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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 12 · Julho - Agosto de 2012 1

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Endereço para permuta:Rua Mal. José Inácio da Silva, 355 Passo D’Areia - Porto Alegre - RS

Tel: (51) 3361.6700 www.faculdade.dombosco.net

Porto Alegre, 2012

REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades Periódico da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre Ano VI - Nº 12 - Julho a Dezembro de 2012 Porto Alegre - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre.

ISSN 1809-5720

A REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades tem por fi nalidade a produção e a divulga-ção do conhecimento nas áreas das ciências aplicadas produzido particularmente pelo seu cor-po docente e colaboradores de outras instituições, com vistas a abrir espaço para o intercâmbio de ideias, fomentar a produção científi ca e ampliar a participação acadêmica na comunidade. O Conselho Editorial reserva-se o direito de não aceitar a publicação de matérias que não estejam de acordo com esses objetivos. Os autores são responsáveis pelas matérias assinadas.

É permitida a cópia (transcrição) desde que devidamente mencionada a fonte.

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Diretor/DirectorProf. Dr. Pe. Marcos Sandrini - [email protected]

Editor/EditorProf. Dr. Silvio Javier Battello Calderon - [email protected]

Comissão Editorial/Editorial BoardProfa. Dra. Andréa Souza Castro - [email protected]

Profa. Dra. Aurélia Adriana de Melo - [email protected]. Dr. Luís Fernando Fortes Garcia - [email protected]

Prof. Dr. Silvio Javier Battello Calderon - [email protected]

Comissão Científi ca/Scientifi c CommitteeProfa. Dra. Adriana Dreyzin de Klor (UNC/Córdoba, Argentina)

Profa. Dra. Angela Beatrice Dewes Moura (FDB/Porto Alegre, RS)Prof. Dr. Bachir Hallouche (UNISC/Santa Cruz do Sul, RS)

Prof. Dr. Carlos Garulo (IUS/Roma, Itália)Prof. Dr. Erneldo Schallenberger (UNIOESTE/Cascavel, PR)Prof. Dr. Fábio José Garcia dos Reis (UNISAL/Lorena, SP)

Prof. Dr. Friedrich Wilherm Herms (UERJ/Rio de Janeiro, RJ)Prof. Dr. Geraldo Lopes Crossetti (FDB/Porto Alegre, RS)Profa. Dra. Letícia da Silva Garcia (FDB/Porto Alegre, RS)

Pesq. Dr. Manoel de Araújo Sousa Jr. (INPE-CRS/Santa Maria, RS)Profa. Dra. Marisa Tsao (UNILASALLE/Canoas, RS)

Prof. Dr. Nelson Luiz Sambaqui Gruber (UFRGS/Porto Alegre, RS)Prof. Dr. Neuri Antonio Zanchet (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Dr. Osmar Gustavo Wöhl Coelho (UNISINOS/São Leopoldo, RS)Prof. Dr. Stefano Florissi (UFRGS/Porto Alegre, RS)

Pesq. Dra. Tania Maria Sausen (INPE-CRS/Santa Maria, RS)

Avaliadores ad-hoc/Ad-hoc reviewersProf. Ms. Aécio Cordeiro Neves (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Dr. Bruno Nubens Barbosa Miragem (FDB/Porto Alegre, RS)Pesq. Ms. Camila Cossetin Ferreira (INPE-CRS/Santa Maria, RS)

Prof. Dr. José Néri da Silveira (FDB/Porto Alegre, RS)Prof. Ms. José Nosvitz Pereira de Souza (FDB/Porto Alegre, RS)

Profa. Ms. Luciane Teresa Salvi (FDB/Porto Alegre, RS)Prof. Dr. Luís Carlos Dalla Rosa (FDB/Porto Alegre, RS)

Prof. Ms. Luiz Dal Molin (FDB/Porto Alegre, RS)Prof. Dr. Marcelo Schenk Duque (FDB/Porto Alegre, RS)Pof. Dr. Ricardo Alvarez (UM/Buenos Aires, Argentina)

Pesq. Ms. Silvia Midori Saito (INPE-CRS/Santa Maria, RS)Profa. Ms. Viviani Lopes Bastos (UCS/Caxias do Sul, RS)

Publicação e Organização/Organization and PublicationRevista Atitude - Construindo Oportunidades

Rua Mal. José Inácio da Silva, 355 – Porto Alegre – RS – BrasilCEP: 90.520-280 – Tel.: (51) 3361 6700 – e-mail: [email protected]

Produção Gráfi ca/Graphics Production Arte Brasil Publicidade

R. P. Domingos Giovanini, 165 – Pq. Taquaral – Campinas – SPCEP 13087-310 – Tel: (19) 3242.7922 – Fax: (19) 3242.7077

Revisão:Cristiane Billis – MTb 26.193

Os artigos e manifestações assinados correspondem, exclusivamente, às opiniões dos respectivos autores.

Revista Atitude - Construindo Oportunidades – Revista de Divulgação Científi ca da FaculdadeDom Bosco de Porto Alegre

Ano VI, Volume 6, número 12, jul-dez 2012 – ISSN 1809-5720

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CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS .......................................................................9

1. Assédio moral no ambiente de trabalho – conceito e tratamento jurídico: fenômeno antigo e pouco regulado .......................................................................11 André Ravioli Veiga de Carvalho e Mara Darcanchy

2. A dignidade humana e os sistemas de proteção ........................................................23 Diego Pereira Machado

3. O princípio do Contraditório na Experiência Alemã ...................................................31 Klaus Cohen Koplin

4. Competências e habilidades dos egressos dos cursos de Administração demandadas pelas empresas do setor de comércio e serviços do município de Porto Alegre no Rio Grande do Sul ............................................................................................41 Neuri Antonio Zanchet e Fernanda Casanova

5. A análise da logística internacional como ferramenta indispensável para o crescimento dos negócios internacionais brasileiros .................................................55 Claussia Neumann da Cunha

6. Juventude e alteridade: a interdição do rosto dos jovens na cultura de consumo .............63 Luís Carlos Dalla Rosa

7. Alcoolismo como gerador de absenteísmo: análise de case do Departamento Municipal de Habitação – DEMHAB .....................................................................................71 Bel. Luciano Matos Hornung Thomazi. Coautoria: Profa. Ms. Simone Souza Thomazi

8. Ideologia e processo penal: contributo aos sistemas processuais penais .........................81 Fabiano K. Clementel

CIÊNCIAS TECNOLÓGICAS ............................................................................ 89

9. Avaliação da Biodegradabilidade do Poli (ácido láctico) (PLA) ......................................91 Emanuelli Cabral, Alexandra Schuh, Ana Paula Graebin, Rafael Ortiz, Juliana Pelisoli Holz, Carlos Carone, Jeane Dullius e Sandra Einloft

10. Lições Aprendidas: Relato de um Experimento Distribuído ....................................... 101 Thaís Ebling

11. Produção mais limpa e vantagem competitiva: estudo de caso em uma empresa do setor plástico do Rio Grande do Sul ................................................................ 111 Tatiana Maia, Eduardo de Oliveira Wilk, Alexandre de Melo Abicht e Anderson Bestetti Santos

12. Avaliação da degradação do Herbicida Glifosato e o metabólito AMPA no solo da bacia do Arroio Donato – Pejuçara (RS)............................................................................ 125 Andréa Souza Castro

RESENHA ...............................................................................................131

13. Viagem nem tão solitária: peripécias da construção de gênero .................................. 133 Lúcia Regina Ruduit Dias

Sumário

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ApresentaçãoA Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre está completando 10 anos. Foi em novembro de 2002

que recebemos nosso recredenciamento. Um processo longo, prazeroso e empenhativo foi feito para que isto se tornasse uma realidade. Nosso grande objetivo era e é ajudar as novas gerações a se posi-cionarem diante da vida como profi ssionais e cidadãos. Queremos ser fi éis à missão que nos foi deixada por Dom Bosco (1815-1888) de educar pessoas para serem “bons cristãos e honestos cidadãos”.

Começamos com três cursos: Administração, Ciências Contábeis e Sistemas de Informação. Logo a seguir se juntou a esses o curso de Engenharia Ambiental e Sanitária. Um pouquinho mais pra frente veio o curso de Direito. Todos estes cinco cursos já estão reconhecidos e já realizamos treze formaturas. O que era projeto se tornou realidade. Sonhar é bom e melhor ainda é ver que o sonho continua nas realizações.

A Revista Atitude já está em seu número 12. São seis anos de publicação ininterrupta. Somos capazes, sim, de construir uma revista indexada no Qualis. Professores, alunos, convidados estão pre-sentes em suas páginas com o grande objetivo de defender, promover e alavancar a vida, cada vida, em todas as suas dimensões. Este é o sentido de nossa presença no mundo da educação superior.

Nossa Faculdade pode contar com um grupo suculento de mais de 70 (setenta) professores mestres e doutores. Cerca de 20 (vinte) são os profi ssionais técnico-administrativos. Perto de 900 (novecentos) alunos dão vida à nossa Faculdade. Portanto, um milhar de pessoas promovendo-se e promovendo.

Fazemos parte de uma rede de Instituições de Educação Superior chamada IUS, ou seja, Instituições Universitárias Salesianas presente em quatro continentes com mais de 70 (setenta) insti-tuições. Todas com o mesmo objetivo, a mesma utopia, as mesmas metodologias, o mesmo desejo de encarnação no seu entorno. Como Dom Bosco, presentes na vida de milhares de jovens para apontar-lhes caminhos para que construam oportunidades. Afi nal, somos uma Faculdade de Atitude construindo oportunidades com os jovens universitários.

Agradecemos a todos os que escreveram seus artigos, relataram suas experiências, fi zeram resenha de livros... A todos nosso respeito e nosso incentivo.

REVISTA ATITUDE - Construindo Oportunidades

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Ciên

cias

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plic

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Assédio moral no ambientede trabalho – conceito e

tratamento jurídico: fenômenoantigo e pouco regulado

André Ravioli Veiga de Carvalho(1)

Mara Darcanchy(2)

SUMÁRIO

1. Considerações Iniciais. 2. Assédio Moral no Ambiente de Trabalho. 2.1. Difi culdade em sua defi nição. 2.2. Conceito e Tipos de Assédio Moral. 2.3. Causas do Assédio Moral no Ambiente de Trabalho. 2.4. Efeitos do Assédio Moral. 3. Tratamento Jurídico na Seara Trabalhista. 3.1. Legislação e Doutrina. 4. Conclusões Finais. 5. Referências bibliográfi cas.

RESUMO

O presente artigo visa o aprofundamento no estudo do assédio moral e na sua inci-dência no ambiente de trabalho. Os objetivos nucleares desse trabalho são: (1) defi -nir os conceitos de assédio moral, (2) suas causas e propósitos no âmbito laboral, (3) bem como seu tratamento jurídico na seara trabalhista. Foram realizadas pesquisas na melhor doutrina, na qual se buscou estudos que transcendem a esfera meramente jurídica, diante da multidisciplinaridade do tema. As pesquisas revelaram que o as-sédio moral não possui um conceito universal objetivo, embora suas características e suas causas possam indicar alguns traços objetivos sobre o tema, sobre os quais seus conceitos podem ser extraídos. O assédio moral não se encontra tipifi cado como uma conduta antijurídica, com exceção de leis municipais e estaduais que se res-tringem ao âmbito do funcionalismo público, sendo que o tratamento jurídico ocorre mediante o ressarcimento dos prejuízos causados pelo assédio moral e com sanções disciplinares ao assediador. Em suma, o assédio moral embora seja um fenômeno an-tigo e conhecido, só recentemente ganha espaço e atenção pelo Direito do Trabalho.

PALAVRAS-CHAVE

Assédio. Trabalho. Indenização.

ABSTRACT

This article aims to further the study of bullying and its impact in the workplace.. The core objectives of this work are: (1) defi ne the concepts of bullying, (2) its causes and purposes in the workplace, (3) as well as its legal treatment by Labor Law. Research in works and writings on the subject were performed, whose work transcends the purely legal sphere, given the multidisciplinary nature of the topic. The research revealed that bullying has not an universal concept, although its characteristics and causes might indicate some objective traits on the subject, on which some concepts can be extracted. Bullying is not typifi ed as an anti-juridical conduct, except for state and municipal laws, restricted to the public civil service comprehensiveness, and the

Ciências Sociais e Aplicadas

(1) Especialista em Direito e Processo do Trabalho (UNINOVE), graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e advogado militante nas áreas trabalhista e cível.(2) Doutora, mestre e especialista em Direito do Trabalho - PUC/SP e USP; pesquisadora científi ca da Capes e líder de grupo de pesquisa certifi cados no CNPq; professora universitária; consultora jurídica; autora; jurista. Colaboradora e integrante de Conselhos Editoriais e Aca-dêmicos. Avaliadora do MEC/Inep. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito e da Academia Brasileira de Direito Internacional. Parecerista Nacional e Internacional.

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legal treatment about this subject occurs through indemnity of the damage caused by bullying and with disciplinary sanctions to the harasser. In short, although bullying is an old phenomenon, only recently it gained ground and attention by Labor Law.

KEY WORDS

Bullying. Labor. Indemnity.

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O fenômeno conhecido como assédio moral, embora seja antigo e conhecido pela sociedade, demorou a receber a atenção do Direito e das demais áreas do conhecimento, como a psicologia, medicina e afi ns. Somente em período recente – seja pelo aumento expressivo da ocorrência desse fenômeno, seja pelos prejuízos cada vez mais evidentes que tal fenômeno causa às vitima – o assédio moral passou a ser estudado com maior profundidade.

Os estudos sobre o tema revelam que o assédio não se limita a meros atos individuais, aleatórios e esparsos, sendo antes uma conduta complexa e intencional, no intuito de isolar e excluir a vítima de determinado ambiente social. Sua ocorrência estende-se a qualquer meio social posto em estudo, seja o ambiente escolar, familiar, no grupo de amigos e mais ainda no ambiente de trabalho.

Os estudos e a jurisprudência evidenciam o assédio moral praticado no ambiente de trabalho onde tem sido mais frequente com consequências muito prejudiciais à vítima (que pode desenvolver doenças relacionadas à depressão, dentre outras moléstias) bem como às empresas, sociedade civil e ao próprio governo. Não é de interesse do empregador que seu empregado seja afastado por doença decorrente de assédio moral, pois muito antes de tal afastamento a vítima já apresenta redução em sua capacidade de trabalho, em prejuízo de sua produtividade e de toda a organização empresarial.

Com base em tais efeitos prejudiciais e seu potencial em atingir o âmbito familiar, empresarial e pessoal da vítima, o assédio moral passou a ser discutido de forma mais corriqueira pelo Judiciário, que, sustentado na legislação social posta em prática (ao menos inserida no mundo jurídico nacional) pela Constituição Federal de 1988, tenta coibir a prática desse fenômeno.

Com efeito, a legislação brasileira, principalmente a legislação do trabalho, apresenta cunho altamente social, prezando (novamente, em termos formais, apesar da prática não o revelar) pela qualidade de vida e pela qualidade do trabalho, posto que sem este não se consegue aquele, ou seja, o trabalho é condição “sine qua non” para a sobrevivência do ser humano. Todavia, a legislação na-cional, corroborada pela jurisprudência trabalhista tende a assegurar ao trabalhador uma vida digna, entendido como o exercício de um trabalho digno.

A recente preocupação com a saúde do trabalhador e meio ambiente do trabalho revelam a crescente preocupação na qualidade de vida do cidadão, ousando-se afi rmar que o princípio basilar contido na Carta Magna de 1988, especifi camente em seu art. 1º, III, a dignidade humana passa de um conceito puramente teórico e formal para um princípio de ordem prática, palpável. Afi nal, embora o trabalho possibilite ao Homem sua sobrevivência, nem todo trabalho deve ser aceitável, na medida em que a profi ssão exercida sob condições adversas (sem segurança, higiene e de forma vexatória), apesar de prover a subsistência do Homem, não lhe confere uma existência digna.

O tema deste artigo consiste na apuração da relação entre a efi ciência na Administração Pública, a priori inspirada no modelo gerencial de resultados, e a sua relação com a cidadania e a dig-nidade humana, ou seja, com as promessas constitucionais de implementação de um complexo e rico catálogo de direitos fundamentais, cuja materialização não raramente é incompatível com a efi ciência econômica de busca de resultados.

Justifi ca-se a pesquisa exatamente para avaliar a relação existente entre efi ciência econô-mica e efi ciência na Administração Pública; entre esses conteúdos e o princípio constitucional da efi ciência; entre esse princípio e os demais princípios da Administração Pública; entre o princípio da efi ciência e a implementação da cidadania tal qual delineada pelo Texto de 1988, relação essa, como afi rmado, aparentemente tensa e contraposta, pois a efi ciência econômica nem sempre oferece trato compatível com a dignidade humana, na sua busca prioritária de resultados econômicos.

Sem olvidar de outras questões, a pergunta essencial a ser enfrentada é a seguinte: é possível compatibilizar-se o inegável traço econômico do princípio constitucional da efi ciência com a imple-mentação de direitos fundamentais, cuja realização é economicamente inefi ciente relativamente à sua não implementação, como na hipótese de políticas de ação afi rmativa?

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Para a realização da pesquisa será utilizado o método teórico-bibliográfi co, pelo qual serão aplicados textos constantes de livros, artigos e publicações jurídicas no geral. Abordar-se-á o tema de maneira dedutiva e dialética, partindo-se da análise de dispositivos legais do Direito brasileiro e do Direito internacional que tratam do princípio da efi ciência e das questões relacionadas à cidadania, à dignidade humana e aos direitos fundamentais.

Espera-se com esta pesquisa demonstrar o impacto que o princípio constitucional da efi ciência pode alcançar na inafastável relação axiológica que mantém com a atuação da Administração Pública, inclusive na efetivação de direitos fundamentais.

2. ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

2.1. Difi culdade em sua defi nição

O assédio moral não é facilmente defi nido, sendo diversas as defi nições dadas por pesquisa-dores do assunto, os quais inclusive discordam com relação às causas e modos de assédio (GUIMARÃES, RIMOLI, 2006 e HELOANI, 2004).

Não obstante, segundo Liliana Andolpho Magalhães Guimarães e Adriana Odalia Rimoli1, em-bora a diversidade de defi nições dadas por pesquisadores e instituições, tais estudos progressivamente puderam levar à crescente delimitação do fenômeno tido como assédio moral. Salientam também acerca da multiplicidade de denominações sobre o mesmo fenômeno, o que difi culta a objetivização do estudo do tema, impedindo a defi nição desse fenômeno de modo uniforme a nível universal.

Segundo a literatura pesquisada, é claro e evidente que o conceito de assédio moral não é uniforme, em razão da ênfase que se quer dar ao fenômeno. Roberto Heloani2 menciona acerca da existência de duas grandes correntes, uma que trata da questão de forma puramente individualista, no âmbito essencialmente psicológico, relacionada a fatores íntimos, pessoais, independentemente ao ambiente. A outra que trata o assédio moral a partir de uma premissa social (embora o elemento individualismo não esteja ausente), ou seja, partindo-se do pressuposto que as condições sociais, em termos de valores, moral e ética, são determinantes para a criação de um ambiente propício para a efetivação desse fenômeno.

No mais, o estudo sobre o tema tem apresentado que a constatação do assédio moral é difícil devido a subjetividade na sua caracterização, com algumas pesquisas indicando que o assédio moral tenha relação com a sensibilidade das vitimas de assédio, que podem reagir de forma mais dramática frente a confl itos interpessoais (GUIMARÃES, RIMOLI, 2006).

Ademais, a difi culdade na constatação desse fenômeno, em razão da ausência de provas con-cretas, seja pela difi culdade de testemunhas que possam comprovar o assédio, ou mesmo por motivos pessoais, pela vergonha de se admitir tal fato, por motivos de insegurança, autoestima ou também pelo medo de se perder o emprego ou outros fatores pessoais (PEREIRA, 2008 e CAVACALTI, 2005).

Convergente o entendimento no qual a vítima, na maior parte das ocorrências, não age no sentido de fazer cessar o assédio, não leva tal fato ao conhecimento de outras pessoas e simplesmente “aguenta” as ofensas e humilhações calada. Os motivos desse comportamento omisso da vítima seriam a formação histórico-cultural da pessoa, centrada em relações de poder com base numa obediência “quase cega”, o medo de perder o emprego e a sensação de fraqueza e impotência causadas por tal situação frente aos familiares, amigos e afi ns sendo esses os motivos principais apresentados nos estudos sobre o tema.

A propósito, relevante se revela o posicionamento no qual o estudo do assédio moral merece uma abordagem multidisciplinar, com o estudo desse fenômeno pela psicologia, medicina, direito e outros ramos do conhecimento (PEREIRA, 2008 e GUIMARÃES, RIMOLI, 2006).

Por todos os motivos acima, o assédio moral ainda carece de defi nição específi ca, mas, devido ao crescimento de seu estudo pelos mais variados ramos do conhecimento, algumas relações de causa e efeito ou mesmo traços objetivos se apresentam mais constantes, pelo que algumas defi nições mais objetivas podem ser conceituadas.

Destaca-se que as causas e efeitos do assédio moral segundo se informaram na literatura estu-dada, embora apresentem pontos de divergência, têm apresentado muitas características em comum, o que, conforme acima exposto, pôde levar a um conceito básico, ainda que carente de delimitação precisa. Assim, segundo a literatura do tema apresenta, o assédio moral possui dois fatores que se revelaram tanto quanto evidentes no estudo ora apresentado. 1 GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães e RIMOLI, Adriana Odália, “Mobbing” (assédio psicológico) no Trabalho: Uma Síndrome Psicossocial Multidimensional, Psicologia: Teoria e Pesquisa, Vol. 22, nº 2, pp. 183-192, mai-ago 2006.2 HELOANI, José Roberto Montes, RAE-eletrônica, v. 3, n. 1, Art. 10, jan/jun 2004.

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Um fator reside nas próprias pessoas envolvidas, seja o assediador ou a vítima, no que tange aos traços psicológicos inerentes a elas, sendo quase uníssono que a personalidade da vítima não tem relação com o assédio. Tal fenômeno não se vislumbra necessariamente ou mesmo possivelmente em pessoas com uma personalidade, diga-se, “fraca” ou “dramática”, embora alguns estudos apresentem tal tendência (GUIMARÃES, RIMOLI, 2006).

Com efeito, Roberto Heloani3, em posição claramente divergente dos demais, afi rma que o perfi l da vítima geralmente é forte, combativo, sendo este um dos grandes motivos dessa pessoa sofrer o assédio, pois não se conforma com a postura ou excessos cometidos pelo assediador.

Outro fator transcende as pessoas envolvidas diretamente no confl ito, abrangendo o meio em que vivem, os códigos de conduta, em suma, o sistema social e econômico em que vivem, o que não é sufi ciente para explicar ou dar causa ao fenômeno do assédio moral, mas criam seus sustentáculos, suas bases. O que se quer deixar claro é que o assédio moral ocorre em razão da existência de um ambiente propício (MATA, 2008; GUIMARÃES, RIMOLI, 2006 e PEREIRA, 2008), no qual tal conduta seria estimulada indireta e tacitamente, embora em termos expressos tal condu-ta seja repudiada.

2.2. Conceito e Tipos de Assédio Moral

O assédio moral, segundo posicionamento que se apresenta de modo uniforme dos estudos sobre o tema, possui alguns elementos básicos que podem caracterizá-lo.

Trata-se de uma conduta absolutamente intencional e isso é mansamente aceito por quem estuda tal fenômeno, sendo excluídos casos em que confl itos interpessoais são isolados ou próprios das organizações, em que a interação entre as pessoas leva a diversas situações de confronto.

Aliás, Roberto Heloani4 chega ao extremo quando afi rma que o assédio moral tem como der-radeiro elemento caracterizador à intencionalidade da conduta.

Outro elemento intrínseco ao assédio moral é que a conduta seja reiterada. Isso exclui qual-quer situação que, embora vexatória, seja avulsa ou decorra de confl itos normais do ambiente de tra-balho. Estudos indicam que o assédio moral se estende num período de seis meses a quatro, cinco anos (GUIMARÃES, RIMOLI, 2006). Com efeito, nenhuma pesquisa sobre o tema indica ou mesmo insinua que o assédio moral possa decorrer de fatos isolados, avulsos ou mesmo em razão de agressões pontuais, sendo o mesmo uma conduta reiterada, repetitiva, direcionada exclusivamente à vítima, que pode ser uma pessoa ou um grupo de pessoas.

Por fi m, o último elemento do assédio moral consiste na sua fi nalidade, na qual os estudos apontam dois grandes fatores, quais sejam:

1 – autopreservação, frente a outros empregados mais qualifi cados, que ameacem a posição do assediador ou em função de um comportamento inseguro do mesmo, sendo tal motivo o mais re-corrente no ambiente de trabalho. Importante destacar que os estudos sobre o tema tendem a ignorar eventual personalidade psicótica do assediador como elemento importante a se mencionar, visto que o fenômeno do assédio moral pode ocorrer independentemente dessa personalidade.

2 – confl itos interpessoais.Ambos os motivos acima podem e efetivamente ocorrem no ambiente de trabalho, embora sua

caracterização jurídica seja diferente, tendo em vista que a discriminação encontra-se devidamente tipifi cada como conduta antissocial a ser repelida pelo Estado.

Com relação à vitima, a fi nalidade do assédio é a mesma, que é anular, buscar o afastamento da vítima do ambiente de trabalho.

Partindo dessas premissas, podem-se tecer certos conceitos de assédio moral, os quais, apesar de não serem uníssonos, certamente encontram-se preenchidos desses elementos.

Ana Karolina Soares Cavalcanti defi ne o assédio moral como: “... a prática abusiva que possa gerar danos à personalidade, à integridade física ou psíquica de uma pessoa.”5 Acrescenta que: “Tal conduta se manifesta principalmente através de um comportamento reiterado.”6

Roberto Heloani, ao caracterizar o assédio moral, aponta que o assédio moral: “... consiste na constante e deliberada desqualifi cação da vítima, seguida de sua consequente fragilização, com o intuito de neutralizá-la...”.7

O mesmo autor, buscando as defi nições de outros estudiosos sobre o assunto, segundo o pensa-3 HELOANI, José Roberto Montes, RAE-eletrônica, v. 3, n. 1, Art. 10, jan/jun 2004.4 HELOANI, José Roberto Montes, RAE-eletrônica, v. 3, n. 1, Art. 10, jan/jun 2004.5 CAVALCANTI, Ana Karolina Soares, Revista Prima Facie, issue 7, pp. 95-108, 2005, p. 97.6 CAVALCANTI, Ana Karolina Soares, Revista Prima Facie, issue 7, pp. 95-108, 2005, p. 97.7 HELOANI, José Roberto Montes, RAE-eletrônica, v. 3, n. 1, Art. 10, jan/jun 2004, p. 5.

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mento de Marie-France Hirigoyen, explica que: “O assédio em local de trabalho está ligado a qualquer conduta abusiva em relação a uma pessoa (...) que possa acarretar dano à sua personalidade à sua dignidade ou mesmo à sua integridade física ou psíquica, ...”8.

Também apresenta o pensamento de Margarida Barreto, que o defi ne como: “... a exposição de trabalhadores a situações vexatórias, constrangedoras e humilhantes durante o exercício de sua função, de forma repetitiva, caracterizando uma atitude desumana, violenta e antiética nas relações de trabalho...”9.

Pelo estudo do tema, o conceito de assédio moral no ambiente de trabalho pode ser defi nido como toda e qualquer conduta reiterada e proposital no sentido de reduzir ou fazer reduzir a capaci-dade de trabalho da vítima, o que se dá mediante artifícios ardilosos e difíceis de serem detectados.

Sobre os meios que se emprega para a execução do fenômeno em tela, é certo que o mesmo se apresenta eminentemente no contexto comunicativo na qual se destacam aqueles apresentados por Liliana Andolpho Magalhães Guimarães e Adriana Odália Rimoli10 que, sustentando a tese de Leymann, classifi cam as condutas da seguinte forma:

Fonte: GUIMARÃES e RIMOLI, 2006

Grupos de Ações Mecanismos

Manipulação dacomunicação da vítima

1. Negação de informação relativa ao posto de trabalho, como as funções e responsabilidades, os métodos de trabalho: a quantidade e qualidade dos prazos do trabalho a ser realizado.

2. Comunicação hostil explícita, com críticas e ameaças.

3. Comunicação hostil implícita, tal como não dirigir palavra

Manipulação da reputação da vítima

1. Comentários injuriosos e/ou ridicularizarão, seja do aspecto físico, ideias ou convicções políticas ou religiosas.

2. Críticas sobre o profi ssionalismo da vítima.

3. Assédio sexual da vítima.

Manipulação do trabalho da vítima

1. Aumento da sobrecarga de trabalho.

2. Atribuição de trabalhos desnecessários ou monótonos.

3. Atribuição de tarefas inferiormente qualifi cadas.

4. Atribuição de demandas contraditórias ou excludentes.

5. Atribuição de demandas contrárias aos padrões morais da vítima.

6. Negação dos meios de trabalho.

Manipulação dascontrapartidas laborais

1. Discriminação no salário, turnos, jornada e outros direitos

2. Discriminação quanto ao respeito e o tratamento.

As manifestações acima mencionadas ocorrem geralmente de forma implícita, que podem vir a se transformar em condutas expressas, mas pelo que se pode depreender no estudo ora realizado, o assédio moral em regra ocorre de forma discreta, com pequenos atos que, repetidamente, vem por minar a vítima.

Ele ocorre mediante meios comunicativos. O assédio ocorre com recados, transmissão de co-municação com “duplo-vínculo”, como se a pessoa dissesse sim e não ao mesmo tempo. Situações em que a pessoa afi rma gostar de outra, mas transparece ódio (MATA, 2008).

Cria-se um paradoxo na comunicação e João da Mata assinala que: “..., seu uso contínuo e sistemático produz interferência nos vínculos estabelecidos, onde o comunicador e o comunicado se veem inversos num confuso e perigoso campo de entendimento e não entendimento. A partir daí tudo pode ser verdade e/ou mentira, pois nada está claro e sua própria dissimulação é condição constituin-te do jogo relacional.”11. 8 HELOANI, José Roberto Montes, RAE-eletrônica, v. 3, n. 1, Art. 10, jan/jun 2004, p. 4.9 HELOANI, José Roberto Montes, RAE-eletrônica, v. 3, n. 1, Art. 10, jan/jun 2004, p. 410 GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães e RIMOLI, Adriana Odália, “Mobbing” (assédio psicológico) no Trabalho: Uma Síndrome Psicosocial Multidimensional, Psicologia: Teoria e Pesquisa, Vol. 22, nº 2, pp. 183-192, mai-ago 200611 MATA, João da, SOCIUS Working Paper, “Aspectos subjetivos das relações de poder contidas no assédio moral”, nº 8/2008, p. 9.

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A vítima se vê diante de mensagens de aceitação e rejeição, que são simultâneas e contraditó-rias em que tudo fi ca confuso. João da Mata conclui que: “... o duplo-vínculo se torna extremamente perverso, porque obriga as pessoas a conviver com uma ambiguidade externa que, por sua vez, lhes mostra a difi culdade que elas têm para lidar com a ambiguidade da própria condição humana.”12

Isso torna os propósitos do assediador concretos, fazendo com que a vítima apresente proble-mas na execução de seu trabalho, sendo na maioria das vezes afastado ou desligado, o que também traz problemas no âmbito familiar e social da vítima.

Segundo informa Liliana Andolpho Magalhães Guimarães e Adriana Odália Rimoli13, o assédio possui fases, a saber:

A. Fase de Confl ito: Nascimento de confl itos interpessoais dentro do ambiente de trabalho.B. Fase de Mobbing: Momento em que o assediador põe em prática sua estratégia de humilha-

ção e redução da vítima.C. Fase de intervenção da empresa: que pode buscar resolver os confl itos interpessoais ou

mesmo, conforme usualmente ocorre, o afastamento ou desligamento do empregado assediado.D. Fase de marginalização ou exclusão da vida laboral: afastamentos, demissão, pedido de

demissão, ou seja, o momento em que o assediador consegue sua meta.No entanto, tal posicionamento não se revela ser consensual, sendo certo que a literatura

estudada, talvez por considerar não importante, desconsidera qualquer tipo de fases do assédio, tal como acima explicado. Não obstante, há certo consenso no qual o assédio sempre começa com atos discretos, despretensiosos, que vão crescendo e em alguns casos pode chegar até à violência física.

No que toca aos tipos de assédio moral, o mesmo frequentemente é vertical descendente, no qual a pessoa detentora de uma posição hierárquica superior na empresa se utiliza de seu ‘poder’ para praticar tal fenômeno. Não obstante, os autores entendem que o assédio pode ser também horizontal, onde pessoas com o mesmo cargo hierárquico ou situadas na mesma esfera de importância na empresa entram e confl ito, com posterior surgimento do assédio moral. Por fi m o menos comum, mas também presente, é o assédio ascendente, quando o subordinado, ou mais frequentemente um grupo de subor-dinados assedia o superior, talvez por não aceitar a troca de comando, algo parecido com um boicote.

2.3. Causas do Assédio Moral no Ambiente de Trabalho

Dentre as causas principais do assédio moral, as mesmas residem no aspecto íntimo e individual e também no aspecto social do ambiente em que o assédio ocorre, sendo certo que os autores buscam as raízes do assédio nas correntes idealistas e fi losófi cas assumidas pelos Estados, empresas, associações, em suma, qualquer sociedade humana organizada (HELOANI, 2004, MATA, 2008, PEREIRA, 2008).

Primeiramente, acertado o termo utilizado por Antonio Garcia Pereira14 “caldo de cultura”, quando se refere, ao delinear uma das raízes unissonamente presente nos trabalhos estudados, acerca dos traços e perfi l da sociedade em que vivemos, ressaltando-se que sociedades com históricos sociais norteados por escravidão (HELIANI, 2004) e autoritarismos (PEREIRA, 2008) tendem a tacitamente con-sentir com excessos cometidos nas relações interpessoais de poder. Ademais, esse “caldo de cultura” é permeado por um passado de excessos e desvalorização do ser humano, fatos estes que criam bases para um ambiente laboral propício para o assédio moral.

A sociedade humana é organizada com base em ‘relações de poder’ (expressão recorrente entre os autores), no ambiente familiar, educacional, corporativo, enfi m, em todas as relações inter-pessoais. Tais relações, sendo utilizadas por sistemas ideológicos baseados nas palavras: individualis-mo, utilidade, otimização e concorrência, tal como o é a teoria neoliberal, que se preocupa mais no crescimento do “bolo econômico” do que com sua distribuição, em total dissonância com as necessi-dades humanas materiais, espirituais e morais, transforma o ser humano numa pessoa egocêntrica e egoísta, cuja moral e caráter não são delineados pelos valores sociais (principalmente aqueles antigos, que sempre existiram e sempre existirão) que elevam o senso de comunidade e a solidariedade, mas segundo seus critérios egocêntricos e egoístas.

Os efeitos das sociedades capitalistas têm sido catastrófi cos para o ser humano em termos de sua desvalorização como tal, que passa a ser inserido no sistema cujas premissas resultam na crescente competição com seus semelhantes, o que por si só se trata de uma situação confl ituosa (MATA, 2008; PEREIRA, 2008 e HELOANI, 2004).

A ingerência desses fatores no ambiente empresarial criam condições nas quais a crescente com-12 MATA, João da, SOCIUS Working Paper, “Aspectos subjetivos das relações de poder contidas no assédio moral”, nº 8/2008, p. 10.13 GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães e RIMOLI, Adriana Odália, “Mobbing” (assédio psicológico) no Trabalho: Uma Síndrome Psicosocial Multidimensional, Psicologia: Teoria e Pesquisa, Vol. 22, nº 2, pp. 183-192, mai-ago 2006.14 PEREIRA, Antonio Garcia, SOCIUS Working Paper, O ASSÉDIO MORAL - Causas e condicionantes, nº 3/2008, p.2-4.

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petição, com base em critérios utilitaristas de produção, junto à servidão de que se menciona, decorrente do “caldo de cultura”, criam uma situação corporativa propícia para a manifestação do assédio moral.

Por outro lado, há de se mencionar outra causa do assédio moral, de caráter individualista, que reside na insegurança e medo do assediador na perda do emprego, de sua situação corporativa, ou mesmo a eliminação de ameaças. Tal atitude não costuma ter relação com eventual comportamento psicótico do asse-diador (GUIMARÃES, RIMOLI, 2006). Trata-se de um sentimento de autopreservação que certamente excede o limite do razoável, sendo considerado antissocial. Esse é o motivo mais frequente no ambiente de trabalho.

Outros motivos também ocorrem, tal como a discriminação ou mesmo confl itos interpessoais. Os confl itos decorrentes de tensões ocasionais mal resolvidas e não solucionadas podem vir a gerar o assédio moral.

O assédio moral decorre das relações de poder mantidas na empresa e também dos confl itos interpessoais entre os funcionários. Tais confl itos são parte da natureza humana e ocorrem no ambien-te de trabalho, muitas vezes de forma ocasional. No entanto, quando o confl ito se torna repetitivo, com condutas antissociais no sentido de reduzir a outra parte, isso se torna uma conduta de assédio.

É certo que o ambiente social, no qual os valores encontram-se distorcidos, centrados no eu egocêntrico e, como no caso do Brasil, com um passado pautado pelo trabalho escravo e desvaloriza-ção do trabalho, alimenta a possibilidade do assédio moral ocorrer.

Nesse sentido, repita-se que tal passado, o “caldo de cultura”, cria uma atmosfera conivente e calada face os excessos cometidos no ambiente de trabalho. Isso perpetua o assédio moral, que é um fenômeno conhecido, mas pouco provado. Seja porque a vítima, face ao ambiente conivente, muitas vezes é a culpada, segundo seus familiares, amigos e colegas de trabalho. Seja porque a conivência impede que outras pessoas que tenham presenciado o assédio possam ajudar na sua solução.

Outro ponto importante destacado pelos autores é o direcionamento do assédio em grande parte às mulheres, o que muitas vezes tem conotação sexual ou mesmo o assédio pode vir a ser de fato sexual (GUIMARÃES, RIMOLI, 2006).

As mulheres são mais assediadas que os homens, mas, por outro lado, são mais desinibidas em revelar o assédio e buscar repará-lo. Os homens, em função da sociedade machista e autoritária, encontram mais difi culdade em revelar tal fenômeno, pois sentem muitas vezes impotência e incapa-cidade (HELOANI, 2004).

2.4. Efeitos do Assédio Moral

O assédio moral, conforme bem apontam os autores, é um fenômeno velho que somente re-centemente ganhou espaço para estudo. Assim, da mesma forma que ocorre com a difi culdade na sua conceituação, também não há consenso acerca dos efeitos da conduta de assédio moral nas vítimas. No entanto, alguns sintomas e moléstias têm se revelado constantes nas vítimas.

O assédio moral visa à neutralização da vítima mediante artifícios que causam transtornos psí-quicos e sociais na vítima, que, após o assédio reiterado, passa muitas vezes a acreditar na reputação que lhe imprimem, apresenta nítida redução na concentração no trabalho e na produtividade do tra-balho. Tais fatores se aplicam no ambiente laboral, em que a disposição e produtividade do funcionário vítima de assédio claramente se reduzem, o que, além de prejudicial ao próprio empregado, que passa a ter sua vaga ameaçada, frente à crescente competição no mercado de trabalho, também prejudica a empresa, na medida em que emprega funcionários cuja capacidade poderia ser maior, lhe rendendo mais frutos, de forma a aumentar o coefi ciente rentabilidade/custos.

Com efeito, o assédio moral também traz prejuízos às empresas que perdem em termos de produtividade e compromisso do empregado assediado.

Por outro lado, o assédio moral tem efeitos psicológicos intensos nas vítimas, com quadros de depressão, pânico, redução da autoestima e aumento da irritabilidade, o que pode vir a trazer problemas de saúde, tais como ocorrências de hipertensão, problemas dermatológicos e digestivos (GUIMARÃES, RIMOLI, 2006).

Tais fatos fazem com que o assédio moral não se restrinja ao ambiente interpessoal entre asse-diador e vítima, sendo que em inúmeros casos os efeitos negativos transcendem para a esfera familiar e de amizades da vítima, criando brigas tensões e outros problemas que afetem tais núcleos sociais.

O assédio moral causa doenças e problemas psicológicos que irradiam no âmbito profi ssional, familiar e de amizades da vítima, gerando prejuízos que certamente transcendem a vítima e atingem pessoas estranhas aos fatos, levando a uma sobrecarga desnecessária do sistema de saúde e assistência social, o que aumenta sobremaneira os custos sociais e econômicos do assédio moral.

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3. TRATAMENTO JURÍDICO NA SEARA TRABALHISTA

3.1. Legislação e Doutrina

O assédio moral carece de tipifi cação jurídica como conduta antissocial (FERARI, MARTINS, 2008), diferentemente da discriminação, em suas diversas formas, exaustivamente tratada na Cons-tituição Federal e na legislação ordinária. O assédio moral é de difícil caracterização, dada a subje-tividade altamente volátil do assediador e da vítima (que, devido a personalidades diferentes enten-dem que determinadas situações podem ou não serem caracterizadas como assédio, conforme sua diversidade cultural, familiar, etc.), o que impede ou difi culta sua caracterização de forma objetiva (HELOANI, 2004), dependendo da sua caracterização da discricionariedade do empregador (quando o assunto ainda se limita ao âmbito corporativo) e do julgador (quando o assunto se torna um litígio, a ser dirimido pelo Judiciário). Ainda em fase de construção jurídica plena no Brasil, o assédio moral foi objeto de Leis Municipais e Estaduais que expressamente vedam sua prática no âmbito das respectivas administrações públicas direta e indireta, com penalidades variáveis, como advertência, suspensão e até a demissão do agressor.

Importante destacar que esses textos legislativos avançam ao defi nir o conceito de assédio moral, inserindo-o no mundo jurídico como conduta antissocial. Não obstante, a caracterização do assédio moral na relação de trabalho privado tem se baseado nos princípios positivados na Constituição Federal de 1988, principalmente aqueles relacionados ao exercício pleno da cidadania, consubstancia-do na dignidade da pessoa humana e no valor social do trabalho, por exemplo. Pode-se seguramente afi rmar que o assédio moral, ainda que não possua previsão jurídica específi ca, não tem sido ignorado pela jurisprudência, que, com base numa construção jurídica teórica principiológica, reconhece sua existência, bem como a atipicidade da conduta.

A doutrina jurídica reconhece também que os efeitos do assédio moral transcendem sua esfera meramente patrimonial, atingindo o íntimo, a personalidade da vítima, fato este que caracteriza o dano, seja moral ou material (NASCIMENTO, 2005 e FERARI, MARTINS, 2008), na medida em que se encontram violados os direitos de personalidade da vítima.

O art. 5º, inciso V assegura a reparação por danos morais no caso de violação dos direitos da personalidade e os artigos 170, inciso III, e 193 da Constituição Federal têm como objetivo o bem-estar e a justiça social.

Tal arcabouço jurídico não tipifi ca o assédio moral, mas impede que seus efeitos prejudiciais à vítima passem sem a tutela do Estado, que garante o ressarcimento moral e material dos efeitos causados pelo assédio (NASCIMENTO, 2005). Destaca-se o seguinte posicionamento de Amauri Mascaro Nascimento: “... os direitos da personalidade compreendem os direitos personalíssimos e os direitos recobrem o próprio corpo e se destinam a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preser-vando-a dos atentados que pode sofrer por parte dos indivíduos.”15

Segundo os autores estudados, as normas trabalhistas não tratam diretamente do assédio moral, mas indiretamente, mediante a proteção dos direitos à personalidade.

O empregado, na hipótese de ser vítima de assédio moral, tem a seu favor, como meio de cessar a violência praticada, a prerrogativa da rescisão indireta do contrato de trabalho, consoante o disposto no art. 483 da Consolidação das Leis do Trabalho, que garante ao empregado a indenização trabalhista prevista em lei para o caso de dispensa sem justa causa pela empresa, sendo que situações típicas de assédio moral constituem fundamento para a rescisão indireta do contrato de trabalho, a saber:

Tipifi cação na CLT Condutas típicas de Assédio Moral que podem ser enquadradasnas hipóteses abaixo.

art. 483, a Forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato.

art. 483, b Quando for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo.

art. 483, d Pelo descumprimento do contrato de trabalho.

art. 483, e Praticando o empregador ato lesivo contra a honra e boa fama do empregado.

art. 483, g Havendo redução no trabalho, com prejuízo dos salários.

15 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho, 20ª Edição, Ed. Saraiva, 2005, p. 469

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A indenização trabalhista, conforme afi rmam os autores, não se confunde com a indenização moral ou material, pois se refere aos valores devidos no caso de dispensa arbitrária, os quais são asse-gurados ao empregado que, sofrendo assédio moral, pleiteia a rescisão indireta.

Além dos direitos trabalhistas que lhe são assegurados, a vítima poderá também pleitear a indenização por danos morais e materiais, caso seja comprovado o efetivo prejuízo da vítima, que bus-ca acompanhamento psicológico e médico para sanar os prejuízos sofridos e/ou desenvolve moléstias decorrentes do assédio sofrido.

O assediado poderá mover ação podendo ensejar o pagamento de indenização a título de da-nos morais, como forma de compensação, ressarcimento da perda do patrimônio moral, ideal sofrido pela vítima.

O assédio moral consiste numa conduta que em essência lesa os direitos da personalidade, em especial a honra, restando evidentemente a sujeição ao ofensor à obrigação de repará-lo.

Neste caso o fundamento legal para tanto se concentra, sobretudo, no art. 5°, inciso X da Constituição Federal, o qual tem como inviolável a intimidade, vida privada, honra e imagem das pes-soas, assegurando a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Salienta-se ainda com relação à reparação civil que abrange não somente o dano moral decor-rente da conduta assediadora, mas também do eventual dano material e lucro cessante, na hipótese em que os efeitos prejudiciais do assédio moral levaram a vítima a despender gastos com medicamen-tos, médicos, psicólogos, etc.

O pleito indenizatório poderá ser formulado tanto contra o assediador, já que este é efeti-vamente o autor do dano, como também poderá ser voltado contra o empregador o que geralmente ocorre, uma vez que este é solidariamente responsável (a teor do art. 932, III do Código Civil) pelos atos de seus empregados no exercício do trabalho que lhes competir ou em razão deste, além de possuir obrigação de proporcionar a seus empregados um meio ambiente saudável (art. 7º, XXII CF).

Com efeito, apontam os autores estudados que a ausência de medidas por parte da empresa, com relação ao assédio praticado por seus prepostos, ou empregados em face de outro funcionário, enseja em sua responsabilidade civil na reparação dos danos morais e materiais face à vítima, tendo em vista que compete ao empregador manter a vigilância e fi scalização sobre seus prepostos e funcio-nários, coibindo práticas antissociais e antijurídicas. Com efeito, nos termos da lei civil e trabalhista, o empresário tem o ônus de suportar os custos e demais despesas de seu negócio, frisando que a empresa e o empregador possuem uma função social que deve atender aos princípios da dignidade humana e valorização do trabalho humano.

Caso a empresa seja condenada judicialmente em razão de conduta imprópria de seu empre-gado, poderá valer-se de ação regressiva em face do assediador, conforme art. 934 do Código Civil.

Por outro lado, o assédio pode levar ao desenvolvimento e doenças, as quais terão na-tureza de doença ocupacional ou laboral, não havendo grandes difi culdades para que, uma vez caracterizado o assédio moral, este se enquadre perfeitamente como acidente do trabalho. Mas, atualmente, tal constatação não ocorre automaticamente, sendo que em muitos casos de afas-tamento o INSS por fi m concede apenas o auxílio à doença comum, sem caracterizar acidente de trabalho e, consequentemente, sem conferir ao empregado a estabilidade anual após o retorno ao trabalho, conforme previsto no art. 118 da Lei n. 8.213/91. Para tanto, a vítima, infelizmente, ainda terá de propor as medidas administrativas e judiciais cabíveis para que veja reconhecida a origem ocupacional de tais moléstias.

Todavia, segundo a lista de doenças ocupacionais da Previdência Social constante do Anexo II do Decreto n. 3.048/99, o grupo dos chamados “transtornos mentais e do comportamento relacionados com o trabalho” apresenta como causa dessas doenças problemas com o emprego e com o desemprego, condições difíceis de trabalho, ritmo de trabalho penoso, reação após acidente grave, reação após as-salto no trabalho, desacordo com o patrão e colega de trabalho, circunstâncias relativas às condições de trabalho, má adaptação à organização do horário de trabalho, etc., tudo como se vê no Grupo V do CID -10. Isso revela não somente a crescente preocupação da qualidade do trabalho, como o esforço legisla-tivo cada vez maior no sentido de reconhecer a prática do assédio moral, como seus efeitos prejudiciais.

Com relação ao assediador, o empregador poderá impor sanções disciplinares, como advertên-cias, suspensões, podendo, inclusive, aplicar a sanção capital, diante da gravidade do fato, e dispensar o agressor por justo motivo, com base no art. 482 e alienas da CLT.

Toda conduta assediadora pressupõe uma infração disciplinar plenamente punível e uma pos-sibilidade de ressarcimento, à luz dos dispositivos constantes na Consolidação das Leis do Trabalho, no Código Civil e na Constituição Federal, conforme o caso concreto.

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3.2. Jurisprudência Trabalhista

A jurisprudência trabalhista tem reconhecido, juntamente com a doutrina e legislação, a prática do assédio moral e punindo os agressores e/ou o empregador, diante de sua culpa decorrente da omissão com relação ao fato. Resta apenas à vítima a compensação moral e material dos danos sofridos.

Os Tribunais do Trabalho consideram, em sua maioria, que o assédio pressupõe uma conduta reiterada cujos efeitos são constranger e/ou humilhar a vítima. Destaca-se o seguinte trecho de acórdão proferido pela 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, o qual conceitua de forma plena o entendimento expressado pelos Tribunais do Trabalho acerca da caracterização do assédio moral:

“...A caracterização do assédio moral exige uma continuada prática, pelo empregador, de medidas depreciativas, nocivas e vexatórias em relação ao trabalhador. Essa conduta cotidiana resulta numa intimidação do empregado, que se sente perseguido por seus superiores hierárquicos ou por colegas. Muitas vezes, diante desses fatos, o trabalhador acaba por ser acometido de doenças psíquicas, tais como depressão, síndrome do pânico, dentre outros distúrbios. ...”16

Conforme entendimento manifestado pela jurisprudência, a confi guração do assédio moral não exige a constatação de dolo, de que a conduta tenha objetivos específi cos de denegrir a vítima, sendo sufi ciente mera conduta abusiva, que excede o razoável. O exercício abusivo do poder de di-reção pelo empregador, tendo-se como exemplo a cobrança de metas e a aplicação de medidas dis-ciplinares que excedam o razoável, quando acompanhado dos efeitos nocivos, tais como depressão, síndromes e outrem, são sufi cientes na caracterização do assédio moral.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O assédio moral, segundo apontam os estudiosos sobre o assunto, é bem conhecido, mas pouco estudado, não por desinteresse, mas em razão da herança cultural e efeitos psicológicos que a vítima sofre, impedindo, senão difi cultando a exposição do fenômeno.

No entanto, as pesquisas sobre o assunto revelam que o assédio tem como elementos funda-mentais a intencionalidade da conduta, a reiteração dos atos e fi nalidade de anulação da vítima.

Suas causas residem em confl itos interpessoais entre os trabalhadores e também no medo de se perder o emprego ou posição profi ssional face à crescente competitividade no mercado de trabalho. A isso se somam a herança cultural e o sistema econômico e ideológico em que se vive, onde a pessoa humana perde tal qualidade e se insere num sistema centrado no eu egocêntrico, em detrimento de valores sociais tais como solidariedade, humanismo, dentre outros. Esse elemento social cria um am-biente propício para a manifestação do assédio moral, como de fato se constatou nos estudos sobre o tema, no qual tal fenômeno tende a crescer.

Para evitar essa conduta antissocial, o direito nacional ainda não positivou no sistema qual-quer impedimento referente à conduta em si, mas o reconhece e busca mitigar seus efeitos prejudi-ciais com a possibilidade da vitima rescindir seu contrato sem a perda da indenização trabalhista, bem como reparar os danos sofridos pela aplicação da disciplina legal referente à responsabilidade civil. É certo que muito esforço legislativo tem ocorrido no intuito de se tornar o assédio moral em conduta antijurídica aplicável a todos, mas atualmente algumas leis esparsas, com âmbito de incidência limi-tado foram criadas nesse sentido.

5. REFERÊNCIAS

CAVALCANTI, Ana Karolina Soares. Revista Prima Facie, issue 7, pp. 95-108, 2005.

FERRARI, Irani. MARTINS, Melchíades Rodrigues. DANO MORAL – Múltiplos Aspectos nas Relações de Trabalho. 3ª Edição, Ed. LTr, 2008.

GUIMARÃES, Liliana Andolpho Magalhães e RIMOLI, Adriana Odália. “Mobbing” (assédio psicológico) no Trabalho: Uma Síndrome Psicossocial Multidimensional, Psicologia: Teoria e Pesquisa, Vol. 22, nº 2, pp. 183-192, mai-ago 2006.

HELOANI, José Roberto Montes, RAE-eletrônica, v. 3, n. 1, Art. 10, jan/jun 2004.16 WWW.TRT2.JUS.BR – Proc. 00529001920095020048; TRT - Segunda Região; Quarta Turma; Rel. Ivani Contini Bramante; DOE: 29/06/2012.

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A dignidade humana eos sistemas de proteção

Diego Pereira Machado(1)

SUMÁRIO

1. A DIGNIDADE HUMANA; 2. SISTEMAS DE PROTEÇÃO; 2.1. Sistemas interno e internacio-nal; 2.2. Sistemas global e regional; 2.3. Sistemas homogêneo e heterogêneo; 3. PRIN-CÍPIO PRO HOMINE.

RESUMO

A dignidade humana pode ser adjetivada como “ponto de partida”, “núcleo axiológi-co”, “valor supremo”, “vetor interpretativo”, “postulado normativo”, “fundamento” e “verdadeiro valor-fonte”. A dignidade, como valor absoluto que fundamenta os di-reitos humanos, é um atributo de cada pessoa, sendo considerada centro das ordens interna e externa. É por meio da proteção aos direitos que se conseguirá atribuir dignidade. A complementaridade entre os diferentes sistemas (interno, global, regio-nais, homogêneo e heterogêneo) mostra-se como caminho à salvaguarda dos direitos das pessoas. O sistema interno é integrado por todo o aparato normativo nacional que visa proteger os direitos fundamentais. Já o sistema internacional consiste em toda normativa internacional, representada, sobremaneira, pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos. O sistema global é gerenciado pela Organização das Nações Uni-das, a ONU. Em complemento, há três sistemas regionais ou continentais, cada qual com sua organização internacional: o europeu, o americano e o africano. Compõem o sistema geral (homogêneo) todas as normas (globais ou regionais) de alcance gene-ralizado. O sistema heterogêneo possui normas de alcance direcionado, que abarcam uma determinada parcela da sociedade (processo de especifi cação dos sujeitos). Em hipótese de confl ito de normas, independentemente da hierarquia, aplica-se a fonte mais favorável à vítima, à pessoa, ao homem, pro homine.

PALAVRAS-CHAVES

Dignidade Humana. Sistemas de Proteção. Direitos Fundamentais. Direitos humanos. Pro Homine.

SUMMARY

Human dignity can be adjective as “starting point”, “core values”, “supreme value”, “vector interpretive,” “normative postulate”, “foundation” and “true value source”. The dignity, as an absolute value that underlies human rights, is an attribute of each person, and is considered the center of the internal and external orders. It is through rights protection that is able to assign dignity. The complementarity between the different systems (internal, global, regional, homogeneous and heterogeneous) shows up as a way to safeguard the rights of the people. The internal system is integrated throughout the national regulatory apparatus that aims to protect the fundamental rights. The international system consists of all international norms, represented greatly by the International Law of Human Rights. The overall system is managed by

(1) Especialista em Direito Processual Penal e Civil (UPF - RS). Mestre em Direito (Unitoledo - SP). Doutorando em Direito (Coimbra - Portugal). Professor e palestrante exclusivo da Rede de Ensino LFG (SP), nas matérias de Direito Internacional, Direito Comunitário e Direitos Humanos, para cursos preparatórios para concursos públicos e para programas de pós-graduação. Participante do Cambridge Law Studio (Cambridge – Inglaterra). Professor do programa Prova Final da TV Justiça e do Portal Atualidades do Direito. Autor de livros e artigos na área jurídica. Palestrante. Procurador Federal (AGU). Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Internacional Seccional Mato Grosso. Membro-associado da ONG Transparência Brasil. E-mail: [email protected].

Ciências Sociais e Aplicadas

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the United Nations, UN. In addition, there are three regional or continental systems, each with its international organization: the european, american and african. Compose the general system (homogeneous) all standards (global or regional) reach widespread. The heterogeneous system has reach targeted standards, which cover a certain portion of society (specifi cation process of the subjects). In case of confl icting rules, irrespective of hierarchy, applies to source more favorable to the victim, the person, the man, pro homine.

KEYWORDS

Human dignity. Protection Systems. Fundamental Rights. Human Rights. Pro Homine.

1. A DIGNIDADE HUMANA

A dignidade da pessoa humana, a nosso entender, deve ser o cartão de visitas da Cons-tituição Federal (CF) de 1988, tanto que está prevista no início do texto, mais precisamente no inc. III do art. 1º, como um dos fundamentos da República Federativa. Quem se lançar a ler todos os 250 artigos da Lei Fundamental brasileira (sem esquecer os 97 do ADCT), felizmente, de cara, vislumbrará a dignidade da pessoa humana como porta para todo o resto constitucional. E este resto não tem tom irônico e muito menos de menosprezo aos demais dispositivos constitucionais. O objetivo é apenas ressaltar que a dignidade confi gura como um importante postulado normativo interpretativo1 que “atua como diretriz a ser observada na criação, interpretação e aplicação das demais normas”2.

Na linha do movimento do constitucionalismo contemporâneo, percebe-se que a ampla maio-ria das Constituições da atualidade, bem como as Declarações de Direitos, realça a dignidade da pes-soa, que vem disposta como centro dos ordenamentos. Conforme jurisprudência do próprio Supremo Tribunal Federal (STF), ela é “considerada a centralidade (...) – signifi cativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo”3.

A decisão citada do Supremo Tribunal apenas corrobora o dizer doutrinário que, pacifi ca-mente, adjetiva a dignidade como “núcleo axiológico do constitucionalismo contemporâneo”. Ela é o “valor supremo que irá informar a criação, a interpretação e a aplicação de toda a ordem normativa constitucional (...)”4.

Aludida centralidade não se percebe apenas em âmbito interno. As normas internacionais também trilham o mesmo caminho, eis a situação, v.g., da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que, já na primeira oração de seu preâmbulo considera que “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. Logo em seguido, no art. 1º da Declaração, exalta-se que todas “as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”5.

Face o exposto, até o momento, acredita-se que resta cristalino o quão importante é e o grau (imensurável) de relevância que a dignidade ostenta. Até agora, em poucas linhas, ela já foi adjetivada como “vetor interpretativo”, “ponto de partida”, “núcleo axiológico”, “valor supremo”, “postulado normativo”, “fundamento” e “verdadeiro valor-fonte”.

Contudo, é preciso dar mais corpo ao entendimento do que venha a ser dignidade. Não é viá-vel, e muito menos aconselhável, que se apresente uma conceituação exata, uniforme e fechada. Mas há que se ter, ao menos, um norte conceitual, ainda que superfi cial. É o que se tenta a partir de agora.

O emérito professor Fábio Konder Comparato ensina que a dignidade “é um atributo essencial do homem enquanto pessoa, isto é, do homem em sua essência, independentemente de suas qualifi ca-ções específi cas”6. Marcelo Novelino, da mesma forma, entende que é: “um atributo inerente a todo ser humano, independentemente de sua origem, sexo, idade, condição social ou qualquer outro requisito”7.

1 Vide: ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da defi nição à aplicação dos princípios jurídicos. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2011.2 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 5 ed. São Paulo: Método, 2011, p. 374.3 HC 107.108, Min. Rel. Celso de Mello, STF, J. 30/10/2012.4 NOVELINO, M. Direito Constitucional, cit., p. 371.5 Sobre o tratamento dado à dignidade humana pelas fontes do Direito Internacional, especialmente pela Declaração Universal, vide: MACHA-DO, Diego Pereira. Direitos Humanos. Salvador: Juspodivm, 2013, passim.6 COMPARATO, Fábio Konder. Fundamento dos Direitos Humanos. In: Cultura dos Direitos Humanos. São Paulo: Ltr, 1998, p. 73.7 NOVELINO, M. Direito Constitucional, cit., p. 372.

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E a doutrina vai além. Mais que atributo essencial do homem e mais que fundamento da República brasileira (art. 1º, inc. III, da CF de 1988), a dignidade é: a) tida como um valor absoluto, o qual não pode ser substituído por qualquer outro valor; e b) considerada, modernamente, como o fundamento dos direitos humanos8.

A dignidade, como valor absoluto que fundamenta os direitos humanos, é um atributo de cada pessoa, sendo considerada como o centro das ordens interna e externa9.

Eis que emerge outro questionamento delicado.E como se protege (ou se garante) a dignidade das pessoas? A dignidade não é um direito em si, mas sim, na verdade, é um atributo. Dessa constatação

surge a fi gura dos direitos, em sentido lato, ou seja, tanto os fundamentais (proteção interna) quanto os humanos (proteção internacional).

Levando em conta que existe uma “mútua dependência entre” a dignidade e os direitos, res-ta concluir que “somente por meio da existência desses direitos a dignidade poderá ser respeitada e protegida”10.

É por meio da efetiva proteção aos direitos (fundamentais e humanos) das pessoas que se conseguirá garantir a dignidade humana. Ao se reconhecer, assegurar e promover os direitos, está-se, por consequência, garantindo-se dignidade.

E, nessa tessitura, é imprescindível ressaltar que há um limite mínimo, básico, instransponí-vel de proteção; para se falar em dignidade há que se ter um padrão mínimo irredutível, qual seja: o mínimo existencial. Este é um conjunto mínimo e básico de direitos que devem ser protegidos para que se possa, minimamente, falar em dignidade. Dentro deste contexto, pertinente é a doutrina do Professor Luis Roberto Barroso. Este afi rma que o núcleo material elementar da dignidade da pessoa humana “é composto do mínimo existencial, locução que identifi ca o conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade”11.

O mínimo existencial tem estreita ligação com os direitos de segunda dimensão (econômi-cos, sociais e culturais). Em histórica decisão, o STF assim se manifestou: “(...) INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁU-SULA DA “RESERVA DO POSSÍVEL”. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO “MÍNIMO EXISTENCIAL”. (...) Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrên-cia de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a fi nalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulifi cação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. (...) a limitação de re-cursos existe e é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afi rmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento pelo Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a fi nalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais míni-mas de existência. (...)”12.

Como atributo da pessoa, a dignidade é garantida por meio da efetiva proteção aos direitos. E essa proteção tem um limite básico: o mínimo existencial. Dessa forma, é possível inferir que uma proteção para menos, ou seja, que não garanta o mínimo existencial (o núcleo material elementar da dignidade), pode ser taxada como execrável e inadmissível.

De outra banda, uma proteção para mais, cada vez mais ampla e efetiva, por óbvio, é plena-mente aceitável e admissível. De fato, é um dever!

E se é pelo caminho da proteção aos direitos que se garante dignidade, então, questiona-se: como se protegem os direitos, de forma a se garantir dignidade? Eis uma pergunta sem resposta exata,

8 GUERRA, Bernardo Pereira de Lucena Rodrigues. Direito Internacional dos Direitos Humanos: nova mentalidade emergente pós-1945. Curi-tiba: Juruá, 2006, p. 89.9 MACHADO, D. P. Direitos Humanos, cit., p. 25 et seq.10 NOVELINO, M. Direito Constitucional, cit., p. 408.11 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e fi losófi cos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo. Revista Diálogo Jurídico. Salvador, ano I, v. I, n. 6, set., 2001, p. 16.12 ADPF 45, Min. Rel. Celso de Mello, STF, J. 29/04/2004.

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cerrada. Muitas alternativas poderiam ser fornecidas e todas poderiam ser consideradas corretas. Con-tudo, atendo-se ao projeto proposto para o presente artigo, a resposta que se escolheu foi a seguinte: por meio da conjugação e comunicabilidade dos diferentes sistemas de proteção13.

2. SISTEMAS DE PROTEÇÃO

Parte-se da premissa de que os direitos, previstos interna e internacionalmente, demandam atenção e respeito de todos. Esse “todos” se refere aos órgãos Estatais nacionais, aos Estados estran-geiros, às organizações internacionais, aos demais atores internacionais e até aos próprios particulares.

Surge, destarte, os diferentes sistemas de proteção, que devem: interagirem-se, comunica-rem-se e enriquecerem-se.

O presente trabalho obedece à lógica dos sistemas, como meio de vislumbrar proteção o mais efetiva possível aos direitos.

2.1. Sistemas interno e internacional

Adentra-se no ponto sobre a proteção interna. Eis o que se entende por sistema interno ou nacional de salvaguarda aos direitos. Este é integrado por todo o aparato normativo nacional (constitucional e infraconstitucional) que visa proteger os direitos fundamentais.

Em complemento, há a normativa internacional, representada, sobremaneira, pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, que integra o que se denomina sistema internacional de proteção aos direitos humanos.

O item atual nos remete a uma clássica distinção doutrinária feita entre as expressões direitos humanos, direitos fundamentais e direitos do homem.

A expressão direitos do homem possui cunho nitidamente naturalista ou jusnaturalista, cuja conotação remonta a direitos naturais ou ainda não positivados. São direitos que não se encontram previstos nas Constituições internas e nem nos tratados internacionais. Atualmente essa classifi cação está em desuso, porque a quase totalidade dos direitos conhecidos estão previstos, implícita ou ex-plicitamente, nos textos normativos internos e internacionais.

Os direitos fundamentais relacionam-se com a proteção constitucional dos direitos das pes-soas que se encontram dentro de um determinado Estado. Eles representam a proteção interna (sis-tema interno ou nacional) de proteção aos direitos. Devem estar previstos nas Leis Fundamentais dos países, sob pena de nem ser possível falar em Constituição, conforme preceitua a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789: “Artigo 16º - Qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes, não tem Constituição”.

Já a expressão direitos humanos confi gura os direitos previstos nos tratados internacionais e costumes internacionais. Eles corporifi cam o Direito Internacional dos Direitos Humanos, enriquecendo o escudo protetor interno dos Estados.

Na visão de Ingo Sarlet em que “pese sejam ambos os termos (‘direitos humanos’ e ‘direitos fundamentais’) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passa-gem, procedente para a distinção é de que o termo ‘direitos fundamentais’ se aplica para aqueles di-reitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de deter-minado Estado, ao passo que a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional)”14.

A despeito da distinção das expressões, o que mais interessa é que haja uma efetiva proteção aos direitos, situados interna ou internacionalmente. A complementação e a comunicabilidade dos sistemas, interno e internacional, mostram-se imprescindíveis para uma efetiva proteção.

2.2. Sistemas global e regional

Levando em conta o aparato internacional, só que sob um critério territorial ou de alcance e abrangência das normas internacionais, é ainda possível desenvolver outra classifi cação: o sistema global e os sistemas regionais (ou continentais). 13 MACHADO, D. P. Direitos Humanos, cit., p. 28 et seq.14 SARLET, Ingo Wolfgang. A efi cácia dos Direitos fundamentais. 8 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, pp. 35-36.

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O processo de expansão do Direito Internacional dos Direitos Humanos se desenvolveu em diferentes planos, em diferentes terrenos. Um de alcance global, mundial, congregando a maioria dos Estados do planeta (sistema global). Os outros de alcance regional ou continental, congregando nações pertencentes a determinadas regiões (sistemas regionais)15.

O sistema global é gerenciado pela Organização das Nações Unidas, a ONU, e é integrado por imenso número de convenções. Já os regionais são gerenciados por organizações internacionais (OI) especifi cas. Há três sistemas regionais ou continentais, cada qual com sua OI: o europeu16, o america-no17 e o africano18. Cabe observar que a Ásia é a única região que não possui um sistema regional de proteção dos direitos humanos. Uma das alternativas para sanar este grave défi cit é a formação de blocos19, o que vem sendo concretizado pela Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Em 2009 foi criada a Comissão intergovernamental de Direitos Humanos da ASEAN, que tem por fi nalidade promover uma maior conscientização para a realização dos direitos humanos na região.

Há uma clara diversidade de sistemas de proteção, que não se anulam ou se incompatibilizam. Na verdade, há estreita conexão, compatibilidade, tanto que a maioria das normas nacionais (sistema interno), das normas internacionais regionais (sistemas regionais) e das normas internacionais globais (sistema global) possuem redações idênticas, os artigos são reprodução, literalmente cópias, uns dos outros, o que demonstra uma saudável diversidade de sistemas e mecanismos de salvaguarda, em atendimento ao processo histórico de generalização e expansão da proteção aos direitos.

2.3. Sistemas homogêneo e heterogêneo

O critério aqui levado em conta para a classifi cação é o dos destinatários de determinadas normas internacionais. O que releva são os sujeitos alvos da proteção.

Há convenções gerais que se destinam a proteger todos os seres humanos, sem especifi car ou direcionar para uma determina classe ou grupo da sociedade. Fala-se em sistema geral ou homogêneo. Compõem o sistema geral todas as normas (globais ou regionais) de alcance generalizado, levando em conta as pessoas protegidas. Neste são incluídos todos: negros, não negros, crianças, adolescentes, idosos, homens, mulheres, etc. Os documentos com alcance geral, que protegem todas as pessoas, indistintamente, não relevam critérios como a nacionalidade, a etnia, a idade e o sexo20.

Exemplos de documentos do sistema geral: Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966; Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966; Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969; e Protocolo de San Salvador, de 198821.

De outra banda, há convenções com alcance direcionado, específi cas, que abarcam uma de-terminada parcela da sociedade. Eis o sistema especial ou heterogêneo de proteção. Este tem como objetivo proteger um grupo de pessoas, individualizando e direcionando o arcabouço de salvaguarda. Leva-se em conta a necessidade de maior atenção que se deve destinar a uma parcela da sociedade, como crianças, mulheres, idosos e portadores de necessidades especiais. É um nítido processo de es-pecifi cação do sujeito22. Este sistema não anula ou revoga o anterior, eles são, sim, plenamente coexis-tentes e complementares. O conjunto de normas internacionais que compõem o mundo heterogêneo se justifi ca pela situação de hipossufi ciência dos que demandam maior atenção, credores de proteção especial, a exemplo das crianças.

Citando a necessidade de tutela específi ca das crianças, Bobbio doutrina: “deixa-se claro que os direitos da criança são considerados como um ius singulare com relação a um ius commune; o destaque que se dá a essa especifi cidade, (...) deriva de um processo de especifi cação do genérico, no qual se realiza o respeito à máxima suum cuique tribuere”23.

15 BARRETTO, Rafael. Direitos Humanos. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 92.16 O tratado regente do sistema europeu é a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, con-cluída em Roma, aos 04 de novembro de 1950. Ela entrou em vigor internacional em 03 de setembro de 1953, quando dez Estados europeus a ratifi caram, de acordo com o preceituado no § 2º do seu art. 59.17 O documento mais importante para o sistema americano, da Organização dos Estados Americanos (OEA), é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica. Trata-se de instrumento da maior importância dentro do sistema interamericano de direitos humanos, tendo entrado em vigor no ano de 1978. Apenas Estados-membros da OEA podem aderir ao tratado.18 O sistema continental africano é o mais recente. Está fundamentado na Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos (ou Carta de Banjul) de 1981, que entrou em vigor em 1986.19 Vide: MACHADO, Diego Pereira; DEL´OLMO, Florisbal de Souza. Direito da Integração, Direito Comunitário, MERCOSUL e União Europeia. Salvador: Juspodivm, 2011.20 MACHADO, D. P. Direitos Humanos, cit., p. 30 et seq.21 DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado: a criança no direito internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 85.22 FEIX, Virginia. Por uma política pública nacional de acesso à Justiça. Estudos Avançados (18), n. 51, 2004, p. 219.23 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2004, p. 34.

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Exemplos de documentos do heterogêneo, aproveitando a situação das crianças: Declaração de Genebra, de 1924; Declaração dos Direitos da Criança, de 1959; Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, de 1984; Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989; Convenção 138 da OIT, de 1973; Convenção 182 da OIT, de 199924.

O primeiro a surgir foi o homogêneo ou geral. Gradativamente, a demanda por proteção especial e direcionada começou a se mostrar uma necessidade indelével, começaram, então, a apa-recer fontes do sistema heterogêneo ou especial. Este último, frisa-se, nasce em razão da premente necessidade de um “processo de especifi cação e concretização do sujeito de direito”25.

3. PRINCÍPIO PRO HOMINE

Embora se almeje a comunicabilidade dos sistemas, de forma a ampliar o escudo protetor dos direitos, cuja garantia da dignidade é a meta principal, e, mesmo que se tenha afi rmado que as fontes dos diferentes sistemas, normalmente, repetem-se, não se pode negar que há possibilidade de antinomias, confl itos.

Nessa situação, em hipótese de confl ito de normas, independentemente da hierarquia e da posição, aplica-se a norma mais favorável à vítima, à pessoa, ao homem, pro homine!

Por força do princípio interpretativo pro homine, quando se tratar de normas que asseguram um direito, valerá a que mais amplie esse direito. E, ao contrário, se frente a restrições ao gozo de direito, aplicar-se-á a norma que menos restringe. Exemplo pode ser retirado da jurisprudência do STF. Entre a norma da Convenção Americana sobre Direitos Humanos que assegura o duplo grau de jurisdi-ção em âmbito criminal (art. 8º, 2, h) e a que restringe esse direito (CPP, art. 594), aplica-se a mais protetora, a primeira, da Convenção Americana, conforme HC 88.420, da 1ª Turma do STF.

As fontes sobre direitos humanos (de quaisquer dos sistemas) retroalimentam-se26, como já enfatizado, i.e., complementam-se. Desenvolve-se, para tanto, uma hermenêutica de compatibiliza-ção e coexistência entre sistemas de proteção, entendimento que está em sintonia com a teoria do diálogo das fontes de Erik Jayme27. Conforme art. 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos: “nenhuma disposição sua pode ser interpretada no sentido de limitar o gozo ou o exercício de qualquer direito ou liberdade previsto no direito interno (...) suas normas não podem limitar outros direitos previstos em outros tratados ou convenções”.

Para concluir, “diante do concurso simultâneo de normas (concorrência de normas ou confl ito aparente de normas), sejam elas internacionais, sejam elas internacionais e internas (domésticas), ob-servando-se que estas últimas podem ser constitucionais ou não, deve (sempre) ser eleita e aplicada a norma (internacional ou doméstica) (a) que garante mais amplamente o gozo do direito ou (b) que admi-ta menos restrições ao seu exercício ou (c) que sujeite as restrições a um maior número de condições”28.

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O princípio do Contraditóriona Experiência Alemã1

Klaus Cohen Koplin(1)

RESUMO

O presente artigo busca sintetizar alguns elementos essenciais do princípio do contra-ditório na experiência do direito alemão, como subsídio para sua melhor compreen-são no direito brasileiro. Inicia-se com a fundamentação do princípio constitucional em questão, mostrando-se que, de mera garantia costumeira e infraconstitucional do processo, o contraditório foi alçado ao patamar de um verdadeiro direito fundamen-tal consagrado na Constituição. Em seguida, busca-se identifi car quais órgãos estatais estão a ele vinculados e, consequentemente, quem deve cumpri-lo. Finalmente, rea-lizar-se-á um exame dos principais aspectos do conteúdo do princípio desse princípio, procurando-se apontar quais as suas principais exigências e desdobramentos. PALAVRAS-CHAVE

Constituição. Contraditório. Alemanha.

ABSTRACT

This paper seeks to synthesize some essential elements of the adversarial principle in the German law, as a way for its better understanding in Brazilian law. It begins with the explanation that the adversarial system in civil procedure was lifted up to the level of a true fundamental right enshrined in the Constitution. Then, seeks to identify which organs of the state are bound by it and, therefore, who should perform it. Finally, there will be a review of the major aspects of the content of the adversarial principle in civil procedure, trying to point out which their core requirements and outlines. There will be shown that the German Federal Constitutional Court plays a major role in developing the content of the adversarial principle.

KEYWORDS

Constitution. Adversarial principle. Germany.

1. Introdução

O presente trabalho tem como objetivo sintetizar alguns elementos essenciais do princípio do contraditório na experiência do direito alemão, a partir do exame crítico da legislação, da doutrina e da jurisprudência desse país, como subsídio para uma melhor compreensão desse princípio no direito brasileiro. A ideia, neste momento, é apenas analisar o direito alemão, deixando-se para outra opor-tunidade o exame específi co da realidade brasileira.

A primeira parte apresentará a fundamentação do princípio constitucional em questão, mos-trando que, de mera garantia costumeira e infraconstitucional do processo, o contraditório foi alçado ao patamar de um verdadeiro direito fundamental, com assento no art. 103, I da Constituição alemã. Em seguida, busca-se identifi car quais os órgãos estatais estão a ele vinculados e, consequentemente, quem deve cumpri-lo. Finalmente, realizar-se-á um exame dos principais aspectos do conteúdo do princípio do contraditório, procurando-se apontar quais as suas principais exigências e desdobramentos.(1) Bacharel e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professor de direito processual civil na Faculdade de Direito da UFRGS, na Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre e no Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter). Advogado. E-mail: [email protected] O presente artigo origina-se de projeto institucional de pesquisa docente, desenvolvido no curso de graduação em Direito do Centro Uni-versitário Ritter dos Reis (UniRitter), campus de Porto Alegre, durante o ano de 2012, no contexto do Grupo de Pesquisa “Direitos humanos e fundamentais: efi cácia e fundamentação”.

Ciências Sociais e Aplicadas

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2. Fundamentação constitucional

Como o direito ao contraditório não era consagrado de forma geral por nenhum diploma legal, havia na doutrina alemã anterior à atual Constituição grande dissensão a respeito do seu fundamento jurídico.2 Franz Prager, escrevendo no início da década de 1930, aponta a esse respeito a existência de duas grandes linhas de pensamento. Uma primeira linha, dentro da qual se alinhavam Planck, Stein, Kisch e Hellmann, procurava justifi car tal direito em preceitos legais setoriais e específi cos.3 A outra, na qual ele próprio se inclui, fundamentava o direito ao contraditório no costume jurídico, que seria uma das fontes formais do Direito Processual. Nesta senda, o princípio tradicional do Direito Romano consubstanciado na máxima “audiatur et altera pars” teria sido recepcionado pela via da prática ju-risprudencial, vinda a integrar o processo comum alemão.4

Em suma, o direito subjetivo ao contraditório era visto, na ordem infraconstitucional, como “a pedra angular de todo o direito processual civil e de cada processo concreto por ele regulado”.5

O direito em questão não foi legalmente regulado, de forma expressa, senão em 1949, ao ser consagrado no art. 103, I da Lei Fundamental alemã (23.05.1949). Com isso, o mesmo foi alçado ao grau de verdadeiro direito fundamental.6 Com efeito, estabelece o referido artigo que “em juízo, todos têm pretensão à audiência jurídica” (“Vor Gericht hat jedermann Anspruch auf rechtliches Gehör”). Desde então, coube ao Tribunal Constitucional Federal alemão disciplinar de forma porme-norizada as questões atinentes a esse direito, explicitando os seus respectivos conteúdo e os limites a partir do mandamento constitucional.7

O direito à audiência jurídica (contraditório) encontra seu fundamento, segundo o reconhe-cem os autores alemães, simultaneamente, no princípio do respeito à dignidade da pessoa humana (‘Schutz der Menschenwürde’) e no princípio do Estado de Direito (‘Rechtsstaats-prinzip’).8

A primeira fundamentação é ressaltada por Dürig. A ideia principal que inspira o art. 1 da Lei Fundamental alemã é a de que o Estado não deve degradar o cidadão à condição de simples objeto de sua atividade.9 Antes, este deve ser respeitado em sua dignidade pessoal. É a proteção da pessoa, por conseguinte, que justifi ca a própria existência do Estado e do Direito.

Este princípio impõe também ao Estado o dever de oportunizar a pessoa a participação na formação de suas próprias decisões, trazendo a sua contribuição individual.10 Por isso, apresenta-se como projeção do princípio democrático. Como ressaltado pela doutrina, o direito ao contraditório representa uma forma de manifestação do princípio do Estado de Direito, enquanto técnica jurídica de assegurar a liberdade individual frente ao exercício arbitrário do poder estatal.11

Em conclusão: o direito fundamental em questão impõe ao Poder Judiciário o dever de desempenhar sua função de aplicar o direito, em regra, mediante a audiência das pessoas legitimadas. Esta audiência cons-titui, segundo a dicção do Tribunal Constitucional Federal alemão, “pressuposto para um julgamento justo”.12 2 FRANZ PRAGER, Das beiderseitige Gehör im Zivilprozeß, Archiv für die civilistische Praxis, 12(1930):143-181.3 PRAGER, op. cit., pp. 145-150.4 Op. cit., p. 150. Cf., no que respeita ao direito comum alemão, GEORG WILHELM WETZELL, System des ordentlichen Civilprocesses, Leipzig: Tauchnitz, 1868, § 43, n. 2, p. 422.5 BAUMBACH, Adolf; LAUTERBACH, Wolfgang, Zivilprozeßordnung, München : C. H. Beck, 1965, Vorb. nº 4 zu ZPO § 128: “Ein Eckpfeiler des gesamten Zivilprozeßrechts u jedes geordneten Verf ist, daß jede Entsch nur nach Anhörung beider Parteien zu treffen ist.”; MAUNZ-DÜRIG, Grundgesetz Kommentar. München : C. H. Beck, 1964., RN. 1; E. BENDA; A. WEBER, Der Einfl uß der Verfassung im Prozeßrecht, Zeitschrift für Zivilprozeß, 96(1983/Jul.):285-307, esp. p. 300 (“Grundpfl eiler eines rechtsstaatlichen Verfahrens”); PRAGER, op. cit., p. 143: “der unentbehrlichste Grundsatz des Zivilprozesses.”; 6 MAUNZ-DÜRIG, op. cit., RN 1: “Neu ist dagegen die Aufnahme dieses Grundsatzes in die Verfassung und damit seine Erhebung in den Rang eines Verfassungsgesetzes” (os destques constam do original).7 FERDINAND KOPP, Das rechtliche Gehör in der Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts. Archiv des öffentlichen Rechts, 106(1981):604-632, esp. p. 604.8 ACHIM VON WINTERFELD, Das Verfassungsprinzip des rechtlichen Gehörs, Neue Juristische Wochenschrift, 1961:849-853, esp. p. 849: “Das Bekenntnis des BVerfG zum rechtlichen Gehörs als dem verfassungsrechtlichen Refl ex der Würde der Person des Einzelnen bettet das recht-liche Gehör unmittelbar in die wertgebundene Kernordnung der Würde, Freiheit und Gleichheit des Menschen, damit aber in das Fundament der freiheitlichen demokratischen Grundordnung des Grundgesetz, ein”9 LEIPOLD, op. cit., p. 509. DÜRIG, op. cit., RN. 5; LÜCKE; WALCHSHÖFER, Münchener Kommentar zur Zivilprozeßordnung, München : C. H. Beck, 1992, RN. 115. 10 J. J. GOMES CANOTILHO, Tópicos de um curso de mestrado sobre direitos fundamentais, procedimento, processo e organização, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1990:151-201, esp. p. 155: “o cidadão, ao desfrutar de instrumentos jurídicos possibilitadores de uma infl uência directa no exercício das decisões dos poderes públicos que afectam ou podem afectar os seus direitos garante a si mesmo um espaço de real liberdade e de efectiva autodeterminação no desenvolvimento da sua personalidade.” É precisamente deste princípio que decorre o fenômeno da generalização do esquema processual, apontado por ELIO FAZZALARI, Valori permanenti del processo, Rivista di Diritto Processuale, XLIV(1989/1):1-11, esp. pp. 5; 8-9.11 LÜCKE; WALCHSHÖFER, op. cit., p. 21. Mauder (op. cit., p. 10) exclui a fundamentação na dignidade humana. Para ele, o direito ao contra-ditório fundamenta-se exclusivamente o princípio do Estado de direito. 12 BVerfGE, 9, 95. “Aufgabe der Gerichte, über einen konkreten Lebenssachverhalt ein abschließendes rechtliches Urteil zu fällen, ist in aller Regel ohne Anhörung der Beteiligten nicht zu lösen. Diese Anhörung ist daher zunächst Voraussetzung einer richtigen Entscheidung. Darüber hinaus fordert die Würde der Person, daß über ihr Recht nicht kurzerhand von Obrigkeits wegen verfügt wird. Der Einzelne soll nicht nur Objekt der richterlichen Entscheidung sein, sondern er soll vor seiner Entscheidung, die seine Rechte betrifft, zu Wort kommen, um Einfl uß auf das Verfahren und sein Ergebnis nehmen zu können”.

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3. Endereçamento

O direito ao contraditório vincula, de alguma forma, o Estado como um todo, ainda que a sua direção principal seja contra o Poder Judiciário. Assim, incumbe ao Estado, primariamente, o dever de pautar o desempenho de suas funções a partir da audição das pessoas. A partir do art. 1, III da Lei Fundamental alemã, fi cou estabelecido que o direito em tela vincula os três poderes.13 Ocorre que, por força do art. 103, I da Lei Fundamental, a garantia parece ser exigível apenas do Poder Judiciário: “em juízo” (“vor Gericht”).14 Existiria, por conseguinte, uma contradição entre ambas essas ideias ou tratar-se-ia apenas de um problema aparente?

Em verdade, essa questão diz respeito à própria natureza do direito fundamental ao contradi-tório. Observando-se de perto a garantia e o seu respectivo signifi cado, ressalta o fato de que o man-dado constitucional consubstanciado no art. 103, I da Constituição alemã dirige-se apenas aos juízes.15

Entretanto, compete ao Estado como um todo velar para que os processos judiciários efetivamente a implementem. Assim, se a “atividade dos órgãos legislativos” subtrai-se à área de abrangência da garantia, como pontifi ca Kunig,16 o Poder Legislativo a ela está vinculado, por outro lado, ao criar o direito processual.17 Em outros termos: do processo legislativo deve resultar um direito processual que consagre o direito ao contraditório. Mas a forma como esse processo legiferante deverá se desenvol-ver não está determinada pelos parâmetros do art. 103, I da Constituição alemã. Igualmente, existe unanimidade em se considerar que o artigo em comento não se aplica aos processos administrativos,18 muito embora a ideia de contraditório neles esteja presente, ainda que consagrada por outras vias.19

O Estado desempenha suas funções hoje, mais do que nunca, através de processos.20 Ocorre que o art. 103, I disciplinou a ideia de contraditório apenas no âmbito dos processos judiciais. O que não signifi ca que os demais processos não devam orientar-se também de acordo com esse princípio; apenas não se pode invocar o referido dispositivo constitucional para implementar essa ideia fora do âmbito judiciário.

Representa ponto consensual entre os comentaristas do art. 103, I, da Constituição alemã a noção de que o mesmo não fundamenta nenhum direito ao contraditório fora do âmbito esta-tal.21 Estão excluídos do âmbito dessa garantia constitucional, portanto, órgãos e tribunais arbitrais (‘Schlichtungsstellen’, ‘Schiedsgerichte’), bem como os tribunais eclesiásticos (‘Gerichtsbarkeit der Kirchen’).22 Todavia, existe um dever mínimo de observar o contraditório que é reconhecido como pre-ceito de “justiça natural” que vincula também as entidades privadas.23 Em tal caso, o direito prescrito no art. 103 atua simplesmente como um paradigma.24

Em realidade, o direito fundamental ao contraditório vincula o Poder Judiciário como um todo (inclusive Jurisdição Constitucional25) e faz-se presente em todas as espécies de processo e também em todas as instâncias recursais que tenham sido previstas pela legislação ordinária.26 Isso signifi ca que o art. 103, I da Constituição alemã não confere direito a nenhuma forma determinada de procedi-mento ou de recurso.27 Não há como deduzir desse artigo um direito genérico à revisão do julgamento por uma instância superior.28 A previsão dos recursos, seus pressupostos de admissibilidade e de proces-samento, bem como seus respectivos procedimentos, são assunto a ser regulado pelo legislador (são “Sache des Gesetzgebers”, coisa do legislador).29 Todavia, uma vez que a lei preveja um recurso, o legislador deve assegurar a edição de normas que consagrem o direito fundamental ao contraditório.13 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 4: “Gemäß Art. 1 Abs. 3 GG, der sich nicht auf die Grundrechte der Art. 2 – 19 beschränkt, ist die Vorschrift folglich für alle Träger der Staatsgewalt verbindlich. Neben den Gerichten ist es vor allem der Gesetzgeber, der Art. 103 Abs. 1 GG zu beacht-en hat. Konfl ikte mit der Exekutive dagegen dürften selten sein”14 Kunig (op. cit., RN 4) e Schmidt-Aßmann (op. cit., RN 49) são unânimes em afi rmar que o direito ao contraditório vincula unicamente os juízes estatais. 15 FROHN, op. cit., p. 36.16 KUNIG, op. cit., RN 5.17 ADOLF ARNDT, op. cit., p. 8.18 FROHN, loc. cit.; HELLMUT RÖHL Das rechtliche Gehör, Neue Juristische Wochenschrift, 1964:273-279, esp. p. 275.19 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 62-65.20 Cf. FAZZALARI, op. cit., pp. 2-3. 21 SCHMIDT-ASSMANN, op. cit., RN 49: “Unter Gerichten i. S. dieser Bestimmung sind nur staatliche Gerichte zu verstehen. Anzuknüpfen ist an den Gerichtsbegriff des Art. 92 GG.”22 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 50. 23 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 50; KUNIG, op. cit., RN 4. 24 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 50.25 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 52.26 KUNIG, op. cit., RN 6: “Art. 103 I (...) hat bedeutung für alle Arten von Gerichtsverfahren”; “und für alle Instanzen”; LEIPOLD, op. cit., RN 21 (o destaque consta do original). SCHMIDT-AßMANN (op. cit., RN 55) ressalta que, além do juiz, também o administrador judicial (‘Re-chtspfl eger’) deve observar o direito fundamental ao contraditório. 27 KUNIG, op. cit., RN 6. Por exemplo, está excluída a obrigatoriedade da audiência oral. Nem o legislador ordinário está obrigado estabelecê-la, nem o juiz, a concedê-la. O princípio da oralidade é de natureza infraconstitucional. 28 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 61.29 LEIPOLD, op. cit., RN 21.

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4. Conteúdo

A doutrina alemã determinou, com base na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, que o direito ao contraditório envolve três momentos essenciais, a saber: a informação, a manifesta-ção e a consideração.

4.1. Informação

Em primeiro lugar, o direito fundamental ao contraditório pressupõe necessariamente que seus legitimados tenham direito a ser informados a respeito de tudo o que se passa durante a tramita-ção do processo. A garantia em tela desdobra-se, pois, em primeiro lugar, em direito à informação. Os autores referem-se geralmente ao seu lado passivo, ou seja, ao dever de informar (‘Informationspfl i-cht’ 30), que se concentra no juízo; o seu é, em primeira linha, o dever de informar.31

Existe um conteúdo mínimo a ser informado. Aponta-se, nesse sentido, a necessidade de infor-mar a respeito do conteúdo do processo (‘Prozeßstoff’), incluindo-se nele as alegações, visões fáticas e jurídicas. Igualmente, todas as questões processuais (v. g., propositura da ação, movimentação do processo, provas, petições) devem ser informadas. Ressalta-se, por oportuno, que a informação não apenas se estende aos atos das partes, mas também os do juízo e dos demais participantes do proces-so. Esse direito à informação instrumentaliza-se através de três possibilidades básicas.

Em primeiro lugar, encontram-se os meios de comunicação e de conhecimento dos atos pro-cessuais.32 Daqui a importância dos preceitos processuais relativos a termos, prazos, citações, inti-mações.33 De todos os atos de informação, o que maior importância teórica e prática tem recebido, através da tradição, consiste na citação.34 Destaca-se, quanto a isso, a preocupação da jurisprudência alemã com a citação por edital (‘öffentliche Zustellung’), devido ao seu caráter eminentemente fi c-to.35 Gize-se, por fi m, no que se refere aos atos judiciais, a necessidade de que todos os de conteúdo decisório – e não apenas os atos recorríveis ou as sentenças – devem ser comunicados às partes.36

Em segundo lugar, destaca-se, na Alemanha, o direito à vista dos autos do processo (‘Akte-neinsicht’) como elemento fundamental da ideia de contraditório, sendo deduzido diretamente do preceito constitucional em comento (‘verfassungsrechtliche Akteneinichtsrecht’).37 O direito em tela abrange conhecimento assim dos atos do juiz e das partes como dos atos dos demais auxiliares do juízo (ofi ciais de justiça e peritos, por exemplo).38

Por fi m, a doutrina e jurisprudência alemãs destacam existir um dever de advertência por parte do juiz (‘Hinweispfl icht’), que se traduz como verdadeiro direito subjetivo das partes. Consiste essa garantia, de forma concreta, no dever de o juiz chamar a atenção das partes para os rumos preju-diciais ao contraditório, em cuja direção suas alegações se dirigem.39 Essa advertência pode se referir a pontos de fato ou de direito; de fundo ou a respeito dos aspectos processuais da causa.

Verifi ca-se, por conseguinte, o esforço para tornar o contraditório garantia efetiva, com o consequente incremento dos poderes judiciais.40 Gize-se, entretanto, que tal garantia deve ser com-preendida em conjunto com os caracteres gerais do processo civil, em cujos pilares está a autorres-ponsabilidade das partes. Esta inviabiliza a transformação do juiz em advogado ou mesmo em mero conselheiro das mesmas.

4.2. Manifestação

O segundo aspecto do contraditório, que pressupõe seja atendido o primeiro, consiste na possibilidade de manifestação a respeito do que foi informado. O direito de manifestação impli-ca que os seus respectivos titulares assumam o papel de verdadeiros sujeitos ativos do processo 30 Waldner prefere a expressão “Recht auf Orientierung” (direito a orientação), tomada do direito suíço (op. cit., p. 13).31 LEIPOLD, op. cit., RN 41. 32 KUNIG, op. cit., Rn 1233 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 71.34 Os jusnaturalistas, tanto os tomistas, quanto os racionalistas, baseavam o contraditório fundamentalmente na citação. Os primeiros a viam como instituição divina, existente já no Paraíso; cf. HINRICH RÜPING, Der Grundsatz des rechtlichen Gehörs und seine Bedeutung im Strafverfahren, Berlin : Duncker & Humblot, 1976, pp. 16-18. Os segundos, entre os quais se alinha Pufendorf, a tinham como imperativo da razão; cf. KNUT WOLFGANG NÖRR, Naturrecht und Zivilprozeß, Tübingen : J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1976, pp. 6-7. 35 E que deve ter possibilidades reais de ser conhecida pelo interessado. Cf. SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 72.36 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 73.37 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 74.38 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 75.39 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 76; LEIPOLD, op. cit., RN 41. 40 LEIPOLD, op. cit., RN 41: “Dem Zweck, die möglichst effektive Nutzung des Rechts auf Gehör zu ermöglichen”.

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(‘Verfahrenssubjekte’).41 Daí a implementação, através dessa garantia, da ideia de participação processual do cidadão (ressaltada, entre outros autores, por Elio Fazzalari)42, que se traduz, no âmbito do art. 103, I, da Constituição alemã, em direito de manifestação.

Estruturalmente, consoante a lição de Waldner, o direito de manifestação abrange um compo-nente agressivo e um componente repressivo.43

O primeiro componente signifi ca que o titular da garantia tem o direito de formular proposi-ções, realizar alegações e de efetuar a movimentação processual, através do exercício dos direitos, poderes e ônus que lhe são conferidos.44

Inicialmente, observa-se que a garantia do contraditório assegura a oportunidade de manifes-tação. Não se pode deduzir do art. 103, I da Constituição alemã nenhum dever de manifestação para o seu titular. Os casos em que isso ocorre situam-se fora dos limites da garantia em tela.45 Por conse-guinte, manifestar-se, ou não, é decisão da parte; o processo, por seu turno, consagra e respeita essa liberdade.46 Cabe unicamente a ela decidir da respectiva oportunidade e conteúdo.

Percebe-se, assim, que a prática jurídica alemã se satisfaz com que a manifestação do inte-ressado seja oportunizada. Claro está que essa oportunidade deve ser real e não mera fi cção. Daí a preocupação com a citação por edital, antes apontada. A realização efetiva da mesma, entretanto, é assunto que tradicionalmente tem sido relegado a um segundo plano. Impõe-se, a esse respeito, uma observação. O processo alemão, pelo menos desde a Ordenação Processual Civil de 1877 (ZPO), como se sabe, está orientado por uma concepção jurídica liberal. Tal orientação choca-se, entretanto, com outras ideias, dentro do próprio ambiente cultural alemão e europeu. Em tal sentido, tem-se afastado, modernamente, o caráter meramente formal do direito à manifestação.47

Não há nenhuma garantia constitucional específi ca no que diz respeito à forma, escrita ou oral, simples ou solene, que esta manifestação terá de obedecer. O princípio da oralidade, como res-salta Schmidt-Aßmann, não tem assento constitucional.48 A manifestação, como qualquer ato proces-sual, pressupõe, como regra, a capacidade postulatória, o que implica na necessidade de que a mesma seja realizada por intermédio de advogado, a não ser que o manifestante seja habilitado para tanto (advogado atuando em causa própria, promotor de justiça, procurador de entidade estatal).

A garantia em discussão abrange manifestações sobre fatos, provas e sobre situações jurídi-cas; estende-se sobre questões de fundo ou apenas sobre questões processuais.49 Quanto aos limites do direito de manifestação, deve-se observar o seguinte. Primeiramente, estão excluídos desse direito os fatos notórios.50 Em segundo lugar, a manifestação resta condicionada à sua pertinência em rela-ção ao objeto litigioso (‘causa petendi’) – excluindo-se, nesse sentido, questões totalmente alheias à discussão, ou que acabem por transformar o processo em palco de reivindicações político-sociais – e à visão, fática ou jurídica, atualmente dominante no processo. Ressalva-se, nesse último caso, a admis-sibilidade de manifestações sobre questões que potencialmente poderão vir a ser consideradas pelo juiz (princípio da potencial relevância – ‘Grundsatz der potentiellen Erheblichkeit’).51

A garantia não abrange a manifestação reiterada sobre os mesmos pontos, a menos que a res-peito dos mesmos tenha ocorrido alguma mudança substancial, o que remete para o terreno dos fatos novos.52 Antes de tudo, a admissibilidade de seu ingresso no curso do processo extravasa os limites do art. 103, I. Trata-se de questão a ser solucionada pelo legislador processual ordinário. A Constituição alemã apenas postula que, uma vez sejam tais fatos admitidos trazidos ao processo por uma das par-tes, o juiz deve renovar à parte contrária a oportunidade de manifestar-se sobre eles.53

No que respeita ao momento temporal em que haverá de ter lugar a manifestação, existe a regra de que a mesma deve ser prévia à formação da decisão judicial (princípio da anterioridade – ‘Vorherigkeitsgrundsatz’)54. Mas não somente isso. A garantia em tela postula, quanto às partes, que as mesmas disponham do tempo necessário para a tomada de conhecimento a respeito de um determi-41 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 80.42 FAZZALARI, op. cit., pp. 2-3.43 WALDNER, op. cit., RN 54.44 Ibidem. 45 SCHMIDT-ASSMANN, op. cit., RN 81.46 Cf., a esse respeito, CANOTILHO, op. cit., p. 155. 47 Cf. entre outros, ANTONIO NASI, Contraddittorio (principio del), in: Enciclopedia del diritto, IX, pp. 720-728, esp. p. 721. No Brasil, cf. CARLOS ALBERTO ALVARO DE OLIVEIRA, A garantia do contraditório, Revista da Faculdade de Direito Ritter dos Reis, 1(1998):7-27, esp. p. 10.48 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 84.49 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 85.50 Como dados geográfi cos e eventos históricos comprovados. Cf. SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 85. Ressalve-se, contudo, que o conceito é problemático, pois o que é notório em um determinado contexto social pode não sê-lo em outro. 51 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 86. 52 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 87.53 Idem, ibidem; LEIPOLD, op. cit., RN 21a54 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 92.

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nado ponto processual, para a refl exão sobre ele e, enfi m, para a formação, conclusão e apresentação da manifestação. O juiz deve, assim, aguardar um mínimo de tempo (fi xado na lei ou por sua própria disposição55) antes de decidir. A adoção do princípio da imediatidade não deve implicar, por conseguinte, em violação a este minimum temporal.56 Tempo necessário para que a manifestação possa infl uir de fato sobre a formação da decisão estatal. De regra, a manifestação deve ser prévia à formação da decisão.

Os casos em que a manifestação é diferida para momento posterior à decisão judicial são tratados pela prática alemã como exceção ao princípio da anterioridade. 57 Bem entendido, exceção ao princípio da anterioridade, e não ao princípio do contraditório em si. De qualquer forma, tais si-tuações, quando admitidas pelo legislador ordinário, atendem a determinadas necessidades jurídicas muito especiais e submetem-se a requisitos bastante rígidos.

O segundo componente que integra a garantia em tela impõe ao juiz o dever de fundamentar sua decisão apenas sobre os pontos de fato e de direito a cujo respeito as partes tenham podido se manifestar.58 Questões atinentes a esse segundo componente (v. g., julgamento surpreendente) serão melhor analisadas no ponto seguinte.

4.3. Consideração

Além da informação e da manifestação, o direito ao contraditório desdobra-se em uma ter-ceira e necessária etapa: a consideração daquilo que foi manifestado. De mesma forma como ocorreu nos momentos anteriores, pode-se contemplar a presente etapa simultaneamente como um direito subjetivo e como um dever jurídico. Do primeiro, são titulares os legitimados ativos da garantia do contraditório. O titular do segundo é o juiz. Os autores alemães acentuam o segundo aspecto do con-siderar; daí falar-se em um dever de consideração por parte do juiz (‘Beachtenspfl icht’).

Classicamente, falava-se em um dever do juiz de sentenciar apenas sobre os fatos, provas e proposições jurídicas a respeito das quais os legitimados ao contraditório tivessem tido oportunidade de se manifestar.59 O dever em tela apresenta uma dimensão positiva e outra negativa.

A dimensão positiva, que se refere especifi camente ao considerar, desdobra-se em dois mo-mentos. Primeiramente, tem lugar o conhecimento da totalidade da matéria jurídica, de cunho mate-rial ou processual, máxime daquilo que foi manifestado pelas partes.60 Exige-se que o juiz esteja em condições reais para fazê-lo. Quanto a isso, a jurisprudência alemã refere-se à necessidade, um tanto quanto pitoresca, mas real, de o juiz estar acordado e atento durante a audiência, bem como proíbe a participação de um juiz portador de defi ciência visual (v. g., “defi ciente visual”) em atos como o da inspeção judicial (‘richterliche Augenschein’).61

Em segundo lugar, impõe-se ao juiz o dever de ponderar e valorar todas as alegações fáticas e jurídicas, além, obviamente, da matéria cognoscível de ofício (‘Erwägung’).62 Inclui-se aí o dever de fi xação dos pontos principais e controvertidos da causa.63

Impõe-se, nesse momento, referência a alguns outros princípios que guardam estreita co-nexão com a matéria em questão. Inicialmente, deve-se considerar o princípio tradicional, segundo o qual ao juiz cabe, em razão de seu próprio ofício, conhecer e interpretar o Direito objetivo (“iura novit curia”). Isso signifi ca que as partes, titulares do direito ao contraditório, não podem exigir que o juiz se atenha à mesma qualifi cação jurídica dos fatos que tenham realizado, ou às visões jurídicas que tenham formulado.64

Finalmente, a jurisprudência e parte da doutrina têm reconhecido que esse dever de valora-ção judicial fornece a fundamentação ao dever de fundamentação das decisões judiciais.65 Assim, o juiz comprova que valorou as manifestações dos titulares do direito ao contraditório através da discus-são, do rechaço e da aceitação das mesmas, na própria sentença.

55 SCHMIDT-AßMANN. op. cit., RN 90. A questão deve ser entendida a partir do sistema processual alemão, em que a questão da fi xação dos prazos pelo juiz assume maior importância do que a que recebe no sistema processual civil brasileiro. 56 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 90.57 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 93. 58 WALDNER, op. cit., RN 54.59 VON WINTERFELD, op. cit., p. 850.60 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 95; DÜRIG, op. cit., RN 81.61 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 95.62 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 97; DÜRIG, op. cit., RN 81.63 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 99. 64 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 98.65 KOPP, com apoio em decisões do Tribunal Constitucional Federal alemão, reconhece ser o dever de fundamentação parte essencial do direito ao contraditório (op. cit., p. 626: “Es geht dabei mit Recht davon aus, daß die Begründungspfl icht insoweit notwendiger Bestandteil des Rechts auf Gehör ist, weil nur so sichergestellt ist, daß die Gerichte das, was die Parteien ihnen im Rahmen des rechtlichen Gehörs vortragen, auch wirklich dei den Entscheidungen berücksichtigen”). Cf., ademais, SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 99; DÜRIG, op. cit., RN 81.

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A dimensão negativa do dever de consideração consubstancia-se em certas proibições dirigi-das ao juiz. A principal delas é a de julgar de forma a causar surpresa às partes (‘Vertbot der Überras-chungsentscheidungen’). O julgado é tido como surpreendente sempre que se afaste das expectativas legítimas das partes em função dos pontos de vista jurídicos discutidos no processo até o momento da formação da sentença.66 Para evitar que isso ocorra, é necessário o juiz exercitar o dever de adver-tência, antes apontado.67 Extensivamente, conclui-se que o juiz também deve ouvir as partes antes de declarar inadmissível um recurso.68

Por fi m, acentua-se que a decisão judicial deve ser prolatada dentro de um prazo razoável (‘Recht auf Entscheidung in angemessener Zeit’).69 Para a determinação dessa razoabilidade, entram em cena elementos como a natureza do confl ito em questão, a complexidade do processo, a existência de litisconsortes e de incidentes processuais.

5. Conclusões

Pelo que se percebe, a doutrina alemã e a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão conferiram grande desenvolvimento ao princípio do contraditório, concebendo-o como um verdadeiro direito fundamental do cidadão em face do Estado. Merece especial destaque a circuns-tância de que a jurisprudência não se limita a mera utilização retórica do contraditório, mas procura extrair todas as consequências implicitamente contidas no preceito constitucional já analisado, o que constitui interessante paradigma para a concretização desse direito fundamental também no direito brasileiro.

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66 WALDNER, op. cit., RN 216; SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 140.67 SCHMIDT-AßMANN, op. cit., RN 141.68 LEIPOLD, op. cit., RN 21 a .69 VON WINTERFELD, op. cit., p. 850. Cf.

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Competências e habilidadesdos egressos dos cursos de

Administração demandadas pelasempresas do setor de comércioe serviço do município de Porto

Alegre no Rio Grande do SUlNeuri Antonio Zanchet(1)

Fernanda Casanova(2)

RESUMO

Este estudo objetiva identifi car as competências e habilidades dos egressos dos cur-sos de Administração que são demandadas pelas empresas do setor de comércio e serviços do município de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Busca-se, ainda, verifi -car em que área e para que nível hierárquico de atividade os egressos deveriam estar aptos a atuar. O estudo também visa verifi car se as competências e habilidades dos egressos demandadas pelas empresas apresentam congruência ou não com as com-petências e habilidades defi nidas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos Cursos de graduação em Administração, em nível de bacharelado. Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, quanto aos fi ns, e bibliográfi ca e de campo quanto aos meios, com análise dos dados através de uma abordagem qualitativa e quantita-tiva. Os resultados demonstram que as competências e habilidades mais importantes demandadas pelas empresas estão relacionadas à capacidade de tomar decisões em situações de diferentes graus de complexidade; identifi car problemas, formular e implantar soluções; estabelecer comunicações interpessoais e intergrupais; além de desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico sobre a realidade organizacional. Na análise comparativa, verifi cou-se que as competências e habilidades defi nidas nas DCN são parcialmente convergentes com as demandadas pelas empresas.

PALAVRAS-CHAVE

Instituição de Ensino Superior. Administração. Diretrizes Curriculares.

ABSTRACT

This study aims to identify the skills and abilities of people concluding Business Administration courses which are demanded by companies of the commerce and services sector of the municipality of Porto Alegre, in Rio Grande do Sul. Another goal of the study is to verify in which area and in which hierarchical level of activity the administrators should be capable to work. The study also aims to establish whether the administrators’ skills and abilities which are demanded by the companies are congruent with the ones defi ned by the National Curricular Guidelines (NCG) of the Business Administration courses for the Bachelor’s degree. It is an exploratory and descriptive research. Methodologically, bibliographical and fi eld researches were used. The data analysis was qualitative and quantitative. Results indicated that the most important skills and abilities which are demanded by the enterprises are

(1) Bacharel em Administração – Habilitação: Recursos Humanos; mestre em Ciências Sociais Aplicadas; Doutor em Desenvolvimento Regional pela Uni-versidade de Santa Cruz do Sul – UNISC; consultor de Empresas e professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected](2) Acadêmica do curso de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. E-mail: [email protected]

Ciências Sociais e Aplicadas

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related to the ability to take decisions in situations of various degrees of complexity; to identify problems, formulate and implement solutions; to establish interpersonal and intergroup relations; as well as to develop logical, critical and analytical reasoning about the organizational structure. In the comparative analysis, we verifi ed that the skills and abilities defi ned by the NCG are partially convergent with the ones demanded by the companies.

KEYWORDS

Higher Education Institution. Business. Curricular Guidelines.

1. Introdução

No mundo globalizado, mudanças constantes exigem que as empresas estejam continuamente apri-morando as suas estratégias, revendo e readequando seus métodos de produção e sua estrutura de trabalho a fi m de atender às necessidades dos clientes e ajustar-se às novas oportunidades de negócios. Estas mudanças são complexas e o trabalho de gestão apresenta situações incertas e desafi adoras solicitando profi ssionais que requeiram um conjunto de características para que juntas possam atender às necessidades das organizações.

Para Martins (2000, p. 58), o ensino superior “tem a função de fornecer profi ssionais capacitados e qualifi cados cientifi camente para atender às diversas e, cada vez mais complexas, demandas, tanto do setor público quanto do privado”. Segundo Brito (1996), a função da universidade é formar profi ssionais; devendo ir além de uma formação técnica. O profi ssional deve “conhecer a teoria, ter senso crítico, saber trabalhar em grupo e, acima de tudo, ter conhecimento da realidade e consciência de que é um trans-formador dessa mesma realidade” (BRITO 1996, p. 24). Pimenta e Anastasiou (2002, p. 173) afi rmam que a universidade não deve apenas atender às demandas derivadas do mercado de trabalho, mas, principal-mente, “aprender a olhar em seu entorno, a compreender e assimilar fenômenos, a produzir respostas às demandas sociais, a preparar globalmente os estudantes para as complexidades que se avizinham”. Meirieu (2002, p. 49) comenta que a organização escolar deve proporcionar ao sujeito possibilidades para a cons-trução de aprendizagens funcionais que respondam às necessidades de sua vida cotidiana e lhe “permitam verifi car imediatamente sua utilidade, ou aprendizagens profi ssionais que deverá realizar na empresa, sob a responsabilidade de verdadeiros profi ssionais”.

Muitas são as opiniões complementares e mesmo divergentes sobre a formação que futu-ros profi ssionais estão recebendo nas Instituições de Ensino Superior (IES) que se propõem a for-mar gestores. Os cursos de Administração nas IES têm se empenhado para serem mais efetivos no desenvolvimento das competências e habilidades exigidas pelo Ministério da Educação e demandadas pelo mercado de trabalho, em lugar de centrá-lo em conteúdos conceituais.

Percebe-se uma crescente evolução na qualidade do ensino desde a promulgação da Lei n.º 9.394 de 20 de dezembro de 1996, estabelecendo as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), até a edição da Resolução n.º 04 de 13 de julho de 2005, instituindo as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de graduação em Administração, em nível de bacharelado (BRASIL, 2005).

Considerando a existência dessas Diretrizes Curriculares para os cursos de Administração, bem como as exigências atuais do mercado de trabalho, este estudo procura responder à seguinte pergun-ta: Quais competências e habilidades dos egressos dos cursos de Administração são demandadas pelas empresas do setor comércio e serviços do Município de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul?

Para responder a esta questão foi estabelecido como objetivo central da pesquisa identifi car as competências e habilidades dos egressos dos cursos de Administração que são demandados pelas empresas do setor comércio e de serviços do município de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Um conjunto de objetivos específi cos detalha o objetivo geral: a) identifi car o cargo dos respondentes, o setor de atuação e o número de funcionários de cada empresa; b) verifi car em que área e para que nível hierárquico de atividade os egressos deveriam estar aptos a atuar; c) verifi car se as competências e habilidades dos egressos demandadas pelas empresas apresentam congruência ou não com as compe-tências e habilidades defi nidas pelas DCN para os cursos de graduação em Administração.

O presente estudo está organizado em seis seções, sendo esta introdução a primeira delas. Na segunda seção, destaca-se a trajetória do ensino de Administração no Brasil e as competências e habilidades sugeridas pelas DCN. Na sequência, apresentam-se os conceitos de competência e habi-lidades, logo após encontra-se a metodologia da pesquisa, em seguida, apresenta-se a análise dos dados da pesquisa. Por fi m, na última seção, apresentam-se as considerações fi nais e sugestões para a continuidade da pesquisa neste tema.

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2. A Trajetória do Ensino de Administração no Brasil e as Competências e Habilidades Sugeridas pelas DCN.

A trajetória do ensino da Administração no Brasil e, consequentemente, a formação de pro-fi ssionais em Administração, remonta à década de 40, período no qual aumentava a necessidade de formar sujeitos com determinadas habilidades e competências para lidar com as novas atividades exigidas pelo processo de industrialização brasileira.

De acordo com Martins (1989), o surgimento da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, e a criação da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) re-presentaram um marco para as atividades de ensino e pesquisa de temas econômicos e administrativos no Brasil, tendo contribuído para o processo de desenvolvimento econômico do país.

A origem da FGV remonta à criação do Departamento de Administração do Serviço Público (DASP) em 1938. Este órgão tinha como fi nalidade, estabelecer um padrão de efi ciência no serviço público federal e criar canais mais democráticos para o recrutamento de recursos humanos para admi-nistração pública, através de recursos de admissão. Em 1952, surge a Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), criada pela FGV, que teve o apoio da ONU e da UNESCO para sua manutenção inicial. Posteriormente, esta Fundação cria a Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP). Para sua implantação, a FGV contou com apoio do Governo Federal, do Estado de São Paulo e da iniciativa privada, além do convênio fi rmado com o Desenvolvimento internacional do Governo dos Estados Unidos.

Já a USP, que surgiu em 1934 da articulação de faculdades já existentes e da abertura de novos centros de ensino, foi também, segundo Martins (1989), outra instituição relevante para o desenvol-vimento do ensino de Administração. Em 1946, foi criada a Faculdade de Economia e Administração (FEA), com o objetivo principal de prestar colaboração a empresas privadas e a todos os órgãos do serviço público. No entanto, essa Faculdade possuía apenas os cursos de Ciências Econômicas e Ciên-cias Contábeis, que tratavam de disciplinas relacionadas com questões de administração. O curso de Administração teve início apenas em 1963, quando a faculdade passou a oferecer os cursos de Admi-nistração de Empresas e Administração Pública.

Em 9 de setembro de 1965, mediante a Lei n.º 4.769, o exercício da profi ssão foi regulamen-tado no Brasil. Inicialmente foi chamado de “Técnico de Administração” o profi ssional diplomado no Brasil, em cursos regulares de ensino superior, ofi cial, ofi cializado ou reconhecido, cujo currículo era fi xado pelo Conselho Federal de Educação (CFE), nos termos da Lei n.º 4.024, de 20 de dezembro de 1961 que fi xava as Diretrizes e Bases de Educação no Brasil (BRASIL, 1965). A fi m de garantir o cumpri-mento destas, e de outras determinações contidas na lei, tornou-se necessária a criação de órgãos de classe que tivessem este objetivo. Com isso, em seus parágrafos 6º, 7º e 8º, a Lei 4.769/65 instituiu e defi niu as funções do Conselho Federal de Administração (CFA) e dos Conselhos Regionais de Adminis-tração (CRA’s).

No ano seguinte à regulamentação da profi ssão, por meio do parecer n.º 307/66, aprovado em 8 de julho de 1966, o CFE fi xou o primeiro currículo mínimo do curso de Administração. Habilitava-se, de fato, o profi ssional para o exercício da profi ssão de Técnico de Administração, denominação da categoria alterada para “Administrador”, por meio da Lei n.º 7.321, de 13/06/1985 (BRASIL, 1985).

O primeiro currículo mínimo do curso de Administração procurou agrupar matérias de cultura geral, objetivando o conhecimento sistemático dos fatos e condições institucionais em que se inseria o fenômeno administrativo; matérias instrumentais, oferecendo os modelos e técnicas da natureza conceitual ou operacional e matérias de formação profi ssional.

Esse currículo permaneceu em vigor até 1993, quando, então, foi substituído por um novo, aprovado pela Resolução n.º 2, de 04 de outubro de 1993, composto por matérias de formação básica instrumental, matérias de formação profi ssional, disciplinas eletivas e complementares e estágio su-pervisionado, bem como a duração do curso de administração (BRASIL, 1966; BRASIL, 1993).

Em 1996, a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro (BRASIL, 1996), nos seus artigos 43 a 57, trata de questões relativas ao ensino superior, com o intuito de tornar o ensino superior mais efi caz, trazendo em seu contexto uma proposta que enfatiza a fl exibilidade curricular. Em 1997, por meio do Edital n.º 04/97, a Secretaria de Educação Superior iniciou um processo de discussão de diretrizes curriculares dos cursos superiores com as IES, com o objetivo de adaptá-los à Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que estabeleceu as normas gerais aplicáveis a todos os níveis e modalidades de educação.

Os cursos de Administração criados após a Resolução n.º 02/1993 passaram a incluir o nome das habilitações específi cas na nomenclatura do curso, proporcionando uma grande diversifi cação dos cursos de Administração. Tal diversifi cação descaracterizou os cursos, pulverizando conteúdos e com-

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petências. Visando alterar essa tendência com prejuízo da identidade acadêmica do curso de Adminis-tração, procurou-se, em 2001, construir critérios de transição com vistas às novas DCN. Dessa forma, com o apoio do CFA e da Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração (ANGRAD), a Comissão de Especialistas de Ensino de Administração (CEEAd) elaborou uma recomendação com o objetivo de fi xar critérios transitórios para pedidos de autorização de cursos de graduação em Adminis-tração até a aprovação das novas DCN. Essa recomendação teve como base, principalmente, a neces-sidade de resgatar a essência da profi ssão de Administrador no processo de ensino de Administração.

Em abril de 2002, foi aprovado o parecer da Câmara de Educação Superior (CES) do Conselho Nacional de Educação (CNE) n.º 0146/2002, instituindo as DCN do curso de graduação em Administra-ção, modifi cado posteriormente pelo parecer CES/CNE n.º 0134/2003. O documento resultante de toda essa discussão ao longo dos anos é a Resolução n.º 01, do CNE de fevereiro de 2004, que instituiu as DCN para o curso de Administração, posteriormente substituída pela Resolução n.º 04, de 13 de julho de 2005 (CNE/CES, 2005; BRASIL, 2005).

As DCN do curso de graduação em Administração, em concordância com a LDB, procura garantir a organização curricular associada ao projeto político-pedagógico, destinando a sua fl exibilidade para formar profi ssionais que revele, pelo menos, as seguintes competências e habilidades, divididas em oito grupos:

I - reconhecer e defi nir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modifi cações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão;

II - desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profi ssional, inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais;

III - refl etir e atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento;

IV - desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e formulações matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos, administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais;

V - ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu exercício profi ssional;

VI - desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profi ssional, em diferentes modelos organiza-cionais, revelando-se profi ssional adaptável;

VII - desenvolver capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações;VIII - desenvolver capacidade para realizar consultoria em gestão e administração, pareceres e

perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais (BRASIL, 2005, p. 2).Assim, a formação profi ssional que busca desenvolver as competências e habilidades necessá-

rias para os administradores exercerem suas funções e desempenhar seus papéis gerenciais em diver-sas áreas do setor público, privado e não governamental foi institucionalizado.

As possíveis áreas de atuação dos administradores, de acordo com o CFA (2011), são:a) administração fi nanceira: análise, assessoria, assistência e consultoria fi nanceira, bem

como administração de capitais, controladoria, arbitragens, entre outras;b) administração materiais/logística: controle, catalogação, orçamento e estudo de mate-

riais; logística, planejamento de compras e estoques, sistema de suprimentos;c) administração mercadológica/Marketing: planejamento de vendas, canais de distribuição,

consultoria promocional, coordenação de promoções, pesquisa de mercado e desenvolvimento de pro-duto, informações comerciais, técnica comercial e técnicas de varejo;

d) administração da produção: controle de produção, pesquisa de produção, planejamento do produto planejamento e análise de custo;

e) administração de recursos humanos: desenvolvimento, controle, coordenação, seleção e treinamento de pessoal; locação de mão de obra, recrutamento, cargos e salários, interpretação de performances;

f) administração de orçamento: controle de custo e orçamento, elaboração de orçamento, projeções, provisões e previsões, implantação de sistemas;

g) administração de organização e métodos: análise e implantação de processos, sistemas e métodos, gerência administrativa e de projetos, racionalização e reorganização, consultoria adminis-trativa, análise de formulários;

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h) campos conexos: administração de consórcio, comércio exterior, cooperativas; adminis-tração hospitalar, condomínios, imóveis, processamento de dados/informática; administração rural, hoteleira, factoring, e turismo.

Qualquer que seja a área de atuação do administrador, o grande desafi o repousa em ter as com-petências e habilidades demandadas e, a partir destas, mobilizar conhecimentos em diferentes situações.

3. Competências e Habilidades – Conceitos

Os termos competência e habilidades são conceituados de diferentes maneiras por diversos autores. Dutra, Hipólito & Silva (1998) salientam que, para os autores como McClelland, Dailey (1972) e Boyatzis (1982) , que realizaram seus trabalhos nas décadas de 70 e 80, para a maioria dos america-nos, competência signifi ca o conjunto de qualifi cações que um indivíduo detém para executar trabalho com nível superior de desempenho. Contudo, após a década de 80, outros autores como Le Boterf (1994); Zarifi an (1996) e Jacques (1990), predominantemente europeus, contestaram esse conceito de competência, associando-o às realizações das pessoas àquilo que elas provêem, produzem, entre-gam. Este segundo grupo percebe que o fato de uma pessoa possuir as qualifi cações necessárias para determinado trabalho não garante que elas sejam realmente utilizadas e, consequentemente, que se realize tal atividade produtiva (DUTRA, HIPÓLITO & SILVA, 1998).

Mclagan (1997) afi rma que, no ambiente de trabalho, a palavra competência tem assumido di-versos signifi cados normalmente alinhados a características dos indivíduos ou das suas atividades pro-dutivas e resultados decorrentes. Assim, a competência representaria a união das características pró-prias do ser humano e o desempenho alcançado em determinadas atividades profi ssionais exercidas.

Segundo Ruas (1999), o conceito de competência, nos últimos anos, tem aparecido como uma forma de repensar as interações entre pessoas, seus saberes e capacidades, e as organizações e suas demandas. O autor coloca que:

[...] a competência não se reduz ao saber, nem tampouco ao saber-fazer, mas sim à sua capacidade de mobilizar e aplicar esses conhecimentos e capacidades numa condição particular, onde se colocam recursos e restrições próprias à situação específi ca. Alguém pode conhecer métodos modernos de reso-lução de problemas e até mesmo ter desenvolvido habilidades relacionadas à sua aplicação, mas pode não perceber o momento e o local adequados para aplicá-los na sua atividade. [...] A competência, por-tanto, não se coloca no âmbito dos recursos (conhecimentos, habilidades), mas na mobilização destes recursos e, portanto, não pode ser separada das condições de aplicação (RUAS, 1999, p. 04).

Zarifi an (2001, p. 68) considera a competência como a “inteligência prática de situações que se apoiam sobre os conhecimentos adquiridos e os transformam tanto mais quanto maior for a comple-xidade das situações”. Para o autor, existem dois fatores que tornam o indivíduo competente: o conhe-cimento social, ou seja, o conhecimento que ele herda da sociedade em sua trajetória histórica, e a inteligência prática, isto é, a compreensão das situações nas quais os conhecimentos são mobilizados.

Para Levy-leboyer (1996), as competências estão vinculadas tanto a uma tarefa quanto a um conjunto de atividades e são saberes articulados, realizados de maneira internalizada, uma vez que o indivíduo utiliza este saber no momento adequado, sem ter a necessidade de consultar regras básicas ou perguntar qual conduta adotar. Para essa autora, contudo, justamente por tratar-se de diferentes saberes tácitos, é difícil descrever e, por consequência, compreender, as características reais das competências.

Le Boterf (2003) coloca a competência com três eixos formados pela pessoa com biografi a e socialização, pela sua formação educacional e pela sua experiência profi ssional. A competência é o conjunto de aprendizagens sociais e comunicacionais alimentadas pela aprendizagem e formação e a jusante por sistema de avaliações. Ressalta ainda que a competência é saber agir de modo responsável e reconhecido pelos outros. É saber como mobilizar, integrar e transferir os conhecimentos, recursos e habilidades no contexto profi ssional.

Prahalad e Hamel (1990) trabalham o conceito no âmbito organizacional, referindo-se à com-petência como um conjunto de conhecimentos, habilidades, tecnologias, sistemas físicos, gerenciais e valores que geram um diferencial competitivo para a organização. Javidan (1998) coloca que as competências organizacionais constituem-se em um conjunto de habilidades e conceitos baseados em unidades estratégicas de negócios.

Assim, o tema competência vem sendo comumente compreendido a partir de duas referên-cias: o contexto organizacional e o individual. As competências organizacionais se baseiam no conhe-

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cimento das pessoas, no trabalho das equipes, na estrutura e cultura organizacional. A competência individual envolve diretamente o indivíduo inserido em sua equipe de trabalho através de sua ativida-de prática, uma vez que sua rotina diária implica num saber aprender constante.

Neste sentido, as competências compreendem a soma dos conhecimentos presentes nas ha-bilidades individuais e nas unidades organizacionais. As habilidades correspondem à facilidade para utilizar as capacidades físicas e intelectuais.

Contudo, de acordo com Bateman e Snell (1998), as habilidades podem ser agrupadas em três categorias: habilidade técnica é poder desempenhar uma tarefa especializada que envolve certo método ou processo. Já as habilidades interpessoais e de comunicação infl uenciam o modo como o administrador trabalha com as pessoas. É uma das habilidades consideradas mais importantes pelos autores, em todos os níveis gerenciais, para se conseguir uma colocação, mantê-la e desempenhá-la bem. Em contrapartida, as habilidades conceituais e de decisão envolvem o reconhecimento de questões complexas e dinâmicas, o exame de fatores numerosos e confl itantes que infl uenciam essas questões e problemas, bem como a resolução de problemas para o benefício da organização e de todos os envolvidos.

4. Procedimentos Metodológicos

Para defi nir o tipo de pesquisa utilizou-se o critério proposto por Vergara (2007), que classifi ca a pesquisa em relação a dois aspectos: quanto aos fi ns e quanto aos meios.

Quanto aos fi ns, ou seja, quanto aos objetivos deste estudo, a pesquisa é exploratória e des-critiva. Descritiva porque expõe as demandas das empresas do setor de comércio e serviços do Muni-cípio de Porto Alegre, Estado do Rio Grande do Sul, no que concerne às competências e habilidades dos egressos dos cursos de Administração. Segundo Vergara (2007, p. 47), “a pesquisa descritiva expõe características de determinada população ou determinado fenômeno, permite também estabelecer correlações entre variáveis e defi nir sua natureza”. Segundo Gil (1999, p. 45), as pesquisas explora-tórias visam “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses”. No caso deste estudo, confi gura-se como uma fase preliminar, que busca proporcionar maiores informações sobre o assunto que vai ser investigado.

Quanto aos meios de investigação, este estudo se enquadra como uma pesquisa bibliográfi ca e de campo. De acordo com Vergara (2007, p. 48), a pesquisa de campo “é um processo de investigação empírica realizada no local onde ocorre ou ocorreu um fenômeno ou que dispõe de elementos para explicá-los”. A realização da pesquisa diretamente com as empresas do setor comercial e de serviços do Município de Porto Alegre, através de questionários entregues ao principal gestor de cada empresa, caracteriza o presente estudo como uma pesquisa de campo. Segundo Vergara (2007, p. 47), a pesquisa bibliográfi ca consiste em “um estudo sistematizado desenvolvido com base em material publicado em livros, revistas que são acessíveis ao público em geral”. Para a fundamentação teórico-metodológica, foi necessário um estudo contínuo, baseado em livros, artigos, além de periódicos sobre a legislação educacional dos cursos de administração, bem como a metodologia da pesquisa.

A população-alvo da pesquisa foram as 750 empresas do setor de comércio e serviço inte-grantes da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA), sendo que 392 responderam a pesquisa. Essa pesquisa foi realizada entre os meses de março, abril e maio de 2012 através de um questionário, composto de duas partes, o qual foi entregue via correio eletrônico ao principal gestor de cada em-presa. A primeira parte estava composta por questões genéricas buscando informações acerca de cada empresa. Essas questões se referem aos dados de identifi cação do cargo do respondente, o setor de atuação e o número de funcionários da empresa. Adicionalmente, questionava-se em que área e para que nível hierárquico de atividade os egressos dos cursos de administração deveriam estar aptos a atuar. Para identifi car o porte da empresa, seguiu-se a classifi cação utilizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) considerando o número de funcionários, da seguinte for-ma: microempresa, até nove funcionários; pequena empresa, de 10 a 49 funcionários; média empresa, de 50 a 99 funcionários; grande empresa, 100 ou mais funcionários (SEBRAE, 2012). Para identifi car em que área o egresso dos cursos de administração deveriam estar aptos a atuar, utilizou-se a relação das possíveis áreas de atuação divulgada pelo CFA (2011). Em relação ao nível hierárquico de atividade dos egressos, seguiu-se a classifi cação de ocupações elaborada pela Classifi cação Brasileira de Ocupações (CBO) e divulgada pelo Ministério do Trabalho (CBO, 2012).

A segunda parte do questionário se refere às competências e habilidades que deveriam estar presentes nos egressos dos cursos de administração na ótica do respondente, para atuarem em em-presas do setor de comércio e serviços do Município de Porto Alegre. Foram construídas questões de

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múltipla escolha, tomando por base o descrito nas DCN (BRASIL, 2005) para os cursos de Administração (agrupadas em oito categorias) Estas categorias foram subdivididas e transformadas em 22 itens do questionário. Tal opção teve por fi nalidade verifi car se existe convergência entre o que pensam os es-pecialistas no ensino de administração e o desejado pelas empresas do setor de comércio e serviço do Município de Porto Alegre. Segundo Martins e Lintz (2000, p. 46), este tipo de instrumento de medida “consiste em um conjunto de itens apresentados em forma de afi rmações, ou juízos, ante os quais se pede aos sujeitos que externem suas reações, escolhendo um dos cinco ou sete pontos de uma esca-la”. O questionário apresenta, na segunda parte, uma escala de cinco pontos: 1 – nada importante; 2 – pouco importante; 3 – indiferente; 4 – importante e 5 – muito importante, com a fi nalidade de que os respondentes classifi quem quais itens de competências e habilidades são importantes nos egressos dos cursos de Administração.

Após a coleta dos dados, foram defi nidos os procedimentos de contagem e tabulação dos mesmos. A análise dos dados qualitativos foi feita através de leitura crítica. Por meio desta análise foram identifi cados os pontos que mereciam uma maior atenção e que deveriam ser mais valorizados pelos gestores. Os dados quantitativos foram registrados em uma planilha eletrônica de tabulação e apresentados em tabelas com a demonstração da frequência relativa e acumulada das respostas entre as alternativas. De acordo com Marconi e Lakatos (2006), a distribuição de frequências constitui-se em repetições agrupadas dos valores da variável de modo estatístico e permite melhor compreensão dos fenômenos.

5. Apresentação e Análise dos Dados da Pesquisa

5.1. Identifi cação do cargo dos Respondentes

Na tabela 1, é apresentada a identifi cação do cargo dos gestores que responderam o questio-nário. Pode-se verifi car que, do total dos respondentes, 44,13% são proprietários; 38,52%, diretores; 13,78%, gerentes e 3,57% pertencem a outras categorias.

Cargo do gestor N.º de citações Percentual

Proprietário 173 44,13%

Diretor 151 38,52%

Gerente 54 13,78%

Outros 14 3,57%

Total 392 100%

Tabela 1- Identifi cação do cargo dos respondentes Fonte: elaborado a partir dos resultados dos questionários

5.2. Setor de Atividade

Caracterizando o grupo de empresas que participaram do estudo, tem-se a prevalência de empresas do setor de serviços (73,98%).

Setor de atividade N.º de citações Percentual

Serviço 290 73,98%

Comércio 102 26,02%

Total 392 100%

Tabela 2- Setor de atividade das empresas participantes da pesquisa Fonte: elaborado a partir dos resultados dos questionários

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5.3. Número de Funcionários

Considerando a classifi cação do sistema SEBRAE que classifi ca as empresas quanto ao porte, de acordo com o número de funcionários, observa-se que a maioria das empresas participantes da pesquisa é de pequeno e médio porte (tabela 3).

Número de funcionários N.º de citações Percentual

Até 9 funcionários (microempresa) 12 3,06%

10 a 49 funcionários (pequena empresa) 203 51,79%

50 a 99 funcionários (média empresa 145 36,99%

100 ou mais funcionários (grande empresa) 32 8,16%

Total de observações 392 100%

Tabela 3- Número de funcionários que trabalham nas empresasFonte: elaborado a partir dos resultados dos questionários

5.4. Área de Atuação

Nesta questão foram relacionadas as principais possíveis áreas de atuação do administrador de acordo com a classifi cação elaborada pelo CFA, tendo sido perguntado aos participantes da pesquisa em qual área da administração os egressos do curso de Administração seriam aproveitados pelas em-presas do setor de comércio e serviço do Município de Porto Alegre. Para a eventualidade do egresso do curso de Administração atuar em alguma área não mencionada, foi acrescentada a alternativa – outra área, na qual o participante da pesquisa podia indicá-la, se este fosse o caso.

A tabela 4, apresentada a seguir, demonstra que a maior frequência se dá na área de Admi-nistração Mercadológica/Marketing (32,14%) seguida do aproveitamento para a área de Administração Financeira (26,53%), Administração de Recursos humanos (19,90%) e Administração de Materiais/Lo-gística (14,29%).

Área de atuação N.º de citações Percentual

Administração Mercadológica/Marketing 126 32,14%

Administração Financeira 104 26,53%

Administração de Recursos Humanos 78 19,90%

Administração de Materiais/Logística 56 14,29%

Outras 28 7,14%

Total de observações 392 100%

Tabela 4 – Área em que o novo administrador seria aproveitado na empresa pesquisada.Fonte: elaborado a partir dos resultados dos questionários

5.5. Nível Hierárquico A pesquisa buscou, ainda, verifi car para que nível hierárquico os egressos do curso de Admi-

nistração deveriam estar aptos a atuar, sendo as respostas apresentadas na tabela 5. Nesta questão foram relacionados os cargos de acordo com a classifi cação de ocupações elaborada pela Classifi cação Brasileira de Ocupações (CBO) e divulgada pelo Ministério do Trabalho. Neste sentido, identifi cou-se maior representatividade entre os níveis hierárquicos de gerente e supervisor que receberam, respec-tivamente, 34,70% e 20,41% das indicações dos respondentes. Um terceiro nível hierárquico é o de analista, indicado por 15,05% dos pesquisados. Em quarto lugar, indicado por 9,95% dos respondentes, fi cou o nível hierárquico de assistente. Além disso, observou-se que o nível hierárquico de auxiliar foi indicado por 7,65% dos respondentes. Os que assinalaram outros níveis hierárquicos não relacionados no enunciado da questão representaram aproximadamente 5,36% dos respondentes. O nível hierárqui-co de trainee foi também indicado, porém com menor representatividade.

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Nível hierárquico (Cargo) N.º de citações Percentual

Gerente 136 34,70%

Supervisor 80 20,41%

Analista 59 15,05%

Assistente 39 9,95%

Auxiliar 30 7,65%

Outros 27 6,89%

Trainee 21 5,36%

Total de observações 392 100%

Tabela 5 - Nível hierárquico para o qual o egresso deve estar apto a atuarFonte: elaborado a partir dos resultados dos questionários

5.6. Competências e Habilidades Demandadas

No que diz respeito às competências e habilidades demandadas pelas empresas do setor de comércio e de serviço do município de Porto Alegre, a construção das questões tomou por base o des-crito nas DCN (BRASIL, 2005) para o curso de Administração. As categorias consideradas nas DCN foram subdivididas e transformadas em 22 itens do questionário.

Competência e HabilidadeMuito

Importante Importante Indiferente PoucoImportante

NadaImportante

n.º % n.º % n.º % n.º % n.º %

Tomar decisões em situações de diferentes graus de

complexidade312 79,59 68 17,35 12 3,06 0 0 0 0

Identifi car problemas, formular e implantar

soluções 298 76,02 64 16,33 30 7,65 0 0 0 0

Estabelecer comunicações interpessoais e intergrupais

efi cazes 290 73,98 66 16,84 36 9,18 0 0 0 0

Desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico

sobre a realidade organizacional

284 72,45 56 14,29 52 13,26 0 0 0 0

Estar aberto às mudanças constantes da vida

organizacional198 50,51 55 14,03 73 18,62 66 16,84 0 0

Introduzir modifi cações nos processos de gestão 189 48,21 61 15,56 86 21,94 56 14,29 0 0

Ter iniciativa perante situações novas ou

desafi adoras173 44,13 72 18,37 77 19,64 70 17,86 0 0

Compreender a posição e a função da produção na estrutura organizacional

121 30,87 120 30,61 112 28,57 29 7,40 10 2,55

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Ter capacidade para elaborar, implantar e consolidar projetos

113 28,83 116 29,59 86 21,94 55 14,03 22 5,61

Refl etir criticamente sobre a esfera da produção - - - - - - - - - -

Pensar estrategicamente - - - - - - - - - -

Expressar-se de maneira a poder apresentar propostas

sobre diversos assuntos empresariais

- - - - - - - - - -

Comunicar com segurança em processos de negociação - - - - - - - - - -

Atuar preventivamente de maneira a antecipar a ocorrência de problemas

- - - - - - - - - -

Expressar-se de modo crítico e criativo diante

dos diferentes ambientes organizacionais e sociais

- - - - - - - - - -

Ter vontade de continuar a aprender - - - - - - - - - -

Ter consciência da qualidade e das implicações éticas do

exercício profi ssional- - - - - - - - - -

Ter consciência do que seja em trabalho de qualidade - - - - - - - - - -

Desenvolver a capacidade de transferir conhecimento

da vida e da experiência cotidiana para o ambiente

de trabalho

- - - - - - - - - -

Desenvolver capacidade para elaborar, implantar e consolidar projetos em

organizações

- - - - - - - - - -

Desenvolver capacidade para realizar consultoria em

gestão e administração- - - - - - - - - -

Desenvolver pareceres e perícias administrativas,

gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais

- - - - - - - - - -

Tabela 6 - competências e habilidades demandadasFonte: elaborado a partir dos resultados dos questionários

Observa-se que dos 22 itens de competências e habilidades, nove foram relacionados pelos gestores das empresas pesquisadas: os quatro itens relacionados como muito importante apresentam percentual a partir de 72,45%. Cinco apresentaram percentual entre 50,51% e 28,83%, e 13 itens não foram relacionados pelos gestores.

Admitindo-se que os quatro dos nove itens de competências e habilidades relacionadas pelos gestores são os mais importantes para as empresas do setor de comércio e serviço do Município de Porto

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Alegre, pode-se inferir que os cursos de Administração deveriam formar egressos dotados da capacidade de tomar decisões em situações de diferentes graus de complexidade; identifi car problemas, formular e implantar soluções; estabelecer comunicações interpessoais e intergrupais efi cazes; além de desenvol-ver raciocínio lógico, crítico e analítico sobre a realidade organizacional. Cabe destacar, contudo, que competência é uma inteligência prática aplicada às situações reais, que se apoia em conhecimentos adquiridos os quais se transformam na medida em que as ações são desenvolvidas (ZARIFIAN, 2001).

5.7. Análise comparativa entre as competências e habilidades descritas nas DCN e as demandas pelas empresas do setor de comércio e serviço do Município de Porto Alegre

Grupos de Competências e Habilidades descritas nas DCN

Competências e Habilidades demandadaspelas empresas

I - reconhecer e defi nir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir

modifi cações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e generalizar

conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão

Identifi car problemas, formular e implantar soluções. Introduzir modifi cações nos processos

de gestão. Tomar decisões em situações de diferentes graus de complexidade

II - desenvolver expressão e comunicação compatíveis com o exercício profi ssional,

inclusive nos processos de negociação e nas comunicações interpessoais ou intergrupais

Estabelecer comunicações interpessoais e intergrupais efi cazes

III - refl etir e atuar criticamente sobre a esfera da produção, compreendendo sua

posição e função na estrutura produtiva sob seu controle e gerenciamento

Compreender a posição e a função da produção na estrutura organizacional

IV - desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores e formulações

matemáticas presentes nas relações formais e causais entre fenômenos produtivos,

administrativos e de controle, bem assim expressando-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais

Desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico sobre a realidade organizacional

V - ter iniciativa, criatividade, determinação, vontade política e administrativa, vontade de aprender, abertura às mudanças e consciência da qualidade e das implicações éticas do seu

exercício profi ssional

Ter iniciativa perante situações novas ou desafi adoras. Estar aberto às mudanças

constantes da vida organizacional

VI - desenvolver capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profi ssional, em diferentes modelos organizacionais,

revelando-se profi ssional adaptável

Sem referência

VII - desenvolver capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos em organizações

Ter capacidade para elaborar, implementar e consolidar projetos

VIII - desenvolver capacidade para realizar consultoria em gestão e administração,

pareceres e perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicos e operacionais

Sem referência

Quadro 1 - Comparativo entre as competências e habilidades descritas nas DCN e as de-mandas pelas empresas do setor de comércio e serviço do Município de Porto Alegre.

Fonte: elaborado a partir dos resultados dos questionários

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A análise do quadro acima permite verifi car que as competências e habilidades defi nidas nas DCN (BRASIL, 2005) são parcialmente convergentes com as demandadas pelas empresas do setor comercial e serviços do Município de Porto Alegre no Rio Grande do Sul. Entre as não congruentes, encontram-se as competências e habilidades de realizar consultoria em gestão e administração, pa-receres e perícias administrativas, gerenciais, organizacionais, estratégicas e operacionais, além de ter capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profi ssional, em diferentes modelos organizacionais, revelando-se profi ssional adaptável.

Considerações Finais

A presente pesquisa objetivou identifi car as competências e habilidades dos egressos dos cur-sos de Administração que são demandadas pelas empresas do setor de comércio e serviços do município de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. Busca-se, ainda, além de coletar informações acerca de cada empresa, verifi car em que área e para que nível hierárquico de atividade os egressos deveriam estar aptos a atuar, bem como verifi car se as competências e habilidades dos egressos demandadas pelas empresas apresentam congruência ou não com as competências e habilidades defi nidas pelas Diretri-zes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos de graduação em Administração, em nível de bacharelado.

Das 750 empresas do setor de comércio e serviço integrantes da Associação Comercial de Porto Alegre (ACPA), 392 participaram da pesquisa. Estas empresas, de modo geral, são de pequeno e médio porte. Quanto à área na qual os egressos dos cursos de Administração deveriam estar aptos a atuar, identifi cou-se que a maior frequência ocorreu na área de Administração Mercadológica/ Marketing, seguida do aproveitamento para as áreas de Administração Financeira e RH. Em relação ao nível hie-rárquico, a maior representatividade foi dos níveis de gerente e supervisor.

Em relação às competências e habilidades demandadas pelas empresas, foi constatada maior frequência de solicitação em relação à capacidade de tomar decisões em situações de diferentes graus de complexidade; identifi car problemas, formular e implantar soluções; estabelecer comunicações interpessoais e intergrupais efi cazes; além de desenvolver raciocínio lógico, crítico e analítico sobre a realidade organizacional. Assim, as competências e habilidades demandadas pelas empresas do setor de comércio e serviços do Município de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul estão de acordo com a área e o nível hierárquico nos quais os gestores demandam.

Quando é realizada a análise comparativa entre as competências e habilidades descritas nas DCN (BRASIL, 2005) e as demandadas pelas empresas do setor de comércio e serviço do município de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, percebe-se que determinadas competências e habilidades que fazem parte das atividades típicas e privativas do administrador não tenham sido mencionadas pelos gestores das empresas pesquisadas. Entre elas encontram-se as competências e habilidades de realizar consultoria em gestão e Administração, pareceres e perícias administrativas, gerenciais, organiza-cionais, estratégicos e operacionais, além de ter capacidade de transferir conhecimentos da vida e da experiência cotidianas para o ambiente de trabalho e do seu campo de atuação profi ssional, em diferentes modelos organizacionais, revelando-se profi ssional adaptável. Esses resultados permitem questionar como os gestores destas empresas podem dar pouca importância a tais características da formação e atuação dos egressos dos cursos de Administração? A atuação do administrador, em situações profi ssionais cada vez mais complexas, exige que os indivíduos não se limitem a executar um plano previamente estabelecido, mas sejam capazes de avaliar, constantemente, o caminho a ser seguido, tendo consciência da qualidade e das implicações éticas do seu exercício profi ssional.

Acredita-se que os resultados aqui apresentados constituem importante fonte de informações acerca da visão de um determinado grupo de empresas do setor comercial e serviços sobre as com-petências e habilidades demandadas dos egressos dos cursos de Administração. Também fornecem elementos relevantes para refl exão e reestruturação continuada de projetos pedagógicos de curso. Por fi m, sugere-se que essa pesquisa seja feita em outros municípios ou regiões do país, a fi m de confron-tar possíveis diferenças ou similaridades.

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A análise da logísticainternacional como ferramenta

indispensável para o crescimentodos negócios internacionais

brasileirosClaussia Neumann da Cunha(1)

RESUMO

A partir da década de 90, a gestão empresarial conscientiza-se para a importância do processo produtivo com elevado padrão de efi ciência operacional. A busca pela diferen-ciação e o estabelecimento de vantagens competitivas impõem às empresas a verifi ca-ção de alternativas capazes de driblar as estratégias dos concorrentes. Este momento coloca a logística no centro das tomadas de decisão empresarial, uma vez que o geren-ciamento estratégico, de forma efi ciente e efi caz, dos fl uxos de materiais e informações desde o fornecedor até o cliente fi nal, se torna crucial ao processo produtivo.

PALAVRAS CHAVES

Gestão Empresarial. Cadeia de suprimentos. Logística Internacional. Negócios Inter-nacionais.

ABSTRACT

From the 90s, the business management becomes aware of the importance of the production process with a high standard of operational effi ciency. The pursuit of differentiation and the establishment of competitive advantages, requiring companies to check for alternatives ways to circumvent the strategies of competitors. This now puts the logistics center of decision-making business since the strategic management, effi ciently and effectively fl ows of materials and information from the supplier to the end customer becomes crucial to the production process.

KEY WORDS

Business management, Supply Chain Management, International Logistics, international business.

1. INTRODUÇÃO

Rapidez e fl exibilidade deixam de ser apenas um diferencial e tornam-se obrigatoriedade. A instituição de uma análise teórica sobre a temática abordada mostrou-se necessária uma vez que o aumento dos custos de transporte, devido ao trânsito a ser percorrido, e a excelência operacional serão itens decisivos para análise das empresas que pretendem disputar o mercado em outras regiões.

O presente artigo justifi ca-se tanto do ponto de vista acadêmico como empresarial. Acade-micamente, se busca um melhor entendimento quanto à importância e entendimento da logística

Ciências Sociais e Aplicadas

(1) Bacharel em Relações Internacionais pelo Centro Universitario Unilasalle, especialista em Negócios Internacionais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), e pós-graduanda em Direito Internacional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Professora do curso Técnico de Logística na Escola Técnica Universitário (Unitec), Escola Lafayette e no curso de Graduação Tecnológica em Logística na FTEC Faculdades de Tecnologia.

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internacional para os negócios internacionais tanto do ponto de vista econômico, social e político. Quanto à relevância empresarial, a pesquisa contribui para que se possa perceber o potencial dos pro-dutos e serviços oferecidos pelas empresas brasileiras, mas que devido ao entendimento e utilização da logística incorreta geram estagnação nos negócios internacionais brasileiros, e assim sugerir aos empresários e governo que prestem atenção às oportunidades apresentadas pela análise correta da logística internacional a ser utilizada, evidenciando as relações comerciais em nações diversifi cadas. Nestes casos a ênfase usualmente se restringe à identifi cação de possibilidades e perspectivas futuras de expansão e manutenção de seus mercados comerciais.

Este estudo apresenta como a logística internacional permite desenvolver estratégicas que visam à redução de custos e o aumento do nível do serviço ofertado ao cliente. Entende-se que este caminho deve ser analisado pelas empresas brasileiras que buscam vantagens sobre a concorrência. É necessário que as empresas estabeleçam uma visão abrangente de todo o processo logístico interna-cional que gera competitividade entre as nações e as grandes corporações mundiais.

2. A ANÁLISE DA LOGÍSTICA INTERNACIONAL COMO FERRAMENTA INDISPENSÁVEL PARA O CRESCIMENTO DOS NEGÓCIOS INTERNACIONAIS BRASILEIROS

O desenvolvimento do comércio internacional trouxe a necessidade de modais de transpor-tes e respectiva infraestrutura mais ágil para atender à satisfação dos clientes. Esta realidade está alterando o quadro de gestão de materiais e também gerando conscientização de investimento para modernização no setor de transportes para que o gerenciamento da cadeia de Supply Chain1 torne-se um ponto estratégico dentro do comércio internacional.

O poder de escolha do cliente quanto ao modal a ser escolhido, origem e destino de sua car-ga, incoterm2, entre outros, é fácil de ser entendido, uma vez que a logística internacional se tornou importante para as negociações internacionais, possibilitando ao consumidor diferentes opções de preço, qualidade e tempo.

Modelos tradicionais como o Fordismo3 deparam-se com modelos fl exíveis e customizados, que visam atender os cliente de diferentes culturas. Não podemos esquecer que empresas podem oferecer produtos semelhantes, porém a forma, rapidez e efi ciência que esse produto será entregue ao destino fi nal irá diferenciá-las.

Qual a estratégia logística internacional ideal a ser elaborada para o crescimento nos negócios internacionais das empresas brasileiras e de diferenciação perante os demais mercados internacionais?

Em uma negociação comercial o vendedor necessita avaliar o preço e a condição de entrega da mercadoria, de modo a não perder qualquer oportunidade. Nota-se a importância de se destacar a utilização e entendimento dos incoterms nas relações contratuais internacionais, visando maior efi -cácia nos processos logísticos e maior clareza em eventuais disputas em tribunais arbitrais, além de esclarecer e nortear as responsabilidades e obrigações das partes contratantes.

A partir da década de 90, a gestão empresarial conscientiza-se para a importância do processo produtivo com elevado padrão de efi ciência operacional. A busca pela diferenciação e o estabeleci-mento de vantagens competitivas impõem às empresas a verifi cação de alternativas capazes de driblar as estratégias dos concorrentes. Este momento coloca a logística no centro das tomadas de decisão empresarial, uma vez que o gerenciamento estratégico, de forma efi ciente e efi caz, dos fl uxos de materiais e informações desde o fornecedor até o cliente fi nal se torna crucial ao processo produtivo.

“Cultura é este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costu-1 [...] A gestão da cadeia de suprimentos se refere à integração de todas as atividades associadas com a transformação e o fl uxo de bens e serviços, desde as empresas fornecedoras de matéria-prima até o usuário fi nal incluindo o fl uxo de informação necessário para o sucesso (COSTA, RODRIGUE, LADEIRA; 2012 apud BALLOU et al. 2000).2 A Câmara de Comércio Internacional (CCI) criou regras para administrar confl itos oriundos da interpretação de contratos internacionais fi rmados entre exportadores e importadores concernentes à transferência de mercadorias, às despesas decorrentes das transações e à responsabilidade sobre perdas e danos. A CCI instituiu, em 1936, os INCOTERMS (International Commercial Terms). (BANCO DO BRASIL; 2012)3 No fi nal do século XIX, a indústria estava atingindo um patamar tecnológico e econômico, quando Henry Ford introduziu seus conceitos de produção, conseguindo com isto reduzir dramaticamente custos e melhorar substancialmente a qualidade. O conceito-chave da produção em massa não é a ideia de linha contínua, como muitos pensam, mas a completa e consistente intercambiabilidade de partes, e a simplicidade de montagem. [...] As mudanças implantadas permitiram reduzir o esforço humano na montagem, aumentar a produtividade e diminuir os custos proporcionalmente à elevação do volume produzido. Além disso, os carros Ford foram projetados para uma facilidade de operação e manutenção sem precedentes na indústria. Ford também conseguiu reduzir drasticamente o tempo de preparação das máquinas fazendo com que elas executassem apenas uma tarefa por vez. Além disso, elas eram colocadas em sequência lógica. [...] A Ford procurou verticalizar-se totalmente, produzindo todos os componentes dentro da própria empresa. Isto se deu pela necessidade de peças com tolerâncias mais estreitas e prazos de entrega mais rígidos, que os fornecedores, ainda num estágio pré-produção em massa, não conseguiam atender. A consequência direta foi a introdução em larga escala de um sistema de controle altamente burocratizado, com seus problemas próprios e sem soluções óbvias. Depois de algum tempo, Ford possuía tudo de que necessitava. Mas ele mesmo não tinha ideia de como gerenciar globalmente a empresa sem centralizar todas as decisões. Esta é uma das principais raízes do declínio da empresa nos anos 30. (WOOD JR; 1992, p.4-6)

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mes, ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma socieda-de” (EDWARD TYLOR apud LARAYA, 2005, p. 25).

A cultura é considerada legado de um povo, evidenciada por crenças e atitudes comportamen-tais de seu grupo, cujos valores são refl exionados como sendo as características mais profundas do ser humano capazes de infl uenciar o seu comportamento. As negociações comerciais internacionais, por sua vez, traduzem-se em estratégias de busca por informações privilegiadas. Esse processo gera uma demanda por qualifi cação informacional e cria nos negociadores a necessidade do entendimento das relações internacionais e pessoais.

Com o aprofundamento do processo globalizador, a Cooperação Internacional torna-se um dos maiores difusores de intercâmbio intercultural, permitindo, assim, a promoção de trocas cul-turais entre sociedades originalmente bastante diferentes em termos culturais umas das outras. Analisando estes aspectos; tanto a informação e ideia possuem tem no elemento cultural a sua fonte de criação e raiz de poder. Isto quer dizer, os aspectos culturais são capazes de motivar opiniões e infl uenciar indivíduos, como também possibilitam a alteração de seus paradigmas políticos e com-portamentais. Diante deste paradigma, os negociadores de empresas públicas e privadas devem ana-lisar o choque cultural existente entre suas regiões, ou seja, examinar não somente a sua realidade como também a realidade dos seus parceiros de negócio. Buscar uma reciprocidade de emoções, prevendo a conduta alheia e entendendo os diferentes valores existentes nas pessoas envolvidas na específi ca negociação, permitirá ao negociador aumentar as suas oportunidades ou permitirá a fi nalização positiva da negociação.

O negociador deve estar em uma constante busca por uma relação de longo prazo com seus parceiros internacional. De acordo com ACUFF apud BORNHOFEN; KISTENMACHER, (2007, p. 2):

Negociação é o processo de comunicação de mão dupla cujo objetivo é chegar a um acordo mútuo sobre necessidades e opiniões divergentes. Negociar signifi ca persuadir, ao invés de usar força bruta. Além do mais, negociar quer dizer que o outro lado sentir-se-á satisfeito com o resultado da negociação.

Sheth, et al. apud BORNHOFEN; KISTENMACHER, (2007, p. 2) descreve dessa forma:

[...] A cultura é aprendida. Ninguém nasce com ela. Assim, o comportamento instintivo, que possuímos desde o nascimento, não faz parte da cultura. Dessa forma, o ato de chorar ou rir não é cultural; entre-tanto, saber quando é adequado chorar ou rir em público é uma característica cultural já que é algo que precisamos aprender. As culturas diferem, por exemplo, no grau em que permitem a expressão pública de emoções, como chorar ou rir.

Esta refl exão leva a uma pergunta: quais os motivos para a logística ser considerada como a estratégia mais oportuna para satisfazer, a um baixo custo, as exigências do mercado atual?

A efi ciência, como um fator prático, passa a ser considerada de extrema complexidade. A substituição de processos de produção em massa pelos de produção enxuta4 e a integração com forne-cedores e clientes passam a ser questões vitais na busca da excelência empresarial.

Oportunidades são desenvolvidas com a abertura de mercados pois há a diversifi cação de con-sumidores e o fornecimento é ampliado, porém a distribuição e transporte dos produtos pode se tornar um entrave devido à distância a ser percorrida até a chegada ao cliente fi nal.

Mas afi nal, o que é logística? Logística é agrupar conjuntamente as atividades relacionadas ao fl uxo de produtos e servi-

ços para administrá-las de forma coletiva. É uma evolução natural do pensamento administrativo. (BALLOU; 2001, p.19). Também, em sua descrição clássica, tem o objetivo de providenciar bens e serviços corretos, no lugar certo, no tempo exato e na condição desejada ao menor custo possível. (BALLOU; 2001, p.19)

4 [...] Manufatura Enxuta, também conhecida como Sistema Toyota de Produção (STP), o qual teve início na década de 1950, no Japão, mais especifi camente na Toyota. [...] Eiiji Toyoda e Taiichi Ohno, da Toyota, perceberam que a manufatura em massa não funcionaria no Japão e, então, adotaram uma nova abordagem para a produção, a qual objetivava a eliminação de desperdícios. Para conseguir esse objetivo, técnicas como produção em pequenos lotes, redução de set up, redução de estoques, alto foco na qualidade, dentre outras, eram utilizadas. [...]. Atualmente coexistem várias defi nições para a Manufatura Enxuta (ME). [...] Womack & Jones (1998), por exemplo, defi nem ME como uma abordagem que busca uma forma melhor de organizar e gerenciar os relacionamentos de uma empresa com seus clientes, cadeia de fornecedores, desenvolvimento de produtos e operações de produção, segundo a qual é possível fazer cada vez mais com menos (menos equipamento, menos esforço humano, menos tempo, etc.). Segundo Shah & Ward (2003), a abordagem da ME engloba ampla variedade de práticas gerenciais, incluindo just in time, sistemas de qualidade, manufatura celular, entre outros. Ainda de acordo com esse autor, o ponto fundamental da ME é que essas práticas devem trabalhar de maneira sinérgica para criar um sistema de alta qualidade que fabrica produtos no ritmo que o cliente deseja, sem desperdícios. (FILHO; FERNANDES; 2004, p.2)

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As demais atividades que norteiam as negociações internacionais são importantes, porém nota-se que a atividade logística demonstra fazer a diferença em se tratando de competitividade.

A logística internacional é uma ferramenta imprescindível para a expansão do comércio exte-rior mundial, uma vez que pode ser utilizada estrategicamente como um diferencial competitivo nas negociações internacionais, e não somente como um mero instrumento operacional.

Conquistar ou reter mercados e clientes depende cada vez mais das habilidades de uma em-presa em entender os desejos de seus clientes e da utilização da logística adequada ao país no qual se deseja prospectar, proporcionando um custo-benefício para os empresários da área.

A logística internacional permite desenvolver estratégicas que visam a redução de custos e o aumento do nível de serviço ofertado ao cliente. Entende-se que este seja o caminho escolhido por empresas que buscam vantagens sobre a concorrência. É necessário que as empresas estabeleçam uma visão abrangente de todo o processo logístico internacional gerando competitividade entre as nações e as grandes corporações mundiais. Entender a logística de seu país e desenvolver estratégias que driblem as difi culdades existentes para o desenvolvimento e a manutenção de seus negócios interna-cionais, como contratar profi ssionais qualifi cados, reduzir o lead time5, desenvolver o Just in time6 e Kamban, não será somente um diferencial nos próximos anos e, sim, uma questão de sobrevivência no mercado internacional.

Recomenda-se que a gestão empresarial deva abordar a logística como um setor interno da empresa. Em relação à logística internacional, conclui-se e enfatiza-se sua importância para melhorar a efi ciência da cadeia Supply Chain, uma vez que se tornou uma ferramenta para garantir competiti-vidade e gerenciamento dos fl uxos materiais para a excelência exigida pelo mercado consumidor, em que o lead time será a chave competitiva para o comércio internacional.

O aumento das relações comerciais globais permitiu o crescimento de um maior volume de contratos internacionais. Este desenvolvimento se deve ao crescimento da globalização que propulsio-nou a economia mundial.

Devido a sua natureza jurídica e demais condições que o envolvem, os contratos interna-cionais exigem maior prática interpretativa por parte dos envolvidos direta ou indiretamente na sua fi rmação. Com o intuito de assegurar uma interpretação exata do objeto e condições que envolvem os contratos internacionais, foram criadas algumas regras de padronização das cláusulas contratuais, que passaram a ser universalmente aceitas e utilizadas no âmbito do comércio internacional.

A Câmara Internacional de Comércio, criada em 1919 na cidade de Paris na França, norteia o desenvolvimento da Nova Lex Mercatoria7, uma vez que os empresários encontravam-se insatisfeitos com a falta de adequação das leis nacionais em face do comércio internacional. A Nova Lex Mercatória introduziria as condições gerais de compra e venda; as leis uniformes, e também as fórmulas interna-cionais do comércio para a exportação e a importação. Porém, o principal sistema de padronização é conhecido como Incoterms (International Commercial Terms).

Cada INCOTERM utilizado, naturalmente, corresponde a uma logística, um preço, isto é, deve-se acrescer as respectivas responsabilidades e custos necessários ao contrato.

Mas, afi nal, o que são os incoterms? O uso do Incoterm correto evita controvérsias, além de defi nir as responsabilidades das partes

na operação comercial e fi nanceira, e permite contar com assistência jurídica da Câmara do Comércio Internacional, num eventual processo envolvendo questões relativas aos termos de comércio. O objetivo principal dos incoterms é oferecer uma listagem de opções de regras internacionais para a interpretação dos termos comerciais utilizados no comércio internacional. Entende-se que uma operação de comércio exterior baseada nestas regras terão suas incertezas e interpretações controversas minimizadas.

A primeira edição dos incoterms fora publicada no ano de 1936 e, no ano de 1953, ocorreu a primeira revisão. Em face da diversifi cação do comércio exterior, duas outras revisões foram procedi-das, em 1967 e em 1976. No ano de 1980, foi editada a quarta revisão visando atender às exigências sempre evolutivas das práticas internacionais do comércio. Em 1990 houvera outra revisão. No dia 1º 5 [...] tempo de entrega (média) e a variabilidade no tempo de entrega (desvio-padrão) estão ocupando os primeiros lugares em importância para o desempenho do transporte. O tempo de entrega, ou o lead-time, é o tempo médio que um carregamento leva da origem ao destino. Já a variabilidade refere-se às diferenças da duração do tempo de entrega de carregamentos que possuem mesma origem e destino, movimentando-se no mesmo modal. A variabilidade do lead-time é a principal medida da incerteza no desempenho do transporte. (POZES apud BALLOU; 2005)6 Just in time trabalha com um sistema de produção “puxada”, ou seja, somente se produz em cada uma das partes do processo aquilo que foi vendido, no tempo e no momento exato, também conhecido como sistema Kanban. Nome dado aos cartões utilizados para autorizar e movimentar a produção ao longo do processo produtivo. (LEITE; 2006, p.6)7 Os portos constituíam sedes de centros de comércio onde tradicionalmente organizavam-se contratos de vendas, fi xavam-se condições de mercado, ocupavam-se com as convergências de preços dos produtos entre as regiões, o que veio a originar um tipo de comércio transfronteiriço e a criar serviço bancário para fi nanciar esse tipo de comércio. Daí surgiu o sistema normativo que fi cou conhecido como Lex Mercatoria e que buscava consolidar base jurídica internacional para o comércio. (DAL RI JÚNIOR & OLIVEIRA; 2013)

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de janeiro de 2000, entrou em vigor as novas regras ofi ciais da CCI para a interpretação dos Termos In-ternacionais do Comércio, que vigoraram até o dia 31 de dezembro de 2010. Entretanto, foi publicada pela CCI, em setembro de 2010, uma nova versão dos Termos Internacionais de Comércio.

É interessante destacar que a CCI, por intermédio de pesquisas e estudos mercadológicos, busca sempre atualizar e adequar os referidos termos às condições presentes e atuais no mercado internacional. Dessa maneira, os incoterms estabelecem um padrão de defi nições de regras e práticas usuais, neutras, imparciais e de caráter uniformizador.

Nota-se a importância de se destacar a utilização e entendimento dos incoterms nas relações contra-tuais internacionais, visando maior efi cácia nos processos logísticos e maior clareza em eventuais disputas em tribunais arbitrais, além de esclarecer e nortear as responsabilidades e obrigações das partes contratantes.

O Brasil possui qualidade produtiva, porém deixa a desejar no quesito logístico, uma vez que os custos internos logísticos, independente do incoterm e modal a ser utilizado, estão superiores a mercados como China, Estados Unidos e União Europeia. O quesito burocracia também faz com que países tenham uma imagem negativa do país no momento de escolher o mercado a ser trabalhado, pois o Brasil é considerado um dos países com maior índice de atrasos alfandegados, e o custo-benefício acaba se tornando mínimo.

Conclui-se que o Brasil está remodelando a sua infraestrutura e observando o crescimento e diver-sifi cação do mercado internacional, como também buscando melhorar a sua concorrência; porém o inves-timento é baixo em relação ao lucro que seria gerado com o crescimento de negociações, tanto em nível empresarial quanto estatal. As empresas brasileiras precisam ter uma análise e preparação adequada ao fechamento de um contrato para a utilização da logística adequada, gerando maior efi ciência e fi delização ao cliente, assim como o governo precisa trabalhar em conjunto com os empresários para desenvolver novos ca-nais de escoamento logístico que visem minimizar os custos e atrasos causados pela burocracia nos processos de importação e exportação brasileiros, criando assim um diferencial competitivo perante às demais nações.

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Juventude e alteridade: a interdição do rosto dos jovens na cultura de consumo

Luís Carlos Dalla Rosa(1)

RESUMO

A partir do conceito de alteridade, o qual se ancora no pensamento de Emmanuel Lévinas, o artigo tece uma refl exão crítica sobre a cultura de consumo, apontado decorrências para a juventude. Dentre as consequências da lógica consumista está o aumento da violência que solapa sobremaneira a vida de muitos jovens. Trata-se, com efeito, de discutir a sociedade contemporânea alicerçada na lógica de mercado, em que tudo é transformado em mercadoria, inclusive as pessoas. E os jovens são aqueles que sofrem de forma mais dura essa realidade, impondo-se sobre eles inú-meras situações de exclusão e violência.

PALAVRAS-CHAVE

Juventude. Alteridade. Cultura de consumo. Violência.

ABSTRACT

From the conception of alterity, based on the thinking of Emmanuel Lévinas, this article presentes a critical refl exion on the culture of consumerism, bringing up its consequences to the youth. Among the consequences derived from the logics of the consumerism is the increased violence that undermines a lot the the lives of many young people. In effect, it is the case of discussing the today’s society built in the logic of the Market, where everything is turned in goods, incluindo people the individuals. The young people are the ones who most suffer from this reality, when it is imposed upon them many situations of exclusion and violence.

KEYWORDS

Youth. Alterity. Culture of consumerism. Violence.

A motivação principal deste texto tem como ponto de partida o grito que brota do rosto da juventude brasileira: “a juventude quer viver: chega de violência e extermínio de jovens!” Trata-se do clamor que nasce da realidade que faz dos jovens as principais vítimas de uma sociedade produtora de altos índices de violência e homicídios. E esse grito, desde 2008, foi explicitado e articulado pelas Pastorais da Juventude do Brasil que, a partir da Campanha Nacional contra a Violência e Extermínio de Jovens, procura promover uma cultura de paz.

Esse grito da juventude testemunha e ecoa uma realidade em que cresce sobremaneira a taxa de morbimortalidade dos jovens por homicídio. De fato, conforme o Mapa da Violência 2011: os jovens do Brasil, um estudo baseado em dados do Ministério da Saúde e coordenado pelo sociólogo Julio Ja-cobo Waiselfi sz (2011, p. 154), “se em 1998 a taxa de homicídios de jovens era 232% maior que a taxa de homicídios da população não jovem (menos de 15 e mais de 24 anos de idade), em 2008 as taxas juvenis já são 258% maiores”.

A violência é um fenômeno complexo, sendo suas causas múltiplas. Entretanto, não há como desconectá-la com as questões sociais, econômicas, e culturais hodiernas. Dentre os aspectos interve-nientes, conforme pretendo explicitar ao logo do presente artigo, está a cultura de consumo que tem se fortalecido a partir da sociedade de mercado (capitalismo neoliberal). Trata-se do contexto, de-nunciado por Zygmunt Bauman, em que o lucro se apresenta como critério de valoração dos seres hu-

Ciências Sociais e Aplicadas

(1) Formado em Filosofi a e doutor em Teologia, na área de concentração Religião e Educação. Coordenador do Instituto Salesiano de Pesquisa sobre a Criança e o Adolescente. E-mail: [email protected].

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manos. Os que não conseguem se incluir na lógica consumista, são descartados como inutilidades – são consumidores ‘falhos’. Ou seja, “só como mercadorias, só se forem capazes de demonstrar seu próprio valor de uso, é que os consumidores podem ter acesso à vida de consumo” (BAUMAN, 2007, p. 12).

Os ‘descartáveis’ da cultura de consumo não são apenas números que compõem estatísticas. A ‘massa sobrante’, muito mais que uma metáfora para indicar um grande número de pessoas, é for-mada por sujeitos que vivem num determinado contexto e sofrem as consequências da lógica que a sociedade neoliberal impõe. E os jovens são os que sofrem de forma mais dura essa realidade. Por isso, acolhendo e repercutindo a metáfora de Jorge Boran (2000, p. 61), se for verdade que “a juventude é como um sismógrafo: alerta-nos sobre a aproximação de terremotos”, então o outro que surge como um próximo eminente e como questão refl exiva, na sociedade do descartável, é o rosto dos jovens. De forma mais precisa, qual é o lugar dos jovens na sociedade de consumo?

Assim sendo, ao propor a relação entre alteridade e juventude como temática deste artigo, pretendo explicitar a tese de que a cultura de consumo constitui-se numa cultura de interdição e de violência da alteridade encarnada no rosto juvenil. Com efeito, parece-me que a sociedade, de modo geral, sempre teve difi vuldade em acolher, de forma hospitaleira, a juventude como alteridade. No dizer de Hilário Dick, na história da civilização ocidental, “a adolescência e a juventude aparecem, na história, como uma fase de subordinação, de marginalização, de limitação dos direitos e dos recursos, como incapacidade de agir como adultos [...]” (DICK, 2003, p. 19). E, no atual período da história, com o evento da sociedade de consumo, há um recrudescer da interdição do Outro enquanto juventude, que se traduz em violência e morte.

A alteridade, mais do que um conceito, indica o horizonte a partir do qual pretendo conduzir a refl exão. Trata-se de um pensamento que se ancora na fi losofi a de Emmanuel Lévinas (1906-1995), fi lósofo judeu franco-lituano, que traz a ética da alteridade em seu bojo refl exivo. Diferente de uma visão antropológica centrada na ideia de que o ser humano é condenado a viver sob a lógica da com-petição, da conquista, da artimanha, necessitando de força bruta para se afi rmar, Lévinas propõe a concepção de que o humano se constrói à medida que se abre à humanidade do outro, do próximo.1 Trazendo para o contexto deste artigo, entendo que o conceito de alteridade faz ressoar a pergunta pelo lugar do outro enquanto juventude e, nessa perspectiva, o pensamento levinasiano se apresenta como pertinente.

Muitos estudos distinguem adolescência de juventude. Não será o caso aqui. Como referência, utilizo a pesquisa Retratos da Juventude Brasileira: análises de uma pesquisa nacional, desenvolvida pelo Instituto Cidadania – Projeto Juventude (ABRAMO; BRANCO, 2005) –, que enfocou jovens brasi-leiros de 15 a 24 anos. Outra observação conceitual: mesmo que se fale em juventude no singular, entendo que não há apenas um rosto ou um perfi l de juventude. Tendo presente a multiplicidade de contextos sociais, múltiplas também são as feições da juventude. Por fi m, ao falar de juventude, não estou me referindo apenas a uma idade da vida, mas a uma construção social, fruto da própria modernidade. Ou seja, concordando com Dick (2003, p. 31), na história, “os jovens sempre existiram mas, como ‘juventude’, são bem recentes”.

O texto se desenvolve em três sessões: na primeira parte, apresento e desenvolvo a noção de cultura de consumo e a inserção da juventude na dinâmica de mercado. No segundo momento, o enfoque é a estética juvenil globalizada, ou seja, realço a característica da juventude desejada pela cultura de consumo, em que os jovens são apresentados como marca ou produto consumível. Por fi m, como decorrência dos dois primeiros pontos, procuro demonstrar que, dentre as principais consequên-cias, está a cultura de violência que se impõe sobretudo aos jovens.

A sociedade de consumo e o ofuscamento do rosto da juventude

Leonardo Boff (2002, p. 13) expressa que “hoje vivemos uma crise dos fundamentos de nossa convivência pessoal, nacional e mundial”. Trata-se de um, o momento crítico que refl ete o esgotamen-to do paradigma da modernidade. As contínuas guerras, o empobrecimento dos povos, a destruição do meio ambiente, os confl itos étnicos, o esfacelamento das relações inter-humanas, assim por diante, resultam do projeto que foi gestado pela sociedade moderna. Diante das catástrofes que a sociedade industrial protagonizou em nome de uma racionalidade moderna, o ser humano deparou-se com uma situação inusitada: ao invés do ‘paraíso’ terrestre, deparou-se com a real ameaça da extinção da vida humana e do planeta como um todo. Diante dessa crise da civilização ocidental, considera-se, segundo David Lyon (1998, p. 16), a queda do Muro de Berlin, em 1989, como o fato simbólico que marcaria a passagem, de forma mais incisiva, da cultura moderna para a pós-moderna. Entretanto, muito mais 1 Sobre Lévinas e sua ética da alteridade, remeto o leitor ao meu livro Educar para a sabedoria do amor: a alteridade como paradigma educativo (2012).

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que signifi car um rompimento radical com a modernidade, concordando com Boff (2000, p. 25), com-preendo que a pós-modernidade indica “o último e mais refi nado travestimento da cultura capitalista com sua ideologia consumista”. O mundo pós-moderno expressa um novo momento do capitalismo em que o ideal do consumo se interpõe como valor da sociedade. Do capitalismo liberal se passou para o capitalismo neoliberal.

Porém, para que se possa compreender esse fenômeno, concordando com Jurandir Costa (2004, p. 78), não se pode perder de vista o que signifi ca consumo: “é uma metáfora que alude à rapidez com que adquirimos novos objetos e inutilizamos os velhos. Ou seja, tratamos os objetos in-dustriais como tratamos substâncias que se prestam à reprodução dos ciclos biológicos [...].” E, para que essa dinâmica funcione, é preciso que o sujeito esteja convencido da necessidade de adquirir os novos produtos lançados no mercado.

Portanto, o ato de comprar não é a mesma coisa que o processo de consumir. A compra de uma mercadoria não é uma ação determinada por uma necessidade físico-natural, “mas é um ato econômi-co com implicações sociais”. O que signifi ca dizer que a aquisição de mercadorias implica na condição dos sujeitos de comprarem ou não. E a condição é o dinheiro. Por conseguinte, “a maior parte da população tem um poder de compra extremamente reduzido e alguns, para possuir o que desejam, roubam e furtam” (COSTA, 2004, p. 77).

A compreensão da cultura de consumo implica na percepção que se trata de um mecanismo ideológico da lógica capitalista contemporânea. O consumismo é, na verdade, “o modo que o imagi-nário econômico encontrou de se legitimar culturalmente, apresentando mercadorias como objetos de necessidades supostamente universais e pré-culturais”. E, por esse caminho, “as desigualdades econômico-sociais entre os potenciais compradores” são escamoteadas” (COSTA, 2004, p. 77).

Num contexto de efervescência e de transformação que vem sendo protagonizada pela huma-nidade contemporânea, sobretudo a partir da dinâmica consumista, ao enfocar um olhar mais parti-cularizado para o contexto da juventude, entendo que as gerações mais jovens são mais sensíveis ao que vem acontecendo. À medida que não são mais crianças e, ao mesmo tempo, encaminham-se para a vida adulta, os jovens vivem um momento importante no desenvolvimento humano. Os jovens, pelas características que lhes são próprias, são mais fl exíveis e abertos às novidades.

Olhar para a cultura juvenil signifi ca descobrir que há na juventude tanto expressões de contestação como posicionamentos conservadores ou alinhados à cultura dominante. Por exemplo, se num determinado momento o movimento punk representou uma manifestação juvenil contra as guerras, o capitalismo neoliberal e suas consequências, as ‘patricinhas’ e os ‘mauricinhos’, simboli-zam toda uma ‘onda juvenil’ narcisista cooptada pela sociedade de consumo. Vale lembrar também os diversos grupos neonazistas da Europa e Estados Unidos os quais, em sua maioria, são movimentos juvenis reacionários.

As diversas percepções ou olhares sobre o fenômeno juvenil indicam que a sociedade, de um modo geral, não quer acolher os jovens enquanto alteridades, isto é, como sujeitos que participam ativamente dessa mesma sociedade. Analisando a sociedade de mercado, percebe-se justamente ou-tra tendência. Normalmente, sempre que os jovens se têm manifestado de forma contestatória diante dos valores apregoados pelo capitalismo neoliberal, a ‘indústria cultural’ se mostrou extremamente perspicaz em cooptar a juventude.

A impressão que se tem é que, na lógica consumista, nada fi ca de fora. Inclusive a vivência em grupo que se trata de uma experiência marcante, sobretudo para os jovens, é percebida como nicho mercadológico ou meio de propagação da ideologia de consumo. De fato, a cultura de mercado não está preocupada em formar grupos que possam abrir “espaço para uma participação ativa, oferecendo âmbitos para discutir, avaliar, orientar-se mutuamente e lutar por ideais relevantes para a própria pessoa” (DAUNIS, 2000, p. 160). Os espaços grupais como lugares vitais para a juventude, com efeito, são poucos:

Para os grupos de jovens não é sempre fácil achar lugares adequados de encontro (‘espaços vitais’). No Brasil, um país de clima (sub) tropical, onde os jovens podem permanecer nas ruas, existem problemas sérios de segurança e perigos gravíssimos. [...] Os adultos muitas vezes não têm vontade ou condições de arrumar espaços úteis. Como pontos de referência para a movimentação, fl utuação e ‘ocupação dos adolescentes servem os vestíbulos dos supermercados e dos cinemas, as lojas de discos e fi tas, os restaurantes e bares das escolas, alguns restaurantes tipo McDonald’s, lanchonetes, sorveterias e disco-tecas que cultivam o estilo juvenil; também as ruas e praças perto das escolas e parques, as estações ferroviárias e rodoviárias’. Aliás, são esses lugares junto às escolas e universidades os centros prediletos para o tráfi co ou consumo de drogas (DAUNIS, 2000, p. 125).

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Levando em conta que os grupos juvenis são espaços vitais para a formação dos jovens, de-frontamo-nos com um contexto social que não favorece a formação de grupos efetivamente constru-tivos. A sociedade tecnológica contemporânea concedeu à humanidade, ou parte dela, um elevado nível de satisfação. Em compensação, despojou-a da capacidade de se relacionar, de interagir com os outros, da sensibilidade poética e lúdica, da liberdade de pensamento e consciência. As pessoas são induzidas à ideia de que a realização humana depende do nível de consumo que consegue alcançar. O ser humano da sociedade hodierna vive uma contradição absurda: a sensação paradoxal de liberdade onde não existe liberdade.

A estética juvenil

O perfi l de cidadão consumista que a mídia induz como sendo um sujeito plenamente realiza-do, além de estar muito aquém de uma grande maioria de ‘consumidores falhos’, a promessa parece ilusória mesmo para os ‘consumidores privilegiados’. Para estes, que vivem obcecada e deleitosamen-te uma vida narcisista, a síndrome consumista soçobra qualquer ponto que indique durabilidade. E, nessa lógica de voracidade, a juventude está inserida de forma contundente. Apesar de toda excitação social em que os jovens estão envoltos, a sensação é, na verdade, de uma vida vivida na solidão.

O poder de consumo se tranformou em atributo de inclusão e de reconhecimento. Nessa dinâ-mica, os jovens são envolvidos de forma incisiva. O capitalismo neoliberal, através de um consistente aparato midiático, transformou os jovens (adolescentes) em verdadeiros modelos de consumo. Esse fenômeno é descrito por Carmen Silveira Oliveira como estética juvenil globalizada na qual “a adoles-cência virou um ideal social, onde tanto as crianças quanto os adultos desejam ser adolescentes”. Assim, continua a autora, “isto pode surpreender ao jovem que, em resposta à sua indagação sobre ‘o que os outros esperam de mim?’, acaba descobrindo que este ideal é ele mesmo” (OLIVEIRA, 2001, p. 38).

A indústria cultural e a publicidade não deixam a juventude expressar seu dizer, pois, de acordo com Carmo (2001, p. 206), o desejo dos jovens de diferenciarem-se da sociedade que está posta, “[...] acaba caindo muitas vezes em estilos padronizados em que conduta, roupa, expressão, tudo leva a uma camisa-de-força que não permite escapar do padrão de comportamento imposto pelo grupo ou daquele que o sistema das modas lhe inculca”. Por outro lado, essa mesma sociedade de mercado, mediante uma parafernália midiática, tece no imaginário das pessoas que ser feliz é viver o mundo entorpecente das grifes efêmeras, espécie de paraíso habitado por celebridades esteticamente produzidas à imagem e semelhança do deus Moloc, o deus do dinheiro, do lucro.

Na onda do descartável, os jovens também são descartáveis. Nesse sentido, Oliveira (2001, p. 31) compreende “que o mal-estar dos jovens brasileiros e que os leva à conduta delitiva está relacionado à intensidade e até mesmo à violência com que se dá o processo de esgarçamento da busca de reconhe-cimento e de autonomia”. Não é gratuito o que vem acontecendo no caso do Brasil. No dizer da autora,

É assim que o Brasil em tempos de globalização tornou-se uma sociedade embrutecedora, tanto por produzir a impotência quanto a onipotência como respostas diante da desestabilização. Cristalizam-se, em todos os segmentos sociais, a lei do sucesso a qualquer preço e sem limites. Isto ocorre para deixar as novas gerações com uma sensação de descartabilidade, que leva os jovens a uma experiência inten-sa de investimento absoluto no presente, de transposição de limites e quebra de normas, tornando a violência infanto-juvenil um sintoma, acima de tudo, social. Uma evidência da fragilidade dos pactos sociais (OLIVEIRA, 2001, p. 238).

O apetite consumista é constantemente excitado para buscar viver intensamente novas emo-ções. O último produto da moda, um carro, um calçado etc., assim que forem adquiridos, já não são mais os últimos e, sem demora, são transformados em inutilidades, isto é, lixos. A onda do descartável dita o ritmo da vida cotidiana. Os arautos da sociedade de consumo constroem todo um aparato de sedução que deve ser constante. A sedução, consequentemente, torna-se um meio de controle e de integração social.

A participação da estética globalizada, isto é, da imagem de ‘cidadão’ consumista que a mídia faz a juventude idealizar, cria em realidades de exclusão social, como no caso do Brasil, disparates que desencadeiam todo um processo de desintegração social, inclusive uma cultura de violência. Nesse sentido, o estudo de Oliveira, tendo como ponto de partida o verdadeiro calvário que muitos jovens brasileiros vivem, é elucidador. Diz ela:

De um lado, temos uma minoria de brasileiros que ‘tão podendo’e para quem ‘nada na vida é pior do que ser comum’, como diz uma adolescente, personagem do fi lme Beleza Americana. Para essas pessoas,

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o habitat tomado como referência é a Ilha de Caras (no caso dos adultos) e o Planeta da Xuxa (em se tratando dos adolescentes), paradisíacos modos de existência, afi nados com a premissa, também defi -nida naquele fi lme, de que ‘para ter sucesso é preciso projetar uma imagem de sucesso o tempo todo’ (OLIVEIRA, 2001, p. 39).

Em contrapartida,

De outro lado, existe a grande maioria de jovens (constituída de negros, pardos e pobres), que tem menos chances de se reconhecer nesses padrões. Neste caso, tais referentes acabam se constituindo em novas formas de exclusão social, especialmente num país onde a miséria e as desigualdades cavam fossos quase intransponíveis até mesmo para o acesso aos direitos básicos de sobrevivência. O que dizer, então, das chances de partilhar esta estética globalizada (OLIVEIRA, 2001, p. 39).

Ao mesmo tempo em que o jovem não é acolhido como alguém que é sujeito e alteridade, há nele como que uma idealização social, ou seja, trata-se de uma imagem ‘fetichizada’ da juventude esteticamente produzida como modelo de consumo. Conforme Oliveira (2001, p. 33), “uma das prin-cipais difi culdades que o adolescente enfrenta se relaciona às indefi nições sobre o seu próprio lugar como sujeito”. O fato de o jovem se situar entre as fases da criança e do adulto o faz se sentir numa situação de estar sem-lugar. Ainda segundo a autora, “esta indecisão subjetiva se faz acompanhar de uma incerteza social, uma vez que, dependendo das circunstâncias, a família e as instituições reco-nhecem o adolescente ora como criança, ora como adulto.” Ora, é próprio também do jovem buscar ser reconhecido e acolhido enquanto sujeito. A pergunta sobre o que a família, os amigos, a sociedade esperam dele, faz o jovem buscar todos os meios para poder corresponder às expectativas.

A busca pela afi rmação da autonomia, enquanto sujeito capaz de dizer sua palavra, expressar sua ideia, é outra característica marcante na juventude. “A autonomia pessoal denota a capacidade e possibilidade de alguém para determinar o próprio comportamento de forma que acha adequada, útil e conveniente segundo o seu jeito de viver e agir” (DAUNIS, 2001, p. 63). Nesse sentido, autonomia não signifi ca arbitrariedade, mas afi rmação da própria identidade do sujeito que se abre para o outro, estabelecendo uma relação de interdependência. No caso dos jovens, “o que muitas vezes é confun-dido como rebeldia, é apenas uma nova habilidade que permite ao adolescente maior independência no plano das ideias” (OLIVEIRA, 2001, p. 33).

O reconhecimento enquanto sujeito e o desenvolvimento da autonomia são dois vetores pre-sentes na vida do adolescente que a sociedade de consumo solapa. Na sociedade de mercado, o reco-nhecimento procurado pelo jovem apresenta-se justamente pela ostentação de consumo. Ora, num tempo, como o nosso, pautado pela cultura e consumo, em que tudo parece volatilizável e as pessoas se sentem como que desamparadas num frenesi social, são os jovens que vivem com maior intensidade esse estado de confusão.

Por outro lado, a autonomia que a sociedade de consumo cultiva é uma autonomia vigiada – o ‘big brother’ midiático. Em tempos de capitalismo narcisista, a sociedade de consumo perpassa a ideia de que a autonomia signifi ca viver cada um por si, aproveitando ao máximo os produtos que o mercado tem para oferecer. Daí o hedonismo e a permissividade tão presentes na sociedade e que os jovens acabam assimilando. Não se trata de uma autonomia em que a juventude é incentivada a participar da vida pública, buscando contribuir positivamente na construção de uma sociedade mais humana. No dizer de Oliveira (2001, p. 79), “o sentido de autonomia que é estimulado em uma cultura narcísica está prioritariamente vinculado a uma conduta de desimpedimento e descompromisso social”.

O holocausto da juventude ao ‘deus’ mercado

Dentre os frutos do capitalismo neoliberal está a cultura de consumo, que se apresenta extre-mamente narcisista e individualista. Ora, é para essa cultura que os jovens são estimulados a viver. Por outro lado, há nos jovens um intenso desejo de serem reconhecidos como sujeitos. Essa ambiguidade gera todo um mal-estar que estimula a delinquência e outras formas de exasperação da juventude. No dizer de Olivera (2001, p. 56), “o delinquente juvenil é um adolescente desalojado que busca o reconhecimento”. O envolvimento em crimes hediondos ou em pequenos delitos, a imprudência no trânsito, os esportes radicais, a xenofobia, a drogadição, a promiscuidade e falta de prevenção nas relações sexuais, assim por diante, expressam uma exacerbada busca de autoafi rmação narcísica, acompanhada de uma total indiferença pelo outro.

A ausência de oportunidades, isto é, políticas públicas voltadas para a juventude, principal-mente nas áreas de trabalho e educação, propiciam o ingresso de muitos jovens no mundo do crime.

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Luseni Aquino e Enid Rocha, pesquisadoras ligadas ao IPEA, no artigo Desigualdade social, violência e jovens no Brasil, explicitam:

Sem escola e sem trabalho, os jovens fi cam mais desprotegidos e, consequentemente, mais expostos, por exemplo, à cooptação pelo crime organizado. Assim, o envolvimento com o tráfi co de drogas – muitas vezes iniciado por infl uência do grupo de amigos mais próximo – representaria uma alternativa real de trabalho e mobilidade social para o jovem pobre, ainda que o exponha aos riscos relacionados às práticas violentas e criminosas que lhe são inerentes, seja como vítima ou como autor (AQUINO; ROCHA, 2008).

Não obstante a desigualdade social ser a principal promotora de situações de violência juve-nil, é importante deixar claro que o estado de miserabilidade não é sinônimo de criminalidade. Dizer que os jovens empobrecidos estão mais expostos à violência não signifi ca atribuir-lhes, discriminada-mente, a condição de serem promotores de crimes. Seguindo esse posicionamento, Valrei Lima Silva, diretor do CRIAM – Centro de Recursos Integrados de Atendimento ao Menor de Bangu (RJ) é categórico: “precisamos entender que a pobreza não é sinônimo de violência ou criminalidade mas, quando aliada à difi culdade dos governos de garantir os serviços básicos, acabam tornando os bairros mais empobre-cidos e vulneráveis à criminalidade” (SILVA, 2007, p. 252).

A delinquência juvenil, atualmente, é um dos estigmas que vem sendo veementemente atribuído aos jovens pelo senso comum e pela mídia em geral, que, infelizmente, muitos dirigentes políticos e judiciários estão assumindo em seus discursos e práticas. Ligada à questão da delinquên-cia juvenil está a da redução da maioridade penal. A utilização de mecanismos repressivos, como a ameaça de reclusão, diminuição da idade penal, repressão policial etc., são vistos como ‘as’ soluções que poriam fi m ao problema da violência. “A cultura do castigo ainda parece provocar em sua maioria a sensação de dever cumprido” (SILVA, 2007, p. 252).

Constata-se que “[...] existe um verdadeiro massacre da juventude com um elevado índice de assassinatos de jovens em todo o Brasil, na faixa etária dos 15-29 anos, o que antecipa a sua morte em cerca de 28 anos” (OLIVEIRA, 2001, p. 226). Referindo-se à realidade de São Paulo, Estado com um dos maiores índices de violência no Brasil, Oliveira constata que “fazendo um cruzamento entre a quantidade de crianças e adolescentes assassinados e aqueles acusados de homicídio, verifi ca-se 4,60 crianças e adolescentes mortos para cada uma das vítimas produzidas pela violência infanto-juvenil” (OLIVEIRA, 2001, p. 227). Ou seja, a população jovem é muito mais vítima do que autora de atos vio-lentos. Reforçando a tese de Oliveira, Teixeira (2007, p. 228) constata: “Os homicídios praticados por adolescentes, no Brasil, no ano de 2002, somam 1.286 e os contra-adolescentes, 19.188. Os adolescen-tes morrem mais do que matam.” Destaca-se que nesses números não estão incluídas outras situações de violência: espancamento, trabalho infantil, exploração sexual.

Olhando para os mais recentes índices de violência e mortalidade homicida de jovens, constata-se que, de modo geral, a sociedade tem difi culdade ou não quer ouvir o clamor expresso pela juventude. De fato, o Mapa da Violência 2012: crianças e adolescentes do Brasil, organizado pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA), evidencia altos índices de mortes juvenis no Brasil. Esse estudo, que utiliza o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) da Secretaria de Vigilância em Saúde do Minis-tério da Saúde como uma das principais fontes para a análise dos homicídios no país, revela:

Os homicídios em geral, e os de crianças, adolescentes e jovens em particular, têm se convertido no calcanhar de Aquiles dos direitos humanos no país, por sua pesada incidência nos setores considerados vul-neráveis, ou de proteção específi ca: crianças, adolescentes, jovens, idosos, mulheres, negros, etc. [...]. Dentre os 99 países com dados recentes nas bases estatísticas da Organização Mundial da Saúde, o Brasil, com sua taxa de 13,0 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes, ocupa a 4ª posição internacio-nal, só superada por El Salvador, Venezuela e Trinidad e Tobago. Se na faixa de 0 a 4 anos de idade, o Brasil ocupa a 23ª posição, sobe para a 13ª na faixa de 5 a 9 anos de idade. Já dos 10 aos 14 anos e dos 15 aos 19 anos o Brasil passa para a 4ª posição, revelando a gravidade de seus índices (WAISELSZ, 2012a, p. 47-61).

Se, por um lado, há um cenário que evidencia o recrudescimento da violência contra os jovens, em contrapartida, a sociedade organizada, aqui também pensada enquanto Estado, não tem dado res-postas ou produzido políticas públicas que pudessem, de fato, reverter o quadro. Não apenas há um crescimento dos números da violência contra a juventude, como existe uma percepção vigente que atribui aos jovens a responsabilidade pela própria situação. Ou seja, tenta-se explicar a violência a partir da própria juventude. “Assim, violência juvenil começa a aparecer como uma categoria autoexplicativa quase universal e natural de nossa cultura globalizada quando em realidade é um fenômeno que ainda precisa ser explicado” (WAISELSZ, 2011, p. 68).

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Entendo que uma leitura do fenômeno da delinquência juvenil como mera expressão de em-brutecimento dos jovens é equivocada. Do mesmo modo, as retóricas que defendem a redução da maioridade penal ou outras formas de endurecimento das ações punitivas como respostas à violência juvenil são falaciosas. Tais respostas, além de demagógicas, fortalecem o estado de indiferença e de intolerância que perpassa a sociedade mercadológica. Concordando com Oliveira (2001, p. 234), “não é a lei que deva ser mudada, mas a realidade que vitimiza crianças, adolescentes e suas famílias”.

A violência juvenil é uma das expressões mais agudas que indicam o mal-estar da sociedade contemporânea neoliberal, a sociedade do espetáculo que celebra entorpecidamente a descartabili-dade como signo de liberdade. Em outras palavras, na violência e no delito estão estampados gritos de desespero de uma juventude que foi alijada de sua dignidade por uma sociedade muito ocupada em obedecer aos ditames consumistas: ‘seja você mesmo – prefi ra produto X’. Por conseguinte,

[...] a violência e o delito na adolescência suburbana podem ser entendidos como respostas ao desprezo ou à indiferença a que estão submetidos os adolescentes moradores do outro lado da cidade e, neste caso, são manifestações de esperança, pois mesmo que seja por arrombamento, eles buscam inventar um outro espaço, outras regras de deslocamento de lugar (OLIVEIRA, 2001, p. 65).

Diante dessa realidade, o desafi o que se apresenta é superar a ideia de que bastariam mais muros e aprisionamentos para afastar o problema diante dos olhos. Ao invés de criar ou reforçar estru-turas narcísicas e ensimesmadas, é urgente o desenvolvimento de uma cultura em que a convivência e o aprender com o outro se constituam em paradigmas de humanização. Uma sociedade que se diz séria e deseja acolher a novidade que brota do rosto da juventude não pode permanecer indiferente a uma cultura consumista, na qual o refrão “tô nem aí” de uma cançoneta popular é ovacionado por aqueles consumidores privilegiados que vivem ou que se percebem vivendo em ‘berço esplêndido’.

À guisa de conclusão – uma pitada de responsabilidade ética

Saramago (2007, p. 241), em seu romance Ensaio sobre a cegueira, põe na fala da ‘mulher do médico’, única personagem que, numa misteriosa epidemia em que todas as pessoas de uma determi-nada cidade cegaram, ainda não havia perdido a capacidade de ver, o seu signifi cado de responsabili-dade: “Hoje é hoje, amanhã será amanhã, é hoje que tenho responsabilidade, não amanhã, se estiver cega. Responsabilidade de quê? A responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam [sic].” Mais que um convite, é uma convocação aos homens e mulheres que ainda têm olhos lúcidos para que assumam a responsabilidade em acolher a interpelação que brota do grito da juventude, sobretudo, da juventude marginalizada pela sociedade de mercado que clama por justiça.

A interpelação do outro que se encarna no rosto dos jovens, como diria Dick (2003), são gritos silenciados, mas evidentes. São gritos que questionam o modelo de sociedade que impera. E assim como o grito dos jovens, há tantos outros clamores que nos interpelam pela sua condição humana. Não só o humano, diria Boff (2004), mas o ecossistema como um todo grita pela sua dignidade e libertação: grito da terra e grito dos pobres.

Referências

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Alcoolismo como geradorde absenteísmo: análise de case

do Departamento Municipalde Habitação – DEMHAB

Bel. Luciano Matos Hornung Thomazi(1)

Coautoria:Profa. Ms. Simone Souza Thomazi(2)

RESUMO

O objetivo do presente trabalho é identifi car as possíveis causas que têm provocado as altas taxas de absenteísmo no Departamento Municipal de Habitação – DEMHAB, concatenando com as possíveis consequências oriundas deste estudo, sob a ótica da coordenadora da equipe de Infraestrutura e Recursos Humanos. Como método de pesquisa foi utilizada a pesquisa qualitativa, através do estudo de caso. Os dados analisados foram coletados através de entrevista semiestruturada e da análise docu-mental. Como resultado pode-se destacar e avaliar a principal causa do absenteísmo e de sua relação quanto à qualidade de vida no trabalho, apontando suas conse-quências e os principais aspectos que infl uenciam no cotidiano do Departamento. Com base nesta percepção e, em conjunto com os demais dados pesquisados, apre-senta-se por fi m sugestões que possam auxiliar o DEMHAB e seus colaboradores que apresentam o problema supramencionado, visando reduzir o índice de absenteísmo.

PALAVRAS-CHAVE

Absenteísmo. Alcoolismo. Motivação.

ABSTRACT

The objective of this study is to identify the possible causes that have led to high rates of absenteeism in the Departamento Municipal de Habitação - DEMHAB, concatenating the possible consequences arising from this study, from the perspective of team coordinator Infrastructure and Human Resources. As a research method used was qualitative research, through the case study. Data were collected through semi-structured interviews and documentary analysis. As a result we can highlight and evaluate the leading cause of absenteeism and its relationship to quality of life and at work, pointing out their consequences and the main aspects that infl uence the daily life of the Department. Based on this perception and, in conjunction with other research data, is presented and fi nally suggestions that may help the DEMHAB and colleagues who have the problem mentioned above, to reduce the rate of absenteeism.

KEYWORDS

Absenteeism. Alcoholism. Motivation.

Ciências Sociais e Aplicadas

(1) Administrador – CRA/RS 040764(2) Professora de Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre – Economista – Corecon/RS 5872-6

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INTRODUÇÃO

O absenteísmo na atualidade é um fator de preocupação no meio coorporativo em função da redução gerada na produtividade dos diversos setores. Dentre os diversos fatores responsáveis pelo absenteísmo, um dos mais complexos, e não raro, é o alcoolismo.

O alcoolismo, em seu conceito mais básico, signifi ca o ato de ingerir bebidas alcoólicas dema-siadamente1. Esta situação, dentro ou fora do ambiente profi ssional, gera consequências à atividade do próprio indivíduo, tanto quanto à sua equipe.

Estes fatores foram analisados dentro do Departamento Municipal de Habitação – DEMHAB onde, através de observações empíricas do autor durante seus períodos de estágio acadêmico e de entrevistas junto à Coordenação de Infraestrutura e Recursos Humanos do Departamento, puderam ser analisados e levantados para posteriores sugestões que deverão compor a conclusão deste estudo.

Diante do exposto, podemos mensurar que este artigo tem por fi nalidade averiguar as possí-veis causas e consequências oriundas deste problema, que ocasiona desconforto para o indivíduo tanto social quanto profi ssionalmente no meio em que o mesmo está inserido.

No primeiro capítulo será apresentada a fundamentação teórica, onde serão abordados, atra-vés da visão de diversos autores, os assuntos principais deste trabalho como: absenteísmo, alcoolismo e motivação.

No segundo capítulo será exposta a metodologia, mostrando a forma como será realizado o estudo e a maneira como o mesmo será desenvolvido para, só assim, no terceiro capítulo, apresentar a análise dos resultados.

No quarto e último capítulo, serão apresentadas as considerações fi nais deste estudo, onde é reto-mada a abrangência da pesquisa bibliográfi ca, juntamente às conclusões acerca da metodologia aplicada.

1. CARACTERÍSTICAS DA ORGANIZAÇÃO

O DEMHAB é uma Autarquia Municipal criada pela Lei nº 2.902 de 1965, com o intuito de resol-ver o problema das famílias que não possuíam moradia própria na cidade de Porto Alegre. O Departa-mento, desde a sua criação, é o responsável pela construção e administração de, aproximadamente, 37.000 imóveis em todas as regiões da Capital.

Os atendimentos do DEMHAB são voltados, prioritariamente, à habitação de interesse social para pessoas com renda de zero a três salários mínimos. Em sua maioria, as unidades habitacionais construídas pelo Departamento ocorrem por meio de programas sociais para comunidades que neces-sitem de reassentamento.

Assim, o produto principal do DEMHAB são moradias populares para famílias de baixa renda.O Departamento conta hoje com um quadro de 283 funcionários estatutários, 65 funcionários

celetistas, 66 cargos em comissão e 103 estagiários.

Missão:Promover e gerir a política habitacional em Porto Alegre, prioritariamente a de interesse social.

Visão:Ser referência no enfrentamento do défi cit habitacional.

Objetivo Geral:Propiciar o acesso à moradia digna e ao solo urbano regularizado, no âmbito do Plano Munici-

pal de Habitação de Interesse Social de Porto Alegre.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Como referencial teórico, a pesquisa partiu de temas relevantes para este estudo, como: ab-senteísmo e alcoolismo, bem como outras ferramentas necessárias à gestão destes casos.

2.1 ABSENTEÍSMO

A defi nição de absenteísmo diz respeito ao montante de faltas no trabalho, bem como atrasos 1 Dicionário Escolar da Língua Portuguesa – Academia Brasileira de Letras (2008).

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e saídas antecipadas durante um determinado período. O absenteísmo é gerenciado por um índice que leva o seu nome: Índice de Absenteísmo. Seu objetivo é o de subsidiar análises de variações e tendên-cias de horas perdidas de trabalho.

Conforme Chiavenato (1999), absenteísmo ou ausentismo, é a frequência e/ou duração do tem-po de trabalho perdido quando os empregados não comparecem ao trabalho. O absenteísmo constitui a soma dos períodos em que os funcionários se encontram ausentes do trabalho, seja por falta, atraso ou algum motivo interveniente. A fórmula a seguir é utilizada para calcular o índice de absenteísmo:

Total de Pessoas /Horas Perdidas

Total de Pessoas /Horas de Trabalho

Índice de Absenteísmo =

O índice de absenteísmo pode ser mensal ou anual. Se o índice de absenteísmo é 3%, por exemplo, a organização conta, na realidade, com 97% de sua força de trabalho no período.

Segundo Marras (2000), uma vez obtido o índice de absenteísmo – trabalho esse que pode ser realizado por centros de custo ou por departamento – para identifi car os focos onde se originam os problemas, baseando-se nas análises dos dados que o provocaram, é preparado um plano de ação propondo medidas que objetivam neutralizar as respectivas causas.

Ainda sobre o conceito de absenteísmo:

Ter funcionários nem sempre signifi ca tê-los trabalhando durante todos os momentos do horário de trabalho. As ausências dos empregados provocam certas distorções quando se referem ao volume e disponibilidade da força de trabalho. Ausências são faltas ou atrasos para o trabalho. O absenteísmo é sua principal consequência. O oposto do absenteísmo e a presença. Esta se refere há quanto tempo o funcionário está disponível para o trabalho. (CHIAVENATO, 1999, p.68)

No caso do DEMHAB, por ser um órgão da administração direta, apresenta grande número de benefícios aos servidores e funcionários, como férias, licenças, licenças-prêmio, etc., que conhecemos como absenteísmo legal, ou seja, os casos previstos em lei.

Também existe o índice de absenteísmo relativo ao pessoal afastado por períodos prolongados de tem-po, que inclui as ausências prolongadas, como férias, doenças ou ausências justifi cadas nos seus índices de absenteísmo. Para capturar o custo total das ausências, pode-se incluir todos os dias de trabalho perdidos por qualquer motivo (como dias de afastamento por férias, doença, maternidade, acidentes de trabalho e licenças de toda espécie). Ou então calcular as chamadas presenças pobres, que incluem apenas aquelas ausências que os empregados podem controlar pessoalmente (como faltas ou atrasos por motivos particulares, perfeitamente evitáveis). (CHIAVENATO, 1999, p.68)

Ainda para Chiavenato (1999), as causas e consequências das ausências foram intensamente estudadas. As pesquisas mostram que o absenteísmo é afetado pela capacidade profi ssional dos empre-gados e pela sua motivação para o trabalho, além de fatores internos e externos ao trabalho.

Em relação ao DEMHAB, apesar do órgão manter o Programa de Controle Médico e de Saúde Ocupacional (PCMSO) vinculado à Secretaria da Saúde do município de Porto Alegre, observamos índi-ces signifi cativos de absenteísmo no Departamento. As causas são diversas e entre elas destaca-se o alcoolismo, com um número expressivo de funcionários do quadro técnico.

2.2 ALCOOLISMO

O Dicionário da Academia Brasileira de Letras (2008, p.120) defi ne o alcoolismo como “vício de ingerir bebidas alcoólicas em demasia”. Na mesma concepção, Fishbein (1964) defi ne o alcoolismo como uma intoxicação prolongada ou excesso de consumo por álcool, onde geralmente o indivíduo é incapaz de sair deste vício por conta própria.

Vaissman (2004) menciona que há uma relação de causa e efeito entre o absenteísmo e o aumento de consumo de álcool nas organizações, alarmando e preocupando os gestores empresariais. A autora destaca ainda que estes dois fenômenos não sejam variáveis isoladas uma da outra, havendo interação entre as mesmas.

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Neste contexto, conforme a autora menciona acima, identifi ca-se uma relação direta entre o aumento do índice de absenteísmo no DEMHAB e a ingestão em demasia do consumo de substâncias alcoólicas, fato este que poderá ser prejudicial quanto à produtividade dos colaboradores alcoólatras.

Para Almeida (2007), o alcoolismo é ocasionado essencialmente por fatores biológicos, não descartando e estabelecendo uma conexão entre os fatores coadjuvantes que podem desencadear este vício, como desestruturação familiar, meio social adverso, vivências dolorosas e traumáticas, bem como os fatores culturais individuais.

De acordo com Fishbein (1964, p.30), as reações do alcoólatra podem ser manifestadas de diver-sas maneiras, tais como: “a) libações copiosas; b) perda de horas de trabalho por frequentes bebedeiras; c) enganando quando e quanto se bebe; d) suposta necessidade de beber por ‘aborrecimento’, ‘nervoso’, ‘esquecimento de penas’, ‘depressão’; e) costume de beber antes de qualquer reunião; f) promessas sobre a bebida; resolução de manter-se fi rme; g) crise de abatimento; h) costume de beber por motivo de qualquer ‘acontecimento especial’, que pode ser tão comum, como ir ao cinema ou ir ao futebol”.

O servidor não bebe para faltar ao trabalho, mas o mesmo poderá ter faltado ao trabalho porque bebeu, destaca Almeida (2007). Diante do exposto, pode-se mencionar que o indivíduo é res-ponsável por seus atos sendo motivado pelas suas características intrínsecas, que afetam diretamente a satisfação pessoal do colaborador com o trabalho e o comprometimento deste com a organização em que está inserido.

Para Almeida (2007), tanto os alcoolistas quanto os não alcoolistas, começam a beber pelas mesmas motivações, porém, em um determinado momento, a partir de uma reação fi siológica, orgâ-nica, há alterações psicossociais no indivíduo alcoolista.

2.3 MOTIVAÇÃO

De acordo com Vergara (2007), a motivação é uma força intrínseca, que nos impulsiona pelas nossas necessidades interiores, que nos estimula na direção de alguma coisa. Esta força pode ser pro-vocada por estímulos ou incentivos externos, mas, “ninguém motiva ninguém, nós é que nos motiva-mos ou não”, destaca a autora.

Na mesma concepção, Chiavenato (1999) afi rma que o comportamento humano deriva de forças que residem dentro do indivíduo, motivando o mesmo a agir e comportar-se de acordo com suas necessidades.

No entanto, para Marras (2000), a motivação é uma variável impulsionada pelas necessidades intrínsecas e extrínsecas, de acordo com as premissas básicas da Teoria de Maslow, onde se tornou conhecida pela teoria da hierarquização das necessidades humanas.

Conforme Marras (2000), a Teoria de Maslow declara que as necessidades estão arranjadas em uma pirâmide que vai desde as necessidades básicas e primárias do indivíduo (fi siológicas), até as mais sofi sticadas e complexas ou psicológicas (autoestima e realização).

Figura 1: PirâmideFonte: Adaptado de: (MARRAS, 2000, p.34)

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Na opinião de Bergamini (2008):

O estudo da motivação aplica-se a todos os campos da atividade humana e é, em especial, àquele reservado às organizações que muitos pesquisadores dedicaram grande parte dos seus esforços no sen-tido de poder entender que objetivos motivacionais são mais frequentemente procurados no trabalho. (BERGAMINI, 2008, p.146)

Assim, a personalidade de cada um, esquematizada, conceituada e pesquisada anteriormente, não constitui apenas uma estrutura impassível, à espera de que o mundo se modifi que à sua volta, para que cada um sinta que seus anseios e necessidades pessoais foram atingidos. “Ela é, antes de tudo, um elemento com dinâmica própria, que se caracteriza, principalmente, por esse movimento confi gurado por uma contínua integração de vivências, por uma contínua interação entre suas estruturas básicas, por um mudar e evoluir constantes.” (BERGAMINI, 2008, p.137)

3. METODOLOGIA

Apresenta-se aqui a estratégia de pesquisa escolhida, a fi m de explicar a investigação que nor-teia este estudo. Portanto, a validação de uma pesquisa ocorre por meio do método, do conhecimento científi co. Sob este enfoque, utilizou-se a pesquisa qualitativa para o artigo em questão, através do estudo de caso.

De acordo com o exposto, a metodologia que será aplicada estará estruturada de forma a responder ao problema norteador deste artigo.

Segundo Roesch (2007), o método qualitativo procura o que é comum, mas permanece aberto para perceber a individualidade e os signifi cados múltiplos, deixando de enfatizar uma necessidade de buscar uma média estatística.

Sendo assim, para atingir o objetivo deste artigo, reforça-se a opção por um delineamento de natureza qualitativa considerando que o objetivo do mesmo é de verifi car as possíveis causas do alco-olismo, com o objetivo de reduzir o índice de absenteísmo no DEMHAB, de maneira que a abordagem qualitativa representa assim a investigação e interpretação de uma realidade social.

Feita a escolha da pesquisa qualitativa, cabe a decisão pelo método mais adequado ao tema em questão. Godoy (1995) caracteriza o estudo de caso “como um tipo de pesquisa cujo objetivo é uma unidade que se analisa profundamente. Visa o exame detalhado de um ambiente, de um simples sujeito ou de uma situação em particular”. Tendo como o propósito de fundamentar o estudo de caso, a análise intensiva de uma unidade social, em específi co, aparece como oportuna à escolha de utili-zá-la neste trabalho.

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Neste item abordaremos os dados levantados junto à Coordenação de Infraestrutura e Recur-sos Humanos do DEMHAB.

A área dos Recursos Humanos, responsável pela Gestão de Pessoas do DEMHAB, está subdivi-dida em quatro pequenas áreas: Coordenação de Infraestrutura de Recursos Humanos (CIRH), Equipe de Preparo e Pagamento (EPP), Equipe de Vantagens e Registros (EVAR) e Equipe de Desenvolvimento de Recursos Humanos (EDRH).

A CIRH conta com uma equipe de quinze funcionários entre servidores, funcionários comissio-nados e estagiários. Ela é a responsável pelo andamento e desenvolvimento de toda a equipe. A EPP é a equipe responsável pela alimentação, controle e execução da folha de pagamentos e encargos sociais. Já a EVAR é a equipe responsável pelos registros funcionais, publicações no Diário Ofi cial de Porto Alegre (DOPA), elaboração de portarias e controle do tempo de serviço dos funcionários para fi ns de férias, licenças, aposentadorias e outros tipos de afastamento. Por fi m, a EDRH é a equipe respon-sável pelos cursos de aperfeiçoamento, estágios e treinamento e desenvolvimento dos funcionários do Departamento.

Com relação a Estratégias de Gestão de Pessoas, verifi cou-se que por política salarial o De-partamento adota a Convenção Coletiva dos Municipários. Quanto ao plano de carreira, está em vigor desde dezembro de 1985 sem a distribuição de resultados para os funcionários, visto que o DEMHAB não é um órgão que tem por objetivo fi nal a obtenção de lucros e, por muitas vezes, tem seu orçamen-to complementado por verbas oriundas do orçamento da Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

Relativo à formação, dentro do possível, aproveita os estagiários nas vagas de Cargos Comis-

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sionados, ou seja, que não exigem a contratação via concurso público e privilegia a especialização e o desenvolvimento dos funcionários do quadro. Também é incentivado o trabalho em equipes e a autonomia nas tomadas de decisão.

Quanto aos benefícios, o DEMHAB oferece aos seus funcionários vale-refeição, convênio médi-co e odontológico, além de seguro de vida.

Com relação à análise de cargos, atualmente está sendo reformulado em função da verifi cação de inúmeros casos de desvio de função e pela falta de efetivo sufi ciente. O é agravado pela necessida-de de concurso público para a contratação de novos funcionários e a inexistência de concurso interno.

A avaliação de desempenho dos funcionários do DEMHAB é realizada sempre após novas roda-das de cursos de aperfeiçoamento, no entanto, a última pesquisa de Clima Operacional realizada na instituição foi do período 2007/2008.

Sobre Desenvolvimento e Capacitação da Gestão de Pessoas, foi identifi cado que a empresa investe em políticas de aperfeiçoamento, bem como, identifi ca a necessidades de desenvolvimento e capacitação e busca acompanhar os resultados através de relatórios e avaliações dos servidores e da instituição. Ainda no sentido de aperfeiçoamento, o DEMHAB forma multiplicadores através do Projeto Compartilhar, que é uma das coordenações juntamente com outras secretarias da Administração Cen-tralizada. O projeto proporciona àqueles funcionários que não concluíram alguma etapa de seus estu-dos básicos a chance de realizá-las. As aulas são ministradas por funcionários com formação superior que estejam capacitados e disponíveis para executá-lo.

Quanto ao subsídio à educação e desenvolvimento dos funcionários, o Artigo 90 da Lei Comple-mentar nº 1332 assegura o afastamento do funcionário efetivo, sem prejuízo de sua retribuição pecuniária, em dias de provas e nos casos de aulas obrigatórias apenas. Casos especiais são analisados separadamente.

Com relação à Administração Operacional da Gestão de Pessoas, verifi cou-se que a instituição possui registros de seus funcionários ativos e inativos, visto que a folha de pagamento é elaborada pelo setor de recursos humanos da própria empresa, acompanhada periodicamente pelo Sindicato dos Municipários de Porto Alegre – SIMPA.

A empresa possui ainda um programa de acompanhamento de desligamento de funcionários (excepcionalmente) e estagiários, bem como um Programa Preparatório para Aposentadoria.

As passivas trabalhistas e discussões judiciais nessa área enfrentadas pela empresa devem-se a diferenças decorrentes de equiparação salarial e insalubridade.

Quanto à saúde e segurança dos funcionários o DEHMAB mantém o Programa de Controle Mé-dico e de Saúde Ocupacional (PCMSO) vinculado a Secretaria da Saúde do Município de Porto Alegre.

E, por fi m, com relação a Indicadores de Gestão de Pessoas, o DEMHAB mantém controle sobre as inúmeras causas de absenteísmo. Com relação aos níveis de rotatividade, existem processos administrativos internos que tratam do assunto, da necessidade e da autorização ou não nos casos de relotação de pessoal.

A identifi cação do problema se deu após a análise dos Indicadores de Gestão de Pessoas, no qual foram constatados índices signifi cantes de absenteísmo no Departamento. As causas são diversas e entre elas destaca-se o alcoolismo, com um número expressivo de funcionários do quadro técnico.

Segundo a CIRH, não existe um levantamento exato e específi co destes dados, mas pelo menos um funcionário de cada setor do Departamento tem problemas com absenteísmo e, na grande maioria dos casos, todos estão relacionados de alguma forma com o alcoolismo.

Os fatores que contribuem para a existência do problema observado são diversos. Nos casos mais graves o problema se encontra em equipes que possuem índices baixos de escolaridade e de re-muneração. Nos demais casos, geralmente os problemas são domésticos, refl etindo a desarmonia das famílias e questões de gestão fi nanceira.

Diante do exposto, o DEMHAB posiciona-se reunindo os servidores que apresentam o problema para o acompanhamento psicológico. A continuidade da assistência se dá através de acompanhamento médico e, eventualmente, encaminhando-se a clínicas de reabilitação.

CONCLUSÃO

Ao desenvolver este trabalho, podemos defi nir o absenteísmo como a ausência do colaborador no seu local de trabalho. Esta ausência pode ser mensurada por diversos fatores, e no estudo de caso do DEMHAB foi verifi cado que a mesma, na sua grande maioria, deve-se ao fato dos colaboradores apresentarem o vício do alcoolismo. Fato este que infl uencia a produtividade do cliente interno, bem como os resultados a serem alcançados pela organização. No entanto, as causas relacionadas a este 2 Lei Complementar nº. 133 de 31 de dezembro de 1985 – Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Porto Alegre.

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problema, conforme a metodologia aplicada, devem-se a fatores externos à empresa, oriundas por premissas básicas, da hierarquização das necessidades humanas, de acordo com a Teoria de Maslow.

As causas mais relevantes deste problema, conforme a CIRH, estão evidenciadas nas equipes que possuem baixa escolaridade, nas quais tais profi ssionais muitas vezes são obrigados a desenvolver habilidades e capacidades acima de sua qualifi cação ou competência. Além disso, nota-se que, em outros casos, os problemas são originados na esfera familiar, onde os relacionamentos de uma forma geral são enfraquecidos pelos aspectos fi nanceiros, ocorrendo desentendimentos e desencadeando uma desestruturação familiar.

Nestes casos, torna-se de extrema relevância as ações do DEMHAB quanto ao acompanhamen-to e atendimento médico e psicológico dos trabalhadores identifi cados como vítimas do alcoolismo.

Há ainda a percepção, não efetivada, da necessidade do acompanhamento da assistência so-cial junto à família destes servidores, buscando assim cercar as três pontas deste problema, realizando de forma complementar o acompanhamento médico, psicológico e social.

Diante do exposto, as medidas sugestionadas acima servem para que o DEMHAB procure apli-car de forma efetiva uma postura adequada para lidar com a situação, mantendo sempre uma postura de prevenção com relação aos problemas já relatados a fi m de que possa manter o controle sobre suas causas e evitar suas consequências.

REFERÊNCIAS

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008.

ALMEIDA, Vera Lúcia Vieira de. Alcoolismo na administração pública. Artigo científi co apresentado para obtenção do título de pós-graduação em Direito Público. Brasília, 2007.

BERGAMINI, Cecília Whitaker. Psicologia aplicada à administração de empresas: psicologia do com-portamento organizacional. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2008.

CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

FISHBEIN, Morris. Enciclopédia familiar de medicina e saúde. São Paulo: Britânica, 1964. v.2

GODOY, Arilda Schimidt. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. RAE – Revista de Administração de Empresas, v.35, n.2. São Paulo, mai-jun 1995.

MARRAS, Jean Pierre. Administração de recursos humanos: do operacional ao estratégico. 3.ed.São Paulo: Futura, 2000.

ROESCH, Sylvia Maria Azevedo. Projetos de estágio e pesquisa em administração: guia para estágios, trabalhos de conclusão, dissertações e estudos de caso. São Paulo: Atlas, 2007.

VAISSMAN, Magda. Alcoolismo no trabalho. Rio de Janeiro: Garamond/Ed. Fiocruz, 2004.

VERGARA, Sylvia Constant. Gestão de pessoas. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2007.

ANEXO A – QUESTIONÁRIO

1. Qual o índice de absenteísmo que o Departamento ou a sua coordenação possui?A CIRH (Coordenação de Infraestrutura e Recursos Humanos) não possui esses dados levantados com exatidão, mas pelo menos um funcionário de cada setor tem problemas com absenteísmo, ou seja, em termos de índice, eu diria que médio/alto.

2. Quais fatores que você acredita que neste índice torna-se relevante?Na grande maioria dos casos, todos estão relacionados de alguma forma com o alcoolismo.

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3. Quais os fatores que você percebe que contribuem para este problema?São diversos. Nos casos mais graves, o problema se dá nas equipes que possuem índices baixos de escolaridade e, por consequência disso, de remuneração. Nos outros casos os problemas, geralmente são em casa, problemas de relacionamento com a família de uma forma geral e até mesmo problemas com sua administração fi nanceira. Mas acontecem também em equipes com remuneração bem mais elevadas.

4. Você nota alguma perda de produtividade pelo absenteísmo?Com certeza. Em todos os casos, principalmente entre os que ocorrem com operários e outros que es-tão também em níveis operacionais, existe perda signifi cativa de produtividade. Alguns retornam, mas com níveis de produtividade inferiores à média, em outras circunstâncias a produtividade da equipe inteira é afetada pela ausência de um dos membros.

5. Na sua experiência, você acredita que haveria alguma probabilidade deste quadro ser reverti-do? Por quê?No quadro de funcionários já temos casos de servidores que foram submetidos a tratamento médico e psicológico, inclusive subsidiado pelo Departamento, e que apresentaram melhoras signifi cativas em seu retorno.

6. O Departamento possui algum tipo de assistência para seus colaboradores? Qual?Sim. Os funcionários que apresentam este tipo de problema participam de reuniões em grupos acom-panhadas por uma psicóloga. A continuidade da assistência se dá através de acompanhamento médico, nos casos mais graves são encaminhados para internação em clínicas de reabilitação.

7. Você percebe que há uma evolução positiva quanto aos procedimentos internos do Departamen-to para a solução do alcoolismo? Por quê?Sim. Contudo, há que se levar em consideração que o problema do alcoolismo é pessoal. A maioria dos casos é gerado por fatores externos, sem ligação direta com o trabalho no Departamento.

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ANEXO B – ORGANOGRAMA

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Ideologia e processo penal: contributo aos sistemas processuais penais

Fabiano K. Clementel (1)

RESUMO

O presente artigo se propõe a analisar a ideologia que subjaz aos discursos ofi ciais de reforma do CPP presentes no PLS 156/2009 (atual PLC 8045/2010), especialmen-te em sua exposição de motivos, delimitando-se o estudo nos sistemas processuais penais. Para tanto, apontam-se aspectos históricos dos sistemas processuais penais. Após esta (re)visita histórica, procura-se identifi car a ideologia legitimante da refor-ma do CPP, com a opção pelo modelo acusatório de processo. Propõe-se, por derra-deiro, em virtude da complexidade em torno do signifi cado dos sistemas processuais acusatório e inquisitório, a superação desta dicotomia.

PALAVRAS-CHAVE

Ideologia. Reforma processual penal. Sistemas processuais penais. Garantismo penal. Modelo acusatório.

ABSTRACT

This article aims to analyze the ideology that underlies the offi cial speeches CPP retirement present for PLS 156/2009 (current PLC 8045/2010), especially in its explanatory memorandum, outlining the study in systems of criminal procedure. For both, it was pointed out historical aspects of criminal procedural systems. After this visit historical attempts to identify the Ideology legitimante reforming the CPP, with the choice of model adversarial process. It is proposed, for the last, because of the complexity surrounding the meaning of procedural systems accusatorial and inquisitorial to overcome this dichotomy.

KEY-WORDS

Ideology. Reform of criminal procedure. Criminal procedural systems. Guaranteeism criminal. Adversarial model.

INTRODUÇÃO

O processo penal brasileiro tem sido alvo de muitas críticas nos últimos anos, especialmente a partir da Constituição Federal de 1988. Parte da doutrina busca seu substrato teórico-crítico na au-sência de ressonância constitucional da Lei Adjetiva Penal na medida em que é datada da década de 40, fruto de outra realidade política do nosso país, e que, mesmo com a novel Carta Política, não foi objeto de releitura democrática.

O movimento reformista, importante dizer, é anterior à CF/88. Foi após sua promulgação, contudo, que esta necessidade se tornou uma constante. Sobre este ponto, pode-se dizer que “dos vários projetos de reforma do Código de Processo Penal, apresentados em 2001, três deles, após sete anos de incubação, emergem envoltos em uma magia redentora do processo penal brasileiro. Essas novas(?) leis fragmentam, além da realidade, ainda mais, o Código de Processo Penal e o próprio processo penal, mas não rompem com a base epistemológica e política da década de 40.” (GIACO-MOLLI, 2008, p. 01)

Neste sentido, percebe-se que, conquanto novas leis tenham trazido outras disposições ao texto legal do processo penal, a base epistemológica e política permaneceu a mesma, isto é, supre-

Ciências Sociais e Aplicadas

(1) Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS. Especialista em Ciências Penais pela PUCRS. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PU-CRS. Professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Advogado.

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macia do Ius Puniendi sobre o Ius Libertatis. Por isso, mesmo com todas estas reformas pontuais, o processo penal continua sendo o cão de Salamano1.

Resta saber, agora, se a subestrutura do processo penal, por meio de um ocultamento ideoló-gico, vai permanecer a mesma com o PLS 156/2009, ou se vai incorporar a nova paisagem do Brasil. É que a realidade posta pela CF/88 é de reconhecimento do outro, do ser humano – dotado de dignidade –, da vida, da cidadania. Com efeito, este tem que ser o ponto de partida à refl exão do processo penal, cônscio de sua natureza repressora – Aparelho Repressivo de Estado e Aparelho Ideológico de Estado (ALTHUSSER, 1985), mas também ciente do seu caráter instrumental de defesa do débil.

A Ideologia reformista do CPP, idealizada pelo PLS 156/2009, traz um capítulo sobre os prin-cípios fundamentais do processo penal, dentre os quais está a previsão de uma estrutura acusatória2. Importante salientar, no entanto, que a “estrutura acusatória” pretendida pela reforma não se afasta completamente da matriz inquisitória do processo penal, trazendo incongruências teóricas incompatí-veis, como as previstas no art. 525 do referido Projeto3.

Neste sentido, propõe-se a superação da dicotomia sistema acusatório/sistema inquisitório como o caminho necessário para reduzir as incertezas teóricas que hoje giram em torno desta dicoto-mia. Para tanto, o veículo que pode auxiliar neste desiderato é a análise destes tipos históricos numa perspectiva comparada. Com efeito, a partir desta perspectiva pode-se atribuir ao princípio acusatório a conotação de meta-garantia.

(Re)visitando os sistemas processuais penais

Ab initio, nos primeiros tempos da civilização não era possível distinguir o ilícito penal do ilícito civil, sendo o delito construído em bases essencialmente privadas, e o processo penal era um “processo” de partes (GIMENO SENDRA [et. all], 1999, p. 77). O castigo era um direito do ofendido ou de seu grupo social (vingança privada), e a solução era encontrada por meio da disputatio4.

O processo judicial, todavia, nasce logo em seguida, convertendo-se aquele combate efetivo repre-sentado pelo sentimento de vingança privada em um combate simulado. No começo, facultavam-se à parte ofendida três opções: a vingança, a solução privada com o ofensor (mediante a compositio) ou a via judicial (GOMES ORBANEJA [et. all], 1981, p. 114), mas aos poucos surge a concepção de ius puniendi estatal.

É com o surgimento do processo judicial que nascem os sistemas processuais penais. As pri-meiras manifestações dos sistemas processuais deram-se pelo modelo acusatório, o qual predominou até meados do século XII, sendo posteriormente substituído pelo modelo inquisitório, que prevaleceu com plenitude até o fi nal do século XVIII (LOPES JR., 2008, p. 56).

O sistema acusatório irá surgir, na Grécia, quando os delitos públicos passam a se converter na regra geral. O processo acusatório era, contudo, privado, pois a acusação era formulada por qual-quer cidadão perante o ofi cial competente (Arconte) (KAI AMBOS, 2008, p. 50). Características deste sistema podem ser encontradas em GERALDO PRADO (2006, p. 69). No Direito Romano, por sua vez, a forma de organização política infl uía no tipo de processo penal imperante (ARAGONESES ALONSO [et. all.], 1974, p. 17). Duas formas de intervenção jurisdicional se manifestaram neste período: o proces-so penal privado e o processo penal público. Com o passar dos anos o processo penal público acabou assumindo as formas de intervenções privadas (MANZINI, 1951, p. 03).

Nos processos penais públicos não era o ofendido quem fazia valer uma pretensão jurídica; era o Estado quem assumia esta posição, efetuando a própria função de defesa social. Este processo penal público passou por duas formas primordiais: a cognitio, na qual toda função processual estava encomendada nas mãos dos órgãos estatais (magistrados) – típica da Monarquia Romana; e a accusatio, na qual a parte do acusador de interesse público era assumida de quando em quando espontaneamente por um cidadão privado – República5. Com relação às principais características do modelo acusatório romano na República remete-se o leitor à LOPES JR. (2008, p. 57), pois se entende desnecessário dis-cutir estas tipologias por meio de suas características. 1 Sobre “cão de Salamano”, Albert Camus manifesta, na obra “O Estrangeiro”, que “[...]todas as noites e todas as manhãs, desde que o cão pegara aquela doença de pele, Salamano passava pomada nele. Mas, na sua opinião, a sua verdadeira doença era a velhice, e velhice não se cura.” (CAMUS, 2007, p. 49).2 “Art. 4º. O processo penal terá estrutura acusatária, nos limites defi nidos neste Código, vedada a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.” (CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/831788.pdf. Acesso em: 20 abr. 2011, às 10 horas). 3 “Art. 525. No curso do processo penal, as medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes, obser-vando os princípios do Código e as disposições deste Livro.” (CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/integras/831788.pdf. Acesso em: 20 abr. 2011, às 10 horas).4 Em resumo, o conhecimento era obtido por meio da luta entre as partes e o triunfo da vencedora demonstrava que Deus estava do seu lado. Ver os refl exos da disputatio nas esferas do conhecimento da humanidade (ZAFFARONI [et. all.], 2003, pp. 497-507). 5 Para uma explicação sobre o procedimento da cognitio e da accusatio (TOURINHO FILHO, 2005, p. 81).

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O advento do Império vai trazer consigo a necessária convivência entre dois procedimentos, o tradicional, e a criação de um procedimento penal de ofício. Surge então a cognitio extra ordinem como o procedimento que dava o tom às novas ideias políticas (ARAGONESES ALONSO [et. all.], 1974, p. 18), representando uma espécie de renascimento da cognitio como método de ajuizamento crimi-nal, e a superação das alegadas defi ciências do sistema acusatório (GERALDO PRADO, 2006, p. 77).

O sistema acusatório clássico, entretanto, vai perdurar aproximadamente até o fi nal do século XI e início do século XII, concomitantemente com a cognitio extra ordinem. A cognitio extra ordinem vai se transformar no sistema inquisitório no momento em que nasce o novo Estado Administrativo, com novas relações comerciais, de trabalho, enfi m, uma vida nova (COUTINHO, 2001, p. 21). Em verdade, o ponto crucial da mudança ocorreu quando o confl ito deixou de ser lesão contra a vítima e passou a signifi car delito contra o soberano (ZAFFARONI [et. all.], 2003, p. 392).

Outro ponto importante é que a Igreja passou a reivindicar “[...] um direito inerente ao poder político, introduzindo-se uma mudança na relação entre o divino e o terreno: o divino pretende agora reinar sobre o mundo intermediário da Igreja, e a Igreja torna-se mundana num sentido em que não o era até então.” (DUMONT, 2000, p. 56).

É com a cognitio extra ordinem que iniciam a mitigação de ritos processuais legalmente pre-vistos. Os juízes passam a proceder de ofício, sem acusação formal, realizando investigações, podendo valer-se pela primeira vez da tortura, prolatando sentenças escritas, determinando o sigilo dos pro-cessos, dentre outros. Com efeito, surgem as primeiras características do que viria a ser considerado como sistema inquisitório (LOPES JR., 2008, p. 58).

O auge do sistema inquisitório ocorre com a introdução da inquisição ex offi cio, por Inocêncio III (RAMÍREZ, 1974, p. 71). Foi com o Concílio de Latrão, em 1215, porém, que o processo canônico acabou adotando o sistema inquisitivo como procedimento único (per inquisitionem), introduzindo-se, assim, a Inquisição6. Sua normatização, no entanto, ocorreu em defi nitivo com a edição das Bulas Papais, sobretudo a Bula Ad Extirpanda (1252), de Inocêncio IV (CARVALHO, 2008, p. 57).

O processus per inquisitionem surge entre os séculos XII e XIII na Europa medieval, num momento de recuperação do Direito romano justinianeu e através da indubitável infl uência da Igreja (LORENA WINTER, 2008, p. 16)7, nascendo para satisfazer dois mundos, o Eclesiástico e o Laico (BET-TIOL, 2008, p. 164).

O delito, nesta fase, já havia deixado de representar lesão contra a vítima, sendo conside-rado lesão contra o soberano. A inovação é que o crime, nesta etapa, passa a ser visto também como pecado, com o que lesar o soberano e cometer um pecado são duas coisas que começam a se reunir (FOUCAULT, 2005, p. 74). Com efeito, a partir do imperativo controle conjunto da criminalidade co-mum e da heresia (crime de consciência), o mecanismo (Inquisição) permite a ampliação do rol de culpáveis, englobando em sua persecução quaisquer atos de oposição aos saberes ofi ciais (CARVALHO, 2008, p. 58).

O sistema inquisitório vai adequar-se perfeitamente ao paradigma das monarquias absolutas e vai ser difundido a quase todas as legislações europeias dos séculos XVI, XVII e XVIII, com o fundamento de que a proteção dos interesses públicos não poderia fi car nas mãos da iniciativa privada do ofendido, como se percebe na Ordenance de 1670, na França. Este sistema irá perdurar até a inovação trazida pelo Código Napoleônico (LEONE, 1963, p. 23), com a construção do sistema misto ou acusatório re-formado em 1808. Este novo sistema é um monstro de duas cabeças, composto de mais de dois olhos e mais de duas orelhas, pois nos labirintos escuros da instrução reina Luís XIV (CORDERO, 1986, p. 73).

Na verdade, conquanto as práticas tenham sido formalmente erradicadas no século XIX, quan-do os Tribunais do Santo Ofício foram defi nitivamente abolidos em Portugal (1821) e Espanha (1834), sua matriz material e ideológica terá predominância na legislação laica, orientando a tessitura dos sistemas penais da modernidade (CARVALHO, 2008, p. 57). O obscurecimento inquisitorial teve como pretensões encobrir a realidade punitivista em face das novas ideias iluministas. Assim se propôs o mo-delo acusatório reformado, de efetiva, porém duvidosa, tutela do cidadão (CORDERO, 1966, pp. 168-169), pois, maquiado pela laicização do Estado, acabara por fortifi car ainda mais o poder instituído.

As principais características atuais do sistema inquisitório podem ser encontradas em PAULO

6 As recomendações do Concílio de Latrão de 1215 foram estruturadas pelo Santo Ofício posteriormente, primeiro pelo Concílio de Toulouse de 1229, consolidado em 1231 pela Bula do Papa Gregório IX e, em 1252, pela Ad Extirpanda (THUMS, 2006, p. 217). 7 Asenjo lembra, porém, que a mentalidade começou a mudar já no século V, com a crise do Império, surgindo assim um profundo sentimento supersticioso com a possibilidade de o acusado ser purifi cado por meio do julgamento (Juízos de Deus). (ASENJO, 1950, p. 86). Segundo Fou-cault, esta técnica do sistema de prova buscava não pesquisa da verdade, mas uma espécie de jogo de estrutura binária. O indivíduo aceita a prova ou renuncia a ela (FOUCAULT, 2005, p. 61). O mesmo Foucault vai referir que com a grande procedura do Inquérito esta lógica muda, pois julgar passa a ser o estabelecimento da verdade de um crime, seu autor e a aplicação de uma sanção legal (FOUCAULT, 2008, p. 21).

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RANGEL (2005, p. 50)8, e as principais características do sistema acusatório podem ser localizadas em LOPES JR.(2008, p. 58)9. Para o objeto deste artigo, no entanto, esta diferenciação não se justifi ca, já que em concreto nenhum modelo se apresenta historicamente no estado puro (BETTIOL, 2008, p. 164), e por isso são considerados como modelos históricos (ARAGONESES ALONSO [et. all], 1974, pp. 16-17).

Entende-se, com efeito, que estabelecido o actum trium personarum (MARQUES, 1980, p. 83), e colocando-se o juiz, embora como personagem, na sua posição de superpartes (CARNELUTTI, 2006, p. 32), é possível ter presente elementos que antes eram considerados do sistema inquisitório no sistema acusatório e vice-versa. Por isso, a noção de sistema adotada passa sempre pela sua ideia básica, a saber: conjunto de temas colocados em relação por um princípio unifi cador, que forma um todo pretensamente orgânico destinado a uma determinada fi nalidade (COUTINHO, 2001, p. 28).

O princípio unifi cador, ou núcleo fundante, é a gestão da prova. Desta forma, o próprio con-ceito de sistema misto retrata-se por um reducionismo ilusório e insufi ciente, já que o núcleo fundante não pode ser misto (LOPES JR., 2008, pp. 66-68). A gestão da prova se manifesta por dois princípios informadores: o princípio dispositivo, que funda o sistema acusatório, no qual a gestão da prova está nas mãos das partes; e o princípio inquisitivo, no qual a gestão da prova está nas mãos do julgador, fundamentando, assim, o sistema inquisitório (COUTINHO, 2001, p. 17).

Feita esta distinção tipológica, o próximo passo é examinar os sistemas processuais penais no PLS 156/2009, superando a sua dicotomia.

Superando a dicotomia sistema acusatório/sistema inquisitório

Viu-se que, no plano histórico, a utilização de um ou outro sistema sempre esteve vincula-da ao momento político do Estado, não apenas Moderno. É que o processo penal de uma nação é o termômetro dos elementos corporativos e autoritários de sua Constituição (GOLDSCHMIDT, 1936, pp. 109-110), podendo ser considerado “lo specchio degli orientamenti politici e delle strutture constitu-zionali.” (CORDERO, 1966, p. 06).

Nesta perspectiva, tem sido sustentado que no Estado Democrático de Direito o sistema acu-satório é a garantia do cidadão contra qualquer arbítrio do Estado. A contrario senso, no Estado Totali-tário, em que a repressão é a mola mestra e há supressão dos direitos e garantias individuais, o sistema inquisitivo encontra sua guarida (RANGEL, 2005, p. 49).

Entende-se, no entanto, que esta distinção está superada, pois a mudança de mentalidade surgida após a II Guerra Mundial, com a valoração do indivíduo como sujeito dotado de direitos funda-mentais, afasta, na prática, a hipótese de se aplicar o sistema inquisitório. Ademais, o processo penal atual tem uma estrita relação com a Constituição do Estado na medida em que “[...] el reconocimiento de derechos fundamentales procesales por un Estado es un criterio para medir el carácter autoritario o liberal (freiheitlich) de una sociedad.” (BACIGALUPO, 2002, p. 133).

A mudança de mentalidade, no entanto, deve ocorrer na prática, no dia a dia dos processos ju-diciais, pois é lá que os direitos e garantias fundamentais são colocados em cheque, e é neste momen-to que o respeito às garantias fundamentais do processo devem se fazer presente. Ademais, as opções para uma reforma do processo penal não se limitam a dizer se a escolha é por um modelo acusatório ou um modelo inquisitório, pois, na concepção atual dos direitos e garantias fundamentais, como a imparcialidade, o direito de defesa, o contraditório, a valoração da prova, o direito a um julgamento público, afastam a possibilidade de adequação ou utilização do modelo inquisitório como foi concebido historicamente (WINTER, 2008, p. 12).

Deste modo, devem-se adequar os conceitos à realidade e ao momento atual, tendo como ponto de partida a objetividade das instituições clássicas, utilizando os que ainda estão em vigor e combinando-os com as novas categorias que penetram no processo penal – correlativas e/ou comple-mentares (MELLADO, 1991, p. 09).

Há de se considerar, também, que tanto a técnica operada pelo sistema inquisitório quanto à técnica utilizada no sistema acusatório possuem correspondência com os instrumentos do poder 8 “a) as três funções (acusar, defender e julgar) concentram-se nas mãos de uma só pessoa, iniciando o juiz, ex offi cio, a acusação, quebrando, assim, sua imparcialidade; b) o processo é regido pelo sigilo, de forma secreta, longe dos olhos do povo; c) não há o contraditório nem a ampla defesa, pois o acusado é mero objeto do processo e não sujeito de direitos, não se lhe conferindo nenhuma garantia; d) o sistema de provas é o da prova tarifada ou prova legal e a confi ssão é a rainha das provas.”9 “a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve ser das partes; c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio ao labor da investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo; d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo); e) procedimento é em regra oral (ou predominantemente); f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa); h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional; i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social), da coisa julgada; j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.”

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punitivo, e se articulam com a função pública do direito penal e com o ius puniendi estatal (ARMENTA DEU, 1995, pp. 23-24), razões pelas quais as técnicas inquisitórias, caso seja mantida a dicotomia, poderão ser incluídas no processo acusatório, maculando sua principiologia naquilo que com ele for incompatível.

Por isso, entende-se que, antes da opção pelo sistema, a pergunta não é que tipo de proce-dimento queremos, mas que tipo de organização do Estado possuímos (DAMASKA, 2000, p. 86) para daí sim partir-se para a escolha científi ca possível, dentro da perspectiva de que, pela evolução dos direitos e garantias fundamentais, o modelo inquisitório é insustentável.

Nesta senda, é o nominado modelo acusatório que está sendo a opção do legislador brasileiro, e vem como um dos pilares do sistema de garantias processuais posto pela Constituição de 1988 (FER-RAJOLI, 2004, P. 22)10. Disso não há nenhuma dúvida, até mesmo porque agora está expressamente previsto no PLS 156/2009, na redação do seu art. 4º11.

A chave deste modelo acusatório, pretendido pela proposta de reforma do CPP, é constituída de elementos de análise da realidade que percebem o sistema penal como um sistema de Poder. A natureza política do direito e do processo penal é responsável pelo tipo de técnica empregada nos tribunais. Sem compreender que as técnicas em direito são informadas por critérios ideológicos, cor-re-se o risco de se persistir acreditando em uma neutralidade axiológica dos instrumentos do poder punitivo, esvaziando o conteúdo das funções a serem exercidas pelos profi ssionais (GERALDO PRADO, 2006, p. 60).

Sob o aspecto político, a Constituição Federal atual dispõe em seu art. 1º, caput, que a Repú-blica Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos, dentre outros, a soberania e o princípio da dignidade da pessoa humana, ex vi dos incisos I e III do referido dispositivo. A função pública do direito penal e o ius puniendi estatal são parte do conceito de exigência punitiva, que só pode se fazer valer por meio do processo penal, todas construções técnicas artifi ciais, mas que são corolários do poder de soberania (GOLSDCHMIDT, 1935, pp. 23-24).

Assim, os instrumentos do poder punitivo (direito penal e processo penal essencialmente) são vinculados às estruturas do poder político estatal em geral. São os modelos de organização do Estado que irão temperar as formas de aplicação destes instrumentos.

Deste modo, a distinção entre um e outro modelo de sistema processual passa pela forma como o Estado organiza o seu Poder Judiciário. A distinção de formas pode-se dar pelos elementos conceituais necessários à organização estatal, que se referem aos atributos dos funcionários, às suas relações e à maneira que são tomadas as suas decisões. Estes são os três aspectos do Poder Judiciário que infl uem na forma do processo legal (DAMASKA, 2000, p. 33). A partir destes elementos é possível distinguir um sistema do outro.

Existem, ainda, quatro tipos ideais ou tipologias que servem para analisar toda a classe de procedimentos. Primeiro, tem-se dois modos de organizar a autoridade judiciária (Poder Judiciário): o modelo hierárquico e o modelo paritário (coordenado); aquele ocidental, este anglomericano. No ideal hierárquico (organização judiciária continental) há uma profi ssionalização dos funcionários res-ponsáveis, o ordenamento é estritamente hierárquico e existem normas técnicas para a tomada de decisões. No ideal paritário (aparato da justiça angloamericano) há, ao contrário, funcionários leigos, uma distribuição horizontal de poder, e a justiça é substantiva, isto é, “el sentido común práctico y la prudencia se mezclen con normas éticas, políticas o religiosas” (DAMASKA, 2000, pp. 33-53).

Por meio destas diferenças é possível estabelecer os tipos de sistemas processuais existentes. A diferença, em verdade, está na posição do sujeito. No rito acusatório dos países de common law podem ser visto facilmente as raízes ideológicas de um individualismo de marca liberal que faz do processo o lugar no qual as partes se confrontam e se degladiam, utilizando-se dos recursos pessoais e econômicos que podem assegurar o sucesso na causa. Já a espinha dorsal do modelo inquisitório está calcada na ideologia autoritária, concebida como depositária de uma supremacia sob o plano cognitivo que relega a uma posição residual a contribuição do indivíduo (ENNIO AMODIO, 2003, p. 199).

Desenvolvidas as tipologias da autoridade judiciária, têm-se ainda duas tipologias do proce-dimento, as quais são associadas, cada qual, com um determinado fi m do Estado. Para a primeira, o Estado tem um papel reativo na sociedade no sentido de que se limita a prover um marco para que os cidadãos possam perseguir seus próprios ideais. Nesta tipologia, então, o procedimento seria um mecanismo para resolver confl itos entre os cidadãos. Na segunda, o Estado tem um papel ativo na sociedade, no sentido de que sustenta a vida boa ou correta, e a utiliza como base para um programa 10 “[...] no es otra cosa que esta doble sujeción del derecho al derecho, que afecta a ambas dimensiones de todo fenómeno normativo: la vigencia y la validez, la forma y la sustancia, los signos y los signifi cados, la legitimación formal y la legitimación sustancial o, si se quiere, la <racionalidad formal> y la <racionalidad material> weberianas.”11 Ver NR 01.

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global de melhora material e moral de seus cidadãos. Nesta última tipologia, o procedimento é um mecanismo para implementar políticas.

Entende-se, desta análise, que a dicotomia sistema acusatório/sistema inquisitório como mo-delos de processo de Estados Democrático e Autoritário, respectivamente, está superada. Resta esta-belecer, por fi m, um novo enfoque ao princípio acusatório.

O princípio acusatório como meta-garantia

Sobre a indefi nição conceitual em torno do termo acusatório, LORENA WINTER (2008, p. 12) vai dizer que o vocábulo tem sido mal aplicado, muitas vezes sendo identifi cado com o processo com todas as garantias do acusado, ou ainda como equivalente ao ideal de justiça numa sociedade civili-zada e respeitosa dos direitos fundamentais, criando, com efeito, uma distorsão do debate na medida em que se aceita a priori um ponto de partida axiomático da noção de acusatório.

O problema talvez seja que, atualmente, em parte como consequência deste processo de apropriação retórica, a dicotomia acusatório-inquisitório faz referência a sentidos ou análises teóricos muito distintos e numerosos. É por isso que, talvez, o melhor seria diretamente abandonar a dicotomia ou limitá-la somente a um destes sentidos conceituais (LANGER, 2004, p. 252). É que a falta de sincro-nia terminológica dos conceitos e referenciais semânticos, a ausência de mínima paz doutrinária, faz com que venha do lugar do poder, em ultima ratio, as normas como expressão das regras contidas na lei (JACINTO COUTINHO, 2003, p. 134).

Abandonando-se a dicotomia atual, substituindo-a por dois tipos ideais, quais sejam: o mo-delo da disputa (disputatio) e o modelo da investigação ofi cial, tem-se um caminho útil para analisar algumas diferenças centrais entre as tradições jurídicas dos processos penais anglo-saxões, continen-tal-europeus e latino-americanos.

Considerações fi nais

Pela organização estatal brasileira é possível concluir que o modelo hierárquico de organiza-ção da autoridade judiciária foi adotado pela Carta Constitucional de 1988. Este modelo percebe o processo como um mecanismo de implementação de políticas, no qual o Estado atua (papel ativo) no sentido de buscar a vida boa ou correta das pessoas, utilizando o processo penal como base para um programa global de melhora material e moral de seus cidadãos, e como meio de defesa da ordem e das diretrizes por ele colocadas, fundamentalmente em prol do acusado.

Neste sentido, é utilizado um órgão ofi cial com funções institucionais para propositura de ações penais, ex vi do art. 129 da CF, e outro com a incumbência de proceder à investigação das con-dutas consideradas delituosas, conforme art. 144, da CF (modelo de investigação ofi cial). Este órgão deve estar sujeito, do mesmo modo, às regras e princípios previamente estabelecidos, os quais sujei-tam os indivíduos à investigação, à acusação ofi cial, ao processamento, à condenação e à execução de uma pena.

Estas limitações à investigação ofi cial são normas de caráter cogente, e que decorrem dos princípios políticos e jurídicos da Constituição Federal brasileira, devendo, desta forma, respeitar o sistema de garantias por ela adotado. Assim, conquanto opte-se por superar a dicotomia sistêmica, o princípio acusatório é corolário da Carta Política, e por esta razão impõe-se a sua observância como uma meta-garantia, até porque, “[...] se el legislador opta por la primacía del principio acusatorio y el respeto a las estructuras de ofi cialidad y legalidad en el seno del proceso penal público, habrá que operar desde estas premisas.” (MELLADO, 1991, p. 10).

Assim, o espaço de discussão cinge-se a respeitar a opção do legislador na liberdade de suas faculdades, respeitando-se, em consequência, o sistema de garantias. Com efeito, analisar o “princípio” acusatório como uma meta-garantia faz com que este vetor seja considerado um dos fundamentais princípios políticos da Constituição, infl uindo na implementação de outros direitos ou garantias, como a jurisdicionalidade, a imparcialidade, a inviolabilidade da defesa, a correlação, o devido processo legal, sendo considerado como um pressuposto prévio e necessário para concretizar as demais garantias.

Compreendido desta forma, a organização do poder do Estado brasileiro pode seguir o ideal hierárquico proposto por Damaska, mas manter velhas características dos sistemas inquisitórios – como a ofi cialidade. Estas características, contudo, comunicam-se com o modelo acusatório de processo penal, o que, por si só, justifi ca a superação da dicotomia.

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Por isso, a opção do legislador brasileiro pela adoção do princípio acusatório, único compatível com a escolha político-jurídica do Brasil (Estado Democrático de Direito), deve servir como princípio informador de um modelo de processo penal justo e limpo. Este é o rumo que se pretende dar ao processo penal brasileiro.

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Avaliação da Biodegradabilidadedo Poli (ácido láctico) (PLA)

Emanuelli Cabral(1)

Alexandra Schuh(2)

Ana Paula Graebin(3)

Rafael Ortiz(4)

Juliana Pelisoli Holz(5)

Carlos Carone(6)

Jeane Dullius(7)

Sandra Einloft(8)

RESUMO

O plástico tem sido cada vez mais usado em nosso cotidiano em diversos tipos de produtos como garrafas, embalagens, entre outros, sendo que, diversas alternativas têm sido buscadas para minimizar o impacto ambiental causado pelos polímeros convencionais. Uma importante alternativa é o uso de polímeros biodegradáveis, que podem ser degradados pela ação de microorganismos, como bactérias, fungos ou al-gas. Neste contexto, novos materiais poliméricos vêm sendo obtidos para aplicações inovadoras e mais baratas. Neste trabalho, serão apresentados testes referentes à biodegradação do polímero poli (ácido láctico) (PLA).

PALAVRAS-CHAVE

Materiais poliméricos. Polímeros biodegradáveis. ASTM D883, Poli (ácido láctico).

ABSTRACT

The plastic has been increasingly used in everyday life in various types of products as bottles, packaging, among others, and several alternatives have been sought to minimize the environmental impact caused by conventional polymers. An important alternative is the use of biodegradable polymers, which can be degraded by microorganisms such as bacteria, fungi or algae. In this context, new polymeric materials have been obtained for innovative and cheaper applications. In this work, tests will be presented relating the biodegradation of poly (lactic acid) (PLA).

KEY-WORDS

Polymeric materials. Biodegradable Polymers. ASTM D883. Poly (lactic acid).

1. Introdução

A vida é polimérica na sua essência: os mais importantes componentes de uma célula viva são todos polímeros. Os polímeros são uma classe de materiais versáteis e têm mudado nosso cotidiano por (1) Química Industrial, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Engenharia e Tecnologia de Materiais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected](2) Química Industrial e Licenciada, Química industrial da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Integrante do Comitê técnico da ABNT (normas brasileiras) e integrante do Comitê técnico da IEC (normas internacionais).(3) Química Industrial, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Engenharia e Tecnologia de Materiais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.(4) Arquiteto, doutorando do Programa de Pós-graduação em Engenharia e Tecnologia de Materiais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.(5) Engenheira Química, professora da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Engenharia e Tecnologia de Materiais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.(6) Químico, professor convidado do Programa de Pós-graduação em Engenharia e Tecnologia de Materiais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.(7) Engenheira Química, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.(8) Química, professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Ciências Tecnológicas

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várias décadas, com importantes aplicações na área médica, agricultura e na engenharia. Assim, na sociedade contemporânea, materiais poliméricos vêm sendo utilizados em quase todos os setores da economia como alternativa de substituição de materiais convencionais, por apresentarem melhores pro-priedades como a versatilidade de utilização e composição, morfologia e boas características mecânicas.

Os benefícios proporcionados pelo uso dos polímeros comumente utilizados e a baixa biodegra-dabilidade dos mesmos têm provocado sérios problemas ambientais para a comunidade. Na busca por soluções desejáveis e, como alternativa a esses polímeros convencionais, os polímeros biodegradáveis têm sido alçados a uma posição de destaque. Segundo a ASTM D883 (2008), polímeros biodegradáveis são polímeros degradáveis nos quais a degradação resulta primariamente da ação de microorganismos como bactérias, fungos e algas de ocorrência natural.

Assim, o objetivo do presente artigo será apresentar testes referentes à biodegradação do polímero poli (ácido láctico) (PLA), como envelhecimento acelerado, massa específi ca, fl amabilidade e avaliação da resistência ao calor.

1.1 Poli (ácido láctico)

Nos últimos anos tem havido interesse crescente, em nível mundial, em relação aos polímeros biodegradáveis, principalmente quando se considera o desenvolvimento de novos produtos que pro-voquem menor impacto ambiental. Dentre os polímeros biodegradáveis com importância tecnológica, destacam-se os poli (α-hidróxi ácidos), como o poli (ácido glicólico) ou PGA, o poli (ácido láctico) ou PLA (Figura 1) e o copolímero poli (ácido láctico-co-glicólico) ou PLGA (Cheng, 2005). O PLA pode ser construído a partir de um monômero quiral que existe em duas formas opticamente ativas: L-ácido láctico ou D-ácido láctico, os quais originam o poli (L-ácido láctico) ou PLLA e o poli (D-ácido láctico) ou PDLA (Lunt, 1998; Vert, 1992).

O CH

CH3

C O

O

CH

CH3

C

O

n

Figura 1 – Estrutura química do PLA.Fonte: Vert (1992)

O ácido láctico é bifuncional, possuindo as funções álcool e ácido carboxílico, podendo ser convertido em polímero por muitos caminhos (Motta, 2002). A produção de ácido láctico pode ser obtida a partir de uma fonte de carbono, na qual, inicialmente o amido é extraído da biomassa e con-vertido a açúcar por hidrólise enzimática ou ácida e o caldo açucarado é fermentado por bactérias. O ácido láctico é produzido a partir de piruvato sob condições de limitação de oxigênio, com conversões tipicamente superiores a 95% para carboidratos como substrato. A fermentação pode ser conduzida em batelada ou em processo contínuo e o ácido, na maior parte das vezes, necessita ser separado do caldo fermentado. E o processo de purifi cação mais comum envolve neutralização seguida de fi ltração, concentração e acidifi cação. A produção por via química a partir de matérias-primas petroquímicas, como etileno e acetileno, também pode ser realizada, resultando numa mistura racêmica com pro-priedades amorfas e aplicação possível como adesivos biodegradáveis. Nos últimos anos, a rota micro-biológica tem sido a preponderante, dado o aumento de demanda do mercado pelo produto produzido naturalmente; sendo que duas rotas são descritas para converter ácido láctico num polímero de alto peso molecular, como mostra a Figura 2: uma rota indireta via lactato resultando no poli (lactato) e outra direta pela polimerização por condensação resultando em poli (ácido láctico), sendo ambos os produtos denominados como PLA.

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Figura 2 – Processo de produção de PLA.Fonte: Pradella (2006)

O PLA é altamente resistente ao ataque de microrganismos no solo ou esgoto em condições ambientes, necessitando aquecimento a temperaturas superiores a 58°C para reduzir seu peso mole-cular e ser biodegradado (Pradella, 2006). Em termos gerais, o PLA é resistente à umidade, aos óleos alimentares e aos solventes, possuindo boa resistência mecânica e plasticidade térmica (Proikakis, 2002). Este pode ser processado por extrusão, injeção, termoformação ou moldagem por sopro, pos-suindo uma vasta gama de aplicações, tais como fi lmes, embalagens, produtos de higiene, parafusos ortopédicos, implantes, entre outras (Pradella, 2006; Auras, 2003; Chen, 2003; Jahno, 2005). As pro-priedades do PLA, como o ponto de fusão, a resistência mecânica, e cristalinidade, são determinadas pela estrutura do polímero (determinada por proporções diferentes de L, de D, ou de mesolactide) e pela massa molecular (Auras, 1992).

A suscetibilidade para umidade fornece a primeira rota para a degradação, sendo que, nesta primeira fase, microorganismos não são envolvidos. Como o peso molecular médio da molécula alcan-ça, aproximadamente, 10000 g/mol (determinado pelo GPC com referência padrão do poliestireno), microorganismos presentes no solo começam a digerir o baixo peso molecular dos oligômeros de ácido láctico, produzindo dióxido de carbono e água. O mecanismo do segundo estágio é diferente para muitos outros produtos biodegradáveis presentes no mercado. Tipicamente, polímeros biodegradáveis degradam por processo de passos singulares, envolvendo ataques de bactérias no próprio polímero. Para aplicações biodegradáveis, a disposição da rota preferencial é por compostagem. Nesse meio

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ambiente de alta umidade e temperatura (55-70ºC), os polímeros de PLA irão degradar rapidamente. Entretanto, em temperaturas menores e/ou baixa umidade, a estabilidade de armazenagem dos pro-dutos de PLA é considerada aceitável (Lunt, 1998).

O PLA sofre degradação principalmente por hidrólise, através da cisão das ligações ésteres, formando grupos terminais carboxila e hidroxila (Kopecek, 1983; Holland, 1986). A reação é representada na Figura 3.

HOO

O

CH3

O CH3

OO

O

CH3

Opoli

O

CH3n

HOO

O

CH3

O CH3

OO

CH3

Opoli

O

CH3HO OHn

HO

H

HOO

O

CH3

O CH3

OO

CH3

HO

n

+ HOOpoli

CH3

O

Figura 3 – Hidrólise do PLA através da cisão das ligações ésteres.Fonte: Holland (1986)

Segundo Pezzin e colaboradores (2002), quando o polímero é imerso em um meio aquoso, ocorre a absorção de água e inicia-se a clivagem hidrolítica das ligações éster, ocasionando uma di-minuição da massa molecular. No início, a degradação é mais rápida na superfície do que no centro, devido ao gradiente de absorção de água. Os produtos da degradação são formados tanto na superfície quanto no centro, mas aqueles localizados perto da superfície dissolvem-se mais facilmente no meio, pois os localizados no interior devem difundir-se através da massa. Logo, a concentração de grupa-mentos ácido carboxílico aumenta mais no interior do que na superfície, catalisando a degradação.

1.2. Fotodegradação

Atualmente há uma enorme preocupação com relação à utilização de materiais poliméricos ex-postos às intempéries ambientais. Uma destas é a radiação ultravioleta, pois, sob esta, diversos materiais geram reações oxidativas que podem causar falhas, levando à degradação. Este processo envolve a absor-ção da radiação e a indução de reações oxidativas em processos autocatalíticos, gerando redução do peso molecular e alteração na estrutura química, além da formação de trincas superfi ciais (Rabello, 1997).

O termo fotodegradação refere-se a um processo que consiste na degradação de um polímero quando o mesmo é exposto à luz solar ou à luz semelhante a esta. A radiação ultravioleta é, em geral, o componente do espectro eletromagnético que inicia as reações nos grupos fotossensíveis, podendo resultar em quebras de cadeias e degradação do polímero (Rosa, 2003).

2. Metodologia

Para a preparação dos corpos de prova foi utilizado poli (ácido láctico) cedido pelo Laborató-rio de Organometálicos e Resinas da Faculdade de Química da PUCRS.

2.1. Preparação dos corpos de prova

O PLA foi fundido a aproximadamente 80 ºC, vertido no interior de moldes de silicone com dimensões específi cas de 7,5 cm x 0,5 cm x 1,3 cm, segundo ASTM D638 (2010), e armazenados durante 24 horas em dessecador para fi carem livres de umidade.

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2.2. Ensaio de degradação: Câmara de envelhecimento acelerado

O ensaio foi desenvolvido conforme metodologia reconhecida pela ASTM G154 (2006), que tem como objetivo a reprodução de efeitos de intemperismo quando o material é exposto em luz solar, podendo provocar no material a perda de brilho, cor, turvação, perda de resistência, blisters, desintegração e oxidação.

A câmara de envelhecimento utilizada foi o modelo EKUVR do fabricante EQUILAM, o qual possui oito lâmpadas fl uorescentes de 40 W, e calibração RBC (Rede Brasileira de Calibração) realizada pelo LABELO/PUCRS.

As amostras (Figura 4) foram expostas em luz fl uorescente UVA em 340 nm com uma radiação espectral de 0,89 W/m².nm, e expostas a UVB em 310 nm com radiação espectral de 0,71 W/m².nm, durante um ciclo de 60 horas, com uma temperatura de 30 ± 3 °C, o que gera uma representatividade de até 25 dias em exposição solar contínua. Sendo que, os principais efeitos de degradação se englo-bam na faixa de 280 a 480 nm.

Figura 4 – Amostras de PLA antes do envelhecimento.

2.3. Ensaio de densidade absoluta

As amostras, antes e depois de serem submetidas ao ensaio de envelhecimento acelerado, foram caracterizadas em termos de densidade absoluta, conforme procedimento empregado em nor-mativa NBR 11936 (1977).

A densidade absoluta ou massa específi ca (ρ), que refl ete a sua estrutura química e sua organi-zação molecular, foi medida com auxílio de um picnômetro de 50 mL, um termômetro, um aquecedor para o banho com aquecimento e uma balança analítica.

Este método baseia-se na determinação da massa do material e na determinação do volume do mesmo através de um líquido de densidade menor e, dividindo-se a massa pelo volume, obtemos a massa específi ca ou densidade absoluta. A temperatura padrão usada neste método foi de 25 ºC. O lí-quido utilizado foi água deionizada. Para a determinação da densidade das amostras, foram utilizados pequenos pedaços dos corpos de prova.

O procedimento seguiu as seguintes etapas:Pesou-se o picnômetro limpo e seco, obtendo-se a massa “p”;encheu-se o picnômetro com o líquido (água deionizada). Colocou-se em banho-maria até a

temperatura atingir 25 ºC, controlada com um termômetro. Após ter atingido a temperatura, secou-se o picnômetro, e pesou-se para obter-se a massa “a”;

limpou-se o picnômetro com água e acetona. Após seco, introduziu-se a amostra e pesou-se para obter-se a massa “b”;

colocou-se água até cobrir a amostra;colocou-se o picnômetro em banho-maria, até atingir a temperatura de 30 ºC;secou-se o picnômetro e pesou-se, obtendo-se a massa “c”. Após esse procedimento, as seguintes equações foram utilizadas para o cálculo da densidade

absoluta dos compósitos:

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Onde:p - massa do picnômetro vazio;a - massa do picnômetro com álcool;b - massa do picnômetro com a amostra;c - peso do picnômetro com amostra e água;m - massa da amostra;n - massa do líquido correspondente a um volume igual ao da amostra;XI - massa específi ca/ densidade absoluta da água;VI - volume aferido do picnômetro a 25 – 30 ºC;V - volume da amostra;X - massa específi ca/ densidade absoluta da amostra.

2.4. Ensaio de Flamabilidade

O ensaio foi realizado conforme NBR IEC 60695-2-11 (2006), sendo utilizado para assegurar que, sob determinadas condições, o fi o incandescente não cause ignição de partes e que, se uma par-te se infl amar, tenha uma duração limitada de queima de 30 segundos sem propagar fogo através de chamas, queima ou incandescência de partículas que caem da amostra em ensaio.

Utilizou-se um equipamento de Glow wire, com código identifi cador Tag 325FLA, modelo N480 fabricado pelo LABELO/PUCRS, com certifi cado de calibração RBC EO 0839/2010.

As condições ambientais foram controladas em 20 ± 5 °C e umidade relativa de 50 ± 10 UR e, conforme normativa, as amostras foram mantidas nestas condições durante 24 horas antes do ensaio. O ensaio foi realizado nas temperaturas apresentadas pela norma durante o período de 30 segundos, sendo também utilizado um anteparo com papel de seda para a avaliação de propagação do fogo.

2.5. Teste de pressão de esfera

Este teste foi realizado conforme normativa CEI IEC 60695-10-2 (2003), sendo utilizado para avaliação da resistência ao calor para materiais não metálicos, exceto cerâmicos.

O ensaio consiste em colocar uma esfera com 5 mm de diâmetro, de acordo com a ISO 3290, ilustrado na Figura 5, que gere um peso de 20 N sobre a peça plástica durante uma hora em tempera-tura de 70 ± 2 °C.

Figura 5 – Dispositivo de pressão de esfera.

Utilizou-se um forno como equipamento de controle de temperatura, modelo MDH, fabricante De Leo, com código identifi cador TAG 822/11, com calibração RBC, emitida por laboratório acredita-do- LABELO/PUCRS.

A amostra foi colocada dentro da estufa e, após o tempo determinado de ensaio, a mesma foi retirada, resfriada em água a temperatura ambiente, que deve ser controlada em 20 ± 5 °C e umidade relativa de 50 ± 10 UR e, posteriormente, foi verifi cado o diâmetro da marca deixada na amostra. Este diâmetro devendo ser igual ou inferior a 2 mm.

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3. Resultados e Discussão

Durante a preparação da amostra, conforme estabelecido na ASTM D638 (2010), notou-se grande difi culdade de conformabilidade e manipulação dessa, devido ao fato de sua intensa fragi-lidade. Em razão desta fragilidade houve impossibilidade da realização do ensaio de tração, o qual tínhamos interesse. Porém, realizaram-se outros ensaios independente de sua forma, pois esta não infl uenciaria nestes outros.

Após as amostras terem sido retiradas da Câmara de envelhecimento acelerado pelo ensaio de UVB-310 (Figura 6), notou-se uma grande diferença da amostra do seu estado original (Figura 4). O mesmo aconteceu com as amostras expostas à radiação UVA-340 nm (Figura 7). Sendo importante ressaltar que visualmente houve uma maior degradação das amostras expostas a UVB-310 do que a UVA-340.

Figura 6 – Amostras de PLA após exposição em UVB.

Figura 7 – Amostras de PLA após exposição em UVA.

A Tabela 1 apresenta os resultados do teste de densidade absoluta.

Tabela 1: Densidade absoluta (g/cm3).

Amostras DensidadeAntes do envelhecimento acelerado 1,1440Após envelhecimento acelerado por UVA 1,0163Após envelhecimento acelerado por UVB 1,0797

De acordo com o ensaio de determinação de densidade das amostras, antes e após a exposição em câmara de UV, foi observado que houve uma diferença de valores quando comparados à amostra não envelhecida, sendo que as amostras expostas à UVA apresentaram uma maior variação na sua densidade.

Em relação ao ensaio de fl amabilidade, foram obtidos os resultados apresentados na Tabela 2.

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Tabela 2: Severidades de ensaio.

Parâmetros

Temperaturas preferenciais de ensaio (°C) 550 650 750 850 960

Tolerâncias (K) ±10 ± 10 ±10 ±10 ±10

Amostra sem exposição Sem fl ama Sem fl ama Sem fl ama Sem fl ama Com fl ama

Amostra UVA -340 Sem fl ama Sem falam Sem falam Com fl ama NR*

Amostra UVB -310 Sem fl ama Sem fl ama Com fl ama NR* NR*

*NR: não realizado

Conforme avaliado na Tabela 2, notou-se que antes da exposição à câmara de UV não houve formação de chama até a temperatura em torno de 948 °C, conforme mostrado na Figura 8, enquanto que após a exposição em UVA-340 nm esta temperatura reduziu para 887 °C, e a exposta em UVB-310 nm teve redução para 750 °C, ilustrada na Figura 9. Conclui-se que esta redução pode ser associada à perda de massa molecular, devido à degradação na câmara de UV.

Para a avaliação de propagação do fogo, pelas partículas infl amadas ou incandescentes que caem da amostra em ensaio, coloca-se abaixo da amostra um anteparo com material infl amável. No teste realizado utilizou-se papel de seda, conforme orientação normativa, para avaliar se ocorre a queima deste com a propagação do calor. Em todas as temperaturas em que ocorreu a queima da amostra não houve a propagação de calor. Já os resultados antes e após o teste de pressão de esfera apresentaram a amostra extremamente quebradiça e pouco resistente ao calor.

Figura 8 – Amostra não fl ambada.

Figura 9 – Amostra em chamas.

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4. Conclusões

Além de apresentarmos novas metodologias de análise de degradação, concluímos que este ma-terial pode ser utilizado como isolante biodegradável, devido às propriedades apresentadas. Houve tam-bém uma degradação mais signifi cativa do material quando exposto à UVB-310 nm em relação à exposi-ção UVA-340 nm, confi rmando a efetiva degradação desses biopolímeros quando expostos à radiação UV.

Agradecimentos

Os autores agradecem ao PGTEMA/PUCRS (Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Tec-nologia de Materiais) pelo apoio na realização deste artigo, ao LABELO/PUCRS (Laboratórios Especia-lizados em Eletroeletrônica) pelo espaço cedido para a realização dos testes e à empresa A.S.Techno-logy pelo apoio fi nanceiro.

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Lições Aprendidas: Relato deum Experimento Distribuído

Thaís Ebling

RESUMO

A Engenharia de Requisitos (ER) enfrenta diversas difi culdades em ambientes de De-senvolvimento Distribuído de Software (DDS). Uma maneira de amenizar estes pro-blemas é através do reuso de requisitos, sendo este o foco do método mRED. Este método foi avaliado através da realização de um experimento distribuído. Neste artigo apresentamos as lições aprendidas com esta aplicação, auxiliando pes-quisadores no planejamento e execução deste método de pesquisa.

PALAVRAS-CHAVE

Engenharia de Requisitos. Desenvolvimento Distribuído de Software. Experimento.

ABSTRACT

The Requirements Engineering (RE) presents several challenges in Distributed Software Development (DSD) environments. One proposal to reduce these problems is the requirements reuse, which is the focus of the mRED method. This method was evaluated through a distributed experiment, this paper presents the lessons learned from this application and helps the researchers in the planning and execution of this research method.

KEY-WORDS

Requirements Engineering. Distributed Software Development. Experiment.

Introdução

O desenvolvimento de software é frequentemente considerado uma tarefa complexa e por isto diversos estudos de Engenharia de Software (ES) têm surgido para auxiliá-la (Wohlin et al., 2000). Para avaliar os benefícios destas pesquisas em ES, indica-se o uso do método experimental, devido ao seu histórico de aplicação em avaliações de atividades baseadas em comportamento humano e sua natureza sistemática (Travassos et al., 2002). Desta maneira, o presente artigo descreve a realização de um experimento para a avaliação do método mRED1 - uma proposta de reutilização de requisitos que utiliza Linha de Produto de Software (LPS) para auxiliar a ER em ambientes de Desenvolvimento Distribuído de Software (DDS).

Este artigo pretende auxiliar estudantes e pesquisadores em futuros estudos, apresentando lições aprendidas durante a realização deste experimento.

LPS para auxiliar a ER em ambientes de DDS

A ER é uma das etapas do desenvolvimento de software de maior importância, visto que nela ocorre a defi nição e identifi cação das funcionalidades do futuro sistema. É uma atividade crítica que requer constante comunicação e compreensão entre os stakeholders, apresentando diversos desafi os que são acentuados em situações em que as equipes estão distribuídas geografi camente.

O fenômeno conhecido como DDS frequentemente apresenta um cenário onde as equipes pos-suem dispersão geográfi ca, temporal e diferenças socioculturais (idioma, costumes, comportamento, etc.) (Audy e Prikladnicki, 2007). Devido à natureza colaborativa da ER, ela é particularmente afetada nos ambientes distribuídos (Sengupta et al., 2006) apresentando diversos desafi os, como: problemas de comunicação, falta de entendimento dos requisitos, de colaboração e de objetivos comuns

1 método de Reuso de rEquisitos em ambientes Distribuídos

Ciências Tecnológicas

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entre as equipes, diferenças culturais, difi culdades no gerenciamento de mudanças e de conheci-mento e, ainda, falta de propostas para a ER nestes ambientes (Ebling et al., 2009).

Na busca de reduzir estas difi culdades, diversas propostas surgiram. Entre elas, aponta-se que uma maneira de sistematizar a ER é através da adoção de propostas de reutilização (Cheng e Atlee, 2007), mais especifi camente da abordagem de LPS que possibilita o reuso de requisitos do domínio da empresa na construção de novos produtos (Chastek et al., 2001)(Linden et al., 2007)(Pohl et al., 1998).

Neste sentido, encontra-se o método proposto a seguir.

O método mRED

O mRED contém cinco disciplinas compostas de atividades que geram artefatos e são execu-tadas por pessoas atribuídas de papéis. A seguir apresentam-se as disciplinas que compõem o método proposto e a ordem que elas devem ser executadas pela empresa:

Figura 1 - Visão Geral do Método

• Inicialmente a empresa deve executar a disciplina Defi nições iniciais para obter os impor-tantes artefatos e defi nições desta disciplina.

• Após o estabelecimento das defi nições iniciais, a empresa deve defi nir os requisitos do do-mínio, criando assim uma base reutilizável.

• Após a criação da base reutilizável, a empresa pode defi nir os requisitos dos produtos bus-cando reutilizar os artefatos do domínio.

• A qualquer momento pode-se obter suporte ao desenvolvimento distribuído e é possível gerenciar a LPS.

As disciplinas de Suporte ao DDS, Defi nição dos Requisitos do Domínio, Requisitos de Produtos e Gerenciamento da LPS são iterativas.

Sobre as disciplinas

Disciplina Defi nições iniciais: Estabelece defi nições e artefatos importantes para a execução do método, que guiarão e auxiliarão a reutilização de requisitos e a comunicação entre as equipes distribuídas. Inclui as seguintes atividades:

• Obter apoio ferramental.• Atribuir papéis para as equipes.• Defi nir um idioma padrão, caso as equipes possuam idiomas distintos.• Criar o Dicionário da LPS.• Estabelecer defi nições da LPS (padrões para a confecção dos artefatos, estratégias de ge-

renciamento dos mesmos, etc).Disciplina Defi nição dos requisitos do domínio: Defi ne os requisitos do domínio e da sua varia-

bilidade (semelhanças e diferenças). Inclui as seguintes atividades:• Coletar e analisar os requisitos da LPS, identifi cando a variabilidade.• Documentar os requisitos do domínio.• Inspecionar artefatos do domínio para garantir a sua consistência, qualidade e entendimen-

to pelas equipes distribuídas.• Validar os artefatos do domínio (caso os requisitos tenham sido coletados de clientes).• Publicar artefatos do domínio disponibilizando-os para equipes distribuídas.• Apresentar os artefatos do domínio para as equipes distribuídas.Disciplina Defi nição dos requisitos do produto: Defi ne os requisitos do produto, reutilizando

os artefatos do domínio quando possível. Possui as seguintes atividades:

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• Coletar e analisar os requisitos do produto, buscando reutilizar requisitos do domínio.• Documentar os requisitos do produto.• Inspecionar artefatos do produto.• Validar os artefatos do produto junto ao cliente.• Publicar os artefatos do produto.• Gerenciar a Base Cultural de produtos.• Documentar experiências de reutilização.Disciplina Suporte ao DDS: Atua como um apoio ao desenvolvimento distribuído, incluindo as

seguintes atividades:• Apresentar artefatos organizacionais da LPS.• Obter conhecimento através das experiências de reutilização documentadas.• Estabelecer canais de comunicação e/ou edição compartilhada de documentos.Disciplina Gerenciamento da LPS: Gerencia os artefatos da LPS, sendo composto das seguintes

atividades:• Gerenciar as defi nições iniciais.• Gerenciar o processo de reutilização da empresa, verifi cando se as metas de reuso estão

sendo atingidas, se os artefatos estão sendo reutilizados, etc.• Gerenciar mudanças em artefatos e requisitos do domínio ou produtos.

Sobre os papéis

Cada papel pode ser atribuído a uma ou mais pessoas, assim como mais de um papel pode ser atribuído à mesma pessoa. O mRED estabelece os seguintes papéis:

• Clientes, possivelmente distribuídos geografi camente, que comunicam os requisitos dese-jados aos produtos.

• Gerente da LPS responsável pelo planejamento, gerenciamento e tomada de decisões de diversos aspectos da LPS da empresa.

• Engenheiro de Requisitos do Domínio, uma equipe normalmente colocalizada ou próxima, que têm como responsabilidades a elicitação, análise, negociação, documentação, valida-ção e gerenciamento e análise do impacto das alterações nos requisitos do domínio.

• Engenheiro de Requisitos do Produto, uma equipe normalmente distribuída geografi camen-te, que tem como responsabilidades a elicitação, análise, negociação, documentação, vali-dação, gerenciamento, análise do impacto de alterações dos requisitos do produto e reuti-lização dos requisitos do domínio.

• Colaborador responsável por solucionar dúvidas sobre o domínio e/ou sobre os produtos da empresa, facilitar o contato com o cliente e conduzir interações entre as equipes distribuídas.

Sobre os artefatos

O mRED estabelece os seguintes artefatos:• Apoio ferramental (composto de uma ou mais ferramentas) com as funcionalidades de aces-

sibilidade, criação, armazenamento e recuperação de artefatos, rastreabilidade, gerencia-mento de mudanças e mecanismos de colaboração e comunicação entre equipes distribuídas.

• Plano da LPS contendo a descrição do domínio e escopo da LPS, produtos, metas e objetivos de reuso, defi nições do idioma padrão, padrões para a criação de artefatos, membros das equipes e seus respectivos papéis, etc.

• Dicionário da LPS para auxiliar na resolução de dúvidas sobre termos técnicos do domínio e sobre a linguagem das equipes distribuídas.

• Base cultural de produtos contendo informações (aspectos técnicos dos produtos e aspectos sociais das equipes) sobre o contexto onde os produtos estão/serão inseridos.

• Matriz de rastreabilidade dos artefatos da LPS.• Registro de experiências das equipes acerca do processo de reutilização.• Artefatos do domínio, incluindo modelos e documentos que identifi cam requisitos do domí-

nio e sua variabilidade.• Artefatos do produto, incluindo modelos e documentos que identifi cam requisitos do produto.

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Aplicação do método experimental

Segundo Travassos et al.(2002) novos trabalhos não devem ser propostos sem experimentação e validação. Deve-se avaliá-los em comparação com os existentes. Desta maneira, para avaliar o mRED realizamos um experimento, o qual consiste numa investigação formal que controla variáveis e possi-bilita a medição e análise dos resultados (Wohlin et al., 2000).

Por motivos de complexidade e viabilidade para a realização do experimento, optou-se por avaliar somente uma parte do mRED, sendo assim as duplas que o utilizaram realizaram as seguintes atividades: Coletar e analisar requisitos do produto, reutilizar requisitos do domínio; Documentar requisitos do produto; Inspecionar artefatos do produto; Validar artefatos do produto – Disciplina De-fi nição dos requisitos do produto; Estabelecer canais de comunicação e/ou edição compartilhada de documentos – Disciplina Suporte ao DDS. A seguir a descrição das etapas do experimento realizado, que se utilizou, como guia, os estudos de Wohlin et al (2000) e Travassos et al (2002).

Defi nição

O objetivo global do experimento consiste em defi nir qual método, considerando o método de ER ad hoc ou o método mRED, é mais efi ciente durante a ER dos ambientes de DDS. A partir deste objetivo defi niu-se a seguinte questão a ser respondida: “A efi ciência do método de ER ad hoc em ambientes distribuídos é igual à efi ciência do método mRED, em ambientes distribuídos?”. A métrica associada a essa questão corresponde à efi ciência do método, calculada pelo somatório dos requisitos corretos defi nidos pelas duplas utilizando cada um dos métodos.

Planejamento

O experimento ocorreu num ambiente controlado (in-vitro) em um dado instante de tempo (off-line). Os participantes incluíram estudantes de mestrado de duas universidades – UEM (Universida-de Estadual do Maringá) e PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul). A realidade do experimento é considerada modelada, visto que o problema foi desenvolvido pelo pesquisador e a generalidade do experimento é considerada específi ca. As hipóteses do experimento incluem:

Hipótese Nula (H0): A efi ciência dos dois métodos de ER (ad hoc e mRED) é igual para a ER nos ambientes distribuídos.

Hipótese Alternativa (H1): O método de ER ad hoc é mais efi ciente para a ER nos ambientes distribuídos do que o método mRED.

Hipótese Alternativa (H2): O método mRED é mais efi ciente para a ER em ambientes distribu-ídos do que o método de ER ad hoc.

Os métodos de ER são considerados as variáveis independentes do experimento e a efi ciência do método de ER é a variável dependente. Os sujeitos do experimento incluíram oito estudantes de mestrado, sendo quatro estudantes da UEM e quatro estudantes da PUCRS. Estes estudantes formaram quatro duplas (compostas de um aluno da UEM e um aluno da PUC-RS). Além disto, o experimento contou com a colaboração de:

• Dois Supervisores (Pesquisador e Auxiliar) responsáveis por coordenar e monitorar o experi-mento, estando localizados cada um em uma das Universidades.

• Um Colaborador virtual responsável por interagir virtualmente com as duplas distribuídas solucionando dúvidas sobre o domínio e produtos da empresa fi ctícia do problema.

Adotou-se o tipo de projeto de análise de dois tratamentos (método mRED e método de ER ad hoc) em relação a um fator (método de ER), completamente aleatório e não pareado, em que as duplas foram formadas aleatoriamente e cada participante utilizou apenas um método de ER, defi -nido também aleatoriamente. A amostragem do experimento é considerada por conveniência e não probabilística, optando-se por esta opção por questões de viabilidade. A tabela a seguir apresenta a instrumentação utilizada no experimento:

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Tabela 1 – Instrumentação do Experimento

Objeto

Ferramentas - JUDE para modelagem dos requisitos, WORD e BrOffi ce para a criação das especifi cações textuais dos casos de uso, MSN e GTalk para conversação entre duplas distribuídas

Ferramenta de apoio desenvolvida pelo Pesquisador, para coletar dados da execução dos métodos de ER pelos participantes

Descrição do futuro sistema

Modelo de casos de uso do domínio

Guia

Apresentação para as duplas que utilizaram o método de ER ad hoc, incluindo descrições sobre ER, DDS, defi nições do experimento, ferramentas utilizadas e empresa fi ctícia do problema

Apresentação para as duplas que utilizaram o mRED, incluindo descrições sobre ER, DDS, LPS, o método proposto, defi nições do experimento, ferramentas utilizadas e empresa fi ctícia do problema

Métrica

Questionário enviado aos participantes alguns dias antes da execução do experimento, para a coleta de dados demográfi cos e sobre o conhecimento dos mesmos em relação a ER e DDS

Questionário entregue no fi nal da execução experimental, para coletar as impressões dos participantes sobre o experimento e suas sugestões para os métodos utilizados

Sobre a validade interna do experimento (a qual indica se a relação causa e efeito do expe-rimento é casual ou resultado de algum fator não previsto), ressalta-se que a data de aplicação foi defi nida evitando períodos em que os participantes poderiam sofrer infl uências externas. Buscou-se motivar os participantes durante a execução do experimento e todo o material utilizado foi previa-mente avaliado por outro pesquisador. Sobre a validade externa (a qual identifi ca a relação dos parti-cipantes com o público-alvo), ressalta-se que a generalização do experimento é considerada específi ca devido ao seu contexto. Sobre a validade de construção (a qual indica a relação de causa e efeito do experimento nos indivíduos), ressalta-se que foram explicadas detalhadamente as questões operacio-nais do experimento.

Manteve-se o foco no objetivo planejado e declarou-se que se manteria o anonimato dos par-ticipantes e que eles não estavam sendo “avaliados”. Por fi m, sobre a validade de conclusão (a qual indica a possibilidade de uma conclusão correta sobre os tratamentos e resultados do experimento), o baixo tamanho da amostra (oito participantes) resultou na impossibilidade da utilização de métodos estatísticos para o teste de hipóteses. Por isto optou-se por uma interpretação de base qualitativa dos resultados, conforme apresentado na etapa de Análise e Interpretação de Resultados.

Operação

O experimento foi estruturado em quatro fases sequenciais, descritas a seguir.Fase 1 – Coleta de dados iniciais: Inicialmente o Pesquisador foi responsável por enviar aos

participantes, alguns dias antes da execução do experimento, um questionário para coletar informa-ções demográfi cas e informações relativas ao conhecimento e experiência deles sobre os assuntos envolvidos no experimento. Aleatoriamente foram defi nidas as quatro duplas, cada uma composta de um integrante da PUCRS e um integrante da UEM, estabelecendo assim um cenário de desenvolvimento distribuído. Duas duplas utilizaram o método ad hoc de ER e duas duplas utilizaram o método mRED, conforme podemos visualizar na fi gura a seguir:

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Figura 2 - Formação das duplas do experimento

Fase 2 – Apresentações: Nesta fase, os Supervisores realizaram as duas apresentações simultanea-mente nas duas universidades (o Auxiliar apresentou-as na PUC-RS e o Pesquisador apresentou-as na UEM).

Fase 3 – Execução: Nesta fase, os Supervisores divulgaram a especifi cação do futuro sistema, sob a qual as duplas utilizaram os respectivos métodos de ER. Além disto, foram enviadas as apresen-tações realizadas na Fase 2 (para todas as duplas) e a modelagem do domínio (somente para as duplas que utilizaram o método mRED). Duplas que utilizaram o mRED executaram as atividades defi nidas pelo método e duplas que utilizaram o método ad hoc executaram a ER livremente.

Todos os participantes descreveram na Ferramenta de apoio como executaram a ER em ques-tão. Ao fi nal desta fase eles enviaram ao Pesquisador os seus resultados, ou seja, o Modelo de casos de uso do futuro sistema. Nesta fase ocorreram os seguintes imprevistos:

• Ocorreu um problema na rede da universidade parceira impedindo que o MSN fosse acessado por dois participantes que estavam utilizando o método mRED. Desta maneira, inicialmen-te, estes participantes executaram individualmente as atividades do mRED. Após, estas duplas utilizaram o GTalk para se comunicar.

• Participantes que utilizaram o Gtalk não conseguiram se comunicar com o Colaborador vir-tual, solucionando suas dúvidas com os Supervisores.

• O tempo planejado para esta fase era de 1 hora, porém devido aos problemas na rede, o tempo de execução foi de 1 hora e 20 minutos;

• Inicialmente a data de execução do experimento foi defi nida para um determinado dia, porém devido a imprevistos esta data foi remarcada.

Fase 4 – Coleta de dados fi nais: Na fase fi nal, os Supervisores aplicaram um questionário para coletar as impressões dos participantes sobre o experimento e sobre o método utilizado.

Análise e Interpretação de ResultadosEsta etapa compreende a análise e interpretação dos resultados com o intuito de obter con-

clusões sobre as hipóteses do experimento. Conforme descrito anteriormente, o tamanho da amostra do experimento consiste em oito participantes. Este baixo número foi obtido devido à complexidade e viabilidade para a realização do experimento, incluindo:

• A necessidade de que a avaliação ocorresse num cenário distribuído, devido ao fato da proposta ser endereçada aos ambientes de DDS, e restrição de universidades e grupos de pesquisa que possuem estudos nesta área de pesquisa.

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• A necessidade que os participantes fossem alunos de mestrado, para que eles tivessem um conhecimento (no mínimo) básico do conjunto de áreas de pesquisa relativos à proposta.

• A restrição de tempo para que o experimento ocorresse no cronograma e prazo planejado para a conclusão desta pesquisa.

Todos estes fatores restringiram a possibilidade de obtenção de uma amostra maior. Desta maneira, devido a este baixo número da amostra, não se obteve dados sufi cientes para a utilização de métodos estatísticos no teste das hipóteses, optando-se então por uma interpretação analítica de base qualitativa utilizando uma estatística simples para analisar os resultados obtidos. Discutiram-se os impactos dessa decisão e optou-se por esse caminho em função dos resultados do experimento apresentados na tabela a seguir:

Tabela 2 – Representação Tabular de Resultados

Método ad hoc Método mREDDupla1 Dupla 2 Dupla 3 Dupla 4

Especifi cações 2 4 7 9Especifi cações corretas 0 0 7 6Modelagens 6 8 9 8Modelagens corretas 4 6 9 8Total de especifi cações corretas 0 13Total de modelagens corretas 10 17Total efi ciência 10 30

Analisando os resultados podemos visualizar que a efi ciência das duplas que utilizaram o mRED é maior (30) do que a efi ciência das duplas que utilizaram o método ad hoc (10). As duplas que utilizaram o mRED especifi caram e modelaram uma maior quantidade de requisitos corretos do que as duplas que utilizaram o método ad hoc e, ainda, obtiveram uma maior taxa de aprovei-tamento de trabalho:

• As duplas que utilizaram o mRED obtiveram uma percentagem de aproveitamento de 81% (13) de requisitos corretamente especifi cados em relação ao total de requisitos que elas especifi caram (16).

• As duplas que utilizaram o método ad hoc obtiveram uma percentagem de aproveitamento de 0% de requisitos corretamente especifi cados em relação ao total de requisitos que elas especifi caram (6).

• As duplas que utilizaram o mRED obtiveram uma percentagem de aproveitamento de 100% (17) de requisitos corretamente modelados em relação ao total de requisitos modelados por elas (17).

• As duplas que utilizaram o método ad hoc obtiveram uma percentagem de aproveita-mento de 71% (10) de requisitos corretamente modelados em relação ao total de requi-sitos modelados por elas (14).

Estes dados indicam um futuro promissor para o mRED, fornecendo indícios para a aceita-ção da hipótese alternativa H2 (“O método mRED é mais efi ciente para a ER em ambientes distribuídos do que o método de ER ad hoc”).

Análise Qualitativa

A análise qualitativa dos questionários aplicados na Fase 4 do experimento permitiu iden-tifi car que o mRED apresentou diversos pontos positivos relevantes à ER dos ambientes de DDS, como a defi nição de um vocabulário comum, a discussão e colaboração dos stakeholders sob dife-rentes pontos de vista e a coordenação das atividades. De fato, percebeu-se que o principal ponto negativo do uso do método ad hoc de ER é exatamente a falta de coordenação e organização das atividades dos envolvidos. Os pontos negativos do mRED relacionam-se diretamente à escolha do tipo de ferramenta utilizada durante o experimento e não ao método em si.

A análise (dos resultados do experimento e do questionário) apresentou indícios da maior efi ciência do método mRED para a ER dos ambientes distribuídos em relação ao método ad hoc.

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Lições Aprendidas

Nesta seção são apresentadas as lições aprendidas com a realização do experimento, as quais poderão futuramente auxiliar pesquisadores no planejamento e execução deste método de pesquisa.

Considerar a comunicação entre os parceiros como um fator crítico de sucesso na etapa de Planejamento de um experimento distribuído: o experimento realizado ocorreu num contexto distribuído. Foram necessários diversos contatos com a universidade parceira, para explicações sobre o experimento, sobre o ambiente e ferramentas necessárias, defi nição dos participantes, local de realização, etc. Estes contatos ocorreram através de meios de comunicação assíncronos (email) e, por isto, diversas vezes tínhamos um intervalo de alguns dias entre perguntas e respostas.

Dedicar maior esforço na análise de riscos durante as etapas de Planejamento e Operação do experimento: o planejamento de um experimento requer a defi nição de diversas questões. Num contexto distribuído envolvendo um número considerável de pessoas, imprevistos podem ocorrer. No experimento realizado, inicialmente foi defi nida uma data de execução e um determinado conjunto de participantes (da UEM e da PUCRS). Devido a um recesso acadêmico da universidade parceira foi neces-sário remarcar esta data, defi nir um novo conjunto de participantes, verifi car a disponibilidade deles e aplicar novamente o Questionário inicial, o que acarretou num acréscimo do tempo de Planejamento.

Percebemos também que o tempo destinado a execução do experimento deveria ter sido maior. Ocorreram problemas na rede da universidade parceira e alguns participantes não conseguiram se comunicar com suas duplas na PUCRS durante 15 minutos, o que pode ter infl uenciado nos resulta-dos. Sendo assim, eventuais imprevistos devem ser considerados quando executamos um experimento distribuído, visto sua dependência de ferramentas e meios de comunicação virtuais.

Defi nir criteriosamente e testar previamente a métrica do experimento: Inicialmente a mé-trica do experimento era composta da soma de requisitos defi nidos (especifi cados e modelados) mais os requisitos corretos (especifi cados e modelados) utilizando cada um dos métodos. Os participantes não conseguiram especifi car e modelar todos os requisitos no tempo determinado para a execução do expe-rimento, desta maneira esta métrica fez-se confusa, incapaz de demonstrar a efi ciência dos métodos e houve a necessidade de repensá-la. Uma nova métrica foi construída após o experimento já ter ocorrido (efi ciência = somatório da quantidade de requisitos corretos especifi cados e/ou modelados pelas duplas utilizando cada um dos métodos), a qual conseguiu refl etir a efi ciência dos métodos.

Considerar a análise estatística desejada para defi nir a quantidade de participantes do ex-perimento: A seleção dos participantes é diretamente relacionada com a possibilidade de generaliza-ção do experimento, por isso a quantidade de participantes deve ser representativa para a população a qual o experimento se destina. No experimento realizado obtivemos um baixo número de amostra, o que acarretou na impossibilidade de utilização de estatística para o teste de hipóteses do experimen-to. Desta maneira, para casos de experimentos distribuídos onde a métrica será aplicada nos grupos que representam o cenário de DDS, sugere-se defi nir a quantidade de participantes considerando a análise estatística desejada.

Alocar tempo na preparação da execução do experimento, em especial do ambiente ex-perimental: A realização de um experimento de propostas de DDS envolve, no mínimo, dois ambientes distribuídos, ou seja, todas as necessidades para a execução de um experimento (participantes, local, ferramentas necessárias, confi guração do ambiente, etc.) são “duplicadas”. No experimento realizado nos comunicamos por email com a universidade parceira para informar nossas necessidades e obtive-mos auxílio na resolução de diversas destas questões. Entretanto para evitar mal-entendidos e tentar resolver possíveis imprevistos, houve necessidade de interagir presencialmente com a universidade parceira alguns dias antes da execução do experimento.

Alocar tempo específi co para os contatos e defi nições iniciais das equipes distribuídas durante a execução do experimento: No experimento realizado percebemos a necessidade de acres-centar 15 a 20 minutos no início da execução (Fase 3), para as equipes se adicionarem no MSN e terem o primeiro contato, sem computar este tempo na execução do experimento.

Considerações Finais

A realização de um experimento requer tempo e esforço dedicado ao seu planejamento e execução. Num experimento com contexto de DDS, este tempo e esforço é acrescido pelo fator dis-tribuição. Questões como defi nição de participantes, local, data de realização e confi guração do am-biente são “duplicadas”, visto o cenário de execução do experimento em duas, ou até mais, unidades

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distribuídas. Apesar deste esforço e tempo requerido no planejamento e execução do experimento realizado, a realização do mesmo trouxe contribuições à pesquisa sobre três pontos de vista:

• Avaliação da proposta através de um método experimental: A avaliação da proposta utilizan-do um método experimental é satisfatória ao processo de pesquisa, visto a possibilidade de identifi car seus benefícios e necessidades e, assim, refi ná-la tornando-a signifi cativa para a área de ES.

• Análise do comportamento da proposta em um cenário de DDS: Visto a natureza da propos-ta, a realização do experimento possibilitou avaliar sua aplicação exatamente no cenário ao qual ela se destina, ou seja, num cenário distribuído.

• Formação de parcerias entre universidades que utilizam a mesma temática de pesquisa: no experimento realizado percebeu-se a importância de formar parcerias entre universidades distribuídas. Foi possível conhecer como ocorre o processo de pesquisa em outra univer-sidade e compartilhar nosso trabalho e conhecimento, criando oportunidades para novas pesquisas em parcerias entre universidades.

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Produção mais limpa evantagem competitiva: estudo

de caso em uma empresa do setor plástico do Rio Grande do Sul

Tatiana Maia1 Eduardo de Oliveira Wilk2

Alexandre de Melo Abicht3

Anderson Bestetti Santos4

RESUMO

A crescente conscientização da sociedade quanto à importância dos recursos natu-rais e a demanda por produtos ecologicamente corretos têm estimulado, tanto no cenário empresarial quanto acadêmico, um legítimo interesse pelo tema de gestão ambiental. Neste contexto, novas exigências se colocam para as empresas e gover-nos, que tem buscado respostas, tanto em termos de adaptação e mudança de es-tratégias produtivas quanto de políticas públicas. A primeira forma de resposta, que se caracterizou como um padrão dominante nas últimas décadas, buscava tratar os resíduos após estes terem sido gerados, tentando minimizar potenciais impactos am-bientais, em uma abordagem convencional, conhecida como gestão de problemas de fi m de tubo (end-of-pipe). A segunda forma de resposta, conhecida como produção limpa, surgiu em 1990, a partir de uma proposta da organização não governamental Greenpeace. Esta proposta visava modifi car processos e técnicas produtivas de forma a utilizar tecnologias limpas e evitar a geração de resíduos na fonte evitando, desta forma, a própria geração de um problema a ser tratado. Como nem sempre as tec-nologias totalmente limpas são acessíveis, a proposta pioneira do Greenpeace serviu de base para uma abordagem subsequente, conhecida como produção mais limpa ou P+L, foco deste artigo no qual se analisa uma empresa do setor plástico, apresentan-do os impactos da adoção desta técnica em seus processos produtivos.

PALAVRAS-CHAVE

Produção mais limpa. Responsabilidade Social. Indústria Plástica.

ABSTRACT

The growing awareness of society about the importance of natural resources and environmentally friendly products have encouraged both academic and business scenario in the topic of environmental management. In this context, new requirements arise for companies and governments, which have to be responsive in adaptation and change its strategies. The fi rst form of response, which was characterized as a dominant pattern in recent decades was to manage waste after they have been

1 Tatiana Maia. Professora de Administração da UNISINOS, gestora de Projetos na FIJO PUCRS. Mestre em Administração - UNISINOS (2007), Bacharel em Administração - UFRGS (2003). Técnica em Eletrotécnica - PAROBÉ (1992). Áreas de Interesse: Estratégia, Inovação, Empreende-dorismo, Gestão de Projetos, Responsabilidade Social. 2 Eduardo Wilk. Pós-doutorado em Estratégia pela Unisinos (2011) onde estudou a Indústria Vitivinícola do Brasil, doutorado em Interdisciplinar em Agronegócios pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2006), mestrado em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1995). Tem experiência em planejamento e pesquisa na área de Administração. Atualmente é professor da UFPEL.3 Alexandre Abicht. Professor do Departamento de Ciências Administrativas da UNISC e do curso de Administração da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, nas áreas do Marketing, Marketing Digital, Gestão de Processos e Tecnologia de Informação aplicada a Administração. Possui mestrado em Agronegócios pela UFRGS e graduação em Administração de Empresas pela ULBRA-SM. 4 Anderson Bestteti. Mestre em Ciência da Computação pela PUCRS, área de concentração Inteligência Computacional - Processamento da Linguagem Natural. Graduado em Ciências da Computação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2005). Atualmente é gerente de tecnologia - Ação Sistemas de Informática Ltda e atua como professor da disciplina de Tecnologia da Informação na Faculdade Porto-Alegrense.

Ciências Tecnológicas

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generated, trying to minimize potential environmental impacts in a conventional approach, known as management problems pipe end (end-of -pipe). The second form of response, known as clean production, emerged in 1990 from a proposal by the non-governmental organization Greenpeace. This proposal aims at modifying processes and production techniques in order to use clean technologies and avoid the generation of waste at source, thus avoiding the very generation of a problem being treated. The pioneer of the Greenpeace proposal formed the basis for a subsequent approach, known as cleaner production or P + L, the focus of this article which analyzes a company’s plastics sector, presenting the impacts of adoption of this technique in their production processes.

KEYWORDS

Cleaner Production. Social Responsibility. Plastics Industry.

1. Introdução

A Produção mais Limpa ou P+L foi proposta em 1991 pela United Nations Industrial Develop-ment Organization (UNIDO) e pela United Nations Environmental Program (UNEP) e focaliza na apli-cação de uma estratégia ambiental preventiva e integrada a processos, produtos e serviços, visando aumentar a efi ciência e reduzir riscos para a humanidade e o meio ambiente. Não implica em elimina-ção total de resíduos mas, sim, em obtenção da máxima efi ciência nos processos, no uso de materiais, energia e água, e no reaproveitamento dos próprios resíduos.

Com base na P+L, a UNIDO e a UNEP criaram um programa voltado para as atividades de preven-ção da poluição de amplitude global. Ele prevê a instalação de vários Centros de Produção mais Limpa em países em desenvolvimento, os quais formarão uma rede de informações em Produção mais Limpa. No Brasil, este centro foi instalado em 1995 com a denominação de Centro Nacional de Tecnologias Limpas (CNTL) e está sediado no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), no estado do Rio Grande do Sul, na cidade de Porto Alegre, tendo como uma das principais atividades a disseminação de informações sobre tecnologias limpas. Inicialmente foram identifi cadas como focos adequados para de-monstrações práticas da abordagem os setores metal-mecânico, agroindustrial e de polímeros.

O Rio Grande do Sul possui cerca de 600 empresas de material plástico ou polímeros, que empregam 24 mil trabalhadores. É uma indústria bastante diversifi cada, atuando em segmentos como o de calçados, embalagens rígidas e fl exíveis, utilidades domésticas, brinquedos, componentes téc-nicos, construção civil, agricultura e móveis entre outros. Outros produtos acabados e semiacabados como cordas, descartáveis, artigos de toucador, bobinas e lâminas também compõem o amplo escopo de atuação dessa indústria, conforme detalha o Sindicato das Indústrias de Material Plástico do Rio Grande do Sul (SINPLAST, 2003).

Em uma cadeia inter-relacionada como esta, os impactos de mudanças em tecnologias produ-zem efeitos em todo o sistema. Assim, quando uma empresa opta por implantar tecnologias de P+L, está tomando uma decisão que poderá se traduzir em profundas mudanças em sua base operacional, em suas formas de competir, como também em sua imagem perante clientes e sociedade. A forma como essas mudanças serão gerenciadas e capitalizadas em termos de vantagens dependerá essen-cialmente da capacidade e percepção de longo prazo de seus gestores. Assim, formula-se a seguinte questão: como a implantação de tecnologias limpas como a P+L se relaciona com as estratégias em-presariais, e que mudanças ela produz?

Sendo a P+L uma prática recente, essa compreensão remete ao desenvolvimento de estudos empíricos, buscando mapear os diversos fatores facilitadores e inibidores envolvidos na implantação desse sistema, bem como seus impactos na competitividade da empresa. Sob um foco prático, a com-preensão e discussão do processo de P+L e da sua problemática na empresa podem auxiliar na supera-ção de barreiras para sua implantação mais ampla no ambiente empresarial o que, em última análise, reverter-se-ia em benefício da sociedade como um todo. Sob um foco teórico, a compreensão de como a preocupação ambiental se insere e modifi ca as estratégias das fi rmas representa um importante objeto de investigação no estudo de estratégias competitivas.

O estudo aqui apresentado foi realizado na Bioplast Indústria e Comércio de Plásticos Ltda, uma empresa bastante representativa do perfi l do setor. Suas ações na área de gestão ambiental po-dem auxiliar na identifi cação do atual nível de comprometimento das empresas do setor para alcança-rem um desenvolvimento sustentável através das técnicas de P+L.

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2. Produção Mais Limpa

A busca de estratégias de desenvolvimento econômico que não impliquem em danos ao meio ambiente tem sido um grande desafi o do mundo atual, despertando crescente interesse no meio aca-dêmico, como também em governos, empresas e sociedade em geral. Cada vez mais, reconhece-se que os sistemas produtivos baseados na utilização indiscriminada de recursos naturais e geração de resíduos não são sustentáveis no longo prazo (UNEP, 1994, MEADOWS, 1972).

O modelo de produção e crescimento adotado ao longo do século passado, abastecido cons-tantemente por avanços tecnológicos, atingiu limites extremos em termos de sustentação e fez do homem o único organismo vivo que deixou de estar inserido nos ciclos naturais, provocando, como consequência, uma degradação sem precedentes no meio ambiente, redução dos recursos e uma mas-siva extinção de espécies (MEADOWS, 1972).

A preocupação com o meio ambiente não é um tema novo, e pode ser encontrada já nos tra-balhos de Darwin (1860) e de economistas clássicos como Malthus (1798); todavia, ações concretas em nível mundial neste sentido são bem mais recentes.

Na década de 1980, as evidências científi cas que relacionaram a atividade humana com o au-mento da temperatura da terra começaram a despertar signifi cativa preocupação pública, inspirando uma série de conferências internacionais visando debater ideias para enfrentar esta situação. Como produto deste contexto, em 1983 a Organização das Nações Unidas (ONU) criou a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Em 1988 esta comissão publicou o relatório Nosso Futuro Comum (Our Common Future) no qual foi defi nido o conceito de desenvolvimento sustentável como sendo: aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer as possibilidades das gera-ções futuras de atenderem às suas próprias (ONU, 1988).

Todavia, neste primeiro momento, o meio empresarial não participava dos debates, pois não vislumbrava a possibilidade de preservar o meio ambiente e, ao mesmo tempo, obter lucro (MELLO, 2002). Na década de 1990, a partir de uma série de iniciativas de organizações não governamentais (ONG’s), as discussões se voltaram para a busca de metodologias e propostas de como manter a pro-dução de bens de forma sustentável, sem comprometer a produtividade das empresas (LEMOS e NAS-CIMENTO, 1998). Uma das primeiras propostas nesta linha foi feita pela ONG Greenpeace em 1990 e denominada como abordagem de Produção Limpa (Clean Production) ou PL. A abordagem de Produção Limpa visa o desenvolvimento de um sistema de produção industrial que leve em conta os seguintes aspectos fundamentais ao meio ambiente (GREENPEACE, 2003; FURTADO, 1998):

• Autossustentabilidade de fontes renováveis de matérias-primas;• redução do consumo de água e energia;• prevenção da geração de resíduos tóxicos e perigosos na fonte de produção;• reutilização e reaproveitamento de materiais por reciclagem de maneira atóxica e energia

-efi ciente (consumo energético efi ciente e efi caz);• geração de produtos de vida útil longa, seguros e atóxicos, para o homem e o ambiente,

cujos restos (inclusive as embalagens) tenham reaproveitamento atóxico e energia-efi ciente; • Reciclagem de resíduos na planta industrial ou fora dela, de maneira atóxica e energia-efi -

ciente, como substitutivo para as opções de manejo ambiental representadas pela incinera-ção e despejos em aterros.

A produção limpa, segundo a Greenpeace, caracteriza-se por um duplo enfoque, dando aten-ção ao processo e ao produto de forma a utilizar recursos naturais renováveis e não ocasionar danos ao ecossistema. O processo caracteriza-se pela ênfase em atoxidade e pelo uso efi ciente de energia, materiais renováveis ou materiais passíveis de reprocessamento atóxico. O produto deve ser caracte-rizado por sua durabilidade e reutilização, facilitando sua montagem e desmontagem, aplicando um mínimo de embalagem, e ainda utilizando materiais reciclados e recicláveis (GREENPEACE, 2003).

Em 1991, com base nesta proposta prévia, a United Nations Environmental Program (UNEP) e a Uni-ted Nations Industrial Development (UNIDO) publicam o manual Audit and Reduction Manual for Industrial Emissions and Wastes que detalha sua abordagem denominada de Programa de Produção Mais Limpa (Cleaner Production Programme) para ser usada por profi ssionais das indústrias, consultores e autoridades governa-mentais interessados em melhorar as relações entre a indústria e o ambiente (LEMOS e NASCIMENTO, 1998).

A Produção mais Limpa ou P+L é então defi nida como a aplicação contínua de uma estratégia ambiental integrada a processos, produtos e serviços de forma a aumentar a efi ciência geral do siste-ma e reduzir riscos aos seres humanos e ao ambiente (UNIDO, 1991).

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 12 · Julho - Agosto de 2012114

A produção mais limpa pode ser aplicada a processos em qualquer indústria, aos produtos em si e a vários tipos de serviços desenvolvidos na sociedade.

Para processos produtivos, a P+L resulta de uma combinação de esforços de conservação de materiais, água e energia, eliminação de materiais tóxicos e perigosos e redução da quantidade e to-xicidade de todas as emissões e resíduos que foram criados ao longo do processo.

Para produtos, a P+L busca reduzir os impactos ambientais provocados pelos produtos ao longo de sua vida útil, desde a extração de matérias-primas, passando pelos processos de manufatura, uso do produto e descarte fi nal. Para serviços, a P+L implica na incorporação de preocupações ambientais no projeto até a entrega ou execução dos serviços.

Estes conceitos alinham-se fortemente com outra tendência em gestão ambiental conhecida como responsabilidade estendida de produto. Essa abordagem defi ne que as responsabilidades pela gestão de resíduos, usualmente atribuídas aos consumidores e governos, sejam transferidas ao produ-tor dos produtos (LINDHQVIST, 2002).

Segundo a UNIDO/UNEP (PNUMA, 2003), os pontos-chaves da P+L são:a) Redução na geração de resíduos e/ou desperdícios em todos os estágios do processo de

produção e que precisariam de tratamento no fi nal do processo.b) Utilização, em alguns países, dos termos “prevenção da poluição”, “redução na origem” e

“minimização de resíduos”, como sinônimos de P+L.c) Realização por meio de boas práticas de produção, modifi cação nos processos, mudanças de

tecnologia, substituição de matéria-prima e redesenho ou reformulação do produto.d) Vantagens econômicas advindas da redução de custos efetivos. Com processos mais efi cientes,

os custos de tratamento e disposição fi nal dos resíduos são minimizados e em alguns casos, eliminados.e) Vantagem ambiental devido à redução do problema de geração de resíduos na fonte. O

tratamento de fi m-de-tubo somente transfere os resíduos de um ambiente para outro.f) A demora na aceitação da P+L é mais um fator cultural (humano) do que técnico. As práticas

de fi m-de-tubo são conhecidas e aceitas pela indústria. As políticas e leis governamentais frequen-temente favorecem as soluções de fi m-de-tubo, pois existem possibilidades de fi nanciamento para investimentos dessa natureza. Além disso, os gerentes e trabalhadores que sabem que as indústrias são inefi cientes, não são recompensados pelas melhorias sugeridas.

g) A P+L ataca o problema em todos seus níveis, introduzindo um programa em nível de fábri-ca, requerendo, dessa forma, o consentimento dos principais responsáveis pelo gerenciamento e um método sistêmico de produção em todos os aspectos do processo de produção.

A P+L inclui processos simples, não necessariamente requerendo a implantação de tecnologias de ponta, podendo atingir uma camada maior de empresas que não detém o desenvolvimento tecno-lógico, o que tem contribuído para a sua popularidade no meio empresarial (LUKEN e FREIJ, 1995).

Além disso, gera melhorias fi nanceiras em função do aumento da efi ciência e da produtivida-de; redução dos custos para tratamento e disposição de resíduos, redução nos custos de matéria-pri-ma, energia e água e redução dos riscos de responsabilidade, tornando as empresas mais competitivas. Para o meio-ambiente, reduz a poluição da água, ar e solo e os riscos do não atendimento à legislação ambiental. Para a sociedade, obtém ganhos corporativos e de imagem pela demonstração da respon-sabilidade social ambiental, pela redução dos riscos à saúde e segurança.

Uma questão relevante neste contexto, e que contribuirá para a estabilidade da proposta P+L ao longo do tempo, refere-se ao estudo de como a implantação da P+L refl ete-se nas mudanças estra-tégicas e na competitividade das empresas. Para o estudo desta questão faz-se relevante o resgate de elementos fundamentais da estratégia e competitividade empresarial, tema da seção a seguir.

3. Estratégia Competitiva e Vantagem Competitiva

Diante do acirramento das pressões concorrenciais, o planejamento estratégico empresarial tem sido intensamente estudado sob vários ângulos e propostas. Entre as contribuições mais relevantes destacam-se as propostas de Porter (1980), que enfatizam as ações que uma empresa pode tomar para criar posições defensáveis, baseando-se na visão de que os ganhos derivam de posições privilegiadas de produtos no mercado.

Suas propostas que integram a escola, conhecida como Organização Industrial, se baseiam na abordagem estrutura-conduta-desempenho, que tem suas raízes nos estudos de Bain (1956, 1968) e Mason (1939,1949).

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Conforme argumenta Porter (1980), o ambiente competitivo em uma indústria é defi nido por cinco forças que interagem sobre a empresa e defi nem o contexto no qual ela poderá tentar se posicionar. O elemento central é a rivalidade entre os competidores, que é expressão do número de competidores e da disputa por mercados e nichos. Uma segunda força é a ameaça de produtos e ser-viços substitutos que podem atuar erodindo posições e margens de lucro previamente conquistadas. A próxima força atuante é a ameaça de novos entrantes na indústria, que é diretamente derivada da atratividade e potenciais lucros da indústria. Neste modelo analítico de cinco forças, atuam ainda o poder de negociação de fornecedores, dos quais a empresa compra insumos e o poder de barganha dos compradores para os quais a empresa vende.

Para Porter (1980), no entrechoque destas cinco forças defi ne-se o ambiente competitivo no qual a empresa buscará, através de estratégias competitivas, encontrar um posicionamento adequado. Cada empresa pode defi nir formas distintas de competir, mas, para o autor, existem três estratégias básicas: competição em custo, diferenciação ou foco. A primeira envolve a busca de menores custos envolvendo usualmente estratégias e processos de produção bem delineados e em constante atualiza-ção; a segunda estratégia competitiva envolve o desenvolvimento de produtos distintos e diferencia-dos dos concorrentes, agregando valor na visão do consumidor e investimento constante em inovação; a terceira estratégia envolve a busca de nichos de mercado, nos quais a empresa desenvolverá intensa especialização e estreito alinhamento com as demandas dos clientes.

Embora Porter (1980) trate a questão da diferenciação como uma estratégia fundamental, sua abordagem centra-se essencialmente no ambiente competitivo, em um enfoque externo, sendo que pouco avanço é feito no esclarecimento de como as empresas se diferenciam umas das outras e, por conseguinte, diferenciam seus produtos.

Uma abordagem mais contemporânea nesta questão remete ao estudo das competências em-presariais e recursos estratégicos internos através dos quais as empresas podem buscar essa diferen-ciação. Essa abordagem conhecida como visão da empresa baseada em recursos focaliza os recursos essenciais e habilidades intrínsecas que as empresas possuem e que podem dar origem a diferentes desempenhos no mercado e à defesa de posições e vantagens competitivas adquiridas (PENROSE, 1957; PRAHALAD E HAMEL, 1990).

Tanto as propostas de Porter (1980) quanto o enfoque de competências e recursos internos representam importantes instrumentos teóricos para o estudo da competitividade entre as fi rmas. Suas ligações com a Gestão Ambiental e produção mais limpa são claras. Na medida em que uma fi rma adota técnicas de P+L que lhe permitem economia em custos estará adquirindo vantagens, da mesma forma, se essas técnicas forem derivadas de processos e habilidade internamente desenvolvidos estará desenvolvendo recursos e competências distintas em relação aos seus concorrentes. Por sua vez, em relação às abordagens emergentes e de planejamento, a produção mais limpa e a gestão ambiental de uma forma ampla requerem ambas. As habilidades em planejamento de longo prazo são necessárias nas fases preliminares de desenvolvimento de produtos e processos; a adaptação estratégica, por sua vez, molda a forma de resposta às contingências de mercado.

4. Método e Procedimentos

Estudar os processos de mudança estratégica em uma empresa e seus impactos em sua com-petitividade remete à busca de meios para compreender os padrões de causalidade e decisões que, ao longo do tempo, conduziram a essa mudança.

Esta é uma tarefa ao mesmo tempo ambiciosa e abrangente, que envolve uma intensa troca entre empresa e pesquisador, reunindo, analisando e integrando múltiplos fragmentos de informação. Dada a extensão e profundidade das informações que se busca obter, o método escolhido para a reali-zação desta pesquisa foi o estudo de caso.

As informações foram obtidas através da realização de entrevistas em profundidade com o ge-rente técnico da empresa estudada, que responde pelas áreas de desenvolvimento de produtos e pelo se-tor de produção. O conteúdo foi gravado para permitir o registro adequado e completo das informações.

As entrevistas seguiram roteiros elaborados a partir da exploração das fontes bibliográfi cas relacionadas à produção mais limpa e à Estratégia Competitiva.

Os dados coletados nas entrevistas foram analisados de modo a identifi car os níveis de aplica-ção da P+L. Posteriormente analisou-se como a aplicação da P+L impactou as estratégias competitivas da empresa.

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5. O Plástico e a Indústria Petroquímica

A indústria petroquímica é a fonte da maior parte dos artigos de consumo disponíveis no mundo moderno. O plástico, em todas as suas variações, é petroquímico, e sua indústria movimenta a maior quantidade de produtos fabricados com materiais petroquímicos.

As indústrias petroquímicas geralmente são fi sicamente interligadas em ‘polos petroquími-cos’, com os fornecedores de nafta ou de gás natural e com as empresas utilizadoras de seus produtos.

As empresas que formam um polo petroquímico são classifi cadas em três segmentos: • Indústrias de 1ª geração – também conhecidas como centrais de matérias-primas, produzem

os petroquímicos básicos. • Indústrias de 2ª geração – processam os petroquímicos básicos para fabricar os produtos

intermediários. • Indústrias de 3ª geração – também conhecidas como indústrias de transformação, proces-

sam os produtos intermediários para manufaturar os bens de consumo que chegam até o consumidor.

No Brasil, a indústria petroquímica atual foi consequência do planejamento estatal iniciado em 1965 com a instalação do Grupo Executivo da Indústria Química (GEIQUIM), responsável pelas orientações básicas na concepção dos três polos petroquímicos hoje existentes, e assim distribuídos (D’ÁVILA, 2003):

• I Polo Petroquímico de São Paulo, em Cubatão. • II Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia.• III Polo Petroquímico do Sul, em Triunfo, no Rio Grande do Sul. A indústria brasileira de transformação de plástico, 3ª geração petroquímica, representa hoje

1,5% do PIB do país, segundo dados do Sindicato das Indústrias de Material Plástico do Nordeste Gaú-cho – SIMPLAS (2003). No Brasil, o consumo de plástico per capita é de aproximadamente 19 Kg para as oito principais resinas termoplásticas, enquanto mundialmente este consumo está entre 70 a 120 Kg per capita. Estes dados demonstram o imenso potencial do segmento no país, principalmente nos mercados de embalagens, construção civil, infraestrutura e saneamento básico, automobilístico e eletroeletrônico.

O número de trabalhadores do setor no país é de 187.309, sendo São Paulo o primeiro estado em número de empregados, com cerca de 99.000, e em segundo lugar está o Rio Grande do Sul, com aproximadamente 24.000 empregados.

NO RIO GRANDE DO SUL a matéria-prima do III polo é fornecida pela Companhia Petroquímica do Sul – Copesul que produz cerca de 40% do eteno consumido no Brasil, com capacidade instalada de 1,135 milhão de toneladas/ano (COPESUL, 2003).

Além de eteno, que é o seu principal produto, a Copesul produz propeno, butadieno, benze-no, tolueno, xilenos, MTBE, buteno-1, propano e outros, totalizando 3 milhões de toneladas anuais de petroquímicos. Mais de 80% são consumidos no Polo Petroquímico do Sul. O restante é vendido para outros estados do país ou exportado.

O complexo industrial de transformação de plásticos (indústrias da 3ª geração petroquímica) no Rio Grande do Sul é composto por cerca de 600 empresas, que empregam 24 mil trabalhadores (SINPLAST, 2003).

A maioria das empresas, cerca de 87%, são micro e pequenas, que empregam até 99 funcio-nários, 10% têm entre 100 e 249; 2% entre 250 e 500, e 1% acima de 500 empregados. A maior con-centração de empresas encontra-se no Vale dos Sinos (Novo Hamburgo), Serra (Caxias do Sul) e Região Metropolitana (Porto Alegre, Canoas, São Leopoldo, Cachoeirinha) (SINPLAST, 2003).

Segundo dados do SINPLAST a indústria gaúcha de material plástico encontra-se em um bom estágio tecnológico. Nos últimos seis a sete anos, as empresas ingressaram em uma fase de moderni-zação das máquinas, apoiadas pelo Programa de Incentivos do Governo do Estado (PROPLAST). Neste mesmo período, as empresas procederam a implantação de sistemas de qualidade nos seus processos industriais, ganhando com isso maior produtividade.

A mão de obra do setor também está sendo qualifi cada, há diversos cursos sendo disponibi-lizados nessa área como, por exemplo, o curso de Engenharia de Plásticos da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Outros cursos em nível técnico também estão sendo oferecidos no estado por ins-tituições de ensino de renome como o SENAI. Além disso, também há iniciativas de pesquisa com as Universidades UCS, PUCRS e UFRGS. Com esse processo de qualifi cação da mão de obra, esta deverá ser um fator de mudança no perfi l das empresas.

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6. A Empresa Bioplast

A empresa estudada denomina-se Bioplast Indústria e Comércio de Plásticos Ltda., localiza-se na cidade de Porto Alegre, é uma microempresa familiar, e possui atualmente 11 funcionários que dividem as funções administrativas e de produção com os dois proprietários.

A Bioplast possui uma ampla linha de produtos destinados a laboratórios de análise e labora-tórios químicos, como copos de Becker, coletores provetas, espátulas, frascos para reagentes, entre outros. Em 1994, a Bioplast começou a exportar seus produtos de laboratório para a Argentina, Uru-guai, Paraguai, Chile e Bolívia. Em 1995, a empresa adquiriu novas máquinas e começou a trabalhar em outro segmento de mercado desenvolvendo peças técnicas, injetadas em resinas termoplásticas de todos os tipos, como serviços especializados para terceiros.

A Empresa está participando do Programa Gaúcho de Qualidade e Produtividade (PGQP), de-senvolvido pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS); está participando também do Projeto Setorial Integrado (PSI), com o apoio da Agência de Promoção de Exportação (APEX), um trabalho de desenvolvimento do Governo Federal. Com isto a Bioplast pretende expandir seu mercado para a Europa e Estados Unidos.

A Bioplast possui 500 distribuidores no Brasil e Mercosul e possui escritórios regionais de ven-das em Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife.

6.1. A P+L na BioplastA conscientização ecológica exige das empresas produtos e processos menos agressivos ao meio

ambiente. No entanto, algumas décadas atrás, era bastante difícil abordar este assunto junto ao meio empre-sarial, pois não se vislumbrava a possibilidade de ao mesmo tempo preservar o meio ambiente e obter lucro.

Hoje em dia, produzir de modo sustentável e aumentar a produtividade tornou-se uma neces-sidade das empresas para manterem-se competitivas. Assim, a produção mais limpa aparece como uma proposta que contribui para a satisfação desta necessidade.

A produção mais limpa focaliza-se no potencial de ganhos diretos no mesmo processo produ-tivo, e ganhos indiretos pela redução dos custos ligados ao tratamento e disposição fi nal dos resíduos.

No Brasil, a produção mais limpa, difundida pelo CNTL, utiliza como referencial o projeto Eco-profi t (Ecological Project For Integrated Environmental Technologies), que identifi ca as oportunidades de aplicação da P+L em três níveis (Figura 3)

Nível 1: evitar a geração de resíduos e emissões.Nível 2: reciclagem interna de resíduos que não podem ser evitados.Nível 3: medidas de reciclagem externa e tratamento das emissões e disposição dos resíduos.O ideal é que as práticas ambientais da empresa estejam voltadas para a não geração de re-

síduos, ou seja, no nível 1 (PNUMA, 2003).

Figura 1: Oportunidades de Produção Mais LimpaFonte: Guia de P+L – Faça você mesmo (CEBDS, 2003, p.38).

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Revista Atitude - Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre · Ano VI · Número 12 · Julho - Agosto de 2012118

Este estudo utilizou este esquema para avaliar em que nível estavam as práticas ambientais da Bioplast.

Em 1998, motivada pelo desejo de expansão dos seus negócios, a Bioplast iniciou um processo de modernização que pode ser referido como o marco inicial de sua trajetória em direção às práticas ambientais de produção mais limpa. Também, as sucessivas crises econômicas enfrentadas no país nessa época fi zeram que o processo produtivo fosse repensado e modifi cado para que se reduzissem custos e aumentassem a produtividade.

6.1.1 Redução na fonte

A redução na fonte é uma parte do enfoque da produção mais limpa que implica em prevenir a geração de resíduos desde sua origem, em lugar de tratá-los após sua produção. Na metodologia utili-zada para a análise, a redução na fonte está no nível 1 e pode-se alcançá-la através de modifi cação no produto ou no processo de produção. No caso da Bioplast, as atividades identifi cadas no nível 1 diziam respeito a mudanças no processo, através de boas práticas e de mudanças de tecnologia.

Boas práticasUm dos pontos-chave da produção mais limpa, é que esta pode ser realizada por meio de boas

práticas de produção que visam reduzir a geração de resíduos na fonte. Então, identifi cou-se na Bio-plast a preocupação com os resíduos gerados iniciada no ano de 1998 com uma tentativa malsucedida de coleta seletiva dos resíduos gerados pela empresa. Posteriormente, voltou-se para a redução da geração desse resíduo através do estudo da cadeia química dos materiais para identifi car quais pode-riam ser misturados e gerar resíduo que pudesse ser reaproveitado na empresa, e quais as misturas que não poderiam ser reaproveitadas internamente; assim, a programação da produção passou a ser feita levando em conta esse fator.

Segundo estimativas, a geração de resíduos “diminuiu muito”, então, para confi rmar essa estimativa, no período de 16/06/2003 a 16/07/2003 foi feito um levantamento dos resíduos gerados, o qual é detalhado na Tabela 1.

Tabela 1: Produção da Bioplast - 16/06/2003 à 16/07/2003

Quantidade de material processado 1.867,66 KgQuantidade de material reaproveitado 152,2 KgQuantidade de material não reaproveitável 56,2 Kg

Antes do início desse controle da entrada de materiais nas máquinas, há uma estimativa de que eram gerados aproximadamente 10 kg de resíduos por dia. Concluímos que houve uma redução de aproximadamente 300% na geração de resíduos não reaproveitáveis pela empresa. Considerando que o período analisado teve 23 dias úteis, pode-se dizer que nesse mês foram gerados 2,44 kg de resíduos.

Outra prática adotada pela empresa para não gerar lixo, foi a utilização de sacos plásticos como embalagem para entregas de produtos em Porto Alegre e região metropolitana. Assim, o uso de caixas de papelão, que não eram aproveitadas pelos clientes, foi eliminado, evitando desperdício de papel.

Modifi cação de Tecnologias

É a substituição de uma tecnologia por outra menos poluidora, ou seja, a adoção de tecnologia limpa. Cabe ressaltar que “tecnologia limpa” é defi nida como um conjunto de soluções que começam a ser estabelecidas e disseminadas, por sua ampla utilização, a fi m de prevenir e resolver problemas ambientais (CRISTIE, ROLF e LEGARD, 1995, apud MELLO, 2002). Elas seguem o princípio de proteger e/ou conservar o meio ambiente, evitando desperdício de recursos e a degradação ambiental, almejando o desenvolvimento sustentável. Fundamentalmente, as tecnologias limpas dependem de novas maneiras de pensar e agir so-bre os processos, produtos, serviços e formas gerenciais em uma abordagem mais holística (MELLO, 2002).

O processo de modernização da Bioplast teve início em 1998, como já foi citado. Então, na escolha dos novos equipamentos, foram levados em consideração fatores como melhor aproveitamen-to da matéria-prima e economia de energia, pois já havia a preocupação com a redução dos custos e a preservação ambiental por parte dos gestores da Empresa.

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As máquinas injetoras foram trocadas por equipamentos mais modernos que possuem contro-les de temperatura e uma carenagem que evita a perda de calor e, consequentemente, economizam energia, além de proporcionarem o uso de outros tipos de materiais. Isto permitiu à empresa ampliar o seu portfolio de produtos e serviços.

O sistema de refrigeração das máquinas, também trocado no ano de 1998, consiste em um sistema fechado (não há troca com o meio ambiente). A água utilizada é tratada com um produto que inibe a corrosão e outro que controla o Ph. Isso prolonga a vida útil dos moldes.

Antes da instalação deste sistema, a temperatura da água variava em torno de 20ºC no in-verno e 30ºC no verão. Após a instalação, a água é mantida a 5ºC em qualquer estação. Devido a este controle de temperatura, os ciclos de produção baixaram. Obtiveram-se ganhos também na qualidade do produto, pois, com os moles mais frios, a cristalização do plástico é melhor, proporcionando maior brilho e mais transparência. Os custos de manutenção também baixaram, pois houve economia na troca de óleo das máquinas.

A empresa não parou o seu processo de modernização. Atualmente, há somente uma máquina com tecnologia anterior a de 1998, que é de 1995. As duas outras máquinas injetoras da empresa são de 2001 e 2002. Havia planos para a troca dessa injetora de 1995, mas devido à crise enfrentada pelo setor, os planos foram adiados.

Além desses investimentos mais vultosos, a empresa também colocou telhas de fi bra transpa-rente para aproveitamento da luz natural, substituiu as lâmpadas comuns de mercúrio por lâmpadas fl uorescentes, que economizam energia, e também instalou um dispositivo para controle das máquinas injetoras e as estufas, que foi projetado e construído por um dos proprietários da empresa.

Esse dispositivo de controle consiste em um “timer” que liga e desliga as máquinas injetoras, as estufas e a estação de tratamento de água. É bastante simples, mas proporcionou “melhorias e eco-nomias para a empresa”. Houve o ganho de aproximadamente 30 minutos diários de produção, porque o timer liga as máquinas antes de iniciar o turno de trabalho na empresa. Então quando os funcionários chegam, não precisam esperar o aquecimento das máquinas, pois estas já estão prontas para iniciar a operação. O desperdício da matéria-prima também é evitado, pois com a máquina fria há um maior índice de rejeito de produto.

A manutenção das máquinas também foi benefi ciada por esse timer antes da sua implantação. Segundo dados aproximados, “a vida útil das resistências das injetoras era de aproximadamente qua-tro meses; após o timer, essa aumentou para três anos”.

O custo total desse timer “foi de aproximadamente R$ 700,00 e proporcionou diversos benefí-cios e ganhos para a empresa”. Isto prova que não são necessários investimentos vultosos em equipa-mentos sofi sticados para se conseguir mudanças signifi cativas na empresa.

6.1.2 Reciclagem Interna

Reciclagem é a repetição de um procedimento sobre um determinado produto/substância com o objetivo de reaproveitar novamente as propriedades do mesmo (CNTL, 2003).

Somente depois das técnicas de prevenção terem sido adotadas por completo é que se deverá utilizar a opção de reciclagem. Isto coloca a reciclagem interna no nível 2, ou seja, se não há como não gerar resíduos, então deve-se tentar reaproveitá-los dentro da empresa. Utilizaremos a defi nição de resíduo, como todo e qualquer tipo de materiais – líquidos, sólidos ou gasosos – que não representem o produto-fi m do sistema de manufatura industrial (FURTADO, 1998).

A Bioplast utiliza o processo de injeção de peças plásticas na qual há três tipos de geração de resíduos: um pelos moldes que necessitam de canal de irrigação; outro pela mistura de cores diferen-tes e um terceiro, pela mistura de materiais diferentes.

No caso dos canais de irrigação, o molde utilizado é preenchido com plástico em estado lí-quido. Então as peças são formadas e, posteriormente, desprendidas desses canais que formam um tipo de ligação entre as peças. Há também outro tipo de injeção na qual não são utilizados canais de irrigação: é a injeção direta, em que não há geração de resíduos. Esses canais de irrigação são uma fonte geradora de resíduos. Na Bioplast, a produção de produtos que necessitam de canais de irrigação está em torno de 90%, ou seja, 90% da produção gera resíduos. Esses resíduos podem ser aproveitados em sua totalidade para a fabricação de peças do mesmo material. Nesse caso, o reprocessamento desse material no mesmo produto é utilizado em, no máximo, 10%, misturado com a matéria-prima virgem. Esse material é utilizado também em outras peças onde a matéria-prima possa ser misturada com produto reciclado.

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Entre os resíduos, aqueles resultantes das misturas de dois materiais diferentes ou de cores diferentes também são reaproveitados. A Bioplast possui máquinas moedoras, nas quais este material é triturado e vira novamente matéria-prima.

A empresa produz também uma linha de cabides para saias em que esse material pode ser utilizado. No desenvolvimento de peças técnicas para terceiros, dependendo das especifi cações e da utilização das peças, há a possibilidade de usar esse material.

6.1.3 Reciclagem Externa

Apesar do esforço para aproveitamento dos resíduos internamente, há uma parcela destes que não pode ser reciclada internamente: cerca de 3% do total de resíduos gerados pela Empresa, confor-me dados da Tabela 1. Este tipo de reciclagem encontra-se no nível 3, segundo as opções de aplicação da produção de produção mais limpa (Figura 3).

Devido à preocupação com a destinação fi nal deste resíduo, este tem sido armazenado pela empresa e posteriormente vendido para empresas recicladoras.

6.2 ESTRATÉGIAS COMPETITIVAS DA BIOPLAST

Segundo Porter (1986), “a estratégia competitiva envolve o posicionamento de um negócio de modo a maximizar o valor das características que o distinguem de seus concorrentes”.

É possível identifi car que a Bioplast tem estratégias diferentes para os seus produtos. Para a linha dos produtos de laboratório, a estratégia utilizada é a diferenciação, e para a linha das peças técnicas, a estratégia é de foco.

Para a linha de produtos de laboratório, a Empresa procura se destacar da concorrência pela qualidade de seus produtos. Para tanto investiu na modernização de seus equipamentos e na especia-lização de sua mão de obra. A utilização de matéria-prima de melhor qualidade também a faz, muitas vezes, comprar resinas dos outros polos petroquímicos brasileiros, bem como também importar essas resinas. Isto a leva a ter custos mais altos em prol da manutenção da qualidade de seu produto.

Para essa linha de produtos, a Bioplast possui dois concorrentes diretos. Uma empresa do es-tado de São Paulo que é subsidiária de uma empresa americana e possui produtos de qualidade similar, com a vantagem de ser certifi cada pela norma ISO 9000. O outro concorrente é uma empresa do estado do Paraná, que concorre através do baixo preço da sua linha de produtos, “provavelmente conseguidos através do sacrifício da qualidade”.

Esse é o grande risco, segundo Porter (1986), de empresas que investem na estratégia da diferenciação. A qualidade do produto e o prazo de entrega rápido e pontual nem sempre conseguem manter a fi delidade do cliente diante de preços mais baixos.

A segunda linha de produtos oferecidos pela Bioplast é denominada pela mesma de peças téc-nicas. São produtos de terceiros em que a empresa faz a injeção, porém, a comercialização, a marca, etc. é de responsabilidade da empresa contratante. Uma prática bastante comum no setor de plásticos.

De 1998 para cá, devido às mudanças no processo produtivo, foi possível à Bioplast aumentar seu mercado para esse tipo de serviço, de 10% para 40% da sua produção. A meta da Bioplast é que esta linha atinja 50% da sua produção.

Nessa linha, a Empresa utiliza a estratégia de foco. Ela também ressalta a qualidade de seus pro-dutos. Mas o diferencial está no fato da Bioplast desenvolver o produto para o cliente, como cortesia, e negociar o pagamento do molde para o cliente com o compromisso deste em encomendar um lote mínimo.

6.2.1 O Impacto da P+L na Estratégia

Segundo o CNTL (2003), a produção mais limpa apresenta as seguintes vantagens:• Redução de custos de produção e aumento de efi ciência e competitividade. • Redução das infrações aos padrões ambientais previstos na legislação. • Diminuição dos riscos de acidentes ambientais. • Melhoria das condições de saúde e de segurança do trabalhador. • Melhoria da imagem da empresa junto a consumidores, fornecedores e poder público. • Ampliação das perspectivas de mercado interno e externo. • Acesso facilitado a linhas de fi nanciamento. • Melhor relacionamento com os órgãos ambientais, com a mídia e com a comunidade.

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Na Bioplast a implantação da produção mais limpa mostrou a possibilidade de redução dos custos de produção e aumento da efi ciência e da competitividade pela melhoria da qualidade dos pro-dutos e pela possibilidade de ampliação da linha de produtos.

A redução dos custos permitiu à Empresa atravessar as crises econômicas que atingiram o setor. Apesar de não possuir dados exatos da economia proporcionada pelas práticas de produção mais limpa, essas foram signifi cativas a ponto de ser citado pelo entrevistado: “Se eu não tivesse baixado as despesas e o faturamento, do jeito que baixou, eu teria quebrado.” Essa impressão da empresa com relação às práticas de P+L prova a relevância destas na manutenção da competitividade da Empresa.

Como um ponto importante, devemos ressaltar que a produção mais limpa requer mudança de atitude. Essa mudança, por sua vez, está associada ao exercício de gerenciamento ambiental respon-sável que deve permear toda a cultura da empresa.

Apenas a mudança de atitude muitas vezes não é condição sufi ciente e a empresa deve reava-liar tecnologias e modifi car processos e equipamentos.

A essência desse processo converge para o objetivo de agregar cada vez maior valor aos pro-dutos e serviços, consumindo menos materiais e gerando cada vez menos contaminação. Isto vai ao encontro do que o mercado atualmente exige das empresas: baixo custo, qualidade dos produtos e serviços, responsabilidade ambiental e social.

A implantação da produção mais limpa na Bioplast se traduziu em signifi cativa mudança em estratégias competitivas ampliando a sua capacidade de diferenciação.

Como fruto deste processo, essencialmente o que se observou foi o desenvolvimento de ca-pacitações e competências internas que ampliam o repertório de respostas da Empresa diante de contingências e demandas futuras do mercado.

7. Considerações Finais

Ao analisar as informações obtidas com as entrevistas e a literatura consultada, percebe-se que a implantação da produção mais limpa trouxe vantagens econômicas para a Bioplast sendo estas, associadas a uma consciência ambiental por parte de seus gestores, as principais motivações para a busca de práticas e processos de produção mais limpa.

Evidenciou-se, também, que as difi culdades para a implantação de sistemas que preservem o meio ambiente estão intimamente ligadas a problemas culturais, que muitas vezes não conseguem ser ultrapassados. No caso estudado, estas difi culdades expressaram-se através da difi culdade de adap-tação à nova cultura por parte do quadro de funcionários, convergindo para a substituição deste. Isto refl ete em mudanças fi losófi cas amplas nas organizações, principalmente originadas no topo da hierar-quia, ou seja, mudanças “top-down” muitas vezes esbarram na infl exibilidade da própria organização.

É uma situação paradoxal porque, quanto mais adaptados estiverem os recursos humanos a uma determinada fi losofi a, o que pode ser desejável no presente, mais rígidos esses mesmos recursos se tornam em relação a fi losofi as radicalmente novas, o que pode ser uma desvantagem em relação ao futuro e à capacidade de adaptação da organização.

Fica claro, pelo caso da Bioplast, que a produção mais limpa, como outras modernas práticas de produção que envolvam mudança comportamental, exigem um completo envolvimento e participa-ção do quadro de funcionários, e não pode ser adequadamente implantada sem essa efetiva participa-ção. A habilidade dos gestores em projetos deste tipo reside em coordenar essa transição, realinhando recursos conforme a nova estratégia.

Uma observação importante é o fato de que a empresa implantou procedimentos alinhados com produção mais limpa sem essencialmente conhecer essa fi losofi a em sua concepção teórica. Foi também um processo de tentativas e erros e de gradual adaptação a contingências econômicas ex-ternas e estímulos do mercado, que não pode ser caracterizado como um projeto estratégico bem delineado e preditivo mas, sim, emergente.

Através deste processo, a empresa atingiu signifi cativa redução de custos de produção, ganhos de produtividade e menor tempo de entrega, como também, mudanças em sua linha de produtos e a ampliação da prestação de serviços para terceiros. Todas estas mudanças tiveram como princípio de base fundamental a prevenção de resíduos e a utilização de materiais reciclados.

Pelos resultados alcançados no estudo de caso da empresa Bioplast, pode-se afi rmar que a produção mais limpa alia fatores importantes para a obtenção de lucro e de vantagens competitivas, estando ligada à construção de capacitações e competências internas, o que a confi gura como um recurso estratégico importante para a sobrevivência das empresas.

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Avaliação da degradação doHerbicida Glifosato e o

metabólito AMPA no solo da bacia doArroio Donato – Pejuçara (RS)

Andréa Souza Castro(1)

RESUMO

O Glifosato (herbicida amplamente usado no cultivo de arroz e soja) tem sido muito uti-lizado sob sistema de plantio direto, na região noroeste do Rio Grande do Sul, podendo ser considerado o principal herbicida de aplicação. O presente estudo visa uma avaliação da degradação e transporte do Glifosato no solo da bacia do Arroio Donato, em Pejuçara (RS). Amostras foram coletadas diretamente do cultivo, nas profundidades de 5, 10, 25 cm de um único ponto da lavoura de soja em dois períodos: 5 e 137 dias após a aplicação do herbicida. Os resultados obtidos revelaram que nas amostras da coleta, após cinco dias de aplicação do herbicida, o Glifosato foi somente detectado nas profundidades de 5 e 10 cm. Já o seu metabólito AMPA (Ácido aminometilfosfônico) foi identifi cado em todas as profundidades analisadas. Nas amostras da coleta de 137 dias após a aplicação, o her-bicida Glifosato só foi constatado na amostra de 5 cm de profundidade, enquanto que o seu metabólito AMPA foi identifi cado em todas as profundidades. Tais dados induzem que ocorre uma baixa tendência de lixiviação do Glifosato para camadas inferiores do solo em estudo. A presença do metabólito AMPA, em todas as camadas em estudo, pode indicar sua lixiviação para camadas inferiores uma vez que foi possível detectá-lo em todas as profundidades. Desta forma, fi ca claro que não houve degradação total do Glifosato em seu principal metabólito (AMPA) após um período de mais de quatro meses de aplicação.

PALAVRAS-CHAVE

Glifosato, AMPA, Lixiviação, Degradação

ABSTRACT

Glyphosate (herbicide used in the cultivation of rice and soya) is extensively used in no-tilling system, in the northwest region of Rio Grande do Sul, where it can be considered as the principal herbicide. The present study seeks an evaluation of the degradation and transport of Glyphosate in soil basin Arroio Donato’s in Pejuçara (Brazil). The samples were collected directly on site, at depths of 5, 10, and 25cm at a single point of the soya farming in two periods: 5 and 137 days after the application of the herbicide. The results for the samples collected after 5 days of application of the herbicide revealed that Glyphosate was only detected at depths of 5 and 10 cm. Its metabolite AMPA (Aminomethyl Phosphonic Acid) was identifi ed in all analyzed depths. For the samples collected 137 days after the application Glyphosate was only verifi ed at 5 cm depth, but its metabolite AMPA was identifi ed in all depths. Such data induce the existence of a low leaching trend of Glyphosate for deeper layers of the studied soil, probably due to its strong interaction with the soil, staying at this depth. The presence of the metabolite AMPA, in all analyzed layers can indicate its leaching for deeper layers, since it was possible to detect it at all depths. Therefore, it is clear that total degradation of Glyphosate as its main metabolite (AMPA) did not occur after a period of more than four months of application.

Ciências Tecnológicas

(1) Professora do Curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre, Dra. em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental. E-mail: [email protected]

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KEYORKS

Glyphosate. AMPA. Leaching. Degradation.

INTRODUÇÃO

O constante crescimento da população mundial e a necessidade de produção de quantidades cada vez maiores de alimentos têm exigido um aumento nos suprimentos globais de alimentação. Esta demanda, ligada ainda às limitações cada vez maiores no uso da terra, obriga o desenvolvimento de práticas intensivas na agricultura. Os agrotóxicos são parte integrante desta agricultura intensiva para proteção das plantas por serem agentes efetivos de combate às pragas. Ao mesmo tempo, o uso em excesso de agrotóxicos nas atividades agrícolas tem sido responsável pela degradação do solo e polui-ção das águas subterrâneas em muitas áreas onde o cultivo é intensivo.

O Glifosato ou N-(fosfometil) glicina, é classifi cado como herbicida não seletivo, sistêmico, de amplo espectro e pós-emergente, citado como um dos mais vendidos em todo o mundo, em diferentes formulações produzidas por distintas companhias de agrotóxicos (AMARANTE JÚNIOR e SANTOS, 2002).

No Brasil o Glifosato é muito usado como dessecante no plantio direto e atualmente ampla-mente utilizado nas lavouras de soja geneticamente modifi cadas.

Já no Rio Grande do Sul, este herbicida é usado no cultivo de arroz e soja. Na região noroeste do estado, este tem sido muito utilizado sob sistema de plantio direto, podendo ser considerado como o principal herbicida de aplicação.

Normalmente, as plantas cultivadas não são naturalmente tolerantes a herbicidas cujo princí-pio ativo é à base de Glifosato. No entanto, o progresso do estudo da engenharia genética tem permi-tido o desenvolvimento de culturas resistentes a esse herbicida.

Devido a esta seletividade pode estar ocorrendo um excesso no uso deste herbicida, trazendo efeitos indesejáveis como:

• problemas à saúde de seres humanos;• desenvolvimento de imunidade; • contaminação do solo e água subterrânea ou superfi cial;• a decomposição em outras substâncias químicas que também contaminam o meio ambiente.A degradação microbiana do Glifosato produz o seu maior metabólito, o AMPA (Ácido Amino-

metilfosfônico) que posteriormente é transformado em água, dióxido de carbono e fosfato (FORLANI et al., 1999).

Embora o AMPA seja o principal produto da biodegradação do Glifosato, existem poucos estu-dos sobre sua toxicidade e persistência principalmente em solos tropicais.

Não existe legislação brasileira que defi na limites máximos de resíduos para qualquer pes-ticida em solos, entretanto, com o aumento do uso de herbicidas a base de Glifosato, tornou-se de imensa importância o seu estudo para que se possa ter parâmetros que estabeleça limites de Glifosato e AMPA em solo.

OBJETIVOS

O presente estudo visa quantifi car os níveis de concentração de Glifosato e seu maior metabó-lito (AMPA), verifi cando a profundidade do solo em que os dois compostos lixiviam, além de avaliar o nível de degradação após a segunda aplicação do herbicida na lavoura nas camadas de 5, 10, e 25 cm de profundidade a partir da superfície em um ponto da lavoura de soja.

MATERIAIS E MÉTODOS

A área da bacia estudada tem aproximadamente 1,1 km² e está localizada no município de Pejuçara (RS). Esta bacia compõe um conjunto de sub-bacias embutidas, sendo a maior bacia a do Rio Potiribu-RS (fi gura 1). A bacia do Rio Potiribu foi considerada por Bordas e Borges (1990) como bacia re-presentativa de uma das zonas físico-climáticas homogêneas do derrame basáltico sul-rio-grandense.

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FIGURA 1 – Localização da Bacia do Rio PotiribuFonte: Adaptado de CASTRO et al., 2000, p. 6.

O derrame basáltico sul-riograndense cobre uma área de aproximadamente 300.000 Km², englobando parte dos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, dos quais 75% foram estudados por Borges e Bordas (1988).

Segundo Nimer (1988), pela classifi cação de Koeppen, o clima da região da bacia do Rio Potiribu é o Cfa (mesotérmico brando superúmido sem seca). Isso confere à região um clima temperado úmido sem esta-ção de seca, sendo caracterizado por uma homogeneidade nos índices pluviométricos. A temperatura média mensal varia de 14°C em julho a 24°C em janeiro (VIERO, 2004). Existe também a ocorrência de tempera-turas extremas, inferiores a 0ºC, no inverno e superiores a 35ºC, no verão (CHEVALLIER e CASTRO, 1991).

Segundo Castro et al. (2000), de um modo geral, pode-se dizer que os solos dessa bacia são classifi cados como Latossolo Vermelho Distroférrico (LVdf) e Nitossolo Vermelho Eutroférrico (Nvef). Estes são bem drenados, apesar da textura muito argilosa (+60%). Isso se deve ao fato destes solos possuírem uma estrutura formada por grânulos muito pequenos com aparência de pó de café. Este tipo de estrutura é associado a uma alta capacidade de infi ltração de água no solo.

Na bacia do arroio Donato, ocorre a sucessão de culturas através do plantio de soja no verão e trigo no inverno. Com o uso do sistema de plantio direto, o Glifosato é aplicado à lavoura na pré-semeadura, que consiste na eliminação das plantas daninhas antes da semeadura da cultura.

As amostras de solo foram coletadas em área de cultivo de soja. A primeira coleta de solo foi realizada no dia 17/06/2003, cinco dias após a aplicação do Gli-

fosato. Amostras foram retidas nas profundidades de 5, 10, 25 cm de profundidade. A segunda coleta correu no dia 27/10/2003, ou seja, 132 após a aplicação do Glifosato. Antes do plantio da safra de verão, uma terceira coleta ocorreu no dia 12/12/2003, cinco dias após a nova aplicação de Glifosato, sendo útil para confi rmação dos dados da primeira coleta.

Para extração, foram adaptadas a metodologia usada por Glass (1983), Börjesson e Torstens-son (2000) e Aubin e Smith (1992), que extraíram Glifosato de amostras de solo com NaOH 0,1M. Os extratos submetidos a processo de clean up em resinas CHELEX 100 e AG1-X8, seguido de concentração em rotavapor. Os extratos, assim obtidos, foram analisados por cromatografi a líquida de alta resolu-ção, com reação pós-coluna, segundo o método ofi cial da EPA.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Curva de CalibraçãoPara a curva de calibração das amostras, foram utilizadas as concentrações de 10, 20, 40, 50

e 100ppb que equivale a 0,0005, 0,001, 0,002, 0,0025 e 0,005 μg para um loop de injeção de amostra

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de 50μL respectivamente para o Glifosato. Para o AMPA, as concentrações utilizadas foram 5, 10, 20, 40, 50, 100 e 200ppb, que representa 0,00025, 0,0005, 0,001, 0,002, 0,0025, 0,005 e 0,01μg, respectivamente. As curvas de calibração do Glifosato e do AMPA são apresentadas nas equações 1 e 2 respectivamente:

59 108x104y (1)

510 104x107y (2)

Análise das amostrasForam extraídas amostras coletadas em 5 e 137 dias após a aplicação do herbicida, nas pro-

fundidades de 5, 10 e 25 cm de profundidade, para identifi cação do Glifosato e seu metabólito AMPA, conforme descrito na metodologia. Com os resultados da tabela 1 observa-se que para as amostras coletadas cinco dias após a aplicação, não houve uma diminuição signifi cativa da concentração de Gli-fosato da camada de 5 cm para a de 10 cm da superfície. Já a concentração de AMPA caiu pela metade em relação às mesmas camadas. Na camada mais abaixo da superfície, ou seja, de 25 cm, o Glifosato não foi quantifi cado.

TABELA 1– Comparação das concentração de glifosato e AMPA nas amostras de solo em dis-tintas profundidades e épocas de coletas.

Data deColeta

Prof.(cm)

Glifosato AMPA

Conc.(μg/kg)

Conc. (μg/kg)

17/0

6/20

03

(5

dia

s AA

G) 5 11,65 23,96

10 11,46 11,28

25 N.Q. 3,68

27/1

0/20

03(1

37 d

ias

AAG

) 5 10,64 57,65

10 N.Q. 12,46

25 N.Q. 18,59

12/1

2/20

03(5

dia

s AA

G)

5 4,44 27,69

10 N.D. 5,35

25 N.D. 4,30

N.D. – Não detectado na amostraN.Q. – Não quantifi cado na amostra

Para as amostras coletadas em 137 dias após a aplicação, verifi ca-se que o Glifosato é quanti-fi cado somente na camada mais superfi cial do solo, sendo que nas camadas abaixo, a quantifi cação não foi possível devido o mesmo se apresentar abaixo do nível de quantifi cação, enquanto que para o seu metabólito AMPA foi detectado e quantifi cado em todas as camadas. A maior concentração de AMPA se apresenta na camada de 5 cm, havendo uma redução drástica na camada mais profunda.

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Índice de recuperação

Foi feita a fortifi cação com Glifosato e AMPA (triplicata) nas amostras de solo sem histórico de aplicação deste herbicida. Em cada 20 gramas de solo seco de amostra foi adicionado 2μg de Glifosato e AMPA. Os valores das recuperações obtidas, nas diferentes profundidades, estão apresentados na tabela 2. Já a tabela 3 mostra as determinações das análises físico-químicas de caracterização do solo estudado em diferentes profundidades.

TABELA 2 – Recuperação (%) do Glifosato e do AMPA nas amostras de solo de diferentes pro-fundidades.

Profundidade (cm) Glifosato (%) AMPA (%)

5 9,48 22,74

10 6,02 21,89

25 10,40 24,93

TABELA 3 – Análises físico-químicas de caracterização do solo estudado em diferentes profun-didades.

Profundidade(cm)

% de Argila

Fe total(%)

Zn total(mg/kg)

Cu total(mg/kg)

Mg trocável(cmolc/dm3)

5 54 18 242 582 1,8

10 60 22 282 726 2,0

25 63 20 257 665 1,9

A recuperação nas amostras fortifi cadas foi extremamente baixa para o Glifosato, e um pouco mais elevada para o metabólito AMPA, em todos os solos analisados, independente da profundidade. Este comportamento ocorre, provavelmente, devido à forte interação destes compostos com os com-ponentes do solo, tornando a extração do mesmo muito difícil de ser realizada, principalmente para solos com alto teor de argila (MILES e MOYE, 1988). Tal hipótese pode ser reforçada observando que o mais baixo índice de recuperação foi obtido na camada de 10 cm da superfície, onde há os maiores índices de magnésio trocável e ferro, zinco e cobre total.

Analisando os resultados obtidos por cromatografi a líquida, pode-se dizer que o Glifosato se encontra presente, em baixa concentração, nas camadas mais superfi ciais do solo da bacia do Arroio Donato, após mais de quatro meses de sua aplicação. A degradação do mesmo é facilmente verifi cada pela presença do metabólito AMPA nestas camadas, o qual mostrou-se mais persistente, uma vez que foi determinado em concentração superior ao do Glifosato em todas as épocas do ano.

CONCLUSÕESNo presente trabalho estudou-se a contaminação pontual por herbicida Glifosato e seu me-

tabólito AMPA em quatro profundidades no solo da bacia do Arroio Donato, Pejuçara (RS). As quatro profundidades estudadas foram a 5 cm, 10 cm, 25 cm da superfície, em três períodos do ano. O objetivo do estudo foi ter uma noção dos níveis de contaminação de Glifosato e AMPA, a que pro-fundidade do solo os dois compostos lixiviariam e o nível de degradação após a segunda aplicação do herbicida na lavoura.

Com a análise dos dados pode-se concluir que:• Mesmo com a degradação do Glifosato em AMPA, ainda há ocorrência de Glifosato nas cama-

das mais superfi ciais do solo mesmo após mais de quatro meses de sua aplicação.• Os baixos índices de recuperação do solo parecem estar relacionados com a fração granulo-

métrica, ou seja, com os altos teores de argila no solo.• A retenção do Glifosato no solo parece estar relacionada também com os teores de ferro,

zinco, cobre e magnésio. A menor recuperação ocorreu na camada de 10 cm da superfície, onde existe a maior concentração desses elementos.

• O AMPA possui uma maior tendência de percolação no solo, já que é encontrado em todas as profundidades estudadas. Além disso, este é mais persistente, pois foi quantifi cado em todas as coletas realizadas ao longo do ano.

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• Os baixos índices de recuperação tanto do Glifosato quanto do AMPA indicam que a maior parte desses componentes fi ca retido no solo, não sendo acessíveis a extração, podendo ocorrer assim uma contaminação com concentrações bem maiores do que a que foi detec-tada nesta análise.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MILES, Carl J.; MOYE, H. Anson. 1988. Extraction of glyphosate herbicide from soil and clay minerals and determination of residues in soils. Journal of Agriculture and Food Chemistry, Washington, v. 33, p. 486-491.

NIMER, Edmon. 1989. Climatologia do Brasil. 2. ed. Rio de janeiro: IBGE. 421 p.

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Viagem nem tão solitária:peripécias da construção de gênero

Lúcia Regina Ruduit Dias1

Viagem solitária: memórias de um transexual trinta anos depois (Leya, 2011, 336 páginas), de João W. Nery, relata a vida do primeiro transexual brasileiro a passar pelo processo de “mudança de sexo”. Este livro revisa e amplia a trajetória de João já descrita em seu primeiro livro “Erro de pessoa: Joana ou João”, publicado pela editora Record, em 1984, e já esgotado. O livro relata a vida de João e todo seu processo de transformação e de luta para adequar seu corpo à sua identidade de gênero. João nos conduz desde as brincadeiras de criança, o relacionamento com os pais e com as irmãs, perpassando sua adolescência e vida adulta. Os relacionamentos com fi guras marcantes em sua vida, como o educador Darcy Ribeiro ou o amigo e músico Pedro Matheus, além das mulheres e companheiras com as quais se relacionou, são pontos importan-tes e presentes. A história de João nos coloca, ainda, no período de sua vida em que decide fazer a cirurgia conhecida como “mudança de sexo” ou “transgenitalização” em uma época permeada pela ditadura militar brasileira e pela clandestinidade de tal ato, pois esta cirurgia era permitida somente fora do país vindo a ser reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina somente em 1997. É neste momento de sua vida que uma grande ruptura se opera, quando João resolve deixar para trás tudo o que construíra até então: uma identi-dade como psicóloga, professora em três faculdades de psicologia, psicoterapeuta, ou seja, uma identidade feminina. As difi culdades que encontrou ao longo de seu percurso de vida, suas angústias por estar dentro de um corpo que, desde criança, não reconhecia como seu não apagam a delicadeza de um relato de uma vida que nos aproxima do autor e não deixa dúvidas de estarmos transitando pela vida de um homem. João é generoso ao mostrar sua vida, seus percalços, suas difi culdades, mas também suas felicidades, sendo uma delas a de ser pai. Sua trajetória de paternidade contribui para desfazer o mito de que pessoas que não se enquadram nas prescrições heteronormativas de nossa sociedade não são aptas para criarem seus fi lhos e de que estas serão pessoas “desajustadas”, infelizes ou fadadas a transtornos da identidade sexual, classifi ca-ção esta ainda presente na Classifi cação Internacional de Doenças (CID) publicada pela Organização Mundial de Saúde. Obviamente o livro trata da trajetória de um transexual e, sendo assim, nos traz como foco cen-tral as difi culdades que enfrenta uma pessoa que não se enquadra em determinada identidade de gênero. Entretanto, adentrar nas sutilezas dos relacionamentos de João e em detalhes de sua vida faz-nos esquecer, em muitos momentos, tratar-se de uma questão de gênero. Mas isto é uma coisa ruim já que João se dispõe a abrir sua vida em um livro para que sua história sirva a tantos outros e outras que passam por difi culdades idênticas às dele? Não! Pois adentrar na vida de João faz com que nos apartemos da ideia e da sensação de que todos que não estão colocados no campo da heterossexualidade estão no campo do “abjeto” como tão bem nos coloca a fi lósofa estadunidense e ativista gay Judith Butler, que problematiza a constituição bioló-gica da categoria sexo, dissolvendo a dicotomia sexo-gênero. Nos últimos capítulos, João ainda nos oferece um relato de reencontros com outras pessoas que tiveram uma trajetória parecida com a sua. Pais de família e trabalhadores que podem muito bem estar ao nosso lado, trabalhando conosco, estudando conosco, em uma reunião da escola de nossos fi lhos e, muitas vezes, ouvindo muitas pessoas se colocarem contra seus direitos. E é justamente a esta altura de sua escrita que João vai trazendo informações sobre as conquistas da população LGBT. Ele nos situa em relação à teoria queer e a importantes autores como Miguel Missé e Beatriz Preciado, que dão suporte às discussões a respeito dos direitos LGBT. O livro se encerra então com um texto de Simone Ávila, pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina que, não só comenta a trajetória de João, como ainda a situa na conjuntura brasileira de conquistas de direitos de gênero. Uma viagem que não é mais solitária, pois, além de estar compartilhada com os leitores e leitoras de João, é uma viagem que não fala somente de João, como muitos poderiam imaginar, mas de todos e todas nós que passa-mos por inúmeras peripécias para nos constituirmos em seres generifi cados através de uma longa construção e, principalmente, daqueles e daquelas que buscam a desconstrução das normativas de gênero.

1 Professora de psicologia jurídica da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre; pesquisadora no grupo de pesquisa “Trabalho, ética e estética” e no grupo de pesquisa “Saúde e trabalho”, ambos do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS); mestre em psicologia social e institucional pela UFRGS e doutoranda em Psicologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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