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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
RESISTÊNCIAS E LUTAS DAS MULHERES TRABALHADORAS RURAIS NA
MARCHA DAS MARGARIDAS
Berenice Gomes da Silva
RESUMO: O artigo retrata a luta das mulheres trabalhadoras rurais em torno da Marcha das Margaridas que se
constitui em um movimento formado por diversas organizações de mulheres trabalhadoras rurais que
reivindicam do Estado políticas públicas para a promoção da igualdade de gênero e denunciam as diversas
formas de desigualdades e violências que sofrem no campo. Realizada desde 2000, a Marcha das Margaridas
teve sua quinta edição em 2015 e é marcada por um amplo processo de mobilização que se traduz na construção
de uma pauta que revela a unidade e as tensões que permeiam as lutas das mulheres. Tem como objetivo geral
analisar a relação entre Estado, movimentos sociais e a construção da agenda das políticas públicas, tendo como
referência empírica a Marcha das Margaridas. Analisa ainda a trajetória das ações e mobilizações
protagonizadas pelas trabalhadoras rurais, a partir dos anos 1980, com ênfase na configuração da Marcha das
Margaridas, em 2000. Tem como referencial teórico os estudos de Doimo (1995); Gohn (1997; 2004; 2010);
Dagnino (2004); Silva (2003); Ferreira (2003; 2007); Bordalo (2011); Silva (2008); Paulillo (2003; 2004).
Palavras-chave: gênero, feminismos, trabalhadoras rurais, Marcha das Margaridas.
ANTECEDENTES HISTÓRICOS
As lutas das mulheres trabalhadoras rurais ganham força a partir da década de 1980,
inseridas nos movimentos sociais do campo cuja trajetória é marcada por intensas
moblizações, conflitos, pela violência e assassinatos ocorridos no processo de disputa pela
terra Desde a década de 1950, com a criação das Ligas Camponesas e, posteriormente, dos
sindicatos rurais, os(as) trabalhadores (as), com apoio de organizações da igreja católica, de
partidos progressitas, como o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Movimento de
Educação de Base (MEB), a Ação Popular (AP) denunciaram a crescente violência no
campo, questão que colocou em xeque o problema da propriedade da terra e a necessidade da
reforma agrária e obrigaram o Governo Federal a dar respostas em um período de
institucionalização de diversas políticas.
O período militar no Brasil explicitou o problema da ausência de políticas voltadas
para o campo, ao mesmo tempo em que ocorre a criação do Estatuto do Trabalhador Rural e
a instituição de diversas políticas no período de 1960, a implementação destas medidas
encontrou barreiras no Congresso Nacional devido à correção de forças com forte
representação dos latifundiários (MEDEIROS, 1989). Dentre as políticas implementadas
nesse período encontra-se a regulamentação da sindicalização rural, vinculada ao Ministério
do Trabalho, em 1962, a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural, em 1963, estendendo
ao campo direitos conquistados pelos (as) trabalhadores (as) urbanos (salário mínimo, férias
remuneradas, carteira de trabalho, licença maternidade) e também a criação do órgão
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responsável pela política agrária, a Superintendência de Política de Reforma Agrária –
SUPRA.
Assim, as organizações dos (as) trabalhadores (as) rurais surgem em contextos
contraditórios e conflituosos, envolvendo a luta pelo acesso à terra, materializada na bandeira
da reforma agrária. Ressalta-se a criação da CONTAG, em 1963, em meio a um processo de
controle das organizações dos trabalhadores, por parte do Ministério do Trabalho. Após o
período de intervenção militar, os movimentos sociais começaram a se reestruturar e a se
reorganizar, o sindicalismo rural se expandiu e os STRs (sindicatos rurais) tiveram papel
importante na difusão dos direitos dos/as trabalhadores/as, sendo o principal deles, a
previdência social, criada em 1963, por meio do Estatuto do Trabalhador Rural, questão
importante para dar reconhecimento aos sindicatos como entidade representativa dos (as)
trabalhadores (as).
Entretanto, como ressalta Medeiros (1989), o direito à previdência só foi
efetivado quatro anos depois de restrito à assistência médico-social, por meio do Programa
de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), contribuindo assim para o papel dos
sindicatos, como órgão receptor de políticas assistenciais e reforçando o assistencialismo
em detrimento à sua representação política. A difícil situação de pobreza rural levava a
maioria dos (as) agricultores (as) a buscar no sindicato o atendimento de suas necessidades
imediatas de assistência, principalmente provocadas pela ausência do Estado.
Ainda na década de 1960 e meados dos anos 1970 o acirramento das
contradições do capitalismo dependente e monopolista e o endurecimento do regime
autoritário resultaram em novas formas de intervenção. A violência no campo e a expulsão
dos (as) trabalhadores (as) rurais cresciam paralelamente e os conflitos com os
latifundiários aumentavam com a inabilidade do Estado, por meio dos Governos militares
que não conseguiram avançar na implementação do Estatuto da Terra que previa a
alteração da estrutura fundiária. Apesar dos limites conjunturais impostos, o Estatuto da
Terra respaldou algumas conquistas a favor dos (as) trabalhadores (as) via medidas na
justiça. Embora, a maioria dos representantes dos sistemas judiciário e legislativo darem
sinais de comprometimento com os interesses dos proprietários (SILVA, 2017).
A abertura democrática no final da década de 1970, provocada pelas greves do
ABC paulista, favoreceram a aliança entre os (as) trabalhadores (as) rurais e urbanos,
período em que foi realizado o III Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais, em 1979.
Na década de 1980, a nova categoria social são os (as) trabalhadores (as) rurais
sem terra que surgem em decorrência do processo de modernização da agricultura e da
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intensificação do caráter empresarial das grandes propriedades, apoiados pelos recursos
públicos. As intensas mobilizações ocorridas, primeiramente na região Sul, levaram a
criação, em 1979, do Movimento dos Agricultores do Oeste de Santa Catarina, e
posteriormente, do Movimento dos Sem Terra (MST) em 1982.
Na Nova República, dois acontecimentos marcaram as lutas do campo: o IV
Congresso dos Trabalhadores Rurais da CONTAG, em 1984 e o I Congresso do
Movimento Sem Terra, em 1985. As principais questões apresentadas como propostas pela
CONTAG foram: a lei de greves, a ampliação dos direitos trabalhistas e previdenciários, a
revisão da política agrícola do Governo Federal, o apoio efetivo à pequena produção e uma
política voltada para os (as) atingidos (as) por barragens.
O Congresso dos Sem Terra, cujo lema era “Terra não se ganha, se conquista”
deu o tom do seu posicionamento frente à Nova República. Suas propostas incluíam a
reforma agrária sob o controle dos trabalhadores, a desapropriação de terras em áreas com
até 500 hectares, a distribuição das terras em poder dos Estados e da União, a expropriação
de terras das multinacionais, a extinção do Estatuto da Terra e a criação de novas leis com
a participação dos (as) trabalhadores (as).
Surgem divergências entre estes dois movimentos, desde a década de 1980,
sobre a reforma agrária e o reconhecimento ou não do Estatuto da Terra. As correntes
ligadas ao MST e à CUT defendiam a recusa deste Estatuto, para estes, a reforma agrária
resultava da ação e resistência dos trabalhadores (as) contra o latifúndio, empresas, órgãos
governamentais e contra as barragens. De outro lado, os(as) sindicalistas orientados(as)
pela CONTAG defendiam o Estatuto da Terra como instrumento inicial para a reforma
agrária e defendiam que através deste era possível fazer desapropriações e os(as)
trabalhadores(as) não deveriam abrir mão de um instrumento legal.
Outros dois pontos de divergências, entre estas duas organizações sociais têm
implicações com a representação e o caráter das organizações sindicais. “O que estava em
jogo naquela discussão não era só uma democratização formal, mas, principalmente, a
possibilidade de ocupação de espaços por setores considerados mais ‘combativos’ do
sindicalismo” (MEDEIROS, 1989).
Dentre as reivindicações dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, a partir dos
anos 1980 destacam-se o direito à sindicalização, à previdência social. Em se tratando das
mulheres, a luta se deu a partir do reconhecimento como trabalhadora ou como produtora
rural, posteriormente, o direito de acesso à terra como titular do lote no assentamento e
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como beneficiária das políticas e programas de desenvolvimento rural. Assim, as mulheres
trabalhadoras rurais,
(...) Aprenderam a recusar as classificações que as identificam como “doméstica”
ou “do lar”, lutam para ter acesso aos direitos previdenciários e registram na
documentação que são trabalhadoras rurais. Além disso, transgridem os espaços que
lhes são socialmente delimitados e assumem novas posturas e interesses diante das
suas vidas e do mundo a sua volta. (CORDEIRO, 2006, p. 217).
No final dos anos 1980 e início da década de 1990, a grande mobilização das
mulheres trabalhadoras rurais foi a “Campanha de Documentação da Trabalhadora
Rural”, realizada pelos diversos sindicatos rurais (STRs) espalhados pelo país. A
inexistência de documentos limitava as mulheres rurais ao direito básico de cidadania e ao
acesso a políticas públicas e programas, como o crédito rural e a assistência técnica,
evidenciando assim, que elas possuem mais barreiras se comparadas às trabalhadoras
urbanas.
Compreender a complexidade que envolve o processo organizativo deste
movimento que envolve um conjunto de relações políticas. Diversos trabalhos foram
desenvolvidos, a partir dos anos 1990 e se tornaram crescentes no período de 2000, na área
de Ciências Sociais, Políticas Públicas e/ou de relações sociais de gênero e feminismo, com
ênfase nos movimentos de mulheres trabalhadoras rurais, agricultoras, extrativistas,
assentadas.
Lançar mão de uma perspectiva que considere quadros amplos de transformação
social significa um olhar analítico retrospectivo que nos levou a tomar como
relevantes os aspectos que possibilitaram a emergência dos contextos e condições
sociais da constituição desses movimentos de mulheres trabalhadoras rurais
(BORDALO, 2011).
Analisar a Marcha das Margaridas no contexto dos novos movimentos sociais,
significa reconhecer a relevância e a trajetória de lutas dos movimentos de mulheres
trabalhadoras rurais no Brasil, no intuito de aprofundar estudos que possam contribuir com a
análise sobre o papel desta Marcha na construção de um Estado democrático no Brasil.
O movimento de mulheres e feministas se inserem nesse contexto de lutas e
resistências no âmbito dos novos movimentos sociais haja vista que se afirmam na luta pela
ampla democratização da sociedade e este processo está associado à luta histórica com a qual
as mulheres se defrontam. Assim, a Marcha das Margaridas, se insere, ao mesmo tempo, na
totalidade dos movimentos sociais e também, constitui-se uma totalidade, considerando que
este influencia e determina outros grupos e sua ação se insere em cada parte da realidade
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estuda como propõe Ferreira (2007). A particularidade da Marcha em questão é o fato de se
tratar de uma Marcha constituída por mulheres do campo, das aguas e das florestas.
O SIGNIFICADO DA MARCHA DAS MARGARIDAS
O surgimento da Marcha das Margaridas, como um amplo movimento de
articulação e mobilização nacional das mulheres oriundas do meio rural brasileiro, ocorre em
2000, influenciada Marcha Mundial de Mulheres, realizada em 1999, em Quebec, com o
lema Pão e Rosas. Esta Marcha internacional mobilizou diversos movimentos de mulheres
em todo o Brasil, no Maranhão, por exemplo, as sindicalistas somaram-se ao Movimento de
Mulheres da Ilha e diversas parlamentares em atos de preparação à Marcha Mundical. Assim,
a Marcha das Margaridas surge sob a influência da Marcha Mundial, no âmbito do
movimento sindical rural, especificamente, da CONTAG, as federações estaduais e seus
respectivos sindicatos ampliando-se a outras organizações de mulheres autônomas, a
exemplo do MMTR – Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste, do
MIQCB – Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, das trabalhadoras
urbanas da CUT, das seringueiras organizadas no Conselho Nacional dos Seringueiros,
somando-se aos movimentos de mulheres feministas como a Marcha Mundial de Mulheres.
A conquista do aumento do salário no Canadá, repercutiu nos movimentos de
mulheres de vários lugares do mundo resultando na ideia de um grande encontro.
Acrescenta-se ainda a participação das organizações de mulheres brasileiras no Fórum
Social Mundial de Porto Alegre, em 1999, onde se dá a socialização desta e de outras
experiências (SILVA, 2008), conforme descreve Raimunda Masceno, sindicalista, ex
dirigente da CONTAG, foi a Coordenadora da I Marcha das Margaridas.
Conversávamos sobre isso com a Ednalva [ex-Secretária de Mulheres da CUT],
que já se foi, e se comentava que a Marcha Pão e Rosas teve um resultado
fantástico no aumento do salário mínimo de lá e as mulheres aqui se interessaram.
As mulheres de Quebéc marcharam em todos os cantos e chegaram a um lugar e
aí é que várias organizações de mulheres no mundo começaram a discutir que as
mulheres deveriam fazer uma marcha no mundo, ao invés de ser uma em cada
país, seria uma marcha de muitos países (Raimundinha, 2008, p. 88)1
De acordo com Raimundinha (2008), essa “conversa” foi trazida ao Brasil em 1999
por várias organizações feministas, como a SOF (Sempre Viva Organização Feminista) e a
1 Entrevista com Raimunda Celestina de Mascena, conhecida como Raimundinha, Secretária Nacional de
Formação da CONTAG; realizada já em 02 de abril de 2008, em Brasília.
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Secretaria de Mulheres da CUT, que na época ainda era Comissão de Mulheres,
coordenada por Ednalva Bezerra, falecida em 2008.
Eu me lembro de ter conversado com Ednalva sobre essa Marcha, em 99 porque
estava se espalhando pelo Brasil inteiro e ela veio aqui na CONTAG. A ideia era:
vamos fazer uma marcha só de mulheres, vamos levar adiante a ideia de uma
marcha mundial para todas as organizações que possam, que queiram e que se
interessem (Ibdem, p.88 ).
Naquele momento, já se desenhava o lema da Marcha de 2000: contra a fome, a
pobreza e a violência. Esses eram os temas comuns a todos os movimentos. Naquele
momento, as principais questões estavam pautadas na Carta das Mulheres Brasileiras
articulada pela Marcha Mundial de Mulheres com o argumento contrário ao neoliberalismo
que aprofundava as desigualdades no campo e agrava ainda mais a situação das
trabalhadoras rurais. Além de denunciar, era necessário apresentar propostas para superar
as desigualdades de gênero no meio rural.
A partir da articulação das mulheres da CUT e da SOF, vários outros movimentos
também aderiram à Marcha das Margaridas. Segundo Raimundinha (2008), a decisão de
aderir a MMM, deu-se em uma reunião com a Comissão de Mulheres da CONTAG. Nessa
reunião a representante da CUT (Ednalva) falou sobre o que era a Marcha Mundial de
Mulheres, os seus objetivos, quais as organizações componentes e ressaltou a participação
direta da CUT. As mulheres trabalhadoras rurais compraram a ideia da Marcha Mundial e
saíram marchando pelo Brasil e pelo mundo a fora, enquanto a Carta também circulava por
diversos países. Em determinado período, mulheres de todas as partes do mundo se
encontrariam em um mesmo lugar, em Nova York, e depois em Washington, onde fica a
Sede do Banco Mundial. Raimundinha representou as mulheres trabalhadoras rurais nesse
encontro, realizado no período de 12 a 17 de outubro. Estes encontros ocorreram após a
Marcha das Margaridas no Brasil (20 de agosto), possibilitando que a representante das
mulheres trabalhadoras rurais levasse o material produzido na primeira MM para compor o
Museu da Marcha Mundial.
Além de realizar mobilizações e parcerias, as mulheres trabalhadoras rurais
coletaram assinaturas para a Carta das Mulheres Brasileiras no momento de constituição
da Marcha Mundial de Mulheres (MMM). Os principais pontos desse documento
relacionavam-se a terra, ao trabalho, aos direitos sociais, a autodeterminação e a
soberania. Uma questão era que a MM expressasse o tom de identidade e de representação
das mulheres trabalhadoras rurais, semelhante as proporções do Grito da Terra.
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A danada daquela Carta tinha milhões de assinaturas, nós colhemos assinaturas
por tudo quanto foi lugar (...) foi assim que nós começamos a Marcha das
Margaridas e a vinculação dela com a Marcha Mundial de Mulheres veio daí. E
como achamos a ideia muito boa, resolvemos fazer uma Marcha e que ela deveria
ser chamar das Margaridas (Ibdem, p.89).
A denominação da Marcha como Marcha das Margaridas foi uma forma de tornar
pública a situação de desigualdades na qual vivem as trabalhadoras rurais, evidenciar as
diversas formas de violências enfrentadas e a situação de pobreza enfrentada pela maioria
das mulheres. A MM é uma das maiores manifestações populares que ocorrem atualmente
no País e integra a agenda dos movimentos sociais do campo e dos movimentos feministas,
a exemplo da última Marcha, realizada em Brasília, em agosto de 2015.
O nome de Margarida tinha a ver com o seguinte: a Marcha Mundial trazia a
história da fome, da pobreza e da violência e Margarida foi uma mulher
violentada, extremamente violentada, morta por uma violência cruel de um
usineiro lá da Paraíba (...). E na época fazia 18 anos da morte de margarida e ainda
não havia tido o julgamento do mandante do crime, que é o Zito Buarque, genro
de Reginal...fulano de tal, usineiro que determinou ao genro a execução de
Margarida. (Ibdem, p.89)
No caso das trabalhadoras rurais ligadas à CONTAG, as discussões e articulações
sobre a realização da MM se favoreceram com a realização da primeira Plenária das
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Trabalhadoras Rurais, em 1998, como ressalta, Ilda, primeira Coordenadora das Mulheres
da CONTAG.
A gente discutia que era necessário realizar uma atividade de rua, em
agosto, mês marcado pela morte de Margarida Alves e nada mais
importante que colocar o nome dela. Nessa época, pensar em trazer 20 mil
mulheres para Brasília era visto como “coisa de malucas” e isso assustou
muitos dirigentes homens, inclusive na maioria dos Estados foram as
mulheres que assumiram as despesas e houve muito esforço delas para
conseguir recurso; nos assentamentos as mulheres arrecadava 1 real por
mês e também doavam um animal para vender e fazer fundos para a
Marcha (Ilda, 2007, p.90)2.
O lema contra a fome, a pobreza e a violência sexista era condizente com a
realidade de muitas mulheres viviam no campo brasileiro. As diferenças entre os momentos
não foram capazes de superar o desejo destas mulheres de caminhar juntas em uma grande
marcha.
Nós começamos juntas a fazer a Marcha Mundial, somos todas Marcha
Mundial, nós não aderimos a ela, somos parte dela. A gente usava a
expressão assim grão de arroz para dizer que éramos muito parecidas,
porque sofremos as violências que as mulheres sofrem, a pobreza que as
mulheres vivem e a fome que as mulheres passam, pois muitas vezes o
alimento é prioritário para os filhos, do que as próprias mães se
alimentarem (Ibdem, p. 90).
Os aspectos conjunturais brasileiros, no período da primeira Marcha das Margaridas
(em 2000), evidenciaram a opção do Governo Brasileiro pelo modelo neoliberal
representado por um Estado mínimo que reduzia o seu papel de intervenção no mercado e
este passa a ser o principal regulador das ações. A globalização representada pela expansão
do capitalismo, sob a égide da quebra de fronteiras, principalmente na comunicação,
representa dominação do capital sob o domínio dos Estados Unidos, em relação aos países
dependentes.
A RELAÇÃO COM O ESTADO NA REIVINDICAÇÃO DAS POLÍTICAS
PÚBLICAS
A luta pela democracia no Brasil enfrenta dilemas em consequência de suas
vinculações originadas a dois projetos distintos: um processo de alargamento da democracia,
representado pela criação de espaços públicos e a ampla participação da sociedade civil cujo
marco formal foi a Constituição de 1988 e a instituição do princípio da participação da
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sociedade civil. De outro lado, o projeto neoliberal de adequação das sociedades a um modelo
onde predomina a restrição de direitos. Dessa forma, a década de 1980 e o início dos anos
1990, foram marcados por uma confluência perversa entre estes dois projetos que caminham
em duas direções opostas e também antagônicas, porém, ambos pressupõem uma sociedade
civil ativa e propositiva (DAGNINO, 2004).
No percurso desse projeto, desde então, dois marcos devem ser mencionados.
Primeiro o fato de que o restabelecimento da democracia formal com eleições livres
e a reorganização partidária, abriu a possibilidade de que este projeto, configurado
no interior da sociedade e que orientou a prática de vários dos seus setores, pudesse
ser levado para o âmbito do poder do Estado, no nível dos executivos municipais e
estaduais e dos parlamentos e, mais recentemente, no executivo federal, com a
eleição de Luís Inácio Lula da Silva como presidente da República (...). Segundo, e
como consequência, durante esse mesmo período, o confronto e o antagonismo que
tinham marcado profundamente a relação entre o Estado e a sociedade civil nas
décadas anteriores cederam lugar a uma aposta na possibilidade da sua ação
conjunta para o aprofundamento democrático. (DAGNINO, 2004).
Para Silva (2003), nos anos 1980 e 1990, percebemos que as razões que contribuíram
para a propagação dos chamados “novos movimentos sociais”, principalmente, os
movimentos populares, são oriundas do entrelaçamento dos fatores políticos, culturais e
econômicos. Já Doimo (1995) ressalta que as experiências desses “novos movimentos
sociais” possibilitaram ampliar a participação popular para além do sistema eleitoral
originando novas formas de participação de base que se distingue da chamada participação
institucional. Estas características estão presentes na organização, tanto dos movimentos
sociais, quanto na estrutura do Estado brasileiro, a partir de 2003, ao apresentar novos espaços
de participação, ao mesmo tempo em que produz e reproduz a estrutura de um Estado
capitalista marcado por contradições.
Neste contexto de surgimento de diversos espaços de participação da sociedade e do
Estado que se insere a Marcha das Margaridas, pois a primeira Marcha ocorreu em 2000,
como um movimento protagonizado por mulheres trabalhadoras rurais cuja organização e
mobilização possui uma dimensão nacional e também internacional. É constituída por
diversos movimentos de mulheres rurais, incluindo as sindicalistas, extrativistas, quilombolas,
além de organizações feministas urbanas, caracterizando assim, um amplo processo de
mobilização e participação política das mulheres. Um dos objetivos desta Marcha é a
reivindicação de políticas públicas ao Estado, por meio da elaboração e reivindicação de uma
pauta que inclui saúde, educação, combate à violência contra as mulheres, crédito e pautas
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estruturantes como a reforma agrária, a reforma política, a defesa do meio ambiente
sustentável e por um novo modelo de sociedade.
No período de 2000, diversos pontos de reivindicações das mulheres trabalhadoras
rurais foram transformados em programas de governo, a exemplo do Programa de
Documentação da Trabalhadora Rural e do PRONAF Mulher (Programa Nacional de Apoio à
Agricultura Familiar), implementados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
Outra conquista importante para os movimentos de mulheres rurais foi a incorporação do
recorte de gênero nas políticas de assistência técnica e extensão rural, de crédito e
comercialização de produtos da agricultura familiar e da reforma agrária. Porém, apesar de
relevantes, nos deparamos com os limites representados pela manutenção do modelo de
Estado e, consequentemente, de desenvolvimento cuja consequência é o aprofundamento das
desigualdades que criam impasses e impedem a inclusão das mulheres nas políticas públicas,
especialmente, aquelas voltadas para o meio rural.
Assim, constatamos que as mulheres trabalhadoras rurais são, ao mesmo tempo,
demandantes e partícipes de um processo que implica em limites e possibilidades de
construção de novas relações entre o Estado e os movimentos sociais. Estas e outras questões
necessitam ser analisadas, a partir do contexto político no qual se insere a Marcha das
Margaridas, a fim de compreender as implicações que envolvem essa dupla face do Estado e a
relação com a democracia, a participação e a representação política.
CONCLUSÃO
Estamos diante de uma contexto de desconstrução do Estado democrático e,
consequentemente, das políticas públicas conquistadas ao longo da trajetória de lutas dos
diversos movimentos sociais, neste caso, da Marcha das Margaridas, portanto, compreender
este processo e os (des) caminhos da construção das lutas democráticas, a relação com o
Estado é necessário para reafirmação de uma luta incessante contra as injustiças e como forma
de resistência ao capitalismo e suas mazelas que atinge diretamente as mulheres, sobretudo, as
mulheres trabalhadoras rurais, que atualmente, são ameaçadas pelos seus direitos e um destes,
é a previdência rural.
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Resistances and struggles of rural women workers at the Marcha das Margaridas
Astract: The article portrays the struggle of rural women workers around the Margaridas
March, a movement formed by several rural women's organizations that claim from the State
public policies for the promotion of gender equality and denounce the various forms of
inequalities and violence suffered by women . Held since 2000, the Marcha das Margaridas
had its fifth edition in 2015, is marked by a broad process of mobilization that translates into
the construction of a pattern that reveals the unity and tensions that permeate the struggles of
women. Its objective is to identify how the gender is constituted in the Marcha das
Margaridas and the unfolding of the demands in the agenda of public policies and in the
mobilizations carried out by the rural workers.
Keywords: gender; Feminisms, Rural workers, Margaridas March.