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Resumo Direito da União Europeia Prof. Dra. MARIA LUISA DUARTE – 2011/2012 por Filipe Mimoso e Patrícia Ganhão 1.º. União Europeia e Direito da União Europeia: Terminologia e Enquadramento Desde a criação das três Comunidades Europeias, na década de cinquenta do século XX, a expressão Direito Comunitário tornou-se a fórmula mais comum de designação do conjunto de regras e princípios aplicáveis à existência e ao funcionamento da estrutura comunitária de poder. Com a assinatura da chamada Constituição Europeia, em Outubro de 2004, conquistou algum espaço a designação Direito Constitucional da União Europeia, mas a opção, com o abandono formal do Tratado Constitucional e o retorno ao modelo clássico do tratado internacional através do Tratado de Lisboa, revelar- se-ia, afinal, prematura. A expressão singela União Europeia, completada pela fórmula narrativa de estática e dinâmica da ordem jurídica eurocomunitária, será, quanto a nós, a mais adequada para descrever a nova realidade resultante do Tratado de Lisboa, em particular a extinção da Comunidade Europeia e a afirmação plena da União Europeia. A opção por uma ou outra designação reflecte, basicamente, um determinado critério metodológico e uma certa abordagem do modelo jurídico da integração europeia. A terminologia não é, no Direito, apenas uma questão de gosto ou de preferência pessoal. As expressões mais comuns do Direito Comunitário, Direito das Comunidades Europeias ou Direito da União Europeia assentam sobre o critério finalístico, porquanto se destaca o objectivo da integração como verdadeiro mote jurídico. Entre nos, esta expressão ainda associada aos aspectos jurídicos da integração económica e, nesta medida, não reflecte a pluralidade de fins, alguns deles claramente meta-económicos, que, há muito, passaram a orientar a actuação da União Europeia. Já a formula Direito Constitucional e Direito Administrativo da União privilegia o 1

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Resumo de Direito da União Europeia. - Turma BRegente: Prof. Dra. Maria Luísa DuarteFDL, 2011/2012por: Filipe Braz Mimoso e Patrícia Ganhão

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Resumo Direito da União Europeia

Prof. Dra. MARIA LUISA DUARTE – 2011/2012por Filipe Mimoso e Patrícia Ganhão

1.º. União Europeia e Direito da União Europeia: Terminologia e Enquadramento

Desde a criação das três Comunidades Europeias, na década de cinquenta do século XX, a expressão Direito Comunitário tornou-se a fórmula mais comum de designação do conjunto de regras e princípios aplicáveis à existência e ao funcionamento da estrutura comunitária de poder.

Com a assinatura da chamada Constituição Europeia, em Outubro de 2004, conquistou algum espaço a designação Direito Constitucional da União Europeia, mas a opção, com o abandono formal do Tratado Constitucional e o retorno ao modelo clássico do tratado internacional através do Tratado de Lisboa, revelar-se-ia, afinal, prematura.

A expressão singela União Europeia, completada pela fórmula narrativa de estática e dinâmica da ordem jurídica eurocomunitária, será, quanto a nós, a mais adequada para descrever a nova realidade resultante do Tratado de Lisboa, em particular a extinção da Comunidade Europeia e a afirmação plena da União Europeia.

A opção por uma ou outra designação reflecte, basicamente, um determinado critério metodológico e uma certa abordagem do modelo jurídico da integração europeia. A terminologia não é, no Direito, apenas uma questão de gosto ou de preferência pessoal. As expressões mais comuns do Direito Comunitário, Direito das Comunidades Europeias ou Direito da União Europeia assentam sobre o critério finalístico, porquanto se destaca o objectivo da integração como verdadeiro mote jurídico. Entre nos, esta expressão ainda associada aos aspectos jurídicos da integração económica e, nesta medida, não reflecte a pluralidade de fins, alguns deles claramente meta-económicos, que, há muito, passaram a orientar a actuação da União Europeia. Já a formula Direito Constitucional e Direito Administrativo da União privilegia o conteúdo regulador deste Direito; por outro lado, e será este, porventura, o traço mais distintivo e, em nossa opinião mais discutível, pressupõe uma determinada abordagem politico-ideológica que vê na União Europeia uma pré-formação de Estado, imputando-lhe características típicas da fenomenologia estadual, como sejam a existência de uma constituição e a afirmação de um poder constituinte próprio. A designação Direito Administrativo Comunitário, Direito Administrativo Europeu ou Direito Administrativo da União Europeia não é, seguramente, adequada como sinonimo de direito institucional geral. Note-se, alias, que o direito administrativo na União Europeia adquiriu autonomia no ensino do Direito da União Europeia, referindo-se ao conhecimento “dos princípios e regras que regulam o exercício da função específica de execução administrativa das normas previstas nos tratados institutivos ou adoptados em sua aplicação”.

No novo quadro definido pelo Tratado de Lisboa, que, recorde-se, extinguiu a Comunidade Europeia e eliminou do texto dos Tratados toda e qualquer referência ao termo comunitário e derivados, podermos continuar a falar de Direito Comunitário. Não temos

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dúvidas acerca da suficiência e adequação da expressão Direito da União Europeia para descrever o conjunto de regras e princípios conformadores do estatuto jurídico da União Europeia. A expressão Direito Comunitário designa o direito criado e aplicado segundo o método comunitário que não só sobreviveu ao Tratado de Lisboa como nele se viu reforçado. Sem por em causa a natureza adquirida da expressão comunitário no processo de construção da União Europeia, mas com o objectivo de sublinhar a sua adaptação a esta nova etapa encetada com o Tratado de Lisboa, temos proposto a formula compósita eurocomunitário que, com inteira propriedade, descreve a singularidade do modelo jurídico da União, de génese comunitária e de base europeia.

O Direito da União Europeia não é um ramo do Direito; ele é, com todas as características, um ordenamento jurídico autónomo e pluridimensional. Uma característica identitária do Direito da União Europeia é a sua expansibilidade, de tal modo que, no estádio actual de evolução, deparamos com normas eurocomunitárias sobre os mais variados aspectos da regulação jurídica da vida social. A vocação de crescimento do normativo comunitário é, diríamos, tentacular. A normatividade de fonte comunitária insinuou-se em quase todos os espaços típicos de regulamentação interna.

O Direito da União Europeia designa o conjunto de regras e princípios que regem a existência e o funcionamento da União Europeia.

O Direito da União Europeia, enquanto expressão de uma ordem jurídica própria e autónoma, corresponde a um bloco de legalidade, plural nas suas fontes, abrangente em relação aos destinatários das respectivas normas e muito amplo no seu escopo de regulação material. No conjunto deste universo normativo, podemos distinguir, pelo menos, duas acepções de Direito da União Europeia:

Em sentido lato – o Direito da União Europeia abrange todas as disposições aplicáveis à estrutura institucional da União Europeia, incluindo as regras e princípios definidos pelo decisor eurocomunitário com vista à regulação de aspectos relevantes da vida social, directa e indirectamente relacionados com os objectivos de integração;

Em sentido restrito – o Direito da União Europeia, despido de qualquer outra adjectivação, sói identificar o chamado Direito Institucional, porque relativo ao funcionamento da estrutura decisória da União Europeia.

Nesta obra, a selecção e o tratamento das diferentes matérias seguiu a representação do que entendemos ser, no estádio actual de evolução da União Europeia, o Direito Institucional ou, com maior propriedade, o Direito Funcional, por oposição a Direito Material, da União Europeia, que molda e delimita o exercício das funções da União Europeia, como entidade decisora (função politica, função legislativa, função judicial, função administrativa).

Para melhor vincar o significado da distinção proposta, diremos, então, que a ordem jurídica da União Europeia pode ser representada como uma árvore, dotada de um bem definido sistema radicular, que suporta um tronco forte e robusto a partir do qual se desenvolvem, em crescente multiplicação, ramos de corpo proporcionado à respectiva função vital. Legendando a metáfora da árvore: os valores fundamentais e identitários da União Europeia (comuns a

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todos os Estados membros), tal como descritos pelos Tratados, são as raízes do sistema 1 ; o tronco congrega as regras e princípios aplicáveis ao funcionamento da estrutura decisional da União Europeia (tratados institutivos ou constitutivos); finalmente, os ramos desta árvore imaginária correspondem à metáfora comum dos ramos do Direito, porque identificam as diferentes áreas de regulação material de fonte comunitária (inicialmente com pendor económico; seguidamente de integração política e social; extendeu-se depois a quase todos os domínios do Direito).

1 As raízes representam o modelo de Estado de Direito:- Submissão do poder político à lei;- Representatividade democrática

No nosso estudo, embora centrado nas matérias que, vastas e complexas, se reconduzem à noção do tronco da árvore, não deixaremos de valorizar uma perspectiva de conjunto, com referências, por um lado ao núcleo inspirador e paramétrico dos valores fundamentais e, por outro lado, a certas regras de disciplina material cuja especificidade nos possa ajudar na compreensão da singularidade genética do sistema jurídico da União Europeia.

A “comunitarização” dos ordenamentos jurídicos nacionais, condicionada, mas não travada pelo princípio da subsidiariedade, torna inevitável que o Direito Material da União Europeia, de incidência horizontal, passe a integrar os conteúdos específicos das várias disciplinas jurídicas, de acordo com um princípio fundamental de complementaridade funcional entre o ordenamento comunitário e os ordenamentos nacionais.

O chamado Direito Institucional (Constitucional na versão prospectiva de alguns) compreende o estatuto jurídico do poder na União Europeia, incluindo as matérias relativas aos meios de tutela jurídica (Contencioso da União Europeia) e à protecção dos direitos fundamentais. Esta é uma área do saber jurídico cuja filiação juspublicista não deve suscitar dúvidas.

O Direito da UE coexiste com o DIP e o Direito Interno de cada Estado-membro.O DIP Clássico é Direito Internacional de génese europeia.O Direito Internacional Moderno é de génese extra-europeia.

2. Os Fundamentos Históricos do Desígnio Europeu

A. Até à I Guerra Mundial

A Europa sob o domínio da Roma Imperial

A palavra Europa nasceu com a mitologia. O grego Hesíodo, no poema Teogonia (O Nascimentos dos Deuses), por volta de 700 A.C, terá sido o primeiro autor a referir expressamente o nome Europa.

Os sábios gregos caracterizaram a Europa como um espaço geográfico distinto, que se estendia do Atlântico aos Montes Urais. Limitada pelo Mediterrâneo. Um espaço assimétrico em virtude da sua (in) definição geográfica na relação com a Ásia e, sobretudo, um espaço

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formado de identidades múltiplas, apresentado como um mosaico de paisagens, climas, povos, línguas e culturas (pluralidade e versatilidade).

A geografia não imporia uma individualização continental específica da Europa, uma vez que as suas costas ocidentais e meridionais, que a separam de África e da América, seriam apenas o prolongamento do grande continente asiático – uma espécie de península da Ásia na expressão poética de Paul Valéry. Independentemente da maior ou menor relevância dos “acidentes geográficos” que fundamentam a distinção entre os dois continentes, é importante reconhecer que, na sua origem, a Europa exprime uma vontade de autodeterminação cultural e política.

Um certo paradoxo resulta, afinal, deste continente de geografia incerta, guiado por um código civilizacional tendencialmente comum, seja no que se refere à ascendência cultural (tradição clássica, de origem greco-romana) seja no que se refere à mundividência religiosa (Cristianismo).

A adesão de toda a Europa, desde a Lusitânia, sobre o Atlântico, até aos povos acantonados a leste do Elba, desde a Grécia à Britânia, ao modelo romano de cultura e de civilização, permitiu que num vasto espaço geográfico, sensivelmente coincidente com a Europa Ocidental e Central dos dias de hoje, se desenvolvessem sociedades humanas que embora etnicamente distintas, se subordinaram a leis e instituições comuns. Surge, assim, uma primeira noção política de Europa: uma Europa conquistada, sem dúvida, mas tomada una, depois de submetida pelas legiões romanas, por virtude da superior civilização do conquistador e sobretudo da ordem jurídica com vocação unificadora de que este era portador. A unidade europeia sob o domínio de Roma não haveria, porém, de resistir muito tempo aos factores de desagregação interna e ao assalto das sucessivas vagas de bárbaros que, desencadeadas na periferia, rapidamente convergiram para o coração do Império. (MC)

A Europa sob a égide da Roma papal

Mas, ultrapassada a fase de profundas convulsões que acompanharam e se seguiram à derrocada do Império Romano, é ainda sob a égide de Roma, apoiada agora não na força das legiões mas, antes, no prestígio e autoridade que o Papado romano conseguira salvaguarda e impor, que a Europa vai ser organizada e a sua unidade de civilização preservada.(MC)

Numa Europa, submetida à religião cristã, a Igreja de Roma exerce uma influência e consegue mesmo um acatamento tão generalizado no domínio temporal que mau grado as vicissitudes sofridas ao longo dos séculos, conseguiu impor à Europa uma unidade espiritual e formas de unidade política que ficaram a marcar para sempre a sua história.(MC)

A história multi-secular da Europa cruza-se com uma constante: a procura da unidade, a recondução das partes ao todo. Este desígnio tem sido perseguido por efeito de duas forças, de modo alternativo ou conjugado: a força das armas, que engendra os Impérios (Império Romano; Império de Carlos Magno; Império dos Habsburgos (Sacro Império Romano-Germânico); Império Napoleónico; III Reich) e a força das ideias, alimentada pela visão politica e filosófica de uma escola de pensadores que, ao longo dos tempos e quase sempre em contradição com o pensamento dominante da época, acreditaram na energia propulsora da

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razão dos homens que, a seu tempo, desperta a razão das nações. Na génese da construção europeia prevaleceu a força motivadora das ideias.E, hoje em dia, refere a Regente, também pela força da moeda.

A unidade da Europa apenas tinha ocorrido, principalmente, com a existência de Impérios.

O Império de Carlos Magno surge, neste especial ambiente da Europa Medieval, como uma magnífica representação da «Civitas Dei» na concepção de Santo Agostinho, assente como esteve num vasto território europeu submetido a uma autoridade dual — política e reli-giosa, mas que no topo da hierarquia, na pessoa do Papa, reencontrara transitoriamente uma certa forma de unidade.

De igual modo, o Sacro Império Romano-Germânico conforma-se ainda, em larga medida, com o modelo político de uma Europa unificada sob o signo da Igreja de Cristo.

Neste contexto político-religioso, o movimento das Cruzadas, que dominou um longo período histórico em que eram ainda bem frouxos os conceitos de soberania nacional, apresenta-se como a expressão inequívoca de uma Europa una que, mobilizando as energias colectivas, surge perante os «infiéis» a defender ideias e objectivos comuns a povos e príncipes submetidos todos, espiritual e temporalmente, à autoridade voluntariamente acatada dos Papas de Roma.

A caracterização da Europa como “entidade histórico-cultural e política” terá sido um dos legados do Humanismo renascentista, por oposição ao período medieval que valorizava o sentido geográfico de Europa.

A desvalorização do papel político da Igreja (MC)

Não obstante a vitória alcançada sobre os Imperadores alemães, que permitira reafirmar a soberania temporal da Igreja, esta saiu consideravelmente enfraquecida das lutas que do século X ao século XIII os Papas se viram obrigados a sustentar.

A partir do século XIV é com os Reis de França que se reacende a longa batalha entre o poder de Roma e o poder de Príncipes que, arrogando-se a qualidade de representantes directos de Deus na Terra, pretendiam eximir-se a qualquer ingerência do Papado no domínio temporal.

A Igreja é agora, porém, nesta segunda fase da luta, a grande vencida, com enorme prejuízo do seu anterior poder político e mesmo da influência espiritual que até então exercera.

A transferência dos Papas para Avinhão (1309), o Cisma do Ocidente (1378-1429) e, sobretudo, a Reforma Protestante (1517), representam os momentos culminantes da decadência do prestígio e da autoridade de Roma sobre a Europa Cristã.

O despertar das modernas soberanias europeias e a quebra da unidade política e religiosa da Europa

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As relações entre os diversos Estados europeus são dominadas por um clima de rivalidade permanente a exprimir-se frequentemente em luta armada.

À medida que no quadro das diversas nações europeias se robustece o poder central e se afirma o princípio da unidade nacional, acentua-se o risco de confrontos directos, que o Papado deixara de ter autoridade para arbitrar, entre Estados que emergem, cada vez mais coesos, fortes e senhores dos seus destinos, de complexos processos de integração nacional e de afirmação do poder absoluto dos respectivos soberanos.

As guerras religiosas, que representam um momento crucial do processo de afirmação da independência nacional em face do Papado e de elaboração de um novo mapa político da Europa — dando ocasião a prolongadas e esgotantes provas de força, marcam também a época histórica em que se inicia um esforço sistemático na busca de fórmulas de equilíbrio das potências europeias, independentes e soberanas dentro dos limites territoriais do Estado.

A comunidade da civilização mantém-se certamente. Mas a unidade religiosa e política da Europa, que o Papado preservara durante um milénio, essa parecia definitivamente perdida. (MC)

A Europa evoluiu da contestada unidade política da “Res Publica Christiana” para o período pós-medieval da pluralidade de Estados soberanos. Com o advento do Estado soberano, independente nas relações internacionais, supremo nas relações internas, ficou, definitivamente, prejudicado o ideal de unidade europeia baseada na tutela política do Império ou na autoridade temporal do Papa. Perdurou, contudo, uma tradição de “nostalgia de unidade” que se alimentou, numa primeira fase, das referências à unidade de base religiosa (“Res Publica Christiana”).

A República Cristã foi, de facto, à época um princípio de comunidade internacional.

É preciso, no entanto, estabelecer comparações até aos dias de hoje:O conceito de Sociedade Internacional é assente numa soberania Estadual.As Organizações Internacionais assentam num método Intergovernamental (assente numa mera cooperação e não numa integração de soberanias; mera articulação).No entanto, a Comunidade Internacional que hoje “outra vez” vigora (UE), é aquela em que os Estados abdicam cada vez mais de alguns poderes externos (modelo comunitário, de integração de soberanias: existem entidades supranacionais que decidem no âmbito do interesse comum; existe uma integração de soberanias, com uma entidade supraestadual).O Direito da UE é cada vez mais parâmetro de validade do Direito Interno.

Uma vez concretizada a Reforma e com ela a divisão religiosa da Cristandade ocidental, a “nostalgia de unidade” reinventa-se como imperativo ético e político através de modelos teóricos e idealistas de “paz perpétua”, subordinados ao supremo objectivo de neutralizar e prevenir as guerras fratricidas de conquista territorial entre os Estados europeus. À excepção dos planos, entre outros, de Pierra Dubois (De recuperatione Terrae Sanctae, 1304) e de Dante Alighieri (De Monarquia, 1308), os projectos mis importantes são concebidos para uma Europa

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de soberanias nacionais, cuja referência política e normativa seria ordem jurídica interestadual consagrada pela chamada Paz de Vestefália (1648).

O cumprimento, noutros continentes, de uma «missão de civilização» em que os Estados europeus se auto-investiram, permitiu assim, por algum tempo, preservar a convivência pacífica dos povos da Europa.

O «Balance of Power» e o «Concerto Europeu»

No epílogo da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), conflito de causas políticas e religiosas, a celebração do Tratado de Paz reconhece a igualdade entre Estados soberanos e enquadra o aparecimento de uma pluralidade de Estados independentes em clara ruptura com o paradigma anterior da autoridade partilhada, e disputada, entre o Papa e o Imperador (Sacro Império Romano-Germânico). Dominados por um espírito mais ou menos visionário, são vários os autores que conquistaram o seu lugar na galeria honorífica dos precursores do movimento europeu, uma espécie de “tetravós fundadores” da União Europeia: Antoine Marini (1461), que inspirou Jorge Podiebrad, rei da Boémia com o seu “Pacto Confederal”, com uma proposta de aliança entre os reinos cristãos para travar o avanço dos turcos; Duque de Sully e o “Grande Desígnio” (princípios do século XVII); William Penn e o seu “Ensaio para a paz presente e futura da Europa”, publicado em 1693; Abade Saint-Pierre que publica em 1716-1717 o “Projecto de tratado para fazer com que a paz seja perpétua entre os soberanos cristãos”, obra extensa e difícil que seria mais tarde retomada e divulgada por Jean-Jacques Rousseau através do seu “Extracto do projecto de paz perpétua do Abade de Saint-Pierre e juízo sobre a paz perpétua” (1768); Jeremy Bentham que idealizou um “Plano para a Paz Universal de Perpétua” (1789); Emmanuel Kant que, no acaso da sua vida, escreve “Pela Paz Perpétua” (1795), estudo breve e denso que Grangeia, de imediato, grande notoriedade.

O filósofo alemão sustenta um princípio de paz que não depende apenas da celebração de um pacto de federação entre os Estados europeus (a “Sociedade Europeia” de Saint-Pierre) ou de associação entre os pequenos Estados para contrabalançar a hegemonia dos grandes Estados (Jean-Jacques Rousseau). Kant propõe uma “Federação de Estados livres”, de acordo com o modelo de constituição republicana baseada na separação de poderes e na igualdade perante a lei. O filósofo de Konisberga não se limita a defender um modelo federal. O traço mais distintivo, e notavelmente contemporâneo, da sua proposta é a ênfase que coloca na relação necessária entre a forma democrática do poder estadual e a garantia de paz entre os povos. Advoga ainda a aplicação de um Direito Cosmopolítico, baseado no contrato de livre e permanente associação entre os Estados, tendo como pressuposto o respeito do “estado de direito” por oposição ao “estado de natureza”, e no qual podemos identificar a antevisão do actual Direito Comunitário.

A Paz de Vestefália (1648) faz inscrever no Direito das Gentes o princípio da plena soberania dos Estados que actuam nas relações internacionais como titulares exclusivos do poder e que o exercem de modo livre e unilateral. A conquista passa a ser ilícita.

A política do equilíbrio de forças (“balance of power”), orientada para impedir a prevalência hegemónica de um ou de vários Estados, foi, contudo, responsável pela insegurança permanente das relações entre Estados europeus ao longo dos séculos XVII e

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XVIII. O constante reagrupamento das nações, ao sabor das mais improváveis alianças, deveria impedir um Estado de atingir a supremacia política. A estratégia de alianças entre as Nações mais poderosas reduziu os pequenos Estados ao pagamento do elevado tributo da submissão a desígnios e interesses alheios.

A tentativa napoleónica de unificação do espaço europeu, fruto de um imperialismo apoiado na força de exércitos em movimento através do continente, só por um curto espaço de tempo interrompeu a aplicação, que desde o século XVI vinha a ser ensaiada, dos princípios e regras do «Balance of Power» baseado num sistema de alianças entre potências europeias, cujo eixo podia oscilar por razões conjunturais mas sem alteração profunda do peso das coligações em presença.(MC)

A Santa Aliança, que emerge do Congresso de Viena em que se procedera à liquidação por via diplomática da aventura imperial da França e a política do «Concerto Europeu» que se lhe seguiu, exprimem o pleno triunfo das soberanias nacionais em que o continente se achava retalhado; soberanias que, forçadas a coexistir num estreito quadro geográfico, buscam fórmulas de convivência possível, moderam as irrupções de agressividade ocorridas aqui e além, arbitram autoritariamente, se necessário pela força das armas, os conflitos pontuais a nível interno ou internacional e retocam paulatinamente, atentas ao princípio das nacionalidades, o mapa político da Europa. (MC)

O “Concerto Europeu” assentou em conferências diplomáticas, que serviram como instrumento institucional de prevenção da guerra.

A Revolução Francesa (equilíbrio europeu é quebrado por ela: pela força e pelas ideias) e o desígnio expansionista de Napoleão Bonaparte provocaram uma alteração radial deste modus vivendi: por um lado, as forças francesas pelejaram por toda a Europa com o objectivo de substituir o antigo equilíbrio e, em vez dele, impor a autoridade imperial da França; e, por outro lado, as novas ideias sobre a igualdade e a liberdade como princípios fundadores da sociedade humana mostraram-se tão perigosas para as monarquias europeias quanto o eram os exércitos napoleónicos.

Encerrado o ciclo bélico das invasões napoleónicas, as quatro grandes potências vencedores (Áustria, Inglaterra, Prússia e Rússia) estabeleceram a Santa Aliança. O Congresso de Viena, que reuniu entre Outubro de 1814 e Junho de 1815, consagrou a nova estratégia de coexistência das soberanias nacionais.

Do lado das iniciativas individuais, o século XIX oferece múltiplos exemplos de projectos que revigoram a associação entre o ideário pacifista e a necessidade de congregar as nações e os povos europeus. Neste período da democracia liberal na Europa, são vários os “avós fundadores” da unidade europeia, dos destacamos: 1) Conde de Saint-Simon que, em 1814, preconiza no estudo intitulado “Da Reorganização da Sociedade Europeia” uma Europa de estrutura federal que deveria girar em torno da França, Grã-Bretanha e a futura Alemanha reunificada. Saint-Simon foi, por isto, um precursor da tendência institucionalista que no século XX vigará sob a forma dos Tratados Institutivos das Comunidades Europeias. Como defendera Kant, também Saint-Simon postula o princípio democrático de organização da futura “sociedade europeia”; 2) Benjamin Constant rejeita frontalmente a política de conquista e de

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subjugação militar, bem como a concepção jacobina da nação centralizada; em alternativa, propõe no texto, significativamente designado como “Do espírito da Conquista e da Usurpação nas suas relações com a civilização europeia” (1815), um federalismo assente na União pacifica dos povos europeus e no respeito da liberdade das nações federadas; 3) Ernest Renan sugere em 1870, em plena guerra franco-prussiana, a formação da federação europeia como meio de aproximar as duas nações tradicionalmente antagónicas. Sob esta perspectiva o plano de Renan antecipa algumas das linhas de força que serão apresentadas, oitenta anos depois, através da Declaração Schuman e serão concretizadas com a instituição da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. A veia premonitória de Ernest Renan também se pode vislumbrar na forma veemente como assinala os riscos de uma nação europeia hegemónica, antevendo assim o sentido da História inscrito no epílogo das Duas Grandes Guerras, em particular a segunda, que tornou definitiva a impossibilidade, no plano político, militar e civilizacional, de reeditar a experiencia do império. Numa carta datada de 15 de Setembro de 1871, Renan identificava a Europa como uma “Confederação de Estados reunidos por uma ideia comum de civilização”. Ainda segundo este pensador, importa respeitar a individualidade de cada nação, construída sobre a língua, a raça, a história, a religião, mas também sobre algo que é ainda mais tangível: o consentimento actual, a vontade das diferentes pessoas em viver juntas um determinado projecto político. A importância reconhecida ao consentimento como elemento fundamental de legitimação de qualquer comunidade política será, porventura, o contributo mais duradouro e actual de Ernest Renan para o processo de integração política da Europa – consentimento dos cidadãos no seio dos seus Estados; consentimento dos Estados, de todos os Estados, em relação ao acto fundador da Federação.

A ampla projecção que o movimento federalista europeu conheceu ao longo do século XIX foi ainda devedora da realização de congressos internacionais que atraíram, senão a presença, pelo menos a atenção, da flor da intelectualidade europeia. Em meados de Oitocentos, têm lugar os chamados Congressos da Paz: 1848, em Bruxelas; 1849, em Paris; 1850, em Francoforte; 1851, em Londres.

No congresso de Paris, Vítor Hugo, que colhia na época os louros de um merecido prestigio como poeta e dramaturgo, abriu os trabalhos com um empolgado discurso europeísta: “(…) Um dia virá em que existirão dois grupos imensos, os Estados Unidos da América e os Estados Unidos da Europa (…). No século XX haverá uma nação extraordinária e esta nação terá por capital Paris e não se chamará França, chamar-se-á Europa (…)”. Vítor Hugo, o mais exaltado e eloquente dos profetas da união europeia, não resistiu, contudo, ao apelo do arreigado nacionalismo francês quando visionou Paris como futura capital europeia, quando confiou à França o papel de “nação-mãe” que moldaria a vida e o pensamento dos Estados Unidos da Europa.

Mas existem diferenças entre os “Estados Unidos da Europa” e os Estados Unidos da América que têm que ser definidas:

- As diferentes línguas (várias vs Inglês);- Existe um motivo “federalista” nos E.U.A. - a resistência/libertação do jugo britânico, vertente que nunca existiria tão assumida na Europa, de um inimigo externo comum;- Prevalecem assim as diferenças.

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Em 1889, inicia-se um novo ciclo de assembleias internacionais, os chamados Congressos Universais da Paz, legatários directos da ideia da paz perpétua propalado nos séculos XVII e XVIII e dos congressos de meados do século XIX. No discurso de abertura do Congresso Universal da Paz, que decorreu em Paris em 1889, o apelo é claro no sentido de garantir a paz no Mundo pela via da “união federal da Europa”, de modo a pôr termo à anarquia em que teriam caído as relações entre as nações europeias. Nesse mesmo ano, seria criada a União Interparlamentar (*), destinada a promover a cooperação entre os parlamentos nacionais como veículos privilegiados da ideologia pacifista. Já no século XX, no período entre as duas Grandes Guerras, os Congressos Universais da Paz não terão sido fonte de concepções originais sobre o destino da Europa, mas, o que foi muito relevante para a época, possibilitaram uma divulgação alargada das diferentes correntes europeístas e pacifistas em contraponto à ideologia nacionalista e crescentemente belicista que, pelo menos a partir dos finais da década de vinte, se tornou uma ameaça real de iminência de novo conflito armado.

Nos finais do século XIX, os nacionalismos europeus entraram em rota de colisão. A partilha dos territórios coloniais da África e da Ásia agudizou tradicionais antagonismos e tornou-se um factor permanente de disputa. A pulsão centrífuga dos interesses inconciliáveis suplantou o objectivo de garantir um equilíbrio entre as grandes potências europeias. A derradeira política de alianças acabaria por definir o alinhamento de forças no conflito mundial de 1914-1918: de um lado, o Acordo (Entente) entre a França, a Rússia e a Grã-Bretanha; do outro, a Tripla Aliança entre a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Itália.

(*) A União Inter-Parlamentar (UIP), com sede em Genebra, conta, actualmente, como membros 155 parlamentos nacionais (entre estes, a Assembleia da Republica) e 9 membros associados (parlamentos de organizações internacionais, como a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e o Parlamento Europeu).

B. No período entre as duas Guerras Mundiais

Foi, porém, no período entre as duas guerras mundiais, em pleno século XX, que se assistiu à criação de um clima particularmente favorável à divulgação do velho sonho de unidade política; e a tragédia europeia de 1939-1945 viria a permitir a reposição, em novas bases, de projectos concretos de integração da Europa.

Logo após a guerra de 1914-1918, LUIGI EINAUDI, que viria a ser Presidente da República Italiana, publicava uma primeira mensagem em que expunha a necessidade de congregar os povos europeus que acabavam de sair de uma luta prolongada e cruel e de os solidarizar na construção de uma Europa unida, capaz de desempenhar no mundo o tradicional e eminente papel que historicamente fora e deveria continuar a ser o seu.(MC)

Esta ideia era já então compartilhada por muitos europeus de mérito. Mas os conflitos de interesses desencadeados na altura da assinatura do Tratado de Versalhes contribuíram largamente para exacerbar os nacionalistas reinantes, pouco propícios à aceitação imediata do generoso pensamento de EINAUDI e daqueles que o retomaram, como foi o caso do Conde COUDENHOVE-KALERGI, de HERRIOT, de Loucheur.(MC)

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A Guerra de 1914-1918 elevou a uma escala até então desconhecida todos os horrores resultantes de longos e sangrentos conflitos militares: a morte, a fome, as doenças, a devastação e a desesperança na humanidade do Homem. A tragédia da I Grande Guerra afectou, de modo determinante, as mentalidades e levou, intelectuais e estadistas, a redefinir prioridades. A união da Europa foi mesmo subordinada ao lema “Unir-se ou morrer” (Gaston Riou no livro “Europe, ma Patrie”, publicado em 1928).

A Grande Guerra teve ainda o efeito de apressar o declínio da Europa face aos Estados Unidos da América. No rescaldo das calamidades da I Grande Guerra, germinava o pessimismo europeu.

Foi uma guerra devastadora e com um nível de destruição enorme. Culminou no Armistício (1918) e iria servir de impulsionador dos movimentos Pan-Europeus.

A Sociedade das Nações, criada em Genebra a 10 de Fevereiro de 1920 (com origem no Tratado de Versalhes de 1919), nasceu e viveu enfraquecida pelo paradoxo de uma época de transição: impulsionada pelas ideias e pela vontade do Presidente Woodrow Wilson, este não logrou, contudo, convencer o Senado das vantagens da participação dos Estados Unidos da América na nova Organização. Assim, lançada num período de crescente afirmação internacional deste Estado do outro lado do Atlântico, a Sociedade das Nações, pese embora a sua vocação mundial, acabou por funcionar sob o domínio das potências europeias, em particular a Grã-Bretanha e a França.

A acção de COUDENHOVE-KALERGI

Como acontecera no século XIX, de novo as elites intelectuais assumem uma posição de vanguarda, por vezes marcada por um certo radicalismo político, de defesa da ideia europeia. No início da década de Vinte, contrariando a corrente do pessimismo europeu, numerosas associações e publicações periódicas promovem e divulgam as teses da unidade europeia. Entre estas iniciativas, sobressai distintivamente a obra e a pugnacidade de um Europeu: o Conde Coudenhove-Kalergi.

O Conde COUDENHOVE-KALERGI, jovem aristocrata austro-húngaro, tornou-se o apóstolo da unificação da Europa, tarefa à qual iria consagrar a sua vida. KALERGI tinha várias nacionalidade e portanto uma visão + cosmopolita e – nacionalista.

Os esforços de KALERGI alcançaram resultados encorajadores, sobretudo no tocante à formação de uma opinião pública mais aberta ao anseio de uma Europa unida.

Em consonância com a luta de KALERGI, O então ministro dos Negócios Estrangeiros da França, HERRIOT, lançou em 1925, no Parlamento Francês, um primeiro apelo oficial à união da Europa.

Logo em 1926, diversos economistas e homens de negócios exprimiram a sua adesão à ideia da criação de uma «União Económica e Aduaneira Europeia» cuja designação exprime um objectivo ainda hoje perfeitamente actual na medida em que se considere que uma sólida união económica constitui a base necessária da desejada união política.

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Em 1927, o ministro francês LOUCHEUR propunha, por seu turno, a criação de cartéis europeus do carvão, do aço e dos cereais. Desta forma, no curto espaço de cinco anos haviam sido lançadas as ideias, propostas de actuação e medidas fundamentais de um pro-jecto coerente de integração europeia: acção sobre a opinião pública, especialmente sobre a opinião parlamentar; e utilização da integração económica, ainda que inicialmente restringida a sectores bem delimitados, como instrumento da integração política.(MC)

Em 1923, publicou, em Viena, o seu mais conhecido livro – Paneuropa. A ideia de base que registou no seu diagnostica é a da crise e a da decadência da Europa, ideia que, como vimos, já havia sido assinalada, antes de 1923, por outros pensadores. A terapia que propôs para a doença da Europa consistia na criação de uma nova entidade, a União Paneuropa, que não deveria, contudo, integrar nem a Rússia nem a Grã-Bretanha. A justificação da sua proposta respeitava tanto o objectivo de garantir a paz nas relações entre as nações europeias como a necessidade de assegurar a defesa comum da Europa contra a política hegemónica da Rússia e o poderio económico dos Estados Unidos.

No que se refere aos aspectos jurídico-institucionais, esta União Paneuropa, com sede em Viena e representações nacionais nos Estados-membros, teria um parlamento com duas câmaras (Conselho Federal, formado por um delegado de cada Estado e um Assembleia, composta por delegados designados pelos parlamentos nacionais), um tribunal federal e uma chancelaria controlada pelas duas câmaras. Defendia uma cidadania europeia vinculada à cidadania nacional, fazendo recair sobre a União o dever de respeitar a identidade cultural e nacional dos seus povos.

A obra de Coudenhove-Kalergi tem suscitado reparos no que respeita a uma alegada ambiguidade ou insuficiência das suas propostas sobre a configuração jurídica da Paneuropa e o tema da soberania dos Estados. Na verdade, cumpre admiti-lo, não se trata de um óbice ou lacuna específica do seu programa paneuropeu. O problema relativo à forma jurídica da União, Confederação, Federação ou outra, e a natureza da limitação imposta à soberania dos Estados-membros permanece, até aos nosso dias, como a grande questão em aberto, à qual, e apesar de todos os avanços verificados no sentido da integração politica da Europa comunitária, ainda não foi possível dar uma resposta definitiva.

Historicamente a Confederação é uma forma transitória: geralmente evolui para uma Federação, mas pode regredir se ocorrerem conflitos internos entre Estados dentro da própria Confederação.

A acção de ARISTIDES BRIAND

No período entre guerras, o passo de maior transcendência política foi dado pela proposta francesa de criação de uma federação chamada “União Europeia”, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Aristide Briand.

Após ter sondado vários dos seus colegas europeus sem ter deparado com reservas sérias senão do lado da Grã-Bretanha; após ter conseguido a aprovação da sua iniciativa pelo Parlamento Francês na altura do voto sobre a sua declaração de investidura como Presidente do Conselho; e de ter anunciado as suas intenções em conferência de imprensa,

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BRIAND decide finalmente, em 5 de Setembro de 1929, submeter à Assembleia da SDN o seu projecto de União Europeia.

“Eu julgo que entre povos que estão geograficamente agrupados, como os povos da Europa, deve existir uma espécie de laço federal. É este o laço que eu desejaria esforçar-me por estabelecer…”

A ideia foi aprofundada e desenvolvida num Memorando do Governo francês enviado aos governos europeus e, depois, a 8 de Setembro de 1930, formalmente apresentado à Sociedade das Nações.

A proposta de BRIAND era sem dúvida bastante equívoca, na medida em que não é fácil ver como um laço federal entre Estados Europeus poderia ser compatibilizado com o total respeito da soberania dos Estados-Membros da organização a constituir. Mas, não obstante esta formulação prudente, as propostas de BRIAND foram acolhidas, após um primeiro movimento de simpatia, se não mesmo de entusiasmo, com grandes reservas, manifestadas sobretudo por parte da Grã-Bretanha. (MC)

Ou seja, a ideia de um Estado Federal para a Europa – um “Estado de Estados” (um Estado composto).

O plano francês repousava, sobre a ideia algo vaga de criar uma “espécie de vínculo federal”. A sua concretização suporia a aprovação de um pacto constituinte da “União Europeia”, com uma Conferencia Europeia, representativa de todos os Estados, um Comité Político Permanente, como órgão executivo, e um Secretariado. A união deveria basear-se no respeito da independência e soberania nacional de cada um dos seus Estados. Esta garantia sobre a intangibilidade das soberanias dos Estados visaria, certamente, sossegar os defensores da causa nacional, a começar pela própria opinião pública francesa, mas era, do ponto de vista político e jurídico, uma contradição insanável. Qualquer fórmula de união federal pressupõe e implica uma limitação efectiva de parcelas fundamentais da soberania, o que conduz a uma transformação do Estado soberano em Estado semi-soberano ou não-soberano. A relação necessária que se estabelece entre a instituição da federação e a perda da soberania é um dado objectivo, largamente comprovado pelas múltiplas experiencias de Estados Federais que nos é dado observar através do Direito Constitucional Comparado. Em suma: não existe, nem poderá existir, união federal de Estados soberanos.

Ou seja, assentava numa defesa contraditória de um vínculo federal na Europa:Federação de Estados vs Soberania Estadual.

Consequências da Federação: Criação de Estado supra-nacional.

A proposta francesa de 1930, contudo, maior realismo quando se refere à vertente económica da União. Esta deveria promover “a aproximação das economias dos Estados europeus, realizada sob a responsabilidade política dos governos solidários”.

Antes de 1930, já o objectivo económico do projecto de unidade europeia mobilizara esforços e vontades: em 1925, surge a “União Aduaneira Europeia”, gizada por conhecidos peritos com o intento de tornar possível a criação de um grande mercado livre, aberto à

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circulação de pessoas, mercadorias e capitais. Em 1926, fora criada a “Associação para a União Económica Europeia”, presidida pelo insigne economista francês Charles Gide. O próprio Coudenhove-Kalergi criou um “Conselho Económico Paneuropeu franco-alemão”.

As propostas no sentido de lançar uma união aduaneira e fundar as relações comerciais entre as nações europeias sobre uma base de livre comércio eram potenciadas pelo duplo objectivo de, por um lado, proteger a economia europeia e, por outro lado, garantir a sua maior competitividade na relação com o crescente poderio económico dos Estados Unidos da América.

A crise económica dos anos 30 e o triunfo dos regimes autoritários de inspiração nacionalista baldaram qualquer possibilidade de concretização da proposta francesa, se é que uma tal possibilidade chegou a existir no plano estritamente político-diplomático.

Em todo o caso, a percepção que temos, hoje, dos projectos federativos da década de Vinte põe em evidência dos aspectos só aparentemente contraditórios: por um lado, traduzem um certo idealismo político que não teve verdadeiro eco fora dos círculos intelectuais e diplomáticos; por outro lado, lançam determinadas ideias, como é a da cidadania europeia, e desenvolvem uma perspectiva a partir da dinâmica económica que, mais tarde, estarão na base da criação e aprofundamento das Comunidades Europeias. Com razão afirmava Henri Brugmans que “num empreendimento como o da união europeia só os visionários são realistas”.

Entre 1930 e II Grande Guerra, a ideia da União politica na Europa soçobrou perante acontecimentos tão adversos como a crise económica e social e, em particular, a ascensão ao poder do partido nacional-socialista na Alemanha e a politica de agressão militar e conquista prosseguida pela Itália, Alemanha e União Soviética.

De qualquer modo, a proposta de BRIAND não surgiu no melhor momento. Apanhada na lenta e entorpecedora engrenagem da SDN, só em Setembro de 1930 veio a ser designada uma «Comissão para o Estudo da União Europeia» presidida pelo próprio BRIAND que nela trabalhou devotadamente durante dois anos.

Mas em fins de 1932 BRIAND morre; no ano imediato, HITLER conquista o poder na Alemanha, consolidando assim o triunfo de um ideário inspirado num nacionalismo exacerbado e agressivo, oposto a qualquer projecto de unidade europeia assente na livre expressão da vontade dos diversos povos da Europa.

Mesmo aos mais optimistas a iniciativa de A. BRJAND aparecia como uma ideia morta; bem morta, sobretudo, quando começaram a manifestar-se no quadro europeu iniciativas alemãs que eram o claro prenúncio de uma nova guerra. (MC)

C. Depois da II Guerra Mundial

A situação da Europa no termo da II Guerra Mundial

A situação económica - Quando a guerra chega ao seu termo, após seis anos de luta devastadora e sangrenta, a Europa não é mais do que um vasto campo de ruínas: exausta

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espiritualmente, dividida por ódios indizíveis, profundamente endividada e economicamente destroçada, defronta-se com a necessidade imediata de um ingente esforço de recuperação da sua capacidade de produção, destinado antes de mais a alojar, vestir e alimentar populações carecidas de meios para satisfazer necessidades elementares.

Mas o aparelho europeu de produção, que durante seis anos fora em larga escala posto ao serviço do esforço de guerra ou destruído no decurso das hostilidades, não dispunha de equipamentos, nem de capital, nem de matérias-primas que lhe permitissem retomar a actividade normal. Ou seja, a Europa saiu fragilizada, devastada economicamente.

A situação política - A par disso, o desfecho da guerra determinara a ocupação, pelos exércitos soviéticos, não só de uma vasta parcela do território alemão, como igualmente dos países da Europa do Leste e da Europa Balcânica. Submetidos a apertado controlo, que permitiu a subida ao poder de governos constituídos por elementos favoráveis aos desígnios soviéticos, esses Estados viram-se forçados a modelar a sua vida política, económica e social, bem como as suas próprias relações exteriores, na conformidade da vontade e da própria imagem do ocupante; e a assumir rapidamente, tanto no plano interno como na cena internacional, a fisionomia e o comportamento de estados satélites de Moscovo.

Mas os propósitos expansionistas da União Soviética parecia não se limitarem ao espaço europeu que a sorte das operações militares colocara directamente sob o seu domínio. Durante a guerra, haviam emergido dos quadros da resistência ao ocupante nazi, nos países do Ocidente Europeu, fortes e bem organizados partidos comunistas que, após o termo do conflito, tentaram apossar-se do poder pela força (como sucedeu na Grécia onde só com auxílio exterior foi possível ao govemo legal dominar, após prolongada luta, a rebelião armada) ou pelo menos participar no seu exercício (como se verificou na França, onde o Partido Comunista cedo veio a revelar-se como o mais forte, disciplinado e combativo dos partidos franceses). Também na Itália, o predomínio eleitoral da democracia cristã não impedia que o Partido Comunista, numeroso e bem estruturado, representasse uma ameaça permanente para as instituições democráticas.

Cada um dos Estados do Ocidente Europeu sentia-se, pois, politicamente minado e ameaçado, no interior das suas próprias fronteiras, por uma «quinta coluna» soviética.

A situação militar - Por outro lado, as tropas soviéticas achavam-se a poucas horas de marcha das fronteiras francesas, e a Europa Ocidental sabia-se militarmente indefesa: os E.UA. haviam retirado, logo após o fim da guerra, mantendo no Continente Europeu forças pouco mais do que simbólicas a afirmar o seu direito de ocupação da Alemanha; a Grã-Bretanha, única potência europeia a dispor, no termo do conflito, de forças armadas eficazes, desmobilizara-as rapidamente. O resto da Europa do Ocidente não representava, militarmente, mais do que uma soma de fraquezas. Os desígnios hegemónicos da União Soviética — bem expressos no domínio total (militar, político e económico) a que sujeitara os países de Leste — faziam deste modo pesar sobre a Europa Ocidental uma ameaça permanente. (Esta parte sobre a situaão da europa na altura foi retirada do MC)

Ou seja, a 2ª GM traduziu-se, politicamente e militarmente, na perda de hegemonia dos países europeus.

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A palavra de ordem: «Construir a Europa»

Nestas condições, os europeus mais lúcidos sentem que a Europa só poderá fazer face à ameaça que sobre ela impende se conseguir organizar-se e fortalecer-se na unidade. «Construir a Europa» passa, por isso, a ser a palavra de ordem.

A sujeição dos povos da Europa ao domínio alemão dera com efeito origem a contactos e favorecera a aproximação, no exílio, de dirigentes dos países subjugados, criando-se entre eles um estado de espirito que muito contribuiu para a aceitação, após o termo das hostilidades, de novos arranjos políticos e económicos. Ganhara-se consciência de que, isolados, os pequenos países eram particularmente vulneráveis à agressão; e que as dificuldades que iriam verificar-se no após-guerra, sobretudo no campo económico e social, exigiam soluções inovadoras de que todos pudessem tirar proveito.

Foi assim, por exemplo, que o projecto da criação do BENELUX, união aduaneira entre a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo, nasceu em Londres, durante a guerra, dos contactos entre os dirigentes exilados destes três países. (MC)

Assim sendo, um projecto concreto de unificação triunfa, em plena guerra: os governos no exílio da Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo assinam em Londres, a 5 de Setembro de 1944, o Tratado da União Aduaneira, fundamento jurídico de uma união económica que começaria a funcionar em 1948 e se mantém até aos nossos dias (BENELUX).

Terminada a guerra, a retórica europeísta é retomada no célebre discurso de Winston Churchill de 19 de Setembro de 1946, na cidade helvética de Zurique. Depois de evocar o drama do conflito que devastou toda a Europa, Churchill prescreve o que designa como “remédio supremo”: dotar a família europeia “de uma estrutura que lhe permita viver e crescer em paz, em segurança e em liberdade. Devemos criar uma espécie de Estados Unidos da Europa (…). O primeiro passo a dar é criar um Conselho da Europa”. Neste celebrado discurso, Churchill referiu-se ao seu país como “amigo e protector da nova Europa”, apartando assim a hipótese de participação do Reino Unido no plano de integração política europeia. Em Maio de 1953, a propósito da recusa britânica em apoiar a projectada, e depois gorada, Comunidade Europeia da Defesa, Churchill resumia numa frase a posição da Grã-Bretanha em relação ao desígnio europeu e que, em larga medida, ainda nos ajuda a compreender o percurso do Reino Unido, já como Estado-membro, desde 1973 até à actualidade: “We are with them, but we are no tone of them…”. A atávica desconfiança da Inglaterra relativamente aos Estados europeus do Continente, especialmente a França, resumida nesta frase.

Churchill defendia os “Estados Unidos da Europa”, que deviam servir como reconciliação entre a Alemanha e a França.O Reino Unido tinha uma forte ligação comercial, com todas as suas colónias (que não queria partilhar com os restantes países europeus).Churchill propunha essa “Federação” para os Europeus mas não para o UK.

Os anos de 1947 e 1948 registam um conjunto de acontecimentos que, de modo consequente e directo, vão estar na origem do processo que há-de culminar em 1951 na criação pelo Tratado de Paris da primeira Comunidade Europeia.

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Em 5 de Junho de 1947, o Secretário de Estado norte-americano, o General George Catlett Marshall, avançou com um plano de ajuda económica à reconstrução europeia. Este programa de ajuda económica foi condicionado à existência de um acordo entre os Estados europeus sobre as necessidades de desenvolvimento, com a definição de um plano adequado de aplicação e repartição dos fundos financeiros disponibilizados.

No mês seguinte, a proposta foi aceite por 16 Estados, reunidos em Paris. A administração do plano foi confiada à Organização Europeia de Cooperação Económica (OECE), fundada em 16 de Abril de 1948.

O Plano Marshall (ver também pág. 27) não só proporcionou a recuperação das económicas europeias e a reorganização das suas estruturas produtivas e comerciais, como, atendendo à gestão europeia do Plano, criou novos laços institucionais de cooperação e solidariedade política entre os Estados europeus.

O Plano Marshall (baseado na doutrina Truman, presidente dos EUA), pós 2ª GM foi assim:- Plano de auxílio para a reconstrução europeia;- Impedir a expansão do comunismo através do bloco soviético;- Liberalização do mercado económico, entre os países europeus;- Exigem a reconciliação entre a França e a Alemanha.

No entanto, a opinião pública francesa era avessa a “dar a mão” aos alemães, com medo que que este recuperassem os seu poder militar e industrial.

O Congresso da Haia

Entre 7 e 11 de Abril de 1948, a cidade de Haia acolheu o chamado Congresso da Europa que reuniu mais de 700 delegados, representantes as múltiplas correntes do movimento pró-europeu.

Os debates foram dominados pela oposição entre “unionistas”, corrente formada, na sua maioria, pode delegados britânicos, e “federalistas”, com forte apoio entre os delegados franceses, italianos, belgas, holandeses e, no que respeita a categorias sociais, entre os sindicalistas.

De um modo sumário, que não reflecte as várias sensibilidades dentro de uma e outra corrente e, bem assim, a especificidade de certas posições individuais:

os “unionistas” aparentemente mais realista ou mais prudente, agrupava os que, hostis aos abandonos de soberania por parte dos Estados, parecia acreditarem, sobretudo, nas vantagens dos contactos intergovemamentais e insistiam em que o objectivo último da unificação da Europa deveria ser alcançado progressivamente, através de uma cooperação cada vez mais estreita entre Estados soberano- acreditavam ainda na suficiência da cooperação intergovernamental; Ou seja, instituições de cooperação clássicas.

os “federalistas” sonhavam com uma integração de natureza federal. Mantendo-se fiel a uma concepção fortemente arreigada, os “federalistas” insistem no paralelismo,

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politico, jurídico e institucional, entre a unificação europeia e as mais conhecidas e bem sucedidas experiências federais, mormente a união aduaneira alemã de 1834 (Zollverein) e a Confederação Germânica de 1818-1866 que antecederam a unificação alemã; evocam, em particular, o exemplo dos Estados Unidos da América. Em 1948, o sonho antigo de um século sobre os Estados Unidos da Europa era, como em certa medida ainda o é, um exercício retórico, uma adesão emocional a um modelo de associação de Estados que não se coaduna com a realidade europeia de Estado-nação. Ou seja, a instituição de Estados europeus através de uma federação; integração de soberanias num poder central.

O Federalismo era defendido pela França.O Unionismo era defendido pela Inglaterra (Churchill).

O consenso possível no Congresso da Europa permitiu a aprovação de uma moção final. No plano político, reclamava-se a convocação de uma Assembleia Europeia, eleita pelos parlamentos nacionais, que deveria analisar e aprovar as medidas adequadas à criação de uma União (confederação) ou de uma Federação. Também se preconizava a instituição de um Tribunal que iria assegurar o respeito de uma carta europeia de Direitos do Homem. No plano económico-social, ficou expressa a necessidade de realizar a união aduaneira, acompanhada da livre circulação de capitais e da unificação monetária.

A respeito da natureza não governamental do Congresso da Europa, esta iniciativa gerou uma dinâmica que mobilizou as vontades dos homens de Estado e os esforços das chancelarias europeias, constituindo, por esta razão, o ponto de partida para a criação de organizações europeias nos anos seguintes, embora de matriz distinta: em 1949, o Conselho da Europa concretizava as aspirações da ala “unionista”; em 1951, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) vai ao encontro da corrente “federalista”, que, abandonando o anterior radicalismo político, se convertera ao método funcionalista (que defende o Federalismo a prazo e defende a integração económica, em que o que interessa é o fim, passos pequenos para a construção de uma Europa federativa).

Unidos por um compartilhado apego a uma ideia-mito e animados todos do mesmo empenho em fazer avançar o processo, os congressistas de Haia souberam habilmente camuflar as suas divergências doutrinais e chegar a uma moção final que seria votada por unanimidade e que, uma vez apreciada pelos responsáveis políticos dos Estados da Europa, permitiria a estes avançar numa das possíveis direcções.

A par da aprovação desta moção — que não obstante a falta de unanimidade dos pontos de vista expressos no Congresso constituiu um indiscutível êxito, na medida em que se conseguira alcançar um hábil compromisso entre as diversas correntes de opinião — os congressistas decidiram a criação de um «Comité para a Europa Unida» sob cuja égide a maior parte dos movimentos pró-europeus acabaria, em 1948, por se federar no seio do «MOVIMENTO EUROPEU».

A opinião pública europeia estava já, nesta altura, perfeitamente alertada e preparada para os esforços concretos, no sentido da edificação da Europa, que iriam desenvolver-se em duas frentes: a da cooperação — no pleno respeito da soberania dos Estados europeus; e a

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da integração — que acabaria por se impor — tendente à instituição entre os Estados participantes de um embrião de laço federal vocacionado para congregar um dia, no quadro dos Estados Unidos da Europa, um grupo de países que ao longo dos séculos se haviam periodicamente enfrentado nos campos de batalha. (MC)

A estrutura institucional e a natureza dos poderes confiados ao Conselho da Europa exprimem uma opção clara pela cooperação de tipo intergovernamental: apenas o Conselho de Ministros, composto pelos representantes dos Estados, dispõe de limitados poderes de decisão; a Assembleia Consultiva, que constitui o traço de maior originalidade do Conselho, ficou confinada, por imposição britânica, à condição de órgão consultivo, desprovida de poderes normativos ou de fiscalização política.

Com sede em Estrasburgo, escolha que visou consagrar o novo relacionamento franco-alemão, o Conselho da Europa é uma organização de cooperação política que centrou a sua actuação na promoção e defesa dos valores relacionados com o sistema da democracia representativa e com os princípios fundamentais da liberdade individual, da liberdade política e do primado do Direito, se é certo que o Conselho da Europa ficou aquém das expectativas geradas em torno da sua criação, e para cuja relativa frustração contribuiu de modo decisivo o êxito do método comunitário de integração a partir de 1952, não é menos verdade que o seu papel convoca duas notas de particular reconhecimento:

1) A proclamação e garantia dos Direitos do Homem, por via da assinatura em 1950 da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, com a instituição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem; (há que referir que esta Convenção ocorreu em consequência da entrada em vigor da Carta das Nações Unidas, em 1945).

2) A sua função, recortada pela prática politica, de antecâmara de adesão às Comunidades Europeias, submetendo os Estados neófitos em experiencia democrática a um controlo (pré e pós-admissão ao Conselho da Europa) que constitui uma espécie de certificado de autenticidade da verdadeira democracia (Preâmbulo do Estatuto) e do respeito pelos Direitos do Homem.

Alargado a 47 Estados, o Conselho da Europa incarna o ideal político da Grande Europa que se afirma em torno de uma representação comum de valores e de herança cultural. Nesta organização europeia de natureza intergovernamental dominam os objectivos de cooperação politica e, nesta perspectiva, o Conselho da Europa, numa primeira fase, garantiu o necessário enquadramento politico às Comunidades Europeias de âmbito económico e, numa segunda fase, posterior à criação da União Europeia em 1993, facilitou a articulação entre os dois espaços europeus, parcialmente sobrepostos, de conformação da vertente política das soberanias dos Estados europeus: a Grande Europa, formada por 47 Estados, do Atlântico aos Urais, e a Pequena Europa dos 27 Estados que integram a União Europeia.

A criação do Conselho da Europa pelo Tratado de Londres de 5 de Maio de 1949 consagrou a ruptura definitiva entre a corrente “unionista” e a corrente “federalista”. Os paladinos de uma Europa federal, como Jean Monnet, tomam consciência do distanciamento assumido pelo Reino Unido e pelos Estados nórdicos em relação ao projecto federal e, por

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outro lado, reconhecendo a impossibilidade de enveredar de imediato pela integração política, passam a defender uma estratégia que confere prioridade à componente económica sobre a componente política no processo de integração europeia. Abre-se, assim, caminho para a criação das Comunidades Europeias.

Notas complementares:

A história do processo de construção europeia é apenas uma etapa da longa história da Europa como entidade politica e cultural. Com o objectivo de sistematizar a evolução do projecto de unidade europeia, propomos a divisão em três períodos:

1) Dos primórdios até à I Grande Guerra (a pré-história da União Europeia);

2) Do Tratado de Versalhes até ao final da década de quarenta do século passado (a proto-história da União Europeia);

3) De 9 de Maio de 1950, data de divulgação da Declaração Shuman, até aos nossos dias (a história da União Europeia).

A expressão “Estados Unidos da Europa” – cuja paternidade se atribui aos escritores italianos Cattaneo e Gioberti no Congresso da Paz, realizado em Bruxelas no ano de 1848, mas verdadeiramente projectada para a ribalta do debate europeu por Vítor Hugo, um ano depois, no Congresso de Paris, conhece no período entre as duas Grandes Guerras uma assinalável aceitação junto da elite intelectual pró-europeia.

Richard Coudenhove-Kalergi nasceu no Japão, filho de um diplomata austro-húngaro de ascendência grega e holandesa. A sua origem aristocrática entronca na nobreza austríaca (os Coudenhove) e veneziana (os Calergi). Estudou no ambiente cosmopolita e aristocrático do império austro-húngaro em declínio. Austríaco por nascimento e checo em virtude do Tratado de Saint-Germain, acabaria por se naturalizar francês em 1939. A sua profissão de fé no ideal europeu não será, seguramente, alheia à influência cosmopolita de um percurso pessoal marcado por acontecimentos que o vincularam a várias comunidades nacionais, propiciando uma simbiose perfeita de cidadania europeia.

Em 1947, Coudenhove-Kalergi, o paladino do movimento paneuropeu, promoveu a criação da União Parlamentar Europeia, integrada por membros dos parlamentos de diferentes Estados europeus, embrião dos futuros órgãos parlamentares da Europa: primeiro, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, depois o Parlamento Europeu das Comunidades Europeias.

A importância reconhecida nos projectos europeístas dos anos Vinte à dimensão aduaneira e económica de um futuro modelo de Europa unida entronca na experiencia histórica alemã da união aduaneira (Zollverein). Criada em 1834 com a participação de 18 Estados alemães, aos quais se juntaram depois outros, a Zollverein institui um regime de livre comércio entre os Estados participantes, com isenção de direitos aduaneiros. A Zollverein tornou possível um maior desenvolvimento de circulação de mercadorias e pessoas e deu um impulso decisivo ao sector industrial emergente. O inegável sucesso da Zollverein esteve na

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base da integração económica dos Estados alemães que culminou na unificação política em 1870, seguida da unificação monetária em 1871.

A ideologia nacional-socialista utilizou a ideia de uma “Europa ameaçada” para legitimar a sua política de agressão. Em Maio de 1941, Hitler sentenciava: “(…)esta não é uma guerra como as outras guerras, é uma revolução da qual sairá uma nova Europa, reorganizada e próspera”. Um dos mais proeminentes teóricos desta “Europa reorganizada” sob tutela nazi foi Carl Schmitt que publicou em 1939 e uma obra intitulada A teoria dos Grandes Espaços com Estado Director. Nela propunha a associação dos Estados europeus em torno da Alemanha que, na qualidade de Estado Director, faria frente ao inimigo bolchevique. Esta concepção fundamentou o Pacto tripartido de Berlim, de 27 de Setembro de 1940, que previa uma “nova ordem” na Europa sob a direcção da Alemanha e da Itália e, para o grande espaço asiático, do Japão.

3.º A Criação das Comunidades Europeias

A criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço

A questão alemã

Vencida em 1945, a Alemanha, destroçada, dividida, privada mesmo de instituições representativas do Estado — não tivera qualquer intervenção nos esforços de construção europeia nem fora admitida a participar nos diversos acordos que haviam permitido dar-lhe expressão jurídica.

A evolução da situação política na Europa e no mundo, que já obrigara os países europeus vencedores da II Guerra Mundial a refazer o seu sistema de alianças militares, ia porém aconselhá-los a ter em conta a existência da Alemanha Ocidental, subtraída ao domínio russo e que graças ao generoso auxílio americano iniciara uma fase de prodigiosa recuperação económica que em breve levaria o mundo surpreendido a falar do «milagre alemão».

Em Setembro de 1949, fora proclamada a República Federal da Alemanha. A recuperação da economia alemã, conjugada com a definição da sua estrutura jurídico-institucional (Lei Fundamental de Bona), fizeram renascer a Alemanha Ocidental na cena internacional, com o apoio dos Estados Unidos da América. Ao mesmo tempo, aumentavam os sinais de alarme em França sobre as implicações futuras desta recuperação rápida e tão bem apadrinhada. (MC)

Situada no coração da Europa, da qual sempre constituiu uma parcela essencial, a Alemanha não podia mais ser ignorada nem excluída das grandes correntes do movimento europeu, sob pena de se criar uma situação anómala e cheia de riscos para uma Europa que nunca poderia considerar-se verdadeiramente integrada enquanto dela estivesse ausente a grande nação germânica.(mc)

A FASE DA INTEGRAÇÃO

DA DECLARAÇÃO SCHUMAN AOS TRATADOS DE PARIS E DE ROMA

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A adesão à proposta francesa

Uma iniciativa ousada: a Declaração SCHUMAN (MÉTODO FUNCIONALISTA)

O passo decisivo que pôs em marcha o processo de integração europeia, conducente à criação da CECA, a primeira das três Comunidades, foi a histórica Declaração Shuman.

A 9 de Maio de 1950, na Sala do Relógio do Quai d’Orsay, Robert Schuman, ministro francês dos Negócios Estrangeiros, anunciou um plano que, tendo passado para a História ligado ao seu nome, teria sido concebido por Jean Monnet e elaborado com a ajuda de Etienne Hirsh, Pierre Uni e, em particular, Paul Reuter.

Tal solução, que teria por efeito imediato permitir o controlo bilateral da produção de matérias-primas fundamentais para o desenvolvimento de qualquer futuro esforço de guerra ou prossecução de objectivos de domínio económico, consistia em «colocar o conjunto da produção franco-alemã do carvão e do aço sob o controlo de uma alta autoridade comum, numa organização aberta à participação de outros países da Europa».

Para além disso, as propostas contidas na declaração Schuman correspondiam com grande oportunidade, clarividência e audácia, a três acutilantes questões com que a Europa se defrontava no início dos anos 50:

a questão económica — resultante da necessidade urgente de reorganizar a siderurgia europeia e, em geral, as indústrias de base;

a questão política — vital para a paz da Europa, como CHURCHILL lucidamente pusera em relevo no seu célebre discurso de Zurich, que consistia na necessidade imperiosa de regular em novas bases, adequadas a eliminar as causas de novos conflitos san-grentos, as relações franco-alemãs; e

a questão mais ampla da unificação europeia, que exigia a superação de fórmulas tradicionais de simples cooperação, manifestamente incapazes de promover a integração da Europa Ocidental.(mc)

O plano Shuman repousava sobre:

Um objectivo imediato de reconciliação franco-alemã e, para este efeito, propunha a gestão em comum do carvão e do aço. Com a gestão destes dois produtos estratégicos subordinada aos poderes da Alta Autoridade, resolver-se-ia o problema premente dos níveis de produção da vasta região mineira do Ruhr e, aspecto de importância maior, submeter-se-ia a um controlo comum as condições de produção e de circulação de dois produtos que, tradicionalmente, alimentavam o esforço de guerra. Ou seja, a criação de uma autoridade comum, ceja competência seria a de gerir a comercialização de duas matérias-primas estratégicas: o carvão e o aço (e também de “enquadrar” a Alemanha).

Um outro objectivo, este de realização mediata, mas muito mais ambicioso, ficou para sempre associado à Declaração Schuman: a criação da federação europeia. As condicionantes deste objectivo foram expostas e para lhe dar uma resposta eficaz, que falhara até então, foi aventado um novo método de integração: “A Europa não se fará

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de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realização concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto”

Em relação à proposta sobre a gestão comum do carvão e do aço, o Plano Schuman retoma ideias que eram conhecidas e objecto de estudo desde 1943. Em 1944, em entrevista concedida à revista norte-americana Fortune, Jean Monnet referia-se a um modelo de gestão conjunta da indústria pesada franco-alemã, mediante a transferência de poderes de soberania e a criação de um grande mercado. Ou seja, que comece pela integração económica.

A proposta de criação de uma federação europeia também não trazia consigo o rasgo da inovação. Há mais de um século, a unidade europeia era pensada e preconizada sob diferentes modelos organizatórios, com a particularidade de quase todos eles reproduzirem o paradigma federal. Na verdade, o genuíno toque de inspiração do Plano Schuman reside no método proposto, é o chamado método de integração funcionalista ou comunitário ou dos “pequenos passos” (alternativa ao método clássico: Intergovernamental e Federalista).

Contrariando as experiências anteriores de cooperação, preconiza-se a integração, com atribuição de poderes de soberania a um órgão de autoridade comum e independente (Alta Autoridade). Concedendo sobre a impossibilidade de avançar pelo caminho da união política, aposta-se na prioridade da integração dos mercados e, neste contexto, é preferida a abordagem sectorial e progressiva em detrimento da abordagem global e imediata da união económica e monetária. É o método dos pequenos passos: graduais nos avanços e irreversíveis nos efeitos de integração alcançados.

A Declaração Schuman é ainda a carta de apresentação de um novo e fluido conceito: o da supranacionalidade. Não o refere de modo expresso, mas estabelece as condições de existência e de funcionamento da Alta Autoridade como as de um órgão supranacional – as suas decisões serão vinculativas para a França, para a Alemanha e para os países aderentes e terão como objectivo uma gestão comum do interesse comum; a sua composição será assegurada por personalidades independentes e designadas numa base paritária pelos governos; o presidente será escolhido de comum acordo entre os governos; disposições adequadas deverão prever as vias de recurso das decisões da Alta Autoridade.

De uma maneira necessariamente sumária e ainda algo indefinida, a Declaração Shuman anuncia, todavia, os ingredientes fundamentais e distintivos do modelo de integração comunitária que ainda podemos identificar, adicionados a outros, na actual União Europeia e, concretamente, no estatuto da Comissão: vinculação dos Estados-membros pelas decisões do órgão de autoridade comum; independência deste órgão, mas participação dos Governos dos Estados-membros na sua nomeação; instituição de mecanismos de tutela jurisdicional da legalidade dos actos adoptados pela autoridade comum.

A reacção à Declaração Schuman de 9 de Maio de 1950 foi rápida e positiva. Em 13 de Junho de 1950, Konrad Adenauer, discursou no Parlamento de Bona e exprimiu o seu acordo à proposta de gestão comum do carvão e do aço vendo nela “o ponto de partida para a realização de uma estrutura federativa da Europa”.

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Por seu lado, os Países de BENELUX (Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo) e a Itália decidiram aceitar o convite francês e participar na iniciativa. A primeira manifestação pública de vontade comum data de 3 de Julho de 1950 e tomou a forma de um comunicado publicado em simultâneo nas seis capitais: “Os povos francês, alemão, italiano, belga, holandês e luxemburguês, decididos a realizar uma acção comum de paz, de solidariedade europeia e de progresso económico e social, têm como objectivo imediato a gestão em comum das produções do carvão e do aço e a instituição de uma Alta Autoridade nova, cujas decisões vincularão a França, a Alemanha, a Itália, a Bélgica, a Holanda, o Luxemburgo e os países que venham a aderir”.

A proposta do Governo francês teve imediato e favorável eco nas capitais europeias. O Chanceler alemão Konrad ADENAEUR acolheu-a com emoção, porque pressentiu claramente as fundas implicações futuras do projecto concebido por R. SCHUMAN, quer no tocante à reinserção da Alemanha no mundo ocidental quer, em particular, no respeitante às relações franco-alemãs.

O acolhimento do Governo italiano e dos três países do BENELUX foi igualmente positivo, pelo que logo em 20 de Junho se iniciaram entre os seis países as negociações que haveriam de conduzir, em 18 de Abril de 1951, à instituição da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). E a Inglaterra? Pura e simplesmente recusou-se a participar. (MC)

O texto do futuro tratado foi preparado por uma conferência de peritos dos seis Estados, a partir de 20 de Junho de 1950. O tratado institutivo da primeira Comunidade – a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), foi solenemente assinado em Paris no dia 18 de Abril de 1951 pelos representantes dos Seis. O Tratado de Paris entrou em vigor em 10 de Agosto de 1952, depois da última ratificação, notificada pela Itália só Governo francês. Destinado a vigorar pelo período de 50 anos, caducaria na data acordada de 23 de Julho de 2002. Um período transitório marcou o arranque das novas instituições, começando a funcionar primeiro para o mercado do carvão e do ferro (10 de Fevereiro de 1953) e, depois, para o mercado siderúrgico (1 de Maio de 1953). Jean Monnet foi o primeiro Presidente da Alta Autoridade.

O Tratado de Paris de 18 de Abril de 1951 (MC)

O projecto de construção europeia foi, essencialmente, económico.

O Tratado que instituiu a COMUNIDADE EUROPEIA DO CARVÃO E DO AÇO (CECA) foi assinado em Paris em 18 de Abril de 1951. Ratificado pelos Estados participantes (França, República Federal da Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo), entrou em vigor em 25 de Julho de 1952 (*).

O Tratado de Paris, fruto de amplas discussões e minuciosos estudos realizados no âmbito de uma conferência de especialistas presidida por Jean Monnet, consagra não só as soluções como o próprio espírito da declaração Schuman:

Os aspectos característicos de uma organização «parafederal» estão com efeito claramente marcados no Tratado: transferência de determinadas competências estatais para uma Alta Autoridade comunitária dotada de amplos poderes para agir tanto sobre os Estados-Membros como sobre as empresas nacionais dos sectores do

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carvão e do aço; produção legislativa autónoma e consequente sobreposição de ordens jurídicas; possibilidades abertas às instituições comunitárias de procederem elas próprias a revisões do Tratado: submissão dos Estados-Membros à legislação de origem comunitária e a rigoroso controlo jurisdicional do exacto cumprimento das obrigações por eles assumidas no âmbito da CECA;

Ou seja, a parcela de soberania que os Estados tansferem para essa Alta Autoridade (organização supraestadual, imparcial e independente), que decide em função do interesse económico comunitarizado.

A par disso, o Tratado, retomando no seu preâmbulo as fórmulas essenciais da declaração SCHUMAN, proclamava o seu objectivo último de “criar, mediante a instauração de uma comunidade económica, os primeiros fundamentos de uma comunidade mais larga e mais profunda... e lançar assim as bases de instituições capazes de orientar um destino doravante partilhado».

(*) A CECA foi constituída por um Tratado que deveria vigorar durante 50 anos. Nesta conformidade, a organização extinguiu-se em 2002, sendo as suas competências, direitos, património e obrigações assumidos pela Comunidade Europeia e, agora, pela União Europeia.

Só que a criação da CECA como que desbloqueou uma situação de impasse, pondo em movimento uma engrenagem que, naturalmente, pelo simples jogo dos fenómenos económicos e políticos a que daria lugar, acabaria por ultrapassar o quadro apertado de uma organização sectorial.

O artigo 9.º do Tratado CECA referia expressamente a supranacionalidade: no parágrafo quinto, quando fazia recair sobre os membros da Alta Autoridade o dever de não praticar actos incompatíveis com a “natureza supranacional” das duas funções, e no parágrafo sexto ao explicitar o compromisso dos Estados-membros de respeitar essa “natureza supranacional”.

Este arbítrio de supranacionalidade fora consideravelmente esbatido no texto final do Tratado: seja porque se referia, não à Comunidade em si, mas à natureza das funções de um dos seus órgãos (a Alta Autoridade), seja porque o Conselho de Ministros incarnava o princípio oposto da legitimidade intergovernamental.

A expressão supranacional acabaria por sofrer os efeitos da rejeição do modelo da supranacionalidade alargado ao domínio da defesa no ano de 1954. Os Tratados de Roma, institutivos da Comunidade Económica Europeia (CEE, hoje União Europeia) e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA, hoje EURATOMO), omitiram qualquer menção à supranacionalidade e o próprio artigo 9.º do Tratado CECA seria revogado, em 1965, pelo Tratado de Fusão.

A Declaração Schuman, seguida da criação quase imediata da CECA, mobilizou fortemente as várias correntes pró-europeias e gerou mesmo uma certa euforia integracionista que levou a acreditar que seria não apenas possível, como indispensável, antecipar etapas e estugar o passo em direcção à união política da Europa Ocidental.

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Ao deflagrar a Guerra da Coreia, em Junho de 1950, a Europa Ocidental, pressionada pelos Estados Unidos, foi obrigada a equacionar o problema da sua defesa face ao perigo resultante do expansionismo ideológico e militar dos regimes comunistas, em particular da ex-URSS.

A França temia, contudo, o renascimento de um exército na Alemanha Ocidental sem controlo europeu. Para René Pleven, Presidente do Conselho de Ministros francês, e Jean Monnet a solução deveria passar pela integração da Alemanha numa comunidade de tipo supranacional. Em Outubro de 1950, René Pleven apresentou à Assembleia Nacional Francesa o esboço da Comunidade Europeia de Defesa.

A proposta francesa foi bem acolhida e as negociações culminaram na assinatura do Tratado que institui a Comunidade Europeia de Defesa (CED) pelos Estados-membros da CECA, a 28 de Maio de 1952. Apesar de o tratado conferir à França as garantias que reclamara durante a negociação, acabou por ser a Assembleia Nacional Francesa que abortou todo o processo ao recusar a ratificação. Em 30 de Agosto de 1954, o ardor nacionalista francês falou mais alto e travou esta primeira tentativa de formação de um exército europeu.

A CED tinha como principal objectivo a integração da política militar externa dos 2 Estados (a França e a Alemanha), com apoio de Robert Schuman (Min. N. Estrang. Francês) e Konrad Adenauer (Chanceler alemão).

Em 1954, como noutras ocasiões históricas da construção europeia, o divórcio entre o dinamismo dirigista da classe política e o sentimento dos cidadãos, expresso por via referendária ou por via dos seus representantes no parlamento, esteve na origem de situações, de resto previsíveis, de rejeição de modelos ou de soluções que, em dado momento histórico, eram politicamente inaceitáveis.

O excessivo voluntarismo do desígnio europeu que presidiu à proposta de criação da CED cedeu a passo, após o desaire de 1954, a uma postura de maior contenção e, em bom rigor, impôs o regresso ao “realismo” do método funcionalista anunciado pela Declaraçao Schuman (* A recusa francesa de ratificação do tratado institutivo da CED teve ainda o efeito de atirar para a gaveta da História e projectada Comunidade Política Europeia (CPE). Proposta pelo ministro italiano Alcide De Gasperi, a CPE constituiria o complemento político da política europeia de defesa e estaria vocacionada para instituir entre os Estados-membros verdadeiros laços de vinculação federal em ordem a alcançar a união politica)

O sentimento de cepticismo e de desânimo que se seguiu ao enjeitamento da CED foi contrariado por uma iniciativa bem sucedida dos pequenos Estados do BENELUX. A Itália associou-se a este objectivo e convocou para Messina, em Junho de 1955, uma conferência dos Seis. O ministro holandês Beyen e o ministro belga Spaak apresentaram uma proposta de “relançamento europeu” sobre as seguintes bases: desenvolvimento da estrutura orgânica de decisão comum; fusão progressiva das economias; criação de um mercado comum e harmonização das políticas sociais.

Desfeito o sonho da construção europeia pela via imediata da integração política, retoma-se o caminho da “solidariedade de facto” que se desenvolve e aprofunda no contexto

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favorável da recuperação económica da década de 50 (*Em relação ao problema do enquadramento da Alemanha no sistema de defesa da Europa Ocidental, foi encontrada resposta através da sua adesão ao Tratado de Bruxelas, celebrado a 17 de Março de 1948 entre o Reino Unido, a França e os três Estados do BENELUX. Os Protocolos de Paris de 23 de Outubro de 1954 procederam a uma profunda revisão do mecanismo de defesa acordado em 1948, conduzindo à criação de uma nova organização regional de defesa, a União da Europa Ocidental (UEO) que passou a integrar também a Itália)

Em execução do acordo obtido em Messina, foi nomeada um comité intergovernamental de peritos presidido pelo belga Paul-Henri Spaak. O relatório preliminar elaborado (Relatório Spaak) continha já o esquema das duas comunidades e viria a construir a base das negociações que culminariam na assinatura em Roma, no dia 25 de Março de 1957, dos tratados institutivos da Comunidade Económica Europeia (CEE) e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA, também conhecida pelo acrónimo EURÁTOMO). Com a primeira, pretendeu-se o estabelecimento de um mercado comum geral, com regras aplicáveis a todos os domínios da actividade económica. Com a segunda prosseguiu-se o objectivo, inaugurado em 1951 com a CECA, de uma solidariedade sectorial no sector específico da energia atómica. No mesmo dia, foi assinada a Convenção relativa a certas instituições comuns às três Comunidades Europeias (Assembleia e Tribunal de Justiça).

A partir de então, três Comunidades, três distintas organizações internacionais, passaram a responder pelo processo de integração europeia.(MC)

Durante séculos, o objectivo de uma Europa unificada mobilizou a força das armas, por conta da demanda do império, ou inspirou a força das ideias em torno do desígnio da “paz perpétua” (fruto dos Congressos da Europa, séc. XIX). Com a criação das Comunidades Europeias e, em especial, com o seu alargamento e aprofundamento, assistimos ao triunfo de um projecto de unidade europeia que, sem deixar de ser político e visionário, se alimenta e renova a partir da força motriz que resulta da unidade sinérgica dos mercados.

Os dois Tratados de Roma entraram em vigor a 1 de Janeiro de 1958. As três Comunidades Europeias encetaram, então, um trajecto comum que importa descobrir através dos acontecimentos mais decisivos de uma evolução por etapas.

NOTAS COMPLEMENTARES

Muito antes da data definida de caducidade do Tratado de Paris (23 de Julho de 2002), a CECA iniciou um processo de definhamento institucional, logo em 1958 com a entrada em funcionamento das outras duas Comunidades Europeias, em que a CEE se afirmou como a verdadeira locomotiva do processo de integração; por outro lado, razões de ordem económica retiraram ao carvão e ao aço a importância estratégica de antanho e nem a existência da CECA impediu uma grave crise da indústria siderúrgica e carbonífera europeias.

Um Protocolo anexo ao Tratado de Nice acautelou as consequências financeiras resultantes do termo de vigência do Tratado CECA. A totalidade do passivo e do activo da CECA existente em 23 de Julho de 2002 foi transferida para a Comunidade Europeia em 24 de Julho de 2002, mas destinada à criação do Fundo de Investigação do Carvão e do Aço.

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Posição britânica: o Reino Unido não participou na negociação do Tratado de Paris. Na reacção britânica, pesou o entendimento sobre a “vertente imperial e extra-europeia” dos seus interesses económicos e comerciais, mas teria havido também uma avaliação incorrecta sobre o dinamismo do movimento europeu.

O Governo britânico foi formalmente convidado a participar na Conferência de Messina, mas limitou-se a enviar um subsecretário de Estado do Comércio à reunião posterior em Bruxelas. Como alternativa, defendiam o chamado Plano G, um protótipo de zona de comércio livre que acabaria por funcionar através da criação da Associação Europeia do Comércio Livre (EFTA), em Janeiro de 1960. O auto-isolamento britânico não surtiu os efeitos esperados: perderam a oportunidade de, dentro do comboio, controlar e travar a locomotiva da integração; sofreram a humilhação dos sucessivos vetos franceses ao seu pedido de adesão na década de 60 e, por último, a Commonwealth (fruto da visão imperialista, extra-europeia dos britânicos) “criava mais problemas do que resolvia”, abalada pelas tensões independentistas da década de 60.

Posição dos EUA: as iniciativas europeias no sentido da criação de novas instituições de congregação dos Estados no Velho Continente foram, desde o início, apoiadas pelo Governo norte-americano. Em Janeiro de 1947, John Foster Dulles, porta-voz para a política externa do executivo do Presidente Harry Truman, tomou posição favoravel à unificação da Europa e, em Março, foi apresentada no Senado uma proposta de apoio à criação dos Estados Unidos da Europa e ao seu direito de representação nas Nações Unidas.

O instrumento de ajuda mais importante seria o plano de apoio financeiro dos EUA à reconstrução e recuperação económica da Europa, anunciado pelo General George Marshall em Harvard, no discurso de 5 de Junho de 1947 (Plano Marshall).

O empenho dos EUA com o projecto europeu de integração não seria politicamente desinteressado, como, de resto, não sói acontecer nas relações internacionais. Do lado americano, a construção europeia era avaliada como muito positiva em dois planos:

1) na vertente económica, a recuperação das economias europeias era a promessa de ganhar um grande e próspero mercado para os produtos norte-americanos, cuja entrada nos mercados europeus sofria os efeitos da tradicional política proteccionista; a esperada prosperidade da Europa comunitária era ainda vista como uma oportunidade de, no futuro, pagar a sua própria defesa e aliviar o pesado encargo assumido pelos EUA a seguir à guerra, com a presença de militares norte-americanos em território europeu e o apoio, financeiro ou operacional, às políticas de defesa dos Estados europeus;

2) no plano geopolítico, uma Europa forte, ainda que reduzida à dimensão de seis Estados, que incluía a Alemanha e a França, resolvia, por um lado, o problema premente do enquadramento da Alemanha e proporcionava, por outro lado, um novo parceiro no esforço de neutralização da crescente ameaça soviética no Continente Europeu.

Processo de negociação dos Tratados de Roma: ao longo de quase dois anos, entre a Conferência de Messina (Junho de 1955) e a assinatura em Roma (Março de 1957), os Seis enfrentaram sérias dificuldades, dominados pelo sentimento, ao mesmo tempo de temor e de

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determinação, de que um novo fracasso poria fim ao projecto da construção europeia. Um dos obstáculos que ameaçou entravar a criação do mercado comum foi a questão do estatuto dos territórios ultramarinos franceses. Na Alemanha, Walter Hallstein, secretário de Estado dos Assuntos Europeus e futuro primeiro presidente da Comissão Europeia, contestava a obrigação de ter de se abastecer de produtos tropicais. em especial, as bananas - provenientes dos territórios franceses nas Antilhas e em África quando podia adquiri-las mais baratas nos mercados tradicionais da América do Sul. O problema foi ultrapassado através, por um lado, da garantia de aplicação do Tratado aos departamentps franceses ultramarinos e, por outro, com a aceitação de um Protocolo relativo ao contingente pautal para as importações de bananas, anexo ao Tratado CEE, que assegurava à Alemanha condições idênticas de importação do tão apetecido fruto pelos consumidores alemães do pós-guerra.

Mais de três décadas volvidas, a questão das bananas voltou a constituir uma ameaça para a construção europeia. Em 1993, o Conselho aprovou um regulamento que instituiu a organização comum de mercado (o.c.m.) na base de um regime que limitou a importação de banana a partir do mercado sul e centro-americano, que tradicionalmente abastecia a Alemanha. Iniciou-se, então, uma complexa e longa batalha judicial contra este regulamento comunitário, travada junto dos tribunais comunitários e dos tribunais nacionais. O Tribunal de justiça negou razão aos argumentos de ilegalidade invocados pelo Governo alemão, apoiado no seu veredicto pelas observações de quase todos os Estados-membros, incluindo Portugal que interveio a favor da banana produzida na Madeira. A questão não ficou, contudo, encerrada, dado que o problema foi submetido à apreciação do Tribunal Constitucional alemão. Instado a pronunciar-se sobre a alegada incompatibilidade entre o regulamento controvertido e os Direitos Fundamentais consagrados na Lei Fundamental de Bona, o Tribunal de Karlsruhe acabaria por considerar que, no caso concreto, era desnecessário o requerido controlo de conformidade constitucional.

O caso das bananas, aqui sumariamente descrito, é interessante porque ilus tra dois aspectos sempre presentes no processo de integração:

1) Questões que podemos subestimar como prosaicas ou menores estão na origem de importantes e decisivas soluções jurídicas e políticas;

2) O apego aos grandes princípios e aos ideais generosos da construção europeia caminha, lado a lado, com os problemas relacionados com a tutela de interesses comerciais e económicos, sendo legítimo, e mesmo exigível, aos Estados-membros a procura de uma solução que concilie a vertente política com a vertente económica da integração.

No processo de construção europeia, verifica-se uma relação de notória complementaridade entre, por um lado, as organizações europeias de cooperação intergovernamental e, por outro lado, as organizações europeias de integração ou supranacionais, sob a forma das três Comunidades Europeias. No plano económico (a), político (b) ou militar (c), a diferente natureza destas organizações não impede uma estreita coordenação de esforços e de estratégias:

a) No campo económico - em 16 de Julho de 1947, uma conferência de 16 países europeus (entre os quais Portugal) reunia-se em Paris para apreciar os termos da

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oferta norte-americana e decidir sobre a forma de lhe dar adequado seguimento. Tendo chegado a completo acordo, os Estados participantes assinaram, em 16 de Abril de 1948, a Convenção de Paris que criou a ORGANIZAÇÃO EUROPEIA DE COOPERAÇÃO ECONÓMICA (OECE), cujos objectivos no domínio da cooperação económica foram largamente alcançados. Os países europeus membros da organização conseguiram, nos dez anos que se seguiram à sua criação, atingir e mesmo ultrapassar os níveis de desenvolvimento económico anteriores à guerra.

Nesta conformidade, pela Convenção que assinaram em Paris em 14 de Dezembro de 1960, os 18 Estados Europeus membros da OECE, os EUA e o Canadá decidiram converter a OECE numa Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), com objectivos diferentes — mais amplos e mais genéricos.

A OECE tinha como principal objectivo, controlar/fiscalizar os fundos europeus do Plano Marshall.

O art. 1.° da Convenção enuncia-os nos seguintes termos:

“A OCDE tem por objectivo promover políticas visando:

a) Realizar a mais ampla expansão possível da economia e do emprego e a melhoria do nível de vida nos países membros, sem prejuízo da estabilidade financeira e contribuir assim para o desenvolvimento da economia mundial;

b) Contribuir para uma expansão económica sã, tanto nos países membros como não membros em vias de desenvolvimento económico;

c) Contribuir para a expansão do comércio mundial numa base multilateral e não discriminatória, na conformidade das obrigações internacionais.»

A OCDE surge assim como uma organização renovada quanto aos seus objectivos e alargada quanto ao número de países que nela participam, aos quais viriam ulteriormente a juntar-se o Japão, a Austrália e a Nova Zelândia.

O papel actual da OCDE

A OECE e a OCDE constituíram ao longo das últimas décadas um «fórum» privilegiado em que os países do Ocidente Europeu, mais tarde acompanhados pelos E.U.A, pelo Canadá e por outros países industrializados do mundo (Japão, Austrália e Nova Zelândia), puderam expor e discutir os respectivos pontos de vista sobre as melhores vias para promover a cooperação económica europeia e internacional e para prestar ajuda a terceiros países.

Mas, uma vez alcançado o objectivo inicial e fundamental da recuperação económica da Europa e do funcionamento normal das relações de comércio internacional, apareceu como evidente que a OECE e depois a OCDE haviam esgotado o essencial da sua finalidade de promoção da cooperação económica no quadro regional europeu; e isto sobretudo porque a emergência de novas Organizações, as Comunidades Europeias, a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) e a Organização Mundial do Comércio (OMC), haviam feito transitar para outros centros de concertação e decisão os problemas maiores da economia e do comércio intra-europeu e mesmo mundial.

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A Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) foi instituída em Maio de 1960 pela Convenção de Estocolmo, por impulso do Reino Unido e como alternativa ao projecto comunitário. Dos sete membros originários, apenas a Noruega e a Suíça não aderiram às Comunidades Europeias. Reduzida à dimensão de quatro Estados-membros (Noruega, Islândia, Suíça e Liechenstein), a EFTA está ligada à União Europeia, desde o Tratado do Porto celebrado em Maio de 1992, por um acordo de associação que, instituindo o Espaço Económico Europeu (EEE), garante na relação entre os dois blocos, com excepção da Suíça, a livre circulação de mercadorias, trabalhadores, serviços e capitais.

Esta situação tomou-se ainda mais evidente depois que a Grã-Bretanha, tendo aderido às Comunidades Europeias, deixou de tentar utilizar a OCDE como ponte de contacto entre a EFTA e o Mercado Comum Europeu.

Parece legítimo admitir que, tendo cumprido brilhantemente a sua missão, a OCDE desempenha actualmente um papel marginal no que respeita à resolução dos grandes problemas económicos com que o mundo, e a Europa em particular se estão a defrontar.

Num plano equiparável se pode situar uma outra organização, esta especificamente europeia que, criada com objectivos marcadamente políticos, esteve sempre aquém das esperanças que nela se depositaram; trata-se do CONSELHO DA EUROPA, instituído no quadro da cooperação política. (MC)

A Leste, os Estados socialistas de economia centralizada, instituíram entre si, em 1949, o Conselho de Assistência Económica Mútua (COMECOM).

b) No domínio político, o diálogo entre a União Europeia e a restante Europa é assegurado pelo Conselho da Europa, criado pelo Estatuto de Londres em Maio de 1949 (www.coe.int). Composto por 47 Estados europeus, o que quase esgota o universo existente (de fora, continua apenas a Bielorússia), o Conselho da Europa projecta os valores e os princípios do ideário europeu que, igualmente, vinculam e enquadram a actuação política e jurídica da União Europeia. Dois exemplos chegam para ilustrar a interacção virtuosa entre o Conselho da Europa e a União Europeia:

1) Ao longo dos anos, e na falta de qualquer referência expressa nos Tratados comunitários, o Conselho da Europa funcionou como uma espécie de antecâmara pela qual passavam os Estados europeus candidatos a membros das Comunidades Europeias. Tendo em conta os valores e os princípios que inspiram a actuação do Conselho da Europa, segregados pelo duplo objectivo da democracia política e do Estado de Direito, as Comunidades Europeias confiaram ao Conselho da Europa a certificação da autenticidade democrática dos Estados em curso de adesão. Depois do Tratado de Amesterdão, a disposição relativa à adesão passou a consagrar expressamente a menção aos valores identitários do projecto europeu, partilhados pelo Conselho da Europa e pela União Europeia (v. artigo 49.º UE);

2) A dificuldade criada pelo silêncio dos Tratados originários a respeito da garantia dos direitos fundamentais foi ultrapassada com uma solução criativa engendrada pelo Juiz comunitário a partir da representação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem

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(assinada em 4 de Novembro de 1950 pelos Estados-membros do Conselho da Europa, entraria em vigor no dia 3 de Setembro de 1953) como expressão de princípios gerais de Direito que vinculam a União e integram o Direito da União Europeia, construção pretoriana que tem ainda expressão no direito vigente, em coexistência com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de resto, largamente influenciada pelo texto da CEDH (v. artigo 6.º, n.º 3, UE).

EM SUMA: Vimos como no Congresso da Haia, realizado de 7 a 10 de Maio de 1947, se conseguiu chegar a acordo quanto ao teor de uma moção final que, não obstante as divergências de princípio entre os participantes sobre a forma de «fazer a Europa», exprimia um vibrante apelo comum aos responsáveis dos Estados. No seguimento dessa moção, os governos francês e belga decidiram, em Agosto de 1948, patrocinar as conclusões do Congresso da Haia e propor a criação de uma Assembleia Parlamentar Europeia.

A proposta franco-belga defrontou-se, porém, com a habitual reserva britânica a iniciativas portadoras do selo da supranacionalidade, e tudo quanto se conseguiu obter dos ingleses foi uma contraproposta baseada num sistema de cooperação intergovernamental de tipo clássico com base num Conselho de Ministros habilitado a decidir, como no âmbito da OECE, por acordo mútuo de todos os membros.

Finalmente, no seio do Conselho da União da Europa Ocidental (UEO) conseguiu-se chegar, em Janeiro de 1949, a um dúbio compromisso:

A organização europeia a criar comportaria um COMITÉ DE MINISTROS cujas decisões estariam sujeitas à regra da unanimidade; mas,

seria instituída no quadro da nova organização uma ASSEMBLEIA CONSULTIVA, formada por representantes de cada Estado-Membro, eleitos pelo respectivo Parlamento ou designados por outra forma definida a nível nacional.

Foi com base neste compromisso que os cinco Estados-Membros da União da Europa Ocidental (França, Grã-Bretanha, Bélgica, Holanda e Luxemburgo), acompanhados de mais cinco Estados democráticos do Ocidente Europeu (Irlanda, Itália, Dinamarca, Suécia e Noruega) assinaram em Londres, em 5 de Maio de 1949, a Convenção que criava o CONSELHO DA EUROPA, com sede em Estrasburgo.

Os seus objectivos estão definidos no art. 1,° da Convenção de Londres de 5 de Maio de 1949: “A finalidade do Conselho da Europa é a de realizar uma união mais estreita entre os seus membros a fim de salvaguardar e promover os ideais e os princípios que são seu património comum, e de favorecer o respectivo progresso económico e social.»

O Conselho da Europa, tanto pelos objectivos que visa como pelos meios de os realizar surge, nitidamente, como mera organização de cooperação internacional, afeiçoada às tradicionais reservas e concepções britânicas.

No quadro desta Organização, os Estados-Membros pretendem apenas «salvaguardar e promover os ideais e princípios que são seu património comum» objectivo que comporta, como decorre do preâmbulo do Estatuto, o respeito dos três princípios «sobre que se funda a verda-deira democracia», ou seja: — a «liberdade individual», a «liberdade política» e a «preeminência do direito».

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c) No campo militar, tendo em conta, na sequência da tentativa mal sucedida de criar em 1954 a Comunidade Europeia de Defesa, que o projecto comunitário se apartou dos objectivos da defesa e da segurança, a resposta às exigências da defesa e da paz na Europa foi procurada na fórmula tradicional das organizações de cooperação.

Primeiro, em Abril de 1949, foi criada a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) ou NATO, como é mais conhecida por referência à sigla em inglês (www.nato.int). Trata-se de uma aliança entre Estados situados no hemisfério norte da margem do Atlântico que, através de garantias mútuas e da legítima defesa colectiva, no respeito da Carta das Nações Unidas, garante a segurança dos seus membros. Instituída por 12 Estados (Bélgica, Canadá, Dinamarca, EUA, França, Países Baixos, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal e Reino Unido), a NATO foi, desde o início, e apesar de não integrar apenas Estados europeus, um elemento fundamental na estratégia geopolítica e militar de defesa da Europa Ocidental.

A NATO seria ssim:- projecto de cooperação militar;- Aliança militar contra a União Soviética, promovida pelos EUA.

No contexto estritamente europeu, surgiu a União da Europa Ocidental (UEO), instituída pelos Acordos de Paris de 23 de Outubro de 1954. Depois da guerra, deram-se vários passos no sentido de ensaiar uma solução adequada para a defesa militar da Europa Ocidental, considerada premente pela necessidade de, por um lado, manter a Alemanha sob controlo e, por outro lado, de conter a política expansionista da União Soviética. A chamada Aliança Franco-Britânica teve por base o Tratado de Dunquerque (Março de 1947), alargada pelo Tratado de Bruxelas (17 de Março de 1948) aos três Estados do Benelux, que criou a União Ocidental. A assinatura do Tratado do Atlântico Norte e a entrada em funcionamento das instituições de suporte da NATO privaram, em larga medida, a União Ocidental da sua razão de ser. Em 1954, a criação da nova organização europeia, a UEO, é mais uma tentativa para dinamizar a resposta europeia aos desafios da defesa militar da Europa Ocidental (www.weu.int). Os Acordos de Paris preconizaram a admissão da Alemanha no seio da NATO e a inserção das tropas alemãs no sistema de defesa europeu. A Alemanha aderiu à União Ocidental em 23 de Outubro de 1954 e, na sequência dos Acordos de Bona-Paris, deixou de ser um Estado sob o regime de ocupação militar, com efeitos a partir de 5 de Maio de 1955. No dia seguinte, 6 de Maio de 1955, a primeira manifestação da readquirida soberania foi a adesão à NATO. Apesar dos sucessivos alargamentos e dos esforços no sentido de garantir à UEO um espaço próprio de acção, maxime no quadro da Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia (v. ex-artigo 17.º, n.º 4, TUE), importa reconhecer que esta organização europeia não logrou sair da sombra projectada pelo papel dominante da NATO. O Tratado de Lisboa confirma este progressivo, mas inexorável, apagamento da UEO, ao referir apenas a Carta das Nações Unidas e a NATO a propósito dos compromissos internacionais assumidos pelos Estados-membros sobre matérias integrantes da nova Política Comum de Segurança e Defesa (v. artigo 42º, n.º 7, UE). Invocando justamente a cláusula de assistência mútua do artigo 42.º, n.º 7, UE, os 10 Estados-membros da UEO (França, Reino Unido, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Alemanha, Itália, Portugal, Espanha e Grécia) adoptaram em 31 de Março de 2010 uma declaração conjunta que, reconhecendo o esgotamento do papel da UEO, prevê a sua extinção formal com efeitos, de acordo com o Tratado de Bruxelas tal como

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modificado em Paris, no prazo de um ano, de preferência antes do final do mês de Junho de 2011. Em síntese, a nova Política Comum de Segurança e Defesa, baseada numa estratégia comunitária [v Agência Europeia de Defesa (v. artigo 45.º UE) e cooperação estruturada per-manente (v. artigos 43.º, n.º 6, UE e 46.º UE)] e atlantista de defesa militar da União Europeia, eclipsou de vez a UEO (Por resolução de 18 de Junho de 2010, a Assembleia da República aprovou o recesso ao Tratado que cria a UEO)

AS ETAPAS DO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO EUROPEIA

A. A etapa da transiçao (1958-1968)

O Tratado CEE estabelecia como primeiro objectivo a realização da união aduaneira (eliminação dos direitos aduaneiros nas relações entre os Seis Estados-membros e aplicação de uma pauta aduaneira comum nas relações com países terceiros) num período de transição que deveria ser de doze anos. O Mercado Comum abrangia regras que visavam assegurar a liberdade de circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais. O funcionamento do Mercado Comum exigia ainda um certo número de políticas comuns - Política Agrícola Comum, Política Comum de Pescas e Política Comercial Comum - e um mecanismo de harmo-nização das legislações nacionais.

As economias dos seis Estados-membros desfrutaram de um período de grande prosperidade e desenvolvimento, o que permitiu a antecipação do fim do período transitório no domínio da união aduaneira para o dia 1 de Julho de 1968.

Em contraste com o cenário económico mais favorável, as Comunidades Europeias conheceram nesta fase dois momentos críticos de discordância política, ambos protagonizados pela França:

Em 1963, com a primeira recusa francesa ao pedido de adesão do Reino Unido; Em 1965, com a chamada “política da cadeira vazia".

A França, presidida pelo General De Gaulle, olhava com profunda desconfiança o desígnio da união política e o crescente poder das estruturas supranancionais, como era o caso da Comissão Europeia. Com a histórica Declaração da Europa das Pátrias, de 5 de Setembro de 1960, De Gaulle deixava clara a sua concepção sobre o papel dos Estados: “(...) únicas entidades que têm o poder de ordenar e o poder de ser obedecidas. Pensar que se pode construir qualquer coisa eficaz que deva ser aprovada pelos povos, fora ou sobre os Estados, é uma quimera”.

Os chamados Planos Fouchet foram uma tentativa por parte da França, rejeitada pelos seus parceiros, de encaminhar as Comunidades Europeias no sentido da cooperação intergovernamental, a única tida como adequada a uma visão da Europa das Pátrias. A tensão política aumentava.

Em princípios de 1965, Walter Hallstein, Presidente da Comissão, propõe um sistema de recursos financeiros próprios da Comunidade. A França, que presidia ao Conselho de Ministros no segundo semestre de 1965, exige a retirada da proposta. Dada a recusa da Comissão, a

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França responde com a estratégia da cadeira vazia que se traduziu na não comparência às reuniões do Conselho de Ministros e teve como consequência a paralisia no funcionamento das Comunidades Europeias.

A crise durou seis longos meses, durante os quais se chegou a duvidar da possibilidade de superar o embate frontal entre duas concepções metodológicas da construção europeia radicalmente distintas: a supranacional-comunitária versus a intergovernamental. A solução chegou, finalmente, em Janeiro de 1966, através do chamado “Acordo do Luxemburgo” que, em síntese, garantiu aos Estados, a qualquer Estado, o poder de vetar decisões quando interfiram com interesses muito importantes para um ou alguns dos membros.

Em 1967, o Reino Unido, acompanhado pela República da Irlanda, Dinamarca e Noruega, renovou o pedido de adesão. A apreciação da candidatura britânica foi remetida para um momento mais oportuno que, de facto, só chegaria com a saída de cena do General De Gaulle em Abril de 1969.

B. A etapa da idade adulta (1969-1992)

O seu sucessor, Georges Pompidou, tomou a iniciativa de convocar uma Cimeira de Chefes de Estado e de Governo, sob o signo do conhecido tríptico: acabamento, aprofundamento e alargamento.

A Cimeira de Haia de Dezembro de 1969 aborda, assim, as grandes questões da construção europeia que vão condicionar a agenda política nos anos subsequentes:

1) Acabamento - concluir a realização do Mercado Comum, garantindo, nomeadamente, o financiamento das políticas comuns através de recursos próprios (reforma das finanças comunitárias, consagrando em 1975 um sistema de recursos próprios e o reconhecimento de poderes de decisão orçamental ao Parlamento Europeu);

2) Aprofundamento - desenvolvimento das políticas comuns, incluindo as políticas de acompanhamento (v.g. Política Regional, Política Social), e lançamento das primeiras bases da união económica e monetária (1972, instituição da “serpente monetária”; 1978, criação do sistema monetário europeu);

3) Alargamento - abertura das negociações com vista à admissão do Reino Unido e dos demais candidatos.

O primeiro alargamento concretizou-se em 1 de Janeiro de 1973, com a entrada do Reino Unido, República da Irlanda e Dinamarca.

Em virtude de sucessivos alargamentos, a Europa comunitária cumpriu o desiderato de 1969 de criar um grande espaço de integração económica:

Em 1 de Janeiro de 1981, aderiu a Grécia; Em 1 de Janeiro de 1986, Portugal e Espanha; Em 1 de Janeiro de 1995, juntam-se ao grupo a Áustria, a Finlândia e a Suécia. Em 2004, ocorre o macroalargamento, com a entrada de dez novos Estados,

basicamente oriundos da Europa Central e da Europa de Leste, saídos da desactivada

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órbita soviética (República Checa, Estónia, Letónia, Lituânia, Polónia, Chipre, Malta, Hungria, Eslovénia, Eslováquia).

Em Janeiro de 2007, aderem a Bulgária e a Roménia. No período de duas décadas, entre 1986 e 2007, a União Europeia passou de doze para vinte e sete Estados-membros.

Esta fase de evolução das Comunidades Europeias fica associada a um processo de consolidação e de maturidade que se traduziu, entre 1969 e 1986, na duplicação dos seus membros, mas que conduziu também ao aperfeiçoamento dos modos de decisão e à actualização da matriz comunitária de integração:

1) Eleição do Parlamento Europeu por sufrágio directo e universal (1979);

2) Institucionalização das Cimeiras de Chefes de Estado e de Governo que passam a reunir, desde 1974, como Conselho Europeu;

3) Várias iniciativas político-institucionais de relançamento do projecto europeu: Relatório Tindemans (1975); Relatório dos Três Sábios (1979); Relatório Genscher-Colombo (1981); Projecto Spinelli que levou à adopção pelo Parlamento Europeu de um projecto de tratado da união europeia (1984);

4) Aprovação da primeira revisão de fundo dos três tratados institutivos das Comunidades Europeias, com o Acto Único Europeu (AUE).

A primeira reforma dos Tratados entrou em vigor no dia 1 de Julho de 1987 e concentrou num único instrumento convencional um leque vasto e heterogéneo de disposições que aprofundaram o projecto de integração comunitária existente e lançaram, ainda, as bases da futura união europeia.

No plano institucional, o AUE consagrou no texto dos tratados a existência do Conselho Europeu (i), alargou os poderes do Parlamento Europeu, embora numa medida que ficou aquém das expectativas criadas (ii), clarificou a função executiva da Comissão (iii) e previu a criação do Tribunal de Primeira Instância (TPI), associado ao Tribunal de Justiça (iv).

No que respeita ao âmbito das competências comunitárias, o AUE reforçou algumas políticas comunitárias e atribuiu novos poderes às Comunidades Europeias com o intuito de facilitar a realização de um verdadeiro mercado interno, definido como “um espaço sem fronteiras internas, no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais (...)” está assegurada. Este grande objectivo deveria ser concretizado até 31 de Dezembro de 1992, data que serviu basicamente para mobilizar a vontade política dos Estados-membros e dos órgãos comunitários, porquanto não seria possível reportar efeitos jurídicos automáticos ao mero decurso do prazo estabelecido. Na verdade, depois de 1992, a realização plena do mercado interno ou do mercado único continuou a reclamar a adopção de medidas adequadas e a sua adaptação ao novo enquadramento internacional, decorrente tanto da globalização das relações económicas e comerciais como da revolução tecnológica e a sua notável incidência no plano do funcionamento dos mercados.

O AUE previa ainda um modelo comunitário de desenvolvimento baseado na coesão económica e social, tendo como instrumento fundamental a coordenação dos fundos

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estruturais (FEOGA, FEDER e FSE) e de outros mecanismos financeiros complementares. Por fim, o AUE consagrou uma forma de cooperação intergovernamental em matéria de política externa, a Cooperação Europeia que se propunha, através da concertação, alcançar a “convergência de posições e a realização de acções comuns” (v. Artigo 30.º do AUE). Tratou-se, na verdade, de garantir uma base convencionai para a chamada Cooperação Política Europeia (CPE), já prosseguida pelos Estados-membros. Em todo o caso, o AUE abriu a porta das Comunidades Europeias a uma dinâmica definitivamente marcada pela dimensão política da construção europeia. Tal como o seu preâmbulo anunciava, o AUE exprimia a vontade dos Estados-membros em criar e pôr em funcionamento a união europeia.

A partir dos finais dos anos 80, o Mundo e, em especial, a Europa, foram abalados por transformações rápidas e profundas (a queda do Muro de Berlim, a unificação alemã, a implosão do bloco soviético e o fim da guerra fria, a crescente afirmação dos Estados Unidos da América como “hiper-potência”, a liberalização e globalização das relações comerciais a nível mundial) - transformações que no plano político e no plano económico se conjugaram no sentido de eliminar as tradicionais resistências opostas por alguns Estados-membros e de acelerar a passagem à fase seguinte da união europeia que, simbolicamente, fazemos coincidir com a entrada em vigor do Tratado de Mastricht (1 de Novembro de 1993).

C. A etapa da idade futura: a União Europeia (1993-2009)

Os acontecimentos políticos de 1989-1990 e a perspectiva de uma adesão futura dos Estados recém-saídos da esfera soviética estiveram na base de uma enérgica iniciativa franco-alemã (o chamado eixo Paris-Bona do tempo do Presidente François Mitterrand e do Chanceler Helmut Kohl) que, articulada com a estratégia voluntarista de Jacques Delors à frente da Comissão Europeia, funcionaria como uma espécie de “acelerador intracomunitário.

A perspectiva de criação de uma verdadeira união europeia tornara-se, desde a Cimeira de Paris de 1972, num objectivo reiteradamente assumido pelos Estados-membros e que esteve na origem de vários projectos elaborados com vista à sua concretização. O Conselho Europeu de Estugarda chegou a um acordo sob a forma de uma “Declaração Solene sobre a União Europeia” (Junho de 1983) que firmou o compromisso de democratizar e aprofundar o acervo comunitário com o fito de estabelecer as bases de uma união europeia.

Nos anos que se seguiram, e especialmente depois da entrada em vigor do AUE, a convergência económica passou a constituir uma prioridade da agenda política europeia, como pressuposto da união política. O espírito da Declaração Schuman ainda inspirava os rumos da integração europeia, mesmo quando a invocação do paradigma federal pareceria excluir o pragmatismo do velho método funcionalista.

O Plano Delors, submetido ao Conselho Europeu de Madrid (Junho de 1989), preconizava a realização da união monetária (fixação definitiva da paridade entre as moedas; convertibilidade obrigatória e irrevogável; liberalização total dos movimentos de capitais e integração completa dos mercados bancários e financeiros; criação da moeda única) e da união económica (garantias de funcionamento de um grande mercado único como elemento fundamental da dinâmica económica comunitária; política da concorrência destinada a

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reforçar os mecanismos do mercado; políticas comuns de natureza estrutural; coordenação das políticas macroeconómicas).

Em Dezembro de 1989, o Conselho Europeu de Estrasburgo determinou a convocação formal de uma Conferencia Intergovernamental (CIG) sobre a União Económica e Monetária (UEM).

No outro prato da balança, estavam as ingentes questões políticas: reforma institucional, definição do princípio da subsidiariedade, dotar as Comunidades Europeias de capacidade de actuação nas relações internacionais, a protecção dos direitos fundamentais, o estatuto da cidadania europeia. A par da CIG sobre a UEM, foi decidida em Junho de 1990, no Conselho Europeu de Dublim, a realização da CIG sobre a União Política. O Tratado da União Europeia, ou Tratado de Maastricht, entrou em vigor a 1 de Novembro de 1993.

O Tratado de Maastricht envolveu uma alargada reforma dos Tratados fundacionais. Com efeito, e mesmo com as revisões posteriores acordadas em Amesterdão, em Nice e em Lisboa, o primeiro Tratado da União Europeia sobreviveu em vários aspectos, nomeadamente na dualidade entre dois Tratados institutivos e na relevância dada à delimitação de competências entre a União e os Estados-membros.

Em concreto, o Tratado de Maastricht incorporou nos tratados institutivos as seguintes principais alterações:

1) Desde logo, e em primeiro lugar, a criação da união europeia e a consagração oficial do nome União Europeia; com significado político, a mais conhecida das três Comunidades, a CEE passou a Comunidade Europeia, aliviada assim, ao menos no plano nominal e simbólico, da amarra económica;

2) A previsão, a par do método de integração comunitária, de políticas de cooperação intergovemamental nos domínios da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e Justiça e Assuntos Internos (JAI);

3) Referência expressa ao objectivo de protecção dos Direitos Fundamentais;4) Reconhecimento de um estatuto de cidadania da União;5) Afirmação de princípios fundamentais de delimitação de competências entre as

Comunidades Europeias e os Estados-membros (competência de atribuição; subsidiariedade e proporcionalidade);

6) Em matéria institucional, o Parlamento Europeu alcançou um reforço muito significativo dos seus poderes, conseguindo, pela primeira vez, participar no processo comunitário de decisão em pé de igualdade com o Conselho (processo de co-decisão); no que se refere à UEM, foram instituídos órgãos de competência específica e de natureza decisória - o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) e o Banco Central Europeu (BCE), na terceira fase da UEM;

7) Aceitação, em derrogação dos princípios da igualdade e do adquirido comunitário, de cláusulas de “opting-out” que garantiram ao Reino Unido o direito de não ficar vinculado pelo Acordo Social e também ao Reino Unido e à Dinamarca o direito de, se e enquanto quisessem, não aderir à moeda única.

8) O objectivo relativo à realização da UEM é acompanhado da previsão de um processo em três fases que deveria conduzir, em data posterior a 1 de Janeiro de 1999, à

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instituição da moeda única.

Em 2 de Maio de 1992, na cidade do Porto, foi assinado o tratado que regulou a associação entre as Comunidades Europeias e a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) e do qual nasceu o Espaço Económico Europeu.

O artigo N, n,º2, do Tratado de Maastricht agendou para 1996 a abertura de uma nova conferência intergovernamental destinada a “analisar, de acordo com os objectivos enunciados nos artigos A e B das disposições comuns, as disposições do presente Tratado (…)”. Era o reconhecimento de que seria necessário ir mais longe no processo iniciado de realização de uma “união cada vez mais estreita entre os povos da Europa” (v. artigo A).

Em concreto, a revisão de 1996 deveria permitir a “comunitarização” das matérias de cooperação intergovernamental, o alargamento do procedimento de co-decisão, a extensão das competências da União, o reconhecimento de um princípio de hierarquia das normas e actos comunitários e, atendendo à perspectiva de novas adesões, a adaptação da estrutura orgânico-decisória da União Europeia e das Comunidades Europeias.

A cláusula de “rendez-vous” foi respeitada e em 26 de Março de 1996, na cidade italiana de Turim, a CIG iniciou os trabalhos de preparação de um novo tratado.

O Tratado de Maastricht foi assinado em 7 de Fevereiro de 1992 e após vicissitudes várias (relacionadas com dificuldades na sua aprovação em alguns Estados, que obrigaram a revisões das constituições respectivas e mesmo a referendos nacionais), entrou em vigor em 1 de Novembro de 1993.

O que trouxe de novo este segundo Tratado da União Europeia, assinado em Amesterdão na data de 2 de Outubro de 1997?

A revisão de Amesterdão ficou aquém dos objectivos enunciados pela cláusula de “rendez-vous" do tratado anterior, aquém das finalidades impostas pelo funcionamento da União Europeia, aquém das exigências de adaptação institucional pressupostas pelo alargamento da União Europeia. O resultado final foi uma reforma “minimalista” que remeteu para momento ulterior a revisão necessária.

Com um significado que não é despiciendo, o aspecto mais visível e duradouro da revisão de Amesterdão acabou por ser a decisão de renumerar todos os artigos do Tratado da Comunidade Europeia, em virtude da eliminação das disposições caducas e da simplificação do modo de identificação dos artigos desdobrados através do recurso a letras (ex: 130 .º-Y), passando ainda a recorrer à numeração dos artigos do Tratado da União Europeia, antes identificados por letras.

No que respeita às alterações sobre o fundo, o Tratado de Amesterdão aprovou modificações nas seguintes áreas:

1) Política Externa e de Segurança Comum (PESC) - reforço do carácter operacional e da visibilidade externa da União Europeia, através da criação do Alto Representante da PESC,

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na figura do Secretário Geral do Conselho, e da previsão da capacidade operacional a disponibilizar pela União da Europa Ocidental (UEO).

2) União Europeia e cidadania - de acordo com o objectivo de aproximar a União do cidadão, foi inscrito no Tratado da Comunidade Europeia um novo título sobre o Emprego (i); a integração do Acordo Social de Maastricht no texto do próprio Tratado (ii); o aprofundamento de políticas comunitárias relacionadas com a coesão económica e social e com o objectivo de “desenvolvimento equilibrado e sustentáve” (v. ex-artigo 2.º UE) - v.g. ex-artigo 299.º, n.º 2, TCE sobre as regiões ultraperiféricas e ex-artigo 16.º TCE sobre os serviços de interesse económico geral (iii); o direito de acesso dos cidadãos aos documentos do Conselho, do Parlamento Europeu e da Comissão (iv); extensão do princípio da proibição de discriminação em função de factores como a raça, religião, deficiência, idade ou orientação sexual (v. ex-artigo i3.º TCE).

3) Liberdade, segurança e justiça - o Título IV da Parte III do Tratado CE (ex-artigos 61.º e segs.) instituiu mecanismos de decisão comunitária sobre matérias que eram de cooperação intergovernamental (vistos, asilos, imigração e outras políticas relativas à livre circulação de pessoas); a realização plena da livre circulação de pessoas no contexto de um espaço europeu de liberdade, segurança e justiça (ELSJ) avançou com a incorporação no Tratado do acervo dos acordos intergovernamentais celebrados no quadro do chamado Acordo de Schengen (1985).

4) Direitos Fundamentais - instituição de um procedimento de tutela política que, no caso de se verificar uma violação grave e persistente dos princípios da liberdade, da democracia e dos Direitos Fundamentais, podia conduzir à aplicação de sanções ao Estado-membro infractor, incluindo, se necessário, a suspensão do direito de voto no Conselho.

5) Cooperação reforçada e flexibilidade - reconhecimento de modalidades de integração diferenciada, há muito teorizada pela doutrina e preconizada por alguns Estados-membros, que passa a enquadrar a opção de um grupo restrito de Estados-membros por um modelo mais aprofundado ou acelerado de realização dos objectivos da União e das Comunidades Europeias (com excepção da PESC).

O Tratado de Amesterdão não levantou a onda de interesse e de polémica que acompanhou, do princípio ao fim, o processo de ratificação do primeiro Tratado da União Europeia. Do ponto de vista político, este segundo Tratado limitou-se a aprofundar pressupostos de um funcionamento mais, eficaz da União Europeia. Por resolver ficaram os aspectos mais controvertidos da reforma institucional exigida pelo processo de alargamento (designados na gíria comunitária por “leftovers” ou “restos” de Amesterdão).

Do ponto de vista jurídico, o Tratado de Amesterdão alargou o âmbito de limitação da soberania dos Estados às matérias do asilo, imigração, vistos e outras relacionadas com a livre circulação de pessoas. Foi este efeito de limitação que determinou, a título de condição prévia de ratificação, a revisão constitucional em França, na Irlanda e na Áustria, bem como o recurso ao referendo na Dinamarca e na Irlanda.

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Decorrido pouco mais de um mês sobre a entrada em vigor do Tratado (1 de Maio de 1999), já o Conselho Europeu de Colónia se apressava a anunciar uma outra revisão, com início marcado para o primeiro semestre de 2000.

Para além da reforma institucional, a perspectiva do alargamento da União Europeia trouxe para o primeiro plano da discussão o problema crucial do financiamento.

Em Julho de 1997, a Comissão apresentou um estudo, intitulado Agenda 2000 - Por uma união mais forte e mais alargada, que traçava os grandes desafios ligados ao desenvolvimento da União Europeia e das suas políticas no século XXI. No que em particular se referia ao quadro financeiro, a Comissão pôs em prática um programa de acção constituído por propostas nos domínios da agricultura, fundos estruturais, fundo de coesão, instrumentos de pré-adesão e as perspectivas financeiras para o período de 2000-2006.

No Conselho Europeu de Berlim, em Março de 1999, a Agenda 2000 mereceria um acordo global, depois de viva discussão entre os Estados-membros sobre os respectivos níveis de contribuição líquida ou negativa para o orçamento comunitário.

O caminho das transformações estruturais da União Europeia na sua vertente económica ficou ainda assinalado pelo marco fundamental que foi o estabelecimento da moeda única – EURO, em 1 de Janeiro de 1999.

Com base no cumprimento dos critérios de convergência nominal, identificados pelo Tratado de Maastricht, foi aprovado pelo Conselho, reunido a nível dos Chefes de Estado ou de Governo, em 2 de Maio de 1998, o elenco dos Estados-membros "fundadores” do euro: Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo e Portugal. A Grécia aderiu ao euro em 1 de Janeiro de 2001 (Nesta fase, com a União de 15 Estados-membros, o Reino Unido, a Dinamarca e a Suécia preferiram, por vontade própria, não participar no euro, decisão que os continua a manter fora da Zona Euro, entretanto alargada em 2007 à Eslovénia, em 2008 ao Chipre e a Malta, em 2009 à Eslováquia e em 2011 à Estónia. A moeda única circula, assim, em dezassete dos vinte e sete Estados-membros).

No primeiro semestre de 2000, coincidindo com a segunda presidência portuguesa, uma nova CIG retomou as questões fundamentais de adaptação dos Tratados deixadas em aberto pelo Tratado de Amesterdão. Entre 14 de Fevereiro e 11 de Dezembro de 2000, a CIG preparou um projecto de tratado que veio a ser aprovado, na sua versão provisória, pelos mais altos representantes dos Estados-membros em Nice, por altura do Conselho Europeu. A versão definitiva foi assinada, também na cidade de Nice, em 26 de Fevereiro de 2001, pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros dos Quinze Estados-membros.

A margem do Conselho Europeu de Nice, e perante a recusa por parte de alguns Estados-membros de assumir o texto preparado para aprovação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, foi encontrada a solução de recurso de submeter o texto a uma decisão conjunta de proclamação pelos presidentes do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, na data de 7 de Dezembro de 2000. Adoptada sob a forma de um acordo interinstitucio- nal, a Carta nasceu sob a incerteza do seu valor jurídico e da sua relação com os Tratados institutivos.

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O processo de ratificação do Tratado de Nice ficou marcado pela demora da Irlanda em concluir o seu processo interno de aprovação. Na sequência de um primeiro referendo de sentido contrário ao Tratado de Nice (Junho de 2001), a Irlanda procedeu a uma segunda consulta referendária (Outubro de 2002), de desfecho favorável à ratificação. O Tratado de Nice entraria em vigor em 1 de Fevereiro de 2003.

O Tratado de Nice concretizou um objectivo de acabamento da reforma institucional assinalada no Tratado de Amesterdão como necessária ao funcionamento de uma “nova” União Europeia: pelo número de Estados que a ela passariam a estar associados como membros e pela abrangência e natureza das matérias integradas na sua esfera de atribuições, em especial a política monetária, a política externa e o espaço de liberdade, segurança e justiça.

No quadro de uma apresentação muito sumária do conteúdo de revisão do Tratado de Nice, podemos inventariar as seguintes principais modificações:

1)Estrutura institucional

Parlamento Europeu - para uma União com 27 Estados-membros, o número máximo de deputados europeus foi fixado em 732; reforço dos poderes desta instituição mercê da extensão do âmbito da co-decisão e do reconhecimento de efectivos poderes de iniciativa no processo de controlo da legalidade dos actos comunitários pelo Tribunal de Justiça.

Comissão - limitação do número de membros; a partir de 2005, cada Estado-membro só teria direito a propor um comissário, independentemente da sua dimensão; quando a União Europeia atingisse 27 Estados- -membros, o número de comissários passaria a ser inferior ao número de Estados, escolhidos na base de um princípio de rotação paritária; alteração do procedimento de nomeação dos comissários e reforço dos poderes do Presidente.

Tribunal de Justiça e Tribunal de Primeira Instância - garantias de composição igualitária entre os Estados-membros; criação no Tribunal de Justiça de uma “secção especiaF’ formada por 11 juizes; alargamento da competência do Tribunal de Primeira Instância que se tornaria a verdadeira instância jurisdicional comum para o conjunto dos recursos e acções directos; criação de camaras jurisdicionais encarregadas de apreciar em primeira instancia certas categorias de acções sobre matérias específicas (v. g. no domínio da propriedade intelectual ou dos litígios entre a Comunidade e os seus agentes e funcionários).

2) O processo de decisão

Extensão dos procedimentos por maioria qualificada - no Tratado da União Europeia e no Tratado da Comunidade Europeia, 27 disposições foram alteradas no sentido de substituir, total ou parcialmente, a exigência da unanimidade pela da maioria qualificada.

Extensão do âmbito do procedimento de co-decisão à maior parte das matérias que passaram a ser votadas por maioria qualificada.

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Cooperações reforçadas - reformulação completa das disposições aplicáveis às cooperações reforçadas no sentido de alargar o seu âmbito e de facilitar o estabelecimento de uma cooperação reforçada.

3) Outras alterações

Direitos Fundamentais - adaptação da cláusula sancionatória do artigo 7® do Tratado da União Europeia em função da experiência resultante da chamada “questão austríaca”63.

Segurança e Defesa - previsão de procedimentos e de mecanismos adequados ao desenvolvimento das capacidades operacionais e militares da União Europeia.

Cooperação judiciária em matéria penal - criação do EUROJUST, unidade composta por magistrados dos Estados-membros com a missão de contribuir para uma coordenação eficaz das autoridades nacionais responsáveis pelos procedimentos criminais.

Comité da Protecção Social - previsão no Tratado CE deste órgão criado por decisão do Conselho, em aplicação das Conclusões do Conselho Europeu de Lisboa.

Consequências financeiras do termo de vigência do Tratado CECA, em 23 de Julho de 2002 - um protocolo anexo define as condições de transferência dos fundos da CECA para a Comunidade Europeia.

A CIG 2000 adoptou uma declaração relativa ao futuro da União Europeia, pela qual exortou os Estados-membros, concretamente as Presidências sueca e belga, em cooperação com a Comissão e com a participação do Parlamento Europeu, a fomentar um amplo debate logo a partir de 2001. Previa-se ainda que o Conselho Europeu de Laeken, em Dezembro de 2001, pudesse aprovar uma declaração conducente a um processo de revisão sobre quatro pontos:

1) Estabelecimento e controlo de uma delimitação mais precisa das competências entre a União Europeia e os Estados-membros, que reflicta o princípio da subsidiariedade;

2) Estatuto da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia;

3) Simplificação dos Tratados, de modo a torná-los mais claros e acessíveis, sem alterar o seu significado;

4) Papel dos parlamentos nacionais na arquitectura institucional europeia.

Ainda de harmonia com a Declaração n.º 23, uma nova Conferência Inter-governamental seria convocada para 2004. Com três revisões dos Tratados institutivos aprovadas em pouco mais de dez anos (Maastricht, Amesterdão e Nice), a União Europeia preparou-se, assim para funcionar em ambiente de PREC (processo de revisão em curso). Em 2000, ao enunciar os tópicos de reforma do da União Europeia, com a proposta de uma nova revisão, os Estados-membros estariam longe de prever que o resultado da sua estratégia levaria a União Europeia a marcar passo durante quase uma década, implicada num processo turbulento e mal sucedido de gestação constitucional que só seria dado como encerrado pela entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de Dezembro de 2009.

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Convocada, como previsto, pelo Conselho Europeu de Laeken (Dezembro de 2001), a Convenção sobre o Futuro da Europa juntou, replicando o modelo de convenção que elaborou a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, representantes dos governos dos Estados-membros, dos parlamentos nacionais, do Parlamento Europeu e da Comissão. O Conselho Europeu escolheu para presidir à Convenção Valéry Giscard d’Estaing, antigo presidente da Republica Francesa, secundado pelos vice-presidentes Giulio Amato e Jean-Luc Dehaene.

Os trabalhos da Convenção desenrolaram-se entre Março de 2002 e Julho de 2003. O anteprojecto de tratado seria adoptado por consenso, nas reuniões de 13 de Junho e 10 de Julho de 2003.

A fase seguinte recuperou o processo de revisão previsto no Tratado da União Europeia, pelo que o anteprojecto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa foi submetido a apreciação da Conferência Intergovernamental (CIG). O texto adoptado pela CIG, com algumas alterações de natureza formal e substantiva, foi assinado em 29 de Outubro de 2004, pelos mais altos representantes dos 25 Estados-membros, reunidos na cidade de Roma.

A Constituição Europeia definia soluções não muito diferentes daquelas que acabariam por vingar sob a forma prudente de um tratado, com nome de tratado, assinado três anos depois em Lisboa. A Constituição Europeia, texto longo de 448 artigos, estava dividida em quatro partes:

A Parte I, de função introdutória, definia princípios e critérios basilares relativos à existência, estrutura institucional e funcionamento da União. Aqui se aglutinavam referências a um rol muito diversificado de matérias, valores, objectivos, relações entre a União e os Estados-membros, símbolos, direitos fundamentais e cidadania da União, competências, instituições e órgãos, nomenclatura dos actos jurídicos, cooperação reforçada, vida democrática da União, finanças, qualidade de membro da União;

A Parte II incorporava o texto da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Nice;

A Parte III, a mais longa e de cariz mais regulador, era dedicada às Políticas e Funcionamento da União;

A Parte IV correspondia às Disposições Gerais e Finais”.

Para além do nome, Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa (TECE),o tratado assinado em Roma estabelecia determinadas soluções claramente extraídas de uma forçada homologia entre a União e o Estado e, em especial, entre a União e o Estado Federal, que acabariam por alimentar, nos vários Estados-membros, o movimento anti-Constituição. Assim acontecia com os símbolos da União (bandeira, hino, lema, moeda, dia da Europa - v. artigo I-8.º TECE); com a designação dos actos jurídicos da União como leis e leis-quadro, segundo critérios de articulação hierárquica semelhantes aos actos estaduais c (v. artigos I-33.º a I-39.º, TECE); com a criação da figura do Ministro dos Negócios Estrangeiros (v. artigo I-28.º, TECE); com a enunciação expressa do princípio do primado do Direito da União Europeia sobre o Direito dos Estados-membros (v. artigo I-6.º, TECE).

Os referendos negativos em França e nos Países Baixos, realizados em Maio de 2005, mergulharam a Europa numa profunda crise política. Com o processo de ratificação em curso, tornou-se evidente, embora não fosse de imediato reconhecido, que não existia futuro

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para a Constituição Europeia. A ambição retórica de um programa constitucional para a Europa lançou, na verdade, os Estados-membros numa trajectória perigosa. Em nossa opinião, o malogro da Constituição Europeia, ultrapassado, é certo, com o Tratado de Lisboa, não deve ser pura e simplesmente esquecido. Este episódio da história da integração europeia constitui, como sucedeu em 1954 com a rejeição da Comunidade Europeia de Defesa, um exemplo dos riscos que o projecto europeu corre com soluções de puro voluntarismo político, esvaziadas de músculo democrático, reduzidas à estética do nominalismo conceitual. Mas, à semelhança do que se passou a seguir à rejeição de 1954, a crise transformou-se numa oportunidade de avaliação das soluções alternativas guiadas pela perspectiva de avatares sem ruptura. O Tratado de Lisboa é, por isso, o regresso ao caminho seguro e conhecido do método comunitário, a expressão da doutrina renovada do contratualismo como base de sustentação da União Europeia, que emerge da vontade soberana dos Estados-membros.

No Conselho Europeu de Junho de 2005, em reacção ao resultado dos referendos em França e nos Países Baixos, os Estados-membros deram o seu acordo a uma pausa para reflexão, com a duração de um ano. O Conselho Europeu de Junho de 2006 prorrogou por mais um ano este compasso de espera, aguardando pela realização das eleições presidenciais francesas. Por outro lado, a Alemanha, que assumiria a presidência da União Europeia no primeiro semestre de 2007, recebeu dos restantes parceiros a incumbência de preparar uma saída. Sem o explicitar, o Conselho Europeu anunciava o óbito da Constituição Europeia.

A ocasião escolhida para apontar um outro caminho de saída da crise foi a Cimeira de Berlim de celebração do 50.º aniversário da assinatura dos Tratados de Roma (25 de Março de 2007). Os Estados-membros invocam, então, o objectivo de fazer assentar a União Europeia “sobre bases comuns renovadas até às eleições do Parlamento Europeu de 2009”.

Segue-se um período de relativa indefinição, com um grupo alargado de Estados-membros, os chamados “Amigos do Tratado Constitucional”, a insistir na viabilidade da opção constitucional, contra a oposição declarada de Estados como a França, Países Baixos, Polónia, República Checa e Reino Unido.

O Conselho Europeu de Junho de 2007 concretiza a decisão de abandono da Constituição Europeia e incumbe uma nova Conferência Intergovernamental de preparar um “ Tratado reformador” dos tratados em vigor. Coincidindo com a presidência portuguesa da União no segundo semestre de 2007, os trabalhos correm céleres. Foram suficientes apenas três reuniões da CIG para chegar à versão definitiva do Tratado Reformador que, assinado pelos mais altos representantes dos 27 Estados-membros em cerimónia solene realizada no Mosteiro dos Jerónimos, na data de 13 de Dezembro de 2007, passou a ostentar a mais inspiradora designação de Tratado de Lisboa.

O Tratado de Lisboa mantém, em larga medida, as soluções vertidas na Constituição Europeia, mas o processo de “desconstitucionalização” que consuma tem um significado que ultrapassa largamente os aspectos relacionados com a nova designação e a supressão de disposições de analogia estadual ou federal. O Tratado de Lisboa recupera o significado pactício do estatuto jurídico da União, actualizando_o ao estádio actual de evolução do processo de integração europeia.

Em Portugal, o Tratado de Lisboa não foi submetido a consulta referendária, como estava previsto para o Tratado Constitucional (Portugal seria o nono Estado-membro a notificar os

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instrumentos de ratificação do Tratado de Lisboa. Aprovado pela Assembleia da República em 23 de Abril de 2008.

Nos restantes Estados-membros, com excepção da Irlanda, a aprovação também seguiu o formato simplificado de voto parlamentar. Ainda assim, o processo de ratificação enfrentou dificuldades na Alemanha, com a instauração de um recurso para o Tribunal Constitucional, na República Checa, por idênticas razões, e na Polónia, onde o Presidente reivindicou o direito de só assinar depois de superada a situação criada pelo referendo irlandês. A Irlanda, por imposição constitucional, submeteu o Tratado de Lisboa a referendo. A consulta, realizada em 12 de Junho de 2008, registou uma participação de 53% do eleitorado que, por uma maioria de 53% dos votos, rejeitou o Tratado de Lisboa76.

O referendo irlandês recriou o receio de um novo bloqueio, porventura mais difícil de ultrapassar do que o vivido a seguir aos referendos francês e holandês de 2005. A crise financeira que abalou o Mundo em Setembro de 2008 introduziu, num primeiro momento, um elemento suplementar de dificuldade na definição de um plano de resgate do Tratado de Lisboa, mas, curiosamente, num segundo momento, a crise vincou a premência de uma Europa unida e politicamente activa, que dependia da entrada em vigor do novo estatuto jurí-dico das instituições da União Europeia.

No Conselho Europeu de 12 de Dezembro de 2008 foram dadas determinadas garantias à República da Irlanda, nomeadamente a manutenção da sua soberania em matéria fiscal, o respeito pela sua tradicional neutralidade, a intangibilidade da sua Constituição no domínio do direito à vida, à educação e do direito da família; em particular, a Irlanda obteve o acordo relativo à composição da Comissão que, mesmo após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, “continuará a ser constituída por um nacional de cada Estado-membro”. Em contrapartida, a Irlanda comprometeu-se a promover nova consulta referendária antes de Novembro de 2009.

O segundo referendo realizou-se no dia 2 de Outubro de 2009: com uma participação superior ao referendo de 12 de Junho de 2008 (59% de votantes), registou uma expressiva vitória do sim (67%).

Removido este obstáculo, o Tratado de Lisboa ainda teria de lidar com um derradeiro braço de ferro por parte do Presidente da República Checa que condicionou a sua assinatura à garantia sobre a inaplicabilidade da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (v. Protocolo relativo à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia à República Checa, Anexo I às Conclusões do Conselho Europeu de Bruxelas, de 30 de Outubro de 2009).

O Tratado de Lisboa, cuja previsão inicial de vigência apontava para 1 de Janeiro de 2009 (v. artigo 6.º, n.º 2), acabaria por entrar no universo dos viventes jurídicos em 1 de Dezembro de 2009.

NOTAS COMPLEMENTARES

I. Adesão de Portugal às Comunidades Europeias - o pedido português de adesão, apresentado em 28 de Março de 1977, deve ser visto na perspectiva de uma longa e gradual aproximação de Portugal às Comunidades Europeias que só pode

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contudo, culminar na adesão depois da instauração do regime democrático.Com fundamento em parecer favorável da Comissão de 29 de Maio de 1978, o Conselho

exprimiu na sua reunião de 5 de Junho de 1978 uma posição favorável à adesão de Portugal. Seguiram-se, então, sete longos anos de árduas negociações entre as autoridades portuguesas e a Comissão, dificultadas, por um lado, pela turbulência da vida política portuguesa e, por outro, por um certo receio que tomou os Estados-membros quanto às consequências futuras do alargamento à Europa do Sul. Sob o impulso de uma declaração politica do Parlamento Europeu, as negociações foram concluídas e os tratados de adesão de Portugal e de Espanha solenemente assinados no dia 12 de Junho de 1985, primeiro em Lisboa, no claustro do Mosteiro dos Jerónimos e, horas depois, em Madrid.

II. Formas ou fases da integração económica - A teoria da integração económica individualiza quatro principais formas ou fases de evolução: zona de comércio livre; união aduaneira; mercado comum; união económica e monetária:

a) Zona de comércio livre - eliminação dos entraves tradicionais às relações comerciais entre os Estados (restrições quantitativas ou contingentes e direitos aduaneiros de importação e exportação); garantia da livre circulação de mercadorias nas relações entre os Estados participantes. Nas relações comerciais com os países terceiros, são aplicáveis as diferentes pautas aduaneiras nacionais, o que gera consideráveis dificuldades de funcionamento da zona. A teoria postula e a experiência confirma que as zonas de livre câmbio são formas transitórias de integração que evoluem para um estádio superior ou, não resistindo às tensões provocadas pelos interesses nacionais divergentes, se extinguem. A Convenção de Estocolmo de 1960, que instituiu a EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre) entre os sete membros originários (Reino Unido, Suécia, Noruega, Dinamarca, Áustria, Suíça e Portugal), estabelecia uma zona de livre comércio limitada aos produtos industriais. Com a adesão de boa parte destes Estados às Comunidades Europeias, a EFTA ficou esvaziada de membros e de objectivos.Ou seja, os Estados não aplicam direitos aduaneiros, nem limites quantitativos.É uma “guerra” constante entre os membros.

b) União Aduaneira - a livre circulação de mercadorias é alargada a todos os produtos, incluindo os agrícolas; implica a protecção do espaço aduaneiro, em relação a terceiros países, mediante uma pauta aduaneira comum, o que significa que os produtos importados do exterior estão sujeitos a uma imposição do mesmo nível, seja qual for a fronteira da união aduaneira pela qual penetrem no respectivo território. Ou seja, os direitos aduaneiros são iguais para todos os Estados.

c) Mercado Comum ou Interno- modalidade mais avançada de integração que acrescenta ao regime da união aduaneira a livre circulação dos factores produtivos (capital e mão-de-obra). No caso concreto das Comunidades Europeias, o Mercado Comum assentou sobre as quatro liberdades [livre circulação de mercadorias, pessoas (livre circulação dos trabalhadores e direito de estabelecimento), serviços e capitais, com algumas políticas comuns (Política Agrícola Comum, Política Comum de Pescas,

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Política Comum de Transportes, Política Comercial Comum) e um procedimento de harmonização das legislações nacionais.

O Acto Único Europeu (maior integração de soberanias) definiu o objectivo de realização do mercado interno ou mercado único, o que pode ser entendido como uma fase última de acabamento dos fins subjacentes à forma do mercado comum.

Ou seja, políticas comuns (comercial, agrícola, de pescas, etc), harmonização de legislações nacionais.

d) União Económica e Monetária - constitui a modalidade mais completa de integração: coordenação das políticas económicas, sociais, financeiras e monetárias; aprofundamento do processo de harmonização, ou mesmo de uniformização, das legislações nacionais directa ou indirectamente relacionadas com o funcionamento do sistema económico (v.g. direito das sociedades, direito fiscal, direito da concorrência); dependendo do nível alcançado de integração dos sistemas económicos nacionais, o estádio superior desta fase comporta a união monetária (câmbios fixos e convertibilidade obrigatória das diferentes moedas nacionais).

Ou seja, concretiza-se a plena integração das economias, entrada de uma moeda comum.

No estádio actual de evolução da integração económica europeia, a União Europeia combina ainda elementos típicos de união aduaneira, mercado comum, união económica e união monetária. Se no domínio da política monetária, a criação da moeda única, o euro, concretiza o objectivo último e mais ambicioso da integração, já noutros domínios, como o da livre circulação de pessoas e o da harmonização da legislação fiscal, estão ainda por realizar pressupostos básicos de funcionamento do mercado comum.

III. Símbolos da Europa: a bandeira, o hino e o dia da Europa. A bandeira - uma coroa de doze estrelas douradas, de cinco pontas, sobre fundo azul - representa os povos da Europa em círculo como sinal da sua união. O número de estrelas encerra um simbolismo abstracto que não tem nada a ver com o número concreto de Estados-membros. Adoptada pelo Conselho da Europa em 1955, passou a partir de 1986 a identificar também a Europa comunitária. O hino europeu é o conhecido prelúdio do “Hino da Alegria”, retirado da Nona Sinfonia de Beethoven, igualmente partilhado pelo Conselho da Europa e pela União Europeia. O chamado dia da Europa, 9 de Maio — celebra o dia em que Robert Schuman leu a declaração que levou à criação da primeira Comunidade Europeia.

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O TRATADO DE LISBOA E O RENOVADO ESTATUTO JURÍDICO DA UNIÃO EUROPEIA

Enquanto o texto único da Constituição Europeia (TECE) refundava o pacto institutivo da União Europeia, o Tratado de Lisboa reformou os tratados institutivos em vigor. O Tratado de Lisboa herdou a forma jurídica do “clássico” Tratado de Roma, na versão resultante do Tratado de Nice. O enunciado dos novos artigos resulta da conjugação das disposições dos tratados comunitários com o conteúdo inovador da Constituição Europeia. Em termos metodológicos, as disposições do texto único da Constituição Europeia foram enxertadas nas disposições de dois tratados, o Tratado da União Europeia (UE) e o Tratado da Comunidade Europeia, agora designado Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Na sua estrutura formal, o Tratado de Lisboa conta apenas com sete artigos: o primeiro altera o Tratado da União Europeia, o segundo altera o Tratado da Comunidade Europeia e os restantes cinco são disposições finais. Um Protocolo alterou o Tratado relativo à Comunidade Europeia da Energia Atómica que, ao contrário da Comunidade Europeia, subsistiu.

Para além da opacidade do texto originário, na versão não consolidada, o outro aspecto que, de imediato, impressiona por mero contacto visual com o Tratado de Lisboa é o da sua extensão. São, no total, contabilizando também as disposições da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 467 artigos, acompanhados de 37 protocolos e 65 declarações. A versão consolidada é, assim, mais voluminosa do que a versão do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa (448 artigos) e tem mais uma centena de artigos do que a versão em vigor com o Tratado de Nice.

Em nome do compromisso político teve de ser sacrificado o objectivo, inscrito, recorde-se, na Declaração de Laeken de 2001, de imprimir maior transparência e simplificação ao estatuto jurídico da União Europeia. O verdadeiro problema relativo à difícil inteligibilidade do estatuto jurídico não se resume, porém, à expressão de um texto demasiado longo e narrativo. O aspecto mais crítico prende-se sim com a ordenação sistemática das matérias entre dois tratados, o que gera situações muito frequentes de sobreposição reguladora, agravada ainda pela existência de protocolos e declarações que completam e, não raras vezes, derrogam o sentido do regime jurídico inscrito no articulado dos

Tratados. Um labirinto normativo com consequências mais visíveis na configuração dos órgãos e dos procedimentos de decisão. Para sabermos, por exemplo, o que é a Comissão e como funciona, temos de consultar, sucessivamente, o artigo 13.º, n.º 1, UE, o artigo 17.º UE, os artigos 244.º a 250.º TFUE e, pelo menos o artigo 5.º do Protocolo relativo às disposições transitórias.

O Tratado de Lisboa institui e conforma o novo estatuto jurídico da União Europeia. Pergunta-se: será mesmo um novo estatuto ou apenas um estatuto reformado ou revisto? Não é fácil a resposta a esta questão, em especial nesta fase, ainda muito preliminar, de apresentação do quadro jurídico que fundamenta o funcionamento da União Europeia. Também não se antolha possível uma resposta linear a esta questão, porque nela convergem dúvidas de âmbito muito diferente.

No plano político, imbuído de uma certa visão ideológica sobre a teleologia federal do processo de construção europeia, a análise que prevalece sobre o Tratado de Lisboa tende a

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carregar os tons escuros da decepção provocada pelo abandono forçado do projecto constitucional. Nesta óptica, o Tratado de Lisboa limita-se a reformar, a introduzir adaptações ao regime jurídico em vigor com o Tratado de Nice. Uma visão menos comprometida, mais objectiva, no sentido de fiel ao enunciado normativo do Tratado de Lisboa, suporta, contudo, uma conclusão diversa. Com efeito, o Tratado de Lisboa não chega para dotar a União Europeia de um estatuto radicalmente diferente, mas as alterações previstas correspondem, em número e alcance, a uma renovação de largo significado para a evolução futura do processo de integração europeia.

Importa, por outro lado, sublinhar que a leitura sobre a incidência mais ou menos inovadora do Tratado de Lisboa varia em função do elemento de cotejo. Se for a Constituição Europeia, somos levados a concluir que o Tratado de Lisboa difere muito pouco das soluções inscritas no Tratado de Roma II. Resumem-se a cinco as principais, e mais notadas, diferenças, todas elas, como vimos, ditadas pela necessidade de eliminar dos tratados institutivos as referências de recorte constitucional ou de cariz federal que foram identificadas no texto da Constituição Europeia:

1) Desapareceu o artigo respeitante aos símbolos da União;

2) Os actos normativos da União Europeia não adoptam a designação de leis europeias e leis-quadro europeias;

3) O Ministro dos Negócios Estrangeiros será antes o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança;

4) A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia foi retirada do corpo dos Tratados que apenas lhe fazem uma referência (v. artigo 6.º, nº1, UE);

5) O mesmo destino foi reservado para o princípio do primado (v. artigo I-6.º TECE), remetido para uma mera declaração (v. Declaração n.º 17, anexa à Acta Final).

Em contrapartida, se confrontarmos o estatuto jurídico antes e depois de 1 de Dezembro de 2009, não podemos deixar de reconhecer que o Tratado de Lisboa comporta importantes alterações sobre os seguintes pontos:

1) A União Europeia sucedeu à Comunidade Europeia, que deixou de existir (v. artigo 1.º, parágrafo terceiro, UE). Os dois Tratados institutivos, Tratado da União Europeia e Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia - têm o mesmo valor jurídico e sobre ambos se funda a União Europeia, de harmonia com o princípio construtivo: uma União, dois Tratados.

2) A lógica diferenciadora dos três pilares, instituída pelo Tratado de Maastricht, deu lugar, pelo menos em parte, a uma abordagem uniformizadora comunitária dos poderes da União Europeia nas suas diversas áreas de actuação. O exercício da competência pela União Europeia fica sujeito regras equivalentes, seja nos domínios tradicionais de integração, correspondentes ao antigo I pilar (v.g. política agrícola comum; política monetária) seja nos domínios ditos de cooperação intergovernamental do antigo II pilar (Política Externa e de Segurança Comum) e III pilar (Cooperação Judiciária e Policial em Matéria Penal);

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3) A União Europeia adquire personalidade jurídica (v. artigo 47.º UE), o que lhe permite, como novo ente de Direito Internacional, uma acção mais eficaz nas relações externas;

4) Em matéria de direitos fundamentais, a União Europeia passa a estar formalmente vinculada pela Carta dos Direitos Fundamentais, dotada de força jurídica equivalente à dos Tratados (v. artigo 6.º, n.º 1, UE). No tocante à tutela judicial dos direitos fundamentais, cumpre destacar a possibilidade de a União Europeia vir a aderir à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e ao sistema de garantia assegurado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (v. artigo 6.º, n.º 2, UE), o que representaria um salto evolutivo no sentido da convergência efectiva do modelo europeu de tutela dos direitos fundamentais;

5) As regras aplicáveis à delimitação de competências entre a União Europeia e os Estados-membros, de formulação jurisprudencial ou meramente doutrinária, estão agora claramente enunciadas em disposições expressas dos Tratados: o princípio da competência por atribuição (v. artigos 4-º, n.º 1, UE e 5.º, n.º1, UE), o princípio da subsidiariedade (v. artigo 5-º, n.º3, UE) e o princípio da proporcionalidade (v. artigo 5.º, n.º 4, UE). A definição de várias categorias de competências (v.g. competência exclusiva, competência partilhada, competência complementar) contribui, de modo decisivo, para uma almejada clarificação da linha de fron-teira que separa a esfera de actuação própria e genérica dos Estados-membros da esfera de actuação tipificada da União Europeia (v. artigos 2.º a 6.º TFUE). Em benefício do respeito do princípio da subsidiariedade, foram reforçados os poderes de intervenção dos Parlamentos nacionais no processo comunitário de adopção de actos legislativos que podem, verificadas determinadas condições, travar a sua aprovação ou desencadear junto do Tribunal de Justiça um recurso de anulação do acto legislativo aprovado (v. artigos 7º e 8.º do Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade).

A par da regulação das competências, o Tratado de Lisboa, como aconteceu com todos os tratados de revisão que o antecederam, expande o âmbito de decisão da União a novas matérias - v.g. política de energia (v. artigo 194.º TFUE); política espacial europeia (v. artigo 189.º TFUE); ajuda humanitária (v. artigo 214.ºTFUE); turismo (v. artigo 195.º TFUE); desporto (v. artigo 165.º, n.º 2, sétimo travessão, TFUE); protecção civil (v. artigo 196.º TFUE); cooperação administrativa (v. artigo 197.º TFUE). Foi, contudo, no domínio da Política Externa e de Segurança Comum, associada a uma Política Comum de Defesa em formação, bem como no domínio da Cooperação Judiciária e Policial em Matéria Penal, que se deu o reforço mais expressivo dos poderes de decisão da União Europeia;

6) Em matéria institucional, o Tratado de Lisboa introduz alterações de grande significado para o funcionamento futuro do quadro orgânico União Europeia. Destacamos, em particular, a nova centralidade do Conselho Europeu, elevado à condição de super-instituição, a sua presidência electiva e permanente, a figura do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, o sistema de troika na presidência do Conselho da União Europeia;

7) No respeitante aos procedimentos de decisão, novas regras aplicáveis ao modelo da co-decisão que se alarga a um maior número de matérias (participação conjunta do

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Parlamento Europeu e do Conselho que vota por maioria qualificada), sob a nova designação de processo legislativo ordinário (v. artigo 289°, n.º1, TFUE).

A natureza dos actos jurídicos da União - legislativos, delegados e de execução - depende, essencialmente, do processo de decisão. Embora preservando a antiga tipologia dos actos comunitários (v. artigo 288.º TFUE), a porta abre-se a uma nova classificação de actos que reproduz a clássica distinção entre actos legislativos e actos não legislativos.

A partir de 2014, com possível diferimento para 2017, a maioria qualificada no seio do Conselho depende de novas regras de apuramento, baseadas na conjugação de dois critérios: percentagem de membros do Conselho (55%), num mínimo de Estados (15 em 27), e percentagem de população (65%);

8) Uma revisão formal dos Tratados é um processo longo e, como aconteceu com a Constituição Europeia e depois com o próprio Tratado de Lisboa, de conclusão incerta. O novo estatuto jurídico da União, embora protegido nas suas regras fundamentais pela exigência do processo de revisão ordinário (v. artigo 48.º, n.º 2 e 6, UE), permite uma adaptação mais expedita através do que designamos como cláusulas para o futuro: cooperações reforçadas; cooperação estruturada permanente; cláusulas-passarela e processo simplificado de revisão.

UNIÃO EUROPEIA E MÉTODO EUROCOMUNITÁRIO DE INTEGRAÇÃO

A. O método eurocomunitário de integração: traços identificadores

A criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) pelo Tratado de Paris representa a primeira concretização do chamado método de integração funcionalista, depois convertido em método comunitário, proposto pela Declaração Schuman, de 9 de Maio de 1950, e que podemos captar na fórmula atribuída a JEAN MONNET e PAUL REUTER:

“A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: far-se-á por meio de realizações concretas que criem em primeiro lugar uma solidariedade de facto”.

O processo de construção europeia começou, assim, pela instituição de uma nova organização, dotada de poderes supranacionais ao serviço de objectivos bem definidos, de natureza económica, relativos à gestão em comum da produção e comercialização do carvão e do aço. O pragmatismo deste programa de acção foi substituído por uma abordagem bem diferente quando em 1952 foi assinado o Tratado que visava instituir a Comunidade Europeia de Defesa. No curto intervalo de um ano, passou-se da integração económica sectorial, embora politicamente motivada (É certo que a escolha do carvão e do aço para avançar com o projecto de integração económica foi inspirada pela preocupação política de, controlando as matérias-primas que poderiam alimentar a indústria do armamento e o restante esforço de guerra, conter e neutralizar qualquer tentação por parte da Alemanha e da França de regressar ao palco de guerra) para a integração política de grau máximo, porque relativa à definição de uma política comum de defesa entre Estados separados por séculos de desconfiança e de beligerância.

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A proposta de uma Comunidade Europeia de Defesa foi rejeitada em 1954 pela Assembleia Nacional Francesa, como seria rejeitada, por referendo, em 2005, a ratificação da Constituição Europeia. Afinal, a história é um risco permanente de repetição e só os mais desatentos ou insensatos se permitem ignorar a sábia lição de tais recorrências.

O excessivo voluntarismo da proposta de criação da Comunidade Europeia de Defesa, o seu evidente divórcio com a vontade política soberana dos Estados, tornou inevitável o regresso ao pragmatismo do método funcionalista. Os Tratados de Roma, que instituíram a Comunidade Económica Europeia (CEE) e a Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA), assinados em 25 de Março de 1957, são o triunfo do método funcionalista sobre o método federal. Em 2007, o Tratado de Lisboa, ao substituir a Constituição Europeia, renovou a confiança dos Estados-membros no conhecido método comunitário. Em 2007, como aconteceu em 1957, prevaleceu uma visão de assumido pragmatismo, inspirada pela experiência frutuosa dos pequenos passos.

Na Europa, o aprofundamento da integração entre os Estados-membros faz-se seguindo em frente, pelo mesmo caminho, aproveitando as rotas conhecidas. Um caminho radicalmente diferente gera o receio do desconhecido e paralisa a caminhada da Europa, qual peregrino medieval que se afastou do Caminho de Santiago.

O método funcionalista é uma teoria clássica sobre integração regional que interpreta o interesse comum relativo à definição integrada de políticas económicas e sociais como o fundamento de criação de órgãos de autoridade supranacional, investidos de poderes regulatórios dos mercados.

A teoria funcionalista orientou a opção europeia pela integração económica com a criação das três Comunidades Europeias e esteve na base do designado método dos pequenos passos - avanços graduais, mas irreversíveis (point of no return); avanços susceptíveis mesmo de provocar recuos tácticos (stop and go). O estabelecimento gradual de solidariedades de facto entre os Estados-membros do Mercado Comum deveria incidir sobre a generalidade das actividades económicas, criando um efeito de engrenagem ou incrementalismo (spill-over).

O processo de construção comunitária apropriou-se do método e conferiu-lhe traços próprios, resultantes da praxis. Como um verdadeiro processo, a sua evolução depende da sucessão de etapas (i). No método comunitário, estes avanços são a expressão de limitações à soberania dos Estados-membros, devidamente negociadas e contratualizadas (ii). Nem sempre esta contratualização obedece ao cânone da formalização pactícia, pelo que os avanços se podem alcançar pela via informal da decisão política qualificada, ao mais alto nível de representação dos Estados-membros no seio do Conselho Europeu. O nível intergovernamental de decisão constitui, igualmente, uma estratégia aplicativa do método comunitário (iii). Uma outra modalidade de limitação informal da soberania dos Estados-membros foi assumida pelo Tribunal de Justiça no exercício da sua função de interpretação e aplicação das normas comunitárias (activismo judicial).

Como postulava a Declaração Schuman, a resposta dos Estados aos desafios da integração depende dos objectivos propostos. Manter a construção comunitária em constante processo de realização pressupõe novos objectivos, de acordo com uma lógica endógena de

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progressividade e de expansão contínua do espaço de decisão própria dos órgãos comuns, em substituição do decisor nacional.

B. Comunidades Europeias e União Europeia: a expressão sobrevivente da dualidade metodológica pós-Tratado de Lisboa (uma estrutura com pilares invisíveis)

O Tratado de Lisboa mantém-se fiel à lógica do método comunitário, agora alargado à dimensão política da integração. O aspecto mais marcante do reforço do método comunitário resulta do abandono da estrutura sobre pilares, cuja existência obedecia a critérios construtivos bem diferenciados. Na versão anterior ao Tratado de Lisboa, União Europeia e Comunidades Europeias davam corpo a uma estrutura assimétrica, baseada na dualidade metodológica entre opção comunitária e opção intergovernamental. A União Europeia, tal como instituída pelo Tratado de Maastricht e aprofundada pelos Tratados de Amesterdão e de Nice, apresentava-se sob uma dupla face: enquanto fundada nas Comunidades Europeias, actuava através delas, prosseguindo objectivos e exercendo os poderes que os Tratados lhe confiavam; já no quadro das “políticas e formas de cooperação”, a União Europeia agia por via da acção concertada dos seus Estados-membros. Uma dualidade metodológica assente na opção entre, por um lado, integração de soberanias e, por outro lado, cooperação de soberanias, com notáveis implicações no plano dos procedimentos de decisão e dos poderes de acção da União Europeia.

A União Europeia, qual templo da antiguidade clássica, ostentava como elementos mais visíveis da sua estrutura arquitectónica um conjunto de três pilares que suportavam o peso de um largo frontão comum, formado pelos objectivos e princípios partilhados, bem como pela estrutura institucional única.

O primeiro pilar correspondia às matérias submetidas ao método comunitário de decisão [v. g. direito exclusivo de iniciativa normativa da Comissão; maioria qualificada como regra de deliberação do Conselho; poder de decisão partilhado entre o Conselho e o Parlamento Europeu sobre um número crescente de matérias (co-decisão); jurisdição obrigatória e plena do Tribunal de Justiça].

Ao segundo pilar (Política Externa e de Segurança Comum) e ao terceiro pilar (Cooperação Policial e Judiciária em Matéria Penal) eram aplicáveis regras segregadas pela lógica de cooperação intergovernamental, condizente com um paradigma de exercício directo dos poderes de soberania pelos Estados-membros (v.g. poder da Comissão mais limitado; unanimidade como regra geral de deliberação no seio do Conselho; Parlamento Europeu remetido a uma mera função consultiva; exclusão da competência de controlo do Tribunal de Justiça ou, no máximo, dependente da vontade dos Estados-membros e limitada a certas vias de direito).

O Tratado de União Europeia, na redacção dada pelo Tratado de Lisboa, determina no seu artigo 1.º, parágrafo terceiro: “A União substitui-se e sucede à Comunidade Europeia”. A União Europeia incorpora a Comunidade Europeia e adopta, em relação à generalidade das matérias, a abordagem comunitária. Desaparecem as Comunidades (Das três Comunidades criadas na década de 50 do século passado, a CECA extinguiu-se com I caducidade do Tratado de Paris em 2002. À Comunidade Europeia sucedeu a União Europeia com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Sobrevive a Comunidade Europeia da Energia Atómica (v. Protocolo BI anexado ao

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Tratado de Lisboa), mas a sua existência, dada a natureza sectorial e 1 notória especificidade regulatória da energia atómica, não prejudica a vocação geral das competências da União Europeia) para sair fortalecido o método comunitário.

Se no plano estrutural prevaleceu o objectivo de “despilarizar” a União Europeia, de renunciar ao princípio da dualidade metodológica, no plano concreto das soluções jurídicas adoptadas vingou uma concepção mais eclética que procura conciliar método comunitário e reserva de soberania, como, de resto, estava previsto no texto da Constituição Europeia. Sobre matérias como as relativas à Política Externa e de Segurança Comum, Política Comum de Segurança e Defesa (antigo II Pilar) e as relativas à Cooperação Judiciária e Policial em Matéria Penal (antigo III Pilar), a regra de deliberação no Conselho continua a ser a unanimidade (v.g. artigo 31.®, n.91, UE; artigo 42.9, n.s 4, UE; artigo 87.-, n.9 3, TFUE; artigo 89.9 TFUE) ou, no caso de se prever a maioria qualificada, são accionáveis pelos Estados-membros mecanismos de bloqueio decisional (v.g. artigo 82.9, n.9 3, TFUE; artigo 83.9, n.9 3, TFUE).

Em rigor, podemos afirmar que a União, em domínios mais directamente ligados ao exercício de atributos típicos de estadualidade, como sejam a política externa, a política de defesa, os serviços de polícia, preservou, em parte e por enquanto (As chamadas cláusulas-passarela permitem, no futuro, quando tal for possível, passar da regra da unanimidade para a regra da maioria qualificada, mediante decisão unânime do Conselho Europeu - artigo 31.º, n.º3, UE; artigo 81, n.º3, TFUE) a lógica intergovernamental dos pilares.

Um reflexo visível desta moderna arquitectura de pilares invisíveis, mas funcionalmente prestáveis, é o regime de competência do Tribunal de Justiça da União Europeia. Nos termos do artigo 275.º TFUE, o Tribunal não dispõe de competência no domínio da política externa e de segurança comum, como já acontecia na versão anterior dos Tratados (v. ex-artigo 46.º do Tratado da União Europeia, na redacção resultante do Tratado de Nice). O Juiz da União pode, contudo, controlar a observância do artigo 40.º UE relativo aos limites entre esta competência “mitigada” da União e as competências “plenas” reguladas pelo TFUE, tal como se pode pronunciar sobre os recursos de legalidade de decisões restritivas de direitos. No que respeita às matérias do espaço de liberdade, segurança e justiça, especificamente os capítulos sobre cooperação judiciária e policial em matéria penal, o artigo 276.º TFUE impõe limites ao poder de controlo judicial. Trata-se, contudo, de uma limitação que não diminui o mérito da solução vazada no Tratado de Lisboa de revogar o anterior regime restritivo do artigo 35.º do Tratado da União Europeia. Doravante, sobre as matérias do antigo III Pilar, é obrigatória, e não facultativa, a competência do Tribunal de Justiça no âmbito das questões prejudiciais e pode, por exemplo, pronunciar-se sobre acções por incumprimento contra os Estados-membros ou sobre acções de indemnização contra a União. Sem prejuízo dos limites previstos no artigo 276.º TFUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia passa, em suma, a exercer sobre as matérias do antigo III Pilar uma jurisdição de natureza comunitária.

Concluindo: a União Europeia, na sua aparência de manta de retalhos, laboriosamente escolhidos e cosidos pela linha da contingência de prolongadas e renhidas negociações no processo de revisão dos Tratados, como aconteceu com o Tratado de Lisboa, é a expressão do compromisso possível entre todos os Estados-membros.

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Não interessa forçar cenários federalistas ou impor leituras federalizantes dos textos vigentes, porque o traço que distingue - que sempre distinguiu - a Europa comunitária é a originalidade de ser, segundo a definição que propomos desde 1997, uma união de Estados soberanos que, por via pactícia e com fundamento nas respectivas Constituições, decidiram exercer em comum os respectivos poderes de soberania. Em virtude da sua singularidade jurídico-institucional, a União Europeia não se enquadra nos modelos conhecidos de congregação de Estados, como são a federação, a confederação e a organização internacional. Esta originalidade, ditada pelas características muito diferenciadoras dos Estados Europeus, não enfraquece o projecto europeu; ao contrário, potencia o processo histórico de acomodação das soberanias nacionais pelo caminho testado dos avanços graduais e de oportunidade.

O método comunitário, ao começar pelos aspectos económicos das relações entre Estados, seguiu uma opção natural que nos orienta, quando queremos resultados, pelo acesso que se apresenta, à partida, como mais aberto. Importa reconhecer que será seguramente mais fácil integrar mercados e economias do que integrar os filamentos seculares da identidade política e cultural das nações e dos povos europeus.

O Tratado de Lisboa consagra soluções que visam robustecer a União Europeia através da via do assinalado dualismo metodológico: mais poderes para a União Europeia, cedidos pelos Estados-membros mediante a garantia de controlar o exercício de tais poderes ou, mesmo, de os recuperar (freios intergovernamentais).

Sobre a dualidade metodológica integração versus cooperação, ajuda ter presente a conhecida distinção entre comunidade e sociedade, originariamente atribuída a Ferdinand Tõnnies. Para este sociólogo alemão do século XIX, a organizaçao interna de qualquer agregado humano há-de reflectir uma de duas formas possíveis: a comunidade (Gemeinschaft) ou a sociedade (Gesellschaft). Publicada em 1877, a sua obra de referência, intitulada precisamente Comunidade e Sociedade, foi, mais tarde, aproveitada para explicar as relações entre organizações mais complexas como são os Estados. Nas relações de tipo socie-tário, são mais fortes as pulsões centrífugas e os Estados permanecem separados apesar de tudo quanto fazem para se unir; nas relações de tipo comunitário, prevalecem os interesses comuns, são mais fortes as pulsões centrípetas e, por consequência, os Estados estão unidos apesar de tudo o que os separa.

As sociedades funcionam na base de critérios de coordenação de autoridade; diremos, tratando-se de Estados, de coordenação de soberanias, assim sucede nas relações internacionais e, por isso, será mais certa a expressão sociedade internacional do que a expressão comunidade internacional; assim acontece nas chamadas organizações internacionais clássicas ou intergovernamentais. Já nas comunidades, encontramos relações de infra e de supra-ordenação que se estabelecem a partir da aceitação pelos Estados da limitação de parcelas da sua soberania em favor de centros comuns de autoridade e de decisão.

As Comunidades Europeias correspondem ao modelo de tipo comunitário que remonta ao pensamento de Tönnies, pelo que a sua designação oficial tinha perfeita adequação conceitual. Com a criação da União Europeia e a consagração formal de métodos e de procedimentos de

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cooperação intergovernamental entre os Estados-membros, o processo de construção europeia passou a combinar relações de tipo comunitário com relações de tipo societário, provando que este ecletismo metodológico e organizatório é não só viável, como se pode revelar o mais apropriado. De resto, este modelo misto que combina relações verticais com relações horizontais de autoridade não é inédito. A Carta das Nações Unidas instituiu uma organização que podemos classificar como de cooperação, mas o Capítulo VII, em matéria de segurança colectiva, investe o Conselho de Segurança de poderes de decisão que envolvem o monopólio do uso da força no contexto internacional e que vinculam todos os Estados, independentemente da sua vontade, incluindo os que não são membros das Nações Unidas.

A UNIÃO EUROPEIA E "UMA CERTA IDEIA DA EUROPA”

A Europa está ligada a um Continente com fronteiras de traçado indeciso. Na verdade, muito mais do que o perfil geográfico de um Continente, a Europa é um conceito, é uma ideia. Esta ideia é variável no tempo e depende, fortemente, da perspectiva que cada autor imprime à sua construção sobre o destino da Europa.

Para George Steiner, a “ideia de Europa” está entretecida das doutrinas e da história da Cristandade ocidental».

Se a ideia de Europa baseada nos valores personalistas da doutrina cristã alimenta uma referência que une, já no que respeita aos aspectos especificamente culturais, como a língua, as tradições, os sistemas jurídicos, a gastronomia, a nota dominante é a da espantosa diversidade. Como plurais e arreigadamente diferentes são as nações que formam o puzzle europeu.

A pluralidade de Estados e de nações representa, de resto, um traço de identidade europeia que não deve ser apagado, mas, ao longo da História, a heterogeneidade deu, frequentemente, lugar à rivalidade e ao ódio que fizeram deflagrar guerras sucessivas e intermináveis com a sua ominosa pegada de destruição de bens materiais, aniquilamento de vidas humanas e degradação, pela fome e miséria, dos que sobreviviam.

Na segunda metade do século XX, no epílogo de duas grandes guerras que marcaram a primeira metade, separadas por um período curto de relativa trégua, a criação das Comunidades Europeias está ligada a “uma certa ideia de Europa”, sinónimo de garantia de paz e de promessa de prosperidade. Estes dois objectivos tiveram eco expressivo na declaração fundadora, anunciada por Robert Schuman em 9 de Maio de 1950: A contribuição que uma Europa organizada e viva pode dar à civilização é indispensável para a manutenção de relações pacíficas.”

Uma Europa organizada de acordo com princípios inteiramente novos de congregação e de acomodação das vontades soberanas dos Estados que a compõem. O método comunitário dos pequenos passos, que começa pela integração dos mercados e acabará no cenário da integração política, claramente proposto na Declaração Schuman, constitui um outro vector fundamental do teorema explicativo da Europa do futuro. Desde 1950 até aos nossos dias, qualquer tentativa de captar e definir no momento o alcance da ideia de Europa não foge ao efeito magnético da discussão em torno da alternativa entre Federação e não-Federação. Se

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nos ativermos ao texto seminal da Declaração Schuman, impõe-se a conclusão sobre a inevitabilidade da federação como modelo derradeiro e de finalização político-funcional do processo de construção europeia: “Esta proposta (...) e a instituição de uma nova Alta Autoridade cujas decisões vincularão a França, a Alemanha e os países aderentes, realizará as primeiras bases concretas de uma federação europeia indispensável à preservação da paz”

Ao longo dos anos, por mor de acontecimentos como a rejeição da Comunidade Europeia de Defesa, a posição intransigente do Presidente De Gaulle por uma Europa de Pátrias, a entrada do Reino Unido, a ideia da federação foi perdendo terreno para a ideia de uma terceira via, a meio caminho entre a federação e a organização internacional clássica. A Europa comunitária teria, assim, inventado o seu próprio roteiro para chegar à união política. Uma certa ideia da Europa segue, nesta versão da especificidade comunitária, um programa de assumida alternativa à federação.

Existem factores objectivos que podem acelerar o processo em curso de criação gradual da federação. No plano externo, a necessidade de dotar a União Europeia de uma voz própria e afinada que lhe garanta um lugar de autêntica relevância política na comunidade internacional, devidamente apoiada pelos meios de acção militar. No plano interno, a crise financeira de 2008 e, em particular, a crise de estabilidade do euro de 2010 tornaram patente a necessidade de proteger a moeda única através de medidas integradas de governo económico, suportadas por uma política orçamental de definição central. A questão que se coloca, então, é a de saber se a assinalada especificidade comunitária conseguirá, mais uma vez, fintar a federação. O protelamento da solução federal através do recurso aos mecanismos da decisão tipicamente comunitária será ainda o cenário mais provável. Podemos, contudo, interrogarmo-nos se a aposta continuada no modelo comunitário, expressão última da originalidade sistémica da ideia de Europa, não estará, perante a escala dos problemas e a premência de uma resposta eficaz, a erodir a autoridade da Europa, a comprometer o seu desempenho no Mundo globalizado das oportunidades e riscos partilhados.

Na eventualidade de uma evolução estugada para o modelo federal, seria a economia, e não a política na sua acepção estrita, a fazer prevalecer uma certa ideia federal da Europa. O imperativo apelo da paz não foi suficientemente forte para engrenar a federação sob a forma de uma política comum de defesa e, menos ainda, de um exército europeu. Já o receio de viver com maior aperto económico, de vermos fugir para a Ásia ou para a América o sonho da pros-peridade garantida provoca o verdadeiro rebate europeu. Diríamos, então: é a economia, Europeus!

CRONOGRAFIA DA CONSTRUÇÃO EUROPEIA - DA DECLARAÇÃO SCHUMAN AOS NOSSOS DIAS

1950

MAIO: Robert Schuman, Ministro francês dos Negócios Estrangeiros, apresenta publicamente (9 de Maio) o plano para submeter a produção franco-alemã do carvão e do aço a uma autoridade comum, organização aberta a outros países da Europa (Declaração Schuman).

1951

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ABRIL: assinatura do Tratado institutivo da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), na cidade de Paris, pelos representantes dos seis Estados-membros originários (França, Alemanha, Itália e os três países do BENELUX, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo).

1952

MAIO: OS seis Estados-membros da CECA assinam, também em Paris, o Tratado institutivo da Comunidade Europeia de Defesa (Tratado CED).

1953

Setembro: entra em vigor a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (CEDH), negociada sob a égide do Conselho da Europa.

1954

AGOSTO: votação na Assembleia Nacional francesa contrária à ratificação do Tratado CED.

Novembro: desapontado com o voto de rejeição da Assembleia Nacional francesa sobre o Tratado CED, Jean Monnet, o grande mentor do projecto europeu, anuncia que não assumirá um segundo mandato como presidente da Alta Autoridade.

1955

ABRIL: junto dos países do Benelux, Jean Monnet procura reactivar o projecto europeu, atingido pelo insucesso do Tratado CED. Paul-Henri Spaak, ministro belga dos Negócios Estrangeiros, propõe alargar a integração sectorial à energia nuclear e aos transportes. Jan Beyen, o congénere holandês, elabora um memorando, apoiado pelos três países do Benelux, que sugere a criação de um mercado comum aplicável a todos os produtos.

JULHO: cimeira dos Seis em Messina, com aprovação das linhas directoras do Relatório Spaak (“relance européenne”).

1956

MARÇO: publicação do Relatório Spaak que reitera as propostas de criação do mercado comum e de mercado sectorial para a energia nuclear.

MAIO: início das negociações em Veneza, na reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros dos Seis, tendo por base o Relatório Spaak; as negociações continuam no segundo semestre de 1956, nos arredores de Bruxelas (Château de Val Duchesse).

OUTUBRO: a União Soviética invade a Hungria para neutralizar uma sublevação anti-comunista e, logo de seguida, tem início a crise do Suez (Israel, Reino Unido e França atacam o Egipto e ocupam Port Said, mas são forçados a retirar em virtude da oposição dos EUA) - dois acontecimentos que impulsionam a solidariedade e a concertação dos Seis.

1957

MARÇO: conclusão das negociações e assinatura, 25 de Março em Roma dos dois Tratados - o Tratado institutivo da Comunidade Económica Europeia (CEE) e o Tratado institutivo da Comunidade Europeia da Energia Atómica (CEEA ou Eurátomo).

JULHO, ratificação dos Tratados de Roma pela França e pela Alemanha, por expressiva maioria nos respectivos parlamentos, seguida de aprovação nos restantes quatro Estados comunitários.

1958

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JANEIRO: entrada em vigor dos dois Tratados de Roma, institutivos da CEE e da CEEA.

MARÇO: primeira sessão da Assembleia Parlamentar - depois, Parlamento Europeu, que elege Robert Schuman como seu primeiro presidente.

JUNHO: reunião na cidade italiana de Stresa dos Ministros da Agricultura, peritos nacionais e representantes dos agricultores; definição das linhas orientadoras da futura Política Agrícola Comum (PAC), assente nos preços subsidiados dos produtos agrícolas e na aplicação de direitos aduaneiros aos produtos agrícolas importados para garantir a competitividade dos produtos comunitários.

DEZEMBRO: Charles De Gaulle é eleito Presidente em França (V República) e na próxima década vai marcar o passo da construção europeia.

1959

JANEIRO: em Estrasburgo, inicia funções o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, previsto na CEDH.

JUNHO: a Grécia solicita um acordo de associação com a CEE. JULHO: idêntico pedido é feito pela Turquia.

1960

JANEIRO: sete países europeus (Áustria, Dinamarca, Noruega, Portugal, Suécia e Reino Unido) criam a Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA).

MAIO: apresentação pela Comissão ao Conselho de Ministros de um conjunto vasto de propostas conducentes à aceleração do processo de realização da união aduaneira e à instituição da Política Agrícola Comum, cujos diplomas de configuração normativa entrarão em vigor dois anos depois, em 1962.

1961

JULHO : assinatura do Acordo de Atenas, entre a Grécia e a CEE; constitui o primeiro acordo de pré-adesão entre as Comunidades Europeias e um Estado terceiro.

AGOSTO: Reino Unido, Dinamarca e Irlanda formulam o seu pedido de adesão às Comunidades Europeias.

1962 ABRIL: a Noruega apresenta também o seu pedido de adesão.

1963

Janeiro: O Presidente De Gaulle anuncia o veto da França à adesão do Reino Unido, o que acaba por arrastar na decisão os pedidos da Dinamarca, Irlanda e Noruega. A França opõe-se à entrada do Reino Unido por várias razões: por um lado, a divergência entre as políticas e os interesses britânicos no quadro da Commonwealth e o modelo da integração comunitária; por outro lado, a provável oposição do Reino Unido à lógica de funcionamento da PAC; finalmente, o receio de uma influência crescente dos EUA, através do Reino Unido, no destino europeu.

JULHO: primeira Convenção de Yaoundé (Camarões), entre a CEE e 18 países africanos sobre relações comerciais, embrião da futura política comunitária da cooperação para o desenvolvimento com os países ACP (África, Caraíbas e Pacífico).

SETEMBRO: Acordo de Associação entre as Comunidades Europeias e a Turquia, assinado em Ancara, sobre matéria económica e comercial, prevendo a evolução para a união aduaneira.

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1964

JULHO: criação do FEOGA (Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola).

1965

ABRIL: segundo Tratado de Fusão que institui entre as três Comunidades uma Comissão única e um Conselho de Ministros único, concluindo o objectivo de fusão institucional iniciado com o Tratado de Fusão de 1957, relativo à Assembleia e ao Tribunal de Justiça.

JULHO: crise da cadeira vazia. O Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, que assume no segundo semestre a presidência rotativa, decide não convocar o Conselho. O boicote francês visa conter as propostas da Comissão no sentido de dotar as Comunidades Europeias de recursos financeiros próprios e de reforçar os poderes orçamentais do Parlamento Europeu; visa ainda impedir aplicação prevista para 1966 da regra da maioria qualificada às decisões do Conselho sobre um número alargado de matérias.

1966 JANEIRO: Compromisso do Luxemburgo que põe fim à crise da cadeira vazia. O Acordo

entre os Seis, anunciado através de um comunicado no final da cimeira, constitui uma afirmação do princípio intergovernamental. Em especial, ao permitir que a regra da maioria qualificada dê lugar ao consenso se um Estado-membro, com o acordo dos restantes, invocar um interesse nacional muito importante para se opor à aprovação da proposta.

1967

MAIO: Reino Unido, Irlanda e Dinamarca renovam o pedido de adesão às Comunidades Europeias.

JULHO : Noruega renova o pedido de adesão e a Suécia apresenta o seu pedido pela primeira vez.

DEZEMBRO: segundo veto da França ao pedido britânico, com o mesmo efeito de bloqueio sobre os demais pedidos.

1968

JULHO: realização da União Aduaneira, com 18 meses de antecipação relativamente ao prazo inscrito nos Tratados.

1969

ABRIL: na sequência de um referendo que perdeu, De Gaulle resigna. O seu afastamento revelar-se-á propício a novos avanços no processo de integração. O seu sucessor, Georges Pompidou é um europeísta convicto.

DEZEMBRO: Cimeira de Haia e o relançamento do projecto europeu, sob o signo de três objectivos concomitantes - alargamento, acabamento e aprofundamento.

1970

Abril : assinatura do Tratado orçamental que substituiu o sistema de contribuição dos

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Estados pelo financiamento através de recursos próprios, em especial, as tarifas da Pauta Aduaneira Comum e uma percentagem do IVA; e atribuiu novos poderes de decisão orçamental ao Parlamento Europeu.

JUNHO: início das negociações de adesão com o Reino Unido, Irlanda, Dinamarca e Noruega.

1971

Março: o Conselho aprova o Plano Werner sobre o reforço de coordenação das políticas económicas, prevendo que os Estados-membros devem adoptar medidas de harmonização das respectivas políticas orçamentais e de redução das margens de flutuação entre as suas moedas.

1972

ABRIL: referendo em França sobre o alargamento regista um resultado favorável expressivo (68,28% dos votos a favor, com uma participação a superar os 60%).

MAIO: referendo na Irlanda, com 83% dos votos a favor da adesão. SETEMBRO: referendo na Noruega, contrário à adesão (53,5% dos votos). Outubro: Cimeira de Paris adopta a decisão, na qual já participam os três futuros

Estados-membros, de lançar a Política Regional, financiada por um fundo regional de desenvolvimento. Referendo na Dinamarca, com 63,4 % dos votos a favor da adesão.

1973

JANEIRO: OS Seis passam a Nove, com a entrada do Reino Unido, Irlanda e Dinamarca. OUTUBRO: crise petrolífera, com a decisão da OPEP (Organização dos Países

Exportadores de Petróleo) de subir os preços e de cortar na produção.1974

FEVEREIRO: vitória do Partido Trabalhista inglês, liderado por Harold Wilson, cuja promessa de campanha foi a de renegociar as condições de adesão do Reino Unido.

JULHO: a Turquia invade e ocupa a Ilha de Chipre. DEZEMBRO: Cimeira de Paris define um acordo relativo à eleição do Parlamento Europeu

por sufrágio directo e universal, à institucionalização do Conselho Europeu e à criação do FEDER (Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional).

1975

FEVEREIRO: assinatura da I Convenção de Lomé entre a CEE e 46 Estados ACP (Africa, Caraíbas e Pacífico).

JUNHO: referendo no Reino Unido sobre a permanência ou a saída das Comunidades Europeias, convocado pelo Primeiro-Ministro trabalhista Harold Wilson, muito crítico do acto de adesão negociado pelo conservador Edward Heath. Com uma participação que atingiu os 64,03%, foram contados 67,23% de votos favoráveis à permanência nas Comunidades Europeias. Grécia, regressada à democracia, renova 0 pedido de adesão.

JULHO: assinatura pelos Estados-membros do segundo tratado orçamental que prevê a criação do Tribunal de Contas e alarga os poderes do Parlamento Europeu, em especial o poder de rejeição do Orçamento comunitário (início de vigência: 1 de Junho de 1977).

agosto: assinatura por 35 Estados da Acta Final da Conferência de Segurança e Cooperação na Europa (CSCE), em Helsínquia.

1976

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JANEIRO: publicação de um relatório da autoria de Leo Tindems, primeiro-ministro belga, sobre a União Europeia, a pedido dos Chefes de Governo.

JULHO: decisão do Conselho Europeu sobre a eleição dos membros do Parlamento Europeu por sufrágio directo e universal.

1977

MARÇO: Portugal solicita a adesão. ABRIL: Declaração conjunta do Parlamento Europeu, Conselho e Comissão sobre o

respeito dos direitos fundamentais. JULHO: Espanha apresenta o seu pedido de adesão.

1978 JUNHO: abertura das negociações de adesão entre Portugal e as Comunidades

Europeias. JULHO: Conselho Europeu de Bremen: acordo sobre uma estratégia comum para obter

uma mais elevada taxa de crescimento económico; decisão de criar o Sistema Monetário Europeu (SME).

1979

MARÇO: entrada em vigor do SME. 16 DE MARÇO: morre Jean Monnet ABRIL: aprovação pela Comissão de um memorando sobre a adesão das Comunidades

Europeias à CEDH. MAIO: assinatura em Atenas do tratado de adesão da Grécia. JUNHO (7 a 10): primeiras eleições para o Parlamento Europeu por sufrágio directo e

universal.1980

MARÇO: assinatura do Acordo de Cooperação CEE/ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático).

ABRIL: acordo obtido no Conselho Europeu sobre a contribuição do Reino Unido para o orçamento da Comunidade.

1981

JANEIRO: a Grécia torna-se o 10.º Estado-membro das Comunidades Europeias. NOVEMBRO: Plano Gensher-Colombo, apresentado pela Alemanha e França, relativo a

uma revisão dos tratados institutivos na parte institucional.1982

FEVEREIRO: referendo na Gronelândia determina que este território autónomo da Dinamarca se retire das Comunidades Europeias.

DEZEMBRO: Conselho Europeu de Copenhaga reafirma o compromisso político relativo ao alargamento.

1983

JUNHO: Conselho Europeu de Estugarda e Declaração Solene sobre a União Europeia. SETEMBRO: Altiero Spinelli, deputado europeu, apresenta ao Parlamento Europeu o seu

projecto de Tratado relativo ao estabelecimento da União Europeia.1984

FEVEREIRO: aprovação pelo Parlamento Europeu do Projecto Spinelli. MARÇO: assinatura do acordo relativo às futuras relações entre as Comunidades

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Europeias e a Gronelândia. JUNHO: Conselho adopta uma resolução sobre a redução dos controlos fronteiriços de

pessoas. JULHO: acordo franco-germânico, assinado em Saarbrüken, relativo à abolição

progressiva de controlos fronteiriços.1985

JANEIRO: entra em funções a Comissão presidida pelo francês Jacques Delors. FEVEREIRO: a Gronelândia abandona as Comunidades Europeias e fica associada como

território ultramarino. MARÇO: Conselho Europeu aprova a adesão de Portugal e de Espanha. MAIO (12 de): assinatura do tratado de adesão de Portugal (em Lisboa, Mosteiro dos

Jerónimos) e de Espanha (Madrid). JUNHO: apresentação pela Comissão do Livro Branco sobre a realização do mercado

interno.Assinatura dos Acordos de Schengen, relativos à abolição de controlos nas fronteiras

internas, pela Alemanha, França, Bélgica, Luxemburgo e Países Baixos.

Conselho Europeu de Milão: decisão de convocar a Conferência Intergovernamental (CIG) para analisar a reforma institucional.

SETEMBRO: abertura da CIG, com representantes dos 10 Estados-membros, de Portugal e de Espanha.

DEZEMBRO: Conselho Europeu do Luxemburgo é favorável à revisão dos tratados e ao relançamento da integração europeia através do Acto Único Europeu.

1986

JANEIRO (1 de ): adesão de Portugal e de Espanha. FEVEREIRO: assinatura do Acto Único Europeu (AUE) que altera os Tratados de Roma. SETEMBRO: representantes de 92 Estados participam na Conferência de Punta del Este

(Uruguai) e decidem lançar um novo ciclo de negociações comerciais multilaterais (Uruguai Round).

1987

ABRIL: Turquia formaliza o pedido de adesão. MAIO: referendo na Irlanda favorável à ratificação do AUE. JULHO (1 de): entrada em vigor do AUE. NOVEMBRO: adesão de Portugal ao SME.

1988

JUNHO: Conselho Europeu de Hanôver sublinha a vertente social dos objectivos de realização do mercado interno definidos para 1992.

OUTUBRO: Conselho adopta uma decisão relativa à criação do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (TPI).

1989

ABRIL: Comité presidido por Jacques Delors apresenta o seu relatório sobre a união económica e monetária.

JULHO: pedido de adesão da Austria. NOVEMBRO (9 de): Queda do Muro de Berlim. Abertura das fronteiras pela República

Democrática da Alemanha. DEZEMBRO: Conselho Europeu de Estrasburgo decide convocar, antes do final de 1990,

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uma nova CIG destinada a inserir nos Tratados as disposições relativas à união económica e monetária.

Adopção pelos Estados-membros, com excepção do Reino Unido, da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores.

1990

Abril: Conselho Europeu de Dublim chega a acordo sobre a abordagem comum da unificação alemã e das relações com os países da Europa Central e de Leste.

Junho: Conselho Europeu de Dublim decide a realização de duas CIG’s, uma sobre a união económica e monetária (UEM) e outra sobre a união política.

Julho: entra em vigor a 1.ª fase da UEM, com um regime de excepção para a Espanha, Portugal, Grécia e Irlanda. Chipre e Malta apresentam o seu pedido de adesão.

OUTUBRO (3 de): reunificação alemã, passando os “Länder” da ex-RDA integrar as Comunidades Europeias.

Novembro: 34 Chefes de Estado e de Governo da Conferência sobre a Segurança e Cooperação na Europa (CSCE) assinam em Paris a Carta para uma nova Europa, fundamento para a sua transformação na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), em 1 de Janeiro de 1995.

1991

ABRIL: inaugurado em Londres, o Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento (BERD).

NOVEMBRO: Comissão avança para a criação do Serviço Europeu de Ajuda Humanitária.CEE adere à FAO, agência especializada das Nações Unidas nos domínios da agricultura e

alimentação, tornando-se a primeira organização de integração económica que assume o estatuto de membro efectivo de uma organização internacional.

DEZEMBRO: Conselho Europeu de Maastricht chega a acordo sobre o novo tratado de revisão, o chamado Tratado da União Europeia.

1992

JANEIRO: Portugal assume, pela primeira vez, a presidência do Conselho. FEVEREIRO (7 de): assinatura do Tratado da União Europeia, na cidade holandesa de

Maastricht. MARÇO: pedido de adesão da Finlândia. Abril: o escudo entra no mecanismo das taxas de câmbio do SME. MAIO (2 de): assinatura do Acordo que cria o Espaço Económico Europeu (EEE), no

Porto.Pedido de adesão da Suíça.

JUNHO: referendo na Dinamarca contrário à ratificação do Tratado de Maastricht. NOVEMBRO: pedido de adesão da Noruega. DEZEMBRO: referendo na Suíça rejeita ratificação do Tratado do Porto que cria o EEE.Conselho Europeu de Edimburgo concede à Dinamarca as derrogações solicitadas para

submeter o Tratado de Maastricht a nova consulta referendária.

1993

JANEIRO (1 de): entrada em vigor do Mercado Único. JUNHO: Conselho Europeu de Copenhaga confirma que a adesão da Áustria, Finlândia,

Suécia e Noruega se deve concretizar em 1995 e assegura aos países da Europa Central

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Page 66: Resumo Direito da União Europeia

e de Leste que a sua adesão será viável logo que satisfaçam as condições políticas e económicas requeridas.

NOVEMBRO (I de): entrada em vigor do Tratado da União Europeia. DEZEMBRO: declaração conjunta sobre o reforço das relações, em especial no domínio

político, entre a Federação Russa e a União Europeia.Assinatura em Genebra de um acordo, no âmbito das negociações do Uruguai Round,

destinado a concretizar a mais ampla liberalização da história do comércio mundial.

1994

JANEIRO (1 de): inicia-se a 2.º fase da UEM. Entra em vigor o Acordo que cria o EEE. MARÇO: pedido de adesão da Hungria. ABRIL: pedido de adesão da Polónia.Assinatura em Marraquexe da acta final das negociações do Uruguai Round.

JULHO: Jacques Santer é designado para suceder a Jacques Delors como Presidente da Comissão.

NOVEMBRO: referendo na Noruega que, pela segunda vez, rejeita a ratificação do tratado de adesão à União Europeia.

DEZEMBRO: assinatura em Lisboa do tratado relativo à Carta Europeia de Energia.

1995

JANEIRO (1 de): adesão da Suécia, Áustria e Finlândia. FEVEREIRO: Conferência ministerial do G7 em Bruxelas sobre a Sociedade da

Informação. É criado “Europa”, o sítio oficial da União Europeia. MAIO: adesão do Liechenstein ao EEE. JUNHO: pedidos de adesão da Roménia e Eslováquia. OUTUBRO: pedido de adesão da Letónia. NOVEMBRO: pedido de adesão da Estónia. DEZEMBRO: pedidos de adesão da Lituânia e da Bulgária.Conselho Europeu de Madrid estabelece que a CIG, destinada a preparar nova revisão dos

tratados, terá início em 29 de Março de 1996 e a introdução da moeda única, designada euro, ocorrerá em 1 de Janeiro de 1999.

1996

JANEIRO (1 de): união aduaneira entre a UE e a Turquia.Pedido de adesão da República Checa.

FEVEREIRO: assinatura de um acordo euromediterrâneo de associação. JUNHO: pedido de adesão da Eslovénia. DEZEMBRO: Conselho Europeu de Dublim chega a acordo sobre os elementos

necessários à criação da moeda única - enquadramento jurídico, pacto de estabilidade, novo mecanismo de taxas de câmbio.

1997

JUNHO: Comissão adopta um plano de acção para concluir o mercado único. Conselho Europeu de Amesterdão chega a um acordo sobre o novo tratado de revisão e abre a porta ao processo de macroalaramento a dez novos países.

OUTUBRO (2 de): assinatura do Tratado de Amesterdão.1998

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FEVEREIRO: reunião em Londres entre os Estados-membros e os dez Estados candidatos à adesão.

Maio: Conselho, em sessão extraordinária, decide que onze Estados-membros (entre estes, Portugal) preenchem as condições para a adopção do euro, em 1 de Janeiro de 1999.

JUNHO: criação do Banco Central Europeu. DEZEMBRO (31 de): Conselho adopta as taxas de conversão fixas e irrevogáveis entre as

moedas nacionais dos onze Estados-membros participantes da Zona Euro.1999

JANEIRO (1 de): lançamento oficial do euro como moeda única da Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia, França, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e Portugal.

O Grupo Socialista no Parlamento Europeu desencadeia o procedimento de moção de censura à Comissão. Na votação final, 232 votos a favor da moção e 293 votos contra. O PE acaba por solicitar a um comité independente para investigar as acusações dirigidas a membros da Comissão.

Março: demissão colectiva da Comissão presidida por Jacques Santer na sequência das acusações de fraude, má gestão e nepotismo constantes do relatório do Comité de Peritos Independentes.

Maio: entrada em vigor do Tratado de Amesterdão. Parlamento Europeu aprova a nomeação de Romano Prodi para presidir à Comissão.

Junho: Conselho Europeu de Colónia define o mandato da próxima CIG e define o objectivo de elaborar a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

DEZEMBRO: Conselho Europeu de Helsínquia convoca para Fevereiro de 2000 a CIG destinada a analisar nova revisão dos tratados e reconhece a Turquia como país candidato à adesão.

2000

Janeiro (1 de): Portugal assegura, pela segunda vez, a presidência do Conselho da UE. FEVEREIRO (14 de): início da CIG sobre a reforma institucional. MARÇO: Conselho Europeu de Lisboa define uma nova estratégia da União relativa ao

reforço do emprego, reformas económicas e da coesão social enquanto partes integrantes da estrutura económica dinamizada pela sociedade do conhecimento (“Estratégia de Lisboa”).

JUNHO: Conselho Europeu aprova a entrada da Grécia na Zona Euro. Assinatura em Cotonou (Benin) de uma convenção que substituirá as Convenções de Lomé no quadro das relações UE/ACP.

SETEMBRO (22 de): BCE, Reserva Federal dos EUA e Banco do Japão decidem intervir para apoiar o euro. (28 de): referendo na Dinamarca rejeita adesão ao euro.

DEZEMBRO: Conselho Europeu de Nice viabiliza um acordo político relativo ao novo tratado de revisão e encontra uma solução para a Carta dos Direitos Fundamentais da UE que, sendo contestada por alguns dos Estados-membros, é proclamada conjuntamente pelos Presidentes do PE, do Conselho e da Comissão; define ainda uma estratégia de pré-adesão da Turquia, enquanto os outros dez candidatos entram em processo acelerado de negociação.

2001 JANEIRO (28 de): assinatura do Tratado de Nice que altera o Tratado da UE e o Tratado

da Comunidade Europeia.

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JUNHO (7 de): referendo na Irlanda contrário à ratificação do Tratado de Nice. OUTUBRO: reunião informal dos Chefes de Estado e de Governo na cidade belga de

Gant que, na sequência dos atentados de 11 de Setembro, manifestam total apoio à luta contra o terrorismo, tal como definido pelas Nações Unidas e reiteram a solidariedade com os EUA.

DEZEMBRO: Conselho Europeu de Laeken adopta uma declaração sobre o futuro da União que abre caminho a uma ambiciosa reforma institucional.

2002

Janeiro (1 de): primeiro dia de circulação das moedas e notas da moeda única na Zona Euro (12 Estados-membros).

Março: Presidida por Giscard d’Estaing, início dos trabalhos da Convenção sobre o futuro da Europa.

Lançamento do Galileo, o sistema europeu de determinação da posição e da navegação por satélite.

MAIO (31 de): União Europeia ratifica o Protocolo de Quioto. JULHO (23 de): termo de vigência do Tratado de Paris, institutivo Comunidade Europeia

do Carvão e do Aço (CECA). OUTUBRO (19 de): segundo referendo na Irlanda é favorável à ratificação do Tratado de

Nice.2003

FEVEREIRO (1 de): início de vigência do Tratado de Nice. ABRIL: assinatura em Atenas dos Tratados de adesão de Chipre, Eslováquia, Eslovénia,

Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Malta, Polónia e República Checa. JULHO: adopção pela Convenção do texto da chamada Constituição Europeia. OUTUBRO (4 de): reúne em Roma a CIG que analisa o projecto de Constituição Europeia.

2004

MAIO (1 de): entram em vigor os tratados de adesão dos 10 novos Estados-membros, concretizando o maior alargamento da UE.

JUNHO: Croácia é considerada pelo Conselho Europeu como país candidato à adesão. JULHO: PE aprova o nome de José Manuel Durão Barroso como Presidente da Comissão. OUTUBRO (29 de): assinatura em Roma do Tratado que estabelece uma Constituição para

a Europa.2005

ABRIL: parecer favorável do PE à adesão da Roménia e da Bulgária. MAIO (9 de): 6º.º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa. (29 de): em

França, referendo contrário à ratificação do Tratado Constitucional. JUNHO (1 de): nos Países Baixos, referendo contrário à ratificação do Tratado

Constitucional. OUTUBRO: início formal das negociações de adesão da Turquia e Croácia. DEZEMBRO: Conselho reconhece à Antiga República Jugoslava da Macedónia o estatuto

de país candidato à adesão.2006

JUNHO: Conselho Europeu prolonga o período de reflexão em torno do faturo do Tratado Constitucional.

DEZEMBRO: negociações de adesão com a Turquia são suspensas devido à recusa de Ancara em permitir o acesso de navios e aviões da República de Chipre aos seus portos

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Page 69: Resumo Direito da União Europeia

e aeroportos.2007

JANEIRO (1 de): Roménia e Bulgária tomam-se membros da UE. Eslovénia passa a integrar a Zona Euro.

MARÇO (25 de): cimeira solene em Berlim que assinala a efeméride do 50.º aniversário dos Tratados de Roma e decide o abandono do Tratado Constitucional, reafirmando a necessidade de uma reforma dos tratados vigentes.

JUNHO: Conselho Europeu exprime o acordo sobre um novo tratado de revisão, designado Tratado Reformador.

JULHO: início formal dos trabalhos da CIG que prepara o novo tratado. OUTUBRO: Conselho Europeu de Lisboa, após difíceis negociações, chega a acordo sobre

as alterações propostas no Tratado Reformador. DEZEMBRO (13 de): em Lisboa, no cenário do Mosteiro dos Jerónimos, é assinado o

Tratado Reformador que adopta a designação de Tratado de Lisboa.2008

JANEIRO: Chipre e Malta adoptam a moeda única. JUNHO: o referendo na Irlanda é contrário à ratificação do Tratado de Lisboa. OUTUBRO: crise financeira domina a agenda do Conselho Europeu cujas conclusões

preconizam uma reforma profunda do sistema financeiro, nomeadamente o reforço da supervisão internacional.

DEZEMBRO: Conselho Europeu estabelece acordo que, na base de certas cedências às preocupações da Irlanda, envolve a realização de uma segunda consulta ao povo irlandês sobre o Tratado de Lisboa.

Suíça adere ao Espaço Schengen, o que permite o exercício da livre mobilidade das pessoas sem controlo nas fronteiras.

2009

JANEIRO (1 de): Eslováquia adere à moeda única e torna-se o 16.º Estado-membro da Zona Euro.

MARÇO: Cimeira em Bruxelas convocada para debater as medidas de combate à crise económica.

JULHO: Islândia apresenta pedido de adesão. SETEMBRO: indigitação de Durão Barroso para um segundo mandato como

Presidente da Comissão. OUTUBRO (2 de): o segundo referendo na Irlanda é favorável ao Tratado de Lisboa. Novembro: Conselho Europeu nomeia Herman Van Rompuy para o cargo de

Presidente do Conselho Europeu e Catherine Ashton para o cargo de Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.

DEZEMBRO (1 de): Tratado de Lisboa entra em vigor. Sérvia formaliza o pedido de adesão.

2010

FEVEREIRO (9 de): Parlamento Europeu vota a aprovação da Comissão Barroso II. (11 de): os Chefes de Estado e de Governo, em reunião informal, decidem prestar

apoio financeiro à Grécia, impossibilitada de cumprir os objectivos do programa de estabilidade para 2010.

MARÇO (26 de): Conselho Europeu adopta a estratégia Europa 2020, definida pela Comissão como roteiro para sair da crise económica; os 16 Estados-membros da Zona Euro aprovam o plano para ajudar a Grécia a ultrapassar o défice orçamental

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e as dificuldades de financiamento internacional. MAIO (10 de): para travar uma situação de sucessivos ataques à estabilidade do

euro, os Chefes de Estado e de Governo dos países da Zona Euro e os Ministros das Finanças dos Estados-membros da UE, superada a oposição da Alemanha, criaram um fundo de emergência, uma espécie de “fundo monetário europeu”, ao qual podem recorrer os Estados-membros que o requeiram, sob condição de pôr em prática exigentes medidas de consolidação orçamental.

JUNHO (7 de): os Ministros das Finanças dos 16 Estados-membros da Zona Euro formalizam a criação do fundo de emergência financeira, sob a designação Facilidade Europeia de Estabilidade Financeira (FEEF).

Não confundir:Conselho da Europa : 1949; Chefes de Estado de 47 Estados; Organização Internacional de cooperação política.Conselho Europeu: Chefes de Governo (também podem ser de Estado) + Presidente da Comissão.Conselho da União Europeia: Reunião ministerial.

O SISTEMA INSTITUCIONAL - CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS

A. O quadro institucional único

Desde a criação das Comunidades Europeias até ao Tratado de Lisboa, a evolução do quadro institucional foi encaminhada, nos sucessivos tratados de reforma institucional, por dois vectores programáticos: por um lado, a unificação dos orgãos que conduziria à definição de um quadro institucional único; por outro lado, a necessidade de adequar o suporte institucional ao incremento de poderes e funções confiados ao decisor eurocomunitário levou à criação de novos órgãos, com composição e competências muito diferenciadas, o que tornou o sistema institucional mais complexo e, apesar das tentativas para contrariar a tendência, menos transparente.

Com a formação inicial das três Comunidades Europeias, cada tratado institutivo estabelecia um sistema institucional próprio, com órgãos dotados de competências diferentes e até designações distintas. Por exemplo, a Ata Autoridade da CECA passou a ter, no âmbito da CEE e da CEEA, a designação que acabou por se impor, de Comissão.

Cedo se manifestou a vontade de, embora reconhecendo a identidade própria de cada Comunidade no plano das respectivas políticas e competências promover a unificação orgânica. Pelo Tratado relativo a certas instituições comuns de 25 de Março de 1957, garantiu-se a existência de uma só Assembleia e de um só Tribunal de Justiça; foi ainda unificado o Comité Económico e Social da CEE e da CEEA. O segundo Tratado de fusão de 8 de Abril de 1965 submeteu o Conselho e a Comissão ao princípio da unidade orgânica. O preâmbulo deste convénio assinalava já a fusão das três Comunidades como um objectivo a atingir, assim facilitado pela existência de um quadro institucional único.

A criação da União Europeia pelo Tratado de Maastricht, mantendo em simultâneo as três Comunidades, colocou a questão do respectivo enquadramento institucional.

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O artigo 5.e TUE (ex-artigo E) completava esta perspectiva da estrutura institucional da União ao determinar que o Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas exerciam as respectivas competências nas condições definidas pelo Tratado da União Europeia e pelos Tratados institutivos das três Comunidades. Com a existência de um “quadro institucional único” pretendeu-se garantir a unidade de funcionamento entre a componente comunitária e a componente intergovernamental da União: os mesmos órgãos, com competências diferentes.

A lógica dos pilares que sustiam a União Europeia, não era em si mesma contrária à afirmação de um quadro institucional único. No entanto, actuação jurídica do decisor da União Europeia ao abrigo de dois modelos claramente distintos de vinculação da soberania dos Estados-membros (cooperação versus integração) reflectia-se, com evidência, no estatuto e poderes de certas instituições, em particular a Comissão e o Tribunal de Justiça. Por exemplo, no âmbito do chamado II Pilar, relativo à Política Externa e de Segurança Comum, a Comissão exercia poderes de recorte muito residual num palco dominado pelo Conselho (órgão intergovernamental) e do qual o Tribunal de Justiça fora mesmo arredado, carecendo de jurisdição sobre as matéria da PESC.

O artigo 13.9, n.91, UE, introduz deste modo o perfil institucional da nova União Europeia: “A União dispõe de um quadro institucional que visa promover os seus valores, prosseguir os seus objectivos, servir os seus interesses, os dos seus cidadãos e os dos Estados-membros, bem como assegurar a coerência, a eficácia e a continuidade das suas políticas e das suas acções”.

Com a versão introduzida pelo Tratado de Lisboa, desapareceu o termo “único” para adjectivar o quadro institucional da União. A Regente apresenta algumas dúvidas sobre o acerto da nova redacção que tomou como certa a entoação pleonástica da expressão “quadro institucional único” quando aplicado a uma entidade jurídica, una e aparentemente homogénea, como será a União Europeia. Como veremos, à medida que avançarmos na análise das instituições, órgãos e organismos, a União Europeia, que, sublinhe-se, actua sob diferentes velocidades consoante as matérias em causa, dispõe de um quadro institucional plural e flexível.

A garantia da unidade e coerência de acção da União, mesmo em domínios de elevada especificidade técnica e política como é o caso da União Económica e Monetária, depende, afinal, da intervenção das principais instituições políticas, Parlamento Europeu, Conselho Europeu, Conselho e Comissão - e da função fiscalizadora exercida pelo Tribunal de Justiça.

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Instituições, órgãos e organismos (três níveis diferenciados de actuação institucional)

Na versão anterior ao Tratado de Lisboa, a distinção fazia-se entre instituições e órgãos. Nos termos do ex-artigo 7.º, n.º 1, TCE, eram qualificadas como instituições, por esta ordem: o Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão, o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Contas. Para além destas cinco instituições, os Tratados previam outras estruturas orgânicas ou simplesmente admitiam a sua criação, sob a designação indiferenciada de órgãos.

O critério distintivo entre instituições e órgãos não era claro e, importa sublinhá-lo, nele sobressaía uma avaliação política e simbólica sobre o papel atribuído às ditas instituições no concerto decisional da União Europeia. Assim, na base desta classificação residia um critério mais político do que jurídico. A relativa imprecisão jurídica ficou ainda mais evidenciada com a consagração do Tribunal de Contas como instituição. Cumpria perguntar se o critério operativo era o da importância ou competência decisória, então justificar-se-ia a “institucionalização” do Banco Central Europeu (BCE) o que só veio a acontecer com o Tratado de Lisboa; se o critério era o da autonomia, então também o Comité das Regiões e o Comité Económico e Social poderiam figurar como instituições, já que o Tratado lhes reconhece o poder de aprovar o respectivo regulamento interno, sem controlo do Conselho (v. artigo 303.º.TFUE e artigo 3O6.º.TFUE, respectivamente).

A nova redacção do artigo 13.º, n..º1, UE, correspondente ao ex-artigo 7.º TCE, ao acrescentar o Conselho Europeu e o BCE ao rol de instituições, torna mais clara a motivação política que inspira a opção, porventura discutível no plano estritamente conceitual,- de destacar no conjunto dos órgãos da União Europeia aqueles que ocupam um lugar de maior saliência, no quadro da decisão política ou do controlo político, jurisdicional e financeiro.

Na recomposição da lista de instituições da União Europeia, sobressai, por um lado, a inclusão do Conselho Europeu e do BCE e, por outro lado, a nova identificação do órgão jurisdicional pela expressão Tribunal de Justiça da União Europeia. No primeiro caso, a promoção do Conselho Europeu ao estatuto de instituição é coerente com um quadro institucional redesenhado que beneficia, de modo claro, a instância máxima de representação dos Estados-membros. No que toca ao BCE, tendo em conta a sua reconhecida importância no funcionamento da união monetária e na garantia da estabilidade do euro, resulta que a qualificação como instituição apenas pecou por tardia. Finalmente, importa saudar o acerto da opção pelo enunciado Tribunal de Justiça da União Europeia, substituindo a anterior Tribunal de Justiça. Nos termos do artigo 19.ºUE, o Tribunal de Justiça da União Europeia inclui o Tribunal de Justiça, o Tribunal Geral os tribunais especializados. Regressamos assim, e bem, ao modelo que vigorou até ao Tratado de Nice de unidade institucional da estrutura jurisdicional da União Europeia: uma instituição, vários tribunais.

Em jeito de conclusão, podemos dizer que o artigo 13.º UE, pelas alterações que introduziu na versão anterior relativa ao elenco das instituições da União, tornou mais clara e, por isso, mais coerente, a chancela tradicional de instituição ao reservá-la, com propriedade, para os órgãos mais relevantes, seja na óptica da sua competência juridicamente vinculativa seja na óptica da sua função (v.g. Tribunal de Contas).

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O artigo 2.º do Tratado de Lisboa, na parte relativa às Alterações Institucionais, decretou a substituição da expressão “instituições e órgãos” pela outra de “instituições, órgãos e organismos” em todos os artigos dos Tratados (v.g. artigo 9° UE; artigo 265° TFUE). Acabamos de explicar o sentido da distinção, que remonta à versão originária dos Tratados, entre instituição e órgão. Cumpre, então, perguntar: o que são os organismos e o que têm de diferente que possa justificar a sua expressa autonomização?

Há largos anos que a prática institucional promove a criação de entidades muito variadas, tanto do ponto de vista jurídico como funcional, indistintamente designadas por organismos. Sintetizando, têm em comum dois traços principais: 1) não estão expressamente previstos no texto dos Tratados; 2) são criados por decisão das instituições e órgãos competentes da União e beneficiam, regra geral, de personalidade jurídica própria.

Estes organismos personalizados, que não se devem confundir com a categoria de órgãos complementares, criados também por iniciativa do decisor da União (v.g. comités técnicos), são cada vez em maior número e surgem sob as mais variadas designações e formato jurídico, a título de exemplo, agência, instituto, observatório, centro. A sua proliferação e diversificação traduzem a necessidade de encontrar a solução mais adequada para dar resposta ao cumprimento das novas missões confiadas pelos Estados-membros à União Europeia, nos domínios sempre em expansão do controlo técnico e da actividade regulatória.

O Parlamento Europeu

Como estabelece o artigo 14.º, n.º1, EU: “O Parlamento Europeu exerce, juntamente com o Conselho, a função legislativa e a função orçamental”. Nos mais diversos domínios de regulação material, aplica-se o procedimento legislativo ordinário através de decisão conjunta do Parlamento Europeu e do Conselho (Artigo 289.º TFUE e artigo 294.º TFUE).

Para além do reforço dos seus poderes no procedimento orçamental, o Parlamento Europeu passa ainda a exercer competência deliberativa sobre matérias tao importantes como a aprovação de alterações aos Tratados pelo processo simplificado (artigo 48.º, n.º7, parágrafo quarto, UE), a aprovação do acordo de retirada de um Estado-membro (artigo 50.º, n.º2, UE), a aprovação do exercício de poderes novos pela União (artigo 352.º, n.º1, TFUE), a aprovação de um número muito alargado de acordos internacionais (artigo 218.º, n.º6, TFUE). Por outro lado, a alteração no processo de nomeação do Presidente da Comissão foi no sentido de acentuar a relevância da intervenção do Parlamento Europeu, competente agora para eleger, o candidato proposto pelo Conselho Europeu (artigo 17.º, n.º7, UE).

O Conselho da União Europeia

O Tratado de Lisboa emprestou ao Conselho novos traços relativos a aspectos organizativos (formação do Conselho e respectivas presidências) e ao processo deliberativo por maioria qualificada.

O Tratado de Lisboa enfraquece o Conselho e restringe a sua autonomia estatutária. No sistema anterior, o Conselho, através da aprovação do regulamento interno, era competente para decidir sobre a respectiva organização interna, mormente a definição do número e natureza das formações ministeriais em que, dependendo da matéria, se apresentava. A

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Presidência do Conselho e das diferentes formações era exercida pelo Estado-membro que, ao abrigo do sistema pré-definido de rotação, exercia a presidência semestral. Ao invés, o Tratado de Lisboa deposita nas mãos do Conselho Europeu a decisão sobre a lista das formações do Conselho (artigo 236.º, alínea a), TFUE). Apenas duas formações têm existência garantida pelos Tratados, o Conselho dos Assuntos Gerais e o Conselho dos Negócios Estrangeiros (Artigo 16.º, n.º6, UE, e o artigo 236.º, alínea a), TFUE.

Em prol do princípio da transparência, tendo por base a analogia inconsciente, sublinhe-se, entre o Conselho e um órgão parlamentar, o artigo 16.º, n.º8, UE, determina que são públicas as reuniões do Conselho em que esta delibere e vote sobre actos legislativos.

Conselho Europeu (Ver no Anexo)

C. Estrutura institucional e fontes de legitimidade

O modo de designação dos membros de cada instituição e, em particular, a repartição de poderes entre elas combinam fontes diferentes de legitimidade. Assim se explica que qualquer alteração dos Tratados sobre composição, regras de deliberação ou competências tenha implicações imediatas no equilíbrio delicado e frágil que sustenta o funcionamento da estrutura de decisão da União Europeia.

O Parlamento Europeu, eleito por sufrágio directo e universal dos cidadãos dos Estados-membros desde 1979, é a única instituição comunitária que recolhe a legitimidade democrática.

O Conselho, seja na versão Conselho Europeu seja na composição ministerial de Conselho da União, composto pelos representantes dos Estados-membros, incarna a legitimidade intergovernamental.

A Comissão, cujos membros são escolhidos em função da sua competência e estão vinculados a um dever de independência, representa o “interesse geral da União” (v. artigo 17.º, n.º1, UE), veicula, por isto, a legitimidade comunitária ou supranacional.

A situação do Tribunal de Justiça da União Europeia foge, naturalmente, a este enquadramento próprio dos órgãos que exercem a função política. O princípio de autoridade que sustenta a actuação dos três tribunais da União e que, ao mesmo tempo, delimita a sua competência, é o controlo jurisdicional, caracterizado pela independência e reclamado por um modelo de produção e de aplicação das normas jurídicas segundo o paradigma da “ Comunidade de Direito”.

Em relação às outras instituições - Banco Central Europeu, Tribunal de Contas e aos restantes órgãos comunitários, v.g. Comité das Regiões, Comité Económico e Social -, a sua criação obedeceu a objectivos específicos de ordem técnica ou de representação orgânica de interesses, pelo que, em última análise, estarão mais próximos de uma lógica funcional de legitimidade comunitária.

As importantes alterações introduzidas pelo Tratado de Lisboa na estrutura institucional da União Europeia tiveram o efeito de redefinir o equilíbrio de poderes e a linha de coabitação

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entre as três fontes de legitimidade. Em rigor, o Tratado de Lisboa mudou o sistema de governo da União Europeia. O ambiente político de profunda crise financeira e orçamental, subsequente à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, potenciou e acentuou a orientação de mudança do centro nevrálgico do poder no sentido da intergovernamentalidade em detrimento da decisão comunitária.

A instituição mais beneficiada foi, o Conselho Europeu. A par do novo estatuto politico-institucional de que goza o Conselho Europeu, outros factores concorrem no sentido de garantir um maior controlo por parte dos Estados-membros no governo da União Europeia: o cargo de Alto Representante, com função de vice-presidência da Comissão: a intervenção dos parlamentos nacionais no processo comunitário de decisão em razão do princípio da subsidiariedade, susceptivel de traduzir uma posição nacional definida pelo respectivo Governo. O contraponto é dado pelo aumento de matérias que são objecto de decisão por maioria qualificada em substituição da unanimidade e, sobretudo, pelo estatuto alentado do Parlamento Europeu que, por regra, passa a co-decisor na função normativa, em pé de igualdade com o Conselho. Em resultado de equilíbrios negociados e renegociados no longo caminho até Lisboa, é a Comissão que sofre uma maior erosão do seu papel no sistema de governo. No plano formal, a Comissão não perde competências. O seu enfraquecimento é, na verdade, a consequência do fortalecimento do Conselho Europeu e da criação do Alto Representante, deslocando o eixo central do poder para a suprema instituição representativa dos Estados-membros. Sublinhe-se que este debilitamento não nasce inopinadamente com o Tratado de Lisboa, porque, há longos anos, porventura desde os meados da década de noventa, depois do período de ouro da Presidência de Jacques Delors, a Comissão perdeu iniciativa politica e direcção estratégica.

O método comunitário concilia controlo directo dos Estados-membros e controlo autónomo, exercido pela Comissão, pelo Banco Central Europeu e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. No passado, a intervenção dos Estados-membros, através do Conselho ou, em situações de crise, através da negociação diplomática (Acordos do Luxemburgo), demonstrou que o elemento intergovernamental é parte essencial da complexa equação político-decisional da União Europeia.

Tendo presente a natureza derivada dos poderes da União, a intervenção dos Estados-membros no sistema de governo concretiza o princípio fundamental do exercício em comum de poderes e é, por regra, garante de eficiência do processo de decisão. A maior especificidade da opção intergovernamental é a sua exigência na aplicação do método da permanente negociação politica, geradora dos compromissos possíveis.

D. Regime comum de funcionamento das instituições, órgãos e organismos

a) Autonomia – que caracteriza o estatuto das instituições e de alguns órgãos da União Europeia deve ser compreendida numa dupla acepção: externa e interna.

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A autonomia externa resulta, em primeiro lugar, do grau de independência da própria União Europeia na sua relação com os Estados-membros e outras entidades jurídicas, mercê da personalidade jurídica que, a partir do Tratado de Lisboa, lhe é expressamente reconhecida (v. artigo 47.º.UE); resulta, em segundo lugar, do regime tradicionalmente associado às organizações internacionais relativo aos privilégios e imunidades [v. infra c)].

A autonomia interna, por seu lado, envolve o poder de auto-organização. De acordo com os Tratados, o Parlamento Europeu (v.artigo 232.º TFUE), a Comissão (v. artigo 249.º, n.º1, TFUE), o Conselho (v. artigo 240.º, n.º3, TFUE), o Comité Económico e Social (v. artigo 303.ºTFUE) e o Comité das Regiões (v. artigo 306.º TFUE) aprovam o respectivo regulamento interno. A autonomia organizativa pode assumir um recorte ainda mais acentuado, dependendo da natureza da instituição em causa, o Banco Central Europeu tem personalidade jurídica e estatuto reforçado de independência (v. artigo 282.º, n.º 3, TFUE), ou da sua função representativa, ao Parlamento Europeu, composto por deputados eleitos por sufrágio directo e universal, compete estabelecer o “ estatuto e as condições gerais de exercício das funções dos seus membros” (v. artigo 223.º, n.º 2, TFUE).

Um dos limites à autonomia organizativa resulta, por um lado, do princípio do equilíbrio institucional (v. artigo 13.9, n.º 2, UE) e, por outro lado, do princípio da competência por atribuição (v. artigo 4°, n.º1, UE e artigo 5.º, n.º1, UE). O problema dos limites inerentes ao princípio da autonomia da instituição parlamentar foi colocado, com particular acuidade, em relação à escolha dos locais de trabalhos. Em várias decisões sobre a matéria, o Tribunal de Justiça considerou que o PE não poderia, sob pretexto da autonomia organizativa, violar as competências próprias dos Estados-membros para fixar a sede das instituições, ao abrigo (do actual) artigo 341.º TFUE.

b) Função pública da União Europeia

O estatuto dos funcionários e agentes das três Comunidades Europeias foi definido, na sequência do Tratado de fusão de 8 de Abril de 1965, por um corpo único de regras. O Regulamento CEE, Euratom, CECA n.9 259/68, do Conselho, de 20 de Fevereiro de 1968, aprovou o Estatuto dos Funcionários das Comunidades (“Estatuto”) e o Regime aplicável aos outros agentes das Comunidades (“ROA”).

A função pública eurocomunitária está, tanto pelo número de efectivos como pelo regime contratual aplicável, mais próxima do modelo nacional de funcionalismo público do que do paradigma da função pública das organizações internacionais. Em relação a números de 2009, as instituições e órgãos consultivos da UE empregavam mais de 40.000 pessoas, com estatuto variado de funcionários, contratados e eventuais.

A função pública da União é, por isto, a mais numerosa das funções públicas internacionais. Cerca de 75% do conjunto beneficia do estatuto de funcionários, titulares de um verdadeiro direito ao lugar e integrados numa carreira devidamente hierarquizada. Aqueles que beneficiam do estatuto de funcionários ou agentes fazem parte de uma administração pública única, cujos direitos e deveres resultam de um Estatuto único, independentemente da instituição o órgão que os recrutou.

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A Comissão absorve a maior parte dos efectivos de pessoal, assumindo-se como o órgão superior da administração pública comunitária. Do número referido de 40.000 pessoas contratadas pela União Europeia, 33.000 estão ligadas à Comissão (incluindo os centros científicos), cerca de 5.000 ao Parlamento Europeu, 3.300 ao Conselho, 1.300 ao Tribunal de Justiça da União Europeia 620 ao Tribunal de Contas, 600 ao Comité Económico e Social e 382 ao Comité das Regiões.

Diferente é a situação do pessoal contratado pelos numerosos organismos da União (v.g. agências, institutos, observatórios). Dotados na generalidade dos casos de personalidade jurídica e de autonomia financeira e administrativa, contratam livremente o seu pessoal, de acordo com as modalidades previstas no acto institutivo ou determinadas por acto interno de gestão dos recursos humanos. O regime legal aplicável aos trabalhadores das agências é o que resulta das disposições lex loci do direito laborai ou da prestação de serviços.

O recrutamento por via de concurso é, nos termos do Estatuto, a regra, salvo para os cargos superiores de chefia (directores-gerais e directores) em relação aos quais prevalece o critério da repartição equitativa pelos vários Estados-membros. Os funcionários são admitidos por um acto unilateral, um acto administrativo, da entidade competente e a sua condição legal, mesmo anterior à decisão final de recrutamento (v.g. regras de admissibilidade ao con-curso) é regulada exclusivamente pelo Estatuto que, por ser um regulamento, pode ser unilateralmente modificado.

Sobre os funcionários e agentes da União impende o dever de, mesmo após a cessação das suas funções, não divulgar as informações abrangidas pelo segredo profissional (v. artigo 339.® TFUE). '

Nos termos do artigo 270.º TFUE, os funcionários e agentes da União têm direito a um foro único e exclusivo. Em relação aos chamados trabalhadores locais ou contratados, o foro judicial competente é o dos tribunais nacionais do lugar de prestação da actividade.

Com a criação do Tribunal de Primeira Instância em 1989, o chamado contencioso da função pública comunitária passou a integrar o âmbito da sua jurisdição, embora com a garantia de recurso para o Tribunal de Justiça das decisões proferidas em primeira instância. O aumento muito expressivo da litigiosidade resultante das acções e recursos dos funcionários levou, por sua vez, à criação em 2004 do Tribunal da Função Pública da União Europeia, o primeiro tribunal especializado instituído ao abrigo do artigo 257.º.TFUE.

Com a redacção introduzida pelo Tratado de Lisboa, o artigo 336.º TFUE consagra a nova designação de Estatuto dos Funcionários da União Europeia e o regime aplicável aos outros Agentes da União e, aspecto de maior significado político-institucional, a aprovação do respectivo regulamento segue o processo legislativo ordinário. Uma competência que antes (cfr. ex-artigo 283.® TCE) pertencia ao Conselho passa agora a envolver, em pé de igualdade, o Parlamento Europeu.

A Comissão apresentou em Junho de 2010 uma Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e o Regime aplicável aos outros Agentes destas Comunidades. Em causa está basicamente a

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necessidade de adequar o Estatuto à natureza específica da nova estrutura orgânica, de âmbito interinstitucional, do Serviço Europeu para a Acção Externa (SEAE). O artigo 27.º, n.º 3, UE, determina que o SEAE, cuja missão é apoiar o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.

Para efeitos do Estatuto, o SEAE será considerado como uma instituição. Apesar da diferente proveniência dos futuros funcionários e agentes do SEAE, o princípio fundamental previsto é o da igualdade, seja no processo de selecção para os postos diplomáticos seja no estatuto funcional aplicável.

c) Privilégios e imunidades

Nos termos do artigo 343-e TFUE, a União goza, no território dos Estados-membros, dos privilégios e imunidades necessários ao cumprimento da sua missão. O Protocolo n.º 7, anexo aos Tratados, retoma o regime previsto no Protocolo de 8 de Abril de 1965, integrado no Tratado de fusão aplicável ao Conselho e à Comissão. O Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia regula, por um lado, o regime aplicável à União, aos seus funcionários e agentes, aos deputados europeus e outros responsáveis pelas instituições no território dos Estados-membros e, por outro lado, define a situação jurídica dos representantes dos Estados-membros que participam nos trabalhos das instituições, bem como das missões de Estados terceiros acreditadas junto da União Europeia. O regime vazado no Protocolo assenta sobre as seguintes principais regras:

os locais, edifícios e arquivos da União são invioláveis; os bens, imóveis ou móveis, estão isentos do pagamento de quaisquer impostos

directos; todas as pessoas ao serviço da União gozam de imunidade de jurisdição no território

de qualquer um dos Estados-membros, embora limitada aos litígios directamente relacionados com o cumprimento das suas missões,

os representantes dos Estados-membros, incluindo os que integram as chamadas representações permanentes e ainda os outros representante (ministros, secretários de Estado, altos funcionários, peritos, etc.) que, periodicamente, se deslocam ao território do Estado-membro onde situam os lugares de trabalho das instituições, gozam das facilidade e privilégios habituais reconhecidos pelo Direito Internacional Público (v. Convenção de Viena de 1961 sobre as Relações Diplomáticas)

o Estado-membro cuja capital acolhe a sede da União Europeia (Bruxelas) deve conceder às missões dos Estados terceiros acreditadas todas as imunidades e privilégios diplomáticos usuais.

Importa sublinhar que, por seu lado, a União Europeia não beneficia de imunidade de jurisdição (v. artigo 274Q.TFUE). A União e, outrossim, a sobrevivente CEEA, podem ser demandadas junto do Tribunal de Justiça da União Europeia, no quadro da competência atribuída pelos Tratados, ou junto dos tribunais nacionais que, como órgãos comuns da justiça eurocomunitária, têm competência para dirimir os restantes litígios em que sejam parte.

d) Regime linguístico

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O Tratado CECA foi redigido em francês e apenas a versão francesa era considerada autêntica. Já os dois Tratados de Roma, que instituíram a CEE e a CEEA, bem como todos os tratados de revisão posteriores foram adoptados em todas as línguas oficiais das Comunidades Europeias, constituindo qualquer uma delas versão autêntica, que faz fé.

O artigo 342.º TFUE investe o Conselho do poder de aprovar, por unanimidade, o regime linguístico das instituições da União, excepcionando o caso particular das disposições previstas no Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. O artigo 281.ºTFUE permite a revisão do Estatuto através do processo legislativo ordinário, explicitando, contudo, a excepção relativa ao regime linguístico cuja alteração exige a unanimidade no seio do Conselho (v. artigo 64.ºdo Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia).

O Regulamento n.º1, do Conselho, de 15 de Abril de 1958, sucessivamente alterado pelos Actos de Adesão dos novos Estados-membros, determinou como línguas oficiais e línguas de trabalho da União os idiomas oficiais dos respectivos Estados-membros. O artigo 55 .ºUE enuncia as 23 línguas oficiais: alemão, búlgaro, checo, dinamarquês, eslovaco, esloveno, espanhol, estónio, finlandês, francês, grego, húngaro, inglês, irlandês (gaélico), italiano, letão, lituano, maltês, neerlandês, polaco, português, romeno e sueco.

O Jornal Oficial da União Europeia é publicado nas 23 línguas oficiais. No caso de um acto normativo, é requerida a sua publicação, condição necessária da eficácia do acto (v. artigo 297.º TFUE); eventuais divergência semânticas deverão ser resolvidas pela comparação entre as diferentes versões.

Em relação aos actos dirigidos pelas instituições a um Estado-membro ou a uma pessoa sujeita à jurisdição de um Estado-membro só é autêntica a versão na língua oficial deste Estado.

A correspondência endereçada às instituições por um Estado-membro ou por uma pessoa dependente da sua jurisdição poderá ser redigida em qualquer uma das línguas oficiais, devendo a resposta ser redigida na mesma língua. O artigo 24.º, parágrafo quarto, TFUE, introduzido pelo Tratado de Amesterdão, consagra este regime linguístico a propósito do direito de petição e de queixa, definidos no âmbito do estatuto de cidadania da União. Já no quadro mais alargado do direito a uma boa administração, o artigo 41.º, n.º4, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia reconhece a “todas as pessoas”, incluindo, pois, os cidadãos de países terceiros, o direito “ de se dirigir às instituições da União numa das línguas oficiais dos Tratados, devendo obter uma resposta na mesma língua”.

Nas reuniões oficiais, as instituições devem assegurar a utilização dos 23 idiomas oficiais mediante o funcionamento do adequado sistema de tradução simultânea (Anote-se o carácter restritivo da referência a “instituições da União” que consta do artigo 342.º TFUE (definição do regime linguístico por unanimidade). Por “instituições da União” entende-se os órgãos a esse título indicados pelo artigo 13.º UE. Em relação a todos os outros órgãos e organismos da União, impõe-se à luz do artigo 4.º, n.º 2, UE (igualdade entre os Estados-membros e respeito da identidade nacional) a fixação de um regime linguístico que facilite, por um lado, o exercício dos direitos pelos cidadãos europeus e, por outro lado, observe na medida do possível a

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igualdade entre as línguas oficiais). Os documentos oficiais também devem ser divulgados nas 23 versões.

Na prática, e contrariando muitas vezes a vontade expressa pelas delegações nacionais, o inglês, o francês e o alemão funcionam como línguas de trabalho, especialmente nas reuniões de nível técnico. A evolução demonstra que o inglês é uma espécie de língua franca no espaço multilinguístico da União Europeia, enquanto o francês resiste, fruto de uma tradição iniciada na década de 50, como língua de comunicação entre os juízes dos tribunais da União nas respectivas sessões de deliberação, o que dispensando a presença dos intérpretes, garante o desejado secretismo das suas posições e do seu sentido de voto.

Os Regulamentos de Processo do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral estipulam regras próprias de aplicação do regime linguístico. O princípio fundamental que empresta sentido ao regime linguístico processual é o de garantir um tratamento igual às diferentes línguas oficiais.

Apontada frequentemente como a materialização contemporânea da bíblica Torre de Babel, a União Europeia enfrenta, na verdade, um problema de difícil resolução. E se no presente, já se questiona a igualdade entre os 23 idiomas oficiais, no futuro, com a perspectiva de novos alargamentos a pequenos Estados com línguas oficiais de reduzida expressão em termos de falantes (v.g. Croácia, Sérvia, Islândia) o problema assumirá, certamente, uma dimensão cuja resolução desafia o princípio geral da igualdade linguística entre os Estados-membros e os respectivos cidadãos.

A solução poderá passar pela flexibilização do regime linguístico, permitindo, por exemplo, a utilização do inglês e do francês (e eventualmente do alemão) como línguas de trabalho. No caso das reuniões de comités técnicos e grupos de trabalho com representantes nacionais, o uso exclusivo deste conjunto restrito de línguas ou apenas do inglês introduz, importa reconhecê-lo, um factor de desigualdade entre os Estados-membros. Em contrapartida, entendemos que é inaceitável a limitação do número de línguas oficiais no que se refere à publicação do Jornal Oficial, à notificação de actos jurídicos e às regras do direito processual comunitário.

Independentemente dos custos financeiros e das dificuldades práticas que resultam da garantia de um princípio de igualdade entre as línguas escolhidas pelos Estados-membros, é fundamental petrificar o artigo 342.º TFUE, fazendo do regime linguístico um limite material de revisão dos Tratados e uma garantia de cidadania da União. Mais do que a expressão da soberania de cada Estado-membro, o direito de um Estado manter a sua língua como idioma oficial da União é uma exigência de transparência democrática (igualdade entre os cidadãos da União) e um pressuposto da segurança jurídica (conhecimento na língua nacional dos actos jurídicos eurocomunitários).

O debate em torno do regime linguístico não pode ignorar o disposto no artigo 4.º, n.º 2, UE, pelo qual a União se compromete a respeitar “a igualdade dos Estados-membros perante os Tratados, bem como a respectiva identidade nacional”, cuja expressão verdadeira não dispensa a garantia de um estatuto de igualdade para a respectiva língua nacional. Por outro lado, o artigo 22.º da Carta dos Direitos Fundamentais reconhece como direito, que vincula a União, a diversidade cultural e linguística (v. também artigo 165.º, n.º1, TFUE).

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O critério economicista, relativo à poupança de meios com os serviços de tradução, e o critério da maior eficiência, pela maior rapidez de comunicação através de um único idioma ou de um número restrito de idiomas, não serão, em nossa opinião, determinantes para abdicar do actual modelo que assenta na equivalência das línguas oficiais dos 27 Estados-membros enquanto elementos primordiais da identidade histórico-cultural dos povos e Estados Europeus.

e) Sedes

Os Tratados não estabelecem a sede das instituições, remetendo para os governos dos Estados-membros a sua escolha, “de comum acordo” (v. artigo 341.º TFUE e 189.º CEEA).

Dada a impossibilidade de alcançar um acordo sobre a sede definitiva, em 1965, por Decisão anexa ao segundo Tratado de fusão, foram definidos como locais de trabalho provisórios as seguintes cidades:

Bruxelas - serviços da Comissão, do Conselho, do Comité Económico e Social, reuniões do Conselho de Ministros (com três reuniões anuais no Luxemburgo); reuniões das comissões e grupos políticos do Parlamento Europeu.

Luxemburgo - Tribunal de Justiça (e depois Tribunal de Primeira Instância e Tribunal da Função Pública); Tribunal de Contas; Serviço de publicações; certos serviços da Comissão; secretariado geral do Parlamento Europeu; Banco Europeu de Investimento.

Estrasburgo - sessões plenárias do Parlamento Europeu (uma semana por mês; desde 1979, três sessões anuais no Luxemburgo). Nesta cidade, as sessões decorrem no hemiciclo da Assembleia Consultiva da Conselho da Europa.

Este “modus vivendi ” penaliza, em particular, o regular funcionamento do Parlamento Europeu, verdadeira instituição nómada que se reparte pelos três locais de trabalho.

A partir dos anos oitenta, o Parlamento Europeu adoptou algumas medidas de organização interna que visavam concentrar a sua actividade em Bruxelas. A França e o Luxemburgo opuseram-se e tomaram a iniciativa de impugnar a legalidade das deliberações do Parlamento Europeu. O contencioso sobre a questão da sede envolveu vários recursos, uns decididos a favor dos Estados recorrentes, outros favoráveis ao Parlamento Europeu.

No Conselho Europeu de Edimburgo, em Dezembro de 1992, os Estados-membros insistiram no acordo de conteúdo salomónico, que confirmou basicamente os três locais de sede acordados em 1965 e as regras de auto-organização entretanto seguidas pelo Parlamento Europeu.

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Com o Tratado de Amesterdão, o acordo sobre a sede tomou a forma de um protocolo anexo aos tratados institutivos, pelo que a sua modificação passou a exigir o procedimento de revisão previsto no artigo 48.º UE. O Protocolo, cujo regime se mantém na versão anexa ao Tratado de Lisboa (v. Protocolo n.º 6, relativo à localização das sedes das instituições e de certos órgãos, organismos e serviços da União Europeia), rejeita a solução da sede única, da “capital europeia” e distribui as sedes das instituições e de alguns dos organismos existentes do seguinte modo:

Parlamento Europeu - sede em Estrasburgo, onde realiza as doze sessões plenárias mensais, incluindo a sessão orçamental; em Bruxelas, realizam- -se as sessões suplementares e funcionam as comissões parlamentares; no Luxemburgo, continuam a funcionar o Secretariado-Geral e os respectivos serviços;

o Conselho - reuniões no Luxemburgo durante os meses de Abril, Junho e Outubro; nos restantes meses, as sessões têm lugar em Bruxelas, cidade que mantém a sede;

o Comissão - sede em Bruxelas, mas conservando no Luxemburgo determinados serviços (v.g. estatística, publicações, informática, parte dos serviços de tradução, serviços da CEEA);

o Tribunal de Justiça da União Europeia (incluindo o Tribunal Geral e o Tribunal da Função Pública) - sede no Luxemburgo;

o Comité Económico e Social - sede em Bruxelas;o Comité das Regiões - sede em Bruxelas;o Banco Europeu de Investimento - sede no Luxemburgo;o Banco Central Europeu - sede em Francoforte;o Serviço Europeu de Polícia (Europol) - sede em Haia.

Em Declaração anexa ao Tratado de Nice, os Estados-membros acordaram que, a partir de 2002, Bruxelas acolheria metade das reuniões anuais do Conselho Europeu e, no mínimo, uma por ano. Depois da União contar com 18 Estados-membros, o que aconteceu com o macroalargamento de 2004, todas as reuniões do Conselho se deveriam realizar em Bruxelas.

A prática subsequente à Declaração foi no sentido de realizar as reuniões ordinárias em Bruxelas e organizar as reuniões extraordinárias e cimeiras informais nas cidades escolhidas pelo Estado que exerce a presidência. O Tratado de Lisboa não dispõe expressamente sobre esta matéria, mas o novo modelo de funcionamento do Conselho Europeu, maxime a existência de uma presidência permanente e electiva (v. artigo 15.º, n.º5, UE), facilitará, decerto, a consolidação da regra de reunir em Bruxelas. Continuamos a pensar, contudo, que nada nos Tratados impede em relação às reuniões extraordinárias e cimeiras informais a sua organização no território do Estado-membro que no semestre em causa assegura a presidência do Conselho da União ou, hipótese igualmente atendível, em cidades escolhidas pelo seu simbolismo histórico ou especial ligação com a matéria em debate. O mesmo raciocínio é válido para as reuniões extraordinárias do Conselho da União.

Desde as cimeiras de Chefes de Estado e de Governo iniciadas na década de 60, os Estados-membros têm aproveitado estas reuniões magnas dos mais altos representantes políticos para divulgar e promover as suas cidades e a sua cultura.

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Por outro lado, as reuniões do Conselho Europeu, atraindo sempre grande interesse mediático, eram um bom instrumento de “marketing” da União, seja no plano da sua projecção internacional seja no plano da imperiosa aproximação entre as instituições europeias e os cidadãos europeus. Este resultado afigura-se bem mais improvável com o aprazamento uniformizado dos conclaves para Bruxelas, capital dos eurocratas.

A sede dos organismos comunitários que não estão expressamente previstos no Protocolo pode ser fixada através de decisão tomada de comum acordo entre os governos dos Estados-membros. Em relação a estes organismos, a escolha da sua sede deve obedecer a um objectivo político de repartição equitativa e equilibrada pelos diversos Estados-membros, repudiando, assim, a lógica tão contestada do triângulo Luxemburgo - Bruxelas - Estrasburgo. Refira-se, a título de exemplo, o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência e a Agência Europeia da Segurança Marítima, organismos da União com sede em Lisboa.

Notas complementares

Sobre a especificidade orgânica da CECA - a primeira das três Comunidades revestia, a vários títulos, características específicas que a distinguiam da Comunidade Europeia e da Eurátomo. No que se refere à sua estrutura orgânica, cumpre identificar como traços mais originais:

a Alta Autoridade, que passou com o Tratado de fusão de 1965, a ser designada por Comissão, assistida por um Comité Consultivo, era o órgão principal de decisão adoptando actos vinculativos, de incidência normativa ou individual;

o Conselho - era definido como um órgão de consulta da Alta Autoridade e como um órgão de harmonização ou de ligação entre a acção da Alta Autoridade e a acção dos governos nacionais;

Tribunal de Justiça (e Tribunal de Primeira Instância) - as notórias singularidades das vias processuais previstas no Tratado CECA eram, em larga medida, consequência de uma estrutura institucional e decisória de acentuado pendor supranacional, incarnado pela Alta Autoridade - por exemplo, o artigo 88.º CECA fundamentava o poder deste órgão para declarar verificado o incumprimento imputável a um Estado-membro, enquanto os Tratados de Roma reservaram esta prerrogativa para o Tribunal de Justiça, reconhecendo à Comissão o simples poder de iniciativa contenciosa;

Comité Consultivo - com uma composição rigorosamente tripartida (representantes dos produtores, dos trabalhadores e dos comerciantes/utilizadores), exercia uma influência preponderante junto da Alta Autoridade que procurava obter o seu acordo para as medidas propostas de regulação do mercado carbonífero e siderúrgico, em contraste com a influência relativamente modesta do órgão congénere da CE e da CEEA, o Comité Económico e Social.

Sobre os órgãos subsidiários e o poder de auto-organização - ao contrário do que acontece, por exemplo, com a Carta das Nações Unidas, que autoriza expressamente os órgãos

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principais a criar órgãos subsidiários (v. artigo 7.º, 22°, 29.º da Carta), os Tratados só de modo implícito fundamentam este poder, como expressão tradicionalmente reconhecida de um princípio de auto-organização. Na prática institucional comunitária, os órgãos subsidiários têm a natureza de comités técnicos, criados, em regra pelo Conselho, com o propósito de associar os Estados-membros, representados por peritos, ao processo de execução das normas comunitárias.

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DE VINCULAÇÃO INSTITUCIONAL

A actuação das diferentes instituições, órgãos e organismos rege-se por princípios e regras previstos no texto dos Tratados e de normas adoptadas para a sua aplicação ou, ainda, revelados pela jurisprudência comunitária. Em suma, o bloco de legalidade eurocomunitária constitui, no seu todo, fundamento e limite para a ação desenvolvida pelas estruturas orgânicas de decisão. Neste sentido, todos os princípios de incidência institucional produzem o assinalado efeito de conformação do decisor da União Europeia, a começar pelo principio da competência de atribuição, incluindo os princípios da subsidiariedade e a proporcionalidade (5.º UE). Mas veremos estes mais adiante. Por agora, falaremos de outros princípios que apresentam uma conexão mais directa com a definição do modelo orgânico-decisório da União Europeia.

O princípio do equilíbrio institucional

A estrutura orgânica da União e a repartição de competências entre os diversos órgãos de decisão não correspondem ao modelo clássico da separação tripartida de poderes. Os Tratados não instituíram órgãos unicamente vocacionados para o exercício de competências legislativas ou de competências executivas. No exercício das funções legislativa e executiva intervém o trio institucional formado pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho e pela Comissão. Por seu lado, Conselho Europeu e Parlamento Europeu asseguram a função política de expressão não legislativa. Na verdade, a existir uma separação orgânico-funcional de poderes, esta só pode ser sustentada na base de um modelo dicotômico que opõe, por um lado, a função político-decisória, desempenhada pelo Parlamento Europeu, pelo Conselho Europeu, pelo Conselho e pela Comissão - conjunta ou separadamente, segundo as modalidades procedimentais previstas - e, por outro lado, a função judicial, exercida pelos tribunais da União. Trata-se assim de um modelo que está mais próximo do paradigma do direito constitucional inglês que assenta na bipartição entre poder governativo (matters of policy) e poder judicial (matters of law).

A função legislativa é exercida, por regra, em sistema de co-decisão, pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, com a participação da Comissão que elabora as propostas de actos legislativos. Já em relação à função executiva, a competência-regra pertence aos Estados-membros (v. artigo 291.º, n.º1, TFUE). Nas situações em que, à luz do princípio da subsidiariedade, sejam necessárias condições uniformes de execução dos actos jurídicos da União, o legislador (Parlamento Europeu e Conselho ou Conselho em decisão unilateral) delega na Comissão a respectiva competência de desenvolvimento (v. artigo 290.º, n.º1, TFUE) ou de execução normativa (v. artigo 291.º, n.º2, TFUE).

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A heterodoxia do modelo comunitário de separação e de equilíbrio de poderes resulta, em suma, da coexistência de dois princípios construtivos do sistema comunitário de competências - por um lado, a repartição horizontal de poderes entre as diferentes instituições de decisão política e, por outro lado, a repartição vertical de poderes entre os Estados-membros e a União Europeia.

A natureza e âmbito de jurisdição dos tribunais da União Europeia espelham, de modo exemplar, a singularidade estrutural da União. A função judicial, de interpretação e aplicação do Direito da União, cabe, exclusivamente aos tribunais. Quais tribunais? Aos tribunais dos Estados-membros como órgãos judiciais comuns. Aos tribunais da União Europeia, criados ou previstos pelos Tratados, no quadro de uma jurisdição expressamente tipificada. Entre os tribunais dos Estados-membros e os tribunais da União não existe hierarquia, como existiria se a União fosse uma federação. A função judicial é partilhada entre juiz nacional e juiz da União, cuja relação é de cooperação.

Este princípio, posto em relevo pelo TJUE, está baseado na ideia de que a repartição de poderes no quadro da União europeia deve ser rigorosamente respeitada por cada Instituição; e dele decorre:

Que, no exercício dos poderes que lhe foram reconhecidos pelos Tratados, cada Institiçao deve respeitar o lugar e o papel que lhe cabem segundo o sistema neles estabelecido;

E, também, que uma Instituição não pode ser privada do exercício, de um poder que lhe caiba em proveito quer de outra Instituição, quer de um organismo não previsto pelos Tratados, mesmo quando a criação de um tal organismo não seja em si mesma ilegal.

Uma vez que a União Europeia não é um Estado, facto que se torna irrefutável quando curamos de analisar a sua estrutura orgânico-decisória o princípio constitucional da separação de poderes, como critério fundamental de limitação jurídica do poder do Estado, só de modo aproximado se pode considerar reproduzido ou acolhido pelo modelo comunitário atípico de decisão política. O modelo originário, previsto no Tratado de Roma, inspirado por uma solução pragmática e flexível de repartição de poderes, sobreviveu às sucessivas revisões dos Tratados na era pós-Maastricht. O sistema institucional evoluiu. São visíveis as alterações de equilíbrio entre instituições como o Parlamento Europeu e o Conselho. O papel da Comissão no concerto institucional sofreu importantes modificações. No essencial, o sistema conserva a arquitectura funcionalmente ajustada ao exercício do poder por uma entidade não-estadual, de propulsão comunitária, como é a União Europeia.

Os Tratados não consagram expressamente o princípio do equilíbrio institucional, mas o artigo 13.º, n.º 2, UE, deve ser interpretado no sentido de o pressupor quando estipula: “Cada Instituição actua dentro dos limites das atribuições que lhe são conferidas pelos Tratados, de acordo com os procedimentos, condições e finalidades que estabelecem”. Embora o artigo 13.º, n.º 2, UE, refira apenas as instituições, deve considerar-se que um tal critério de vinculação ao disposto nos Tratados se aplica, com alcance equivalente, aos órgãos e organismos da União.

Em virtude desta disposição, e do próprio fundamento jurídico do equilíbrio institucional, este princípio deve considerar-se uma extensão do princípio da legalidade da competência ou

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da competência de atribuição. Para o Tribunal de Justiça, o princípio do equilíbrio institucional implica, antes de mais, “que cada órgão exerça as suas competências no respeito das competências dos outros (…) no quadro de um sistema de repartição de competências entre os diferentes órgãos da Comunidade e, no caso de se verificar uma violação, esta deve ser devidamente sancionada (v. Acórdão TJCE, de 22 de Maio de 1990). No entanto, importa distinguir: enquanto o princípio da competência de atribuição traduz basicamente a ideia de uma actuação limitada aos meios jurídicos de acção previstos pelos Tratados (estática dos poderes), já no princípio do equilíbrio institucional sobreleva a ideia do respe das relações interinstitucionais (dinâmica dos poderes). À luz do princípio do equilíbrio institucional, o controlo da legalidade da actuação da União é mais exigente, não basta à instituição comunitária reivindicar a titularidade de um poder com fundamento no Tratado, deve exercê-lo de um modo que não afecte as prerrogativas das restantes instituições comunitárias. Um exemplo: se o Conselho pretender aprovar uma directiva sobre determinada matéria, e admitindo, o que frequentemente acontece, que o Tratado contém mais do que uma base jurídica suficiente para fundamentar a adopção da directiva, o Conselho deverá escolher a disposição que, do ponto de vista procedimental, seja mais favorável à intervenção decisória do Parlamento Europeu. Este critério de selecção da base jurídica que, por exemplo, preveja o procedimento legislativo ordinário em detrimento do procedimento legislativo especial, é uma manifestação do princípio do equilíbrio institucional, como tal identificado e aplicado pelo Juiz da União.

De acordo com a jurisprudência comunitária, cedo definida pelo Tribunal de Justiça, o princípio do equilíbrio institucional funciona como uma garantia (ou mesmo reforço) das prerrogativas de participação de cada instituição no processo de decisão, mas serve também como garantia dos direitos reconhecidos aos particulares. Neste segundo sentido, prevalece o objectivo de opor limites jurídicos ao exercício do poder pelas instituições de decisão da União.

Como já tivemos ensejo de assinalar, na anatomia estrutural da União, cada uma das instituições de decisão política corporiza um princípio distinto de legitimidade: supranacional ou comunitária no caso da Comissão; intergovernamental no caso do Conselho Europeu e do Conselho da União; democrático, mas também supranacional, no caso do Parlamento Europeu. Uma alteração significativa do equilíbrio de poderes, concretizado por via de revisão dos Tratados ou resultante da prática institucional, tem assim uma relevância que ultrapassa a (re)composição dos conflitos interinstitucionais. O modelo de repartição horizontal de poderes funciona na dependência do modelo de repartição vertical de poderes, entre a União e os Estados-membros. Uma ruptura do equilíbrio originário de poderes terá inevitavelmente consequências sobre o traçado incerto da linha que delimita o nível eurocomunitário de competência relativamente ao nível nacional de decisão. Assim se compreende a forte carga política que transporta este princípio. A redefinição de equilíbrios, pela via pretoriana ou pela via da prática institucional, deve ter sempre como limite o respeito do modelo especificamente comunitário de exercício dos poderes delegados pelos Estados-membros. Por exemplo: o chamado défice democrático, invariavelmente glosado para fundamentar novos e mais alargados poderes de decisão político-legislativa para o Parlamento Europeu, não se pode entender como um pressuposto do princípio do equilíbrio institucional; será, porventura, uma pretensão legítima, mas enquadrada por um modelo completamente

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diferente de congregação dos Estados-membros no seio da União Europeia, baseado em princípios de estruturação federal da titularidade e exercício do poder político.

O equilíbrio institucional, interpretado e garantido pelo Tribunal de Justiça, é o que resulta do previsto nos Tratados. Na prática, as instituições definem estratégias políticas de competição pelo poder. Neste jogo, a mais “competitiva” das instituições sempre foi o Parlamento Europeu, com o apoio mais ou menos declarado da Comissão. A concretização do programa de acção do Parlamento Europeu, em colaboração com a Comissão, produziu um efeito não negligenciável de erosão dos poderes do Conselho e, por consequência das prerrogativas dos Estados-membros. Pela via informal dos chamados acordos interinstitucionais, Parlamento Europeu e Comissão estabeleceram bases gerais de entendimento. O Tratado de Lisboa prevê, pela primeira vez, uma base jurídica expressa para os acordos interinstitucionais. Nos termos do artigo 295.º TFUE:

“O Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão procedem a consultas recíprocas e organizam de comum acordo as formas da sua cooperação. Para o efeito, podem, respeitando os Tratados, celebrar acordos interinstitucionais que podem revestir-se de carácter vinculativo”

Como base jurídica, o artigo 295.º TFUE clarifica dois aspectos importantes:

i) os acordos interinstitucionais podem, dependendo da vontade das instituições, revestir carácter vinculativo ou manter a sua natureza de instrumentos de soft law, de carácter indicativo;

2) o respeito pelo disposto nos Tratados, maxime as regras aplicáveis à repartição horizontal de competências, pelo que são contrários aos Tratados, susceptíveis de impugnação contenciosa junto do Tribunal de Justiça e eventual declaração de nulidade, os acordos que alterem o equilíbrio institucional.

O principio do equilibrio institucional constitui, pois, no quadro da União, uma apreciável contrapartida do principio clássico da divisao de poderes cuja falta de rigor no seio da União traduz, sem duvida, um défice democrático e uma falta no sistema de garantias do cidadao europeu. O principio do equilibrio institucional está, como se vê, estreitamente ligado ao principio da legalidade, contribuindo fortemente para caracterizar a União como “Estado de Direito”. (MCAMPOS).

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C. O princípio do respeito pelo acervo eurocomunitário

O princípio do adquirido (“acquis”) comunitário, ou acervo como resulta da versão oficial portuguesa, nasceu no contexto da abertura das negociações que precederam o primeiro alargamento, em Junho de 1970. No parecer de 19 de Janeiro de 1972, relativo ao pedido de adesão do Reino Unido, Noruega, Dinamarca e Irlanda, a Comissão delimitou o conteúdo e finalidade do novel princípio de integração jurídica: “(...) ao tornarem-se membros das Comunidades, os Estados aderentes aceitam, sem reserva, os tratados e as suas finalidades políticas, as decisões de qualquer natureza tomadas depois da entrada em vigor dos tratados e as opções feitas no domínio do desenvolvimento e do reforço das Comunidades; (...)” (ênfase acrescentada).

Analisado na perspectiva da sua génese, este princípio obrigava os novos Estados-membros a aceitar o património jurídico e político das Comunidades Europeias. Forjado sobre a ideia fundamental do gradualismo da integração, que evolui por etapas que, lógica e irreversivelmente, se sucedem, no princípio do acervo comunitário sobressai a sua natureza de directriz política.

Como expressão de um património comunitário que urge respeitar, o princípio do acervo constitui igualmente um critério de orientação institucional. O ex-artigo 3,® do Tratado da União Europeia (versão Maastricht) estipulava: “A União dispõe de um quadro institucional único, que assegura a coerência e a continuidade das acções empreendidas para atingir os seus objectivos, respeitando e desenvolvendo simultaneamente o acervo comunitário” (cfr. actual artigo 13.º, n.º 1, UE).

A única referência ao acervo consta do artigo 20.º, n.º 4, UE, concordante com a sua função originária de vinculação dos Estados candidatos à adesão.

A relevância conformadora de um princípio como o do respeito pelo acervo não depende, em rigor, da sua consagração textual. Como princípio inerente ao método comunitário, do respeito pelo decidido no plano normativo e político, vincula as instituições, órgãos e organismos da União. O desaparecimento da base textual do princípio do acervo eurocomunitário não foi, contudo, fortuito ou inconsequente. Uma tal opção está relacionada com o reforço do princípio contratualista resultante do Tratado de Lisboa, expressamente assumida pelo artigo 48.º, n.º 2, UE, ao admitir que os projectos de revisão “podem, nomeada-mente, ir no sentido de aumentar ou reduzir as competências atribuídas à União pelos Tratados”. Esta disposição, inédita, sublinhe-se, no texto dos Tratados, fundamenta a seguinte conclusão: apenas a vontade soberana e unanimemente expressa por todos os Estados-membros através do processo de revisão não está subordinada ao respeito estrito do princípio do acervo; já no que se refere aos procedimentos comuns de decisão político-normativa, vigora o princípio do adquirido, de incidência subordinante tanto para o decisor da União como para o decisor nacional.

D. O princípio da cooperação leal

O princípio da cooperação leal, por vezes também designado por princípio da fidelidade comunitária, alberga vários sentidos possíveis. Na sua origem, sobressaem considerações que

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são comuns aos princípios gerais da boa fé e pacta sunt servanda. A cooperação leal pode ser interpretada como uma exigência básica de não-contradição, no sentido de impor uma coerência de actuação, traduzida esta na obrigação de adoptar o comportamento que se mostre mais favorável ao cumprimento das obrigações previstas nos Tratados.

Quanto à sua incidência subjectiva, o princípio da cooperação leal vincula tanto os Estados-membros como a União Europeia. Com este sentido, determina o artigo 4.º, n.º 3, UE: “Em virtude do princípio da cooperação leal, União e Estados-membros respeitam-se e assistem-se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados”

Como sucede com o princípio da subsidiariedade, o princípio da cooperação leal anda associado ao funcionamento equilibrado e eficaz de qualquer estrutura descentralizada de decisão, repartida por vários níveis de decisão - com particular relevância no caso de não existir uma relação hierárquica entre estes diferentes níveis de decisão, como se verifica na articulação entre a União Europeia e os Estados-membros. Em última análise, o dever da cooperação leal numa estrutura complexa como é a comunitária limita a actuação das instituições da União ao respeito das competências previstas pelos Tratados.

Várias disposições dos Tratados regulam de um modo pormenorizado os procedimentos de decisão que envolvem uma cooperação interinstitucional, como exemplos mais significativos, podemos apontar o artigo 294.º TFUE (processo legislativo ordinário) o artigo 218.º TFUE (conclusão de acordos internacionais) e artigo 314.º TFUE (aprovação do orçamento da União). Em relação aos casos não regulados ou insuficientemente regulados pelos Tratados, considera-se que o princípio geral da cooperação leal exige das instituições eurocomunitárias um comportamento que facilite a tomada de decisões e tome, por isso, mais eficaz a sua actuação em ordem a garantir o cumprimento do Direito da União.

O artigo 13.º, n.º2, UE, explicitou esta obrigação, sob a forma de um segmento aditado pelo Tratado de Lisboa, com a seguinte formulação: “As instituições mantêm entre si uma cooperação leal”.

Como princípio geral de vinculação institucional, deve considerar-se a sua aplicação alargada a todos os patamares de decisão da União Europeia, incluindo os órgãos e organismos. Na prática, o diálogo interinstitucional, inspirado pelo dever de cooperação leal, tem estado na origem de declarações e acordos comuns entre as três Instituições. Em contrapartida, a celebração de acordos entre o Parlamento Europeu e a Comissão suscitou oposição forte da parte do Conselho. Na sequência do Acordo-quadro de 2000, o Conselho impôs modificações por considerar que certas disposições violavam o equilíbrio institucional definido pelos Tratados. A Declaração n.º 3, anexa à Acta Final do Tratado de Nice, acautelou a posição do Conselho ao estabelecer:

“(...) quando seja necessário facilitar a aplicação do disposto no Tratado que institui a Comunidade Europeia, o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão podem celebrar acordos interinstitucionais (…)”, ressalvando, contudo, que “esses acordos não podem alterar nem completar as disposições do Tratado e só podem ser celebrados com o consentimento daquelas três instituições”.

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O artigo 295.º TFUE codifica a jurisprudência do Tribunal de Justiça sobre o possível carácter vinculativo dos acordos interinstitucionais e reitera o respeito pelos Tratados como limite à liberdade negociai das instituições. A mera comparação entre a letra da citada Declaração n.º 3 e o novo artigo 295.º TFUE poderá deixar algumas dúvidas sobre a viabilidade jurídica de acordos a dois. É certo que o artigo 295.º TFUE não o proíbe expressamente, mas, em rigor, pressupõe o concurso activo das três instituições, seja na fase da negociação seja na fase da conclusão. Tendo em conta que o objectivo é o de aperfeiçoar, tornando mais eficiente, o quadro de regulação aplicável à cooperação entre as três instituições titulares de poderes de decisão normativa, não deve nenhuma destas instituições ser arredada do processo previsto no artigo 295.ºTFUE, sob pena de um eventual acordo bilateral ser considerado, em si mesmo com independência do respectivo conteúdo, um agravo ao princípio do equilíbrio institucional e uma forma ilegítima de cooperação interinstitucional.

E. O principio da transparência

A actuação institucional segundo critérios de transparência é um princípio de formação relativamente recente no Direito da União Europeia. Primeiro, no plano das intenções políticas, depois expressamente incorporado no texto do Tratado, o princípio da transparência é a expressão de um paralelismo assumido entre os procedimentos inerentes ao Estado de Direito nos ordenamentos estaduais e os procedimentos de uma União de Direito. Em contraste com a génese de outros princípios gerais de vinculação institucional, nascidos da prática institucional e da chancela jurisprudencial, o princípio da transparência exprime a vontade dos Estados-membros vertida no texto dos Tratados.

A Declaração n.º 17, relativa ao direito de acesso à informação, e anexa ao Tratado de Maastricht, registava que “a transparência do processo decisório reforça o carácter democrático das Instituições e a confiança do público na Administração”. Por força desta Declaração, a Comissão foi convidada a apresentar ao Conselho, o mais tardar até 1993, um relatório sobre as medidas destinadas a facilitar o acesso do público à informação de que dispõem as instituições.

Pela Declaração de 25 de Outubro de 1993, solenemente intitulada sobre a democracia, a transparência e a subsidiariedade, cada uma das três instituições declarantes (Conselho, Comissão e Parlamento Europeu) comprometeu-se a adoptar medidas apropriadas.

A primeira iniciativa concreta tomou a forma de um código de conduta, com data de 6 de Dezembro de 1993, aprovado pelo Conselho e pela Comissão, que definiu os princípios reguladores do acesso do público aos documentos das duas instituições comunitárias em causa.

Com base no código de conduta, o Conselho e a Comissão adoptaram decisões específicas e adaptaram os respectivos regulamentos internos em ordem a garantir o acesso do público aos documentos. As demais instituições e órgãos comunitários, com excepção dos dois tribunais, seguiram este movimento e aprovaram decisões que definiam as condições de acesso do público aos seus documentos.

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Com o Tratado de Amesterdão, o objectivo de garantir um processo decisório mais transparente e aberto foi incorporado no próprio texto dos Tratados institutivos. Sem referir de modo explícito a palavra “transparência”, o ex-artigo 1.º do TUE, exigia a todas as instituições e órgãos da União, seja no quadro do processo comunitário de decisão, seja no âmbito do processo de cooperação intergovernamental, “que as decisões (sejam) tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos”. Por seu lado, e materializando este desiderato no domínio específico abrangido pelo Tratado de Roma, o ex-artigo 255.º, n.º 1, TCE, reconhecia a “todos os cidadãos da União e todas as pessoas singulares ou colectivas que residam ou tenham a sua sede social num Estado-membro (0) direito de acesso aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, sob reserva dos princípios e condições a definir nos termos dos n.º 2 e 3.

As condições de exercício, incluindo os limites impostos pela consideração de razões de interesse público ou privado, foram estabelecidas pelo Regulamento (CE) n.º 1049/2001, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Maio de 2001, em vigor a partir de 3 de Dezembro de 2001; em curso de revisão após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa.

O direito fundamental de acesso aos documentos - como tal foi enunciado pelo artigo 42.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia - encontra-se limitado no seu exercício por duas ordens de excepções:

1) a primeira relativa à necessidade de proteger o interesse público (segurança pública, relações internacionais, defesa e questões militares, política financeira, monetária ou económica da Comunidade ou de um Estado-membro) e outros interesses merecedores de tutela (intimidade e privacidade das pessoas, segredo comercial e industrial, o interesse financeiro da União, a confidencialidade requerida por aqueles que prestam informações à União ou pela legislação dos Estados-membros que transmitiram a documentação em causa);

2) a segunda atende ao interesse próprio da instância solicitada por um pedido de acesso de manter o segredo das suas deliberações, o que se poderá justificar no caso em que a divulgação possa prejudicar gravemente o processo decisório da instituição (v. artigo 4.º, n.º 3, do Regulamento (CE) n.º 1049/2001).

A primeira categoria corresponde a limitações obrigatórias do direito de acesso, porquanto a protecção dos interesses referidos não apenas legitima, como impõe uma medida de recusa ou de restrição do acesso aos documentos, já no segundo caso, estaremos perante uma excepção de invocação facultativa por parte das instituições, órgãos e organismos, que deve inclusivamente ceder “quando um interesse público superior imponha a divulgação”.

O princípio da transparência, consubstanciado no direito de acesso do público aos documentos, não tem, nem poderia ter, uma expressão absoluta. As excepções previstas e a interpretação que delas se faça devem reflectir um equilíbrio necessário, conquanto difícil, entre transparência e eficácia do processo decisório. Mesmo em relação ao processo legislativo, quer por tradição constitucional é aberto e público nos direitos dos Estados-membros, cumpre ter presente a singularidade de um poder legislativo exercido pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho e que envolve, regra geral, complexas negociações de composição de interesses nacionais divergentes. Mais uma vez, e como já vimos a propósito de

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outros princípios e critérios de actuação institucional, têm-se por inadequadas, e mesmo contrárias ao espírito dos Tratados, quaisquer soluções jurídicas assentes sobre a premissa errada da correspondência absoluta e apriorística entre o modelo institucional do Estado e o modelo institucional comunitário. Em suma, no estádio actual de evolução da União Europeia, a tradição constitucional e legislativa do Estado de Direito, é uma fonte, e não a única fonte, de inspiração do processo gradual de adaptação do modelo decisório eurocomunitário.

O Tratado de Lisboa não se limita a reconduzir o regime previsto no ex-artigo 255.ºTCE sobre o direito ao acesso aos documentos. Na verdade, o princípio da transparência é objecto de referência em várias disposições e, o que é mais importante, é caracterizado como a expressão de um princípio da abertura. Trata-se de um princípio mais abrangente no que respeita ao parâmetro de orientação política e mais amplo no tocante ao âmbito de aplicação, alargado agora a todas as instituições, órgãos e organismos da União. Nos termos do artigo 15.º, n.º 1, TFUE: “A fim de promover a boa governação e assegurar a participação da sociedade civil, a actuação das instituições, órgãos e organismos da União pauta-se pelo maior respeito possível do princípio da abertura” (ênfase acrescentada).

Em conformidade, o artigo 16.º, n.º 8, UE, estipula que são públicas as reuniões do Conselho “em que este delibere e vote um projecto de acto legislativo”.

Por seu lado, o artigo 298.º, n.º1, TFUE, a propósito dos procedimentos de decisão em geral, determina: “No desempenho das suas atribuições, as instituições, órgãos e organismos da União apoiam-se numa administração europeia aberta, eficaz e independente”.

Nesta evolução, iniciada com o Tratado de Maastricht, do regime da confidencialidade para um modelo de transparência e abertura, permanece a dúvida sobre as regras aplicáveis ao domínio da Política Externa e de Segurança Comum (PESC). Por força do disposto no artigo 40.º UE, o Tratado de Lisboa mantém a separação de procedimentos entre o TUE e o TFUE. O artigo 15.ºTFUE não abrange, por isso, os procedimentos de decisão relativos à PESC. A questão de saber se neste domínio de actuação da União está ou não excluído o princípio de transparência impõe que se considere a existência de duas disposições pertinentes do estatuto jurídico da União: 1) o artigo 11.º, n.º 3, UE que postula um objectivo geral “de coerência e transparência das acções da União”; 2) o artigo 42.º da Carta dos Direitos Fundamentais que consagra em geral o direito de acesso aos documentos da União, embora o seu exercício dependa das condições definidas pelos Tratados (v. artigo 52.º, n.º 2, Carta).

Notas complementares

Sobre a prática institucional codificada - sob a forma de declarações comuns, acordos interinstitucionais ou códigos de conduta, o Conselho, a Comissão e o Parlamento Europeu estabelecem entre si regras de convivência (e conveniência) institucional com as quais se propõem ora precisar e completar os mecanismos de decisão instituídos pelos Tratados ora antecipar soluções que, em rigor, não têm ainda expressão na letra dos Tratados. Estes arranjos interinstitucionais, elaborados de modo consensual e paritário, podem introduzir formas mais ou menos inovadoras de equilíbrio relativo no quadro deste ou daquele procedimento de decisão, a propósito de um ou de outro aspecto específico da actuação institucional. Não podem, todavia, envolver uma alteração do âmbito respectivo de

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competência de cada uma das instituições e, muito menos, uma modificação dos critérios de delimitação de competência entre a União Europeia e os Estados-membros.

O Tratado de fusão do Conselho e da Comissão de 1965 previa no seu artigo 15.º que as duas instituições podiam “organizar de comum acordo as modalidades da sua cooperação”, faculdade que foi, naturalmente, alargada ao Parlamento Europeu.

Sobre a questão complexa do valor jurídico destes actos não se pode encontrar uma resposta unívoca. Esta há-de depender, em primeiro lugar, da natureza concreta do acordo interinstitucional e, em particular, da sua relação de complementaridade ou de extensão do direito institucional previsto nos Tratados. Acresce que são as próprias instituições que, admitindo prudentemente uma relevância apenas política destes acordos, remetem para o Tribunal de Justiça a apreciação do seu (eventual) alcance jurídico (v. respostas da Comissão e do Conselho a questões escritas de um deputado do Parlamento Europeu, in JOCE n,º C 180,1977, p. 18 e C 259,1977, p. 4, respectivamente). Diferentemente, o Conselho reconheceu expressamente carácter obrigatório ao Acordo interinstitucional de 29 de Junho de 1988 sobre as modalidades de programação orçamental no período de 1988-1992» que foi publicado na série L (legislação do Jornal Oficial (actos obrigatórios).

Em 1975, a instituição de um processo de concertação é anunciada sob a forma de uma Declaração comum do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (4 de Março de 1975). A partir de 1992, as três instituições comunitárias intensificaram o recurso a este modelo de cooperação. A disciplina reguladora dos diferentes procedimentos de decisão resulta, pois, das disposições relevantes dos Tratados ou de protocolos anexos, mas ainda de declarações, acordos e códigos de conduta que, igualmente, importa conhecer e atender, em especial, v. Declaração comum do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, de 4 de Maio de 1999, sobre modalidades práticas do novo procedimento de co-decisão (JOCE n.º C148, de 28.5.1999, p. 1); Acordo interinstitucional do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão, de 6 de Maio de 1999, sobre a disciplina orçamental e o aperfeiçoamento do procedimento orçamental (v. JOCE n.0 C 172, de 18.6.1999, P.1).

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