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Interação da radiação com a matéria e implicações para o ensino de mecânica quântica: o caso do efeito fotoelétrico. Gilvan de Oliveira Rios Maia Produto educacional apresentado ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Feira de Santana no Curso de Mestrado Profissional de Ensino de Física (MNPEF), como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino de Física. Orientador(es): Dr. José Carlos Oliveira de Jesus Dr. José Luis Michinel Machado Feira de Santana Maio/2016

Resolução PEF 02/2009 · 4 Apresentação Este trabalho tem como objetivo principal o compartilhamento de ideias sobre a abordagem de conceitos de física quântica entre professores

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Interação da radiação com a matéria e implicações para o ensino de mecânica

quântica: o caso do efeito fotoelétrico.

Gilvan de Oliveira Rios Maia

Produto educacional apresentado ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Feira de Santana no Curso de Mestrado Profissional de Ensino de Física (MNPEF), como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ensino de Física.

Orientador(es): Dr. José Carlos Oliveira de Jesus Dr. José Luis Michinel Machado

Feira de Santana Maio/2016

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Sumário Apresentação .................................................................................................................... 4

Introdução ......................................................................................................................... 4

1 Orientações para o professor .................................................................................... 7

2 Efeito fotoelétrico: algumas considerações a partir dos trabalhos de Albert Einstein

e Guido Beck .................................................................................................................... 9

2.1 O efeito fotoelétrico na interpretação de Albert Einstein ................................ 11

2.2 A interpretação de Guido Beck para o efeito fotoelétrico ............................... 13

3 Capítulo 3 Alguns conceitos de mecânica quântica e possíveis debates a partir de

efeito fotoelétrico ............................................................................................................ 15

3.1. Quantização...................................................................................................... 15

3.1 Conceito de estado em mecânica quântica....................................................... 16

3.2 O problema da medida em MQ. ....................................................................... 19

4 A sequência didática ............................................................................................... 21

4.1 Aula I: apresentação da proposta de ensino e o conceito de quantização. ....... 25

4.1.1 ATIVIDADE I .......................................................................................... 25

4.1.2 ATIVIDADE II......................................................................................... 27

4.1.3 ATIVIDADE III ....................................................................................... 27

4.2 Aula II: efeito fotoelétrico, segundo a interpretação Einsteiniana. .................. 28

4.2.1 ATIVIDADE IV ....................................................................................... 28

4.2.2 ATIVIDADE V ........................................................................................ 29

4.3 Aula III: efeito fotoelétrico, segundo a interpretação de Guido Beck. ............ 30

4.3.1 ATIVIDADE VI ....................................................................................... 31

4.3.2 ATIVIDADE VII ...................................................................................... 32

4.3.3 ATIVIDADE VIII .................................................................................... 34

5 Referências Bibliográficas ...................................................................................... 35

6 Apêndice A Energia monetária: como podemos subdividi-la? ............................ 38

7 Apêndice B O efeito fotoelétrico na interpretação de Albert Einstein .................. 40

8 Apêndice C O efeito fotoelétrico na interpretação de Guido Beck ........................ 43

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Apresentação Este trabalho tem como objetivo principal o compartilhamento de ideias sobre a

abordagem de conceitos de física quântica entre professores do Ensino Médio. Sua origem

está relacionada com as experiências do seu autor – uma vez o mesmo é professor, há

pelo menos quatro anos, da rede pública de ensino no estado da Bahia – desafiado,

constantemente, a organizar estratégias de ensino de física.

O capítulo 1 será dedicado aos pressupostos que organizam a atividade

pedagógica, contendo algumas considerações acerca da teoria sócio-interacionista devida

a Lev Vygotsky. Ainda que organizado de forma sucinta, esse capítulo busca evidenciar

os principais aspectos vygotskyanos que impactam nas práticas pedagógicas, a saber:

mediação social, mediação simbólica e o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal

(ZDP).

O efeito fotoelétrico é discutido no capítulo 2. São apresentados duas

interpretações acerca desse fenômeno; a primeira, devida a Albert Einstein, e muito

difundida nos livros didáticos, tem como pressuposto fundamental a quantização da

radiação. A segunda, devida a Guido Beck, é pouco conhecida, pressupõe o modelo

clássico de radiação (uma onda eletromagnética). No entanto, Guido Beck chega à

equação para efeito fotoelétrico, similar àquela obtida por Einstein, quantizando a

matéria.

O capítulo 3 é dedicado a discussão sobre os conceitos da mecânica quântica que

podem ser mediados via efeito fotoelétrico. São três: o conceito de quantização, o

conceito de estado em mecânica quântica e o problema da medida em mecânica. Sobre

cada um deles, apresenta-se sugestões sobre uma possível abordagem no Ensino Médio,

vistos a partir da Interpretação de Copenhague.

O capítulo 4 apresenta a Sequência Didática, orientada a partir do modelo

desenvolvido, principalmente, por Martine Méheut. Aqui, apresenta-se sugestões para

aplicação desse produto em sala de aula, discutindo-se cada uma das etapas.

No capítulo 5, apresenta-se as referências bibliográficas utilizadas e que podem

ser consultas pelos colegas em eventual aplicação desse produto.

Introdução Em um artigo publicado na revista Nature, em 1928, Niels Bohr afirma que “a

teoria quântica é caracterizada pelo reconhecimento de uma limitação fundamental nas

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ideias físicas clássicas quando aplicadas a fenômenos atômicos” (BOHR, 1928, p. 580),

salientado que uma das peculiaridades trazidas por esse novo campo de conhecimento

reside no fato de a “nossa interpretação do material experimental” repousar

“essencialmente em conceitos clássicos”. Tal afirmativa, feita ainda nos primórdios da

Mecânica Quântica (de agora em diante, MQ), expressa um pouco das controvérsias e

discussões com as quais, ainda hoje, os físicos, filósofos e epistemólogos se deparam. A

observação do Bohr, anteriormente expressa, está no cerne de um dos problemas

epistemológicos importantes da MQ: o problema da medida (pelo menos no quadro que

se refere à Interpretação1 de Copenhague). É importante destacar que problemas onto/

epistemológicos se fazem presentes desde o início do surgimento da MQ. Como

pertencente ao conjunto de teorias que compõem a Física Moderna e Contemporânea (de

agora em diante, FMC), a MQ assume um papel importante seja do ponto vista científico

e tecnológico ou do ponto de vista cultural. Greca, Moreira e Herscovitz (2001, p.444 ),

destacam que:

Em parceria com a Relatividade, a Mecânica Quântica é a grande estrela do

século XX. Base de sustentação da física nuclear, atômica, molecular e do

estado sólido, da física das partículas elementares e da luz, seus impactos

práticos atingem hoje as mais variadas aplicações, beneficiando até campos de

praticidade imediata como as Ciências da Saúde e as Engenharias. Mais ainda,

os desenvolvimentos recentes na miniaturização eletrônica e na

nanotecnologia têm introduzido, até no mundo dos negócios, dispositivos que

somente podem ser apreciados a partir dos princípios da Mecânica Quântica.

De acordo com os autores, ensinar MQ não é uma tarefa fácil. Os conceitos

advindos deste campo do conhecimento não são nada intuitivos, não encontrando, em

geral, análogos clássicos. Isso fica evidente, por exemplo, quando se propõe uma

discussão sobre superposição de estados, princípio de incerteza, processo de medida em

MQ e demais conceitos que aparecem nos quadros interpretativos da MQ. Aliás, a

quantidade de interpretações possíveis para MQ é enorme. Em Betz (2014), encontramos

“Interpretação dos Universos Múltiplos”, “Interpretação das Histórias Consistentes”,

“Interpretação Modal”, “Interpretação da Onda Piloto” e, a nosso ver, a mais conhecida

e difundida, “Interpretação de Copenhague”. Outras denominações são encontradas em

um excelente texto de Pessoa Jr. (2006). Pessoa Jr. nos diz que “é uma característica

notável da Teoria Quântica que ela pode ser interpretada de diferentes maneiras, sendo

que cada uma dessas interpretações é internamente consiste e, de modo geral, consistente

com experimentos quânticos”. O formalismo matemático é, basicamente, comum a todas

1 Por interpretação, entenda-se, segundo Pessoa Jr (2006, p. 4), um conjunto de teses que se agrega ao

formalismo mínimo de uma teoria científica, e que em nada afeta as previsões observacionais da teoria.

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elas. A questão passa a ser, então, saber o que as grandezas presentes nas equações

representam. Para esta Sequência Didática (doravante SD), assumiremos a Interpretação

de Copenhague.

É perceptível que a preocupação com a inserção de conceitos de física moderna e

contemporânea tem crescido muito nos últimos anos. Encontram-se na literatura, ligada

a pesquisas em ensino de física no Brasil, diversos trabalhos que tratam dessa temática

(OSTERMAN, et al, 2009; GRECA, MOREIRA e HERSCOVITZ, 2001;

MONTENEGRO e PESSOA, 2002). No que diz respeito à introdução de conceitos de

MQ em Nível Médio de Ensino, ainda persiste a dificuldade de aproximação entre

pesquisa e abordagem em sala de aula, sendo essa uma das razões que alimentam a

elaboração de novas propostas didáticas (MONTEIRO, NARDI e FILHO, 2009).

Preocupados com esta temática e, envolvidos diretamente no debate sobre ensino de física

para alunos da educação básica, propomos a elaboração de uma SD com o objetivo de

ensinar conceitos de MQ. O efeito fotoelétrico (a partir de agora, EF) é apresentado como

ponto de partida para as discussões. As motivações iniciais para que EF fosse escolhido

como um mediador para ensino de alguns conceitos de MQ é:

a) O EF fotoelétrico é um evento essencialmente quântico e, por isso, não

pode ser interpretado no paradigma da física clássica: podemos afirmar que a

independência do EF com a intensidade da radiação e a existência de uma frequência

limiar, abaixo da qual o EF não acontece, obriga-nos a uma revisão profunda sobre a

natureza da radiação ou da matéria.

b) É um fenômeno que, definitivamente, promove a física do descontínuo.

Nas palavras de Bachelard (1978), “antes do descobrimento do efeito fotoelétrico, a física

da luz não comportava nenhuma experiência sobre descontinuidade efetiva”. Assim, o

“quantum de energia” da radiação proposto por Albert Einstein em 1905 promove a

descontinuidade da física da luz. A descontinuidade também é um pressuposto necessário

quando se quantiza a matéria, como faz Guido Beck (1927).

c) Contém um problema ontológico e epistemológico muito discutido e, em

alguma medida, ligado ao surgimento da mecânica quântica: o problema da dualidade

onda-partícula, embora não encontremos evidências, como trataremos mais adiante, de

que essa tenha sido a preocupação de Einstein (Martins e Rosa, 2014).

d) Possibilita a exploração de efeitos quânticos sobre a radiação – de acordo

com a interpretação einsteiniana (EINSTEIN, 1905) – ou sobre a matéria – nesse caso, a

partir da interpretação do físico Guido Beck (BECK, 1927).

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e) Constitui uma hipótese, para a pesquisa que aplicou esta SD, que é possível

articular o efeito fotoelétrico, enquanto mediador simbólico, e considerando as

interpretações de Albert Einstein e Guido Beck, para o ensino de conceitos de MQ.

Interessa, para esse trabalho, a elaboração de uma Sequência Didática (SD) que

possibilite discutir questões como: conceito de quantização (da radiação e da matéria);

conceito de estado em MQ; problema da medição em MQ. Acreditamos que abordagem

sugerida nessa SD, pode servir como sugestão para outros professores que tenham

interesse em desenvolver atividades de ensino de conceitos de MQ no Ensino Médio.

1 Orientações para o professor Em nossas aulas de física ensejamos, dentre outras coisas, que os estudantes

aprendam conceitos. Em Lev S. Vigotsky, encontramos suporte teórico para o processo

de formação de conceitos que julgamos adequada para essa SD, especialmente pelo seu

pressuposto de que esse processo é mediado. A abordagem sócio-interacionista, devida,

especialmente, a Lev S. Vygotsky assume como premissa que o desenvolvimento dos

sujeitos não pode ser entendido sem referência ao contexto social e cultural em que

ocorre. Pode-se dizer que esse constitui o pressuposto básico assumido por Vygotsky.

Embora Vygotsky tenha dedicado seu estudo experimental sobre o desenvolvimento da

criança, principalmente, encontramos em seus trabalhos— como exemplo, em um texto

intitulado “As raízes genéticas do pensamento e da linguagem” (VYGOTSKY, 1998) –

importantes contribuições sobre a formação de conceitos como resultado de processos

mediados.

Sendo assim, uma proposta pedagógica, pensada a partir de Vygotsky, deve

assumir que os sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem aprendem mediados

pelos outros sujeitos e pelo material simbólico disponível. Isso compreende dentro da

perspectiva vygotskyana, o que conhecemos como mediação social e mediação simbólica.

A mediação social é caracterizada na interação entre estudante-professor, bem como entre

estudante-estudante. A mediação simbólica, às vezes referida como mediação semiótica,

compreende a mediação por signos. A palavra, diz Vygotsky (1998), é o principal

elemento na mediação simbólica e tem, em princípio, um destacado papel na formação

de conceitos. Nesta SD, textos, vídeos, experimentos demonstrativos e simulações,

tornam-se os principais elementos da mediação simbólica.

Quando pensamos em aprendizado, do ponto de vista vygotskyano, pensamos no

aprendizado de conceitos. E, em Vygotsky, a aprendizagem é resultado de processos de

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medição social (na interação com a família, colegas de escola e professores) e mediação

simbólica (que se estabelece na apropriação dos significados dos símbolos, por exemplo,

quando a estudante se coloca para ler um livro). De acordo com Abbagnano (2007, p.164),

o termo conceito pode ser entendido como:

[...] todo processo que torne possível a descrição, a classificação e a previsão

dos objetos cognoscíveis. Assim entendido, esse termo tem significado

generalíssimo e pode incluir qualquer espécie de sinal ou procedimento

semântico, seja qual for o objeto a que se refere abstrato ou concreto, próximo

ou distante, universal ou individual.

Embora essa seja uma definição geral de “conceito”, engloba três aspectos

importantes e que parecem caracterizar um conceito científico: capacidade de descrição,

capacidade generalização e capacidade de prever eventos e resultados. A generalização é

um dos aspectos que, segundo Vygotsky, caracterizam um conceito científico. Nas

palavras do próprio Vygotsky (1998, p.104):

[...] um conceito é algo mais do que uma de certas ligações associativas

formadas pela memória, é mais do que um simples hábito mental; é um

complexo e genuíno ato de pensamento, que não pode ser ensinado pelo

constante repisar, antes pelo contrário, só pode ser realizado quando o próprio

desenvolvimento mental da criança tiver atingido o nível necessário.

Nesse sentido, as estratégias de ensino que visem a formação de conceitos no

estudante devem produzir condições para que ele construa significados em sua estrutura

cognitiva, possibilitando a conscientização do estudante sobre a que se refere os conceitos

e seus sentidos, produzidos especialmente a partir do contexto da sala de aula (espaço

socialmente institucionalizado para o ensino/aprendizagem de conceitos científicos).

Por fim, a avaliação, a partir de Vygotsky, deve levar em consideração a

mobilização de sentidos sobre os conceitos. Aqui, torna-se importante, a noção de Zona

de Desenvolvimento Proximal (ZDP). De acordo com Vygotsky (apud MOREIRA, 2011,

p.114), a ZDP é definida como:

[...] a distância entre o nível de desenvolvimento cognitivo real do indivíduo,

tal como medido por sua capacidade de resolver problemas

independentemente, e o seu nível de desenvolvimento potencial, tal como

medido por meio da solução de problemas sob a orientação (de um adulto, no

caso de uma criança) ou em colaboração com companheiros mais capazes.

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Desse modo, poderia interpretar-se que a ZDP compreende uma variação de

sentidos sobre um conceito como efeito da interação com outro sujeito do processo de

ensino-aprendizagem. No nosso caso, poderíamos pensar no seguinte exemplo: quais são

os sentidos mobilizados pelo estudante sobre o conceito de quantização a partir da leitura

individual de um texto (região, da ZDP, que refere a aprendizagem sozinho do aluno) e

quais são, caso existam, os outros sentidos que aparecem quando ele interage com o

colega ou com o professor (região, da ZDP, do aprendizagem mediado por outro e que o

aluno não pode alcançar sozinho). A diferença entre as duas regiões compreende a ZDP.

2 Efeito fotoelétrico: algumas considerações a partir dos trabalhos de Albert Einstein e Guido Beck

Neste capítulo, aborda-se o efeito fotoelétrico (doravante EF) sob duas

perspectivas distintas, mas que conduzem à resultados experimentais similares. Por um

lado, faz-se uma discussão sobre o trabalho de 1905 de Albert Einstein, intitulado Sobre

um ponto de vista heurístico a respeito da produção e transformação da luz; num segundo

momento, discute-se o trabalho de Guido Beck (1927) Contribuição à teoria do efeito

fotoelétrico.

Chama-se de EF a emissão de elétrons por um metal em virtude da incidência de

luz sobre o mesmo. Tal efeito parece ter sido observado pela primeira vez por Heinrich

Hertz em 1887. O curioso é que Hertz buscava comprovar as previsões da teoria

eletromagnética de James C. Maxwell, para o qual a luz é uma onda. Os desdobramentos

desse fato mostrariam que o pressuposto de que a luz é um corpúsculo também é

apropriado para algumas situações.

Em 1900, um dos estudantes de Hertz, Phillip Lenard, construiu um aparelho, cuja

representação esquemática se mostra na Figura 1, que permite observar e caracterizar o

EF.

Figura 1. Arranjo experimental para caracterização do EF.

Fonte: Ostermann e Ricci (2003, p.19).

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Ele consiste de dois eletrodos em um tubo onde se faz vácuo. A diferença de

potencial, V, entre os eletrodos pode ser controlada convenientemente, e a corrente i varia

de acordo com V, com a intensidade da luz e com a frequência da luz incidente sobre um

dos eletrodos, mas a energia dos elétrons não depende da intensidade da luz. As

conclusões obtidas por Lenard são apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1. Observações experimentais relacionadas ao efeito fotoelétrico e comentários.

1. A corrente “i” é diretamente proporcional

à intensidade luminosa. Se a intensidade

dobrar, a corrente também dobrará de

valor (Knight, 2009).

Essa conclusão não é conflituosa com a Física

Clássica, a intensidade de uma onda

eletromagnética propagando-se no vácuo é dada

por I =1

2ε0Emáx

2 . Quanto maior for a intensidade

da onda maior será a energia transportada por ela.

Isso significa que aumentar a intensidade da onda,

implica em aumentar o módulo do campo,

possibilitando que mais elétrons fossem excitados,

culminando com o aumento da corrente elétrica.

2. Dentro da precisão experimental de que se

dispunha, não parecia haver um intervalo

de tempo considerável entre a chegada da

luz ao metal e a ejeção dos fotoelétrons. A

ejeção é instantânea.

Essa evidencia empírica, associada ao EF, não

encontra ressonância na FC para a qual a energia

transportada pela onda eletromagnética se

distribui por certa quantidade de elétrons livres no

metal, sendo necessário um intervalo de tempo

considerável até que um elétron acumulasse

energia suficiente para escapar da superfície do

metal. Hoje sabemos que, embora o efeito não seja

instantâneo, o intervalo de tempo estimado é bem

pequeno (algo em torno de 1𝑛𝑠). Além disso, o

intervalo de tempo não pode ser nulo, pois isso

viola o Princípio de Incerteza de Heisenberg

(∆𝐸. ∆𝑡 ≥ ℎ/2𝜋), do qual falaremos noutro

momento.

3. Abaixo de certo valor de frequência

nenhuma corrente era detectada, indicado

que nenhum elétron era ejetado do

eletrodo.

Esse ponto era extremamente crítico e conflituoso

com a Física Clássica. Como já foi dito a energia

de uma onda eletromagnética não depende da

frequência da onda e sim da amplitude do campo

elétrico oscilante. Como explicar esse resultado,

uma vez que no EF não se dá para certas

frequências e a energia dos elétrons ejetados é

independente da intensidade da luz incidente?

4. Para um dado metal do eletrodo, existe um

potencial de corte que é o mesmo para

todos os valores de intensidade da luz

incidente, mas depende

proporcionalmente da frequência da luz.

O potencial de corte não depende da intensidade

da luz. Portanto, não iluminar o material com

iluminações mais fracas ou mais intensas

implicam no mesmo potencial de corte. No

entanto, ele passa depender diretamente da

frequência da radiação incidente. Essa foi a

previsão de Einstein, a ser testada por Milikan,

obtendo valores do V de corte em função da

frequência e, como consequência, determinando o

valor experimental de h.

Algumas das considerações feitas acima eram conhecidas por Albert Einstein, em

1905. Isso fica evidente quando, em seu artigo, ele compara os valores obtidos por suas

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suposições com os resultados experimentais obtidos por Lenard (Einstein, 1905, p.146).

A continuação apresenta-se a discussão do EF a partir das considerações einsteinianas.

2.1 O efeito fotoelétrico na interpretação de Albert Einstein

As conclusões de Phillip Lenard mostraram profundos desacordos, como foi

comentado, com o eletromagnetismo clássico de Maxwell. É nesse cenário que aparece a

figura do físico alemão Albert Einstein. Einstein propôs uma explicação para o EF que

retomava uma especulação antiga (muito atribuída a Isaac Newton) sobre a natureza da

luz: a luz como corpúsculo. Em seu artigo de 1905 (p.133), Einstein escreve:

Parece-me, agora, que as observações sobre a radiação do corpo negro, a

fotoluminescência, a produção de raios catódicos por luz ultravioleta e outros

grupos de fenômenos relativos à produção ou transformação da luz são mais

compreensíveis sob a suposição de que a energia da luz está distribuída

descontinuamente no espaço. (Tradução nossa).

A ideia de descontinuidade de energia vai de encontro ao pressuposto assumido

sobre esta noção na concepção teórica da física clássica. Embora essa ideia já tivesse

presente nos trabalhos de Planck, parece que Einstein não fez analogia aos quanta de

Planck para introduzir seus quanta de radiação. Einstein postulou que a luz de frequência

ν só podia ser absorvida ou emitida em quanta de energia (𝑅/𝑁)𝛽𝜈 (apud, MARTINS e

ROSA, 2014, p. 54). Não se pode afirmar, de acordo a interpretação de Martins e Rosa

(2014), que Einstein pressupôs ℎ = (𝑅/𝑁)𝛽, embora sejam numericamente iguais. No

entanto, para efeitos deste trabalho, assume-se essa concordância.

De acordo com Ricci e Ostermann (2003), Einstein fez uso dessa relação para

explicar o efeito fotoelétrico. No entanto, sugeriu uma interpretação distinta daquela

outrora proposta por Planck. De acordo com Einstein não apenas as trocas de energia,

entre a radiação eletromagnética e as paredes da cavidade, seriam descontínuas, mas a

própria radiação seria formada por pacotes ou quanta de luz de energia 𝐸 = ℎ𝜈.

Com essa hipótese fundamental Einstein explicava as “anomalias” que surgiam

quando se tentava explicar o EF através da FC. Ele enunciou três postulados sobre quanta

de luz e suas interações com a matéria:

1) A luz de frequência ν consiste em quanta de radiação, cada um com energia

𝐸 = ℎ𝜈. Desconsiderando a energia térmica, fato que para a temperatura

ambiente é razoável, um elétron pode escapar do metal tornando-se um

fotoelétron se 𝐸𝑒𝑙é𝑡𝑟𝑜𝑛 = ℎ𝜈 ≥ 𝐸𝑜. Isso explica a existência de uma frequência

de corte, dada por 𝜈0 =𝐸0

ℎ. Se ν for menor do que 𝜈0, nenhum elétron terá

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energia suficiente para escapar do material, e isso independe da intensidade da

luz incidente.

2) Os quanta de luz são emitidos ou absorvidos integralmente. Um sólido pode

emitir 1, 2, 3 quanta, mas não 1,5 quantum. Analogamente um elétron de um

metal não pode absorver meio quantum, e sim, apenas um número inteiro

deles. Isso implica que ao aumentar a intensidade da luz aumenta o número de

fótons incidentes sobre o material, tendo como resultado, por um lado, o

aparecimento da frequência de corte e por outro um aumento dos elétrons

ejetados e da corrente i.

3) Um quantum de luz, quando absorvido, transfere a totalidade de sua energia

para um único elétron. Isso explica o fato de a emissão de fotoelétron ser quase

instantânea. O elétron não precisava mais levar um tempo acumulando

“continuamente” energia para ser ejetado do material. Ela absorve energia de

uma só vez, “descontinuamente”!

Quando é ejetado da superfície do material, o elétron possui uma energia cinética

pela diferença entre a energia correspondente a frequência da radiação incidente e a

energia que liga o elétron ao metal, isto é,

K = h𝜈 − E0 [1]

A energia E0 é conhecida como função trabalho do material e representa um valor

de energia gasta pelo elétron para vencer a barreira de potencial que o liga ao material.

É interessante notar que a interpretação da função trabalho como um valor de

energia que o elétron cede para vencer um potencial que o liga ao metal parece representar

apenas um balanço de energia na sua equação do EF. Em seu artigo Einstein (1905, p.146)

não usa o termo “função trabalho”, seus escritos dizem apenas que:

Um elétron provido de energia no interior do corpo haverá perdido uma parte

de sua energia cinética quando atingir a superfície. Além disso, é assumido que

cada elétron tem que fazer um trabalho P2 (característico do corpo)

(equivalente à função trabalho) quando abandonar o corpo. [...] A energia

cinética de tais elétrons é (R/N)βν – P).

É importante destacar que no artigo de Einstein, como faz supor a equação do EF,

não indica explicitamente que a energia no “interior do átomo” esteja quantizada. Do

2 Notação usada no texto original de Albert Einstein.

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mesmo modo, não explicita sua referência a estados ligados para o elétron no interior do

material. Einstein não parece assumir um modelo explicito de matéria em sua

interpretação. No entanto, sua equação para a energia cinética do elétron possibilita um

ajuste da curva para os dados obtidos por Lenard, fato que a coloca em vantagem, pelo

menos técnica, em relação com a (não) explicação da Física Clássica.

2.2 A interpretação de Guido Beck para o efeito fotoelétrico

De fato o artigo de Einstein de 1905 que trata, dentre outras coisas, da “produção

de raios catódicos por luz ultravioleta”, fenômeno conhecido como efeito fotoelétrico,

parece ser o único, conhecido e popularizado, para explicar o EF. No entanto, posterior

ao trabalho de Albert Einstein, Guido Beck, um físico teórico, nascido no império Austro-

Húngaro em 1903, publicou um trabalho no qual discute o EF. A suposição básica de

Einstein, marcada pelo quantum de radiação, é dispensada no trabalho de Beck. Em 1927

Guido Beck publica o artigo A teoria do efeito fotoelétrico (BECK, 1927), aparentemente

“silenciado” na história de física por razões que não interessa discutir aqui. No entanto, é

interessante destacar que mesmo os estudiosos que discutem epistemologia e história da

física não fazem referência a este trabalho ou entendem a interpretação de Einstein como

a única possível. Veja-se, como exemplo, Bachelard (1975, p.188) afirma:

Em fim, antes de prosseguir a discussão dos valores epistemológicos da lei de

Einstein, insistimos sobre o fato de que a cidade física esteja convencida na

atualidade da necessidade de postular um caráter corpuscular para explicar o

efeito fotoelétrico. É verdadeiramente um caso no qual “não se pode proceder

de outro modo”. (Tradução nossa).

Vê-se, assim, que outros pressupostos para explicar o EF parecem pouco

prováveis para ser do conhecimento por um público mais amplo, quando é “negado" à

própria comunidade de físicos.

As razões pelas quais se cita aqui este trabalho podem ser resumidas por três

argumentos, a saber:

1) Beck assume um modelo de radiação distinto do que fora assumido por

Einstein. Em seu trabalho a radiação é representada “por uma onda plana

linearmente polarizada” (Beck, 1927, p. 443), ao invés de “quanta de energia”

(Einstein, 1905, p.133). Há uma evidente mudança no status ontológico da

radiação.

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2) Em seu trabalho, Guido Beck redireciona sua atenção para a matéria,

mostrando que a quantização desta também possibilita uma interpretação do

EF. Assim, pode-se dizer que a função trabalho surge a partir de considerações

teóricas fundamentadas na teoria quântica e não como uma suposição que

justifica um balanço de energia (como no procedimento utilizado por Einstein)

ou se ajusta a um conjunto de dados experimentais, porém não explicam sua

fonte originaria (da função trabalho).

3) Permite que uma reflexão sobre um modelo de matéria quantizado possibilite

uma incursão, voltado para o ensino/aprendizagem em física, nos conceitos

quânticos, o qual é importante para este trabalho. Embora Guido Beck discuta

um caso relativamente simples (átomo de hidrogênio), um olhar para a matéria

possibilita a reflexão de níveis de energia, bandas de energia e superposição

de estados quânticos na matéria (quantização que é tão necessária como a da

radiação para que fenômeno do EF tenha lugar).

Para interpretar EF, Guido Beck assume pressupostos fundamentais relacionados

à radiação e a matéria: a) A radiação é uma onda eletromagnética. Ou seja, o

comportamento da radiação obedece às equações de Maxwell; b) A matéria é quantizada.

Isso significa que os atributos físicos assumidos por elétrons presos em átomos, moléculas

e sólidos são quantizados. Com essas duas considerações foi possível encontrar uma

equação similar àquela obtida por Einstein que se ajusta aos resultados experimentais para

o efeito fotoelétrico, escrita abaixo.

E∗ = Ek + hν [2]

Na Equação 2, E* e Ek se referem, respectivamente, à energia cinética do elétron

ao abandonar o sólido e à função trabalho do material. O termo hν, não carrega as mesmas

suposições que no caso einsteiniano, ou seja, não representa quanta de energia

“localizados em pontos no espaço”. Neste caso, ν é a frequência de uma onda

eletromagnética. A função trabalho do material, assim como na Equação 1, representa um

valor de energia gasto para retirar um elétron ligado ao sólido. De acordo com os

pressupostos assumidos por Beck, Ek representa uma grandeza quantizada. Isso se deve

ao fato de que, considerando a explicação de Guido Beck, devemos assumir bandas

discretas de energia para a matéria.

15

3 Capítulo 3 Alguns conceitos de mecânica quântica e possíveis debates a partir de efeito fotoelétrico

Os argumentos para interpretar o EF evidenciam que o mesmo é, de fato, um

evento quântico. Sendo assim, a pergunta que colocamos para essa SD é: quais os

conceitos de MQ podem ser ensinados/aprendidos a partir do EF? A resposta para essa

pergunta perpassa por dois momentos, a saber: a) o primeiro passo é buscar uma resposta

na teoria quântica, mais especificamente na interpretação de Copenhague para essa teoria.

Para isso, nossa hipótese inicial é que é possível mobilizar sentidos sobre: quantização,

estado e o problema da medida, todo isso em MQ; b) o segundo momento é construído

no espaço da sala de aula. Quando se apresente a metodologia da SD se tratará o ponto

“b”. Por enquanto, discute-se o aspecto conceitual da física.

3.1. Quantização

A noção de quantização associada a uma grandeza física está relacionada ao fato

de que, em alguns processos caracterizados por essas grandezas, os valores obtidos a

partir de previsões teóricas ou como resultado de um conjunto de medidas não apresentam

quaisquer valores, isto é, são discretos. No contexto da FMC, esta noção surge com Max

Planck. Pessoa Jr (2006) comenta que “com uma descoberta surpreendente feita por Max

Planck (em Berlim) de que os corpos emitem e absorvem luz em quantidades discretas de

energia, e não de forma contínua”, obtém-se um resultado teórico para explicar os dados

experimentais sobre a emissão de luz por corpos incandescentes. A quantização, marcada

naquele momento pelo quantum de ação, representa algo novo, nunca pensado, e parecia

destinado a revolucionar a física (Planck, 2012, p.127). Um exemplo que interessa para

esta SD diz respeito ao átomo de hidrogênio. Os valores de energia para o átomo de

hidrogênio podem ser obtidos a partir da equação de Schroedinger, assumindo um

potencial resultante de interação elétron-próton do tipo 𝑈(𝑟) = −𝑘𝑒2/𝑟. Knight (2009,

p.1267) esclarece que:

Apesar de a energia total da “partícula” E aparecer na equação de

Schroedinger, ela é tratada como uma constante não especificada. Porém

veremos que não existem soluções aceitáveis para a maioria dos valores de E,

ou seja, as funções 𝜙(𝑥) que satisfaçam a equação de Schroedinger e às

condições de contorno. Soluções aceitáveis existem apenas para certos valores

discretos de E.

16

A ideia de quantização guarda, com o advento da MQ, um aspecto epistemológico

importante: por forças intrínsecas, ligadas às propriedades dos objetos quânticos, os

valores dos resultados de um conjunto de medições para uma grandeza revelam, como já

foi dito, um conjunto de valores esperados da mesma. É interessante notar que, se for

necessário caracterizar completamente o estado do átomo de hidrogênio, precisa-se lançar

mão de outras grandezas que, por sua vez, também são quantizadas. De acordo com

Knight (2009, p.1301):

Em uma dimensão, a quantização surge como uma consequência das condições

de contorno impostas sobre a função de onda, ou seja, as soluções para a

equação de Schrodinger satisfazem às condições de contorno somente para

certas energias discretas, caracterizadas pelo número quântico n. Em três

dimensões, a função de onda deve satisfazer três condições de contorno

diferentes. Consequentemente, as soluções para as equações de Schrodinger

tridimensionais envolvem três números quânticos e três parâmetros

quantizados.

Os três números quânticos são, como já foi comentado, o número quântico

principal 𝑛, o numero quântico orbital 𝑙 e o número quântico magnético 𝑚. O número

quântico principal 𝑛 e o número quântico orbital 𝑙 aparecem, como conteúdos, nos cursos

de nível médio de ensino, relacionados a níveis e subníveis (𝑠, 𝑝, 𝑑 e 𝑓, caracterizando a

forma dos orbitais), respectivamente. Isso é interessante, uma vez que podemos, a partir

daí, construir a transição do átomo para o sólido, uma vez que a distribuição de energia

neste último está relacionada à superposição de estados gerando bandas de energia.

A hipótese que se propõe é que é possível explorar o conceito de quantização tanto

a partir do trabalho sobre o EF de Einstein (quantização da radiação), quanto a partir do

trabalho de Beck (quantização da matéria). No primeiro caso (interpretação de Albert

Einstein), a problematização deve partir de duas situações experimentalmente

constatadas: a) a emissão de fotoelétrons é independente da intensidade da radiação; b)

existe um valor de frequência abaixo do qual não há emissão de fotoelétrons. No segundo

caso (interpretação de Guido Beck), a problematização deve partir dos modelos de

matéria, partindo do átomo de Bohr e construindo um modelo quântico de matéria (bandas

quantizadas de energia).

3.1 Conceito de estado em mecânica quântica.

E em MQ, como é caracterizado o estado de um objeto quântico? Para começar,

como já foi dito anteriormente, a dinâmica de um objeto quântico é descrita pela equação

17

de Schrodinger. Em três dimensões [𝑟 = (𝑥, 𝑦, 𝑧)], e independente do tempo, a equação

de Schrodinger pode ser escrita como:

[−ℏ2

2𝑚

𝑑2

𝑑𝑥2+ 𝑉] 𝜓(𝑟) = 𝐸ψ(𝑟) [3]

Na Equação 3 𝑉 um potencial a que a “partícula” está submetida, ao passo que

𝐸 representa um valor de energia total da partícula. Não é do interesse deste trabalho

apresentar com detalhes o formalismo da MQ. No entanto, algumas observações sobre a

função de onda, ψ(x), são pertinentes, para avançar na precisão epistemológica-

ontológica do objeto. Considerem-se elas, em uma dimensão: nem todas as funções ψ(x)

são soluções aceitáveis da equação de Schrodinger. As principais condições que as

funções de onda, ψ(x), devem obedecer são: ψ(x) precisa ser uma função contínua;

ψ(x) = 0 para o caso em que x pertença a uma região onde é fisicamente impossível

localizar o objeto quântico; ex. ψ(x) → 0 quando x → +∞ ou x → −∞; ψ(x); é uma

função normalizada. Essa última condição, expressa através da relação ∫ |ψ(x)|2𝑑𝑥 =+∞

−∞

1, indica que o objeto quântico está em alguma posição ao logo do eixo x.

Se pela equação fundamental da mecânica de newtoniana (�⃗� =𝑑�⃗�

𝑑𝑡⁄ ) podemos

prever a dinâmica de um objeto a partir do conhecimento de �⃗�, como podemos proceder

no caso da eq. 3? Qual a conexão dessa equação com a realidade física? Qual o caminho

para solucionar esta equação. Resolver a eq.3, consiste, essencialmente, em especificar a

função energia potencial e, em seguida, aplicando as condições de contorno, encontrar as

funções de onda possíveis3. Então, uma vez encontrada as soluções, o que elas

significam? De acordo com Pessoa Jr. (2006, p.95):

A saída para este problema foi apresentada por Max Born, em junho de 1926,

através da sua regra probabilística. A função de onda 𝜓(𝑟, 𝑡) não seria um

campo que existiria na realidade, mas estaria associada à probabilidade de se

encontrar uma partícula nesta ou naquela posição. Mais especificamente,

𝜓(𝑟, 𝑡) seria uma “amplitude” cujo quadrado |𝜓(𝑟, 𝑡) |2 forneceria tal

probabilidade.

3 Parece simples. Entretanto, basta ver a solução analítica para o átomo de hidrogênio para que tenhamos

noção da dificuldade formal com a qual nos deparamos. A função potencial para o átomo de hidrogênio é

muito conhecida, ela é do tipo 1/𝑥 (um elétron interage com um próton). Nos outros átomos, além da

interação elétron-próton, tem-se a interação elétron-elétron e elétron-próton, fato que acrescenta as

dificuldades práticas para a obtenção da função ψ.

18

Esse é um compromisso epistemológico claramente indeterminista. É possível

dizer, no entanto, que semanticamente a equação de Schroedinger seja determinista, no

sentido de que as probabilidades são conhecidas para diferentes valores de t. Porém, esse

determinismo não elimina o caráter probabilístico do resultado de medições, não se trata,

portanto, de uma melhora do aparato experimental: tudo que podemos dizer sobre a

dinâmica do objeto quântico é que ele está em algum lugar de um intervalo ∆𝑥 no instante

t. E as trajetórias dos objetos quânticos, como ficam? Podemos caracterizar o estado de

um objeto quântico através dessa noção? E aqui que se considere importante trazer o

resultado que Werner Heisenberg apresentara em 1927, conhecido como Princípio de

Incerteza. Sobre isso, Pessoa Jr. (2006), p.95) diz que:

Outro resultado importante foi percebido por alguns físicos, e formalizado por

Heisenberg em março de 1927: as relações de incerteza (ou de

indeterminação). Para certos pares de grandezas, como posição e velocidade

de uma partícula, se a posição tiver um valor bem definido, a velocidade estará

indeterminada; se a velocidade tiver um valor bem definido, a posição estará

indeterminada.

O Principio de Incerteza proíbe, então, que se determine simultaneamente, e com

precisão arbitrária, quantidades canonicamente conjugadas. É um enunciado que expressa

uma limitação sobre a possibilidade de conhecimento acerca de propriedades de objeto

quântico, que não pode ser eliminada. Nas palavras de Bernardes (1999), “o aparelho [de

medida] exerce uma ação finita sobre um objeto que não pode ser reduzida a um nível

arbitrário”, relacionado com o papel do quantum de ação de Planck e matematicamente

representada como ∆𝑥. ∆𝑝 ≥ ℏ/2. Se não se pode determinar com precisão posição e

momento, fica inviabilizada a construção de uma trajetória. Nesse viés, não se pode falar

que o estado quântico é este ou aquele, mas, apenas, que existe uma probabilidade de que

seja um destes. Quer dizer, os estados quânticos são estados probabilísticos. Sobre isso,

Córdoba (2012, p.55), faz uma consideração muito importante que se destacada abaixo:

[...] o estado clássico é descritivo porque pode ser pensado como uma “lista”

de propriedades dos componentes do sistema, e é também disposicional,

porque permite especificar a tendência do sistema a se comportar de certo

modo; no entanto, o estado quântico não tem caráter descritivo e só matem o

aspecto disposicional: permite calcular a disposição do sistema a manifestar

certos valores de seus observáveis através da medição, o que tem sido

exitosamente comprovado por via empírica.

19

A trajetória descreve a evolução temporal de um objeto clássico. No entanto, a

caracterização por trajetórias é inviável, nos marcos da interpretação de Copenhague.

Resta então falar de uma disposição do objeto quântico para ocupar um dado estado. O

interessante é que se 𝜓1, 𝜓2·.... 𝜓𝑛 são soluções da Equação 3, ou seja, são estados

possíveis para o objeto quântico, então qualquer combinação linear desta soluções é, do

mesmo modo, um estado possível – 𝜓= 𝑎1𝜓1 + 𝑎2𝜓2 +...+ 𝑎𝑛𝜓𝑛4. Tal fato é conhecido

como princípio de superposição, que qualitativamente, implica que o estado do objeto

quântico engloba que todas as informações possíveis sobre ele. Ou seja, o estado é

caracterizado como uma disposição do sistema de apresentar certos valores. Pode-se dizer

que a realização de uma medição sobre o objeto atualiza um dos estados possíveis do

objeto, ou que houve um colapso da função de onda.

Levando em conta as considerações acima, como pode ser discutido o conceito de

estado em MQ a partir do EF? A partir do conhecimento do trabalho de Guido Beck, a

hipótese foi que seria possível explorar o conceito de estado em MQ a partir da matéria.

Isso se dá em dois momentos: primeiro com um átomo individual e, posteriormente, com

uma superposição de átomos formando um sólido. Como se sabe, cada estado

estacionário5 é caracterizado por três números quânticos (𝑛, 𝑙, 𝑚), o que para esta SD abre

possibilidades de debate. Por outro lado, a transição de um átomo individual para um

sólido pressupõe uma superposição de estados estacionários formando bandas de energia.

As faixas de energia de cada banda são definidas, pode-se afirmar que as bandas estão

quantizadas. E mais, diferentes sólidos possuem diferentes estruturas de banda, e,

portanto, diferentes funções trabalho. Em consequência, alguns sólidos podem apresentar

efeito fotoelétrico para certo valor fixo de frequência de radiação ao passo que outros não.

Mudar de sólido é, pela interpretação de Guido Beck, criar condições para realizar

medições do efeito fotoelétrico. Assim, o caminho foi, aproveitando as características

quânticas da matéria que são constitutivas do EF, discutir conceito de MQ.

3.2 O problema da medida em MQ.

O problema da medida em MQ tem sido objeto de discussão em diversos trabalhos

(Pessoa Jr, 2006; Ricci e Ostermann, 2003). Ele parece surgir na MQ, inicialmente, com

4 Para ser mais preciso, deveríamos usar a notação com bras e kets, padrão para representar estados

quânticos na MQ. No entanto, queremos explorar os aspectos qualitativos dessa relação. Para nós, essa

notação é suficiente. Os coeficientes 𝑎1, 𝑎2 ... 𝑎𝑛 podem assumir valores complexos e são necessários pela

condição de normalização. 5 Um estado estacionário tem um valor de energia bem definido. Para o átomo de hidrogênio a energia de

cada estado só depende de 𝑛.

20

o problema da dualidade onda-partícula (Pessoa Jr. 1992). A luz era uma onda, cujo

comportamento era previsto pelas equações de Maxwell. No entanto, em algumas

situações (por exemplo, com o EF e com a ionização das moléculas de um gás por raios

X) as previsões teóricas aceitas pela comunidade de científica eram questionadas. Em

1905, como já foi comentado, Einstein propões uma interpretação corpuscular para a luz.

Do mesmo modo, em 1912, interpretações corpusculares foram dadas por Bragg e Stark

(Pessoa Jr., 1992, p.179). A confirmação da adequação experimental da equação de

Einstein para EF, obtida por Millikan em 1916, retoma o debate sobre a natureza

(ontológico) dos objetos quânticos. Essa é uma perspectiva que está relacionada

diretamente com a noção de complementaridade, devida a Niels Bohr. Pinto Neto (2010,

p.16) desta que:

Segundo Bohr, o mundo quântico se caracteriza pela inadequação da aplicação

de determinados conceitos clássicos simultaneamente. Os sistemas quânticos

respondem parcialmente à intervenção do mundo clássico, através de um

aparelho de medida, manifestando inequivocamente apenas um conjunto

limitado de propriedades clássicas. Se quisermos obter uma informação precisa

sobre um conjunto complementar de propriedades clássicas, um outro artefato

experimental deve ser utilizado. Para este novo conjunto (sistema quântico-

aparelho de medida), as propriedades clássicas anteriores deixam de fazer

sentido, não se colocam.

Essa é a essência do conceito de complementaridade: o objeto quântico não pode

ser compreendido dentro uma perspectiva ontológica única, sendo necessárias

caracterizações mutuamente excludentes. Nesse sentido, predomina a importância do

artefato experimental implicando em revelar propriedades de corpúsculo ou de onda, mas

nunca as duas concomitantemente. Essa é uma discussão que pode ser feita no espaço da

sala de aula, especialmente relacionado ao EF, com a ressalva de que a dualidade onda-

partícula não se deve a Einstein. No entanto, no quadro epistemológico da MQ velha,

pode-se dizer que antes de um processo de medição o objeto quântico é uma onda-

partícula. O ato de medir produz uma perturbação no objeto e atualiza um aspecto clássico

(nesse caso, partícula).

Outra possibilidade de discussão do problema da medida em MQ surge com a

tese do colapso da função de onda devida a Von Neumann6. Essa é uma perspectiva

sugerida para discussão em sala de aula, especialmente relacionado com a interpretação

de Guido Beck, conectando princípio de superposição e o colapso da função (ou redução

6 Os desdobramentos das teses de Von Neumann não serão aprofundados aqui. Para uma leitura mais

aprofundada do tema, recomenda-se os textos de Pessoa Jr. (2006) e Pessoa Jr. (1992). Ambos estão

relacionados nas referenciais dessa SD.

21

de estado) de onda do ponto vista da interpretação de Copenhague. Como foi comentado

acima 𝜓1, 𝜓2... 𝜓𝑛 são estados possíveis para o objeto quântico, então qualquer

combinação linear desta soluções é, do mesmo modo uma estado para o objeto quântico,

escrito como 𝜓= 𝑎1𝜓1 + 𝑎2𝜓2 +...+ 𝑎𝑛𝜓𝑛. Chamamos 𝜓1, 𝜓2... 𝜓𝑛 de auto-estados,

sendo que para cada um desses existem autovalores para certas grandezas físicas que

caracterizam o objeto quântico (energia, momentum etc). Antes de um processo de

medição o estado do objeto é dado pela superposição de todos estados possíveis. A

medição produz uma perturbação no sistema quântico de modo a atualizar um desses

estados, colapsando os demais. Como em Guido Beck faz-se necessário um modelo

quântico para a matéria, é possível discutir o problema da medida de dois modos, a saber:

a) quando discutimos o modelo quântico de matéria (níveis e bandas de energia). Nesta

SD utilizam-se duas simulações para isso. O estado do objeto quântico passa a ser

caracterizado pelos números quânticos 𝑛, 𝑙 e 𝑚. No entanto, para cada valor de 𝑛, exceto

para 𝑛 = 1, no átomo de hidrogênio, existe um conjunto de valores para os demais

números quânticos, uma vez que 𝑙 varia de 0 até 𝑛 − 1 e m varia de 𝑙 até – 𝑙. Mostra-se,

na discussão da aula III, como isso pode ser feito na sala de aula; b) Como em Guido

Beck o olhar é direcionado para a matéria, podemos discutir com mais profundidade a

função trabalho. Um processo de medição pode ser feito ao se mudar os sólidos,

evidenciando, ou não, o EF. Esse processo é equivalente a “colapsar” certas funções de

onda, certa bandas de energia e, portanto, mudar a função trabalho do material. Isso pode

ser feito com o uso de uma simulação na qual é possível sair do modelo de níveis de

energia (átomo de hidrogênio) para o modelo de bandas de energia.

4 A sequência didática A seguir, apresenta-se a SD que foi desenvolvida. Busca-se uma tentativa de

aproximação com a forma estrutural, procedimental e avaliativa que caracteriza uma SD.

De acordo com Araújo (2013), uma SD indica “um modo de o professor organizar as

atividades de ensino em função de núcleos temáticos e procedimentais” (p. 323). De

acordo com a filiação teórico-pedagógica ou teórico-epistemológica de cada professor, as

SD podem possuir distintas estruturas. Para citar duas delas: o modelo desenvolvido pelo

grupo Genebra e as Sequências de ensino-aprendizagem (TLS), segundo Méheut e Psillos

(2004). O modelo TLS será importante para nós, especialmente pela sua estrutura que

busca uma articulação entre aspectos epistemológicos e o mundo material, bem como

22

entre aspectos pedagógicos e os alunos. Méheut e Psillos (2004, p.517) apresenta seu

modelo (ver Figura 2) considerando quatro componentes: professor, aluno, mundo

material e conhecimento científico.

Neste esquema, o eixo vertical representa a dimensão 'epistêmica' (ou seja,

como o conhecimento trabalha com relação ao mundo material) e o eixo

horizontal a dimensão "pedagógica" (ou seja, as escolhas sobre os respectivos

papéis a serem desempenhados pelo professor e pela turma).

A dimensão epistêmica articula os processos de elaboração, métodos e validação

do conhecimento científico, relacionando-os com o mundo real. Esta é uma dimensão que

articula o mundo físico (conceitos do campo da física) e mundo fenomênico – aqui

entendido de acordo com Prelat (1948). Esta é a dimensão na qual se localiza os conceitos

da física que devem ser ensinados/aprendidos.

A dimensão pedagógica está relacionada às interações professor-aluno.

Entendemos que a dimensão pedagógica é atravessada por questões epistemológicas, uma

vez que ela deve conter compreensões sobre como os sujeitos ensinam e aprendem. Como

exemplo, segundo Vygotsky, o desenvolvimento cognitivo dos sujeitos é resultado da

aprendizagem. Essa, por sua vez, se dá por processos de mediação entre o sujeito e o meio

social/cultural no qual está inserido. Moreira (2011) destaca que em outras perspectivas

teóricas, o desenvolvimento cognitivo tem sido interpretado como necessário para

aprendizagem, ou tomado como sinônimo. Em Vygotsky, a aprendizagem é, como

comentamos acima, necessária para o desenvolvimento. Embora Vygotsky (1998) faça

referência a estágios (agregação desordenada, pensamentos por complexos e pensamentos

por conceitos) eles não são resultado, apenas, de uma condição genética. A nosso ver,

esta é uma questão epistemológica.

Rodrigues e Ferreira (2011) argumentam que o modelo Teaching and learning

sequence (Sequência de Ensino e Aprendizagem, doravante TLS) tem como objetivo

ajudar os alunos a compreender o conhecimento científico. Os elementos que compõem

uma TLS são apresentados na Figura 2.

O desafio de uma SD, baseada neste modelo, consiste na busca pela articulação

entre as duas dimensões no processo de ensino/aprendizagem no contexto da sala de aula.

No entanto, a nosso ver, essas dimensões podem ser interacionadas via mediação social

e mediação simbólica, a partir de Vygotsky. Acreditamos que a criação de espaço para

dialogicidade na sala de aula podem tornar possível esta articulação.

23

Figura 2. Esquema didático para descrever o desenho de uma TLS.

Rodrigues e Ferreira (2011) apresentam os “critérios estruturantes”, a partir do

modelo TLS, destacando os principais aspectos das dimensões, epistemológica e

pedagógica, de acordo com o Quadro 2.

Quadro 2. Dimensões epistêmica e pedagógica, segundo Rodrigues e Ferreira (2011).

Dimensões Critérios Estruturantes

Dimensão Epistemológica

C1 Valorização das concepções prévias dos

alunos e formas de elaboração conceitual.

C2 Gênese histórica do conhecimento.

C3 Aproximação entre conhecimento

científico e mundo material.

C4 Identificação de lacunas de

aprendizagem.

C5 Observação das trajetórias de

aprendizagem.

Dimensão Pedagógica

C6 Exposição e discussão de ideias pelos

alunos.

C7 Estratégias para superar as lacunas de

aprendizagem.

C8 Interação professor-aluno / aluno-aluno.

O desafio é, então, como articular ações em sala de aula em acordo com os

critérios estruturantes e os objetivos formativos pré-estabelecidos? O Quadro 2, extraído

de Rodrigues e Ferreira (2011) articula alguns critérios com as dimensões epistemológica

e pedagógica. A partir desse quadro, e considerando os aspectos da teoria sócio-

interacionista de Vygotsky, apresentamos a estruturação da SD que se desenvolveu. Os

critérios estruturantes não necessariamente devem aparecer, ao mesmo tempo, em todos

os encontros. As etapas da SD aparecem no Quadro 3.

24

Quadro 3. Etapas da sequência didática.

Aula Estratégia Objetivos formativos Metodologia/avaliação* Critérios

Considerados

Duração

(horas/

aula)

01 -Experimento

demonstrativo.

-A Teoria

Quântica

(Saga do

prêmio Nobel)

-Texto:

Energia

monetária:

como

podemos

subdividi-la?

Apresentação e discussão

sobre as evidências

empíricas de efeitos

interação da radiação com a

matéria.

-Aproximação dos

estudantes com conceitos

de MQ.

- Discussão do conceito de

quantização.

-Com a sala em círculo,

demonstrar os efeitos da

interação da radiação a

matéria: efeitos

fotocondutivo e

fotovoltáico.

-Debate sobre conceitos de

MQ presentes no filme,

com a atenção para o

conceito de quantização.

-Leitura em grupo e

posterior socialização com

os demais estudantes sobre

o texto.

-Sugerir que os mesmo

escrevam um texto onde

apresentem sua ideia de

quantização.

C1, C2, C6,

C8

2

02 - Texto sobre o

EF, de acordo

com a

interpretação

de Einstein.

- Uso de

simulações

sobre o efeito

fotoelétrico.

- Caracterizar o efeito

fotoelétrico, segundo as

hipóteses assumidas por

Albert Einstein em 1905 e

explorar novos sentidos

sobre o conceito de

quantização.

-Análise dos parâmetros

importantes para a

existência do efeito

fotoelétrico, a partir de uma

simulação.

- Os estudantes fazem uma

leitura individual sobre o

texto.

-Discussão, em grupo sobre

o texto.

-Caraterização do EF,

segundo Einstein,

utilizando simulações.

-Proposta de escrita:

argumentar sobre por que

podemos afirmar que o EF

é um evento quântico.

C1, C2, C5,

C6 e C8

2

03 - Texto sobre o

modelo

atômico de

Bohr.

-Simulações

sobre modelo

atômico para o

átomo de

hidrogênio e

modelo

quântico da

matéria.

-Apresentar um modelo

quântico para a matéria.

-Apresentar outra

interpretação, a partir do

trabalho de Guido Beck

para efeito fotoelétrico;

-Discutir o conceito de

estado quântico e o

problema da medida em

mecânica quântica.

- Leitura de um texto sobre

o modelo atômico de Bohr.

-Discussão sobre o

conceito de estado a partir

da simulação sobre o átomo

de hidrogênio.

-Discussão sobre a

interpretação de Beck para

o EF.

-Caracterização do modelo

de matéria em Beck e a

função trabalho.

C2,C5, C6 C8 2

A SD a ser discutida abaixo, compõe-se de 3 (três) aulas com duração de 100

(cem) minutos cada, com 8 (oito) atividades e foi aplicada em parceria com estudantes do

segundo ano do Ensino Médio de uma escola pública de Jacobina-BA.

25

4.1 Aula I: apresentação da proposta de ensino e o conceito de quantização.

A aula I tem como objetivo possibilitar uma discussão sobre o conceito de

quantização e mobilizar sentidos sobre o mesmo com os estudantes. No entanto, ela

começa com uma apresentação geral sobre a proposta de ensino para as três aulas. Por se

tratar de um trabalho de pesquisa em ensino, optou-se por discutir com estudantes a

proposta das aulas, formas de avaliação e demais elementos práticos das atividades. De

certa forma esse momento comtempla uma perspectiva de motivação, o que não se

distancia do trabalho de Vygotsky (Gaspar, 2014). Abaixo apresentamos as atividades

que compõe esta primeira aula.

Materiais:

• Datashow;

• Computador com software compatível com o formato escolhido para o

vídeo;

• Cópias do texto de apoio (Apêndice A);

• Piloto para quadro branco;

• Folhas de papel pautado;

• Gravador de áudio.

4.1.1 ATIVIDADE I

Esta é a primeira atividade proposta para aproximar os estudantes dos fenômenos

de interação da radiação com a matéria, bem como motivá-los à investigação das

consequências dessa interação. O professor que desejar fazê-la deverá dispor de um

sensor de presença, com sensibilidade à região de frequências características do

infravermelho. O dispositivo experimental, tal como proposto para essa SD aparece na

Figura 3.

26

Figura 3. Dispositivo para o experimento demonstrativo. 1 é um sensor de presença 2 é um

interruptor, utilizado por questões de segurança, e 3 são lâmpadas incandescentes associadas em

paralelo.

Esse um modelo bastante acessível, considerando que a atividade é

demonstrativa. A montagem do sensor de presença pode ser acompanhando por um guia

de instalação7. O sensor é bivolt, bastando apenas que se ajuste manualmente para

adequação a cada região. A lista de materiais para essa atividade aparece na Tabela 1

abaixo.

Tabela 1. Lista de materiais utilizados para montagem do dispositivo experimental.

Material Especificações

Fios Seção 1,5 𝑚𝑚²

Sensor de Presença (sensível ao

infravermelho)

Tensão: (110-240)V/AC

Lâmpadas incandescentes 60W

Do ponto de vista de abordagem dessa atividade, é interessante que os estudantes

se aproximem do dispositivo experimental para que se iniciem as atividades e as

discussões. Embora seja um experimento demonstrativo, esse momento pode possibilitar

uma relação dos estudantes com o mundo material (Méheut e Psillos, 2004). Os

estudantes são convidados a se movimentar relativamente ao sensor, fato que aciona o

efeito fotocondutivo no sensor (perceptível indiretamente com o acender das lâmpadas).

Esse é um efeito perceptível pelos estudantes. A partir daí, passa-se a investigação das

7 O guia de instalação está disponível no endereço

http://www.soprano.com.br/sites/default/files/downloads/portal/sensor_presenca_teto.pdf.

27

possíveis causas do efeito. Uma causa mecânica, por exemplo, pode ser “dispensada”

quando permitimos que todos os estudantes falem, ou batam palmas. Do mesmo modo,

certas frequências do espectro eletromagnético podem ser desconsideradas incidindo luz

visível sobre o sensor. A ideia é mostrar que efeito não acontece para quaisquer regiões

de frequência do espectro eletromagnético, o que evidencia características quânticas

daquele sistema.

4.1.2 ATIVIDADE II

Nesta atividade, exibe-se um vídeo que trata, dentre outras coisas, do EF.

Discute-se o fato de que Einstein recebera o prêmio Nobel em física pela interpretação

desse fenômeno. Quantização, estado em MQ, modelos de radiação e matéria, são temas

que aparecem no vídeo e interessam para essa SD. A nosso ver, o vídeo funciona como

um mediador simbólico e possibilita importantes questionamentos, caso seja aberto um

debate logo depois de sua exibição. Como o conceito de quantização é o foco do debate

da primeira aula, uma sugestão é que se comece o debate por ele. Aí é possível debate-lo

tanto do ponto de vista da radiação (com o EF), bem como do ponto de vista da matéria

(modelo semi-clássico de Bohr).

4.1.3 ATIVIDADE III

Esta atividade encerra a aula I. Propõe-se a leitura do texto “Energia monetária:

como podemos subdividi-la?” (Apêndice A). A leitura foi feita em grupo de três

estudantes. A intenção é entender como um mediador simbólico (texto), em uma situação

de mediação social (interação para mobilizar sentidos sobre o conceito de quantização),

funciona como instrumento para o ensino-aprendizado. O texto trata o sistema monetário

como um análogo quântico. Explora-se a limitação para transações comerciais no sistema

monetário brasileiro como sendo uma consequência que não pode ser reduzida

arbitrariamente e neste sistema um centavo (valor mínimo para trocas de energia

monetária) corresponde ao quantum de ação de Planck. Do ponto de vista metodológico,

é interessante que o professor atue como mediador, provocando questionamentos de

modo a explorar o máximo das respostas dadas pelos estudantes. No final dessa atividade,

propõe-se que os estudantes escrevam um texto sobre sua compreensão de quantização.

28

4.2 Aula II: efeito fotoelétrico, segundo a interpretação Einsteiniana.

Esta tem como objetivo geral caracterizar o EF, segundo as hipóteses assumidas

por Albert Einstein em 1905. Sendo assim, é interessante uma discussão sobre as

grandezas físicas importantes para a ocorrência do EF. Esta é uma Aula que busca

evidenciar os aspectos quânticos desse fenômeno. Do ponto de vista de conceitos da MQ,

é possível aprofundar as discussões sobre a quantização, a partir de um evento

essencialmente quântico – a explicação para o EF implica em quantizar a radiação (Albert

Einstein) ou quantizar a matéria (como é discutido na aula III, com a explicação de Guido

Beck).

Para a realização dessa aula, sugere-se a seguinte lista de materiais:

• Datashow;

• Cópias do texto de apoio (Apêndice B);

• Laboratório de Informática;

• Simulações;

• Piloto para quadro branco;

• Gravador de áudio.

4.2.1 ATIVIDADE IV

Para esta atividade, o professor elaborou um texto de apoio (Apêndice B) sobre

o EF de acordo com interpretação Einsteiniana. O texto atua como um mediador

simbólico. Procura-se evidenciar a mediação social e caracterizar a ZDP, para o qual a

atividade deve ser dividida em dois momentos, quando o estudante trabalha e produz

sentidos do mediados semiótico sozinho e quando o estudante o faz interagindo com

outro, do seguinte modo: cada estudante recebe um texto e faz uma leitura individual.

Para isso, foi dispensado um tempo de 10min. Isso busca evidenciar os sentidos que os

estudantes atribuem sozinhos ao EF, mediados pelo texto; em seguida, o professor abre

espaço para que os estudantes apresentem suas compreensões do texto e interajam. Este

tipo de estratégia busca criar um espaço interativo característico da mediação social, de

acordo com a perspectiva vigotskiana. Assim, é possível obter informações sobre os

sentidos atribuídos através de uma leitura individual e os sentidos que aparecem depois

da intervenção sobre as falas dos estudantes feitas por seus colegas e pelo professor,

estratégia que, a nosso ver, auxiliar na caracterização da ZDP.

29

4.2.2 ATIVIDADE V

A atividade V é desenvolvida com o uso de uma simulação sobre o EF8. Para

realização dessa atividade, bem como na atividade VI, é interessante que os alunos

tenham acesso a computadores com sistema operacional Windows9. Propõe-se um

computador por estudante, mas, acredita-se, podem ser obtidos bons resultados com um

computador para grupos de até três estudantes. Uma imagem dos elementos gráficos da

simulação é apresentada abaixo (Figura 4).

Figura 4. Aspecto gráfico da simulação para o efeito fotoelétrico.

Na Figura 4, são evidenciados os principais parâmetros para estudo do EF. É

possível controlar a frequência da radiação, a sua intensidade, o potencial entre os

eletrodos. O aparato experimental funciona como um mediador simbólico. A intenção é

que, para além da caracterização do EF, a simulação funcione como mediador de

aprendizagens sobre este fenômeno, as grandezas físicas que são importantes e, por fim,

mobilizem sentidos sobre a quantização. Uma sugestão é que o professor motive os

estudantes a investigar a relação entre a intensidade da radiação e a velocidade ejeção dos

elétrons, realizando cálculos da velocidade (como v=d/t, onde t é o tempo no qual recorre

a distancia d), para cada valor da intensidade. Desse modo, é possível criar um ambiente

8Disponível em, http://www.kcvs.ca/site/projects/physics_files/photoelectric/photoelectricEffect.swf. 9 Não foram feito testes em computadores que utilizam softwares livres, bem como com uso de tablets e

celulares. Essa pode ser uma saída, para o caso, muito comum, da falta de laboratórios de informática em

muitas escolas brasileiras.

30

em que os estudantes “percebam” que a intensidade da radiação não influencia a energia

cinética (𝐸𝑐 ∝ 𝑣2) dos elétrons ejetados. A dependência da energia cinética com a

frequência da radiação pode ser investigada alterando-se esse parâmetro na simulação.

É interessante que os alunos sejam estimulados a alterar os parâmetros no

experimento. Durante a aplicação dessa SD, muitos estudantes perceberam que existia

uma frequência de corte, abaixo da qual não ocorre o EF. Essa é uma característica

efetivamente quântica desse fenômeno. Como Einstein não faz considerações explícitas

sobre a natureza da matéria, sugerimos que uma discussão mais aprofundada da função

trabalho seja feita quando se trata o EF de acordo com a interpretação de Einstein.

Do ponto de vista metodológico, o professor deve ficar responsável por

disponibilizar todo material e por mediar o debate. A estratégia utilizada nessa SD, e

sugerida para quem quer trabalhar com a perspectiva sócio-interacionista, é que faça uma

pergunta inicial – por exemplo, qual a relação entre a intensidade da radiação e a

ocorrência do EF? – funcione como ponto de partida para as discussões. A partir daí,

deve-se aproveitar ao máximo, as perguntas que os estudantes elaboram e apresentar

outras perguntas.

4.3 Aula III: efeito fotoelétrico, segundo a interpretação de Guido Beck.

Essa é a ultima aula dessa SD. São utilizadas duas simulações computacionais:

a primeira trata de modelos atômicos e a segunda trata de um modelo quântico para a

matéria (níveise bandas de energia)10. A intenção, nessa atividade, é mobilizar

aprendizados sobre o EF vistos a partir da perspectiva beckeniana, bem como mobilizar

aprendizados sobre conceitos de MQ. Nossa hipótese, assumida para aplicação SD, foi

que é possível explorar os conceitos de estado em MQ, bem como o problema da medida

– vistos a partir da interpretação de Copenhague.

Para a realização dessa aula, sugere-se a seguinte lista de materiais:

• Datashow;

• Simulação computacional;

• Laboratório de informática;

• Cópias do texto de apoio (Apêndice C);

• Piloto para quadro branco;

10 As simulações estão disponíveis no endereço eletrônico,

https://phet.colorado.edu/pt_BR/simulations/category/new.

31

• Gravador de áudio.

4.3.1 ATIVIDADE VI

Essa atividade começa com uma simulação. Em vez de se alterar a frequência da

radiação, como na simulação da aula II, modificam-se os sólidos sobre os quais incide a

radiação. Desse modo, busca-se indicar que é possível uma explicação para EF sem a

necessidade propor modificações na natureza da luz, mas olhando-se para a matéria.

Em seguida, os estudantes recebem um texto (Apêndice C), que funciona como

um mediador simbólico, sobre o modelo atômico de Bohr. De modo similar ao ocorrido

com os textos das aulas anteriores, os estudantes fazem primeiro uma leitura individual

do texto. Isso busca evidenciar os sentidos que os estudantes atribuem sozinhos, mediados

pelo texto, para um modelo semi-clássico da matéria – embora o modelo de Bohr para

átomo não seja essencialmente quântico (uma vez que ainda preserva noções clássicas

como, por exemplo, trajetórias definidas como órbitas), é interessante que se explore a

ideia de quantização presente aqui. A socialização, posterior à leitura do texto, e mediada

pelas interações com o professor e colegas, possibilita a avaliação sobre os sentidos

mobilizados pelos estudantes – fato que caracteriza a ZDP.

Junto às discussões sobre o modelo de Bohr, mediado pelo texto, utiliza-se uma

simulação sobre esse mesmo modelo. Uma imagem dos elementos gráficos da simulação

é apresentada na Figura 5.

Figura 5. Simulação PHET sobre modelos atômicos.

32

No lado esquerdo da Figura 5, veem-se os nomes de alguns modelos atômicos,

do clássico para o quântico – ao clicar sobre um deles, sua representação surge na tela

central. Acima, tem-se representado o modelo de Bohr. As órbitas possíveis são

representados pelos círculos. Nesta figura, no primeiro nível excitado. Em linguagem

quântica, isso corresponde ao primeiro estado excitado – mas isso não pode ser dito no

modelo de Bohr. A quantização de energia é uma característica desse modelo e deve ser

explorada pelo professor. No entanto, ainda não é possível falar sobre o conceito de estado

para o elétron quântico, uma vez que seriam necessários outros parâmetros (número

quântico orbital, número quântico magnético e spin).

4.3.2 ATIVIDADE VII

Com a mesma simulação da atividade I, é possível explorar um modelo,

essencialmente quântico, para a matéria. Ao selecionar o modelo de Schroedinger, obtém-

se a Figura 6.

Figura 6. O modelo atômico de Schroedinger.

33

A ideia aqui é que a simulação funcione como um mediador simbólico. A

hipótese de que uma simulação pode funcionar com um mediador semiótico pode ser

testada comparando os sentidos mobilizados quando do seu uso com outro mediador

simbólico, por exemplo, um texto, que poderá produzir outros sentidos. Intenciona-se a

mobilização de sentidos sobre o conceito de estado – os números quânticos 𝑛, 𝑙 e 𝑚,

aparecem na figura. A noção de orbital da química pode ser retomada aqui. O parâmetro

𝑚 pode ser alterado aletoriamente, de modo que podemos mudar a orientação do orbital

na Figura 6. Desse modo é possível explorar a superposição dos valores dessas grandezas,

antes de um processo de medição, e, consequentemente, a superposição de estados.

O modelo quântico apresenta alguns conflitos com as ideias prévias dos

estudantes, como indicam as respostas à pergunta “onde está o elétron?”. Essa pergunta

pode servir como mediador para discussões sobre a interpretação probabilística da função

de onda.

É interessante destacar que, durante a aplicação da SD, constatou-se que o uso

do mediador simbólico, acima proposto, sem uma discussão sobre a superposição de

estados em MQ, não proporcionou o aprofundamento desejado sobre o problema da

medida. Desse modo, sugere-se o uso de outro mediador simbólico como, por exemplo,

o uso de um texto encontrado em Alcácer (2012, p.1). Posterior ao texto, pode-se fazer o

uso da simulação. A ideia é mostra que medir implica eliminar essa superposição

destacando estados particulares quando se faz incidir radiação com frequência

adequada. Na figura abaixo, vê-se uma imagem da simulação

Figura 7. Simulação PHET: modelos para o átomo de hidrogênio.

34

Na Figura 7, 1 e 2, representam as formas dos orbitais obtidos quando se incide radiações

com comprimentos de onda 92𝑛𝑚 e 103𝑛𝑚, respectivamente. Os números quânticos n,

l e m, na figura, caracterizam os estados individuais (atualizados) para cada perturbação

possível. Assim, pode-se proceder as diversas possibilidades. Podemos concluir que

todos estados existem como superposição antes de perturbação que atualiza um deles. Isto

corresponde ao que se chama colapso da função de onda.

4.3.3 ATIVIDADE VIII

Essa atividade começa com a leitura de um texto (Apêndice C) sobre o trabalho

de Guido Beck, elaborado pelo autor da SD, com base no artigo de Beck sobre EF de

1927. Para a leitura do texto, devem ser dedicados cerca de 10 a 15 minutos. Em seguida,

abre-se espaço para que os estudantes compartilhem suas compreensões. Uma forma de

iniciar o debate é questionar sobre os modelos de radiação e matéria presentes na

interpretação beckiana. A ideia é que sejam mobilizados sentidos, especialmente sobre

modelos de matéria, uma vez que é esse o novo olhar para interpretar o EF. No modelo

de Beck temos elétrons em estados ligados, portanto, pode-se problematizar o conceito

de estado aqui também. Além disso, em um sólido, que o caso real do EF, tem-se uma

superposição de estados, com a transição de níveis de energia para bandas de energia.

Aqui é interessante usar uma simulação como mediador simbólico. A figura 8 mostra o

aspecto gráfico de uma simulação phet.

Figura 8. Simulação phet para estrutura de bandas.

35

Na Figura 8, tem-se um exemplo da simulação de estrutura de bandas. Os

parâmetros ajustáveis nessa simulação aparecem no lado direito da figura. Pode-se

modificar, ainda, a altura e a largura dos poços. É interessante que os alunos interajam

com a simulação – portanto, cada estudante deve ter um computador para este momento.

A ideia é que esta interação possibilite a compreensão de que é possível sair de níveis de

energia para bandas de energia – isso pode ser feito ao se aumentar o número de poços.

A função trabalho de material fica caracterizada, uma vez que esse modelo

pressupõe elétrons em estado ligado. Não são elétrons livres. Uma forma simples de

pensar a função trabalho é entendê-la como a diferença de energia entre a altura do poço

e o elétron mais energético preso à última banda de energia. No caso comum do

experimento para estudar o EF em um sólido como, por exemplo, o sódio a função

trabalho tem um valor relativamente baixo – 2,75 𝑒𝑉. Aí a razão pela qual EF pode ser

feito com radiação do espectro visível.

Assim também, podemos conectar o EF com o problema da medida. Levando-

se em consideração a interpretação de Guido Beck, realizar um processo de medição

implica em mudar os sólidos, evidenciando, ou não, o EF. Com o interesse de que se

produza o EF, em outra condição, muda-se a função trabalho do material. Esse processo

é equivalente a “colapsar” certas funções de onda ou bandas de energia.

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6 Apêndice A Energia monetária: como podemos subdividi-la?

Queremos, neste momento, discutir e tentar entender o conceito de quantização.

Para isso, lançaremos mão da ideia de energia monetária, ou energia do dinheiro, energia

do capital, você decide! A analogia não nos parece infeliz, uma vez que, poderíamos

pensar, caso achássemos mais conveniente, no dinheiro como uma caixa em que

armazenamos várias formas de energia. Sendo assim, seja comprando café ou pão, bem

como pagando a “conta da luz” no fim do mês, estaríamos convertendo a energia

armazenada em outras formas de energia. A coisa pode não ser tão simples assim, e

podemos correr o risco de tornar superficial demais a dinâmica do modelo capitalista de

produção e consumo. No entanto, atentos para isso, nos deteremos apenas ao capital como

moeda de troca.

Figura 9. Exemplos de “dinheiro físico” e “dinheiro virtual”11.

Essa energia deve oscilar sob as regras de um sistema macro (Banco Mundial,

efeitos da bolsa de valores, guerras, enchentes etc.), mas, sua regulação interna,

relacionada ao país a qual pertence, obedece a regras mais ou menos claras e conhecidas

por todos. No caso do Brasil, o Banco Central (BC) possui uma equipe especializada que

regula a produção das cédulas do Real, bem como estabelece regras para sua

comercialização interna, propondo ajustes e fiscalizando sua circulação. A energia

monetária brasileira deve assumir os pressupostos impostos pelo BC, o que não significa

dizer que esteja alheia à interferências externas.

Atualmente, encontramos cédulas de 2, 5, 10, 20, 50 e 100 reais. As moedas

(normalmente feitas de aço e revestidas com cobre) podem ser encontras nos valores 1,

11 Essa denominação é adotada aqui apenas para efeitos práticos, podendo divergir com as nomenclaturas

utilizadas pela BC.

39

5, 10, 25, 50 centavos e com o valor 1 real. Denominamos esses diversos formatos de

dinheiro físico e os utilizamos para “trocas de energia” monetária. No entanto, devemos

acrescentar outros formatos, como exemplo, cheques e cartões de crédito (conhecido

como dinheiro virtual) com os quais podemos estabelecer trocas de energia monetária.

Vamos admitir, ainda, que em algumas cidades brasileiras os comerciantes aceitem sal de

cozinha como forma de pagamento por bens e serviços.

Considerando o exposto acima, um estudante do IFBA-Jacobina, dirigiu-se para

um supermercado disposto a fazer compras, o que, para nós, equivale à trocas de energia

(Considere que em Jacobina, cidade da parte norte da Chapada Diamantina, na Bahia,

seja possível pagar por bens e serviços utilizando sal de cozinha). Ele pode realizar as

trocas de energia de duas formas, a saber:

1) Dispondo de cédula ou moedas e de um cartão de crédito/débito.

Chamaremos isso de Experimento A.

2) Disponde de 20 kg de sal de cozinha. Chamaremos isso de Experimento

B.

Pergunta-se:

É possível estabelecer quaisquer valores de trocas de energia para os experimentos

A e B? Reúnam-se, em conjunto com cinco colegas, para discutir as consequências da

realização dos experimentos A e B. Em seguida, socializaremos com os demais e com o

professor as conclusões obtidas.

40

7 Apêndice B O efeito fotoelétrico na interpretação de Albert Einstein

As conclusões de Phillip Lenard mostraram profundos desacordos, como tivemos

a oportunidade de comentar, com o eletromagnetismo clássico de Maxwell. É nesse

cenário que a aparece a figura do físico alemão Albert Einstein. Einstein propôs uma

explicação para o efeito fotoelétrico que retomava uma especulação antiga (muito

atribuída a Isaac Newton) sobre a natureza da luz: a luz como corpúsculo. Em seu artigo

de 1905, Einstein escreve:

Parece-me, agora, que as observações sobre a radiação do corpo

negro, a fotoluminescência, a produção de raios catódicos por luz

ultravioleta e outros grupos de fenômenos relativos à produção ou

transformação da luz são mais compreensíveis sob a suposição de

que a energia da luz está distribuída descontinuamente no espaço.

(EINSTEIN, 1905, P. 133, tradução nossa).

A ideia de descontinuidade de energia vai de encontro ao pressuposto assumido

sobre esta noção na concepção teórica da física clássica. Embora essa ideia já tivesse

presente nos trabalhos de Planck, parece que Einstein não fez analogia aos quanta de

Planck para introduzir seus quanta de radiação. Einstein postulou que a luz de frequência

só podia ser absorvida ou emitida em quanta de energia (Einstein, 1906. Apud, Martins

e Rosa, 2014, p. 54). Não se pode afirmar que Einstein pressupôs , embora sejam

numericamente iguais. No entanto, para efeitos deste trabalho, vamos assumir essa

concordância.

De acordo com Ricci e Ostermann (2003), Einstein fez uso dessa relação para

explicar o efeito fotoelétrico. No entanto, sugeriu uma interpretação distinta daquela

outrora proposta por Planck. De acordo com Einstein não apenas as trocas de energia,

entre a radiação eletromagnética e as paredes da cavidade, seriam descontínuas, mas a

própria radiação seria formada por corpúsculos ou quanta de luz de energia “E=h ”. Com

essa hipótese fundamental Einstein explicava as “anomalias” que surgiam quando se

tentava explicar o EF através da FC. Ele enunciou três postulados sobre quanta de luz e

suas interações com a matéria:

a) A luz de frequência consiste em quanta de radiação, cada um com energia

. Desconsiderando a energia térmica, fato que para a temperatura ambiente é razoável,

um elétron pode escapar do metal tornando-se um fotoelétron se . Isso explica a

41

existência de uma frequência de corte, dada por . Se for menor do que , nenhum elétron

terá energia suficiente para escapar do material, e isso independe da intensidade da luz

incidente.

b) Os quanta de luz são emitidos ou absorvidos integralmente. Uma

substância pode emitir 1, 2, 3 quanta, mas não 1,5 quantum. Analogamente um elétron de

um metal não pode absorver meio quantum, e sim, apenas um número inteiro deles. Isso

implica que ao aumentar a intensidade da luz aumentamos o número de fótons incidentes

sobre o material, tendo como resultado, por um lado, o aparecimento da frequência de

corte e por outro um aumento dos elétrons ejetados e da corrente i.

c) Um quantum de luz, quando absorvido, transfere a totalidade de sua

energia para um único elétron. Isso explica o fato de a emissão de fotoelétron ser quase

instantânea. O elétron não precisava mais levar um tempo acumulando “continuamente”

energia para ser ejetado do material. Ela absorve energia de uma só vez,

“descontinuamente”!

Quando é ejetado da superfície do material, o elétron possui uma energia cinética

pela diferença entre a energia correspondente a frequência da radiação incidente e a

energia que liga o elétron ao metal, isto é. A energia é conhecida como função trabalho

do material e representa um valor de energia gasta pelo elétron para vencer o potencial

que o liga ao material.

É interessante notar que a interpretação da função trabalho como um valor de

energia que o elétron cede para vencer um potencial que o liga ao metal parece representar

apenas um balanço de energia na sua equação do EF. Em seu artigo Einstein não usa o

termo “função trabalho”, seus escritos dizem apenas que:

Um elétron provido de energia no interior do corpo haverá

perdido uma parte de sua energia cinética quando atingir a

superfície. Além disso, é assumido que cada elétron tem que fazer

um trabalho P (característico do corpo) (equivalente à função

trabalho) quando abandonar o corpo. [...] A energia cinética de

tais elétrons é . (EINSTEIN, 1905, p. 146).

A energia no “interior do átomo” não está explicitamente quantizada, no artigo

de Einstein, como faz supor a equação do EF. Do mesmo modo, não é explicita sua

referência a estados ligados para o elétron no interior do material. Einstein parece assumir

um modelo explicito de matéria em sua interpretação. No entanto, sua equação para a

42

energia cinética do elétron possibilita um ajuste da curva para os dados obtidos por

Lenard, fato que o coloca em vantagem, pelo menos técnica, em relação à FC.

43

8 Apêndice C O efeito fotoelétrico na interpretação de Guido Beck

A interpretação do efeito fotoelétrico (EF) desenvolvida por Einstein é, sem

dúvida, a mais conhecida e difundida. É bem provável que a maioria das pessoas que

conhecem explicações sobre o EF, atribui a Albert Einstein esse feito. De fato, o artigo

de Einstein de 1905 que trata, dentre outras coisas da “produção de raios catódicos por

luz ultravioleta”, conhecido como efeito fotoelétrico, parece ser único, conhecido e

popularizado, para explicar o EF. No entanto, posterior ao trabalho de Albert Einstein,

Guido Beck, um físico teórico, nascido no império Austro-Húngaro em 1903, publicou

um trabalho no qual discute o EF. A suposição básica de Einstein, marcada pelo quantum

de radiação, é dispensada no trabalho de Beck. Em 1927 Guido Beck publica o artigo A

teoria do Efeito Fotoelétrico (Beck, 1927), “silenciado” na história de física por razões

que não discutiremos aqui.

Guido Beck desenvolveu seu estudo sobre o EF em um momento em a Mecânica

Quântica, em sua formulação conhecida como “nova”, estava surgindo. Sendo assim, já

era conhecida a equação de Schroedinger e algumas especulações sobre conexão com a

“realidade”, como, por exemplo, a interpretação de |Ψ(x, t)|2 como a probabilidade de

encontrar uma partícula numa região entre x e Δx (desenvolvida por Max Born). O

trabalho de Guido Beck consistiu em aplicar a equação de Schroedinger12 a um átomo

de Hidrogênio submetido à ação de um “campo da radiação eletromagnética” (Beck,

1927, p.443), ou seja, a solução de um problema de interação da radiação com a matéria.

Na seção dedicada à colocação do problema, o autor comenta:

Nós consideramos um átomo no campo da radiação eletromagnética. Nós

pensamos basicamente em um átomo de hidrogênio, mas nossas considerações devem

ficar livres dessa suposição especial e, portanto, ter validade geral. Nós representaremos

a radiação por uma onda plana linearmente polarizada. (BECK, 1927, p.443).

Fica explicitado, de acordo com trecho acima, um pressuposto ontológico para a

radiação diferente daquele assumido por Einstein. A radiação aqui é uma onda, em

contraste com os quanta de energia de Einstein. Uma “onda plana linearmente polarizada”

é caracterizada por uma direção específica na qual o campo elétrico deve oscilar e, de

12 A equação de Schroedinger é uma equação que, na mecânica quântica, descreve como o estado quântico

de um sistema físico muda com o tempo. Foi formulada no final de 1925, e publicada em 1926. Em uma

dimensão e dependente do tempo, a equação de Schroedinger pode ser escrita como iℏ∂

∂tΨ(x, t) =

-ℏ2

2m

∂2Ψ(x,t)

∂x2 + V(x, t).

44

acordo com a teoria de Maxwell, propaga-se, no vácuo, com velocidade c = 3. 108m/s.

A interação dessa onda com um elétron no átomo é responsável por alterações em sua

energia. Trata-se, aqui, de elétrons que estão ligados ao átomo por um potencial

coulumbiano (estados ligados). Essa é uma consideração importante, uma vez que

pressupõe estados quânticos para elétron, caracterizados por um valor definido de energia

relacionado com a sua distância média até o núcleo (número quântico principal n), em

região do espaço atômico com uma geometria específica (caracterizado pelo número

quântico orbital 𝑙), por uma orientação espacial relativa a um sistema de coordenadas

(número quântico magnético m) e ainda por número quântico magnético de spin (ms)

relacionado às propriedades magnéticas do elétron.

O conceito de “estado ligado” merece nossa atenção aqui. Poderíamos perguntar

o seguinte: em todas as situações, todas as grandezas físicas atribuídas a um objeto

quântico, são quantizadas?

Podemos dizer que, para interpretar EF, Guido Beck assume pressupostos

relacionados à radiação e a matéria, a saber:

a) A radiação é uma onda eletromagnética. Ou seja, o comportamento da radiação

obedece às equações de Maxwell.

b) A matéria é quantizada. Isso significa que os atributos físicos assumidos por

elétrons presos em átomos, moléculas e sólidos são quantizados.

Com essas duas considerações foi possível encontrar uma equação similar àquela

obtida por Einstein que se ajusta aos resultados experimentais para o efeito fotoelétrico,

escrita abaixo.

E* = Ek + hν [I]

Veja a semelhança, a menos pelos sinais algébricos, com a equação obtida por

Einstein. O termo Ek, por convecção, é negativo. Sendo assim, poderíamos escrever a

equação I e compará-la com o resultado obtido por Einstein. Vejamos:

E* = hν-Ek [II]

K = hν-E0 [III]

As equações II e III referem-se ao mesmo fenômeno. A equação III foi discutida

na aula anterior. Na equação III, E* e Ek se referem, respectivamente, à energia cinética

do elétron ao abandonar o sólido e à função trabalho do material. O termo hν, não carrega

as mesmas suposições que einsteinianas, ou seja, não representa quanta de energia

“localizados em pontos no espaço”. Neste caso, ν é a frequência de uma onda

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eletromagnética. A função trabalho do material, assim como na equação III, representa

um valor de energia gasto para retirar um elétron ligado ao sólido. De acordo com os

pressupostos assumidos por Beck, Ek representa uma grandeza quantizada. Isso se deve

ao fato de que, consideramos a explicação de Guido Beck, devemos assumir bandas

discretas de energia para a matéria.