5
136 www.backstage.com.br REPORTAGEM Alexandre Coelho [email protected] Retrato A Backstage visitou o ateliê (como ele próprio prefere definir seu estúdio) de Jr Tostoi, no Rio, e descobriu alguns dos segredos que forjam a sonoridade única e contemporânea de sua musicalidade. do Artista Inquieto A lgum incauto espectador que tenha assistido a um show do cantor e compositor Lenine já deve ter ficado intriga- do com uma (nem tão) discreta figura no palco. Pontu- ando as entrelinhas de uma encorpada massa sonora garantida pelo violão do próprio Lenine, pelo baixista Guila e pelo batera Pantico, o guitarrista e violonista Jr Tostoi aparece justamente nos espaços vazios. E de tal forma o músico vai pincelando de detalhes coloridos os arranjos da banda que, sem alarde, se torna impossível não notar sua inventividade. Jr Tostoi faz parte da banda de Lenine desde 1999, quando assumiu o posto que era do guitarrista Pedro Sá durante a turnê do álbum Na Pressão. Ainda que o músico, ao longo deste perí- odo, tenha crescido com a experiência e acrescido seu estilo ao som da banda, a recente experiência da gravação de um DVD acústico foi algo novo na parceria. Mais do que um projeto “di- ferente”, levar a sonoridade essencialmente elétrica das músi- cas de Lenine para um ambiente acústi- co não foi, para a ban- da, uma tarefa fácil de se resolver. “Na gravação, a primeira idéia era não usar na- da plugado. Aí, não deu certo. A bateria ficou vazando nos mi- crofones. Eu queria não plugar mesmo o vi- olão, queria usar mi- crofones captando, mas não funcionou”, conta o músico. Experimen- tações quanto à me- lhor forma de captação à parte, Jr Tostoi tinha muito em que se ocupar no que dizia respeito a levar suas inserções à base de ruídos e exploração de timbres para o terreno dos discos “unplugged”. Com pouco tempo para ensaiar, a primeira opção do guitarrista foi basear boa parte dos novos arranjos em uma craviola de 12 cordas Gianinni, instrumento que poderia conferir uma textura peculiar ao trabalho. Para a gravação do disco, porém, além da craviola e de um vio- lão de nylon de 12 cordas, série luthier, da Gianinni, um ou- tro instrumento viria somar de forma signi- ficativa: um híbrido de guitarra e violão, exclusividade confec- cionada pelo luthier paulistano Márcio Za- ganin para Tostoi. “É um instrumento híbri- do com um captador Jr. Tostoi em seu estúdio Fotos: Alexandre Coelho / Divulgação “Na gravação, a primeira idéia era não usar nada plugado. Aí, não deu certo. A bateria ficou vazando nos microfones. Eu queria não plugar mesmo o violão, queria usar microfones captando, mas não funcionou”

Retrato - Revista Backstage · levando o trabalho adiante. De vez em quando surge uma novidade, como este ano, quando a banda deu início a um projeto que visa a gravar músicas de

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Retrato - Revista Backstage · levando o trabalho adiante. De vez em quando surge uma novidade, como este ano, quando a banda deu início a um projeto que visa a gravar músicas de

136 www.backstage.com.br

REPORTAGEM

Alexandre Coelho

[email protected]

RetratoA Backstage visitou o ateliê (como ele próprio prefere definir seu estúdio)de Jr Tostoi, no Rio, e descobriu alguns dos segredos que forjam asonoridade única e contemporânea de sua musicalidade.

do Artista Inquieto

Algum incauto espectador que tenha assistido a um showdo cantor e compositor Lenine já deve ter ficado intriga-do com uma (nem tão) discreta figura no palco. Pontu-

ando as entrelinhas de uma encorpada massa sonora garantidapelo violão do próprio Lenine, pelo baixista Guila e pelo bateraPantico, o guitarrista e violonista Jr Tostoi aparece justamentenos espaços vazios. E de tal forma o músico vai pincelando dedetalhes coloridos os arranjos da banda que, sem alarde, se tornaimpossível não notar sua inventividade.

Jr Tostoi faz parte da banda de Lenine desde 1999, quandoassumiu o posto que era do guitarrista Pedro Sá durante a turnêdo álbum Na Pressão. Ainda que o músico, ao longo deste perí-odo, tenha crescido com a experiência e acrescido seu estilo aosom da banda, a recente experiência da gravação de um DVDacústico foi algo novo na parceria. Mais do que um projeto “di-ferente”, levar a sonoridade essencialmente elétrica das músi-cas de Lenine paraum ambiente acústi-co não foi, para a ban-da, uma tarefa fácilde se resolver. “Nagravação, a primeiraidéia era não usar na-da plugado. Aí, nãodeu certo. A bateriaficou vazando nos mi-crofones. Eu querianão plugar mesmo o vi-olão, queria usar mi-crofones captando, masnão funcionou”, contao músico. Experimen-tações quanto à me-

lhor forma de captação à parte, Jr Tostoi tinha muito em que seocupar no que dizia respeito a levar suas inserções à base de ruídose exploração de timbres para o terreno dos discos “unplugged”.Com pouco tempo para ensaiar, a primeira opção do guitarrista

foi basear boa parte dos novos arranjos em uma craviola de 12cordas Gianinni, instrumento que poderia conferir uma textura

peculiar ao trabalho.Para a gravação dodisco, porém, além dacraviola e de um vio-lão de nylon de 12cordas, série luthier,da Gianinni, um ou-tro instrumento viriasomar de forma signi-ficativa: um híbridode guitarra e violão,exclusividade confec-cionada pelo luthierpaulistano Márcio Za-ganin para Tostoi. “Éum instrumento híbri-do com um captadorJr. Tostoi em seu estúdio

Fo

tos: A

lexa

nd

re C

oelh

o / D

ivu

lgação

“Na gravação, a primeira idéia era nãousar nada plugado. Aí, não deu certo. Abateria ficou vazando nos microfones.Eu queria não plugar mesmo o violão,queria usar microfones captando, mas

não funcionou”

Page 2: Retrato - Revista Backstage · levando o trabalho adiante. De vez em quando surge uma novidade, como este ano, quando a banda deu início a um projeto que visa a gravar músicas de

138 www.backstage.com.br

REPORTAGEM

Jr Tostoi com a craviola de 12 cordas Gianinni

Guitarra de 12 cordas Zaganin

Guitarra Zaganin

Híbrido guitarra/violão Zaganin

magnético de guitarra e um captadorpiezzo RMC para instrumentos acústicos,que também pode ser MIDI”, explica.

A transposição de arranjos original-mente elétricos para uma roupagemacústica nem sempre é simples de ser fei-ta. Jr Tostoi que o diga. Habituado a em-punhar guitarras como uma telecaster daFender e a tirar tudo o que pode de am-

plificadores como um Vox AC-30 ou umMarshall 6100 valvulado, violões de nylone craviolas pareciam oferecer poucos re-cursos. Curiosamente, porém, depois da gra-vação do DVD acústico e com a subseqüen-te turnê de lançamento, a sonoridade que abanda vem levando para os shows acabajuntando os dois universos, tendência ine-quívoca de uma banda acostumada a to-

Page 3: Retrato - Revista Backstage · levando o trabalho adiante. De vez em quando surge uma novidade, como este ano, quando a banda deu início a um projeto que visa a gravar músicas de

www.backstage.com.br 139

REPORTAGEM

Instrumentos e Amplificadores

Craviola de 12 cordas Gianinni

Híbrido Guitarra/Violão Zaganin (com

captador magnético + um piezzo RMC)

Guitarra de 12 cordas Zaganin

Violão de nylon, série luthier, Gianinni

Guitarra telecaster Zaganin

Guitarra telecaster Fender

Amplificador Vox AC-30

Amplificador Marshall 6100 valvulado

(cabeçote e caixa)

Pedais

Delay Memory Man

Delay DL4, da Line 6

Delay That´s Echo Folks, da MG Music

Setup básico

Delay Echo Farm, da Line 6

Tremolo Voodoo Vibe (tremolo, chorus,

vibrato)

Fuzz oitavador Ultimate Octaver

Pedal FL4, da Line 6

Moogerfooger, do Bobno Moog

Afinador Guitartech

Deley reverb, da Boss

Flanger/Chorus, da TC Eletronics

Envelope, da Digitech

Phase 90, da MXR

Amp Tube, da MXR

Fuzz Mini Muff PI

Mad Dog 2

Drive TS-9, Ibañez

Wah-wah Cry Babe

“Normalmente, o somdo Lenine já é muito

completo deharmonia e ritmo.

Ele tocando violão jádeixa esses doisaspectos bemcompletos”

car “na pressão” e que sempre se sentiu àvontade no palco. “A turnê está mais elétri-ca em relação ao DVD. E, aos poucos, oshow está ficando cada vez mais elétrico. Agente só teve um mês para ensaiar os arran-jos do acústico, não teve muito tempo parapensar. Então, são basicamente os arranjosdo elétrico. E quem mais sofreu com isso fuieu. Mas eu não quis simplesmente pegar a

craviola, plugar na pedaleira e fazer as mes-mas coisas. Senão, não teria graça. Mas nãotem muita diferença do formato elétricopara o ao vivo. De arranjo, de trio tocando,é basicamente a mesma coisa que a gentefazia ao vivo no formato elétrico”, compara.

Mais do que adaptar os arranjos dasversões elétricas para um formato acús-

tico, Jr Tostoi teve que adaptar seu pró-prio estilo ao novo ambiente. Conheci-do por abusar de efeitos e timbres insus-peitos e por ter uma mão direita ao estilo“The Edge”, do U2, o guitarrista sentiunecessidade de fugir um pouco aos pa-drões minimalistas de sua abordagemmusical para “encher” um pouco mais osom da banda. “Normalmente, o som doLenine já é muito completo de harmo-nia e ritmo. Ele tocando violão já deixaesses dois aspectos bem completos. Meulance era meio como pintar um quadroenquanto a banda estava tocando.Agora não, eu estou fazendo mais har-monia, melodia... Mas eu penso comoguitarrista”, diferencia.

Inconfundíveis Texturas

A mão direita nervosa e uma inquieta-ção pela descoberta de novos timbres e pos-sibilidades sempre foram uma constante nacarreira de Tostoi. Sua trajetória não foi di-ferente da maioria dos músicos de sua gera-ção. Começou a tocar ainda na adolescên-cia, aos 13 anos, e sempre teve banda.Quando não estava “ensaiando” com seusamigos no quarto de casa, estava acompa-nhando algum disco de vinil, “tirando” al-guma guitarra. “Essa onda da exploraçãode timbres sempre foi natural em mim”,

Page 4: Retrato - Revista Backstage · levando o trabalho adiante. De vez em quando surge uma novidade, como este ano, quando a banda deu início a um projeto que visa a gravar músicas de

140 www.backstage.com.br

REPORTAGEM

“A gente nuncaparou. Sempre fui

registrandoas coisas, então, tem

muito material.E agora eu estou

a fim de voltar com oVulgue”

Fotos das duas pedaleiras usadas pelo músico em seu setup (mais detalhes no box abaixo)

garante. Foram várias bandas na juventu-de, entre elas a seminal Juliette que, entreoutros, contava em suas fileiras com ocantor BNegão, parceiro musical de Mar-celo D2 no Planet Hemp. Até que em1995 surgiu a oportunidade de fazer partede um trabalho mais profissional, quandoo guitarrista Billy Brandão não pôde fazera turnê do ex-RPM Paulo Ricardo e indi-cou Tostoi para o seu lugar. “Aí eu come-cei a ver, tinha que tirar música dos ou-tros, saber outras coisas”, recorda.

A partir de então, os convites não para-ram. Foram dois anos com Paulo Ricardoe outros tantos trabalhos com Lobão, Mar-celo Bonfá e outros artistas do cenário na-cional. Apesar de “atacar” em trabalhosdistintos, o estilo era o mesmo, sempre vi-sando à exploração de novos timbres e tex-

turas e tocando para a banda, com a gui-tarra mais compondo um mosaico do quesolando à frente do conjunto. “Foi quan-do o Pedro Sá saiu da banda do Lenine e

ele me chamou para o lugar. Eu já haviaproduzido uma faixa do disco Na Pressão eentrei para fazer o final da turnê”, lembra.

A procura por novidades continuavapresente na música de Jr Tostoi, indepen-dentemente de quem o músico estivesseacompanhando. Fosse por meio de conver-sas com os amigos, ouvindo um novo gui-tarrista ou, mais recentemente, pela inter-net, Tostoi sempre esteve ligado em sonsque chegassem aos ouvidos como uma no-vidade. “Eu ouvia discos e ficava tentandosaber como o cara fazia aquilo. E tentavareproduzir. Um cara com quem eu trocavamuita figurinha era o Tom Capone, ele ti-nha muitos pedais, tinha muita coisa”, con-ta, referindo-se ao produtor, morto em umacidente de moto em 2004.

Na construção de sua pequena usina desons, ao longo desses mais de 20 anos decarreira, Jr Tostoi não faz distinção entreequipamentos de série ou modelos exclusi-vos, pedais digitais ou analógicos. Se o“brinquedinho” acrescentar um novo ma-tiz ao quadro que o músico pretende pintar,será devidamente empregado. “Eu sempreuso, basicamente, a mesma pedaleira. Masdependendo do que vou fazer, eu mudo osetup. Certo mesmo é que uso sempredistorção, wah-wah e delay”, revela.

Mesmo com vários itens analógicosem sua pedaleira de estrada, Tostoi nãose fecha ao uso da tecnologia, tanto noestúdio quanto no palco. Ao vivo, o mú-sico lança mão de ferramentas comosamplers e programações, tudo armaze-nado em um laptop. Entre os softwares

usados estão o Digital Performer, queTostoi define como um Pro Tools maisleve e, mais recentemente, o Live. “Esseeu ainda estou estudando, ele é muito usa-do ao vivo. Você joga um loop e ele calculao tempo, conserta... É muito fácil, ele entradireto na linha”, ensina.

Bem antes de qualquer tecnologia, aformação do estilo que o próprio guitarristaclassifica como minimalista começoucedo. Depois dos ídolos da adolescência de

todo guitarrista que se preze - Jimi Hendrix,Van Halen, Jimmy Page -, Jr Tostoi foi en-contrando seu caminho. Aí vieram Rober-to Fripp (King Crimson), Andy Summers(The Police) e The Edge (U2). Atual-mente, porém, Tostoi não hesita em apon-tar seus companheiros de banda como re-ferências óbvias em sua musicalidade. “Écom quem eu mais toco, são minhas mai-ores influências hoje em dia. E o Leninedá muita liberdade para todo mundo.Nesse sentido, mesmo que ele seja ocompositor e já chegue com as músicasprontas, a gente funciona como umabanda”, observa.

Caminhos Paralelos

Quando não está trabalhando com Le-nine, Jr Tostoi está inventando. E um doscanais de expressão da sua própriamusicalidade é a banda Vulgue Tostoi. Otrabalho surgiu em 1995, a reboque da

“Eu ouvia discos eficava tentando saber

como o cara faziaaquilo. E tentava

reproduzir. Um caracom quem eu trocavamuita figurinha era o

Tom Capone”

Page 5: Retrato - Revista Backstage · levando o trabalho adiante. De vez em quando surge uma novidade, como este ano, quando a banda deu início a um projeto que visa a gravar músicas de

www.backstage.com.br 141

REPORTAGEM

amizade com o poeta e artista plásticoMarcelo H. O que era uma brincadeiraentre amigos começou a ganhar corpoaté que virou uma banda “de verdade”,com disco lançado e agenda de shows,como qualquer outra. “Era um projeto,para gravar, não era para ser uma banda.Era para gravar em quatro canais. Naépoca nem havia computador, o primeirodisco foi gravado em adat”, diverte-se.

De tempos em tempos o Vulgue Tostoivolta à cena. As composições vão surgin-do nos espaços vazios da agenda deTostoi e Marcelo H até que num dadomomento são registradas. A dupla convi-da uns amigos para gravar e, assim, vãolevando o trabalho adiante. De vez emquando surge uma novidade, como esteano, quando a banda deu início a umprojeto que visa a gravar músicas de JardsMacalé com a participação do próprio.

Boas novas para quem conhece o VulgueTostoi e estava achando a banda sumida.“Na verdade, a gente nunca parou.

Sempre fui registrando as coisas, então,tem muito material. E agora eu estou afim de voltar com o Vulgue”, adianta. Asgravações, quase artesanais, acontecem no

“ateliê” montado no bairro do Jardim Botâ-nico, no Rio. O híbrido de estúdio e casa, ba-tizado de Ministereo, recebe os amigos, quevão desavisada e descompromissadamentegravar as músicas do Vulgue em clima abso-lutamente informal. Tostoi garante que ogrande lance é deixar os amigos livres paralevarem suas sugestões para o trabalho. “Euquero isso, quero mais idéias, senão é chato.Assim, a galera sempre chega trazendo al-guma novidade”, traduz. Enquanto isso, oMinistereo, misto de estúdio e produtora,segue seus projetos a pleno vapor. Além dodisco do Vulgue Tostoi, estão na agenda asgravações do próximo disco do Otto e docantor Fenix, outro músico do Recife radi-cado no Rio. E assim Jr Tostoi vai tocando avida como guitarrista, produtor, compositor,trazendo para o dia-a-dia prático um coe-rente paralelo com o painel rebuscado desua musicalidade.

“Era um projeto paragravar, não era paraser uma banda. Era

para gravar em quatrocanais. Na época, nemhavia computador, o

primeiro disco foigravado em Adat”