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Recorde: Revista de História do Esporte Resenha volume 1, número 1, junho de 2008 Cleber Dias 1 HISTÓRIA POLÍTICA DO FUTEBOL BRASILEIRO – RESENHA Prof. Ms. Cleber Augusto Gonçalves Dias Universidade Estadual de Campinas Campinas, Brasil [email protected] Recebido em 14 de março de 2008 Aprovado em 20 de março de 2008 Resumo Esta resenha tem por objetivo discutir aspectos históricos e políticos do livro História política do futebol brasileiro, de Joel Rufino dos Santos. Palavras-chave: esporte; futebol brasileiro; história política. Abstract História política do futebol brasileiro – Book Review This review aims at discussing historical and political aspects of the book História política do futebol brasileiro (Political History of Brazilian Football), by Joel Rufino dos Santos. Keywords: sport; Brazilian football; political history SANTOS, Joel Rufino dos. História política do futebol brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1981. O livro História política do futebol brasileiro é de autoria de Joel Rufino dos Santos, um dos principais nomes do movimento conhecido como a Nova História do Brasil. Tal movimento foi formado por um grupo de intelectuais ligados ao Departamento de Historia do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Este último, por sua vez, criado em 1955 pelo então presidente Café Filho e vinculado ao Ministério da Educação e da Cultura, foi um instituto de pesquisa que pretendia ser um espaço de vanguarda no pensamento social nacional. Entre suas contribuições, está a

Resenha História Política Do Futebol Brasileiro

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resenha futebol e política

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  • Recorde: Revista de Histria do Esporte Resenha volume 1, nmero 1, junho de 2008 Cleber Dias

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    HISTRIA POLTICA DO FUTEBOL BRASILEIRO RESENHA Prof. Ms. Cleber Augusto Gonalves Dias

    Universidade Estadual de Campinas Campinas, Brasil [email protected]

    Recebido em 14 de maro de 2008 Aprovado em 20 de maro de 2008

    Resumo

    Esta resenha tem por objetivo discutir aspectos histricos e polticos do livro Histria poltica do futebol brasileiro, de Joel Rufino dos Santos. Palavras-chave: esporte; futebol brasileiro; histria poltica.

    Abstract

    Histria poltica do futebol brasileiro Book Review

    This review aims at discussing historical and political aspects of the book Histria poltica do futebol brasileiro (Political History of Brazilian Football), by Joel Rufino dos Santos. Keywords: sport; Brazilian football; political history

    SANTOS, Joel Rufino dos. Histria poltica do futebol brasileiro. So Paulo: Brasiliense, 1981.

    O livro Histria poltica do futebol brasileiro de autoria de Joel Rufino dos

    Santos, um dos principais nomes do movimento conhecido como a Nova Histria do

    Brasil. Tal movimento foi formado por um grupo de intelectuais ligados ao

    Departamento de Historia do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB). Este

    ltimo, por sua vez, criado em 1955 pelo ento presidente Caf Filho e vinculado ao

    Ministrio da Educao e da Cultura, foi um instituto de pesquisa que pretendia ser um

    espao de vanguarda no pensamento social nacional. Entre suas contribuies, est a

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    formalizao de um Projeto Nacional Desenvolvimentista, que, de certo modo, foi a

    base terica para o projeto de governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961).

    Em 1964, com o golpe militar e o estabelecimento de um regime de exceo, o

    ISEB foi extinto e muitos dos seus membros exilados. Mas o perodo no qual esteve

    ativo foi suficiente para impulsionar importantes aes, como a Nova Histria, por

    exemplo. Nesse caso, especificamente, a ambio fora desde o incio a de reescrever a

    histria do Brasil, rompendo com a histria oficial, factual e mitificada. Nas palavras

    de Nelson Werneck Sodr, um dos seus idealizadores, pretendia-se mesmo fugir

    rotina dos compndios.

    Entre 1961 e 1964, tais ideais se materializaram em uma obra coletiva de 10

    volumes intitulada Nova Histria. luz do nacionalismo e numa abordagem marxista,

    os livros pretendiam constituir-se como ferramenta para repensar o Brasil: uma reviso

    historiogrfica com vistas a uma interpretao popular que tentasse explicitar as

    contradies presente nas dinmicas histricas. Na ocasio, Joel Rufino dos Santos, que

    participou da co-autoria dos livros, era ainda estudante de Histria.

    neste contexto geral e a partir dessas vinculaes que temos o trabalho sobre a

    histria poltica do futebol brasileiro. Lanado em 1981, trata-se de um pequeno livro

    com pouco mais de 90 pginas publicado na coleo Tudo Histria, da editora

    Brasiliense. Em linhas gerais, a proposta da coleo editorar trabalhos histricos em

    uma linguagem acessvel endereadas a um pblico no-especializado. Nesse sentido, o

    livro de Joel dos Santos no um livro propriamente acadmico. Seu prprio autor o

    classifica como uma crnica, cujo objetivo to somente apontar as possibilidades de

    ampliao das referencias no estudo e conhecimento de importantes aspectos das

    manifestaes populares, nesse caso, o futebol.

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    Nem por isso, contudo, o trabalho deixa de ser interessante. Ao contrrio, ali j

    bastante significativo o esforo para estabelecer as co-relaes entre o futebol e

    processos sociais mais amplos, uma causa muito em voga atualmente entre historiadores

    do esporte. No caso em questo, j se nota claramente um impulso de perseguir as

    causas histricas mais profundas capazes de explicar a incorporao e subseqentes

    transformaes do futebol no Brasil. As relaes do processo de assimilao esportiva

    com o imperialismo ingls, por exemplo, so sublinhadas logo no incio: nada, com

    efeito, assinalou melhor a presena e os mtodos do imperialismo ingls no mundo (p.

    13). A tentativa de olhar para o futebol, ao lado das empresas de iluminao ou de

    construo de estradas de ferro, como um dos fios que teceu a dominao inglesa no

    mundo.

    Assim, a fase inicial do futebol no Brasil, situada pelo autor entre 1894 e 1920,

    est colocada em termos de uma prtica destinada aos ricos (s ingls, gr-fino e

    branco), empenhados, deliberadamente, em obstruir o acesso dos mais pobres, quer

    como praticantes, quer como espectadores.

    Um match no field do Bangu Athletic Club, a por volta de 1910, devia ser um espetculo mimoso. Moas loiras e perfumadas na assistncia. Jogadores impecveis nos seus cales e meias importados. A grama, que servia tambm para o cricket, aquecida pelos ltimos raios de Febo. Antes de se iniciar o meeting, os hip-hurras! E, depois, no final, o vencedor cantando, com hlito de whisky, o tradicional when more we drink together, more friends we be (p. 15).

    Nessa caracterizao, os pobres eram intrusos no espetculo. No entanto, com

    o tempo, a limitao da presena das camadas populares foi paulatinamente dando lugar

    a uma popularizao. A fase branca e inglesa dava lugar a uma fase em que brasileiros

    pretos e pobres comeavam a entrar em campo, ainda que timidamente. o incio do

    surgimento dos clubes de esquina, times de pobre, como o Corinthias Paulista ou o

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    Vasco da Gama. Segue-se uma reao que tentava desqualificar o futebol jogado pelos

    pobres ou criar crculos especficos de relacionamento, como a diferenciao entre ligas

    e associaes.

    Interessa assinalar que Joel dos Santos situa todo o processo com importantes

    mudanas da sociedade brasileira que, segundo ele, podiam ser acompanhadas por toda

    a parte, nas relaes sociais ou na msica popular. No caso do futebol, do mesmo

    modo, haveria tambm uma espcie de paralelismo. A ampla alterao das cidades,

    painel em que essas mudanas se retrataram, com aumento da populao, surgimento

    de novos ofcios e incio de mobilizaes de massa demandava ento prticas corporais

    mais condizentes com aquele novo contexto. Seguindo seus argumentos, esse estado de

    coisas fez autoridades e industriais se convenceram de que a cidade precisava de um

    esporte de massas (p. 22). Estaria a, portanto, uma das causas para a popularizao do

    futebol.

    Como a uma criana que manda brincar para queimar energias, os operrios foram, ento, mandados jogar futebol: os municpios isentaram os campos de impostos; os industriais se apressaram em construir grounds; a polcia parou de reprimir os rachas em terrenos baldios; os castigos aos estudantes de escolas pblicas que fossem pegos jogando futebol; suspensos (p. 22).

    Poderamos nos questionar o quanto essas interpretaes subestimam o papel da

    auto-organizao popular em detrimento dos mecanismos de controle entabulados pelas

    classes dirigentes. Em outras palavras, poderamos nos perguntar se a popularizao do

    futebol foi de fato uma conquista ou uma mera concesso? O autor afirma que os

    governantes no s se deram conta daquelas mudanas que estavam em curso no mbito

    das cidades como se aproveitaram delas, chegando mesmo as estimularem. Nesses

    termos, a consolidao do futebol parece mais uma manobra inteligente das classes

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    dominantes do que o resultado de lutas e reivindicaes encaminhadas pelas prprias

    classes populares.

    Talvez, haja algum excesso no tom dessas colocaes em funo de uma

    tradio interpretativa que poderamos dizer marxista ortodoxa, onde o desenvolvimento

    do futebol colocado como uma lutas de classes da boa e o papel das sobre

    determinaes econmicas mais ou menos exagerado. De todo modo, em que pese os

    seus limites, so os insights sugeridos pelo estabelecimento de correspondncias entre o

    futebol e a sociedade de modo mais geral que do a medida do mrito deste breve

    trabalho.

    Ao abordar o aparecimento do profissionalismo nos anos 30, se enfatiza as

    razes ideolgicas das polmicas entre amadores e profissionais. Nesse sentido, a

    razo profunda para o profissionalismo estaria na revoluo que vinha modificando a

    nossa sociedade pela base (p. 48). Inversamente, eram essas mesmas circunstncias

    aliadas a uma sensibilidade particular que foi capaz de fazer de um jogador como

    Lenidas um craque clebre. Diferente de Friedenreich, Lenidas no visava apenas o

    prestgio e o status, mas sim, a possibilidade de viver do futebol. Fora ele o primeiro a

    explorar comercialmente o prprio nome, compreendendo que as mudanas

    econmicas que o pas sofrera havia convertido o jogador de bola num assalariado (p.

    38-39).

    De outro lado, diante dessa demanda produzida pelas prprias bases sociais

    testemunha-se uma apropriao que sacramenta definitivamente a transformao do

    jogo em espetculo. A burguesia ia tomando o que era do povo para converter em

    objeto de lucro [...] Futebol e samba passavam de artesanato a negcio (p. 59). Todas

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    essas divergncias so ento apresentadas como condio estrutural das mudanas e

    inflexes histricas do futebol.

    Os atletas e dirigentes contrrios popularizao do esporte recusavam receber e pagar um centavo que fosse. Temiam a morte do verdadeiro esprito olmpico. No fundo, defendiam uma posio de classe, eram burgueses, com negcios e empregos, ameaados pela invaso proletria. No seu entender, devia-se jogar unicamente por amor camisa, nunca por dinheiro (p. 47).

    Do mesmo modo, se aponta o gosto do pblico pelo jogo dos profissionais como

    a base social que deu sustentao a todo aquele processo. Ou seja, tem-se uma

    tentativa de evidenciar as conexes de uma complexa teia de acontecimentos e

    significados que encadeavam mudanas no prprio futebol, mas que, ao mesmo tempo,

    o extrapolavam. O recurso ao que estava se desdobrando no rdio ilustrativa sob este

    aspecto. Nas palavras do autor: curioso. O rdio, que aparecera aqui em 1922, estava

    sendo palco do mesmo conflito o que demonstra as razes sociais e ideolgicas do

    problema (p. 47).

    Outro exemplo, ainda nesse mesmo sentido, de vincular a historia do futebol

    mudanas mais estruturais, menciona-se a forosa tentativa de enquadrar a forma de

    jogo dos brasileiros em sistemas tticos importados e, em geral, estranhos aos costumes

    de jogo local. A chegada nos anos 30 do tcnico hngaro Dori Kruschner, entusiasta do

    sistema WM, criou srio conflito com atletas como Fausto dos Santos, a Maravilha

    Negra. O estilo de Fausto no se alinhava com as proposies e determinaes do

    tcnico estrangeiro. Aqui, tal como em outros aspectos da histria do futebol, tm-se

    uma questo poltica de fundo. Nesse caso, a arte popular contra sistemas importados

    de jogo. a legitimidade e a autenticidade da maneira de jogar especificamente

    brasileira que esto em xeque.

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    A antiga questo da imitao aparece como constante condicionante histrico.

    Primeiro com a aplicao de p de arroz no rosto de alguns jogadores negros a fim de

    camuflar sua prpria negritude; depois com o desejo explcito de copiar as invenes

    tticas da Europa.

    Enfim, o reconhecimento da histria como um mdulo possvel (e necessrio)

    para a explicao do fenmeno esportivo uma idia que aparece de forma

    relativamente precoce neste trabalho. Nos anos seguintes primeira metade da dcada

    de 80 outros empreendimentos que tinham acadmicos meditando sobre o esporte

    ganhariam corpo com consistncia ainda maior. Por tudo, a apresentao deste texto

    parece-nos oportuna por ocasio do lanamento da primeira revista brasileira dedicada

    especificamente histria do esporte, onde a prtica do fazer histrico neste mbito em

    especial tem caminhado, em larga medida e cada vez mais, na direo da efetivao de

    um projeto terico que, mais ou menos tal como aquele, visa, exatamente, a

    compreenso deste fenmeno no marco da inextricvel interdependncia dos fatos

    sociais.