar, em conformidade com a tradição jurídica, o correto espaço e tratamento deste instituto no direito civil e familiar.

2. Noções fundamentais acerca da relação concubinária

2.1 Conceito e origens da relação concubinária

Do ponto de vista etmológico, “concu-binato” vem de concubans, concubantis, significando o que dorme ou se deita com (RIZZARDO, 1985, p. 218). Exprime, pois, a ideia de comunidade de leito. Num sentido comum, é a união entre um homem e uma mulher sem os vínculos do matrimônio.

Essa união pode se manifestar de duas formas. Num sentido mais amplo, é a união transitória entre um homem e uma mulher, num mesmo teto ou em tetos dife-rentes, visando manter rela-ções sexuais e afetivas com o parceiro, sem o vínculo do matrimônio – sendo estado intermédio entre a relação fugaz e o casamento.

Num sentido estrito, concubinato é a união permanente entre um homem e uma mulher, com características semelhantes à convivência more uxório do casamento, só que sem o vínculo formal deste. É uma união de fato que não visa tão-somente relação afe-tiva, efêmera a prolongar-se no tempo.

Obviamente, o segundo sentido enqua-dra-se ao que hoje se chama “união estável”, considerada pelo direito como entidade equipa-

rada à família formada pelo casamento (REA-LE, 2004), exatamente por ter características e finalidade semelhantes ao deste último.

Essa definição de concubinato pôde ser vista mais nitidamente, na história do direito, com os romanos, que baseavam fundamen-talmente a família sob o casamento, pois ha-via a preocupação de transmissão, à prole e aos demais membros da família, o encargo do culto religioso e da administração do pa-trimônio1. Não havia família sem casamento; as uniões livres não eram ilícitas (sob o ponto de vista criminal, inclusive), desde que cons-tituídas por pessoas livres que não estives-sem em situação contrária ao direito (como o adultério) ou pelo pater que quisesse manter sob sua égide mulher para manutenção de relações transitórias (tanto no casamento cum manu como sine manu).

Beviláqua faz rico comentário sobre a relação entre os esponsais e os concubinos (1905, p. 219). Nos povos antigos, a mulher

sempre fora considerada in-ferior moralmente e incapaz juridicamente; tinha total de-pendência para com o mari-do e, na sua morte, para com os filhos ou outros parentes designados para sustentá--la. Não tinha patrimônio pró-prio e apenas administrava poucas atividades do lar e cuidado e educação com os filhos. O marido tinha o dever de sustento, de afeto e, em alguns povos, até de fidelida-de; mas também tinha o di-

reito de punir, sendo comum o homicídio em casos de adultério (gérmen talvez da legíti-ma defesa da honra).

Contudo, o direito hebraico já concedia as raízes do tratamento entre esponsais do Ocidente, posto que a mulher tem papel re-levante e fundamental na família judaica. O marido cerca a mulher de intensa considera-ção; tem o direito de cominar penas a quem a ofender fisicamente, a quem seduz uma

1 No mesmo sentido, comentando a formação da família a partir da religião, pela celebração do casamento, o estudo de Fustel Cou-langes (1998, p. 37- 52).

Num sentido estrito, concubinato é a união permanente entre um homem e uma mulher, com características semelhantes à convivência more uxório do casamento, só que sem o vínculo formal deste. É uma união de fato que não visa tão-somente relação afetiva, mas uma comunhão de vida a prolongar-se no tempo.

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virgem, a quem maldiz sua mãe. Há recipro-cidade de deveres entre o marido e a mulher, esta tendo inclusive direito à participação nos ritos familiares religiosos (ainda que em público deva comparecer à sinagoga em se-parado). Ainda que não exista uma igualdade plena, há, evidentemente, uma evolução no relacionamento intrínseco entre os espon-sais, sendo alguns os casos de concubinatos ou relacionamentos passageiros (na Bíblia, é conhecido o exemplo de Salomão, mas pou-co falado o caso de Moisés).

Em Roma, as formas conjugais jurídi-cas do período pré-clássico (confarreatio, coemptio, usus) atribuem ao marido uma autoridade máxima (manus) sobre a mulher, considerada como filha do pater, ou marido, sem direito a patrimônio, aquisição ou venda de bens próprios. Era a regra.

Com a introdução, no período clássico, do casamento livre (sine manu), ainda que mantido o direito de julgar a esposa (inclusive cominan-do com a morte), em situações consideradas graves como o adultério, homicídio, magia, em-briaguez, o patrimônio da mulher permanecia dela, bem como sua submissão, em termos de autoridade, ao pater precedente ou primeiro; o casamento, então, era constituído sob o regime dotal; a mulher passou a ter uma individualida-de maior na família, inclusive na educação dos filhos; passou a ser partícipe nos ritos religio-sos familiares; participa das honras e do status social do marido. Todas as características que não eram vividas ou estendidas à concubina, considerada, faticamente, como uma serva ou escrava do pater.

Do ponto de vista do cidadão romano, todos buscavam a constituição de família pelo matrimônio; alguns mantinham como concubinas normalmente servas ou escra-vas, e, se mulheres cidadãs romanas, ape-nas com fins de relações sexuais. A escolha pelo concubinato trazia problemas com rela-ção à filiação, já que esta dependia do con-sentimento do pater se extraconjugal. Para evitar problemas com a filiação, a partir do Imperador Constantino, o direito procurava

incentivar a transformação do concubina-to em casamento, não sendo apenas uma questão de formalidade, mas sim de consti-tuição mesma da família, sob o aspecto dos direitos e das obrigações.

Foi com Justiniano que o concubinato (como união livre de fato, e não entre um ho-mem ou mulher casado e outro ou outra livre) alcançou status jurídico, sendo reconhecido como união lícita, contudo, sem o vínculo da affectio maritalis e honor matrimonii, próprios do casamento (PETIT, 1970).

No direito canônico o concubinato é definido como a relação entre o homem e mulher com vistas à constituição de rela-ções sexuais sem o propósito de formação de uma comunidade fundada na mútua res-peitabilidade exigida pelo sacramento. Não é negada a característica de estabilidade e constância, tampouco a finalidade de vida em comum; o que acentua a Igreja é a au-sência do compromisso marital exigido pelo sacramento e dos requisitos intrínsecos que dele advém, como a castidade no período do namoro e do noivado.

Como o critério, in casu, é religioso (e objetivo), deve-se entender a prescrição ca-nônica sob o ponto de vista do pecado (infide-lidade de um com o outro) e da elevação do casamento à categoria de sacramento (insti-tuído por Deus, mediante Cristo, e dado pelos esponsais, perante a autoridade eclesiástica ou outra devidamente autorizada para tanto, como o diácono, que não é sacerdote)2.

A prescrição canônica influenciou o direito positivo ocidental após a queda de Roma sob o ponto de vista dos requisitos para constituição da família pelo casamento. A colocação da relação concubinária como não familiar lícita, se união livre, e como ilí-cita, se algum dos concubinos for impedido, encontra origens na regra canônica da fide-lidade e compromisso público e formal dos esponsais. De onde a ideia de consideração da união livre como sociedade de fato (já que é lícita, mas não é família) que, portanto, traz efeitos civis patrimoniais próprios deste insti-

2 Sobre o direito canônico, e suas correspondentes regras sobre a família e o casamento, a lição de Carlos Silveira Noronha (1999, p. 58-62).

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tuto, além da famosa “indenização por servi-ços prestados”.

Aos poucos, alguns efeitos sucessórios foram dados, culminando com a modificação do instituto para a “união estável”, então con-siderada como entidade familiar equiparada à família constituída pelo casamento.

2.2 O concubinato sob a égide dos Códigos Civis brasileiros de 1916 e 2002

Segundo Alvaro Villaça Azevedo, o con-ceito de concubinato leva em consideração a existência de duas espécies dessa relação: o puro e o impuro (AZEVEDO, 1987, p. 24). O primeiro é, efetivamente, aquela relação es-tável e duradoura, em que há comunhão de vida e finalidade de constituição de família, sem o vínculo do casamento (hoje caracteri-zada como união estável). Portanto, trata-se de união entre solteiros, viúvos, separados ju-dicialmente e não impedidos de nenhuma forma pelo casa-mento ou outra relação (mes-mo concubinária, também).

O segundo – impu-ro – advém de relação ilícita (prescrita em lei, normal-mente), mormente externada pelo adultério, incestuoso ou desleal (relativamente a outra união de fato), como de um homem ou mulher casado ou concubinado, que mantenha, paralelamente ao seu lar, outro de fato. Para Al-varo Villaça Azevedo, deste tipo de relação não pode advir nenhum efeito jurídico sequer, a não ser nos casos de concubino de boa-fé, situa-ção, portanto, análoga ao casamento “putativo” (AZEVEDO, 1987, p. 66).

Desta forma, a fim de precisar a termi-nologia jurídica, procurou-se no direito atre-lar o termo “concubinato” apenas às relações ilícitas (impuro) e àquelas passageiras ou transitórias sem vínculo marital ou com ca-racterísticas de união duradoura com comu-nhão de vida, a fim de esclarecer a limitação de efeitos patrimoniais e pretensamente fa-miliares de tais relacionamentos.

A união livre, constante, duradoura, com finalidade de comunhão de vida, passou a ser

cunhada “união estável” e a então concubina, o termo “companheira” – cujo sentido é ele-var a posição da mulher que permanece mui-to tempo em estado marital com o homem, diferenciando-a daquela que permanece em estado de transitoriedade sem manter carac-terísticas semelhantes ao casamento.

O precedente jurisprudencial que definiu a questão foi o RE 83.930, no qual o Supremo Tribunal, reiterando duas decisões no mesmo sentido anteriores, consolidou a orientação de distinguir juridicamente “concubina” de “com-panheira”, esta sendo aquela que vive em con-vivência more uxório com o homem separado judicialmente ou de fato, enquanto que aquela seria a mulher com quem o cônjuge adúltero tem encontros periódicos fora do lar, ainda que garanta um mínimo de sustento a ela (RIZZAR-DO, 1985, p. 164).

A legislação pátria tem tradição de se-parar o concubinato do ca-samento, tendendo a não conceder efeitos jurídicos àquele, nas duas modali-dades. A evolução jurispru-dencial, acompanhando a própria transformação social, foi modificando o status do concubinato puro, até culmi-nar na legislação específica que disciplina a posição jurí-dica da companheira (Lei da União Estável) e, por fim, no

Código Civil de 2002 (BRASIL, 2003).Seguindo o histórico esboçado por Alva-

ro Villaça Azevedo, observamos que as Orde-nações Filipinas apenas disciplinavam a união conjugal pelo casamento, prevendo, inclusive, a possibilidade de reivindicação, pela esposa, de bens que seu marido tivesse doado à sua concubina, ou qualquer mulher que, espora-dicamente, manteve relações sexuais (AZE-VEDO, 1987, p. 68). Os tribunais, nos casos de concubinato puro, chegavam a presumir o casamento entre eles para, assim, dar-lhes efeitos jurídicos.

Esta prescrição foi reproduzida na Con-solidação das Leis Civis de Teixeira de Frei-tas, que previa, em seu art. 147: a reivindi-cação de bens pela mulher casada doados à

A evolução jurisprudencial, acompanhando a própria transformação social, foi modificando o status do concubinato puro, até culminar na legislação específica que disciplina a posição jurídica da companheira (Lei da União Estável) e, por fim, no Código Civil de 2002 (BRASIL, 2003).

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concubina; anulação das doações pela espo-sa e também por seus descendentes ou her-deiros necessários; a mulher, mesmo sepa-rada, poderá anular doações ou vendas fictícias feitas pelo ex-marido à concubina (AZE-VEDO, 1987, p. 68).

Com relação aos filhos, estes eram considerados na-turais quando não houvesse entre os pais impedimento para casar. No tocante à he-rança, se filhos extraconju-gais de não nobres (peões), todos sucederão igualmente; se filhos de nobres, apenas su-cedem os “legítimos”. Assim, a legitimidade condizia muito mais para fins de herança do que por filiação, por si só, já que inclusive aí os filhos eram considerados naturais, mes-mo que por relação ilícita (os chamados “fi-lhos espúrios”, fruto de adultério, incesto e sacrilégio), aos quais era garantido o direito a alimentos e à própria investigação de pa-ternidade. A vedação sucessória legítima era expressa, salvo a testamentária, em que os filhos espúrios poderiam ser instituídos her-deiros (RIZZARDO, 1985, p. 185).

O Código Civil de 1916 não regulamen-tou o concubinato, mas também não o proi-biu (BRASIL, 2003). O caso exemplar era o casamento e, portanto, a regulação era toda dirigida a este.

Com o acréscimo do adjetivo “comuns”, a possibilidade de reivindicação de bens pela esposa permaneceu denotando que ela não podia interferir em doações de bens próprios feitas pelo marido à concubina (AZEVEDO, 1987, p. 78). Outros efeitos civis permane-ceram os mesmos, apenas com uma carga maior ao concubinato adúltero, que parece ser a situação ventilada na maioria dos dis-positivos do Código de 1916 (BRASIL, 2003).

Algumas modificações passaram a ser consideradas, diante da evolução social, pela legislação posterior esparsa. Um dos casos é a lei de acidentes do trabalho (De-creto-Lei 7036 de 44) que estabeleceu que a companheira mantida pela vítima tem os mesmos direitos do cônjuge legítimo, caso este não exista ou não tenha direito ao be-

nefício, desde que tenha sido mencionada como beneficiária em ato solene (carteira profissional ou livro de registro de empre-

gados); posteriormente, foi previsto o direito ao seguro à companheira, indicada pelo companheiro. Mais tarde, a legislação previdenciária passou a garantir os direitos de pensão por morte à com-panheira, bem como sua in-serção como dependente do companheiro (AZEVEDO,

1987, p. 79).Com a inserção do divórcio pela Lei

6515/77, o concubinato puro passa a ser considerado de forma mais relevante pela or-dem jurídica (inclusive para fins de reconhe-cimento pleno de filhos) (BRASIL, 2003). Já não se tinham mais dúvidas acerca da ilicitu-de do concubinato impuro; mas a discussão residia nas formas como o direito poderia re-cepcionar esta outra espécie de concubinato que passou a ser vivida por uma expressiva quantidade de casais.

Na jurisprudência pátria já se reconhe-cia os efeitos jurídicos do concubinato puro, como já fora explanado, instituindo a diferen-ciação entre companheira e concubina, o que de fato foi reconhecido pelas Leis 8971/94 e 9278/96. Mas foi com a Constituição de 1988 que a dita união foi reconhecida como enti-dade familiar, à luz do caput do art. 226, que dispõe acerca da família como célula nuclear da sociedade (BRASIL, 2003).

O Código Civil de 2002, nessa mesma linha, consagrou como família nuclear aque-la formada pelo casamento, já que nesta há, pela escolha feita entre os esponsais, a presunção da finalidade da comunhão plena de vida e da constituição de núcleo familiar, pelos filhos. Equiparado ao casa-mento, o Código regulou a união estável (o então concubinato puro) em seu art.1723, considerando-a como entidade familiar e outorgando-a as mesmas prerrogativas e deveres dos casados. Definitivamente, o Código consagrou a diferença entre concu-binato adulterino (impuro) e união estável (concubinato puro) (BRASIL, 2003).

Com a inserção do divórcio pela Lei 6515/77, o concubinato puro passa a ser considerado de forma mais relevante pela ordem jurídica (inclusive para fins de reconhecimento pleno de filhos) (BRASIL, 2003).

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3. Aspectos dogmáticos e práticos da RELAÇÃO CONCUBINÁRIA

Abordam-se: os efeitos do concubinato no direito pátrio atual, tanto civis quanto pa-trimoniais, e a posição do concubinato entre as entidades familiares.

3.1 Efeitos civis e patrimoniais do concubinato no direito pátrio atual

O artigo 1.727 do Código Civil definiu o concubinato como “as relações não even-tuais entre homem e mulher, impedidos de casar [...]” (BRASIL, 2003). A partir da con-ceituação de cada um dos institutos, perce-be-se que o que separa a união estável do concubinato é a conversibilidade ou não da relação em casamento.

Ora, o Código vigente manteve o dire-cionamento definido no Estatuto Civil ante-rior, no sentido de reservar ao concubinato o tratamento de sociedade de fato sem o in-tuito de constituir família, tendo em vista que surgiu em meio a ato ilícito grave, que é o adultério. Diante disso, a impossibilidade de conversão em casamento ou de reconheci-mento de status de companheira à concubi-na – já que verificável, na situação concre-ta, os impedimentos para constituição do casamento e da união estável, previstos no Código – leva ao reconhecimento jurídico de efeitos civis patrimoniais obrigacionais, bem como dos elementos constitutivos então dis-postos pela teoria geral comercial, um deles, o esforço comum na formação do patrimônio (BRASIL, 2003).

Rizzardo nomina alguns elementos de identificação da sociedade de fato definida pelo concubinato: a affectio societatis (o âni-mo ou intenção de associar-se); a posse do estado de casado(a); a conjugação de esfor-ços e interesses; a notoriedade do relaciona-mento; a conduta dos concubinos; o dever de fidelidade; a habitação comum; a convi-vência more uxório; a continuidade da união; a unidade do casal; a dependência recípro-ca dos concubinos (RIZZARDO, 1985, 171-179). Por óbvio que alguns aspectos elegi-dos (mormente a conjugação e comunhão de vida, a notoriedade, unidade e constância da união e a convivência more uxório) são típi-

cos do concubinato puro, hoje tratado como união estável tendo, portanto, efeitos civis próprios do direito de família, e não do direito das obrigações (inclusive, sem necessidade de prova do esforço comum).

A affectio societatis é elemento basilar definidor do concubinato (RIZZARDO, 1985, p. 171). Mesmo sendo a relação amorosa fruto de infidelidade e adultério de um dos concubinos (ou de ambos), não há que se negar a intenção de permanência de uma sociedade, com interesses e finalidades co-muns pois, se fosse o contrário, a união se-ria considerada como “livre” ou passageira, sequer podendo ter algum tipo de reconhe-cimento jurídico válido. O concubinato que enseja efeitos civis obrigacionais é o que se mantém no tempo, apesar dos impedimentos legais existentes na relação; e se há forma-ção mínima de patrimônio, este se divide em conformidade com a contribuição de cada um, ou, na ausência de estipulação ou em dificuldade probatória, o critério geral de me-tade para cada parceiro.

No que se refere à posse do estado de casado, talvez seja o elemento que traz maiores discussões e dúvidas, normalmente resolvidos em consonância com o caso con-creto e no conjunto probatório. Em tese, o concubinato não admite a posse do estado de casado, pois há na relação um ilícito ci-vil, como já se disse; contudo, situações em que o concubino(a) se encontra em processo de separação de fato, ou que permanece no estado de boa-fé (sem ter o devido conheci-mento dos impedimentos do outro), o status de casado pode ser reconhecido e, assim, os efeitos serão disciplinados pelo direito de fa-mília, resguardando, por óbvio, os interesses e direitos da família legítima (formada pelo casamento ou união estável).

Mesmo essa orientação – hoje admiti-da por boa parte da jurisprudência pátria – guarda contrariedades jurídicas. Ainda que o concubino(a) esteja de boa-fé, a divisão patrimonial em conformidade com o direito de família traz dificuldades intransponíveis, como na aplicação de regime de bens ou, in-clusive, em caráter sucessório. Ter-se-á, ine-vitavelmente, uma dupla partilha (aplicável

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à família anterior, formada pelo casamento ou união estável, e o concubinato posterior), sem contar a indefinição acerca de qual re-gime de bens será aplicável ao concubinato, pois não há previsão legal ou sequer contra-to privado entre os concubinos que assim o estipule (por óbvio, pois, se existiria, em con-formidade com a lei civil, seria um contrato típico de união estável).

No caso da sucessão, igualmente não encontraria guarida a orientação de aplicar-se ao concubinato regras de direito de família, pois, o direito sucessório segue regras positi-vas próprias e peculiares, as quais não admi-tem, por exemplo, o reconhecimento de outros herdeiros necessários, além dos previstos no art. 1.829, nem da concubina(o) como herdei-ra testamentária, em consonância com a ve-dação do art.1.801 (BRASIL, 2003).

Por isso, a posição mais razoável – que não fere a lei, nem o costume jurídico, e nem a situação ventilada no caso concreto – é a de reconhecer, sempre que possível, o concu-binato como sociedade de fato, cujo patrimô-nio seja dividido e resolvido em conformidade com o direito das obrigações, estando neste campo os demais efeitos civis resultantes.

Dentre tais efeitos ci-vis, pode-se apontar o que se cunhou “remuneração” ou indenização à concubina “por serviços prestados”. Até en-tão, era uma solução jurídica direcionada a respeitar a lei positiva civil que não previa a aplicação de regras do direi-to de família ao concubinato, por não se tratar de relação amorosa originária da família ou ao menos lícita e legítima. Contudo, atualmente, tais ex-pressões são consideradas como “retrógradas”, “ofensi-vas”, “machistas”, preferindo-se a adoção de uma terminologia mais neutra, como “esforço comum” e “contribuição”.

No entanto, o caráter indenizatório deve permanecer quando a situação concreta for o concubinato, sendo indevido o mesmo tra-tamento à união estável, hoje equiparada

à entidade familiar. A(O) concubina(o) que manteve relacionamento afetivo, por certo período de tempo, com outrem em estado de impedimento legal para contrair nova união lícita (casamento ou união estável), e que tenha formado com este patrimônio em co-mum, pode ter direito à pretensão indeniza-tória não só pelo período dedicado à relação (eventuais trabalhos e dações concedidos gratuitamente neste lapso temporal) como também a título de danos morais (vergonha e humilhação sofridos), se de boa-fé e alheia à situação de casado(a) do(a) concubino(a).

Dessa forma, a honra e a dignidade pe-rante a sociedade por parte do concubino(a) de boa-fé são devidamente resgatadas e protegidas pelo direito, sem a corresponden-te necessidade de ferir a legislação positiva, numa postura equivocada de eventual reco-nhecimento de família ou de efeitos jurídicos aplicáveis somente ao casamento e à união estável. Dita orientação deve ser seguida in-clusive por outros ramos do direito, como o previdenciário (proibição de reconhecimento de concubina como beneficiária, ainda que exista jurisprudência decidindo em sentido contrário), a fim de não resultar em contrarie-

dades insanáveis em todo o sistema jurídico.

O direcionamento a ser seguido, pois, deve sempre ser o da legislação positiva, mormente o Código Civil (BRASIL, 2003). As hipóte-ses de impedimentos para o casamento – que delimitam as situações de concubina-to, como o adultério – estão arroladas no artigo 1.521. Dessa forma, percebe-se que todos os relacionamen-tos que se encaixem nas si-tuações previstas no artigo

1.521 podem ser considerados como concu-binato, pois assim estipulou o legislador, na finalidade de resguardar a família fundada no casamento, em primeiro lugar, e na união estável, equiparada a este.

Desse modo, permanece, indubitavel-mente, no atual Código a orientação de con-

Dessa forma, a honra e dignidade perante a sociedade por parte do concubino(a) de boa-fé são devidamente resgatadas e protegidas pelo direito, sem a correspondente necessidade de ferir a legislação positiva, numa postura equivocada de eventual reconhecimento de família ou de efeitos jurídicos aplicáveis somente ao casamento e à união estável.

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siderar o concubinato impuro como ilícito, cujos efeitos civis resolvem-se por meio do direito das obrigações, seguindo, como já dito, jurisprudência anterior já consolidada, bem como a tradição jurídica pátria (BRA-SIL, 2003).

Necessário repetir que, apesar disso, outros efeitos civis foram reconhecidos pela jurisprudência, inclusive anteriores ao Código Civil atual. A primeira situação concreta reco-nhecida foi a separação de fato, que muitas vezes existe mesmo com o casal ainda resi-dindo juntos. Depois, os efeitos patrimoniais foram ventilados em outros campos do direito civil, como o possessório, em que a compos-se da concubina foi reconhecida, mesmo em situação de adultério, devido à inexistência de direito de habitação ou propriedade da então esposa sobre o imóvel constituído individual-mente pelo esposo, até porque, em verdade, o casal estava separado de fato há mais de dez anos (MALHEIROS; MALHEIROS FI-LHO, 1995, p. 296).

Os casos concretos foram aumentando e as diversidades de elementos fáticos e de circunstâncias particulares foram relativizan-do as prescrições legais de impedimento de constituição de nova família. In casu, as si-tuações mais comuns eram de doações em dinheiro por parte do cônjuge adúltero à con-cubina; constituição de moradia e de convi-vência more uxório entre os concubinos; insti-tuição de relações estáveis em concomitância ao casamento. Tais fatos contribuíram para a construção de critérios jurídicos pela jurispru-dência para delimitar as situações, de modo a não interferir nem prejudicar a família legítima, então primordialmente protegida pelo direito.

Malheiros e Malheiros Filho referem deci-são judicial que reconheceu a validade de le-gado em testamento do homem casado à sua concubina, com a condição de que não prejudi-casse a família legítima (acórdão nº 585026743, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 04/02/1986), em claro reconhecimento de situação fática caracterizável como união estável, e não con-cubinato (MALHEIROS; MALHEIROS FILHO, 1995, p. 297). Em outro aresto, anulou-se a ação reivindicatória do espólio contra a compa-

nheira do falecido, sob a alegação de que há distinção nítida entre concubinato e união está-vel, estendendo àquela os direitos inerentes à propriedade de bens móveis constituídos com o então companheiro na convivência permanen-te e duradoura (MALHEIROS; MALHEIROS FILHO, 1995, p. 297).

O direcionamento jurisprudencial, pois, parte de duas premissas: a existência de se-paração de fato (falência, pois, da comunhão plena de vida do casal) e a convivência está-vel e duradoura dos concubinos que, por essa circunstância, são reconhecidos, juridicamen-te, como companheiros, não incidindo os im-pedimentos legais previstos no Código nem a imputação de adultério. Dito critério tem por finalidade seguir a orientação finalística da lei civil de proteção à família formada pelo casa-mento, mas também de resguardo das situa-ções não alheias ao direito que denotam uma quebra da situação conjugal não prevista pelo casal ao unir-se sob o mesmo teto.

Isto quer dizer que tanto a tradição jurí-dica pátria, quanto a lei civil (pelos Códigos de 1916 e 2002), elegem a família legítima como aquela formada pelo casamento, e colocam como principal ilícito civil a infideli-dade conjugal (MALHEIROS; MALHEIROS FILHO, 1995, p. 299), manifestada pelo adul-tério, passageiro ou repetitivo (este caracte-rizador do concubinato). Na ocorrência de concubinato, os efeitos civis são os previstos em lei – resolvidos pelo direito das obriga-ções – e, nos casos de evidência de separa-ção de fato, são equiparados ao casamento, resultando na consequente caracterização da união estável, que possui efeitos patrimo-niais próprios.

3.2 Posição do concubinato entre as entidades familiares

Em consonância com a lei civil, o con-cubinato sempre fora considerado situação contrária ao direito, cujo reconhecimento jurídico limitou-se aos efeitos patrimoniais oriundos de uma sociedade de fato. Evolu-ção jurisprudencial, no entanto – com clara intenção de “acompanhar” ou “respaldar” costumes sociais contemporâneos, nem sempre conformes à lei e à justiça – passou

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a conferir um novo status ao concubinato im-puro, qual seja, o de entidade familiar, mes-mo na circunstância patente e irrefutável de adultério ou infidelidade.

Desde o antigo Código Civil de 1916, a hostilidade ao concubinato é notória. A pos-sibilidade de ação reivindicatória da mulher casada em relação aos bens comuns da so-ciedade conjugal transferidos ao marido adúl-tero (ou vice-versa); da anulação de doações em caso de adultério; da proibição de lega-do em testamento do cônjuge infiel para seu concubino(a); são determinações legais que, como visto, foram mantidas pelo atual Código, com vistas a proteger a família formada pelo casamento ou união estável.

A lei civil brasileira, pois, mantém-se na linha de severidade necessária com a infidelidade e seus efeitos (MALHEIROS; MALHEIROS FILHO, 1995, p. 293). Contu-do, situações como a do(a) concubino(a) de boa-fé ou de verificação de uma separação de fato do casal (mesmo que mantendo uma certa visibilidade de casamento, mormente vivendo sob o mesmo teto) levaram a juris-prudência (principalmente a do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) a reconhecer efeitos civis não previstos no Código, con-tudo, sem elevar o concubinato à condição de família equiparada à união estável ou no mesmo patamar que o casamento.

Malheiros e Malheiros Filho referem dois leading cases que iniciaram a relativização in-terpretativa da lei civil positiva: decisão que re-conheceu a condição de seguro social a pecú-lio instituído pelo cônjuge adúltero à concubina com quem conviveu por mais de vinte anos (acórdão nº 24.753, da 3ª Câmara Cível do Tri-bunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 28/08/1975); e acórdão que definiu como legítima a indicação de concubina à condição de beneficiária de seguro de saúde, pelo côn-juge adúltero, devido ao rompimento da comu-nhão de vida com a então esposa e a conse-quente separação de fato do casal, situação que inviabiliza a caracterização do adultério (decisão nº 29.953, do 2º Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 15/12/1978) (MALHEIROS; MALHEIROS FILHO, 1995, p. 295).

A partir dessa nova orientação, o Tri-bunal passou a considerar efeitos civis mais abrangentes ao concubinato impuro, desde que houvesse algum tipo de separação de fato ou rompimento da comunhão plena de vida entre o casal, e que a relação adulterina não fosse passageira ou transitória, asseme-lhando-se à união estável.

A proteção jurisprudencial dada ao con-cubinato puro (união estável), construção jurídica que culminou na disciplina dada ao instituto no Código atual, visou responder a uma demanda insurgente das próprias práti-cas sociais, fundadas sob a relativização to-tal do casamento e da família constituída por este. Sobre este fenômeno, acertadamente Athos Gusmão Carneiro asseverou:

O que constantemente vemos na prática é o espetáculo de cônjuges voluntariamen-te separados e cada qual com uma nova união irregular e que somente se recordam do vínculo do seu casamento para pedir a nulidade do legado feito pelo seu cônjuge a favor da concubina que o acompanhou por longos anos e lhe prestou assistência na sua enfermidade e velhice até a morte. O legado que o testador poderia legalmen-te fazer a qualquer pessoa não lhe seria lícito fazê-lo em benefício de sua concu-bina ainda que provassem assistência e serviço de natureza não sexual; tudo em homenagem a uma pessoa voluntariamen-te omissa e totalmente separada do seu marido e do seu casamento (CARNEIRO apud MARENSI, 1990, p. 58).

O espetáculo que fala o eminente Minis-tro é, exatamente, a falência dos casamentos e, quem sabe, a inaptidão dos próprios casais de assumirem compromisso importante de fidelidade e, com base nesta mútua doação, buscar uma espécie de reconciliação ou en-tendimento. A ordem jurídica dá especial pro-teção ao casamento não por ser conservado-ra, ou “retrógrada”, mas sim por ser o instituto que mais exige de cada cônjuge, muitas ve-zes renúncias e mudanças que já, de antes, um não estaria disposto a fazer pelo outro.

Dessa maneira, com razão lembra Car-neiro (apud MARENSI, 1990) que a prática corriqueira social são as separações de fato,

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com consequentes novos relacionamentos posteriores, estes caracterizadores do con-cubinato puro (união estável). E é certo que vários(as) esposos(as) acabam por recordar do seu vínculo (ainda mantido “no papel”), estão desfeitos faticamente, quando afetam algum interesse jurídico particular ou quan-do visam algum benefício post mortem (seja por herança, seja por pensão previdenciária ou de qualquer outro seguro). O erro, pois, não está na instituição casamento, mas nas decisões humanas, que devem ser, quando preciso, devidamente corrigidas pelo Direito, o qual é, em síntese, o instrumento que man-tém a ordem das relações sociais.

Em outras palavras, não pode o Direito normatizar ou proteger toda e qualquer medi-da humana, pois assim estaria superveniente a um sociologismo que parte do pressuposto de que as decisões sociais são sempre cor-retas e devem seguir o seu devir “livremen-te”. Se assim o fosse, períodos totalitários como o nazismo alemão não deveriam ser criticados, posto que, na época, o Direito fez exatamente o que vem procurando fazer hoje, dar respaldo jurídico a toda e qualquer decisão humana – a diferença é que naquele período, a ditadura era estatal (governamen-tal), e, hoje, a ditadura é social.

Essa nova visão do Direito – que ganhou força a partir do desenvolvimento de teorias contemporâneas da interpretação jurídica – permeia o círculo dos Tribunais e das decisões judiciais. Em matéria de direito de família isso é ainda mais latente. Os juízes passaram a ser a fonte primeira das regras familiares, diante do fenômeno da judicialização, quer dizer, do au-mento de demandas sociais (até então resolvi-das fora do Judiciário), ensejando um afasta-mento da aplicação principal do Direito, que é a exercida por meio da lei.

Nesse sentido, Rejane Filippi, ao co-mentar a união estável, chega a dizer que a tarefa de definição do instituto foi outorgada aos juízes, e não refere em nenhum momen-to à importância da lei escrita, a qual, primei-ramente, a Constituição concede tal tarefa:

A toda evidência, não desejou o legislador constituinte definir a união estável, por-

que provavelmente cometeu ao Judiciário o mister de enriquecê-lo, ampliá-lo, e de todo o modo, em cada caso concreto, dizer onde está e onde não está a união estável (FILIPPI, 1991, p. 171).

Ora, não visa a lei engessar a atividade jurisprudencial, ou acabar com a atividade criadora do juiz. Por óbvio que a exata carac-terização e verificação, no caso concreto, da efetiva existência de união estável é tarefa dada ao juiz. No entanto, a lei tem por finalida-de dar os critérios mínimos de identificação, a fim de manter a ordem predicada pelo Direito e por todo o sistema normativo. Este é o dire-cionamento dado pelo atual Código que, ao dar parâmetros legais acerca de elementos essenciais do que seja a união estável e do que constitui o concubinato, confere seguran-ça jurídica ao sistema jurídico e ao próprio Ju-diciário na execução cotidiana da jurisdição.

Portanto, as decisões judiciais devem evoluir em consonância com a realidade so-cial, mas, ao mesmo tempo, devem preser-var a lei e atualizá-la. O que se verifica, po-rém, a partir da Constituição de 1988, e sob a vigência do Código Civil de 2002, é que a jurisprudência passou a se orientar de forma mais agressiva, utilizando-se da interpre-tação jurídica para formar novo pensamen-to ou novas regras que, inclusive, beiram a posição contra legem. A nova hermenêuti-ca contemporânea, amparada num critério principiológico-constitucional, transferiu ao julgador o poder de dar cabal visão não só à lei positiva, mas ao direito como um todo, alterando regras positivas claras e instituindo uma nova legislação alheia ao Código.

Em matéria familiar, a jurisprudência pá-tria – principalmente a gaúcha – tem se dire-cionado neste sentido. No caso do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, não raro se percebe orientações distintas, sobre o mesmo caso concreto, por Câmaras Cíveis diferen-tes, resultando numa situação jurídica absur-da da chamada “sorte da distribuição”, isto é, terá “sorte” o processo distribuído para a Câ-mara “x” que tem tomado decisões favoráveis ao caso particular, e terá “azar” aquele que “caíra” na Câmara “y”, de orientação contrária.

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Mais do que isso: em matéria de direito de família – cujos fatos são extremamente sensíveis, fundamentais, tratando-se de uma família, de pessoas, de crianças, de patrimô-nios de uma vida inteira – essa relativização desmedida causa prejuízos irremediáveis às vidas que estão por detrás do processo judi-cial, bem como ao sistema jurídico como um todo, pensado pela sociedade por meio de seus representantes políticos que formulam a lei positiva. Tamanha falta de critério oca-siona a transformação do Código Civil num livro de cabeceira, o qual serve apenas de “consulta” para fundamentar uma decisão ou interpretação já tomada pelo julgador antes de estudar o que diz a lei.

Dita postura fica manifesta quando o assunto é o concubinato. Decisões recentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceram ao concubinato (mesmo com a clara evidência e prova de adultério e infi-delidade) o status de entidade familiar, mes-mo inexistindo qualquer persecução de veri-ficação de boa-fé por parte da concubina(o), contrariando dispositivos da lei civil (que, in-clusive, prevê a possibilidade de verificação de culpa na separação se verificado ao adul-tério) e da própria jurisprudência anterior já consolidada, a qual sempre procurou adap-tar a lei ao devir social, e não alterá-la em conformidade com este devir.

Como dito, em nenhum momento os Tribunais reconheceram o concubinato como família, mas tão-somente admitiram a exis-tência de outros efeitos civis não previstos pela lei civil. A nova jurisprudência, contudo, diz o que é família, englobando neste concei-to “vazio” quaisquer relações afetivas sociais existentes, incentivando, inclusive, à forma-ção de mais de uma família ou de famílias paralelas, claramente instituindo, contra le-gem e contra a consuetudo, a poligamia.

É o que se verifica na decisão transcrita a seguir:

[...] o fato de o varão ter mantido seu ca-samento em concomitância com o relacio-

namento havido com a apelante, não seria, por si só, impedimento para o reconheci-mento da união estável. Não é de hoje que essa Oitava Câmara tem se manifestado favoravelmente ao reconhecimento da união estável concomitante ao casamen-to ou concomitante a outra união estável. [...] Então, o argumento de que a segunda união seria de natureza concubinária e que, por isso, não seria lícito o reconhecimento da união estável paralela ao casamento, “data venia”, penso que já foi superado por um significativo número de julgamen-tos no âmbito deste órgão fracionário3 (RIO GRANDE DO SUL, 2008c, p. 6).

Note-se que os critérios até então consi-derados pela jurisprudência – a existência de separação de fato e a diferenciação neces-sária entre a união estável e o concubinato – parecem ter sido afastados pelo novo dire-cionamento, qual seja, de reconhecer tantas e quaisquer relações paralelas que alguém pos-sa vir a constituir, desde que sejam “duradou-ras”, “públicas”, e com o “intuito de constituir família”. A lei civil, quando fala da fidelidade, reciprocidade, auxílio mútuo entre os côn-juges e companheiros, está completamente afastada pelo direcionamento jurisprudencial dantes referido, a qual admite que uma mes-ma pessoa possa se comprometer a ter fide-lidade perante duas ou mais outras com as quais venha a constituir as “suas famílias”.

Em sentido contrário, no entanto, orientam-se as decisões expostas abaixo que, por sua clareza e coerência, dispensam quaisquer comentários:

O presente caso traduz aquilo que Gischkow chamou de monetarização do afeto, ou seja, a parte entrega-se em uma relação paralela ao casamento, uma verdadeira ‘relação aberta’ e, frustrada, pretende compensar-se moneta-riamente. [...] Admite o autor expressamente que o relacionamento havido entre Apelante e Apelada preenche os requisitos de um con-cubinato impuro, como se a lei civil reconhe-cesse e protegesse duplicidade de relações conjugais no Direito de Família. À evidência, isso tornaria ‘um nada’ a instituição oficial do

3 Trecho de voto do Des. Rui Portanova nos autos da Apelação Cível nº 70024608507, 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, julgado em 9 out. 2008.

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casamento, porque qualquer relacionamento amoroso, mesmo com prostitutas, poderia ser indenizável como se tratássemos de rela-ções de família. Podemos seguir adiante nas ‘interpretações’, mas não confundir institutos jurídicos [...] Sabemos que o casamento e a união estável têm amparo na lei e na Cons-tituição Federal, sendo que o legislador civil distinguiu precisamente o concubinato. [...] Para o concubinato adulterino persistem al-gumas regras coibitórias de direitos, no pla-no patrimonial, em resguardo aos direitos de família constituída pelo casamento [...] Com o advento da Constituição de 1988, o rela-cionamento homem-mulher com partilha de bens dá-se no casamento e na união está-vel, mas não no concubinato, não na relação aberta ou na sociedade de fato. Eventuais considerações econômicas devem ser sol-vidas no plano obrigacional, não no familial. (...) o autor é casado, com casamento em plena validade e confessada quebra dos de-veres matrimoniais. Assim, o reconhecimento de sua pretensão seria agressão à instituição legal do casamento. [...] O casamento, seja por contrato, seja como instituição, impõe de-veres legais e responsabilidade ética não po-dendo descambar para o reconhecimento de relações paralelas e à margem da lei4 (RIO GRANDE DO SUL, 2008b, p. 3-5, grifamos).Tendo havido inequivocamente uma relação amorosa entre a autora e o demandado, típi-ca de um mero concubinato, evidentemente mostra-se descabido o pedido de indeniza-ção, que carece de amparo jurídico, visto que não se pode dar mais à concubina do que teria se casada fosse, valendo lembrar que não é a esposa aquinhoada com con-traprestação por serviços domésticos presta-dos à família e ao marido. [...] Por oportuno, vale observar que a indenização por serviços domésticos prestados era admitida na esfera da Justiça Estadual e no âmbito do Direito de Família como um artifício para se evitar injus-tiças contra a mulher que se dedicava a uma união livre, mas com caráter ‘more uxorio’, quando não havia as leis protetivas dessa modalidade de família, que veio a ser conce-bida e legalizada com o nome de união es-tável. [...] Trata-se aqui de uma relação emi-nentemente amorosa, não se cogitando de

um contrato de trabalho, nem prestação civil de trabalho na modalidade locação de servi-ços..., nem se cuida de uma entidade fami-liar. Afinal, o réu era casado e convivia com sua família. E esse fato era conhecido da autora, que fora empregada da família. [...] houve entre os litigantes o estabelecimento de um mero vínculo afetivo e sexual, relacio-namento este que não apresenta qualquer conteúdo econômico, nem se confunde com uma entidade familiar5 (RIO GRANDE DO SUL, 2008a, p. 5-7, grifamos).

As relações familiares sempre ensejam tais discussões, e serão constantemente o foco das principais mudanças normativas e de interpretações jurídicas. Talvez por en-volverem não só o amor ou “afeto” – palavra que sumariza demais o profundo sentimento que une pessoas sob a mesma família, pois o afeto não explica, em sua etimologia, as renúncias e sacrifícios que uns fazem pelos outros (pais, filhos, irmãos, netos), nem os egoísmos e ódios que possam surgir, mas só o amor e a falta de amor – mas também elementos culturais, religiosos, morais, até biológicos que inafastavelmente fazem parte das relações humanas (porque são próprios do ser humano).

Ousada, nesse sentido, é a lição de Pontes de Miranda:

Quem não é cônjuge não se torna cônjuge pelo fato de ser tratado como tal. Ser criado como filho não é ser filho. Ter bens em co-mum com o cônjuge não é estar sob o regi-me matrimonial da comunhão. Pode-se ser membro da família sem se viver na mesma casa e, até, sem se conhecerem os próprios irmãos. As tentativas de dilatação do círculo família fracassam sempre. Cada vez o cír-culo família diminui, nas relações da vida (PONTES DE MIRANDA, 2001, p. 80).

4. ConclusãoAdvogar em favor da tradição jurídica e

da segurança de seus institutos, para muitos, soa a um discurso retrógrado ou, por vezes, discriminatório. O direito de ser diferente pa-

4 Trecho do voto do Des. Alzir Felippe Schmitz, nos autos da Apelação Cível nº 70023890601, 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, Rel. Des. Alzir Felippe Schmitz, julgado em 25 set. 2008.5 Trecho do voto do Des. Sérgio F. Vasconcellos Chaves, nos autos da Apelação Cível nº 70023332794, 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, julgado em 24 set. 2008.

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rece que não é aplicável àqueles que pug-nam por um respeito ao Direito e à sua histó-ria, à lei e aos seus critérios, e, no direito de família, a instituição do casamento. Tais de-fensores, atualmente, são os diferentes que, por ironia, não podem invocar o seu direito de ser diferente e de pensar diferente.

A relativização do Direito, e de seus méto-dos de interpretação, levam, pois, a uma própria ditadura deste fenômeno. É válido reconhecer juridicamente todo e qualquer fato social; mas não é igualmente válido dar guarida a institutos já previstos normativamente e dogmaticamen-te, os quais talvez não encontrem mais adoção filial por parte da sociedade humana.

Essa variabilidade jurídica – que forma os chamados “conceitos vazios” do Direito, os quais podem ser preenchidos por qualquer conteúdo e quaisquer ideologias – atinge fun-damentalmente o Direito de Família. Concei-tos como casamento, união estável e concubi-nato perdem seus critérios e referências para tornarem-se apenas parâmetros gramaticais de situações de fato muitas vezes transitórias e constantemente mutáveis.

Entender os institutos jurídicos em con-sonância com sua tradição e história não causa uma petrificação das situações fáti-cas, mas sim consolidam conteúdos que, atualizando-se com a realidade, em seu de-vir, auxiliam o Direito a manter e estabelecer a ordem – que é sua finalidade principal. E a ordem não se separa da constância; a cons-tância está unida à perenidade; e estas são vivas no meio social por meio da conhecida relação entre fato, valor e norma.

Talvez no âmbito do Direito de Família o aspecto que tenha sofrido maiores dilace-rações seja o valor. Não se compreende por valor apenas as orientações ideológicas ou religiosas, mas também as culturais e tradi-cionais. Igualmente, não se entende por cul-tura apenas aquela que se modifica com o tempo, mas da mesma forma os costumes sociais que sempre permanecem, e não tão cedo desaparecerão, pois fazem parte do próprio ser humano.

Os institutos jurídicos familiares sempre serão protegidos pelo Direito, pois traduzem relações humanas que sempre existirão,

principalmente o casamento. O casamento é tratado na lei civil como base para formação da família, pois o traz ínsito na sua constitui-ção a promessa e o compromisso de direitos, deveres, mútua colaboração, doação, comu-nhão plena de vida e, principalmente, amor. O casal que busca casar-se deve ter plena noção do valor desse compromisso; tanto é assim que o crescimento, hoje, da opção por união estável deve-se exatamente ao am-biente de insegurança na sociedade contem-porânea, em que já não se confia mais no outro ou se tem esperanças de que o mesmo irá cumprir as promessas exigidas pelo insti-tuto matrimonial. Para tanto, propôs a lei ci-vil, prudentemente, a conversibilidade desta união em casamento, dando a oportunidade ao casal de assumirem esse compromisso mútuo e a responsabilidade de um perante o outro talvez pelo resto de suas vidas.

O concubinato, nesse sentido, não pode ser considerado família, ou entidade familiar, pois é fruto dessa quebra de con-fiança, de fidelidade, de comunhão plena de vida entre o casal. Pode significar, psicologi-camente, uma fuga deste compromisso, ou uma falta de integridade em admitir que sua relação matrimonial passa por problemas e dificuldades. O que não pode – pois seria uma afronta ao valor jurídico presente no instituto do casamento – é ser considerado como uma relação amorosa juridicamente válida, paralela ao casamento ou união es-tável, pois estar-se-ia desrespeitando não só a lei civil (que também é querida pela so-ciedade) mas também as próprias pessoas envolvidas na situação de fato, incitando-as a permanecerem no erro ou, talvez, na in-constância de suas vidas.

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Aspectos da nota promissóriaAlessandra Martins Belmiro1

Caroline Silva Bianchi2Elves Luciano Ferreira de Paula3

Rafael Cardoso Cazara4

Tatiana Vargas Bittencourt5

Resumo: A proposta do presente estudo é analisar a evolução histórica de um dos títulos de crédito que ainda é bastante utilizado nos negócios jurídicos gerais, o qual se denomina nota promissória. Neste mesmo contexto, vamos analisar as modificações desse título de crédito que estão sendo introduzidas tanto pelo legislador quanto pela própria doutrina, bem como faremos uma breve incursão nas origens e no conceito de nota promissória em seu funcionamento, salientan-do suas características e seus elementos. Por fim, abordaremos o entendimento jurisprudencial em relação à nota promissória em nossos tribunais.

Palavras-chave: Nota Promissória. Título de Crédito. Letra de Câmbio. Endosso. Aval. Características e fundamentos. Entendimento jurisprudencial.

Abstract: The purpose of this study is to analyze the historical evolution of one of the debt that is still widely used in general business law, which is called a pro-missory note. In this same context, let’s look at the changes that debt claim being made by both the legislature and by the doctrine itself, and will make a brief foray into the origins and the concept of promissory note and in its operation, highlighting its characteristics and its elements. Finally, we discuss the understanding of juris-prudence in relation to the promissory note in our courts.Keywords: Promissory note, negotiable instrument, bill of exchange, endorsement, approval, characteristics and fundamentals, understanding of jurisprudence.

1. Introdução

Este estudo apresenta importantes da-dos sobre a nota promissória em seus as-pectos gerais, tendo como base sua origem, seu conceito, bem como seus elementos fun-damentais e, ainda, o entendimento jurispru-dencial dos nossos Tribunais.

O estudo busca entender, em sentido lato sensu, a utilização deste título de crédi-to, o qual foi uma das soluções comerciais na Idade Média, como veremos a seguir.

(1) Acadêmica de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected](2) Acadêmica de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected](3) Acadêmico de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected](4) Acadêmico de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected](5) Acadêmica de Direito da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

2. Origens e Conceito

Na Idade Média, com o desenvolvimento do comércio, surge a necessidade em transi-tar com valores entre as cidades, já que as atividades comerciais rompem suas barreiras territoriais e com isso surge uma solução prá-tica, ou seja, articular a circulação de valores em papel na forma de uma ordem de paga-mento, a ser paga na próxima cidade des-cartando, assim, a possibilidade dos saques em razão das grandes distâncias percorridas

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pelos comerciantes entre as cidades trazendo consigo valores pecuniários (moedas).

Não obstante, outro fato relevante que impulsiona o desenvolvimento dos títulos de créditos é a diversidade de moedas cunhadas neste período e a impossibilidade de comercia-lização em qualquer cidade, visto sua origem.

A partir de então, surge a ideia mais re-mota de título de crédito, uma solução para resolver estas questões comerciais, no qual um valor é emitido em uma cidade, entregue a um terceiro que, sem correr risco de saque, se desloca a outra cidade e tem sua importância restituída em espécie local, mediante a apre-sentação de um documento (título de crédito).

A nota promissória tem sua origem prati-camente no mesmo período através da Littera Cambii, que segundo o Professor Emygdio F. da Rosa Jr. (2009, p.485), tal instituto deu ori-gem a Cautio, que era um documento emitido por um banqueiro, o qual reconhecendo a dí-vida que contraíra junto ao mercador em uma determinada cidade, e prometendo pagar o valor equivalente em outra cidade, a cautio é apontada pela doutrina como documento que originou esta modalidade cambial, haja vista relatos de sua prática entre negociantes ingleses do século XIV (Cf. COELHO, 2007, p. 269). Entretanto, esta modalidade cambial difere da letra de câmbio, por não ser uma ordem, mas sim uma promessa de pagamen-to, o qual tem em seu escopo a primazia de confiança (credere) entre as partes.

A nota promissória demonstra a evolução nas atividades cambiais, a qual surge com a diversidade de situações comerciais oriundas do crescimento das cidades e das relações de consumo, ou seja, aquilo que a priori era um pagamento certo, representado na figura da Letra de Câmbio, que se personificava em uma ordem de pagamento com quantia deter-minada, agora dá lugar a uma promessa es-crita de pagamento futuro, a qual igualmente possui uma quantia determinada e que preser-va as características fundamentais dos títulos de crédito: a circulação de riquezas.

Em ordem cronológica, podemos dizer que a nota promissória no Direto Brasileiro foi pouco enfatizada sob a vigência do Código Comercial de 1850, pois este se ateve a es-

tipular com maior ênfase o Instituto da Letra de Câmbio, tanto que a nota promissória so-mente foi regulada pelo decreto 2.044/1908, o qual revogou as normas cambiais do Código Comercial disciplinando o referido instituto em seus artigos 54 e 55 deste diploma.

“Art. 54. A nota promissória é uma pro-messa de pagamento e deve conter estes requisitos essenciais, lançados, por extenso no contexto: I - a denominação de ‘Nota Pro-missória’ ou termo correspondente, na língua em que for emitida; II - a soma de dinheiro a pagar; III - o nome da pessoa a quem deve ser paga; IV - a assinatura do próprio punho da emitente ou do mandatário especial. § 1º Presume-se ter o portador o mandato para inserir a data e lugar da emissão da nota pro-missória, que não contiver estes requisitos. § 2º Será pagável à vista a nota promissória que não indicar a época do vencimento. Será pa-gável no domicílio do emitente a nota promis-sória que não indicar o lugar do pagamento.

É facultada a indicação alternativa de lugar de pagamento, tendo o portador direito de opção.

§ 3º Diversificando as indicações da soma do dinheiro, será considerada verdadeira a que se achar lançada por extenso no contexto.

Diversificando no contexto as indica-ções da soma de dinheiro, o título não será nota promissória.

§ 4º Não será nota promissória o escrito ao qual faltar qualquer dos requisitos acima enumerados. Os requisitos essenciais são considerados lançados ao tempo da emissão da nota promissória. No caso de má-fé do portador, será admitida prova em contrário.

Art. 55. A nota promissória pode ser passada: I. à vista; II. a dia certo; III. a tem-po certo da data. Parágrafo único. A época do pagamento deve ser precisa e única para toda a soma devida.”

No entanto, o Decreto Lei 57.663/66 promulga as Conversões para adoção de uma lei uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias.

A nota promissória é um título autôno-mo que pode ser cobrado de quem deter sua posse; não causal, pois não precisa de mo-tivos para ser emitida e livre já que não está

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vinculada a nenhuma lei. Entretanto, este ins-tituto preserva algumas particularidades es-pecíficas, o qual obedece aos requisitos po-sitivados na Lei Uniforme de Genebra (LUG), principalmente em seus artigos 75 e 76.

Segundo Fabio Ulhoa Coelho (Cf. COE-LHO, 2007, p. 269), a nota promissória é uma promessa de pagamento que uma pessoa faz em favor de outra, onde com o saque da nota promissória, surgem duas situações jurídicas distintas: a situação daquele que promete pagar quantia determinada e a daquele que se beneficia de tal promessa. A pessoa que se encontra na primeira situação é chamada, pela lei, de sacador, emitente ou subscritor; a pessoa que se encontra na segunda posição é chamada de beneficiário ou sacado. Pode--se dizer também que é uma promessa de pagamento, tendo em vista que o teor de seu texto traz a expressão “PAGAREI”, res-salta-se apenas que apesar do verbo estar no futuro, não pode estar vinculado a uma condição.

Para Pontes de Miranda, a nota promis-sória é o título cambiário em que o tomador do título assume, por promessa direta, isto é, de fato seu, que é pagar, obrigação direta e prin-cipal. Por que aquele que cria nota promissó-ria é, de regra, porém não necessariamente, aquele que emite, chama-se-lhe emitente expressão teoricamente defeituosa, mas ado-tada pelos textos legais e pela prática. Se o criador da nota promissória, depois de enchê--la total ou parcialmente (nota promissória em brando), a guarda, e alguém, por furto, roubo ou abuso de confiança, ou qualquer outro mo-tivo, a lança em circulação, não se pode dizer obrigado direto e, principalmente, deve ser chamado emitente. Ele não emitiu, somente criou. De modo que, tendo-se de empregar a expressão usual, é o direito cambiário que nos obriga a esvaziá-la do seu significado léxico, e só entenderemos como designadora do que criou a nota promissória (ALMEIDA, 204).

3. CaracterísticasSão estendidas às notas promissórias

as mesmas características aplicadas aos tí-

tulos de crédito, as quais são CARTULARI-DADE, AUTONOMIA e LITERALIDADE.

A cartularidade tem como caracte-rística principal a sua existência física ou equivalente.O título tem que existir como ele-mento efetivo e representativo do crédito. As-sim, existindo a cártula, ou seja, o documen-to impresso, existe o título de crédito, sendo vedada a sua cópia para efeito de execução da dívida. Deste conceito, decorre o axioma jurídico de que “o que não está no título não está no mundo”.

A autonomia é o que garante a plena negociabilidade dos títulos de crédito, e re-presenta a independência das obrigações vinculadas a um mesmo título, ou seja, com a autonomia tem-se a desvinculação do título de crédito em relação ao negócio jurídico que

motivou a sua criação, geran-do direitos autônomos tam-bém no campo processual. O título de crédito, mediante a sua transferência para um terceiro de boa-fé, se desvin-cula do negócio concreto que

o originou, como forma de protegê-lo e confe-rir segurança jurídica à circulação do crédito pelo título representado.

A literalidade traz consigo a formalidade e o rigor do que deve estar expresso no título de crédito, pois determina o seu conteúdo e a sua extensão. Só tem valor jurídico o que está exatamente escrito no título de crédito original e a extensão da obrigação por ele representada. A literalidade gera a garantia nas obrigações, sendo que tanto o portador, quanto o devedor, não poderão exigir além do que estiver enunciado na cártula.

4. RequisitosA nota promissória é um documento for-

mal e para tanto a Lei Uniforme de Genebra, em seu artigo 75, impõe requisitos que de-vem constar neste título para que seja con-siderado nota promissória. Os requisitos não preenchidos no momento de sua criação po-dem, de boa-fé, serem complementados até o momento do recebimento do crédito.

No entanto, se ausentes no momen-to do recebimento, a nota promissória não

(...) decorre o axioma jurídico de que “o que não está no título não está no mundo”.

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vale como título de crédito. O documento não será nulo, mas não terá o mesmo valor de um título de crédito (Cf. TOMAZETTE, 2011). Pode-se dizer que não se trata da nu-lidade ou invalidade do documento, mas de sua ineficácia, pois não produzirá os efeitos de uma nota promissória.

Assim como a letra de câmbio, tais re-quisitos podem ser essenciais e não essen-ciais ou supríveis, como preferem alguns autores, como veremos a seguir.

1.1 Requisitos essen-ciais

Requisito essencial significa que não pode ser substituído ou alterado por outro semelhante. Sua pre-sença é obrigatória para que o documento seja eficaz. São eles elencados no artigo 75 da LUG:

A. Denominação: “Nota Promissó-ria”: art. 75, 1 - LUG

A denominação “nota promissória” ou termo correspondente na língua em que for emitida é requisito insubstituível ao título. Trata-se da identificação do nome do título, chamada de cláusula cambial, exigência dos demais títulos (Cf. COELHO, 2011). Por ób-vio, tal exigência faz-se essencial para que os subscritores saibam a obrigação que as-sumiram.

B. Promessa de pagar determinada quantia: art. 75, 2 - LUG

Conforme já exposto, em toda nota promissória deve haver a promessa de um pagamento. O emitente promete ao benefici-ário pagar determinada quantia em determi-nado vencimento. Trata-se de uma promes-sa pura e simples, que dispensa condições e encargos. É, portanto, requisito essencial à promessa pura e simples de pagar determi-nada quantia, que poderá ser expressa em algarismos, ou por extenso, prevendo valor certo e que em casos excepcionais previstos no decreto-lei 857/69 podem ser pagos em moeda estrangeira. Em casos de divergência

de valores na nota promissória, deve preva-lecer o de menor quantia, de acordo com o art. 6 e 75 da LUG.

C. Nome do beneficiárioO nome de quem receberá a promessa

também é indispensável. É necessário iden-tificar o credor originário que poderá receber a promessa, ou transferir o direito de recebê--la, tendo em vista que nossa legislação não

admite a nota promissória ao portador. Cabe ressaltar que como a nota promissória nas-ce para circular, a promessa do emitente o obriga a isso em relação aos que futura-mente se tornem titulares do direito de crédito do título.

D. Data de emissãoDe acordo com Luiz

Emygdio F. da Rosa Jr., a data de emissão da nota promissória é essencial para que se possa verificar a capacidade do emitente na data em que assumiu a obrigação, bem como para contagem de prazos, como o vencimen-to, nos casos de títulos com vencimento a certo termo da data. O mês sempre deverá ser escrito por extenso enquanto o dia e o ano podem ser mencionados por algarismos.

E. Assinatura do emitenteA assinatura do emitente representa

a sua declaração de vontade da promessa de pagamento, sendo essa a única vonta-de essencial de tal título. Sem assinatura, a nota promissória é ineficaz, sendo ela o último requisito essencial da nota promis-sória. Isso porque a nota promissória não está sujeita ao aceite e com a assinatura do título, o sujeito se torna o devedor principal da relação.

Vale também ressaltar que pode ser fei-ta a próprio punho ou por meio de procurador com poderes especiais.

Requisitos não essenciais ou supríveisRequisitos não essenciais ou supríveis

significam que podem ser substituídos por outras indicações. Não quer dizer que sejam

Considera-se a cártula válida quando constar a correta denominação, a promessa de pagar quantia determinada, o nome do beneficiário, a data de emissão e a assinatura do emitente.

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dispensáveis, mas admitem o suprimento por outra indicação, tendo sempre uma ou-tra alternativa.

A. Local de emissãoDe acordo com o art. 76, 4, alínea da

LUG, o local de emissão será considerado aquele indicado ao lado do nome do emi-tente. Não havendo o local de emissão ou o local próximo ao nome do emitente no tí-tulo, o documento não é válido como título de crédito.

B. Local de pagamentoO local de pagamento é o local onde o

emitente deve pagar a promessa feita. Trata--se também de requisito não essencial, pois se não constar a indicação do local, o pagamento pode ser feito no local onde o título foi passado.

C. Vencimento: um caso a parteO vencimento é um caso a parte, pois

não é requisito essencial nem não essencial, tendo em vista que ele é dispensável com-pletamente. Não havendo indicação do paga-mento, presume-se que a nota promissória é à vista. De acordo com o art. 76, II, alínea da LUG. Portanto, o título que não contiver tal informação não será considerado nulo.

5. Aval e endosso5.1 AvalO aval é uma forma de garantia eminen-

temente cambial, que existe apenas nos títu-los de crédito, inexistindo nos demais contra-tos. Ele é autônomo e solidário e, no momento em que uma pessoa assina o título de crédito, passa a responder solidariamente pelo seu pagamento, se não estiver dito a quem se ava-liza presume-se que é o sacado e autônomo porque mesmo se a obrigação do sacador for nula, a do avalista não será, por isso é autô-noma.

O aval também pode ser escrito no ver-so do título, ou em folha anexa, devendo ex-primir pelos termos “bom para aval” ou outro equivalente e assinado pelo avalista, confor-me expõe Ulhoa:

“O aval é a assinatura no anverso da letra que não seja do sacador e nem do sacado.”

(COELHO, 2011)O avalista é responsável pelo paga-

mento do título da mesma forma que o ava-lizado, portanto, o credor quando vencer o título pode cobrar diretamente do avalista, pois são solidários para o pagamento.

O Código Civil trata do aval em artigos específicos (art. 987 a 900), o artigo 898 “ca-put” preceitua que “o aval deve ser dado no verso ou no anverso do próprio título”. Na hipótese do avalista quitar o débito poderá cobrar do avalizado ou daqueles que ante-riormente ao seu aval haviam se obrigado pelo pagamento do título.

O aval por ser autônomo, vale por si só; não tem o direito de regresso contra o saca-do, pois este não aceitou o título, portanto, pagará o título, caso seja escolhido pelo cre-dor e só poderá cobrar do sacado por inde-nização longe do título de crédito. Exceto no regime de separação absoluta, nenhum dos cônjuges poderá, sem autorização do outro, prestar aval. Essa regra é estabelecida no Código Civil no artigo 1647, inciso III.

5.1.1 Diferença entre o aval e a fiançaO aval e a fiança, apesar de terem pon-

tos em comum, são distintos, a seguir cita-mos as diferenças entre ambos:

A fiança é um contrato previsto no códi-go civil nos artigos 818 e seguintes, enquan-to que o aval é uma forma de garantia pró-pria dos títulos de crédito, a qual ocorre por meio de uma simples declaração de vontade do avalista.

O aval, como regra geral, deve ser lançado diretamente no título e continua valendo mesmo sendo nula a obrigação do avalizado, exceto se houver vício de forma, já a fiança é um contrato acessório que de-pende para sua existência do contrato prin-cipal, desse modo, sendo nula a obrigação do afiançado, se extingue também a obriga-ção do fiador.

O avalista se equipara ao avalizado, as-sim sendo o credor tem a opção de cobrar a dívida diretamente do avalista, enquanto que na fiança há o benefício de ordem, ou seja, o fiador pode exigir no caso de não cumpri-mento da obrigação, que o credor cobre pri-

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meiro o afiançado.

EndossoO endosso é um ato unilateral e abs-

trato, formal e que deve ser puro e simples. Quando há condição que fique subordinado, considera-se como não escrita.

Somente quem pode endossar é o be-neficiário do título, e somente o proprietário do título pode transferi-lo a terceiros, abaixo algumas diferenças acerca da Letra de Câm-bio, Nota promissória e cheque e, ainda, du-plicata:

Letra de Câmbio: o beneficiário é o toma-dor (credor), a favor de quem a ordem é dada.

Nota Promissória e Cheque: beneficiá-rio endossa a terceiros.

Duplicata: sacador quem pode endos-sar o título a terceiros.

O endosso foi o que deu vida ao título de crédito, e é a forma de transferência do título pela assinatura do credor no verso do título (beneficiário-endossante). O endosso obriga o endossante, o qual responde solidariamen-te com outros endossantes, que por sua vez pode escolher qualquer um para executar, conforme o ART 15° da LUG, que garante ao aceite quanto o pagamento do título.

Ele é autônomo, ou seja, independente entre si, conforme o princípio da autonomia das obrigações cambiais. As assinaturas continuam válidas, a despeito da possível invalidade de alguma outra obrigação conti-da no mesmo título. O endosso se apresenta em várias espécies, os quais são:

O Endosso Translativo é pelo qual al-guém transfere os direitos de crédito a um ter-ceiro e tem como consequência que a pessoa que recebe o endosso em seu favor torna-se credor (favorecido) do título de crédito.

O endosso translativo, por sua vez, pode ser de duas espécies:

a) Endosso Translativo em branco: Consiste na simples assinatura do favoreci-do no verso do título, sem a indicação de um nome específico, de modo que o título fica “ao portador”.

b) Endosso Translativo em preto: Há in-dicação específica de quem está endossan-do a quem deve ser pago, de modo que o

título fica nominal a quem o recebe.

Da Cláusula Não à Ordem Em havendo “Cláusula Não à Ordem”, o

título não poderá ser endossado. A cláusula “não à ordem” impede a transferência do títu-lo à outra pessoa.

O endosso ao portador discrimina, pa-gue-se ao portador.

O endosso mandato ocorre quando o credor do título o transfere não para que o endossatário torne-se proprietário do título, mas para que ele receba seu crédito pelo en-dossante, é como se fosse uma procuração, sendo o que o instrumento é o próprio título.

A forma é a cobrança: entrega o título para que a pessoa receba por si. Deve usar as expressões “valor a cobrar”, “para cobran-ça”, por “procuração”; senão usar a expres-são presume-se que é translativo (comum, pleno, pois transfere o título).

O endossante indica o endossatário como seu procurador, subentendendo-se a ou-torga ao mandatário de todos os poderes para cobrança e recebimento do título Endossante (mandante) / endossatário (mandatário).

Qualquer endosso posterior ao en-dosso-mandato, ainda que sem as expres-sões antes mencionadas, será considerado endosso-mandato. Portanto, não transmite a propriedade do título e nem direito dele emergente a terceiro. A 3ª alínea do art. 18 LUG deve ser lida: o mandato que resulta de um endosso-mandato não se extingue por morte ou sobrevinda incapacidade legal do mandante (e não do mandatário).

O endosso caução (endosso pignoratí-cio ou endosso garantia): o título é transferi-do ao endossatário apenas como garantia de alguma obrigação. O endossatário recebe, além da posse do título, todos os poderes para cobrança e recebimento do valor do tí-tulo. Não se transmite a propriedade do título e nem os direitos dele emergentes, mas ape-nas a posse do título, para garantia do cré-dito do endossatário e para cobrança ou re-cebimento do valor (art 19º LUG): “valor em caução”, “valor em penhor”, “valor garantia”.

Ademais o Decreto 2.044/1908 dispõe sobre o endosso na letra de câmbio e nota

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promissória:Art. 8º - O endosso transmite a proprie-

dade da letra de câmbio. Para a validade do endosso, é suficiente a simples assinatura do próprio punho do endossador ou do mandatá-rio especial, no verso da letra. O endossatário pode completar este endosso. Parágrafo pri-meiro - A cláusula “por procuração”, lançada no endosso, indica o mandato com todos os poderes, salvo o caso de restrição, que deve ser expressa no mesmo endosso. Parágrafo segundo - O endosso posterior ao vencimento da letra tem o efeito de cessão civil. Parágrafo terceiro - É vedado o endosso parcial.

6. Entendimento JurisprudencialA nota promissória, perante a jurispru-

dência, tem tido vários entendimentos prin-cipalmente em relação a sua vinculação ao contrato consoante, sua liquidez, certeza e exigibilidade.

Quanto à vinculação ao contrato, a jus-tiça federal do Rio Grande do Sul entende que no sentido de que o título em execução é apenas o contrato de financiamento, na medida em que a nota promissória firmada opera na condição de garantia contratual, em que quando constatado que o título é vin-culado ao contrato de mútuo, é imprestável como título executivo; e pela simples vincula-ção a contrato, não perde a liquidez, confor-me ementa abaixo:

“DIREITO CIVIL. EMBARGOS DE TER-CEIRO. TÍTULO DE CRÉDITO QUE INSTRUI A EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. AUTO-NOMIA E ABSTRAÇÃO. AUSÊNCIA. EXECU-ÇÃO FUNDADA EM CONTRATO BANCÁRIO. APLICABILIDADE DO CDC. FALTA DE CLA-REZA DE CLÁUSULA CONTRATUAL RELA-TIVA À GARANTIA (SE AVAL OU FIANÇA). IMPUTABILIDADE À INSTITUIÇÃO FINAN-CEIRA QUE REDIGIU O INSTRUMENTO.”

1. O título em execução é apenas o contrato de financiamento, na medida em que a nota promissória firmada operaria ape-nas como garantia contratual.Absolutamente vinculado o título de crédito ao contrato que lhe deu origem, não enseja ele execução por obrigação autônoma.

2. Não havendo clareza do sentido e al-cance da obrigação do garantidor (se aval ou fiança), em face da deficiência do instrumen-to em que assumida a obrigação, sendo que dessa circunstância resultaria exigível ou não a outorga uxória, pois o contrato foi firmado sob a égide do Código Civil de 1916, se impõe o provimento do apelo para liberar o bem pe-nhorado, incluído no patrimônio conjugal.

3. Embargos de terceiros julgados pro-cedentes. (TRF4 - APELAÇÃO CIVEL: AC 3942 RS 2006.71.07.003942-8)

Em relação ao caso, discorre Fábio Ulhoa Coelho (1998, p. 371):

“Pelo subprincípio da abstração, o título de crédito, quando posto em circulação, se desvincula da relação fundamental que lhe deu origem. Note-se que a abstração tem por pressuposto a circulação do título de crédito. Entre os sujeitos que participaram do negócio jurídico, o título não se considera desvinculado deste. (...) A abstração, então, somente se verifica se o título circula. Em outros termos, só quando é transferido para terceiros de boa-fé, opera-se o desligamento entre o documento cambial e a relação em que teve origem.”

Consoante entendimento do tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, quanto a sua liquidez de que a nota promissória revestida de liquidez, certeza e exigibilidade,

“EMBARGOS DO DEVEDOR. NOTA PROMISSÓRIA REVESTIDA DOS REQUI-SITOS DE LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBI-LIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CAUSA IMPEDITIVA, MODIFICATIVA OU EXTINTIVA DO DIREITO DO exequente. EMBARGOS REJEITADOS. RECURSO IM-PROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

Estando demonstrada a existência do crédito, através da exibição de título líquido, certo e exigível, bem assim inexistindo prova de causa extintiva, modificativa ou impeditiva do direito da parte exequente, não há lugar para a acolhida dos embargos.”

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende que a nota promissória

“EMBARGOS DO DEVEDOR. NOTA PROMISSÓRIA REVESTIDA DOS REQUI-

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SITOS DE LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBI-LIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CAUSA IMPEDITIVA, MODIFICATIVA OU EXTINTIVA DO DIREITO DO exequente. EMBARGOS REJEITADOS. RECURSO IM-PROVIDO. SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

Estando demonstrada a existência do crédito, através da exibição de título líquido, certo e exigível, bem assim inexistindo prova de causa extintiva, modificativa ou impeditiva do direito da parte exequente, não há lugar para a acolhida dos embargos.”

Quanto à nota promissória emitida em branco, o TJRS entende que não importa em nulidade a emissão da nota promissória par-cialmente preenchida ou em branco, pois de-corre de mandato tácito e ficou comprovado que não houve preenchimento abusivo.

Embargos à execução. pretensão DES-CONSTITUTIVA. NOTA PROMISSÓRIA em branco. Súmula 387 STF.

Não importa em nulidade a emissão de nota promissória parcialmente preenchida ou em branco, haja vista que seu preenchimen-to decorre de mandato tácito Não demonstra-do que houve preenchimento abusivo. Ônus probatório incumbe a quem alega. Improce-dência dos embargos à execução.

Apelo improvidoA súmula 387 do Superior Tribunal Fe-

deral refere-se exatamente a esta questão da emissão da nota promissória em branco, cujo teor é o seguinte:

“A cambial emitida ou aceita com omis-sões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé, antes da cobrança ou do protesto.”

No mais, entende-se que foi facultado ao portador preencher a nota promissória em branco posteriormente com os requisi-tos essenciais.

7. Considerações FinaisO estudo acerca da nota promissória é

de suma importância, tendo em vista que se trata de título bastante utilizado atualmente como promessa de pagamento, fruto de um vasto desenvolvimento histórico que iniciou

em atividades comerciais.A partir do contexto geral abordado no pre-

sente artigo, pode-se frisar que por ser um título de crédito autônomo, pode ser cobrado por seu possuidor e tem suas características fundadas na cartularidade, autonomia e literalidade.

Entende-se também que, para ser con-siderada como um documento válido, é ne-cessário a correta denominação, a promes-sa de pagar quantia determinada, o nome do beneficiário, a data de emissão e a assina-tura do emitente. Na ausência de qualquer uma destas condições, o documento não é inexistente, mas sim inválido e para tanto, não trata-se de nota promissória.

Sabe-se que a nota promissória é su-jeita ao aval e ao endosso. No endosso, ha-vendo cláusula de não à ordem, não é pas-sível de transferência a terceiro.

O entendimento jurisprudencial hoje, com relação a sua vinculação ao contrato consoante sua liquidez, certeza e exigibili-dade, esclarece que a simples vinculação ao contrato mútuo não exclui a sua liquidez.

Ademais, por ser espécie de título de crédito, está regulada pelas mesmas normas disciplinadoras da Letra de Câmbio, ou seja, a Lei Uniforme de Genebra, introduzida em nos-sa legislação através do Decreto 57.633/66 subsidiado pelo Decreto 2.044/1908. Nesta lei, observa-se também o prazo para prescrição e a inexistência do aceite.

O Código de Processo Civil também dispõe que se trata de título extrajudicial e que, por óbvio, a nota promissória dá o start para o início do processo de execução. A dí-vida prescrita relativa à nota promissória não pode ser cobrada através de ação cambial, porém, existe a possibilidade de se requerer através de ação ordinária.

Diante do exposto, verifica-se a perti-nência do tema, pois tal título ainda é uma solução sugestiva para determinadas re-lações comerciais, tendo em vista que as relações de consumo e comércio crescem progressivamente nos dias atuais.

ReferênciasALMEIDA, Amador Paes. Teoria e

Prática dos Títulos de Crédito. 28. ed.

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São Paulo: Saraiva, 2009. Disponível em: <http://academico.direito-rio.fgv.br/wiki/Nota_Promiss%C3%B3ria> Acesso em: 17 jun. 2011.

ASCARELLI, Túlio. Direito Comercial. Mizuno.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direi-to comercial. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

PEREIRA, Renato Alves. A nota promis-

sória e os seus requisitos essenciais à luz da Lei Uniforme. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/2846>. Acesso em: 29 maio 2011.

ROSA JR, Luiz Emygdio F. da. Títulos de Crédito. 6. ed. São Paulo: Renovar, 2009.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de direi-to empresarial: Títulos de crédito. v. 2, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011

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(1) Mestre em Ciências Empresariais (UFP/PT), Pós-graduado em Auditoria (FIPECAFI/USP) e Finanças (PPA/UFRGS), Professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected](2) Acadêmica do Curso de Ciências Contábeis da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

A convergência da auditoria independente brasileira aos padrões internacionais de

auditoria Cláudio Morais Machado1

Fernanda Pucurull2

Resumo: O presente estudo técnico tem o propósito de analisar a aplicação de padrões internacionais de auditoria aos serviços prestados por empresas bra-sileiras de auditoria externa independente.

Para tanto são avaliadas as novas Normas Brasileiras de Contabilidade que estão alinhadas com as Normas Internacionais de Auditoria emitidas pela Inter-national Federation of Accountants – IFAC.

Estas novas normas estabelecem a estrutura conceitual, critérios e proce-dimentos práticos da atividade de asseguração de informações contábeis. A pa-dronização e transparência permitem aumentar a confiança dos investidores e membros da sociedade nas demonstrações contábeis das entidades, facilitando o fluxo dos negócios e o desenvolvimento econômico.

Palavras-chave: Convergência. Normas de Contabilidade. Auditoria Inde-pendente. Asseguração. Relatórios. Demonstrações Contábeis.

Abstract: The objective of this technical study is to analyse the application of international audit standards to the services supply from external Brazilian in-dependent companies. To reach such objective, it was necessary to evaluate the new Brazilian Accounting standards that are in line with the International Stan-dards on Auditing issued by the International Federation of Accountants – IFAC.

These new norms establish the conceptual framework, the criteria and the procedures of practical activity assurance of accounting information. The standar-dization and transparency would increase the investor and other society member’s confidence in the statements of accounting entities. Such confidence is very im-portant to improve the flow of business and economic development.

Keywords: Convergence. Cccounting Standards. Independent Audit. Faste-ner. Reports. Financial Statements.

IntroduçãoEm dezembro de 2007 foi promulgada a

Lei 11.638, que modificou e aprimorou a Lei das Sociedades por Ações em seus capítulos que envolvem a chamada parte contábil desta que é a mais importante lei societária do País. Com estas novas disposições, há o respaldo legal e dado pontapé inicial e irreversível para o início do processo de harmonização e con-

vergência das normas brasileiras de contabi-lidade, incluso as de auditoria, aos padrões internacionais, por exigência dos mercados globais aos nacionais. Foi interrompido o ma-rasmo decorrente da falta de embasamento legal para a necessária mudança e conse-quente evolução da contabilidade brasileira.

A partir de então entraram em ação os fó-runs estabelecidos pelas entidades contábeis e

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pelos órgãos supervisores dos mercados bra-sileiros, dos quais salientamos os principais:

• Comitê Gestor da Convergência no Brasil - CGC, composto pelo Conselho Fe-deral de Contabilidade – CFC, o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil – IBRA-CON, o Banco Central do Brasil – BCB e o Comissão de Valores Mobiliários – CVM, para cumprir o compromisso legalmente assumido de viabilizar o processo de convergência; e

• Comitê de Pronunciamentos Contá-beis – CPC, instituído e liderado pelo CFC e composto deste com o IBRACON e outras entidades representativas do meio acadêmi-co (Fundação Instituto de Pesquisas Con-tábeis, Atuariais e Financeiras – FIPECAFI--FEA/USP) e dos usuários da informação contábil (Associação Nacional dos Analistas e Profissionais de Investimento em Merca-do de Capitais – APIMEC, Associação Bra-sileiras das Companhias de Capital Aberto - ABRASCA) e membros observadores con-vidados a CVM, o BCB, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP e Secretaria da Receita Federal – SRF, voltado para a harmonização e convergência das Normas Brasileiras de Contabilidade aos IFRS: Nor-mas Internacionais de Relatório Financeiro, emitidos pelo IASB – Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade.

Naturalmente que o esforço inicial concentrou-se na parcela das novas nor-mas de contabilidade harmonizadas aos padrões internacionais, os IFRS (Interna-cional Financial Repporting Standarts), necessárias ao cumprimento das novas disposições da lei societária brasileira em 2008, continuando o processo nos anos seguintes, a cargo do CPC.

Em 2009 foram emitidas novas Resolu-ções do CFC, a partir de trabalho do CGC, a cargo do IBRACON, com o novo modelo de regulamentação para os serviços prestados pelos auditores independentes, convergida das Normas Internacionais de Auditoria da International Auditing end Assurance Stan-derd Board – IAASB da International Federa-tion of Accountants – IFAC, constituído de 40 novas Normas Brasileiras de Contabilidade – NBCs, não mais restritas a auditoria das

demonstrações contábeis, mas também aos demais serviços de asseguração e mesmo de outros serviços correlatos. Em 2010 e 2011, até o mês de abril, final do período con-siderado para este trabalho, foram aprova-das mais 5 (cinco) normas técnicas, 2 (duas) profissionais e três comunicados técnicos adaptando a emissão dos Relatórios do Au-ditor Independente às peculiaridades da le-gislação e práticas contábeis brasileiras.

Este novo conjunto de normas de au-ditoria, ampliado para asseguração de in-formações contábeis e serviços correlatos é objeto de estudo realizado e deste artigo acadêmico.

1. A importância do Controle Inter-no e de Governança Corporativa para a Auditoria:

1.1 Introdução: inicialmente, cabe real-çar a importância de estudo do Controle Inter-no e dos preceitos de Governança Corporati-va para a evolução da auditoria nos mercados globalizados.

O Controle Interno, conceituado em 1971 pelo AICPA (Instituto Americano de Contadores Públicos Certificados), como:

“o controle interno compreende o plano de organização e o conjunto coordenado de métodos e medidas, adotados pela entida-de, para proteger o seu patrimônio, verifi-car a exatidão e a fidedignidade de seus dados contábeis, promover a eficiência operacional e encorajar a adesão à política traçada pela administração.”

Esta conceituação prevaleceu até 1992, quando o Comite of Sponsoring Organiza-tions of the Tradway Commission, conheci-do pela sigla “COSO”, formado pelas mais conceituadas entidades profissionais ligadas aos mercados financeiro e de capitais nos Estados Unidos da América, que substituiu, passou a emitir pronunciamentos que am-pliaram substancialmente o foco contábil e de gestão empresarial do controle interno. Emitiram dois pronunciamentos que se no-tabilizaram como COSO I (Control Environ-ment) e COSO II ou ERM (de Enterprice Risk Management – Integrade Framework), o pri-

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meiro com foco contábil, por isto conhecido como COSO REPPORT e o segundo am-pliando para o processo de gestão das enti-dades em especial no que tange aos riscos que o envolvem. O controle interno e a con-tabilidade passaram a ter também seu foco de forma proativa, além da tradicional visão reativa que os limitava.

Ficou estabelecida a estrutura inte-grada de controle interno, composta de: (i) objetos de avaliação (as unidades adminis-trativa/operacionais abrangidas); (ii) quatro (4) categorias de atividades e (iii) oito (8) elementos básicos.

Notabilizou-se em uma figura tridimen-sional, o “cubo do COSO”, cujas dimensões compreendem as categorias de atividades de controle, os elementos ou componentes de controle e os objetos de avaliação, con-forme Bergamini Junior (Revista do BNDES, V. 12, 2005):

Sistema de Estrutura Integrada - FONTE: COSO (Committe of Sponsoring Organization: apud Bergamini Junior, 2005).

Dessa forma, segundo o COSO:“Controle interno é um processo de-

senvolvido para identificar eventos que pos-sam afetar o desempenho da entidade, a fim de monitorar riscos e assegurar que estejam compatíveis com a propensão ao risco esta-belecida, de forma a prover, com segurança razoável, o alcance dos objetivos, em espe-cial nas seguintes categorias:

- Estratégia (Strategyc) - objetivo de

estratégia: categoria relacionada com os objetivos estratégicos da entidade, estabele-cidos em seu planejamento, inclusive sobre os níveis de risco que a administração aceita assumir.

- Eficiência e efetividade operacional (Operations: objetivos de desempenho ou estratégia): esta categoria está relacionada com os objetivos básicos da entidade, inclu-sive com os objetivos e metas de desempe-nho e de rentabilidade, bem como da segu-rança e qualidade dos ativos;

- Confiança nos registros contábeis/financeiros (Financial reporting: objetivos de informação): todas as transações devem ser registradas, todos os registros devem refletir transações reais, consignadas pelos valores e enquadramentos corretos; e

- Conformidade com leis e normativos aplicáveis à entidade e a sua área de atuação.”

Os oito (8) elementos inter-relacionados entre si e presentes em todo o controle in-terno:

- Ambiente (interno) de Controle (Con-trol Environment – COSO I): é a cultura de controle interno da entidade, onde somente é o controle efetivo, quando as pessoas conhe-cem as suas responsabilidades, os limites de autoridade e consciência, competência e o comprometimento de fazerem o que é cer-to de maneira correta. Envolve competência técnica e compromisso ético, onde a postura da alta administração, pelo exemplo, é fator determinante da criação deste valor;

- Definição dos objetivos (COSO II): o ERM deve assegurar que a gerência dispõe de um processo implementado que lhe per-mita fixar os objetivos de forma alinhada à missão da empresa, sendo consistente com a propensão ao risco previamente definida. Devem existir antes da identificação dos eventos que possam afetar seu alcance;

- Identificação dos eventos (COSO II): eventos internos e externos que afetam o cumprimento dos objetivos devem ser iden-tificados e separados entre riscos e oportu-nidades, mapeados e canalizadas de volta para as estratégias gerenciais ou processos de definição de objetivos;

- Avaliação de risco (COSO II): os

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riscos devem ser avaliados com base na probabilidade e no impacto e os resultados dessa avaliação devem orientar o seu geren-ciamento; esses riscos devem ser avaliados como inerentes e residuais;

- Respostas ao risco (COSO II): esta-belecimento das regras de gerenciamento: aceitando, reduzindo, partilhando ou evitan-do os riscos e desenvolvendo ações para alinhar o seu gerenciamento à propensão de risco previamente explicitada;

- Atividades de Controle (Control Acti-vities – COSO I): são os procedimentos des-tinados à redução ou administração dos ris-cos (também tratados como procedimentos de controle interno). Podem ser de caráter preventivo ou detecção, ou de ambos, sen-do os mais conhecidos: (i) Segregação de funções - Normatização interna - Alçadas de autoridade ou de responsabilidade (preven-ção); (ii) Conciliações - Revisões de desem-penho (detecção); e (iii) Segurança física e por sistemas informatizados (prevenção e detecção);

- Informação e Comunicação (Infor-mation & Communication – COSO I): comu-nicação é o fluxo de informações dentro de uma entidade e a informação é o combustível que move as organizações e a sociedade;

- O Monitoramento (Monitoring – COSO I): que é a avaliação dos controles internos ao longo do tempo, se efetivos ou não. Podem ser contínuos ou pontuais, en-volvendo autoavaliações, revisões e audito-ria (interna, independente, integral...).

A estrutura e o processo de controle in-terno segundo o COSO passou a ser aceito e recomendada a sua adoção por praticamen-te todos os foros mundiais importantes.

1.2 Governança Corporativa: possui diversas interpretações conceituais, sob dife-rentes óticas, das quais a referente a “Siste-mas de Valores e Padrões de Comportamen-tos” é a que mais chama a atenção de todos:

“Governança corporativa trata da justiça, da transparência e da responsabilidade das empresas, no trato de questões que envolvam os interesses do negócio e os da

sociedade como um todo. A governança diz respeito a padrões de comportamento que conduzem à eficiência, ao crescimen-to e ao tratamento dado aos acionistas e outras partes interessadas, tendo por base princípios definidos pela ética aplicada à gestão de negócios.”

Segundo Andrade e Rosseti, 3ª edição, 2010, Governança Corporativa, uma criação da Organização para a Cooperação e De-senvolvimento Econômico – OCDE é vista, tanto para esta prestigiosa organização de origem europeia, como para o FMI, Banco Mundial e G 7, como uma sólida base para o crescimento econômico, integração global dos mercado e para o controle dos riscos dos investimentos nas empresas. A OCDE entende-a como um dos instrumentos deter-minantes do desenvolvimento sustentável, em suas três dimensões – a econômica, a ambiental e a social.

Os Principais Valores ou Princípios da Governança Corporativa são:

a) Transparência (Disclosure)b) Senso de Justiça, Equidade no Trata-mento dos Sócios Minoritários (Fairness)c) Prestação de Contas (Accountability)d) Conformidade no cumprimento de Prin-cípios e Regras (Compliance)

a) Transparência (Disclosure): divul-gação de informações completas nos relató-rios financeiros e de tudo que seja relevante e mesmo que não seja caso de contabiliza-ção, mas que impactem os negócios e os resultados corporativos (off balance sheet), inclusive antecipado às DCs.

b) Senso de Justiça, Equidade no Tra-tamento dos Sócios Minoritários (Fairness):

• Mesmos direitos legais a todos os só-cios, majoritários e minoritários.

• O processo de remuneração dos Ad-ministradores deve ser aprovado pelo CA e, se por planos de stock options, a aprovação é pelos acionistas.

• Vedações de favores indevidos e pe-nalidades no caso de fraudes corporativas.

c) Prestação de Contas (Accountabili-ty): responsabilidade direta dos principais exe-cutivos, diretores presidente e financeiro, na ex-pressa divulgação de relatórios contendo que:

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• revisaram-nos e que não existem fal-sas declarações ou omissões relevantes;

• as DCs revelam adequadamente a posição financeira, os resultados das opera-ções e os fluxos de caixa;

• os auditores independentes e o comitê de auditoria receberam todas as informações sobre deficiências, mudanças e mesmo de fraudes, se o caso; e

• são adequados os controles internos existentes, dos quais são responsáveis diretos.

d) Conformidade no cumprimento de Princípios e Regras (Compliance): adoção de um código de ética para a entidade, em especial para seus principais executivos, com inclusão obrigatória de regras para o conflito de interesse, divulgação de informa-ções e cumprimento de leis e regulamentos.

Embora Governança Corporativa seja uma criação da OCDE, uma organização eu-ropeia que após globalizou-se, um dos seus pontos altos, além da adoção pelos maio-res fóruns econômicos mundiais, foi a sua inclusão quase plena na legislação norte--americana aprovada para fazer frente aos escândalos financeiros, pela conhecida “Lei Sarbanes-Oxley”.

A Governança Corporativa entrou com muita força nos mercados brasileiros, a partir da criação do Instituto Brasileiro de Gover-nança Corporativa e de regulamentações dos órgãos supervisores do mercado nacio-nal, especialmente BCB e CVM, que pas-saram a fazer exigências de cumprimento de premissas de governança, ficando mais notabilizadas as regulamentações da BO-VESPA, relativas mais especificamente ao mercado acionário, onde as empresas par-ticipantes passaram a ser enquadradas em níveis diferentes conforme as suas adesões à governança, chegando ao mais alto nível, denominado “NOVO MERCADO”, constituí-do das empresas que aderiram integralmen-te a todos os critérios de Governança Corpo-rativa, com maior valorização de seus títulos e reconhecimento pelos investidores.

As grandes empresas, mesmo as do se-tor público, passam a exigir “Certificação do Instituto de Governança Corporativa – IBGC” para os seus possíveis Conselheiros, tanto

de Administração como Fiscal e membros do Comitê de Auditoria.

Os padrões internacionais de contabili-dade e auditoria não poderiam desconsiderar esta nova exigência dos mercados interna-cional e nacional e seus novos regulamentos estão integralmente influenciados pelos prin-cípios de Governança Corporativa da OCDE e nova visão de controle interno baseada nos pronunciamentos do COSO

2. Auditoria: uma visão no tempo:A definição clássica de auditoria é a ex-

pressa por Arthur W.Holmes (considerado o Papa da Auditoria), em sua obra “Basic Au-diting Principles”, by Richard D. Irwin, Inc, 1966, que ora é traduzida:

“A auditoria é uma disciplina intelectual, baseada na lógica e que está dedicada ao estabelecimento de fatos, sendo as con-clusões resultantes falsas ou verdadeiras.”

A American Accounting Association (AAA), que é a entidade norte-americana que congrega os seus acadêmicos de Conta-bilidade, como consta em Boynton, Johnson e Kell, fls. 30, definiu auditoria de forma que teve grande aceitação, pela sua abrangência técnica e tem influenciado a emissão de nor-mas de auditoria não só na Norte América, mas também as normas internacionais, ago-ra adotadas no Brasil:

“Auditoria é um processo sistemático, de obtenção e avaliação objetivas de evidên-cias sobre afirmações a respeito de ações e eventos econômicos, para aquilatar o grau de correspondência entre as afirmações e critérios estabelecidos, e de comunicação dos resultados a usuários interessados.”

Ainda citando Boynton, Johnson e Kell, fls. 30, faz-se os seguintes comentários acerca dos atributos desta definição marcante:

- Processo sistemático: fixando ser um processo lógico, estruturado e organizado.

- Obtenção e avaliação objetivas de evidências: significa exame criterioso de ob-tenção e avaliação das comprovações sobre o que é examinado.

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- Afirmações a respeito de ações e eventos econômicos: representa o que é apresentado como informação, que é o ob-jeto do exame, normalmente em demonstra-ções contábeis, relatórios, etc...

- O grau de correspondência: significa o quanto as afirmações aderem aos critérios estabelecidos.

- Critérios estabelecidos: são as dis-posições normativas pelas quais as afirma-ções são comparadas e julgadas.

- Comunicação dos resultados: é a materialização da conclusão e opinião do au-ditor sobre o grau de correspondência entre as afirmações e as disposições normativas; e

- Usuários interessados: são os indiví-duos e entidades que utilizam os resultados da auditoria para tomarem suas decisões de caráter econômico.

3. Nova Estrutura das Normas Brasi-leiras de Contabilidade (e Auditoria):

Segundo Longo (2011), as NBC estão

estruturadas segundo dispõe a Resolução 1.156/09 do CFC, que devem seguir os mes-mos padrões de elaboração e estilo das nor-mas internacionais.

Compreendem o Código de Ética Pro-fissional do Contador – CEPC, as Normas de Contabilidade, de Auditoria Independen-te e Asseguração, de Auditoria Interna e de Perícia. São também divididas em normas profissionais (NBC Ps) e técnicas (NBC Ts). As normas profissionais estabelecem pre-ceitos de conduta profissional, em confor-midade com o Código de Ética Profissional do Contador, e as normas técnicas são vol-tadas para o estabelecimento de conceitos técnicos doutrinários, de estrutura e com in-dicação de procedimentos técnicos a serem aplicados nas diferentes circunstâncias de trabalho em Contabilidade.

Esta estrutura das Normas Brasileiras de Contabilidade, constante do quadro abai-xo, é como apresentado por Longo (2011), com pequena adaptação:

Assim, esta estrutura, como apresen-tada no quadro exposto, demonstrando as normas referidas, devidamente classificadas em normas profissionais e normas técnicas.

4. O novo conjunto de Normas Brasi-leiras de Contabilidade voltadas à Auditoria:

As normas brasileiras relativas à audito-ria independente anteriores eram um conjun-to incompleto, muito singelo embora objetivo. Era incompleto por referir-se somente à audi-toria de demonstrações contábeis.

As novas Normas Brasileiras de Conta-

bilidade relativas à Auditoria Independente, decorrentes do processo de convergência com as normas internacionais de auditoria da IFAC, tomaram daquelas, por tradução, a denominação de “Asseguração”, traduzida do termo em língua inglesa “assurance” que significa “dar segurança ou dar garantia”. O sentido é que os auditores independentes, organizados em firmas ou individualmente, de forma responsável, “asseguram” para usuários previstos que determinadas afir-mações de responsáveis pela administra-ção de entidades sobre determinados obje-

(Longo, 2011, pág. 07)

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tos, examinadas com base em conjunto de critérios, aplicados sempre com o devido ceticismo profissional, basicamente se são adequadas ou não.

Os objetos referidos podem ser consti-tuídos na forma de demonstrações contábeis como também de outros tipos de itens como desempenho, controle e outros trabalhos, bem como considera a extensão e profundidade dos procedimentos técnicos de obtenção de evi-dências apropriadas e suficientes para que a conclusão possa ser de forma positiva ou não.

Este gênero, “asseguração”, divide-se em três subconjuntos de normas técnicas:

1ª. Auditoria das Demonstrações Contábeis – NBC TAs:

As Normas Técnicas de Auditoria (NBC TA), relativas à “asseguração razoável”, tam-bém referidas na norma como “auditoria das demonstrações contábeis”, cujos procedi-mentos técnicos para obtenção de evidência suficiente e apropriada, são mais extensos e aprofundados e que finaliza com conclusão na forma positiva;

2ª. Revisão das Demonstrações Con-tábeis – NBC TRs:

As Normas Técnicas de Revisão (NBC TR), relativas à “asseguração limitada”, cujos procedimentos técnicos para obtenção de evidência suficiente e apropriadas são de inferior extensão e profundidade ao aplicado na auditoria e que finaliza com conclusão de forma negativa, Normalmente relativo a de-monstrações contábeis intermediárias dentro do exercício social;

3ª. Outros Trabalhos de Asseguração – NBC TO:

As Normas para Outros Trabalhos de Asseguração (NBCTO), que não sejam de auditoria ou de revisão das demonstrações contábeis.

A Auditoria Independente também foi acrescida de Normas Técnicas para Servi-ços Correlatos – NBC TSC, referentes a Trabalhos de Execução de Procedimentos Acordados Referentes à Informação Contá-bil, que não sejam de asseguração, seja de auditoria ou de revisão, onde normalmente a parte responsável pela informação é a usuá-ria interessada nos resultados.

5. A organização do novo conjunto de Normas relativas à Auditoria e à Asse-guração:

Às Normas Brasileiras de Contabili-dade relativas à Asseguração e Serviços Correlatos, seguem a organização das nor-mas internacionais de auditoria da IFAC, as ISAS, e cada norma tem, normalmente, a seguinte estrutura:

• INTRODUÇÃO- Alcance da norma específica- Esclarecimentos do alcance ou das

características do que é tratado na norma- Objetivos gerais do auditor relativos ao

alcance da norma- Definições de termos utilizados na norma • REQUISITOS de aplicação da norma• ANEXOS, ADENDOS E APÊNDICES

à norma, relativos a esclarecimentos com orientações sobre a aplicação de alguns dis-positivos da norma e exemplos de termos, cartas e relatórios, etc.

As normas, baseadas em princípios e não em regras, são mais genéricas e abran-gentes. Os esclarecimentos/orientações e exemplos que lhes são anexados e fazem parte da norma entram em detalhes quan-do adequado ao seu melhor entendimento, inclusive com exemplos completos de cir-cunstâncias atinentes à contida na norma. Também contém modelos de termos e cartas entre o auditor e a administração e demais responsáveis pela governança da entidade responsável e/ou contratante da auditoria, desde a carta/contrato de aceitação do traba-lho, como os meios de comunicação formais intermediários e de formação de evidências durante os trabalhos, até os de formação da opinião e relatório com a conclusão dos tra-balhos de auditoria ou de revisão ou mesmo de asseguração diferente das anteriores. Es-tes subsídios das normas, em termos práti-cos, passam a ter uma “feição” de “regras”, mesmo que, em tese, sejam apenas auxilia-res às normas consideradas. Como orienta-ções e exemplos, não englobam ou exaurem todos os casos ou limitam a ação do auditor. Estes anexos são identificados pela letra A.

As novas Normas Técnicas de Assegu-ração de Demonstrações Contábeis se orga-

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nizam na sequência e numeração das NBCs, seguindo o modelo do IFAC, corresponde a sua ordem natural, do que é entendido como o pro-

cesso de auditoria e revisão ou outros trabalhos de asseguração de informação contábil históri-ca, como se demonstra no quadro que segue:

Segundo Longo, 2011, fl. 25:

“O processo de auditoria é uma atividade contínua, não sendo possível dividi-lo em fases estanques, uma vez que existem al-gumas atividades que ocorrem de forma permanente ao longo de todo o trabalho de auditoria, como, por exemplo, o pla-nejamento, que deve ser reavaliado cada vez que surge uma novidade relevante, um novo risco que não havia sido identifi-cado, uma deficiência no controle ou uma distorção. A mesma forma com a comuni-cação com os responsáveis pelos órgãos

de governança,... essa comunicação que começa na contratação e termina quando se encerra o trabalho de auditoria...”.

Esta característica do processo de au-ditoria, como evidenciada por Longo (2011), realça que suas diferentes fases sejam sempre integradas e muitas vezes conco-mitantes, como apresentada em adaptação de fluxo apresentado pelo referido autor, como segue:

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6. Comparação objetiva das normas convergidas vigentes e as anteriores: as normas convergidas e vigentes atualmente e as imediatamente anteriores podem ser bus-cadas diretamente no site do CFC, seguindo o caminho Vice-presidência Técnica - Normas.

A simples comparação visual entre es-tas normas e o conhecimento do conjunto de normas anteriores compunha um volume de cerca de 250 folhas. O atual é de cerca de 2.000 folhas, já nos demonstrando que a com-paração entre elas fica um tanto prejudicada, uma vez que não são uniformes.

Todavia, a que se abstrair da falta de uniformidade e deixar claro alguns pontos objetivos que sobressaem na simples com-paração entre estes dois conjuntos de nor-mas, como segue:

O Conjunto Anterior de Normas de Audi-toria Independente:

Em termos objetivos temos as seguin-tes observações sobre o conjunto anterior:

As normas profissionais do auditor inde-pendente, que não se constituem no foco deste trabalho, eram em número de 10, com três nor-mas principais, as relativas à Pessoa do Auditor Independente, com mais sete Instruções Téc-nicas sobre itens dela; a relativa à Educação Continuada e a relativa ao Exame de Qualifi-cação técnica. Em termos quantitativos, estas normas resultavam em cerca de 70 folhas A4.

a) As normas técnicas de auditoria inde-pendente, em número de 13, sendo uma úni-ca norma principal, limitada a “Auditoria das Demonstrações Contábeis” e 12 instruções técnicas sobre itens dela, somando cerca de 180 folhas A4.

b) O Conjunto Atual de Normas de Audi-toria Independente

Em termos objetivos temos as seguin-tes observações sobre o conjunto atual de normas:

a) As normas profissionais do auditor independente, que, repete-se, não se consti-tuem no foco deste trabalho, são praticamente mantidas, somente uma substituída e acres-cidas de três novas normas convergidas. A primeira sobre o Controle de Qualidade nas firmas de auditoria independente, inclusive com a emissão de um guia para pequenas

e médias firmas de auditoria (anexo 02) e as demais que substituem a anterior, sobre a In-dependência da firma e auditor independente. Em termos numéricos, o conjunto atual de nor-mas profissionais alcança cerca de 200 folhas.

b) Já as normas técnicas são inteiramen-te revogadas às anteriores, em número de 13 e emitidas 41 novas normas convergidas e 4 CT – instruções técnicas sobre elas. Este novo conjunto de normas, em termos quan-titativos, alcança cerca de 1.800 folhas A4. Estas normas não mais se limitam à auditoria independente das demonstrações contábeis e contemplam um universo maior de serviços de asseguração prestados por auditores indepen-dentes e mesmo serviços correlatos, a saber:

• 1 (uma) norma principal: Estrutura Conceitual para Trabalho de Asseguração, com a fundamentação teórica e conceitual dos trabalhos de asseguração;

• 36 (trinta e seis) normas objetivas so-bre a auditoria (asseguração razoável) de Demonstrações Contábeis;

• 2 (duas) normas objetivas sobre a re-visão (asseguração limitada) de demonstra-ções contábeis;

• 1 (uma) norma teórica e objetiva sobre asseguração de informação contábil históri-ca que não auditoria ou revisão;

• 1 (uma) norma teórica e objetiva so-bre serviços correlatos prestados por auditor independente (que não de asseguração); e

• 4 (quatro) Comunicados Técnicos so-bre emissão de Relatórios do Auditor Inde-pendente em razão de exigências de Órgãos Supervisores (este número tende a ir aumen-tando conforme a necessidade).

É mantido o foco contábil nas normas objetivas embora a Estrutura Conceitual dei-xe bem expresso que a asseguração é um processo correspondente a uma certificação que também é plenamente utilizável para ou-tros fins como, por exemplo, a eficácia de um sistema de controles internos.

7. Pontos fundamentais do novo con-junto normativo da auditoria brasileira:

Como se manifesta Cláudio Longo (Longo, 2011), este novo conjunto de normas se refere a um processo contínuo, que se in-

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tegra e se entrelaça. Realce especial para quatro normas pela inovação e pelo impacto junto aos auditores independentes e usuá-rios de auditoria independente:

1° - a da Estrutura Conceitual, por dar o embasamento teórico fundamental para a atividade;

2° - o do Controle de Qualidade para firmas de Auditores Independentes, por esta-belecer um novo processo definido que em-purra a atividade para a qualidade;

3° - a da Responsabilidade do auditor em relação à fraude, no contexto da audito-ria das demonstrações contábeis, pela sem-pre atualidade do tema.

4° - a do novo Relatório do Auditor Independente, que substitui o anterior Pare-cer, definindo as responsabilidades das par-tes e apresentando maior transparência nas suas conclusões.

1ª - A Estrutura Conceitual para Tra-balho de Asseguração

Define e descreve os elementos e obje-tivos de um trabalho de asseguração, identi-fica os trabalhos aos quais são aplicadas as NBCs de auditoria – TA, de revisão – TR e de outros trabalhos de asseguração – TO e proporciona a orientação para os auditores independentes, usuários e outros envolvidos nestes trabalhos e dá as diretrizes básicas para todos os trabalhos de asseguração e para a emissão das demais normas.

Esta Estrutura Conceitual define os pontos básicos para os Trabalhos de Asse-guração os quais estarão presentes em to-das as demais normas:

a) Definição e objetivo do Trabalho de Asseguração

“Trabalho de asseguração” significa um trabalho no qual o auditor independente ex-pressa uma conclusão acerca do resultado da avaliação ou mensuração de determinado objeto, com base em evidências apropriadas e suficientes, de acordo com critérios aplicá-veis, que lhe permitam embasar sua opinião, com finalidade de aumentar o grau de con-fiança de usuários previstos.

b) Os Cinco (5) Elementos do Traba-lho de asseguração: São eles:

- relacionamento entre três partes: o auditor independente, a parte responsável (pelo objetivo, como as demonstrações con-tábeis) e os usuários previstos;

- objeto apropriado: ou informação identificável, passível de mensuração basea-da em critérios;

- critérios adequados: pontos de refe-rência, por exemplo, as NBCs ou os IFRS;

- evidências apropriadas e suficien-tes: a base, a prova da opinião onde suficiên-cia é a medida de quantidade e adequação de qualidade; e

- relatório de asseguração escrito na forma apropriada.

c) Trabalhos de Asseguração Razoá-vel e de Asseguração Limitada

São os dois tipos de trabalhos de asse-guração permitidos ao auditor Independente:

- De Asseguração Razoável, cuja ex-tensão e profundidade dos procedimentos técnicos de auditoria aplicados são de forma que permita a obtenção de evidência de au-ditoria adequada e suficiente para o auditor dar sua opinião de forma positiva, por exem-plo: “em nossa opinião, as demonstrações contábeis identificadas representam adequa-damente a posição financeira e patrimonial e o desempenho...”; e

- De Asseguração Limitada, da mes-ma forma que a anterior, mas a aplicação dos procedimentos de auditoria é em intensidade menor, obtendo o auditor evidência adequa-da e suficiente para expressar a sua opinião somente de forma negativa, por exemplo: “concluindo que não foram apurados casos que desmereçam as demonstrações contá-beis apresentadas pela administração...”.

d) Trabalhos de Asseguração de Demonstrações Contábeis permitidos ao Auditor:

- De Auditoria, que é o Trabalho de Asseguração Razoável, que permita uma ex-pressão positiva da conclusão do auditor; e

- De Revisão, que é o Trabalho de Asse-guração Limitada, que leva a uma forma ne-gativa de expressão da conclusão do auditor.

e) Princípios Éticos e Normas de Controle de Qualidade:

Os auditores independentes subme-

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tem-se às disposições do Código de Ética Profissional do Contabilista do CFC – CEPC e das demais normas profissionais.

f) Condições para a Aceitação do Trabalho de Asseguração pelo Auditor

O auditor somente pode aceitar um tra-balho de asseguração quando possa cumprir com as exigências éticas e os requisitos de independência e competência profissional e o trabalho exigido pelas normas.

g) Ceticismo profissionalO auditor planeja e executa o trabalho

de asseguração com atitude de ceticismo pro-fissional, reconhecendo que podem existir cir-cunstâncias que façam com que a informação sobre o objeto contenha distorções relevantes.

h) MaterialidadeA materialidade é sempre importante, em

especial quando o auditor determina a nature-za, a época e a extensão dos procedimentos de obtenção de evidência e se a informação sobre o objeto está isenta de distorção, quando com-preende e avalia quais fatores podem influen-ciar as decisões dos usuários previstos.

i) Risco do Trabalho de AsseguraçãoO risco do trabalho de asseguração é o

risco de que o auditor expresse uma conclu-são inapropriada caso a informação sobre o objeto contenha distorções relevantes.

Em geral, o risco do trabalho de asse-guração pode ser representado por:

- o risco da informação sobre o objeto, que consiste em risco inerente que é a susce-tibilidade da informação sobre o objeto a uma distorção relevante, pressupondo que não haja controles relacionados; e risco de contro-le que é o risco de que uma distorção relevan-te possa ocorrer e não ser evitada, ou detec-tada e corrigida, em tempo hábil por controles internos relacionados, mas que sempre exis-tirá em decorrência das limitações inerentes ao desenho e operacionalidade; e

- risco de detecção é o risco de não detectar uma distorção relevante existente.

j) Natureza, época e extensão dos procedimentos de obtenção de evidência

A natureza, época e a extensão dos pro-cedimentos de obtenção de evidência são possíveis infinitas variações nos procedimen-tos de obtenção de evidência. Estas variações

são difíceis de comunicar de forma clara e sem ambiguidade, mas cabe ao auditor tentar comunicá-las de forma clara e utilizar a forma apropriada ao trabalho realizado.

k) Relatório de AsseguraçãoO auditor apresenta relatório contendo

uma conclusão que expresse a segurança obtida acerca da informação sobre o objeto. A conclusão positiva ou sem modificações do auditor pode ser redigida:

- em termos da afirmação da parte res-ponsável (por exemplo: “Em nossa opinião, a afirmação da parte responsável de que os controles internos são eficazes, em todos os aspectos relevantes, de acordo com os crité-rios XYZ, é adequada”); ou

- diretamente em termos do objeto e dos critérios (por exemplo, “Em nossa opi-nião, os controles internos são eficazes, em todos os aspectos relevantes, de acordo com os critérios XYZ”).

O auditor expressa uma conclusão com modificações para trabalho de asseguração quando existirem as circunstâncias que, no seu julgamento, o efeito seja ou possa ser relevante:

- exista limitação no alcance do trabalho. O auditor independente expressa uma conclu-são com ressalva ou uma abstenção de con-clusão, se muito relevante ou disseminada seja a limitação (no segundo caso, tão relevante que não seja adequado apenas a ressalva).

- os casos de conclusão com ressalva ou adversa, dependendo de quão relevante ou disseminada seja a distorção relevante que a conclusão do auditor esteja considerando.

2ª - Controle de Qualidade da Audi-toria de Demonstrações Contábeis

a) Sistema de controle de qualidade, objetivo e função da equipe de trabalho

O sistema de controle de qualidade é de responsabilidade da firma de auditoria que tem por obrigação o estabelecer e manter para obter segurança razoável que a firma e seu pessoal cumprem com as normas pro-fissionais e técnicas e as exigências legais e regulatórias aplicáveis e os relatórios emi-tidos pela firma ou pelos sócios do trabalho são apropriados nas circunstâncias.

b) O sistema de controle de qualida-

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de da firma consiste, por exemplo:- competência do pessoal por meio do

seu recrutamento e treinamento formal;- independência por meio da acumulação

e comunicação de informações relevantes;- manutenção de relacionamentos com

clientes por meio de sistemas de aceitação e continuidade;

- aderência aos requisitos legais e regu-latórios aplicáveis por meio de monitoramento.

c) Revisão de controle de qualidade do trabalho é um processo estabelecido para fornecer uma avaliação objetiva, na data do relatório ou anterior, dos julgamen-tos relevantes feitos pela equipe de traba-lho e das conclusões atingidas ao elaborar o relatório, aplicável a auditoria de DCs de companhias abertas e de outros trabalhos de auditoria para os quais a firma de auditoria independente determinou a necessidade de revisão de controle de qualidade do trabalho.

3ª - Responsabilidade do auditor em relação à Fraude, no contexto da audito-ria das demonstrações contábeis:

a) Responsabilidade pela prevenção e detecção da fraude:

A principal responsabilidade pela preven-ção e detecção da fraude é dos responsáveis pela sua administração e sua governança.

b) Responsabilidade do auditor em detectar fraudes ou erros:

É inevitável o risco de que distorções relevantes podem não ser detectadas, ape-sar de a auditoria ser devidamente planejada e realizada de acordo com as normas de au-ditoria. Temos:

• O risco de não ser detectada uma distorção relevante decorrente de fraude é mais alto do que o risco decorrente de erro, porque a fraude pode envolver esquemas sofisticados e cuidadosamente organizados, destinados a ocultá-la, (falsificação, omissão deliberada, falsas informações ao auditor e, se em conluio, pode levar o auditor a acredi-tar que a evidência é persuasiva, quando, na verdade, é falsa).

• Também influi fatores como a habi-lidade do perpetrador, a frequência e a ex-tensão da manipulação, o grau de conluio, a dimensão relativa dos valores individuais

manipulados e a posição dos indivíduos en-volvidos. É difícil para o auditor determinar se as distorções em áreas de julgamento como estimativas contábeis foram causadas por fraude ou erro.

• O risco do auditor não detectar uma distorção relevante decorrente de fraude da administração é maior do que no caso de fraude cometida por empregados.

c) Objetivo do Auditor Independente quanto à fraude

(a) identificar e avaliar os riscos de distor-ção relevante nas demonstrações contá-beis decorrente de fraude;(b) obter evidências de auditoria suficien-tes e apropriadas sobre os riscos identifi-cados de distorção relevante decorrente de fraude, por meio da definição e implan-tação de respostas apropriadas; e(c) responder adequadamente face à frau-de ou à suspeita de fraudes identificada.

d) Respostas globais aos riscos ava-liados de distorção relevante decorrente de fraude

Ao determinar respostas globais para enfrentar os riscos, o auditor deve:

(a) alocar e supervisionar o pessoal, levan-do em conta o conhecimento, a aptidão e a capacidade dos indivíduos que assumirão;(b) avaliar se a seleção e a aplicação de políticas contábeis pela entidade, em es-pecial as relacionadas com medições sub-jetivas e transações complexas, podem ser indicadores de informação financeira fraudulenta decorrente de tentativa da ad-ministração de manipular os resultados; e(c) incorporar elemento de imprevisibilida-de na seleção da natureza, época e exten-são dos procedimentos de auditoria.

4ª - Relatório do Auditor Independentea) O Relatório do Auditor Indepen-

dente das Demonstrações Contábeis emi-tido pelo auditor é a nova denominação do anterior Parecer do Auditor Independente das Demonstrações Contábeis, que foi am-pliado para melhor definir as responsabilida-des tanto do próprio auditor como também da Entidade responsável pela informação, como também tornar mais claro para o usuá-rio a opinião do auditor nele contida.

b) Relatório do Auditor Independen-

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te com opinião favorável (sem modifi-cações): este relatório, quando de opinião

favorável, passa a ter a seguinte forma ou estrutura:

c) Exemplo de Relatório do Auditor Independente com opinião favorável (sem modificações) sobre auditoria de conjunto completo de demonstrações contábeis elabora-das para fins gerais pela administração da audi-tada, de acordo com as práticas contábeis ado-tadas no Brasil, como apresentado na norma.

RELATÓRIO DO AUDITOR INDEPEN-DENTE SOBRE AS DEMONSTRAÇÕES CONTÁBEIS

Destinatário apropriado Examinamos as demonstrações contá-

beis da Companhia ABC, que compreendem o balanço patrimonial em 31 de dezembro de 20X1 e as respectivas demonstrações do resul-tado, das mutações do patrimônio líquido e dos fluxos de caixa para o exercício findo naquela data, assim como o resumo das principais prá-ticas contábeis e demais notas explicativas.

Responsabilidade da administração sobre as demonstrações contábeis

A administração da Companhia é res-ponsável pela elaboração e adequada apre-sentação dessas demonstrações contábeis de acordo com as práticas contábeis adota-das no Brasil e pelos controles internos que ela determinou como necessários para per-mitir a elaboração de demonstrações contá-beis livres de distorção relevante, indepen-dentemente se causada por fraude ou erro.

Responsabilidade dos auditores in-dependentes

Nossa responsabilidade é a de expres-sar uma opinião sobre essas demonstrações contábeis com base em nossa auditoria, con-duzida de acordo com as normas brasileiras e internacionais de auditoria. Essas normas requerem o cumprimento de exigências éticas

pelos auditores e que a auditoria seja plane-jada e executada com o objetivo de obter se-gurança razoável de que as demonstrações contábeis estão livres de distorção relevante.

Uma auditoria envolve a execução de procedimentos selecionados para obtenção de evidência a respeito dos valores e divul-gações apresentados nas demonstrações contábeis. Os procedimentos selecionados dependem do julgamento do auditor, in-cluindo a avaliação dos riscos de distorção relevante nas demonstrações contábeis, in-dependentemente se causada por fraude ou erro. Nessa avaliação de riscos, o auditor considera os controles internos relevantes para a elaboração e adequada apresenta-ção das demonstrações contábeis da Com-panhia para planejar os procedimentos de auditoria que são apropriados nas circuns-tâncias, mas não para fins de expressar uma opinião (*5) sobre a eficácia desses controles internos da Companhia. Uma au-ditoria inclui, também, a avaliação da ade-quação das práticas contábeis utilizadas e a razoabilidade das estimativas contábeis feitas pela administração, bem como a ava-liação da apresentação das demonstrações contábeis tomadas em conjunto.

Acreditamos que a evidência de audito-ria obtida é suficiente e apropriada para fun-damentar nossa opinião.

OpiniãoEm nossa opinião, as demonstrações

contábeis acima referidas apresentam ade-quadamente, em todos os aspectos relevan-tes, a posição patrimonial e financeira da En-tidade ABC em 31 de dezembro de 20X1, o desempenho de suas operações e os seus fluxos de caixa para o exercício findo naque-

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la data, de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil.

Local, data do relatório, nome, regis-tro no CRC e assinatura do auditor inde-pendente.

d) Relatórios do Auditor Indepen-dente com opinião modificada

As normas traçam critérios para a for-mação da opinião e emissão do relatório do Auditor Independente e consideram, além do relatório favorável já demonstrado, também os com modificações na opinião do auditor.

O relatório do auditor independente deve ser por escrito, e deve o auditor expressar uma opinião não modificada quando concluir que as DCs são elaboradas, em todos os aspectos re-levantes, de acordo com a estrutura de relatório financeiro aplicável. Mas deve modificar a opi-nião no seu relatório de auditoria se:

- concluir, com base em evidência de au-ditoria obtida, que as DCs tomadas em con-junto apresentam distorções relevantes; ou

- não conseguir obter evidência de audi-toria apropriada e suficiente para concluir se as DCs tomadas em conjunto não apresen-tam distorções relevantes.

e) Os tipos de opinião modificada, segundo o texto da norma NBC TA 705.

“Opinião com ressalvaO auditor deve expressar uma opinião

com ressalva quando:(a) tendo obtido evidência de auditoria apropriada e suficiente, conclui que as dis-torções, individualmente ou em conjunto, são relevantes, mas não generalizadas nas DCs; ou(b) não consegue obter evidência apropria-da e suficiente de auditoria para suportar sua opinião, mas ele conclui que os possí-veis efeitos de distorções não detectadas, se houver, sobre as DCs poderiam ser re-levantes, mas não generalizados.

Opinião adversaO auditor deve expressar uma opinião

adversa quando, tendo obtido evidência de auditoria apropriada e suficiente, conclui que as distorções, individualmente ou em conjunto, são relevantes e generalizadas para as DCs.

Abstenção de opiniãoO auditor deve abster-se de expressar

uma opinião quando não consegue obter evi-dência de auditoria apropriada e suficiente para suportar sua opinião e ele conclui que os possíveis efeitos de distorções não detec-tadas, se houver, sobre as DCs, poderiam ser relevantes e generalizadas.

Também deve abster-se de expressar uma opinião quando, em circunstâncias ex-tremamente raras envolvendo diversas in-certezas, o auditor conclui que, independen-temente de ter obtido evidência de auditoria apropriada e suficiente sobre cada uma das incertezas, não é possível expressar uma opinião sobre as DCs devido à possível in-teração das incertezas e seu possível efeito cumulativo sobre essas DCs.”

f) A decisão sobre que tipo de opi-nião modificada é apropriada depende da:

natureza do assunto que deu origem à modificação, ou seja, se as DCs apresen-tam distorção relevante ou, no caso de im-possibilidade de obter evidência de auditoria apropriada e suficiente, podem apresentar distorção relevante; e opinião do auditor so-bre a disseminação dos efeitos ou possíveis efeitos do assunto sobre as DCs.

Generalizado é o termo usado, no con-texto de distorções, para quantificar os efei-tos disseminados de distorções sobre as DCs ou os possíveis efeitos de distorções sobre as DCs que não são detectados, se houver, devido à impossibilidade de obter evidência de auditoria apropriada e suficiente. Efeitos generalizados sobre as DCs são aqueles que, no julgamento do auditor:

- não estão restritos aos elementos, contas ou itens específicos das DCs;

- se restritos, representam ou poderiam representar uma parcela substancial das DCs;

- em relação às divulgações, são funda-mentais para o entendimento dos usuários.

g) Tabela prática sobre os tipos de opinião do Auditor:

A NBC TA 705 apresenta tabela a se-guir, que demonstra como a opinião do au-ditor sobre a natureza do assunto que gerou a modificação, e a disseminação de forma generalizada dos seus efeitos ou possíveis efeitos sobre as demonstrações contábeis, afeta o tipo de opinião a ser expressa.

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h) Exemplos de Relatórios do Auditor Independente com Opinião Modificada:

O Relatório do Auditor Independente com opinião modificada deve conter um pa-rágrafo que forneça a descrição do assunto que deu origem à modificação, o qual deve estar colocado imediatamente antes do pa-rágrafo da opinião, utilizando o título “Base para opinião com ressalva, ou adversa ou para abstenção de opinião”.

São exemplos da NBC TA 705 dos dois parágrafos finais do relatório com opinião modificado das normas:

“1º - Relatório do Auditor Indepen-dente com Opinião com Ressalva:

Base para opinião com ressalvaOs estoques da Companhia estão apre-

sentados no balanço patrimonial por $ xxx. A administração não avaliou os estoques pelo menor valor entre o custo e o valor líquido de realização, mas somente pelo custo, o que representa um desvio em relação às práticas contábeis adotadas no Brasil. Os registros da Companhia indicam que se a administra-ção tivesse avaliado os estoques pelo menor valor entre o custo e o valor líquido de rea-lização, teria sido necessário uma provisão de $ xxx para reduzir os estoques ao valor líquido de realização. Consequentemente, o lucro líquido e o patrimônio líquido teriam sido reduzidos em $ xxx e $ xxx, respectiva-mente, após os efeitos tributários.

Opinião com ressalvaEm nossa opinião, exceto pelos efei-

tos do assunto descrito no parágrafo Base para opinião com ressalva, as demonstra-ções contábeis acima referidas apresentam

adequadamente, em todos os aspectos re-levantes, a posição patrimonial e financeira da Companhia ABC em 31 de dezembro de 20X1, o desempenho de suas operações e os seus fluxos de caixa para o exercício fin-do naquela data, de acordo com as práticas contábeis adotadas no Brasil.

2º - Relatório do Auditor Indepen-dente com Opinião Adversa:

Base para opinião adversaConforme explicado na Nota X, a Com-

panhia não consolidou as demonstrações contábeis da controlada XYZ, que foi adquiri-da durante 20X1, devido não ter sido possível determinar os valores justos de certos ativos e passivos relevantes dessa controlada na data da aquisição. Esse investimento, por-tanto, está contabilizado com base no custo. De acordo com as normas internacionais de relatório financeiro, a controlada deveria ter sido consolidada. Se a controlada XYZ tives-se sido consolidada, muitos elementos nas demonstrações contábeis teriam sido afeta-dos de forma relevante. Os efeitos da não consolidação sobre as demonstrações con-tábeis não foram determinados.

Opinião adversaEm nossa opinião, devido à importância

do assunto discutido no parágrafo Base para opinião adversa, as demonstrações contá-beis consolidadas não apresentam adequa-damente a posição patrimonial e financeira consolidada da Companhia ABC e suas con-troladas em 31 de dezembro de 20X1, o de-sempenho consolidado das suas operações e os fluxos de caixa consolidados para o

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exercício findo em 31 de dezembro de 20X1 de acordo com as normas internacionais de relatório financeiro.

3º - Relatório do Auditor Indepen-dente com Abstenção da Opinião:

Base para abstenção de opiniãoO investimento da empresa no empreen-

dimento XYZ (localizado no País X e cujo con-trole é mantido de forma compartilhada) está registrado por $ xxx no balanço patrimonial da Companhia ABC, que representa mais de 90% do seu patrimônio líquido em 31 de de-zembro de 20X1.

Não nos foi permitido o acesso à admi-nistração e aos auditores da XYZ, incluindo a documentação de auditoria do auditor da XYZ. Consequentemente, não nos foi possível de-terminar se havia necessidade de ajustes em relação à participação proporcional da Compa-nhia nos ativos da XYZ, que ela controla em conjunto, assim como sua participação propor-cional nos passivos da XYZ pelos quais ela é responsável em conjunto, e sua participação proporcional nas receitas, despesas e nos ele-mentos componentes das demonstrações das mutações do patrimônio líquido e dos fluxos de caixa do exercício findo naquela data.

Abstenção de opiniãoDevido à relevância do assunto descrito

no parágrafo Base para abstenção de opinião, não nos foi possível obter evidência de audi-toria apropriada e suficiente para fundamen-tar nossa opinião de auditoria. Consequente-mente, não expressamos uma opinião sobre as demonstrações contábeis acima referidas.”

i) Os Parágrafos de Ênfase e de Outros Assuntos no Relatório do Auditor Independente:

Quando necessário relevante chamar a atenção dos usuários sobre assuntos relevan-tes contidos nas DCs para o seu melhor en-tendimento ou mesmo de assuntos não apre-sentados ou divulgados, o auditor acrescenta após o parágrafo de sua opinião, sob os títu-los parágrafo de ênfase e de outros assuntos, respectivamente, para fazer a comunicação adicional de forma clara no seu relatório.

É exemplos de Parágrafo de Ênfase apresentado na norma:

“Chamamos a atenção para a Nota X às demonstrações contábeis, que descreve a incerteza relacionada com o resultado da ação judicial movida contra a Companhia pela Empresa XYZ. Nossa opinião não con-tém ressalva relacionada a esse assunto.”

j) Outros parágrafos específicos:As normas e comunicados técnicos

apresentam diversas questões especiais que envolvem relatórios específicos, ou com a in-clusão de informes ou de parágrafos espe-cíficos no relatório do auditor independente como, por exemplo, os casos que seguem:

- de auditorias de DCs elaboradas de acordo com estruturas conceituais de Conta-bilidade para propósitos especiais;

- de auditorias de quadros isolados das DCs e de elementos, contas ou itens especí-ficos das DCs;

- de Demonstrações Contábeis Con-densadas;

- o Relatório de Revisão dos Auditores Independentes.

k) Casos específicos nos Relatórios do Auditor Independente de 31.12.2010 no Brasil:

Foram emitidos Comunicados Técnicos 02, 07, 08 e 09 pelo CFC originados no IBRA-CON, para atender a exigências específicas da legislação societária e de regulamentação dos Órgãos Supervisores de Mercados no Brasil, especificamente BCB e SUSEP.

9. Conclusão:O exame deste processo de convergên-

cia das Normas Brasileiras de Contabilidade relativas à auditoria independente para os pa-drões internacionais, as Normas Internacionais de Auditoria e Asseguração emitidas pela IFAC (International Federation of Accountants), as melhores práticas internacionais em matéria regulatória da espécie é matéria muito ampla.

Ressalta aos sentidos dos pesquisadores que ocorreu uma substituição de um conjunto de normas específico a um tipo de assegura-ção, conhecido como auditoria das demons-trações contábeis, pequeno, prático e muito objetivo, mas incompleto, por outro muito mais amplo, com base teórica, mas também prático e objetivo e bem mais completo.

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O foco atual são os trabalhos de pres-tação de serviços de asseguração prestados por firmas de auditoria independente e não só a auditoria de demonstrações contábeis, in-cluindo também a revisão de demonstrações contábeis; outros trabalhos de asseguração e mesmo serviços correlatos que não de asse-guração de informação contábil.

Caracterizam-se por apresentar os cri-térios a serem observados pelos auditores nos seus trabalhos, mantendo o foco que se trata de princípios a serem seguidos nas atuações dos profissionais que mantêm a sua capacidade de julgamento para deci-dir. Todavia, além das normas ou princípios propriamente ditos, estas normas trazem, anexas a elas, uma série de orientações e exemplos, que facilitam substancialmente a aplicação dos princípios enfocados nas nor-mas. Em termos de comparação das normas técnicas, somente se pode fazer alguma comparação naquilo que for atinente à au-ditoria das demonstrações contábeis, onde fica claro que o processo agora apresentado nas novas normas convergidas é pratica-mente completo, enquanto que o conjunto anterior de normas era incompleto, embora prático e objetivo.

A lamentar é que este processo, pela urgência de tempo, foi pela tradução literal de normas e isto trouxe elevado prejuízo ao seu entendimento. Salta aos olhos a neces-sidade de que estas normas sejam reescri-tas na língua portuguesa falada e escrita no Brasil, muito mais rica e que facilitará o seu entendimento.

Cabe ressaltar que até o término deste trabalho acadêmico, somente uma obra foi editada e disponibilizada aos profissionais e acadêmicos: Manual de Auditoria e Revisão de Demonstrações Financeiras, de autoria de Cláudio Gonçalo Longo, da FIPECAFI, pela Editora Atlas, SP, 2011. Salienta-se ainda que a referida obra, de excelente qua-lidade, restringe-se à auditoria e revisão das demonstrações contábeis, não abrangendo os demais trabalhos de asseguração e por serviços correlatos.

Os pontos deste conjunto que foram realçados são a norma relativa à Estrutura

Conceitual para Trabalho de Asseguração, que nos dá o referencial teórico que abran-ge, além da asseguração de informações contábeis, também sobre outros pontos de importância para a auditoria independente, de forma indireta ou mesmo direta, como a eficácia de controles internos e de gerencia-mento de riscos como objeto em si de asse-guração; a norma sobre o controle de quali-dade: a norma sobre a responsabilidade do auditor quanto à fraude e as normas sobre o novo Relatório do Auditor Independente que substitui o anterior Parecer do Auditor Inde-pendente, bem mais transparente e com-preensível, onde constam inúmeros exem-plos para os mais diversos casos possíveis de ocorrência na atividade profissional.

Assim, sob o ponto de vista acadêmico, é matéria nova e muito ampla para estar in-tegralmente absorvida tanto pelos docentes como pelos discentes, devendo, pela sua complexidade e volume, bem como a exigên-cia de profissionais preparados para atender o mercado crescente e demandante deste tipo de atividade, transformar-se em uma alterna-tiva de especialização a ser muito procurada.

ReferênciasATTIE, William. Auditoria, Conceitos e

Aplicações. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.

BERGAMINI JUNIOR, Sebastião. Con-troles Internos como um Instrumento de Go-vernança Corporativa, Revista do BNDES, V. 12, N. 24. pág.149-188, dez.2005.

BOYNTON, JOHNSON e KELL. William C., Raymond N. e Walter G. Auditoria. Tra-dução de José Evaristo dos Santos, São Paulo: Atlas, 2002.

IBRACON/IASCF, Instituto dos Audito-res Independentes do Brasil e Internacional Accounting Standards Commmitee Founda-tion. Normas Internacionais de Relatório Financeiro (IFRSs). SP. 2008.

IFAC - International Federation of Ac-coutants. Normas Internacionais de Audi-toria. Ibracon. SP. 2007.

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IUDÍCIBUS, MARTINS, GELBKE e SANTOS, Sérgio, Eliseu, Ernesto Rubens e Ariovaldo. Manual de Contabilidade Socie-tária, Fipecafi. São Paulo: Atlas, 2010.

LONGO, Claudio Gonçalo. Manual de Auditoria e Revisão de Demonstrações Fi-nanceiras. Fipecafi. São Paulo: Atlas, 2011.

Sites- Conselho Federal de Contabilidade:

www.cfc.org.br- Conselho Regional de Contabilidade

do RGS: www.crcrs.org.br- Instituto dos Auditores Independentes

do Brasil: www.ibracon.com.br

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Diferenciação ou necessidade na Certificação ISO 9001: uma análise em duas

empresas agroindustriais Alexandre de Melo Abicht1

Alessandra Carla Ceolin2

Augusto Ormazabal de Faria Corrêa Paulo3

Rodrigo Ramos Xavier Pereira4

Tania Nunes da Silva5

Resumo: O presente estudo de caso foi realizado em duas organizações agroindus-triais, a AGCO do Brasil Comércio e Indústria Ltda. e a Tecno Moageira S/A, tratando-se de um estudo de caso de natureza exploratória e descritiva, que objetivou analisar os motivos pelos quais essas organizações implementaram a certificação ISO 9001, em torno da seguinte problemática: qual o real interesse da certificação ISO 9001 nestas empresas agroindustriais? Para este artigo, a revisão da literatura abordou temas como certificação, diferenciação e competitividade, exigências legais e de mercado. Após a análise e interpretação dos dados obtidos na revisão da literatura e visitas de campo, foram delimitados os motivos que levaram à implementação da certificação ISO 9001 por essas organizações, mostrando as suas dificuldades, adaptações e benefícios que a certificação lhes proporcionou. Por fim, o estudo demonstrou que a certificação ISO 9001 não é apenas uma diferenciação de mercado mas, acima de tudo, uma necessi-dade vital para a sobrevivência dessas organizações, sendo que para obter êxito na sua implementação é necessário o envolvimento de todas as pessoas que as compõem.

Palavras-chave: Certificação ISO. Agronegócios. Agroindústria. Qualidade.

Abstract: The present case study was carried out in two organizations agroindustries, to AGCO of Brazil Commerce and Ltd Industry. and to Tecno Moageira S/TO, treating of a case study of descriptive and exploratory nature, that planned to analyze the mo-tives by the which those organizations implemented the certification ISO 9001, around the following problematic one: Which the real interest of the certification ISO 9001 in these companies agroindustries? For this article, the revision of the literature appro-ached subjects as certification, differentiation and competitiveness, lawful demands and of market. After analysis and interpretation of the facts obtained in the revision of the literature and visits of field, were delimited the motives that caused to the imple-mentation of the certification ISO 9001 by those organizations, showing his difficulties, adaptations and benefits that the certification provided them. Finally, the study showed that the certification ISO 9001 is not barely a differentiation of market, but above all, a vital need for the survival of those organizations, being that for obtain success in her implementation is necessary the involvement of all the persons that compose them.

Key-words: Certification ISO. Agribusiness. Agroindustry. Quality.

(1) Administrador e Mestre em Agronegócios – CEPAN/UFRGS. Professor do curso de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre e da UNISC – [email protected] (2) Analista de Sistemas e Pós-doutoranda em Agronegócios – CEPAN/UFRGS (CEPAN-UFRGS) – [email protected] (3) Advogado e Mestre em Agronegócios – CEPAN/UFRGS (CEPAN-UFRGS) – [email protected](4) Médico Veterinário e Mestre em Agronegócios – CEPAN/UFRGS. Professor da UFPI (UFPI) - [email protected](5) Socióloga e Doutora em Administração. Professora do PPGA-UFRGS – [email protected]

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1. IntroduçãoAo longo do tempo, a evolução da eco-

nomia mundial vem inserindo uma série de desafios aos setores produtivos de diversas áreas. O acirramento da concorrência mun-dial, num mercado globalizado, cada vez mais aberto, afeta diretamente as indústrias, inclusive as agroindústrias, incluindo seus produtos e serviços.

Assim, a adoção de uma norma de qualidade pode ser entendida como um di-ferencial, uma estratégia, uma vantagem competitiva ou simplesmente uma necessi-dade de mercado para a sobrevivência das organizações ou a expansão dessas. Uma das normas mais conhecidas e reconhecidas mundialmente é a ISO 9001.

Perante a Internacional Organization for Standardization (ISO), aproximadamente 157 (cento e cinquenta e sete) países estão nela representados, por intermédio de asso-ciações nacionais de normalização técnica e de qualidade (ISO, 2007). O Brasil é repre-sentado através da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A norma não é destinada a um produto ou a uma indústria específica, objetivando orientar a adoção de sistemas de qualidade.

Segundo ABNT (2007), a implantação de um sistema de gestão da qualidade re-presenta a obtenção de uma importante ferramenta, que possibilita a otimização de diversos processos dentro da organização e evidencia, também, a preocupação com a melhoria contínua dos produtos e serviços fornecidos.

É disseminado que as empresas optam pela ISO porque vislumbram inúmeras possi-bilidades para reduzir seus custos internos, além de satisfazer as exigências dos clientes por ser um diferencial de marketing e uma grande ferramenta gerencial. Certificar o sis-tema de gestão da qualidade garante uma série de benefícios à organização, como ganho de visibilidade frente ao mercado e a possibilidade de exportação para mercados mais exigentes, ou ainda, o fornecimento para clientes que objetivam comprovar a ca-pacidade de manutenção das características dos seus produtos e serviços.

Para UNIVAP (2007), a ISO é reconhe-cida e respeitada internacionalmente. Caso a organização possua a certificação, seus clientes terão a tranquilidade de que os pro-dutos da empresa possuem nível de quali-dade superior, o que lhe confere vantagem mercadológica.

A certificação ISO 9001 demonstra que o sistema de qualidade da empresa encon-tra-se estruturado, conforme os padrões in-ternacionais, ou seja, as atividades relativas à fabricação de um produto, ou realização de um serviço, submeteram-se a um rigoroso controle de qualidade, mesmo que as carac-terísticas do produto ou serviço não atendam o que os clientes esperam.

É, também, neste contexto, que as or-ganizações brasileiras buscam desenvolver suas competências. Um exemplo disto acon-tece nas organizações agroindustriais, como a AGCO do Brasil Comércio e Indústria Ltda. e a Tecno Moageira S/A, ambas certificadas com a norma de qualidade ISO 9001.

Através de uma análise exploratória e descritiva, esse artigo objetiva verificar se as organizações AGCO e Tecno Moageira im-plementaram a certificação ISO 9001 como uma ferramenta de diferenciação, ou se o fizeram apenas por se tratar de uma necessi-dade imposta pelo mercado, principalmente o internacional. Ainda, este artigo tem como objetivos específicos expor o panorama da certificação ISO 9001, avaliando sua aplica-bilidade nas empresas, além de contribuir com informações e experiências para que novas organizações também possam obter essa certificação.

Além desta primeira seção, a introdu-ção, o presente artigo é composto por mais 4 (quatro) seções. Na segunda, realiza-se uma revisão da literatura sobre as certificações, em especial a ISO 9001 e seu ambiente de aplicação nas organizações, seguido por di-ferenciação de mercado e competitividade, exigências legais e mercadológicas. Na ter-ceira seção está descrito o método utilizado para construção desse artigo. Na quarta se-ção, apresenta-se a análise e interpretação de dados, bem como os resultados obtidos. Por fim, são tecidas algumas considerações

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finais e apresentadas as referências que fun-damentam o desenvolvimento deste estudo.

2. Revisão da LiteraturaNesta seção é apresentada a revisão da

literatura acerca do tema certificação para se analisar a importância da implementação ISO no contexto de empresas agroindustriais.

2.1. CertificaçãoNesta seção são apresentados alguns

aspectos a respeito do histórico da certifica-ção, em especial da ISO 9001 e de suas apli-cações nas empresas.

2.1.1. Histórico da CertificaçãoO final da década de 1980 foi marcado

por diversas mudanças políticas e econômi-cas, principalmente em relação à abertura dos mercados. Novas organizações de ori-gem estrangeira, com elevado avanço tecno-lógico, ingressaram no Brasil. Também, esta abertura proporcionou às empresas brasilei-ras exportarem seus produtos, sendo que para isso ocorrer, foi necessário que as con-formidades de qualidade desses seguissem uma certificação internacional.

Segundo ISO (2007), no início da dé-cada de 1990, a certificação ISO surgiu no Brasil como uma revolução em termos de qualidade. Pertencente a uma organização não governamental europeia, a Internatio-nal Organization for Standardization, se-diada em Genebra, na Suíça, a ISO possui a missão de aprimorar o desempenho da normalização e das atividades relacionadas no mundo inteiro, com objetivo de facilitar a troca internacional de bens e serviços, e o desenvolvimento da cooperação nas esferas intelectual, científica e tecnológica.

O termo ISO possui origem grega, sen-do oriundo da palavra “igual”, devido a sua ideia de uniformidade, padrões corretos de qualidade, também tendo como objetivo a sua pronúncia idêntica em três línguas dife-rentes, o inglês, o francês e o russo.

Umeda (1996) conceitua ISO sob três aspectos, considerando como normas orga-nizadas:

• resultados dos requisitos de qualidade

apresentados pelo comprador ao fornecedor; • normas formadoras de um sistema da

qualidade, onde deverão ser constituídas por um sistema próprio, sendo assim, efetuada a sua padronização e também possuindo a exigência da execução, tendo o objeto direto, não sendo constituído do produto em si;

• a manutenção do sistema exige a rea-lização de auditorias internas, necessitando uma comprovação registrada.

Genericamente, a certificação ISO exi-ge das empresas que demonstrem a sua capacidade para atender às exigências de seus clientes.

No mundo inteiro, há um elevado nú-mero de órgãos de certificação do sistema da qualidade, sendo denominados como as “organizações certificadoras da ISO”. Es-tes órgãos são responsáveis pela auditoria do sistema de qualidade da empresa, reco-mendando-o para registro após aprovação. Drummond (1998) considera que a organi-zação necessita ter capacidade para obter base nas provas satisfatórias de padrões de qualidade com o intuito de haver clareza nos: sistemas, procedimentos e métodos; sis-temas de comunicação; atribuição das res-ponsabilidades; documentação dos sistemas procedimentos; controle de documentação e procedimentos para a implementação; trei-namento nas aptidões do trabalho e do ge-renciamento da qualidade.

O processo de implementação da cer-tificação, muitas vezes, pode tornar-se mo-roso, podendo levar cerca de 2 (dois) anos para sua adaptação. Este tempo poderá ser mais longo devido à necessidade de uma mudança cultural em algumas organizações.

Durante a certificação, a organização é submetida às diversas auditorias onde se verificam vários aspectos, tais como: levan-tamentos na organização, padronização dos procedimentos e a elaboração de manuais; ocorrência de auditorias internas e correções dos problemas apontados por ela. Por fim, ocorre a certificação baseada em diversas pré-auditorias e a auditoria final.

Ressalta-se, também, que mesmo após a certificação devem ser realizadas periodi-camente diversas auditorias, onde é verifica-

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do se todos os processos estão em conformi-dade. Caso contrário, a certificadora poderá suspender, ou até mesmo cassar a certifica-ção da organização aditada.

2.1.2. Certificação ABNT NBR ISO 9001: 2000

A série 9000 da certificação ISO surgiu em 1987, com a finalidade básica de criar padrões para práticas de qualidade, formando uma cul-tura de melhoria contínua em uma organiza-ção. O estabelecimento das normas constrói práticas para uma empresa atender plenamen-te os requisitos de qualidade do cliente. A ISO 9000 é considerada um roteiro para a seleção e o uso das demais normas desta série.

A ABNT NBR ISO 9001: 2000 (ISO 9001) tem como base a qualidade, como um modelo para garantia desta no projeto, de-senvolvimento, fabricação, montagem e as-sistência técnica. A versão atual do padrão ISO 9001 apresenta uma imensa melhoria sobre as versões anteriores. O foco agora está no controle gerencial dos processos, para que estes processos atendam às ex-pectativas dos clientes (BVQI, 2007).

A norma ISO 9001 se diferencia da ISO 9002 e 9003 devido a sua abrangência e complexidade maior. Baéz (1993, p. 195) comenta a diferenciação da 9001 com as demais, que a “abrangência das ações de administração da qualidade, que pode ser maior ou menor; as ações de controle de qualidade não são mencionadas, por supor--se especificadas em normas técnicas de produtos ou requisitos do cliente e por serem independentes da seletividade do sistema da qualidade empregado”.

Esta normalização deve ser aplicada nas organizações que precisam garantir to-dos os fatores de sua produção, iniciando pelo projeto e finalizando na assistência téc-nica. Os 20 (vinte) requisitos da norma 9001, conforme ISO (2007), são: responsabilida-de da administração; sistema de qualidade; análise crítica de contrato; controle de proje-to; controle de documentos e dados; aquisi-ção; controle de produto fornecido pelo clien-te; identificação e rastreabilidade do produto; controle do processo; inspeção e ensaios;

controle de equipamentos de inspeção, medição e ensaios; situação de inspeção e ensaios; controle de produto não conforme; ação corretiva e ação preventiva; manuseio, armazenamento, embalagem, preservação e entrega; controle de registros de qualidade; auditorias internas da qualidade; treinamen-to; serviços associados; e, finalmente, técni-cas estatísticas.

2.1.3. Aplicação nas OrganizaçõesPor um longo período, antes das priva-

tizações e da internacionalização dos mer-cados, a indústria metal mecânica, principal-mente as que fabricavam seus produtos sob encomenda, tinham no governo seu principal cliente. Como a demanda era garantida, não houve por parte das empresas uma grande preocupação em melhorar a eficiência de seus processos produtivos, desenvolvimento de novas tecnologias e incremento em sua capacidade gerencial.

A partir dos anos 1990, no início do go-verno Collor, foi editada a Medida Provisória (MP) 158, que associava a política industrial aos objetivos estratégicos do governo de elevação do salário real de forma sustenta-da e de promoção de maior abertura e des-regulamentação da economia, promovendo uma ruptura da política industrial vigente nas décadas anteriores, ao deslocar seu eixo central de preocupação da expansão da capacidade produtiva para a questão da competitividade (GUIMARÃES, 1996). Com esta abertura para a competição mundial, a indústria brasileira começou a passar por um processo de reestruturação.

Neste processo de reestruturação, as empresas buscaram se destacar e diferenciar de suas concorrentes. Nos últimos anos, os conceitos de gerenciamento com qualidade têm sido adotados por um número crescente de empresas, tanto de pequeno como médio e grande porte, aumentando a pressão por melhorias constantes destas empresas e de suas concorrentes.

Usualmente, a exigência da certificação ISO se justifica de várias formas, tais como: melhor imagem junto aos clientes, tanto na-cionais como internacionais; mais facilidade

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da empresa gerenciar seu processo produti-vo e administrativo, desenvolvimento de no-vas tecnologias; maior envolvimento de seus colaboradores nos resultados da empresa e maior comprometimento da empresa no que se refere a aspectos de questões ambientais entre outros.

Bido (1999) observou que há ganhos concretos para a empresa certificada por ISO 9000 e que estes ganhos estão princi-palmente ligados à padronização nos pro-cessos, com uma tendência de melhoria contínua dos mesmos.

De acordo com Roth (1998), a implemen-tação do certificado ISO 9000 traz impactos e mudanças para as empresas que o adotam, e os benefícios auferidos superam as adversi-dades advindas com a certificação. Pode-se observar, também, que a técnica é um bom instrumento para adequação às exigências dos clientes e a pressão da concorrência.

Segundo Amorin, Ramos e Gonzalez (2006), o sistema ISO 9000 contribui forte-mente na satisfação do cliente em relação à qualidade, à disponibilidade e marca dos pro-dutos e serviços ofertados. Já na opinião dos gerentes, as variáveis mais significativas são a cultura organizacional, utilização dos ativos da empresa e retorno sobre o capital empregado.

2.2. Diferenciação de Mercado e Competitividade

Conforme Bido (1999), para se atingir as metas de qualidade e de redução de cus-tos de produção, além de investir em tecno-logia, é necessário que as empresas adotem a qualidade como estratégia de longo prazo.

Para Garvin (1992), a coexistência de várias abordagens relacionadas ao conceito de qualidade permite entender os posiciona-mentos, muitas vezes conflitantes do pessoal de marketing, engenharia e produção, ou seja:

• Marketing - com visão no cliente, tem como qualidade superior o melhor desem-penho, características reforçadas e outros aperfeiçoamentos que aumentam os custos.

• Engenharia e Produção - visão no pro-

cesso, com enfoque em especificações e to-lerâncias, com o objetivo principal de reduzir custos.

Ainda para Garvin (1992), a empresa pode tirar proveito dessas visões múltiplas, uma vez que cada definição de qualidade isoladamente possui falhas de amplitude, ou pontos cegos, e as empresas devem utilizar esta multidisciplinaridade para obter vanta-gem competitiva e diferenciais de mercado.

Uma das exigências para as empre-sas deve ser o aumento da capacidade para competir. Qualquer organização, indepen-dentemente da sua área de especialização, deve construir e manter o lastro de credibi-lidade perante os mercados, nacional e in-ternacional, com o oferecimento de produtos reconhecidamente de qualidade (requisitos de saída compatíveis com os de entrada) e exigência no cumprimento de contratos. Po-de-se afirmar que o aumento da capacidade para competir corresponde à expansão da credibilidade da organização junto ao mer-cado.

Lobato (2002, p. 82) afirma que “vive-mos numa era de rápidas transformações e a competitividade se tornou a marca registrada nos últimos anos”. Assim, é necessário co-nhecer, sentir e acompanhar a dinâmica das transformações para se obter e se sustentar vantagem contínua sobre os concorrentes.

De acordo com Porter (1998), as em-presas, para obterem vantagem competitiva, podem focar um determinado nicho de mer-cado, serem líderes de custo, ou diferenciar seus produtos, sendo que uma das formas de diferenciação é a busca pela qualidade to-tal, que tem como uma de suas ferramentas principais a certificação ISO 9001.

Segundo o Diretor da Certificação de Produtos do BVQI1, Walter Laudísio, a cada novo ano, a demanda por produtos certifi-cados vem crescendo, principalmente para aquelas empresas que pretendem exportar seus produtos.

Uma observação importante é que quan-to mais empresas adquirem certificações,

1 BVQI significa Bureau Veritas Quality International. A partir de 1º de janeiro de 2007, possui novo nome comercial “Bureau Veritas Certification”. Os certificados que foram emitidos anterior a esta data, que ainda estão ativos, continuarão válidos.

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mais aumenta a pressão sobre as empresas que não as possuem. Dessa forma, voluntária2 ou compulsória3, as empresas estão buscando a certificação ISO 9001 por questão de com-petitividade, de diferencial de mercado ou por exigências de seus clientes e fornecedores.

Com isso, a qualidade gerada pela cer-tificação assumiu um importante papel, tor-nando-se uma ferramenta estratégica para as organizações que buscam um diferen-cial competitivo, por meio da demonstração da capacidade de gestão eficaz sobre os dados gerados, através da implementação de novos conceitos e princípios, e uma pró--atividade na tomada de decisões gerenciais objetivas e diferenciadas.

Segundo BVQI (2007), do ponto de vista de competitividade e diferencial de mercado, pode-se afirmar que a aplicação da ISO 9001 resulta em uma maior habilidade para revisar, desafiar e mudar opiniões e decisões, com maior capacidade de identificar oportunidades de melhorias, dirigi-las e priorizá-las. Também, gerando respostas mais flexíveis e rápidas às oportunidades oferecidas pelo mercado, bem como: oportunidades internas advindas de um monitoramento estruturado de produtos e processos; maior integração e adaptação dos processos que melhor contribuem para a ob-tenção dos resultados desejados.

2.3. Exigências de Mercado e Exi-gências Governamentais (Legais)

O mercado globalizado, cada vez mais competitivo, tem exigido esforços constantes das organizações, estimulando-as a desen-volver estratégias mais sofisticadas para ob-ter melhoria contínua e, assim, sobreviver à real necessidade de mudança dos clientes e/ou à presença dos concorrentes.

Além do mercado, a presença mais efetiva dos órgãos reguladores torna a im-

plementação de um sistema de gestão da qualidade, peça fundamental para garantir o atendimento a todos os requisitos existentes e aos novos que surgem a todo o momento.

Para Politec (2004) possuir certificação ISO 9001 tem sido uma obrigação posta às organizações para inscrição e participação em licitações. A entidade que representa o Brasil perante os comitês-membro da ISO é a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), instituição de utilidade pública, de acordo com a Lei Federal 4.150, de 21 de novembro de 1962.

A demanda por um modelo de gestão da qualidade levou as organizações a bus-carem na certificação ISO 9001 a forma mais prática de se organizar e enfrentar seus de-safios. Conforme INMETRO (2005), no ca-minho para a certificação, as organizações necessitam dos mais diversos serviços, des-tacando-se: serviços de treinamento, servi-ços de consultoria e serviços de certificação.

As empresas necessitam certificar seus produtos por dois fatores principais: o primei-ro é devido à avaliação de conformidade de seus produtos, que pode ser compulsória ou voluntária; o segundo fator está relacionado a barreiras técnicas comerciais4.

Neste cenário, a avaliação da confor-midade torna-se uma importante estratégia para assegurar ao mercado a qualidade dos bens e serviços oferecidos. Para as organi-zações que buscam implantar sistemas de gestão da qualidade e obter, posteriormente, a certificação ISO 9001, a adequada sele-ção, bem como a precisa definição da abran-gência dos trabalhos a serem desenvolvidos, é a forma mais eficaz para se alcançar os ob-jetivos pretendidos (INMETRO, 2005).

Desse modo, a fim de que as empresas possam atender as exigências impostas pelo mercado, dentre alguns requisitos solicita-

2 A Avaliação de Conformidade Compulsória é obrigatória para a comercialização do produto no mercado brasileiro a partir de instru-mentos legais emitidos por um organismo regulador do Governo, com o propósito de preservar a integridade do consumidor em aspectos que dizem respeito à sua saúde, segurança e ao meio ambiente (BVQI, 2007)3 A outra modalidade de avaliação da conformidade é a voluntária, que ocorre quando um fabricante ou prestador de serviço tem como objetivo agregar valor a sua marca (BVQI, 2007).4 Em 1986 estabeleceu-se no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) um acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comé-rcio (TBT). Como uma consequência da globalização e o fortalecimento da OMC, as barreiras tarifárias vêm sendo continuamente reduzidas mundialmente e, consequentemente, o comércio entre os países é cada vez mais regulado por meio de barreiras técnicas comerciais. Um aspecto muito importante do TBT é induzir os membros da OMC a utilizarem normas internacionais como base para seus regulamentos técnicos (BVQI, 2007).

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dos, há a necessidade de que elas adotem a ISO 9001, a qual primeiramente proporciona abertura de mercados (nacional e internacio-nal) e, também, a capacitação para participar em concorrências e licitações. Nesse último caso, com raríssimas exceções, o contexto é definido por organizações certificadas ISO 9001. Logo, perder a certificação significa perder a capacidade para competir.

A ISO 9001 foi desenvolvida como um conjunto coerente de “normas de sistema de gestão da qualidade, as quais foram projeta-das para se complementarem mutuamente”. Além do comprometimento da alta adminis-tração, o sistema de gestão da qualidade, com requisitos definidos na ISO 9001, esta-belece que “a organização deve continua-mente melhorar a eficácia do sistema de ges-tão da qualidade por meio do uso da política da qualidade, objetivos da qualidade, resul-tados de auditorias, análise de dados, ações corretivas e análise crítica pela direção” (PO-LITEC, 2004).

3. MétodoEsse artigo caracteriza-se por ser um

estudo de caso de natureza exploratória e descritiva, onde são analisadas duas orga-nizações do setor agroindustrial em torno do tema certificação ISO 9001.

Para Santos (2000), um estudo de caso é a seleção de um objeto de pesquisa restri-to, com o objetivo de aprofundar os aspectos característicos desse, cujo objeto pode ser qualquer fato ou fenômeno individual, ou um de seus aspectos.

Yin (2001) pondera, também, que um estudo de caso é uma investigação empí-rica acerca de um fenômeno contemporâ-neo dentro do contexto de realidade. E, Gil (1999) afirma que um estudo de caso pode ser utilizado tanto em pesquisas explorató-rias quanto descritivas e explicativas.

A pesquisa exploratória tem como prin-cipal objetivo, prover a compreensão do pro-blema enfrentado pelo pesquisador (MALHO-TRA, 2001). Ainda, conforme Santos (2000), a pesquisa exploratória é quase sempre feita como levantamento bibliográfico, entrevistas com profissionais que estudam ou atuam na

área pesquisada, visitas a web sites etc. Por conseguinte, Cervo e Bervian (2002) consi-deram que, para a realização dos estudos exploratórios, não há necessidade de que existam hipóteses para serem testadas, pos-suindo foco somente na definição dos seus objetivos e buscando informações além do assunto que está sendo estudado.

Conforme Gil (1999), a pesquisa descriti-va busca primordialmente descrever as carac-terísticas de determinada população ou fenô-meno e estabelecer possíveis relações entre variáveis. Para esse autor, algumas pesquisas descritivas vão além da simples identificação da existência de relações entre as variáveis, pretendendo determinar a natureza desta re-lação. Nesse caso, há uma pesquisa descriti-va aproximando-se da explicativa.

Por outro lado, também de acordo com Gil (1999), há pesquisas que, embora defini-das como descritivas, a partir de seus objeti-vos, acabam servindo mais para proporcionar uma nova visão do problema, o que as apro-xima das exploratórias. Após esta primeira aproximação (pesquisa exploratória), o inte-resse é descrever um fato ou fenômeno. Por isso a pesquisa descritiva é um levantamento das características conhecidas, componentes do fato/fenômeno/problema. É normalmente feita na forma de levantamentos ou observa-ções sistemáticas do fato/fenômeno/problema escolhido (SANTOS, 2000).

Inclui-se, no grupo de pesquisa descriti-va, as pesquisas que têm por objetivo levan-tar as opiniões, atitudes e crenças de uma população a respeito de uma determinada situação, auxiliando na definição de sua na-tureza. Não tem compromisso de explicar os fenômenos que descreve, embora sirva de base pata tal explicação. Uma pesquisa descritiva envolve técnicas padronizadas de coletas de dados, como questionários e ob-servação sistemática.

Segundo Santos (2000), a coleta de da-dos significa juntar informações necessárias ao desenvolvimento dos raciocínios previs-tos nos objetivos. Gil (1999) aponta que uma forma de coleta de dados pode ser através da realização de entrevistas. Para esse au-tor, a entrevista é uma forma de interação

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social, um diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informação.

Para atingir o objetivo geral desse ar-tigo, que é verificar a razão pela qual as or-ganizações AGCO e Tecno Moageira imple-mentaram a certificação ISO 9001, seguiu-se as etapas descritas a seguir.

Inicialmente, o presente trabalho con-siste ser um estudo de caso de natureza exploratória em torno do tema certificação, abordando temas como diferenciação e com-petitividade, exigências de mercado e gover-namentais, bem como a certificação propria-mente dita, especialmente a ISO 9001.

Após essa etapa, realizaram-se visitas de campo em duas organizações do setor agroindustrial, a fim de realizar coleta de da-dos através de entrevistas. Essas entrevistas foram estruturadas com 10 (dez) questões abertas aplicadas através de um questioná-rio às pessoas das áreas gerenciais das or-ganizações estudadas.

As visitas ocorreram no dia 31 de mar-ço de 2007. A primeira delas foi à AGCO do Brasil Comércio e Indústria Ltda., apre-sentada pelos Srs. Nadir Spironel, consul-tor com mais de 20 (vinte) anos de serviços prestados à empresa, e Eduardo Souza Fi-lho, gerente de marketing dessa organiza-ção. A segunda organização visitada foi a Tecno Moageira S/A, a qual foi apresentada pelo Sr. Edmundo Neves Jr., um dos direto-res da organização.

Outra forma de coleta de dados utiliza-da na realização da pesquisa foi através da visita aos web sites das organizações e ma-teriais adicionais de apoio, fornecido pelas organizações estudadas.

Por último, efetuou-se a análise e inter-pretação das informações obtidas de modo a obter os resultados que serviram para a construção e fechamento desse artigo, in-cluindo indicações para trabalhos futuros.

4. Visita de CampoNesta seção são apresentadas infor-

mações sobre as empresas AGCO do Bra-sil Comércio e Indústria Ltda e Tecno Moa-geira S/A.

4.1. AGCOA AGCO do Brasil Comércio e Indústria

Ltda. (AGCO) é uma organização multina-cional que fabrica e distribui equipamentos agrícolas para o mundo inteiro, que iniciou suas atividades em 1990 e no Brasil, na ci-dade de Canoas, em 1996. É disposta de um pensamento inovador, possuindo um conglo-merado de marcas, e tem como sua marca principal a Massey Ferguson. Possui mais de 3.600 (três mil e seiscentas) concessionárias inseridas em mais de 140 (cento e quaren-ta) países, que efetuam a comercialização de seus produtos. Conforme AGCO (2007), a missão da companhia é: “crescimento sus-tentável através do atendimento ao cliente, inovação, qualidade e comprometimento su-periores”, consolidando, assim, sua constan-te preocupação com o aperfeiçoamento da qualidade.

A AGCO foi a primeira empresa de máquinas agrícolas a obter a certificação do seu sistema de qualidade na norma ISO 9001:1994, no ano de 1994. Mantendo sua postura de pioneirismo na área de cer-tificações, a AGCO foi certificada na ISO 9001:2000, em 2003, reformulando seus pro-cessos de gestão, tornando-se mais eficien-te e reforçando seu foco no cliente (AGCO, 2007). Este certificado foi emitido pela BVQI para as plantas físicas de Canoas e Santa Rosa, ambas no estado do Rio Grande do Sul, com validade até 21 de outubro de 2008.

4.2. Tecno MoageiraA Tecno Moageira S/A iniciou suas ati-

vidades em 1966. É uma empresa de cunho familiar, tendo como objetivo principal a pro-dução de máquinas e equipamentos para moinhos e silos de cereais. Entretanto, atua como fornecedora de equipamentos para movimentação e preparo de granéis sólidos em geral: cimento, minérios, cereais, farelos e outros mais.

Durante anos, esta organização atuou exclusivamente no mercado nacional, porém há alguns anos iniciou a sua expansão ao mercado internacional. Para atender prin-cipalmente as exigências internacionais, a Tecno Moageira implementou um setor de

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eletroeletrônico, atuando nas áreas de distri-buição de energia elétrica, além de controle, supervisão e automatização industrial.

Para a TECNO (2007), sua missão é a de “fornecer soluções mecatrônicas de bai-xo impacto ambiental e com valor superior percebido, para movimentação e preparo de granéis sólidos”. A organização é regida pela política de qualidade: “atender às necessida-des e expectativas de nossos clientes, cola-boradores, acionistas e comunidade, através de inovações e melhoria contínua de nossos processos, produtos e serviços.”

A Tecno Moageira foi certificada na ISO 9001 em 15 de janeiro de 2007 pela certi-ficadora DQS do Brasil Ltda., sendo a ho-mologação realizada pela The International Certification Network (IQN). A organização pretende consolidar esta norma, antes de buscar novas certificações.

5. Análise e Interpretação das Infor-mações

O primeiro ponto observado foi verifi-car a real necessidade de obtenção de cer-tificação ISO 9001 e se essa estaria acom-panhada de outras certificações. Ambas as organizações afirmaram que a adequação às normas de certificação originou-se das exigências de mercado, principalmente do internacional, a fim de garantir processos de produção mais adequados à exportação e conquista de novos mercados.

A AGCO possui uma série de certifica-ções, inclusive outras normas ISO. Essa or-ganização foi pioneira em seu setor e apro-veitou-se do fechamento de uma de suas fábricas na Inglaterra, que teve parte de seus equipamentos e sua produção transferidos para a planta de canoas, para reorganizar--se e instituir a ISO 9001, em 1994. Como estratégia de aprimoramento contínuo, a AGCO entende que a certificação é de suma importância, uma vez que pretende manter e conquistar novas certificações.

Já para a Tecno Moageira, a conquista da ISO 9001 é mais recente. Embora a orga-

nização ainda não se sinta tão exigida no que diz respeito à certificação, demonstra bastan-te interesse nos benefícios que essa têm tra-zido, principalmente no que tange a facilidade de verificação dos métodos nos seus proces-sos produtivos. No curto prazo, essa organi-zação não almeja implementar novas normas ISO, mas está motivada à consolidação des-ta, antes de buscar novas certificações.

O segundo ponto analisado foi verificar como ocorreu o processo de implementação das normas de certificação ISO 9001 nas duas organizações.

No caso da Tecno Moageira, houve uma reestruturação prévia dos processos internos de produção, uma vez que a maio-ria dos seus colaboradores detinha larga experiência nas atividades desenvolvidas e sentia-se motivada a cooperar em benefício da implementação da ISO. Em vista disso, a organização sentiu-se segura a dar início ao processo de certificação, o qual foi conquis-tado em janeiro de 2007. Com o intuito de consolidar esta certificação, todos os proces-sos encontram-se disponíveis aos colabora-dores através de material impresso exposto nas instalações físicas da organização.

Ao que se refere à AGCO, a certifica-ção ISO 9001 foi uma inovação previamente apresentada a seus colaboradores, através de palestras motivacionais, de reuniões de trabalho, da realização de cursos com com-pensação de carga horária, além do uso de ferramentas como intranet para divulgação do projeto e motivação de seus colaborado-res, com o objetivo de reduzir o impacto da implementação de uma norma de qualidade, a qual altera os principais processos das em-presas, além da cultura e do clima organiza-cional. Outra metodologia utilizada foi através da inserção de multiplicadores5 nas equipes de trabalho e da verificação periódica de re-sultados, com o intuito de minimizar a resis-tência à mudança evitando a rejeição e con-quistando a cooperação dos colaboradores.

Outro ponto analisado, o terceiro, diz res-peito ao método de escolha de fornecedores

5 Multiplicadores são colaboradores das organizações que realizam cursos e que têm experiência e conhecimento acerca de um determinado tema e que são escolhidos para repassarem este conhecimento aos demais colegas da organização.

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e parceiros. Nesse, observou-se um consen-so entre as duas organizações em optar por empresas certificadas e, apesar de não ser uma exigência formal, esse fator é relevante na seleção de novos fornecedores. Porém, o fato do mercado apresentar um número limi-tado dessas empresas reduz a possibilidade de abastecer-se apenas de produtos oriun-dos de fornecedores com certificação.

Em continuidade, o quarto ponto anali-sou os efeitos positivos percebidos em de-corrência da implementação da ISO. Consta-tou-se em ambas as organizações, segundo os colaboradores entrevistados, que a imple-mentação da ISO 9001 proporcionou inúme-ros benefícios, quais sejam, maior qualidade e confiança percebidas pelos clientes em seus produtos e, em consequência disso, maior satisfação e fidelidade dos mesmos; produção mais focada na demanda, o que garantiu redução de estoques e melhor cus-tomização, conforme o perfil de seus consu-midores. Os entrevistados relataram, ainda, que houve melhorias consideráveis no pro-cesso produtivo, principalmente no que diz respeito à comunicação e no controle do sis-tema, diminuição no desperdício de materiais na produção e aproveitamento inadequado dos recursos humanos e, por fim, um aperfei-çoamento no pós-venda através do sistema de rastreabilidade de peças e produtos.

O quinto e último ponto analisado pro-curou resgatar a experiência das organi-zações pesquisadas no que diz respeito à necessidade e tramitação do processo de certificação ISO 9001, como referencial às outras organizações que almejam obter esse tipo de certificação.

Nesse sentido, foi reportado por essas organizações que é fundamental obter algum tipo de certificação, que a ISO 9001 tem se mostrado muito mais uma necessidade que um diferencial competitivo, pois para se in-serir, se manter e buscar novos mercados, esta certificação é cada vez mais exigida, principalmente para a organização que de-seja exportar.

Os entrevistados também recomenda-ram às empresas, que pretendem obter a ISO 9001, a necessidade de um bom plane-

jamento, pois o processo é bastante com-plexo e não permite margens para erros ou amadorismos, buscando apoio junto a seus colaboradores, envolvendo-os, motivando-os e apresentando os resultados conquistados.

6. Considerações finaisAo final da elaboração deste trabalho,

pôde-se fazer algumas considerações a res-peito dos principais objetivos e vantagens da certificação ISO 9001.

Na análise dos resultados desse artigo, observou-se que a certificação ISO 9001 tem atingido de forma considerável sua finalidade proposta. Isso foi comprovado pelo referencial teórico, onde se verificou que vários textos corroboram com a ideia de que a certificação ISO 9001 traz retornos positivos para as orga-nizações. Essa constatação ocorreu, também, por meio de entrevistas e visitas técnicas.

Observou-se que a adoção da ISO 9001 não é encarada somente como um diferen-cial de mercado, mas também, como um item fundamental para a sobrevivência das orga-nizações e conquista de novos mercados.

Com relação ao projeto de implemen-tação da certificação ISO 9001 por parte da AGCO e Tecno Moageira, constatou-se a preocupação em envolver seus colabora-dores. Isso não é um elemento totalmente novo, uma vez que a literatura menciona que a área de recursos humanos é uma das mais importantes no ambiente organizacional. Contudo, cabe ressaltar a extrema importân-cia de dispor de pessoas motivadas que se sintam parte importante do processo. Foi o que se observou em ambas as organizações.

Para ter sucesso na implementação da ISO 9001, certamente são necessárias pessoas experientes, bem instruídas e infor-madas, identificadas com a organização e, principalmente, motivadas em buscar novos espaços e conquistas.

Outra análise interessante refere-se ao fato das organizações pesquisadas não exi-girem, ou ao menos, incentivarem, com mais afinco, que seus fornecedores possuam cer-tificação ISO 9001. Desse modo, entende-se que uma empresa operando com processos de montagem pode ter a qualidade de seu pro-

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duto final comprometida, uma vez que alguns desses fornecedores não são certificados.

No mesmo sentindo, e de acordo com a revisão literária anteriormente citada, ob-servou-se que quanto mais empresas obti-verem certificações de qualidade ISO, mais aumentará a pressão sobre aquelas que não as possuírem. Somando-se a isso, os entre-vistados afirmaram que a certificação ISO será um requisito fundamental para aquelas organizações que pretendam fazer parte do mercado global e que, futuramente, seus parceiros e fornecedores também deveriam adequar-se às normas de qualidade.

Na presente pesquisa utilizou-se, prin-cipalmente, as percepções dos entrevistados das organizações analisadas quanto aos re-sultados e benefícios da implementação ISO 9001. Não há novidade no que se refere ao mercado externo em relação às exigências dos clientes internacionais quanto à certifica-ção ISO 9001. No entanto, é necessário veri-ficar junto aos clientes do mercado nacional, tanto pessoas físicas como jurídicas, quais as impressões sobre esta certificação, qual seu entendimento sobre o assunto e até que ponto considera-se parâmetro fundamental, para a decisão de adquirir equipamentos produzidos por estas empresas. Esta é uma das sugestões para futuros trabalhos.

Outra sugestão destina-se às organiza-ções que desejam implementar a ISO 9001. Deve-se elaborar um planejamento para certificação bastante minucioso, envolvendo seus colaboradores desde o início do pro-cesso, que esteja contemplado na estratégia geral dessas organizações.

Poucos foram os trabalhos encontra-dos que avaliam os benefícios ou impactos produzidos pela certificação em empresas agroindustriais. Este é um tema que ainda pode ser muito explorado, tanto na visão dos clientes – pessoas físicas ou jurídicas –, na-cionais ou internacionais, como na visão de seus gestores.

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Ciências Tecnológicas

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Avaliação das características do Lago Guaíba realizada na ETA José Loureiro da Silva, em

Porto Alegre, RSCarlos Atalla Hidalgo Hijazin1

Adriene Maria Sampaio Pereira2

Resumo: Uma estação de tratamento de águas (ETA) tem por objetivo condicionar as características da água bruta, isto é, água como encontrada na natureza, a fim de atender à qualidade necessária a um determinado uso. O controle de qualidade do manancial (Lago Guaíba) foi realizado a montante da ETA José Loureiro da Sil-va (JLS), projetada pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) no município de Porto Alegre, RS; o mesmo se justifica por vários motivos, entre eles destacam-se a caracterização da bacia hidrográfica e o controle dos níveis de toxi-dez que venham a afetar a população ou os seres aquáticos. O objetivo deste artigo é mostrar que os parâmetros de qualidade físicos, químicos e microbiológicos do manancial estudados podem ser avaliados de forma inter-relacionada; além de ser-vir para verificação de suas condições sanitárias na década passada. Dessa forma pode-se verificar se o Lago Guaíba sofreu autodepuração ao longo dos anos, melho-rando suas condições naturais ou se o mesmo encontra-se atualmente em estado de maior eutrofização. Os resultados encontrados mostraram que os parâmetros de qualidade do manancial apresentaram uma relação entre eles e serviram para classi-ficação do manancial levando-se em consideração a Resolução CONAMA 357/2005 e a Deliberação Normativa COPAM 010/86. O manancial não se enquadrou como utilizável para fins de potabilização em alguns meses do ano, pois os valores médios mensais de OD; cor e coliformes totais estiveram fora das especificações exigidas. Foram constatados adequados apenas os parâmetros médios mensais pH, turbidez e cianobactérias, que estiveram dentro do limite da legislação vigente.

Palavras-chave: Tratamento de água. Lago Guaíba. Parâmetros físico-quími-cos. Parâmetros microbiológicos.

Abstract: A water treatment plant (WTP) has for objective to condition the characteris-tics of rude water, that is, water as found in the nature, in order to meet the necessary quality for a particular use. The quality control of the source (Guaíba Lake) was carried out upstream of the WTP Jose Loureiro da Silva (JLS), designed by the Municipal Department of Water and Sewerage (DMAE) in the city of Porto Alegre, RS; the same it is justified for several reasons among them they are distinguished it characterization of the hidrographic basin and the control of the toxidez levels that come to affect the aquatic population or beings. The objective of this article is to show that the physical, chemical and microbiological parameters of quality of the source studied can be eva-luated of interrelated form; beyond serving for verification of its sanitary conditions in the last decade; of this form it can be verified if the Guaíba Lake suffered depuration throughout the years, improving its natural conditions or if the same it meets currently in state of increased eutrophication. The joined results had shown that the parameters

(1) Graduado em Engenharia Química pela PUC/RS. Mestre em Engenharia pela UFRGS. Professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS. E-mail: [email protected](2) Graduada em Engenharia Química pela PUC/RS. Mestre em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental pela UFRGS. Gerente de projetos no Departamento Municipal de Águas e Esgoto de Porto Alegre – DMAE (1984-1987). Atualmente é professora da PUC/RS. E-mail: [email protected]

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of quality of the source had presented a relation between them and had served for classification of the source taking into account Resolution CONAMA 357/2005 and Normative Deliberation COPAM 010/86. The source did not fit as usable for the pur-pose of potabilization in some months, because the monthly mean values of OD, color and total coliforms were out of demanded specifications. It has been found only sui-table parameters monthly average pH, turbidity and cyanobacteria, which were within the limits of current legislation.

Key-words: Treatment of water. Guaíba Lake. Physicochemical parameters. Mi-crobiological parameters.

IntroduçãoA avaliação das características dos ma-

nanciais deve ser considerada como um fator essencial no desenvolvimento das ações dos serviços de abastecimento de água, quer públi-co ou privado, de maneira que a água distribuída aos usuários tenha os padrões de qualidade de-terminados pela legislação vigente do país. De acordo com Di Bernardo et. al. (1999), a prote-ção dos mananciais é invariavelmente o melhor método para assegurar a qualidade da água. O controle de qualidade dos mananciais vem sen-do cada vez mais exigido devido ao crescente aumento populacional e ao rápido comprometi-mento dos mesmos, provocado pelo fenômeno de poluição hídrica. Entende-se por poluição de recursos hídricos qualquer atividade humana que altere as condições naturais das águas su-perficiais ou subterrâneas (Branco,1986). Estas atividades incluem, além da irrigação e da utili-zação doméstica, a navegação, a recreação, o turismo, a produção de hidroeletricidade, a mi-neração e os processos industriais.

No Brasil, grande parte da água bruta utili-zada para abastecimento público é captada de mananciais superficiais e bombeada através de elevatórias e redes adutoras até as Estações de Tratamento de Água (ETAs) onde são adiciona-dos produtos químicos para o seu tratamento.

Para o atendimento da Portaria nº 518, de 25 de março de 2004, do Ministério da Saúde, que trata do controle e vigilância da qualidade da água para o consumo humano e seu padrão de potabilidade no Brasil, é ne-cessário o controle da vazão de água bruta e da eficiência das unidades componentes da Estação de Tratamento de Água. Dessa forma, para uma ETA funcionar de maneira correta, não acarretando problemas tanto do

ponto de vista operacional em suas unidades de tratamento quanto do ponto de vista eco-nômico, é necessário controlar a poluição dos mananciais.

De acordo com Batalha (1977), o manan-cial somente deverá ser classificado como pota-bilizável se o controle físico, químico, bacterio-lógico e hidrobiológico efetuado mostrar que a água do manancial pretendido se enquadra nos padrões fixados e se a inspeção in loco da ba-cia hidrográfica do manancial mostrar que não existem fontes poluidoras capazes de compro-meter a eficácia do tratamento convencional da água e, por extensão, a saúde da população. A esta inspeção visual denomina-se comumen-te inspeção sanitária. Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo avaliar as caracte-rísticas do manancial (Lago Guaíba). O Lago Guaíba é um manancial superficial de 496m2 de extensão formado pelo Rio Jacuí (84,6%), Sinos (7,5%), Caí (5,2%) e Gravataí (2,7%), recebendo também as águas dos arroios situ-ados às suas margens; sua bacia hidrográfica abrange uma área de 2.323,66 km2. Nela está inserida uma população de 1.104.908 habitan-tes, com uma densidade populacional de 475,5 habitantes por km2 (Rossato e Martins, 2001). A avaliação das características do manancial foi realizada na Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS) através da análise de parâmetros como matéria orgânica, temperatura, turbidez, cor, pH, oxigênio dissol-vido (OD) coliformes totais, cianobactérias, clo-rofíceas, diatomáceas, protozoários e rotíferos.

1. Caracterização da Estação de Tra-tamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS)

O trabalho foi conduzido na Estação de

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A coleta, acondicionamento e conserva-ção das amostras, assim como as análises, foram realizados conforme métodos especifi -cados em “Standard Methods for the Exami-nation of Water and Wastewater”, editado pela “American Public Health Association” (Ma-cêdo, 2001). Os valores obtidos das caracte-rísticas analisadas foram comparados com os valores preconizados pela Resolução CONA-MA 357/2005 e pela Deliberação Normativa COPAM 010/86 com o objetivo de verifi car se os parâmetros estão dentro dos padrões acei-táveis pelas legislações mencionadas.

3. Parâmetros microbiológicos A coleta para a análise de coliformes to-

tais do manancial foi realizada manualmente em frascos de vidro borosilicato âmbar com tampa esmerilhada de 500 ml esterilizados previamente em autoclave e com proteção do gargalo e da tampa com envoltório de pa-pel. As amostras foram acondicionadas em recipiente térmico com gelo a temperatura 4 ºC (prazo até 24 horas), e encaminhadas para o Laboratório de Bacteriologia da ETA--JLS. Para as análises hidrobiológicas, os frascos eram igualmente de vidro borosilica-to âmbar de boca larga, porém de 1000 ml. Para a quantifi cação de coliformes totais na água bruta, foi empregado o método de fer-mentação em tubos múltiplos e o resultado foi expresso em org/100 ml.

De acordo com a Portaria nº 518/2004 de 25 de março, do Ministério da Saúde, os coliformes totais (bactérias do grupo colifor-me) são bacilos gram-negativos, aeróbios ou anaeróbios facultativos, não formadores de esporos, oxidase-negativos, capazes de se desenvolver na presença de sais biliares ou agentes tensoativos que fermentam a lactose com produção de ácido, gás e aldeído a 35,0 ± 0,5 ºC em 24-48 horas, e que podem apre-sentar atividade da enzima ß-galactosidase. A maioria das bactérias do grupo coliforme per-tence aos gêneros Escherichia, Citrobacter, Klebsiella e Enterobacter, embora vários ou-tros gêneros e espécies pertençam ao grupo.

Os microorganismos planctônicos ava-liados para água bruta no Laboratório de Hidrobiologia da ETA-JLS e utilizados neste

Tratamento de Água José Loureiro da Silva, (ETA-JLS) (Figura 1) (Figura 2) localizada à margem direita do Lago Guaíba no Bairro Menino Deus, no município de Porto Alegre a 30º 3’ 41.57” de latitude sul, 51º 13’ 25.04” longitude oeste. A ETA-JLS entrou em opera-ção efetiva em 1968, e possui capacidade de recalque de água bruta de 3200 litros de água por segundo, o que representa uma carga de 276.480 m³ por dia. A captação da água bru-ta para ETA-JLS é realizada pela Estação de Bombeamento de Água Bruta (EBAB) Menino Deus sendo realizada por dois dutos de con-creto de 1.700 mm de diâmetro e de 448m de extensão. O sistema de tratamento de água é do tipo convencional. O fl uxograma do pro-cesso é apresentado na Figura 2.

2. Análises físicas e químicas do

afl uenteAs amostras simples de água bruta foram

coletadas manualmente a montante da ETA--JLS, durante os meses de janeiro a dezembro de 1993. As amostras de água bruta foram con-servadas em frascos de vidro âmbar de 1000 ml para a análise turbidez; matéria orgânica, cor, pH. Para análise de OD, os frascos eram de vidro borossilicato com tampa esmerilhada e estreita (pontiaguda), com selo d’água.

Após a coleta das amostras, as mes-mas foram encaminhadas para o Laboratório de Análises Físico-Químicas da ETA-JLS. Os parâmetros físicos- químicos utilizados na avaliação deste trabalho foram: temperatura, turbidez, cor, matéria orgânica, pH e OD.

Figura 1 – Mapa de localização da Es-tação de Tratamento de Água José Lourei-ro da Silva (ETA-JLS).

Fonte: Google Maps (2011)

ETAJLS

LAGO GUAÍBA

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trabalho foram as cianobactérias, clorofíceas e diatomáceas (fitoplâncton) e protozoários e rotíferos (zooplâncton). No Brasil, a pre-sença, em seus mananciais, de microalgas e cianobactérias é um grave problema enfren-tado pelas ETAs que utilizam a tecnologia de tratamento convencional ou filtração direta. Ou seja, dependendo da espécie e do núme-ro de indivíduos, há a redução da duração das carreiras de filtração, comprometendo seriamente a qualidade da água produzida, principalmente devido à liberação de meta-bólicos. Atualmente são conhecidos aproxi-madamente 150 gêneros de cianobactérias, sendo que 46 espécies já foram identificadas como potencialmente tóxicas a vertebrados. (Cunha et. al, 2003).

4. Resultados e DiscussãoDe acordo a parâmetros médios men-

sais de qualidade avaliados para o manan-cial na ETA-JLS verifica-se que a qualidade da água do Lago Guaíba está bastante al-terada, isto pode ser estimado pelos altos valores médios mensais de matéria orgânica (Figura 3); valores acima de 3 mg/L indicam poluição orgânica (AEPAN-ONG., 2010) e pela variação média anual de OD o qual não apresentou em alguns meses do ano (janeiro e novembro) índice satisfatório para o abas-tecimento para o consumo humano, como observa-se na Figura 4.

Figura 2 – Fluxograma do processo convencional de tratamento de água da Estação de Tratamento de Água José Lou-reiro da Silva (ETA-JLS).

Os valores de OD encontrados nestes meses foram inferiores ao limite estipulado pela Resolução CONAMA 357/2005 (OD≥4 mg/LO2).

Figura 3 – Valores médios mensais de Matéria Orgânica durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS).

Fonte: Hijazin e Pereira (1993)

O OD é um parâmetro químico neces-sário na respiração dos microorganismos ae-róbios bem como outras formas de vida. De acordo com Sperling (2005), o OD tem sido utilizado tradicionalmente para a determina-ção do grau de poluição e de autodepuração em cursos d’água. A concentração de OD ao nível do mar, na temperatura de 20 ºC, é de 9,2 mg/LO2. Os valores de OD inferiores ao valor de saturação podem indicar a presença de matéria orgânica e, valores superiores, a existência de crescimento anormal de algas (Weibull, 2001). Von Sperling (2005) afirma que:

[...] com o OD em torno de 4-5 mg/L mor-rem os peixes mais exigentes; com o OD igual a 2 mg/L praticamente todos os pei-xes estão mortos; com OD igual a 0 mg/L tem-se condições de anaerobiose (VON SPERLING, 2005, p. 39).

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Figura 4 – Valores médios mensais de OD durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamen-to de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS).

Fonte: Hijazin e Pereira (1993)

A cor de uma amostra de água está as-sociada ao grau de redução de intensidade que a luz sofre ao atravessá-la, devido à pre-sença de sólidos dissolvidos, principalmente material em estado coloidal orgânico e inorgâ-nico (CETESB, 2010). O método de avaliação da unidade de cor é o da comparação com o padrão de cobalto-platina. Os resultados se expressam convencionalmente em mg Pt/L.

Pela legislação federal em vigor, a re-solução do CONAMA/357 (Art. 16), o valor máximo permissível de cor em uma amostra de água que venha a ser utilizada para con-sumo humano após tratamento convencio-nal ou avançado é de 75 mg Pt/L. Apenas nos meses de abril e outubro, o parâmetro físico cor obedeceu a legislação federal. Os valores médios encontrados nestes meses foram respectivamente 68 mg Pt/L e 40 mg Pt/L (Figura 5).

Os valores médios mensais mais ele-vados deste parâmetro posicionaram-se en-tre 153 mg Pt/L no mês de junho e 155 mg Pt/L em julho (Figura 5). Pode-se observar que os valores médios de matéria orgânica apresentaram-se mais elevados (7,8 mg/L) no mesmo período (Figura 3).

O pH constitui-se também em padrão de classificação dos corpos d’água. O pH da água não deve ser muito ácido para evitar a corrosão de tubulações, nem muito básico, para evitar a deposição de partículas que podem entupir os

encanamentos. De acordo com Azevedo (1987), se o pH da água for inferior a 4,5 significa que a água contém ácidos minerais fortes, não haven-do ácido carbônico (H2CO3) e se o pH da água for superior a 9,0 significa que contém hidróxi-dos, para tais condições considera-se a água imprópria para fins de potabilização. De acordo com Sperling (2005), os processos de oxidação biológica normalmente tendem a reduzir o pH.

Figura 5 – Valores médios mensais de cor durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamen-to de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS).

Fonte: Hijazin e Pereira (1993)

A legislação federal estabelece uma faixa de pH entre 6 a 9 para águas destinadas ao con-sumo humano, mesmos limites impostos pela Deliberação Normativa COPAM 010/86. Assim, a variação média mensal de pH do manancial esteve dentro do limite da legislação vigente.

Figura 6 – Valores médios mensais de pH durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamen-to de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS).

Fonte: Hijazin e Pereira (1993)

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A temperatura desempenha um papel principal de controle no meio aquático, con-dicionado as influências de uma série de va-riáveis físico-químicas. De acordo com que afirma a CETESB (2010):

A elevação da temperatura em um corpo d’água geralmente é provocada por despejos industriais (indústrias canavieiras por exemplo) e usinas termoelétricas. (CETESB, 2010, p.2).

Os valores médios mensais registrados para a temperatura do afluente a montante da ETA-JLS variaram de 14,9 °C a 27,5 °C como apresentada na Figura 8. De acordo com DMAE/CESB (1981), a temperatura apresenta uma rela-ção inversa em relação à solubilidade do oxigênio nas águas doces a pressão normal (760mmHg). Esta afirmação pode ser confirmada observan-do-se os gráficos das Figuras 4 e 7 que apresen-taram relação inversa. Não existe padrão de tem-peratura para classificação dos corpos d’água na Resolução CONAMA 357/2005, apenas padrão de lançamento de efluentes de acordo com o Art.34, §4° dessa resolução:

“Condições de lançamento de efluentes: (...)II - temperatura: inferior a 40 °C, sendo que a variação de temperatura do corpo receptor não deverá exceder a 3 ºC na zona de mistura;”

Dessa forma verifica-se que temperaturas acima de 40 ºC em corpos d’água alteram a na-tureza dos mesmos constituindo-se assim em um indicador de poluição das águas. De acordo com Branco (1986), a faixa de temperatura usual em águas superficiais é de 4 a 30 °C. Os valores mé-dios mensais registrados para a temperatura do manancial variaram diretamente com as estações do ano, atingindo os níveis mais baixos nos meses de junho a setembro, ou seja, no inverno austral.

A turbidez impede a penetração da luz nas camadas mais profundas de um corpo d’água inibindo o crescimento das plantas. O estado de uma água túrbida é decorrente da presença de sólidos em suspensão finamente divididos em estado coloidal tais como partícu-las inorgânicas e de detritos orgânicos, bacté-rias e plâncton em geral (CETESB, 2010).

Figura 7 – Valores médios mensais de temperatura durante os meses de ja-neiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Lou-reiro da Silva (ETA-JLS).

Fonte: Hijazin e Pereira (1993)

A Resolução CONAMA 357/2005 esta-belece o valor de turbidez de até 100UNT para águas doces destinadas ao consumo humano após tratamento convencional ou avançado; acima deste valor o corpo d’água é classifica-do como Classe 4 (águas destinadas à nave-gação e harmonia paisagística) não podendo ser utilizado portanto para este fim. A variação média mensal de turbidez do manancial esteve dentro do limite para consumo humano após tratamento simplificado nos meses de janeiro a novembro (turbidez até 40 UNT) e tratamento convencional (turbidez até 100 UNT) no mês de dezembro de acordo com a legislação vigente.

Figura 8 – Valores médios mensais de turbidez durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS).

Fonte: Hijazin e Pereira (1993)

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Há vários organismos cuja presença num manancial hídrico indica uma forma qualquer de poluição. Usa-se adotar os or-ganismos do grupo coliforme como indica-dores de poluição. As bactérias coliformes são típicas do intestino do homem e de ou-tros animais de sangue quente (mamíferos em geral), e, justamente por estarem sem-pre presentes no excremento humano (100 a 400 bilhões de coliformes por habitante ao dia) e serem de simples determinação, são adotadas como referência para indicar e medir a grandeza da poluição (Almeida, 2005). A densidade média de coliformes totais no afluente da ETA-JLS oscilou en-tre 15.497 org/100 ml em outubro a 34.919 org/100 ml em janeiro. De acordo à Delibe-ração Normativa COPAM 010/86 para os mananciais do sistema público de abas-tecimento recomenda-se que a densidade dos coliformes totais não exceda a média mensal de 20.000 org/100 ml em 80% ou mais de 5 amostras mensais colhidas em qualquer mês.

Observando a Figura 9 verifica-se que apenas nos meses de fevereiro, março e ou-tubro o Lago Guaíba se enquadrou dentro da legislação servindo como água para abaste-cimento público, após tratamento convencio-nal ou avançado (Classe 3).

Este resultado deve ser motivo de preocupação uma vez que os municípios de Porto Alegre, Eldorado do Sul, Guaíba, Barra do Ribeiro; Viamão, Canoas, Sentine-la do Sul, Tapes, Triunfo, Nova Santa Rita, Mariana Pimentel, Sertão de Santana, Ba-rão do Triunfo e Cerro Grande do Sul fazem a captação da água do manancial para o consumo humano e ao longo do lago inú-meros pescadores consomem peixes e têm contato com a água.

Figura 9 – Valores médios mensais de Coliformes Totais durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS).

Fonte: Hijazin e Pereira (1993)

O grupo das cianofíceas ou cianobactérias pertencem ao fitoplâncton e é o mais problemá-tico em mananciais do ponto de vista sanitário. As cianobactérias são organismos procariotos, ou seja, com características de bactérias, porém com um sistema fotossintetizante semelhante ao das algas (vegetais), daí a dupla denomina-ção. Este grupo tem capacidade de crescimen-to nos mais diversos ambientes, porém ocorre preferencialmente em pH variando entre 6,0 e 9,0, temperatura entre 15 e 30 °C (valores óti-mos acima de 25 °C) e alta concentração de nutrientes, principalmente nitrogênio e fósforo (CETESB, 2005). Em um estudo realizado por Tucci (2003), altas florações de cianobactérias, mais especificamente florações de Cylindros-permopsis raciborskii, foram registradas, em altos valores médios de temperatura da água, turbidez e pH. Os valores médios registrados para as cinobactérias do afluente a montante da ETA-JLS variaram de 45 cel/L a 7509 cel/L como apresentada na Figura 11. O mês que apresentou maior floração de cianobactérias foi dezembro; neste mês a temperatura da água, a turbidez e o pH foram favoráveis para o cresci-mento destes microorganismos.

Pela legislação federal em vigor, a resolu-ção do CONAMA/357 (artigo 16), a densidade de cianobactérias é padrão de classificação dos corpos d’água e estabelece o limite de 100.000 cel/ml; para águas Classe 3. Como podemos

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observar no gráfico da Figura 10, a variação média mensal de cianobactérias do manancial esteve dentro do limite da legislação vigente.

De acordo com que afirma a CETESB (2010):

A comunidade fitoplanctônica pode ser utilizada como indicadora da qualidade da água, principalmente em reservatórios e a análise de sua estrutura permite avaliar alguns efeitos decorrentes de alterações ambientais (CETESB, 2010, p.10).

Figura 10 – Valores médios mensais de Cianobactérias durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS).

Fonte: Hijazin e Pereira (1993)

O fitoplâncton em número elevado em mananciais causa redução da vazão de água tratada, aumento de consumo de água para la-vagem dos filtros, paralisações temporárias e, dependendo das espécies de algas, influencia no odor e no sabor da água; sendo necessário a utilização de carvão ativado, ou um outro oxidan-te forte como ozônio, permanganato de potássio ou dióxido de cloro (Hijazin, 1993). A legislação CONAMA 357/2005 não determina concentra-ções limites para diatomáceas e clorofíceas em corpos d’água; no entanto estabelece parâme-tros para substâncias que conferem gosto ou odor (Art.16). Estes devem estar virtualmente ausentes para águas doces potabilizáveis, ou seja, Classes Especial 1, 2 ou 3. Os valores mé-dios mensais mais altos foram registrados para os microorganismos fitoplanctônicos do manan-

cial, clorofíceas e diatomáceas, 48516 org/L e 169274 org/L, ambos no mês de setembro neste mês. Foram verificados odores na água, princi-palmente devido à melosira (diatomácea), por-tanto não cumprindo a legislação vigente. Os va-lores médios mensais mais baixos encontrados para as clorofíceas e diatomáceas foram respec-tivamente 1026 org/L e 12783 org/L. Verifica-se que existe uma correlação entre estes microor-ganismos, conforme mostra a Figura 11. A que-da do fitoplâncton, incluindo as cianobactérias (Figura 10), no mês de julho, pode ser explicada pela diminuição da temperatura do manancial (diminuição da incidência de luz para o desen-volvimento hidrobiológico).

De acordo com que afirma a CETESB (2010):

A comunidade zooplactônica é formada por animais microscópicos que vivem em sus-pensão, sendo protozoários, rotíferos, cla-dóceros e copépodes os grupos dominan-tes de água doce. (CETESB, 2010, p.10).

O zooplâncton vem sendo avaliado como indicador da qualidade da água de lagos e re-servatórios em diversos países e, apesar de existirem algumas propostas de índices para esta comunidade, a maioria deles não é dire-tamente aplicável nos ambientes aquáticos tropicais, onde as espécies exibem diferentes sensibilidade e ocorrência (CETESB, 2010).

Figura 11 - Comparação dos resul-tados das análises de Clorofíceas e Dia-tomáceas durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS).

Fonte: Hijazin e Pereira (1993)

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Os potenciais riscos à saúde humana decorrentes da presença dos protozoários na água de abastecimento tiveram sua expres-são na Portaria Nº 518/2004, que estabelece os padrões de potabilidade da água. Nesse instrumento, a turbidez é parâmetro de natu-reza sanitária, assumindo-se que baixa tur-bidez, por um lado, propicia maior eficiência da desinfecção na eliminação de bactérias e vírus e, por outro, é indicativa da remoção de oocistos de protozoários pela filtração. São recomendados reduzidos valores (0,5 UNT) para água filtrada, “com vistas a assegurar a adequada eficiência de remoção de ente-rovírus, cistos de Giardia spp e oocistos de Cryptosporidium sp” em instalações compos-tas por filtros rápidos.

Os rotíferos são largamente utilizados na agricultura como alimento para formas jo-vens de peixes e crustáceos e destacam-se também como bioindicadores das condições tró ficas das águas; a função detritívora de muitas de suas espécies tem papel depura-dor fundamental em ambientes submetidos à poluição orgânica, sendo seus principais ali-mentos bactérias, ciliados e algas. Também existem espécies parasitas e comensais (Jú-nior, 2007).

Os valores médios mensais mais altos registrados para os protozoários e rotíferos foram, respectivamente, 87263 org/L (mês de maio) e 8883 org/L (mês de outubro) confor-me mostra a Figura 12. O alto valor médio da matéria orgânica encontrado no mês de maio (Figura 3) evidencia um maior lançamento de esgotos acarretando uma alta na quantidade de protozoários neste mês. Os maiores valo-res médios mensais de rotíferos, no mês de outubro, coincidem com os menores valores médios de coliformes totais (Figura 9), o que evidencia uma melhora na qualidade do ma-nancial e comprova a sua utilização como bioindicador de corpos d’agua.

Figura 12 – Comparação dos resulta-dos das análises de Protozoários e Rotíferos durante os meses de janeiro a dezembro de 1993, a montante da Estação de Tratamento de Água José Loureiro da Silva (ETA-JLS).

Fonte: Hijazin e Pereira (1993) ConclusãoDa análise dos resultados obtidos du-

rante os meses de janeiro a dezembro deste trabalho, pode-se concluir que as análises físi-cas, químicas e microbiológicas do Lago Guaí-ba, realizadas na ETA-JLS, apresentaram uma relação entre elas. Os valores de OD; cor e coliformes totais do manancial estiveram fora das especificações, em alguns meses, dos padrões de classificação dos corpos d’água previsto pela Resolução CONAMA 357/2005; ou seja o manancial não se enquadrou como utilizável para fins de potabilização.

Em relação à matéria orgânica do Lago Guaíba, verificou-se que seus níveis estão bem elevados, indicando poluição orgânica ao longo de todos os meses estudados. Os resultados encontrados de pH e turbidez e cianofíceas estiveram dentro do limite da Re-solução CONAMA nº 357/2005. A temperatura do manancial esteve dentro dos limites usuais encontrados em águas superficiais.

Os altos níveis de coliformes totais en-contrados principalmente durante os meses de janeiro, junho a setembro, novembro e dezembro indicam que o Lago Guaíba se en-contra com a qualidade comprometida devido ao lançamento de esgotos, sem o tratamento adequado em termos de matéria orgânica.

O estudo das comunidades fitoplanctôni-cas e zooplanctônicas foram úteis como indi-cadoras da qualidade da água e monitoramen-to dos processos de eutrofização do manacial.

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre • Ano V • Número 9 • Janeiro - Junho de 2011

Referências AEPAN-ONG. – Associação Estrelense

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Comparação entre dois sistemas de energia termossolar para aquecimento da água:

convencional e alternativo de baixo custoAndréa Souza Castro1

Aline Tonial Simões2

Maiara Cecchin3

Resumo: Para que os padrões de consumo da sociedade atual sejam satisfeitos, há necessidade de aumento na produção de diferentes bens de consumo, explora-ção dos recursos naturais e produção de energia. Os combustíveis fósseis não são renováveis e sua queima causa impactos significativos no meio ambiente, com libe-ração de gases que potencializam o efeito estufa e podem ser a causa do fenômeno conhecido como aquecimento global. O sol é uma fonte de energia renovável e seu aproveitamento tanto como fonte de calor quanto de produção de energia elétrica é uma das alternativas mais promissoras para enfrentarmos os problemas energéti-cos. O objetivo deste estudo é comparar o rendimento de dois sistemas de energia termossolar para aquecimento da água, sendo um modelo convencional encontrado no mercado e outro modelo de baixo custo feito de materiais alternativos. Pretende--se desenvolver uma metodologia de cálculo para dimensionar todo o sistema alter-nativo e assim estimular o uso de energia solar para aquecimento da água.

Palavras-chave: Energia solar. Aquecimento da água. Rendimento.

Abstract: For the consumption patterns of today’s society be supplied, there is need for increased production of various consumer goods, natural resources and energy production. Fossil fuels are nonrenewable, and its burning cause significant impacts on the environment, releasing gases that enhance the greenhouse effect and may be causing the phenomenon known as global warming. The sun is a re-newable energy source and its use both as a source of heat and light is one of the most promising alternatives to the energy problems we face. The aim of this study is to compare the efficiency in two thermo power systems for water heating, one of them conventional model found in the market and other low-cost model made of alternative materials. Aim is to develop a methodology for calculating any alternative system size and thus stimulate the use of solar energy for water heating.

Key-words: Solar energy. Water heating. Efficiency.

IntroduçãoO crescimento populacional, unido ao

estilo de vida que incentiva cada vez mais o consumo de produtos industrializados, pode

ser a raiz dos problemas ambientais globais. Para que padrões de consumo sejam satis-feitos, exige-se uma maior produção de di-ferentes bens e, como consequência disso,

(1) Engenheira Agrícola, professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Re-cursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected] (2) Acadêmica do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] (3) Acadêmica do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

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temos uma exploração dos recursos naturais e necessidade de produção de energia.

O uso de energias pós-revolução indus-trial através da queima de combustíveis fós-seis (petróleo, carvão e gás natural) é a prin-cipal causa do aumento da concentração de Gases do Efeito Estufa (GEEs) na atmosfera observado no século XX e início do século XXI (ESPARTA, 2008). Esses combustíveis fazem parte das energias chamadas não renováveis e, conforme Santos (2004), sua queima causa impactos ambientais, como o aumento as con-centrações de Dióxido de Carbono (CO2), Mo-nóxido de Carbono (CO), Dióxido de Enxofre (SO2) etc. Os gases que ficam acumulados na atmosfera impedem que o planeta perca calor pela radiação infravermelha, ocorrendo uma potencialização do efeito estufa e uma deses-tabilização do equilíbrio energético no plane-ta. Assim, pode surgir o fenômeno conhecido mundialmente como aquecimento global.

Em 2000, o setor energético global era responsável por aproximadamente 60% do total das emissões mundiais de GEEs, con-forme tabela I (ESPARTA, 2008).

Tabela 1: Emissões mundiais de ga-ses de efeito estufa em 2000.

*MtCO2e - tonelada métrica de dióxido de carbono equivalente.

Fonte: ESPARTA, 2008, p. 20.

As preocupações causadas pela quei-ma dos combustíveis fósseis estão estimu-lando cada vez mais o uso de outras formas de energia. O estudo de tecnologias que uti-lizam fontes renováveis e limpas surge como uma necessidade para quem preocupa-se em estar preparado para o futuro panorama de utilização de recursos energéticos no pla-neta (SANTOS, 2004).

O sol é uma fonte de energia renovável e seu aproveitamento tanto como fonte de calor quanto de eletricidade é uma das alternativas mais promissoras para enfrentarmos os pro-blemas energéticos. Como os recursos natu-rais encontram-se escassos, e os impactos ambientais são cada vez mais uma preocu-pação global, deve ser incentivada a utiliza-ção de fontes energéticas sustentáveis, bem como pesquisas que contemplem este tema.

O objetivo deste estudo é comparar a efi-ciência de dois sistemas de energia termosso-lar, sendo um modelo convencional encontra-do no comércio e outro modelo de baixo custo construído com materiais alternativos.

Energia SolarA utilização de recursos renováveis pro-

porciona grandes vantagens para um mundo carente de energia, oferecendo alternativas principalmente para países emergentes, cujas taxas de desenvolvimento econômico são seriamente comprometidas pelos altos custos energéticos. O potencial gerado por tais recursos é imenso. Diariamente, a Terra recebe muitas vezes mais energia do Sol do que a consumida sob todas as outras formas (HINRICHS et al., 2010).

Ainda, segundo Hinrichs et al. (2010), atualmente nos setores residencial e comer-cial o aquecimento solar é basicamente utili-zado em piscinas e para obtenção de água quente doméstica. A comercialização de tais sistemas cresce lentamente e de maneira constante, pelo menos 5% ao ano. Os auto-res também afirmam que o Brasil apresenta menores necessidades de aquecimento do que países do hemisfério norte. Entretanto, em razão de uma distribuição de renda de-sigual, apenas um pequeno número de re-sidências e edifícios comerciais e industriais

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utiliza sistemas solares de aquecimento que usem a água quente doméstica para substi-tuir chuveiros, torneiras elétricas e aquece-dores. Um número ainda menor dispõe de sistemas solares passivos1 de aquecimento e resfriamento de ambientes. Conforme La-fay (2005), o sistema passivo direto é o mais comumente utilizado no Brasil, devido à sua simplicidade, uma vez que a água para con-sumo é aquecida diretamente no coletor.

Segundo Krenzinger (2008), o Brasil é um país apto a receber sistemas de conver-são de energia solar, sendo que uma média anual entre 4,7 e 5,7 kWh/m² abrange a qua-se totalidade do território. Ainda segundo o autor, existem consideráveis diferenças no que diz respeito à quantidade de energia captada entre a região sul e norte. Entretanto a radiação solar coletada por mais tempo du-rante o verão na região sul compensa essa diferença na média anual.

Coletores solares para aquecimento de água, por exemplo, permitem gerar calor de forma limpa, com baixos custos operacionais, facilidade e rapidez de instalação (SILVA e SANTOS, 2007). Estes equipamentos captam a energia irradiada pelo sol e convertem esta em calor útil. Os sistemas de aquecimento de água que utilizam energia solar são constituí-dos por coletores solares, reservatórios térmi-cos, reservatórios de água, fonte auxiliar de energia e tubulações (LAFAY, 2005).

Os coletores solares planos são nor-malmente utilizados em aplicações que re-querem um fornecimento de energia que atinja temperaturas de até 100°C. Na figura 1 podemos observar um modelo deste tipo de coletor. Já o esquema de funcionamento é mostrado na figura 2. Neste sistema uma parte da radiação que incide no coletor atra-vessa a cobertura, enquanto que a restante é refletida. A placa absorvedora, de cor preta, é composta de material com boa condução de calor, que absorve a maior parte da radiação que atravessou a cobertura. A energia absor-

vida pela placa é removida pelo fluido que escoa no interior dos tubos que estão em contato térmico com a placa. O movimento do fluido no interior dos tubos se dá por siste-ma de termossifão2, indo até um reservatório térmico (boiler) onde que a água é armaze-nada (LAFAY, 2005).

Figura 1 – Coletor solar para aqueci-mento de água.

Fonte: http://www.soletrol.com.br

Figura 2 – Esquema de um sistema convencional.

Fonte: www.poniwas.com

1 Quando a circulação se dá por termossifão, o sistema é classificado como passivo, e quando a circulação se dá por bombeamento, o sistema é classificado como ativo. Fonte: LAFAY, 2005, p.22.2 A água aquecida fica com massa específica mais baixa e ocupa posições mais elevadas no circuito hidráulico. Este gradiente de temperaturas e gradiente de massas específicas causam circulação natural através dos coletores. Fonte: LAFAY, 2005, p. 22.

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Coletor Solar de Baixo CustoExistem programas e movimentos que

incentivam a utilização de sistemas solares de aquecimento, como a Sociedade do Sol3, que disponibiliza em seu site um projeto de aque-cedor solar de baixo custo. Esses aquecedores têm a mesma função dos coletores tradicionais (aquecer água), mas caracterizam-se por se-rem mais simples, sem cobertura de vidro, mais econômicos, não esquentando a água tanto quanto o coletor solar tradicional. Isto traz três vantagens: reduz as perdas térmicas de todo o circuito de circulação de água, diminui o perigo de a água quente ferir crianças, permite o uso dos dutos de água tradicionais da casa brasileira (PVC - Policloreto de Vinila) para a água quente (Sociedade do Sol, 2011).

O chuveiro então pode ser utilizado como aquecedor de apoio para os dias em que o tempo não permitir elevar a água até a tem-peratura desejada de banho, e isto a um custo praticamente nulo, pois ele já é parte integrante do lar brasileiro (SOCIEDADE DO SOL, 2011). Levando-se em conta que a participação dos chuveiros na demanda em horário de pico va-ria em torno de 25%, chegando a atingir em alguns lugares os valores de 50% (TOLMAS-QUIM, 2003), o aquecedor solar de baixo custo se mostra como uma eficiente alternativa ener-gética e econômica para a população brasileira.

Na figura 3 podemos visualizar o esque-ma que representa um modelo de Aquecedor Solar de Baixo Custo (ASBC).

Figura 3 – Esquema de um sistema alternativo.

Fonte: http://www.sociedadedosol.org.br/

MetodologiaUm sistema de Aquecedor Solar de

Baixo Custo foi construído em uma proprie-dade rural do interior da cidade de Ibiaçá, localizada na região norte do Rio Grande do Sul. O aquecedor solar construído é do tipo sistema passivo direto. Nele a água é aquecida diretamente pelos painéis solares – construídos de Policloreto de Vinila (PVC) pintados com tinta preta fosca – e sua cir-culação é realizada por termossifão. A água quente obtida através do coletor é direcio-nada para o reservatório e posteriormente encaminhada ao chuveiro. A dimensão total dos painéis solares é de aproximadamente 2,3 m² e foi baseada no manual da Socieda-de do Sol (2011).

Para verificação do dimensionamento da área e rendimento das placas, foram pesqui-sados dados de radiação média do mês mais frio de 2010 na região de lagoa Vermelha/RS4, disponíveis no site do Instituto Nacio-nal de Meteorologia – INMET. Foi realizado o cálculo de dimensionamento de uma placa convencional. A área de placas obtidas neste cálculo foi comparada com a área de placas construídas no coletor solar alternativo. Para tal, foram utilizados os seguintes dados:

• volume de reservatório: 310 L,• tempo de funcionamento do coletor:

8 horas/dia,• calor específico da água: 1kcal/kg°C, • temperatura de entrada da água no re-

servatório: 10 °C, • temperatura da saída da água no re-

servatório: 50 °C, • mês mais frio do ano de 2010: junho,• radiação média incidente no mês de

junho de 2010: 2484,72 kcal/m²/dia.A seguir, constam as equações utiliza-

das para o cálculo do dimensionamento dos sistemas:

a) Área da placa convencional para os dados de junho de 2010.

Para o referido cálculo, foram utilizadas fórmulas estudadas por Cruz (2009):

3 http://www.sociedadedosol.org.br/4 A cidade de Ibiaçá não possui estação meteorológica. Foi utilizada a estação de Lagoa Vermelha, por ser a cidade mais próxima com estação meteorológica.

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Onde:Ac = área da placa coletoraIr = radiação incidente junho 2010Ir = 2484,72 kcal/m² (radiação média in-

cidente – junho/2010)nt = eficiência para um determinado tempo tnt = 50%5

Qu = energia total útil transferida ao fluido

Sendo:

Onde:

b) Eficiência da placa alternativaPara o cálculo da eficiência da placa

alternativa, estão sendo medidas desde ja-neiro de 2011 as temperaturas da água do reservatório em três horários do dia. Após a coleta desses valores até julho de 2011, poderá ser atribuída a eficiência da placa al-ternativa para este período. O cálculo dessa eficiência será realizado utilizando-se fórmu-

la que ainda está sendo pesquisada, com base em estudos anteriores sobre o assunto.

Resultados PreliminaresAté o momento já foi realizada a monta-

gem do coletor solar de baixo custo, bem como o cálculo da área da placa convencional utili-zando-se dados de radiação de junho de 2010. Para tal período, a área da placa convencional calculada foi de 9,98 m². Com esse valor será possível verificar se a área de placa construída com materiais alternativos satisfaz a condição de projeto, já que de acordo com os cálculos a área de placa convencional deveria ser aproxi-madamente quatro vezes maior que a construí-da com materiais de baixo custo.

Figura 4 – Coletor solar construído com materiais alternativos.

Figura 5 – Coletor solar construído com materiais alternativos.

Considerações FinaisEspera-se que resultados obtidos ao

término da pesquisa incentivem projetos de

5 Conforme SIQUEIRA, 2009; CRUZ, 2009.

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aproveitamento de energia termossolar vi-sando o aquecimento de água nos diversos ramos da engenharia. Além disso, busca-se apresentar uma alternativa mais barata, tec-nologicamente viável e eficiente de aqueci-mento de água.

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Aplicação de testes não paramétricos e dométodo de Gumbel à série de cotas máximas

anuais do lago GuaíbaAndréa Souza Castro1

Alex Soares de Mello2

Resumo: O objetivo do presente trabalho é verificar a independência, homoge-neidade e estacionariedade da série de cotas máximas anuais do Lago Guaíba através da utilização de testes não paramétricos a um nível de significância de 5%. Além disso, também foi determinado o tempo de recorrência da maior cota da série de dados a partir de 1906 através do método de Gumbel. Para a hipótese nula de que valores anuais de máximos são independentes, foi utilizado o teste de Wald-Wolfowitz que demonstrou ser aceitável esta hipótese, já que o valor da estatística do teste foi T= 1,0168. Para verificação da homogeneidade da série fez-se uso da metodologia proposta por Mann e Whitney. A aplicação deste teste demonstrou que a hipótese nula de que os valores são homogêneos é aceitável com o valor da estatística T= -1,7098. O teste de Spearman demonstrou que a hi-pótese nula de que a série é estacionária não é aceitável, uma vez que T=2,2798. Da aplicação do método de Gumbel resultou que o tempo de retorno do maior valor da série (4,75 m, referente ao evento da Grande Enchente de 1941) é maior que 1.500 anos com risco permissível de 3,20% para um período de 50 anos.

Palavras-chave: Homogeneidade. Independência. Estacionariedade, Tempo de retorno.

Abstract: The aim of this work is to check the randomness, homogeneity and stationarity of the annual maximum gauge height series of the Guaíba Lake, using non-parametric tests with significance level equal to 5%. Besides that, the recur-rence interval was determined for the highest value starting from 1906 through Gumbel distribution. As for the null hypothesis that the values are random, Wald--Wolfowitz test demonstrates that this hypothesis is acceptable, because the sta-tistical test value is T=1,0168. Aiming to check the homogeneity of the series was used the methodology proposed by Mann and Whitney. The application of this test proves that the values of the series are homogeneous given that the statistical test value is T=-1,7098. Spearman test demonstrates that the null hypothesis of statio-nary series is unacceptable because T=2,2798. From application of the Gumbel method has resulted the recurrence interval of the highest value of the series (4,75 m concerning the Great Flood of 1941) is greater than 1500 years and the hydrologic risk of failure equal to 3,20% for a 50 years period.

Keywords: Homogeneity. Randomness. Stationarity. Recurrence Interval.

(1) Engenheira Agrícola, Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Recur-sos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected] (2) Acadêmico do Curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

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1. IntroduçãoUma série hidrológica pode incluir todas

as observações coletadas em um determi-nado intervalo de tempo ou apenas algumas observações quando, nesse caso, trata-se de uma série reduzida. Uma série de valores má-ximos anuais é um exemplo de série reduzida.

A previsão meteorológica não possibili-ta a determinação da precipitação (e, conse-quentemente, da vazão e da cota associada) com muita antecedência, sendo que a pre-visão de longo prazo é estatística (TUCCI, 2002). A qualidade dos resultados obtidos pelo ajuste de uma distribuição estatística dependerá de alguns atributos inerentes aos dados selecionados para esse fim. Segundo Naghettini e Pinto (2007), alguns dos atri-butos desejáveis em uma série hidrológica reduzida para aplicações estatísticas são a independência entre os dados amostrais, ho-mogeneidade e estacionariedade.

Homogeneidade define-se como a ma-nutenção do padrão de variabilidade dos valores em torno de seu valor médio. Como afirmam Lira e Silva (2003), uma série é com-posta por dados homogêneos se o seu regi-me hidrológico não é perturbado por influên-cias naturais ou artificiais. Isto implica que os dados da amostra em qualquer período re-gistrado pertencem à mesma população ou distribuição estatística. Ainda segundo estes pesquisadores, vários aspectos contribuem para a não homogeneidade das séries, tais como modificações naturais (catástrofes ou variações climáticas, por exemplo) e influên-cias antrópicas.

Os testes estatísticos verificam a não homogeneidade das séries; entre eles, os testes não paramétricos são mais conve-nientes, pois apresentam algumas vanta-gens sobre os testes paramétricos (LIRA; SILVA, 2003). A maior vantagem reside no fato de que testes não paramétricos podem ser aplicados mesmo quando a distribuição dos dados não é conhecida, uma vez que não há a necessidade de que os valores da variável estudada tenham distribuição nor-mal ou aproximadamente normal.

Afirmar que os dados amostrais são independentes significa, basicamente, “que

nenhuma observação presente na amos-tra pode influenciar a ocorrência, ou a não ocorrência, de qualquer outra observação seguinte” (NAGHETTINI; PINTO, 2007).

O termo estacionariedade está asso-ciado a uma série de dados cujo comporta-mento probabilístico não varia com o tempo. Como afirmam Naghettini e Pinto (2007):

“Os tipos de não estacionariedades in-cluem tendências, ‘saltos’ e ciclos, ao lon-go do tempo. Em um contexto hidrológico, os ‘saltos’ estão relacionados a alterações bruscas em uma bacia ou trecho fluvial, tais como, por exemplo, a construção de barragens. Os ciclos, por sua vez, podem estar relacionados a flutuações climáticas de longo período, sendo de difícil detecção. As tendências temporais, em geral, estão associadas a alterações graduais que se processam na bacia, tais como, por exem-plo, uma evolução temporal lenta da urba-nização de uma certa área geográfica.”

É possível, através de uma distribuição estatística adequada, determinar o tempo de retorno de uma variável hidrológica, fazendo uso de uma série que possua os atributos ci-tados anteriormente e que seja representativa do universo total de observações possíveis (população amostral). Segundo Castro (2006, apud SILVEIRA, 2004), tempo de retorno é definido como o número médio de anos o qual se espera que o evento analisado seja iguala-do ou superado. O tempo de retorno é funda-mental em uma obra hidráulica, pois definirá o risco de uma falha admissível.

Para o caso do lago Guaíba, as varia-ções dos níveis e as suas probabilidades de ocorrência estão em função de uma série de fatores intervenientes. Estes determinarão a formação da onda de cheia e a maior ou me-nor dificuldade de escoamento para a laguna dos Patos. Como destacado por Guerra [200-],

“os ventos predominantes na região con-ferem ao Lago um regime hidrológico atí-pico. É comum a ocorrência de “vazões negativas” (o escoamento se dá no sentido inverso - de jusante para montante) com reflexos nos seus afluentes, especialmen-te nos rios Gravataí, Sinos e Caí, elevan-

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do o tempo de residência das águas que afluem ao Guaíba.”

No entanto, é conveniente ressaltar que a intensidade da onda de cheia também está associada a precipitações extraordinárias e às condições do solo (maior ou menor capa-cidade de infiltração, que por sua vez está re-lacionada com o número de dias sem chuva anteriores ao evento da precipitação). Outro fator agravante é a chegada, simultânea ou não, das ondas de cheia dos afluentes do Guaíba, já que o lago é o exutório das bacias que compõem a Região Hidrográfica do Gua-íba (Alto Jacuí, Vacacaí, Pardo-Pardinho, Baixo-Jacuí, Taquarí, Caí, Sinos e Gravataí).

Segundo Brasil (1968), a descarga do lago Guaíba é fortemente influenciada pelos estrangulamentos da Ponta da Cadeia e de Itapuã e depende do nível da laguna dos Pa-tos, bem como da intensidade do vento sul, que age represando as águas do Guaíba.

O objetivo do presente artigo é avaliar a série hidrológica dos máximos anuais do lago Guaíba de acordo com sua homoge-neidade, independência e estacionariedade através de testes não paramétricos. Além disso, determinar o tempo de retorno e o ris-co permissível associados à maior cota da série através da distribuição de Gumbel.

2. Dados hidrológicosOs dados utilizados compreendem os

máximos anuais observados no lago Guaíba durante o período de 1899 a 2009, com falha no ano de 1934. De acordo com Brasil (1968), o conjunto das leituras linimétricas realizadas no período de 1899 a 1936 foi cedido pelo arquivo do Departamento Nacional de Por-tos e Vias Navegáveis, extinto em 1975 com a criação da Empresa de Portos do Brasil – PORTOBRÁS. Neste período as leituras eram realizadas pela Secretaria de Obras Públicas. Ainda segundo Brasil (1968), a partir de 1936 as leituras foram realizadas pela Diretoria de Navegação Fluvial. Os dados referentes ao período 1942-2009 foram obtidos junto a Su-perintendência de Portos e Hidrovias.

Todos os dados foram obtidos por me-dições linimétricas feitas no posto da Praça

da Harmonia, cujo “zero” relativo está 29 cm acima do nível médio do mar (BRASIL, 1968) medido pelo marégrafo de Torres. Nesse ponto há divergências, pois segundo SPH [200-], o zero da régua linimétrica da Praça da Harmo-nia está a 23,72 cm abaixo do nível do mar. No entanto, as cotas utilizadas neste artigo não sofreram adição de constante corretiva, toman-do como referência o zero da própria régua.

3. Testes estatísticos utilizadosPara verificar a independência entre os

valores da série foi aplicado o teste de Wald--Wolfowitz. A dependência está fortemente associada ao tempo; quanto menor o intervalo de tempo considerado entre as observações, maior será a dependência verificada entre elas. A independência varia com o intervalo de tempo que separa as observações consecu-tivas da série hidrológica: fraca, para vazões médias diárias, e forte ou total, para vazões médias (ou máximas, ou mínimas) anuais.

A fim de determinar se a série apresenta homogeneidade aplicou-se o teste de Mann--Whitney. Segundo Naghettini e Pinto (2007), esse teste determina, a um nível significân-cia adotado, se os valores que compõem a população pertencem a uma única e idêntica população. Em outras palavras, o teste veri-fica se valores (no caso, os máximos anuais) estariam ou não associados a condições cli-máticas ordinárias.

O teste não paramétrico de Spearman verifica a estacionariedade da série de da-dos. Uma série hidrológica é estacionária se, excluídas as flutuações aleatórias, as obser-vações da amostra não variam em relação à cronologia de suas ocorrências. O termo não estacionariedade é usado para uma série temporal em que o comportamento da pro-babilidade da série varia com o tempo (LIRA; SILVA, 2003 apud HAAN, 1977, p. 277).

4. Distribuição GumbelSegundo Ferraz et al.(1998, apud TUC-

CI, 1993), as principais distribuições de pro-babilidade que se adaptam à análise de even-tos extremos com a finalidade de determinar o período de recorrência são: Log Normal, Pearson tipo III e Gumbel. Neste trabalho foi

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utilizado o método de Gumbel, onde a função cumulativa de probabilidade é dada por:

em que P(X≥X0) denota a probabilidade de que um determinado evento seja maior ou igual ao evento em análise. A variável reduzi-da y é calculada por:

Os parâmetros α e μ são parâmetros da distribuição obtidos com base na média e desvio-padrão dos valores da série. Defi-nem-se por

em que s é o desvio padrão da série de

dados e é a média.

5. Resultados e discussõesNo tocante à aplicação dos testes não

paramétricos à série de dados é importante ressaltar que, por se tratar de testes bilaterais, a decisão de rejeitar a hipótese nula será vá-lida quando o módulo do valor da estatística do teste ultrapassar o valor z da Distribuição Normal correspondente a um nível de signi-ficância pré-estabelecido. Para este trabalho foi adotado nível de significância igual a 5% na aplicação de todos os testes (z=1,96).

Partindo da hipótese nula de que valo-res anuais de máximos são independentes, a aplicação do teste Wald-Wolfowitz corrobo-rou esta hipótese, já que o valor da estatísti-ca do teste foi T= 1,0168.

Para a aplicação do teste de Mann--Whitney se fez necessário dividir a série de dados em duas subamostras. A primeira su-bamostra compreende os valores entre 1899 e 1954 e a segunda subamostra, os demais valores. Os valores são ordenados de acor-do com a sua posição na amostra completa. O teste de Mann-Whitney se baseia na ideia intuitiva de que caso as duas subamostras não forem homogêneas, os elementos da primeira apresentarão ordens de classifica-ção consistentemente mais baixas (ou mais

altas), em relação às ordens de classifica-ção correspondentes à segunda subamos-tra (NAGHETTINI; PINTO, 2007). Este teste demonstrou que a hipótese nula de que os valores são homogêneos é aceitável com o valor da estatística T= -1,7098.

O teste de Spearman demonstrou que a hipótese nula de que a série é estacionária não é aceitável, uma vez que T=2,2798. Isto pode ser estar associado ao processo de ur-banização acelerado no município de Porto Alegre, que apresentou um aumento de 46% na ocupação urbana a partir da década de 70. Este processo acarreta a geração de grandes áreas impermeáveis que interferem nas condições naturais de escoamento e in-filtração. Também é possível citar como al-teração relevante a implantação do sistema Salto no rio Caí, um dos afluentes do lago Guaíba. Segundo FEPAM (1998), o sistema é constituído por quatro usinas hidrelétricas (PCHs) e três barragens de acumulação para transposição de água para o rio dos Si-nos (transposição mínima de 2,1 m3/s).

Através da determinação da probabili-dade de recorrência da maior cota foi possí-vel determinar o tempo de retorno associado ao valor máximo da série e, assim, determi-nar o respectivo risco permissível. Define--se risco permissível como a probabilidade de um evento ser igualado ou ultrapassado em um período de n anos. Segundo Tucci (1993), este conceito leva em conta que uma obra projetada para um tempo de retorno T está exposta anualmente a uma probabilida-de 1/T de falhar, ou seja, o risco de um even-to extremo vir a ocorrer em um período de n anos é maior do que a sua probabilidade de ocorrência em um ano isoladamente. Mate-maticamente é definido como segue

A maior cota da série de dados, cor-respondente a Grande Enchente de 1941, apresentou risco permissível de 13,36% para um período de 50 anos no ano de sua ocor-rência. Relativamente, verificou-se tempo de recorrência baixo neste ano, devido às con-

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dições atípicas observadas. Segundo Assis (1960), naquele ano a precipitação em todo o Estado foi realmente abundante, sendo de 2200 mm a média geral sobre todo o territó-rio. A maior precipitação ocorreu em Canela, que registrou 3013 mm. Para o ano de 2009, o risco permissível é de 3,20% considerando igual período. Na tabela 1 constam os tem-pos de recorrência para a maior cota da série (4,75 m) a partir de 1906.

Tabela 1 – Cotas máximas da série e tempos de retorno da maior cota

A Figura 1 apresenta o ajuste da dis-tribuição Gumbel à série de cotas máximas observadas para o lago Guaíba.

Figura 1 – Ajuste da distribuição Gum-bel às cotas máximas do lago Guaíba. Elabo-rado pelo autor.

6. ConclusõesAtravés da determinação da probabili-

dade de ocorrência da cota máxima da série de dados foi possível determinar os tempos de recorrência ano a ano e, deste modo, de-terminar o risco permissível. Para o ano de 2009, que reflete as condições hidrológicas atuais, o risco permissível para a maior cota da série (4,75 m) é baixo, mas não nulo. Além disso, cotas maiores que 1,85 m (considerada a cota de cheia do lago Guaíba) podem oca-

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sionar prejuízos socioeconômicos nas regiões mais vulneráveis da cidade, o que demonstra a importância do Sistema de Proteção Contras as Cheias, do qual o Muro da Mauá faz parte, sendo ele peça-chave para a prevenção de no-vas enchentes no município de Porto Alegre.

Da aplicação dos testes não paramé-tricos, os resultados demonstram que as observações anuais são independentes, tal como sugerido na literatura e ratificado pela aplicação do teste de Wald-Wolfowitz. Os re-sultados também indicam que todos os valo-res da série pertencem a uma única e idênti-ca população, ou seja, a série é homogênea, tal como foi demonstrado pela aplicação do teste de Mann-Whitney.

Quanto à estacionariedade da série, a aplicação do teste de Spearman demonstrou que a hipótese nula (série estacionária) não pôde ser aceita, o que indica que os valores não são invariantes no que tange à cronolo-gia de suas ocorrências. A não estacionarie-dade da série pode estar associada às alte-rações bruscas que a bacia sofreu ao longo do tempo, como a urbanização e a constru-ção de barragens.

AgradecimentosOs autores agradecem ao Prof. Dr. Mar-

co Antonio Fontoura Hansen e à Superinten-dência de Portos e Hidrovias pelo relevante apoio na obtenção dos dados e pesquisa bi-bliográfica.

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não é rio. Porto Alegre: Oficinas Gráficas da Livraria do Globo, 1960.

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CASTRO, Andréa Souza; AVRUCH, Gol-denfum, Joel. Comparação entre o tempo de

retorno da precipitação máxima e o tempo de retorno da vazão gerada pelo evento. In: CON-GRESO INTERAMERICANO DE INGENIERÍA SANITARIA Y AMBIENTAL, 2006, Punta del Este, Anais... Montevideo: AIDIS, 2006. p.1-8.

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LIRA, Gustavo Arruda Ramalho; SIL-VA, Tarciso Cabral da. Análise dos escoa-mentos superficial e de base na bacia do rio Gramame quanto a sua estacionariedade e possíveis causas antropogênicas. In: CON-GRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 2003, Joinville. Anais... Joinville, ABES, 2003, p. 1-17.

NAGHETTINI, Mauro; PINTO, Éber José de Andrade. Hidrologia estatística. Belo Horizonte: CPRM, 2007.

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db4objects: um sistema gerenciador de banco de dados orientados a objetos

Anderson Corbellini1William Hart Oliveira2

Adriana Paula Zamin Scherer3

Resumo: Os bancos de dados orientados a objeto começaram a ser desenvolvi-dos para atender a uma necessidade relacionada ao armazenamento de tipos de dados cada vez mais complexos, com difícil representação no modelo relacional. Esse artigo tem o intuito de prover uma visão geral do Banco de Dados db4ob-jects (db4o - Database for Objects) explicitando suas diversas funcionalidades.

Palavras-chave: Banco de dados orientados a objetos. db4o.

Abstract: The databases object-oriented development started to attend a need related to storage of data types increasingly complex, with representation in the relational model difficult. This article aims to provide an overview of Database db4objects (db4o - Database for Objects) showing its various features.

Keywords: Object-oriented database systems. db4o.

IntroduçãoO termo Sistema de Gerenciamento

de Banco de Dados Orientados a Objetos (SGBDOO) surgiu por volta do ano de 1985, embora a evolução das primeiras pesqui-sas nessa área tenha começado um pouco mais cedo, em meados de 1970. O primeiro SGBDOO apareceu em 1990 e cresceu de um conceito de persistência em linguagens orientadas a objetos, isto é, uma espécie de memória persistente, de acordo com Date (2000). Em um segundo momento, surgiram os bancos de dados orientados a objetos es-critos totalmente em uma linguagem orienta-da a objetos e, entre eles, está o db4o.

O projeto db4o foi iniciado em 2000, por Carl Rosenberger, e comercializado em 2001. Logo após, cerca de 100 clientes co-merciais pilotos e usuários da comunidade apoiaram fortemente o db4o que foi imple-mentado com sucesso em algumas aplica-ções de missão crítica antes mesmo do seu lançamento comercial, ocorrido em 2004

(1) Acadêmico do curso de Sistemas de Informação da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected](2) Acadêmico do curso de Sistemas de Informação da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected] (3) Mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, RS - Brasil. E-mail: [email protected]

pela recém criada empresa privada Db4ob-jects Inc (db4o: Java & .net object database: company Information, 2010). Em dezembro de 2008, a Versant Corporation adquiriu os ativos de negócio do Banco de Dados Orien-tado a Objeto (BDOO) db4o. Atualmente, usuários e clientes do db4o estão presen-tes em mais de 170 diferentes países, e ele também está inserido em grandes empresas, tais como a Boeing, a BMW, a Bosch, a Intel e a Seagate.

O objetivo deste artigo é prover uma visão geral sobre o BDOO db4o. Para tanto, além desta introdução, o texto está distribuído da seguinte forma: na seção 2 serão abordadas as suas principais carac-terísticas; na seção 3 serão apresentadas algumas aplicações e casos de sucessos de empresas que utilizaram o db4o, des-tacando alguns benefícios descobertos por elas. Por fim, na seção 4 serão apresenta-das as considerações finais acerca deste banco de dados.

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2. CaracterísticasDb4o é um banco de dados orientado a

objetos que foi projetado para aplicações do tipo embarcada em equipamentos e dispositi-vos, para softwares de prateleira executados tanto em desktop como em dispositivos mó-veis, em sistemas de controle de tempo real ou ainda, simplesmente, em sistemas do tipo cliente-servidor, este abordado com mais de-talhes em seguida. É escrito em Java e .NET e fornece as respectivas Applications Program-ming Interfaces (APIs), sendo compatível com qualquer sistema operacional que suporta es-tas linguagens, possibilitando aos desenvol-vedores reduzir o tempo e custo do projeto, al-cançando excelentes níveis de desempenho. Este artigo apresenta os exemplos de códigos da versão para a linguagem Java.

Em Java é possível utilizar em JSE, JEE, JME com reflexão, Servlets e Java We-bStart. Já para .NET, são suportadas as pla-taformas: .Net 1.X, 2.0, CompactFramework, Windows Mobile 5.0 e Mono.

A distribuição completa do db4o é dis-ponibilizada sob duas formas de licença: a de código aberto, licença General Public Li-cense (GPL), que possibilita download gratui-to, avaliação e uso em projetos compatíveis com a licença; e a comercial de runtime para empresas que desejam embutir o db4o em suas aplicações comerciais não GPL (db4o – informações do produto, 2010).

O db4o é um banco de dados de objeto puro e nativo. Segundo Paterson et al. (2006), o db4o armazena objetos de modo direto, sem precisar mudar suas características, algo in-comparável com o modelo de dados relacional que necessita construir uma tabela identifican-do os dados. A diferença entre o armazena-mento relacional e o armazenamento de obje-tos do db4o está apresentada na Figura 1.

Figura 1 – Armazenamento de objetos em Banco de Dados Relacional e no Banco de Dados db4o. Fonte: Machado (2010)

Este BDOO possui vantagens em re-lação aos bancos de dados relacionais, tais como: oferece rapidez em inserções e con-sultas; utiliza pouco recurso computacional; não possui nenhuma linha de código para CRUD (Create, Read, Update e Delete); tem fácil aprendizado e utilização; acesso dire-to ao banco de dados sem precisar utilizar o Mapeamento Objeto-Relacional e é uma única biblioteca de desenvolvimento (.jar/.dll) que se integra facilmente às aplicações e executa de forma altamente confiável e es-calável as tarefas de persistência com ape-nas uma linha de código, não importando a complexidade das estruturas (db4o – infor-mações do produto, 2010). Na Figura 2 é exi-bido um exemplo que mostra a abertura do banco de dados e como persistir um objeto.

Figura 2 – Abrindo o arquivo do banco de dados – db4o.yap – e gravando o objeto equip.

2.1. Detalhando o DB4OO db4o permite o armazenamento das

mais complexas estruturas de objetos com ex-trema facilidade, pois ele foi desenvolvido para atuar onde os bancos de dados relacionais fa-lham: eliminando ferramentas e códigos para o mapeamento objeto-relacional; ganhando tempo e reduzindo custos para o desenvolvi-mento de softwares; provendo administração zero, uma vez que alterações no modelo não tem impacto no banco, já que este é apenas um reservatório de objetos. Além disso, ofere-ce uma grande quantidade de funcionalidades exclusivas e orientadas a objeto e incentiva os benefícios das linguagens orientadas a objeto com: replicação, queries e a GUI ObjectMa-nager, utilizada para mostrar arquivos da base de objetos (Paterson et al., 2006).

Ainda de acordo com Paterson et al., (2006), as queries para acesso aos objetos

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armazenados no banco de dados podem ser construídas de três formas distintas:

a) Native Query (NQ): É criada através de um método que passa uma instância da classe requerida como parâmetro, além de uma restrição sobre um ou mais atributos, como em um comando SQL, e retorna uma expressão booleana. O resultado é uma list que contém todos os objetos da classe es-colhida para todos os retornos da expressão que forem true. A Figura 3 apresenta um exemplo de NQ.

Figura 3 – Exemplo de NQ

b) Query by Example (QBE): Para uti-lizar a metodologia QBE, é necessário criar uma instância da classe que irá ser pesqui-sada. Assim, os atributos que serão utiliza-dos como cláusula na pesquisa devem ser informados dentro da instância criada e, atra-vés destes, o db4o pesquisará na base por objetos com os valores definidos e os retor-nará em uma collection ou list. Na Figura 4 pode ser visto um exemplo de QBE.

Figura 4 – Exemplo de QBE

c) Simple Object Data Acess (SODA): é um recurso avançado do db4o. A idéia básica é montar uma query através de um gráfico, formado por nodos que representam classes ou atributos classes. A performance não é afetada, pois a SODA é baseada em native query e esta pode ser traduzida, ou não, em

um gráfico SODA. Na Figura 5 encontra-se um exemplo de SODA.

Figura 5 – Exemplo de SODA

Acerca do armazenamento dos dados, pode-se afirmar que ele é feito através de um ou mais arquivos persistidos de forma binária. Há a possibilidade de inserir senha e de crip-tografar as informações no banco de dados, caso seja de interesse do usuário. O algorit-mo utilizado é o XTEA (eXtend Tiny Encryp-tion Algorithm) com chave de até 128 bits.

A capacidade máxima de um arquivo de objetos é de 254 gigabytes. Quando este limite é alcançado, o próprio db4o cria outro arquivo binário e os gerencia (Paterson et al., 2006).

Além do suporte a transações ACID (Atomicidade, Consistência, Integridade e Durabilidade), é possível controlar o início e fim das sessões através dos comandos Com-mit e Rollback. Outras funcionalidades impor-tantes são: a fácil manipulação do arquivo de BD (criar, abrir, fechar e apagar) e operações CRUD (Create, Retrieve, Update e Delete) diretamente nos objetos. Em uma aplicação cliente/servidor, o controle de concorrência do db4o é realizado por níveis de isolamen-to, ou seja, restringindo o acesso a entidades que estão sendo atualizadas. Os níveis de isolamento são classificados em: read un-committed, read committed, repeteable read e serializable. O db4o assume que as transa-ções, por default, são read committed.

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O db4o fornece suporte a índices. Estes são organizados em b-trees e aumentam sig-nificativamente a performance na manipula-ção dos objetos. Em apenas uma linha de co-mando é possível criar ou desfazer um índice (Paterson et al., 2006) e, para isto, basta es-colher uma propriedade da classe e o índice é criado, como mostra o exemplo na Figura 6.

Figura 6 – Criação de índice na Clas-se Equipamento no campo Codigo

Para retirar o índice, basta mudar o pa-râmetro da função Indexed para false, con-forme pode ser visto no exemplo da Figura 7.

Figura 7 – Eliminação de índice na Classe Equipamento no campo Código

O db4o disponibiliza um controle de replicação de objetos. Para isso, é preciso haver garantia da unicidade de um objeto e o db4o se utiliza do UUID (Unique Universal IDs) que é um dispositivo que fornece uma chave única para uma instância de objeto. Pode ser aplicado de forma global ou para uma classe individualmente. Por padrão, este dispositivo não está habilitado devido ao espaço utilizado no armazenamento e a diminuição do desempenho para a manuten-ção deste índice (Paterson et al., 2006).

A refatoração (refactoring) é automati-zada, de modo que, se um update é aplicado na base, o versionamento de esquemas ge-rencia automaticamente as mudanças sem a necessidade de processos de conversão. Assim, adicionar novas funcionalidades ao sistema é algo natural, aumentando o de-sempenho do desenvolvimento do software.

Vários são os tipos suportados que vão desde arrays multidimensionais de objetos, até campos blob, sendo que estes são arma-zenados fora do arquivo do banco de dados.

Estes arquivos são salvos em um diretório “blob\”, dentro da pasta padrão do db4o e são acessados através de uma thread assín-crona (Paterson et al., 2006).

De acordo com Paterson et al. (2006), o db4o possui um controle de espaço livre no banco, mantendo um registro de um objeto que foi excluído, para que este espaço pos-sa ser reaproveitado por outro objeto a ser inserido futuramente. Existem dois tipos de controle de espaço livre:

a) IndexSystem: O controle do freespa-ce não é perdido caso o sistema fique fora do ar. Isso acontece porque a cada commit o ín-dice é atualizado, o que pode ocasionar certa lentidão. Para ativar o IndexSystem utiliza-se o comando que pode ser visto na Figura 8.

Figura 8 – Ativação do controle de espaço livre no banco através do tipo IndexSystem

b) RamSystem: Este método de contro-le armazena as informações de espaço livre na memória RAM, mas não garante a sua in-tegridade caso haja uma queda no sistema. Outra desvantagem é o consumo de RAM que se torna bastante superior. Entretanto, possui um desempenho melhor se compara-do ao IndexSystem. A ativação do controle RamSystem é feita através do comando que pode ser visto na Figura 9.

Figura 9 – Ativação do controle de espaço livre no banco através do tipo RamSystem

3. Principais Aplicações e Casos de Sucesso

Conforme já foi mencionado anterior-mente, o db4o incorpora seus produtos em várias companhias líderes mundiais, como a BMW, Boeing, Bosch, IBM, e Indra Sistemas, entre outras. Todos os clientes da db4objetcs

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têm algo em comum, eles contam com o có-digo aberto de banco de dados orientados a objetos para cortar custos de desenvolvimen-to e ajudá-los a entregar seus produtos ao mercado mais rapidamente.

Uma das mais bem sucedidas monta-doras do mundo, a BMW, utiliza o db4o como instrumento central de persistência para ar-mazenar os sistemas de protocolo e dados de configuração do cliente e um dos critérios mais importantes para a seleção do db4O, para esta aplicação, foi sua baixa necessidade de admi-nistração (DB4O:: java & .net object database:: customers and partners, 2010).

Para a Boeing, o db4o foi selecionado para o projeto P-8A Multi-Mission Maritime Aircraft, um antissubmarino de guerra de longo alcance com inteligência de vigilância e reconhecimento de aeronaves desenvolvi-do para a Marinha dos Estados Unidos (P-8A overview, 2010). Conforme DB4O:: java & .net object database: customers and partners (2010), o db4o oferece vantagens de adminis-tração de banco de dados significativamente mais baixas e uma melhor produtividade no desenvolvimento, assim reduzindo os custos operacionais.

A Sigpack Systems AG, uma empresa Bosch, que é líder mundial em tecnologia de embalagem totalmente automatizada, depen-de do db4o para a configuração da linha de robôs Delta XR31. Antigamente a equipe de desenvolvedores passava horas configurando os robôs, um após o outro e, hoje, eles podem configurar, de maneira centralizada, uma linha inteira de robôs, ocasionando um salto de pro-dutividade significativa para a empresa. Os principais critérios de seleção do db4o para a Bosch Sigpack Systems AG foram o alto de-sempenho permitindo a gestão de um grande número de objetos, cerca de 39.000, a con-fiabilidade comprovada e a facilidade de uso (DB4O success story – Bosh Sigpack, 2010).

A empresa Indra Sistemas é líder espa-nhola em Tecnologia de Informação e Siste-mas de Defesa e foi a pioneira na utilização do db4o para banco de objetos de missão crítica, a prova de falhas e em tempo real. Com o ganho do contrato, para construir os centros de controle do sistema espanhol de

trens bala AVE foi utilizada para a base de dados o db4o, juntamente com os sistemas integrados de controle dos trens de alta ve-locidade (IRC), desenvolvido totalmente em Java. O IRC foi desenvolvido com objetivo de integrar informações e controle de cada ele-mento que forma uma linha ferroviária desde a geração offline dos planos operacionais até o controle total em tempo real. A arqui-tetura utilizada no IRC está dividida em três áreas: rede em tempo real, rede em tempo real aproximado, rede corporativa (Intranet e Internet), em que o db4o gerencia as três ca-madas do sistema. O framework do Sistema IRC é formado por mais de 30.000 objetos em memória e 30 classes, com 80 terabytes de informações que casualmente circulam para a base relacional Oracle do sistema cor-porativo. Com a velocidade do db4o é pos-sível ao sistema processar mais de 200.000 objetos por segundo, mas os benefícios mais importantes são a capacidade de consultar diretamente os objetos, sem necessidade de transformá-los e o ambiente de administra-ção zero que é indispensável para sistemas de tempo real (DB4O success story – Indra Sistemas, 2010).

4. Considerações FinaisAtravés deste estudo, pode-se afirmar

que o db4o fornece elementos suficientes e necessários para o desenvolvimento de siste-mas usando como mecanismo de persistên-cia um banco de dados orientado a objetos.

Por se tratar de uma nova tecnologia, o mercado mostra-se receoso, pois o mode-lo relacional ainda é extremamente empre-gado e domina as aplicações atuais. Migrar de uma tecnologia consolidada no mercado para outra que está se difundindo gera dúvi-das. No entanto, à medida que a complexi-dade do desenvolvimento e manutenção dos sistemas for aumentando, as empresas terão que buscar novas alternativas que supram suas necessidades. Neste contexto, é que o db4o tem suas vantagens.

Referências Date, C. J. Introdução a sistemas de

bancos de dados / C. J. Date; tradução [da

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