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i UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA CIDADANIA E SEUS NEXOS COM A SAÚDE E O CUIDADO DE ENFERMAGEM RAQUEL COUTINHO VELOSO Rio de Janeiro Dezembro de 2006

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA CIDADANIA E SEUS NEXOS …livros01.livrosgratis.com.br/cp123244.pdf · Capítulo IV - Determinantes e origem da cidadania..... 45 Capítulo V - Relação

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i

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA CIDADANIA E

SEUS NEXOS COM A SAÚDE

E O CUIDADO DE ENFERMAGEM

RAQUEL COUTINHO VELOSO

Rio de Janeiro

Dezembro de 2006

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ii

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA CIDADANIA E SEUS

NEXOS COM A SAÚDE E O CUIDADO DE ENFERMAGEM

RAQUEL COUTINHO VELOSO

Escola de Enfermagem Anna Nery

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Mestrado em Enfermagem

Orientadora:

Profª Drª Márcia de Assunção Ferreira

(Doutora em Enfermagem)

Rio de Janeiro

Dezembro de 2006

iii

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA CIDADANIA E SEUS NEXOS COM A

SAÚDE E O CUIDADO DE ENFERMAGEM

Raquel Coutinho Veloso

Dissertação do mestrado submetida ao corpo docente da Escola de Enfermagem Anna Nery da

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção

do grau de Mestre.

Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2006

APROVADA POR:

_______________________________________________________________

Profa Dr

a Márcia de Assunção Ferreira, Prof. Titular EEAN/UFRJ

(Presidente)

_______________________________________________________________

Profa Dr

a Ângela Arruda, Prof. Adjunta IP/UFRJ

(1a examinadora)

_______________________________________________________________

Profa Dr

a Maria da Luz Barbosa Gomes, Prof. Adjunta EEAN/UFRJ

(2a examinadora)

_______________________________________________________________

Prof. Dr.Antonio José de Almeida Filho, Prof. Adjunto EEAN/UFRJ

(Suplente)

_______________________________________________________________

Prof. Dr.Enéas Rangel Teixeira, Prof. Titular EEAAC/UFF

(Suplente)

iv

Veloso, Raquel Coutinho.

Representações sociais da cidadania e seus nexos com a saúde e o

cuidado de enfermagem./ Raquel Coutinho Veloso. Rio de Janeiro:

2006.

xi,131 f.

Dissertação (Mestrado em Enfermagem)

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Enfermagem

Anna Nery, 2006.

Orientadora: Profª Drª Márcia de Assunção Ferreira.

1. Enfermagem. 2. Cuidado de Enfermagem. 3. Representação

Social – Cidadania. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Escola de Enfermagem Anna Nery, Programa de Pós-Graduação em

Enfermagem. III. Título

CDD 610.73

CDD 610.73

v

Agradecimentos

A todos aqueles que de maneira direta ou indireta contribuíram para a

realização deste trabalho.

Com destaque para:

- A minha Mãe Celeste, pela energia positiva, apoio, paciência e carinho;

- O diretor e a vice-diretora da policlínica que permitiram a realização desta

pesquisa na referida unidade de saúde;

- Os usuários da policlÍnica, pois sem eles não teria sido possível realizar este

trabalho;

- A professora Márcia Assunção pelo seu apoio, dedicação, confiança,

compreensão, enfim por ter vivenciado todos os momentos deste percurso

contribuindo para o meu crescimento;

- O Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq) pelo financiamento desta pesquisa a partir de agosto de 2005;

- As pessoas que encontrei ao longo do mestrado e que através de um contato

afetuoso “recarregavam as minhas energias”.

Muito Obrigada!

“Om Mani Padme Hum”

vi

SUMÁRIO

Pg.

RESUMO ................................................................................................................................ viii

ABSTRACT ........................................................................................................................... ix

RESUMEN ............................................................................................................................. x

Considerações iniciais

Meu interesse pelo assunto .....................................................................................................

02

Cidadania e saúde: implicações para o cuidado de enfermagem ............................................

08

Construindo o objeto de estudo .............................................................................................

11

As questões norteadoras ......................................................................................................... 14

Os objetivos ............................................................................................................................ 14

Importância e contribuição do estudo ..................................................................................... 17

Capítulo I – Bases teórico-conceituais

Teoria das Representações Sociais .........................................................................................

19

A cidadania ao longo da história da humanidade: da Grécia até os dias atuais .....................

23

Capítulo II – Metodologia

A trajetória do estudo

Tipo de estudo e abordagem metodológica.............................................................................

31

Operacionalização da coleta dos dados...................................................................................

34

Organização, análise e interpretação dos dados .....................................................................

36

Capítulo III – Caracterização dos sujeitos

Descrição do perfil dos sujeitos...............................................................................................

41

Capítulo IV - Determinantes e origem da cidadania .........................................................

45

Capítulo V - Relação entre cidadania e saúde....................................................................

73

vii

Considerações finais

As representações sociais da cidadania pelos usuários de um serviço ambulatorial de saúde

95

Representações sociais da cidadania: possibilidades de nexos com a saúde e o cuidado de

enfermagem ............................................................................................................................

100

REFERÊNCIAS....................................................................................................................

106

APÊNDICES

APÊNDICE A: Instrumentos de coletas de dados ............................................................

114

APÊNDICE B: Solicitação de autorização à instituição de saúde ..................................

116

APÊNDICE C: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .......................................

117

APÊNDICE D: Perfil sócio-demográfico ...........................................................................

119

APÊNDICE E: Quadros A, B e C .......................................................................................

123

8

RESUMO

VELOSO, Raquel Coutinho. Representações sociais da cidadania e seus nexos com a saúde e

o cuidado de enfermagem. Rio de Janeiro, 2006. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) –

Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,

2006.

O objeto desta pesquisa é as representações sociais da cidadania pelos usuários de um serviço

ambulatorial de saúde. Aplicou-se a Teoria das Representações Sociais. Os objetivos são:

caracterizar as representações sociais da cidadania pelas pessoas usuárias de um serviço

ambulatorial; analisar as relações que os sujeitos estabelecem com o serviço de saúde a partir

das representações sociais sobre cidadania; e discutir as implicações que tais representações

sociais e relações estabelecidas com o serviço de saúde trazem para o cuidado de

enfermagem. Os sujeitos foram os integrantes de um grupo de educação em saúde que

funciona em uma Policlínica da rede pública de Niterói. A técnica de coleta de dados foi a

entrevista semi-estruturada. A análise de conteúdo temática levou à organização de três

grandes linhas: os determinantes da cidadania; a origem da cidadania; e a relação entre

cidadania e saúde. As representações sociais da cidadania se organizaram baseadas nas

dimensões valorativa e normativa na orientação dos sujeitos em suas ações cotidianas de

exercício da cidadania. A expressão da cidadania no atendimento dos serviços de saúde foi

representada à luz da interação entre os clientes e os profissionais de saúde. A dimensão

valorativa-afetiva marcou esta interação na medida em que os sujeitos desejavam um cuidado

que valorizasse a sua condição humana. Concluiu-se que é preciso entender as representaçõs

sociais dos sujeitos sobre a cidadania, pois as suas ações/reações respondem por estas

representações. Este entendimento pode nos levar a traçar metas que se configurem em

possibilidades transformadoras da dinâmica da vida e do atendimento à saúde dos cidadãos.

9

ABSTRACT

VELOSO, Raquel Coutinho. Social representations of the citizenship and their connections

with health care and the care of nursing. Rio de Janeiro, 2006. Dissertation (Master‟s Degree

in Nursing) - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro,

2006.

The object of this research is the social representations of the citizenship by the users of a

service of an ambulatory health service. It was used the Theory of the Social Representations.

The objectives are: to characterize the social representations of the citizenship by the clients

of an ambulatory health; to analyze the relations that the subjects establish with the health

service from the social representations about citizenship; and to discuss the implications that

such social representations and the relations established with the health service bring for the

care of nursing. The subjects were the members of a group of education in health that

functions in a public Policlinic in this city of Niterói. The technique of data collection was a

semi-structured interview. The analysis of thematic content led to the organization in three big

lines: the determinants of the citizenship; the origin of the citizenship; and the relation

between citizenship and health. The social representations of the citizenship were organized

based on the dimension of values and normative dimension by the orientation of the by the

orientation of the subjects in their daily actions in exercising their citizenship. The expression

of the citizenship at the health service attendance was represented by the interaction between

the clients and the health care professionals. The affective dimension and of the values

marked this interaction in the measure in that the subjects desire a care that values their

human condition. It was concluded that it is necessary to understand the social representations

of the subjects about the citizenship, therefore their actions/reactions answer for these

representations. This understanding may let us define goals that will be configured in

transformer possibilities of the dynamic of the life and of the health service attendance of the

citizens

10

RESUMEN

VELOSO, Raquel Coutinho. Representaciones sociales de la ciudadanía y sus nexos con la

salud y el cuidado de la enfermería. Rio de Janeiro, 2006. Disertación (Maestría en

Enfermería) – Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro, 2006.

El objeto de esta investigación aborda las representaciones sociales de la ciudadanía a través

de los usuarios de un servicio ambulatorio de la salud. Se aplicó la Teoría de las

Representaciones Sociales. Los objetivos son: caracterizar las representaciones sociales de la

ciudadanía por las personas usuarias de un servicio ambulatorio; analizar las relaciones que

los sujetos establecen con el servicio de salud a partir de las representaciones sociales sobre la

ciudadanía; y discutir las implicaciones que tales representaciones sociales y relaciones

establecidas con el servicio de salud traen para el cuidado de enfermería. Los sujetos fueron

los integrantes de un grupo de educación en salud que funciona en una Policlínica de la red

pública de Niterói. La técnica de recolección de datos fue la entrevista semi-estructurada. El

análisis de contenido temático llevó a la organización de tres grandes líneas: los determinantes

de la ciudadanía; el origen de la ciudadanía; y la relación entre la ciudadanía y la salud. Las

representaciones sociales de la ciudadanía se organizaron tomando como base a las

dimensiones valorativa y normativa en la orientación de los sujetos en sus acciones cotidianas

de ejercicio de la ciudadanía. La expresión de la ciudadanía en la atención de los servicios de

salud fue representada a la luz de la interacción entre los clientes y los profesionales de salud.

La dimensión valorativa y afectiva marcó esta interacción en la medida en que los sujetos

deseaban un cuidado que valorara su condición humana. Se concluyó que es necesario

entender las representaciones sociales de los sujetos sobre la ciudadanía, pues sus acciones /

reacciones se relacionan a estas representaciones. Este entendimiento nos puede llevar a

planificar metas que se configuren en posibilidades transformadoras de la dinámica de la vida

y de la atención a la salud de los ciudadanos.

11

“A VIDA HUMANA É MAIS DO QUE A

SIMPLES SOBREVIVÊNCIA FÍSICA, É A

VIDA COM DIGNIDADE, SENDO ESSE O

ALCANCE DA EXIGÊNCIA ÉTICA DE

RESPEITO À VIDA”.

Dalmo de Abreu Dallari

(Extraído do livro Bioética e Direitos Humanos, 1998, p.232.)

12

Considerações

iniciais

Meu interesse pelo assunto

13

Trata-se de um estudo

sobre as representações sociais da

cidadania pelos usuários de um

serviço ambulatorial de saúde.

Meu interesse acerca da

temática em questão vem desde o

meu trabalho de conclusão do

curso de graduação em

Enfermagem, realizado na

Faculdade de Enfermagem da

Universidade do Estado do Rio

de Janeiro (UERJ), em 2001,

quando estudei os direitos e

deveres dos clientes

hospitalizados. Naquele estudo,

abordei a questão da cidadania no

contexto da hospitalização.

Na referida pesquisa,

pude constatar que os clientes

apresentavam dúvidas acerca de

seus direitos, e tais dúvidas

estavam relacionadas com sua

condição de saúde, mas não

restritas ao cenário hospitalar.

Um ano após essa

pesquisa, fui trabalhar como

14

enfermeira do Programa Saúde da

Família (PSF) em uma

comunidade, localizada em

Casimiro de Abreu, no estado do

Rio de Janeiro. Comecei, então, a

observar no dia-a-dia, que os

moradores da região, clientes da

unidade básica de saúde do PSF,

não tinham informações plenas

sobre seus direitos sociais1,

principalmente aqueles ligados às

suas condições de saúde. Sendo

assim, uma pessoa nessa situação

pode vir a ter limitações no

exercício da sua cidadania e tais

limitações podem até reduzir o

nível de qualidade de vida.

Qualidade de vida

entendida “como uma condição de

existência dos homens no seu

viver cotidiano, „um viver

desimpedido‟, um modo de „andar

a vida‟ prazeroso, seja individual,

seja coletivamente” (MENDES,

1999, p.237). Portanto, para tal

modo de viver, é necessário

15

pressupor que haja um

determinado nível de acesso a

bens e serviços econômicos e

sociais, sendo que para tal acesso

é necessário que o cidadão saiba

dos seus direitos e como

__________________________

1 Artigo 6o da Constituição Brasileira de

1988: “São direitos sociais a educação, a

saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a

segurança, a previdência social, a

proteção à maternidade e à infância, a

assistência aos desamparados, na forma

desta Constituição” (Brasil, 2002, p. 20).

usufruí-los.

Atualmente, quando

alguém faz algum tipo de

reclamação ou reivindicação, é

bastante usual receber como

resposta a seguinte orientação: -

“vá procurar os seus direitos!”.

Geralmente, esta frase é dita para

as pessoas que não se sentem

contempladas por algo que ainda

não têm certeza, mas desconfiam

ter direito. No entanto, a dita

“orientação” raramente vem

acompanhada de informações

16

sobre onde e como procurar pelos

tais direitos.

Neste sentido, destaco

Barbosa (2003, p.142) quando

afirma não ser “raro encontrar

pessoas que, embora acometidas

por doenças graves, mutilantes ou

incapacitantes, continuam

pagando algo que não devem, pelo

desconhecimento dos seus

direitos”. Nesse caso, a autora

refere-se aos direitos e benefícios

previstos pela legislação

brasileira, que quando são

desconhecidos podem interferir

diretamente no estado de saúde

das pessoas.

Levanto como exemplo, o

direito ao transporte gratuito

municipal frente a determinadas

doenças. Tal direito varia de

acordo com o município e pode

interferir na freqüência dos

usuários no serviço de saúde, pois

existem pessoas que deixam de ir

às consultas médicas por falta de

17

dinheiro da passagem, ou gastam

dinheiro com a passagem e deixam

de comprar algum medicamento

ou algo importante para o seu

tratamento.

Sendo assim, quem tem

acesso a esta informação pode vir

a conseguir exercer este direito.

Neste caso, a informação pode ser

ou não difundida, ou ainda, sê-la

de modo distorcido, dificultando

que o exercício da cidadania seja

pleno. Pode-se falar, que ao ser

exercido, o direito, muitas vezes,

torna-se, de certa forma, um

privilégio, pois para quem não

teve acesso à informação, tal

direito não chegou a ser

reconhecido.

Retrato, então, a questão

da transformação dos direitos em

privilégios, na medida em que há

no país “o fortalecimento da

lógica da relação em oposição à

impessoalidade das leis que

retrata a face moderna da

18

organização social brasileira”

(OLIVEIRA; OLIVEIRA, 1996,

p.95). Penso ser interessante

abordar o que se entende como o

famoso “jeitinho brasileiro”,

expressão cultural que significa

um certo modo peculiar de

negociação para garantir a

obtenção de algo que se tenha

direito e/ou para usufruir de

privilégios através das relações de

amizade, de cunho pessoal, ou da

barganha e/ou sedução.

Isto quer dizer que as relações pessoais, conforme afirma DaMatta2, podem ter

mais peso que as próprias leis. Deste modo, não há direitos e sim privilégios, na medida

em que se utiliza de mecanismos que não são passíveis de legitimação no âmbito da lógica

universalista - característica da esfera pública. Neste sentido, DaMatta prossegue

afirmando que a valorização da esfera privada - “casa”, onde se tem “pessoas”; em

detrimento da esfera pública - “rua”, onde se tem “indivíduos”, configura o que ele chama

de privatização do espaço público (op.cit.).

Acrescento ainda a essa linha de pensamento, a questão da cordialidade brasileira

da qual fala Holanda (1995) quando diz que o “homem cordial” pensa que a intimidade

torna as relações mais fáceis. Assim, é como se não houvesse distinção entre o espaço

público e o privado e todos seriam amigos em todos os lugares. Isso não tem nada a ver

com polidez ou civilidade, mas sim com as emoções.

19

Nesta perspectiva, nem sempre o outro pode ser reconhecido como um sujeito de

direitos. Portanto, entendo ser o movimento em busca dos direitos o que constitui a

cidadania. Logo, cidadania não é algo dado que está acabado por si só, e sim está em

constante processo de (re)construção no cotidiano social de uma determinada sociedade.

Dulce Pandolfi realizou uma pesquisa entitulada Lei, justiça e cidadania, na região

metropolitana do Rio de Janeiro, entre 1995 e 1996 e constatou que as pessoas entendem a

palavra direitos - predominantemente usada no plural - relacionada com os benefícios

previstos nas leis trabalhistas e previdenciárias. Logo, evidenciou-se a valorização

dos

________________

2 DAMATTA, R. Cidadania: A questão da cidadania num universo relacional. In: ___. A casa e a rua. Rio

de Janeiro: editora Guanabara Koogan, 1991.

direitos sociais em detrimento dos políticos e civis. Direitos estes que não são percebidos

como resultado de uma ação política e sim, como dádivas (LUCA, 2003).

Considero interessante comentar que tive a oportunidade de estar no setor da

perícia médica da previdência social, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, em 2003,

ao acompanhar uma amiga. Pude conversar com algumas pessoas e identifiquei que elas

não tinham noção dos seus direitos, face às queixas de saúde que apresentavam.

Sofriam, numa espera que parecia não ter fim, como se fossem “receptores de favores”,

“reféns” de uma cidadania doada por um Estado protetor.

Aproveito este momento para acrescentar que, em pleno século XXI, identifico

propagandas midiáticas de movimentos e ações que ofertam serviços assistencialistas à

população brasileira como expressão de garantia do exercício de cidadania. Penso que tais

ações, entretanto, não promovem este exercício, mas sim representam uma lógica de

oferta benevolente de serviços à população que os consomem de forma indiscriminada e

20

acrítica, em um movimento de imposição e recepção, sem dialogicidade entre a parte que

recebe e a que oferece, e sem garantia de seguimento das ações.

Destaca-se que, muitas vezes, as pessoas participam destes movimentos/ações e

realizam exames de saúde simplificados como, por exemplo, detecção de níveis de glicose

e colesterol sanguíneos (na maioria das vezes feitos sem preparo prévio), aferição da

pressão arterial e acuidade visual. No entanto, ao receberem os resultados, não há garantia

de seguimento do atendimento.

Não se pode deixar de pensar que é a partir dos direitos sociais que se torna mais

evidenciada a ligação entre as mudanças sociais, em uma determinada sociedade/época, e

a mudança nas práticas dos direitos. Isto pode ser exemplificado quando há uma exigência

pela sociedade para uma maior proteção aos idosos, e tal fato só se dá em virtude do

aumento do número de idosos, assim como do aumento da longevidade, o que pode ser

atribuído aos progressos da medicina, como também, às mudanças nas relações sociais

(BOBBIO, 1992) que, de certa forma, interferem no estilo e qualidade de vida das

pessoas.

Sabe-se que em 1988 foi elaborada a nova Constituição Federal Brasileira, que

expressou a aspiração por uma sociedade mais democrática e mais igualitária,

consagrando o ideário da universalização das políticas sociais. É considerada uma das

constituições mais completas do mundo, no que diz respeito ao estado de bem-estar social.

No entanto, a previsão dos direitos sociais em lei por si só não é suficiente. É preciso que

estes sejam difundidos, respeitados e que haja condições mínimas para que a população

possa usufruí-los e exercer a sua cidadania.

A realidade hoje é que vivemos em um mundo capitalista, onde cada um torna-se

valorizado por aquilo que possui – bens materiais - , isto é, pela capacidade de consumo e

de sustento. Logo, quando não se exerce atividade remunerada, ou quando o que se recebe

21

é incompatível com o custo mínimo para se ter uma vida digna, vive-se na dependência de

algum tipo de oferta de assistência que possa garantir a sobrevivência e o acesso aos

serviços sociais. Daí o grande sucesso de público dos movimentos/ações de algumas

campanhas, principalmente junto às camadas mais carentes da população.

Os serviços sociais podem ser vistos como resposta às dificuldades individuais,

objetivando garantir a sobrevivência das sociedades, fazendo parte, então, do que se

chama Welfare State – Estado de Bem-Estar Social – que apareceu nos países europeus

devido à expansão de um Estado Nacional visando a democracia, sendo uma resposta à

demanda por serviços de segurança sócio-econômica.

Penso também, que para compreender melhor o cenário de um país é preciso situá-

lo economicamente e socialmente no mundo. Logo, o Brasil é um país periférico, que

sofre com as conhecidas políticas de ajuste estrutural impostas aos países do terceiro

mundo. Estas políticas de ajuste contribuem para que haja cortes substanciais de recursos

nas políticas sociais, enfocando quando necessário, apenas os programas sociais

emergenciais (SOARES, 1999).

De certo modo, pode-se então afirmar que os direitos sociais quando não são

garantidos em nossa sociedade, podem contribuir para que o cidadão se aliene de sua

condição de sujeito. Isso significa que a falta ou baixa qualidade da educação, trabalho,

moradia, lazer, enfim, condições de vida insatisfatórias podem conduzir a uma alienação,

favorecendo a perda do sentido, da valorização da vida. Desta forma, ele pode não

conseguir se sustentar na condição de indivíduo que representa a sociedade e que pode

transformá-la.

E o Brasil constitui-se em uma sociedade fortemente verticalizada determinada

pela estrutura hierárquica do espaço social (CHAUÍ, 2004), de modo que as diferenças são

22

revertidas em desigualdades, evidenciando cada vez mais que quando alguém manda, o

outro obedece, pois manda quem tem poder e obedece quem luta para sobreviver.

Entretanto, este mesmo cenário também pode apresentar uma imagem que

desfigura diferenças, desigualdades e conflitos, isto é, despojada de dimensão ética e

transformada em natureza. Quem nunca ouviu falar do Brasil como Terra Maravilhosa, de

natureza linda e serena (sem vulcões, terremotos, por exemplo). A pobreza, então,

transformada em natureza, podendo provocar a compaixão, e não a indignação moral

frente a uma regra de justiça violada (TELLES, 1999).

Pode-se dizer que tal pensamento existe desde o Brasil-Colônia, e destaco Arruda

(1998, p.39) quando afirma que “os recortes que desenham a exaltação ou a dissecação do

meio natural, fazem o biombo que encobriu as lacunas da cidadania, da unidade nacional e

o próprio descaso pelo meio natural”.

Sendo assim, a seguir, comento um pouco sobre as lacunas da cidadania

identificadas no contexto da saúde no Brasil.

Cidadania e saúde: implicações para o cuidado de enfermagem.

Fazendo uma breve retrospectiva histórica, sabe-se que, na década de 80 do século

XX, aconteceram transformações profundas no sistema de saúde brasileiro, no qual

destaco: 1. A proposição das Ações Integradas de Saúde (AIS), as quais apresentavam

como meta a universalização, a integralidade das ações e a unificação dos serviços; 2. A

realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, que foi um marco histórico na Saúde

do Brasil com grande participação de todos os segmentos da sociedade, em março de

1986, em Brasília; 3. A implementação do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde

(SUDS) em 1987, que se pautava na descentralização de gestão, atendimento integral e

23

participação da comunidade, diretrizes estas asseguradas na Constituição Brasileira, no

artigo 198. Em 1990, foi decretada a lei orgânica do SUS (lei 8080), que regula as ações e

serviços de saúde no país (CORDEIRO, 1991).

A despeito do que se preconiza na lei, cotidianamente assistimos, através da mídia

- jornal e televisão -, exemplos de decadência na qualidade da oferta dos serviços públicos

de saúde no estado do Rio de Janeiro e também em outras localidades do país, com

demonstrações, por vezes extrema, de total desrespeito à vida. Causa indignação o fato de

os usuários, para terem atendimento médico-ambulatorial, precisarem chegar de

madrugada para pegar uma senha de acesso aos serviços que, via de regra, se iniciam pela

manhã, a partir das oito horas. Em determinadas instituições, as pessoas chegam a passar a

manhã inteira numa fila para, no final, poderem, até mesmo, não serem atendidas.

Quando há necessidade de uma internação e não há leito disponível no hospital de

referência, muitas vezes é o usuário o qual tem que se responsabilizar por buscar uma

vaga de leito hospitalar, e quando não há ambulância para tal transferência, ele tem que ir

por meios próprios. Tais situações representam uma total falta de respeito com o outro,

destituindo o sujeito da sua condição cidadã. O direito à saúde, enquanto direito

fundamental do ser humano, está previsto em lei, mas na prática nem todos o têm

garantido.

Esta contradição entre a teoria (lei) e a prática mostra que muito ainda nos falta até

que se implante plenamente os princípios da universalidade, da resolutividade e da

humanização do atendimento previsto na Lei 8080 de 19/09/1990 (BRASIL, 2001).

Nos dias 13 e 14 de março de 2006, houve, no Rio de Janeiro, um fórum

denominado “Saúde e democracia: uma visão de futuro para o Brasil”, no qual se

reuniram profissionais e estudantes da área de saúde, políticos e representantes da

24

sociedade. O evento foi promovido pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde

(CONASS) e pelo jornal O Globo3.

Destaco, dentre os inúmeros assuntos que foram discutidos, a questão do controle

social, na medida em que foi debatido que os usuários do SUS não têm conhecimento

sobre as responsabilidades das três esferas de governo (municipal, estadual e federal), não

sabendo então, a quem devem reivindicar quando se sentem desrespeitados (GUEDES,

MATTA E LEMGRUBER, 2006).

Assim, o controle social é de extrema importância na operacionalização dos

serviços de um sistema de saúde que tem como um dos princípios norteadores a

participação da comunidade - prevista na Lei 8.142 de 28/12/1990 (BRASIL, 2001). As

modalidades de participação - Conselhos e as Conferências Municipais, Estaduais e

Nacional de Saúde - representam um espaço legítimo para o exercício da cidadania na

medida em que podem promover discussões amplas sobre os direitos e deveres de todos

os envolvidos no sistema: gestores, profissionais e usuários.

Conforme afirma Mendes (1999), a cidadania exige um espaço democrático para

ser construída, propiciando a formação de atores sociais que são muito mais que

participantes sociais ou titulares de poder político, sendo portanto ativos, portadores

de demandas e

________________

3Um dos objetivos deste encontro foi sensibilizar os candidatos à presidência da República sobre o tema

“Saúde e democracia”, pois 2006 foi um ano de eleições.

reivindicações.

Entretanto, a minha experiência de participação nas reuniões do Conselho de

Saúde do município, na qualidade de enfermeira do PSF, mostrou que para haver uma

efetiva participação dos usuários, faz-se necessário o emprego de uma linguagem que faça

25

parte do cotidiano deles, e não uma linguagem puramente técnica, restrita ao entendimento

dos profissionais da saúde.

Quando se fala de direito à saúde, é preciso lembrar que o princípio deste direito

como um direito de cidadania universal e como expressão das lutas e conquistas sociais

foi consagrado na VIII Conferência Nacional de Saúde (CORDEIRO, 1991).

Carvalho (1997, p.33) menciona que tal direito “implica o direito à assistência de

enfermagem”, pois a enfermagem pode ser entendida como “um serviço organizado,

orientado e dedicado ao bem-estar humano e como tal um empreendimento social”.

Neste sentido, enfatizo a contribuição do Conselho Federal de Enfermagem

(COFEN) e da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) que, juntos, elaboraram um

documento para o debate da VIII Conferência Nacional de Saúde, o qual representou o

posicionamento de tais entidades, ressaltando ser importante o direito à assistência de

enfermagem como extensão do direito à saúde (COFEN; ABEn, 1986).

Tal documento reforça que cabe aos diversos setores sociais fazer uma análise

crítica das diretrizes de saúde no país e suas conseqüências para a população. Destaca-se,

portanto, a responsabilidade da enfermagem que, por sua natureza ético-profissional no

campo da saúde, não pode se furtar aos debates sobre os direitos sociais (nos quais se

inclui a saúde) e sobre a cidadania. Assim como, também, cumpre analisar a função que

compete a cada grupo social, pois o empenho deve ser de toda a sociedade brasileira, em

busca de uma ordem social mais justa, prescrita por uma sociedade democrática.

Construindo o objeto deste estudo

Face a esta problemática, atual e emergente da minha vivência como graduanda em

enfermagem e da minha experiência profissional no PSF, penso ser importante conhecer o

26

que os sujeitos, usuários de um serviço ambulatorial da rede básica de saúde, pensam

sobre cidadania.

Esta escolha não se deu por acaso, mas porque há um ano, atuo junto a um grupo

de educação em saúde voltado para pessoas que apresentam doenças crônico-

degenerativas, principalmente hipertensão e diabetes mellitus em uma policlínica

comunitária4.

Por ter sido professora substituta da área de Saúde Mental da Escola de

Enfermagem Aurora de Afonso Costa (EEAAC) da Universidade Federal Fluminense

(UFF) e pela experiência de trabalho com grupos de educação em saúde no PSF, fui

convidada por uma professora desta Escola para discutir com o referido grupo desta

policlínica, o tema “cidadania e qualidade de vida”. A discussão versou sobre o que estes

usuários fazem no seu dia-a dia para melhorarem a sua qualidade de vida enquanto

cidadãos, dotados de direitos e deveres.

No início, percebi que as questões que surgiram estavam relacionadas com os

cuidados com o corpo por conta das doenças - diabetes mellitus e hipertensão arterial. No

primeiro encontro, o grupo estava composto por apenas seis pessoas. Uma destas pessoas

comparecia ao grupo pela primeira vez, e apresentava dúvidas acerca do diagnóstico que,

na sua avaliação, havia sido comunicado pelo médico de um modo “frio”, isto é, sem

expressão de emoções e rápido. Segundo o cliente, o médico dirigiu-se a ele e disse: “-

você tem que saber que é diabético e vai ser sempre assim”. O cliente apresentava muitas

dúvidas acerca da doença como, por exemplo, o que poderia comer ou não e quais seriam

as possíveis complicações que poderia vir a desenvolver.

_____________

4Policlínica Comunitária localizada em

Niterói - Rio de Janeiro.

27

Num primeiro momento,

houve necessidade de

esclarecimento das principais

dúvidas

sobre as doenças até chegarmos a

discutir sobre o tema qualidade de

vida, e o que poderia ser feito para

melhorá-la. Fiquei surpresa

quando, em determinado instante,

um cliente retirou do bolso um

recorte de jornal que continha

uma lei do município de Niterói,

que prevê aos pacientes portadores

de doenças crônico-degenerativas

a gratuidade da passagem nos

transportes públicos. Tal cliente

relatou que iria “correr atrás”5 do

seu direito, já que era portador de

diabetes. O restante do grupo não

sabia da existência desta lei e

demonstrou não acreditar que esta

pudesse ser cumprida.

Ressalto a influência que

a mídia exerceu, naquele

momento, sobre a questão da

cidadania, na medida em que tal

28

informação se deu através de um

meio de comunicação - o jornal

impresso – difusor de informações.

A partir daquele momento, as

pessoas teceram comentários e

emitiram opiniões sobre o assunto

trazido à pauta, sendo possível

perceber que estavam elaborando

um pensamento sobre a questão

dos direitos/deveres, à luz da

dimensão subjetiva (psíquica) e

social (contexto).

Identifiquei como é

importante e necessário o

compartilhamento de informações

entre os elementos do grupo, pois

a experiência do outro pode

contribuir para cada um refletir e

tomar decisões sobre questões de

sua própria vida, seja de forma

individual ou coletiva. Dessa

forma, penso que ao estarem

trocando informações, podem vir a

tomar conhecimentos dos direitos

e deveres inerentes à condição

29

cidadã e (re)construírem uma

representação sobre a cidadania.

Para Moscovici (1978, p.

67) “a informação – dimensão ou

conceito – relaciona-se com a

organização dos conhecimentos

que um grupo possui a respeito de

um objeto social”. E de acordo

com Barreto (2002, p.6), nos

momentos de passagem da

informação de um sujeito ao outro

é “que o fenômeno da informação

apresenta sua característica mais

bela, pois

_________________

5 “Correr atrás” é uma expressão popular

que significa que alguém está indo em

busca de algo que deseja alcançar.

transcende ali a solidão

fundamental do ser humano: o

pensamento se faz informação e a

informação se faz conhecimento”.

Solidão fundamental do

ser humano é considerada por

Barreto (op.cit.) como o momento

de privacidade em que a pessoa,

enquanto ser pensante, projeta a

criação da informação antes de

30

codificá-la. Através desta

informação e por meio de um

sistema de signos, o ser humano

procura compartilhar sua

experiência vivenciada e

experimentada apenas por ele,

com outras pessoas. Sendo assim,

tal experiência é deslocada então,

para uma esfera pública de

significação, de modo que esta

esfera seja coletiva e desejada pela

pessoa (op.cit.).

Gauderer (1995, p.18)

afirma que um indivíduo bem

informado passa a apresentar

mais possibilidades de realizar

escolhas, pois “a informação soma,

proporciona interdependência com

as pessoas e o mundo à sua volta,

autonomia, relação de igualdade,

liberdade e até mesmo de prazer,

perpetuando relações

democráticas, abertas e flexíveis”.

Nesta linha de raciocínio,

Barreto (2002, p.05) prossegue

comentando que a informação

31

pode modificar a consciência do

homem e que devidamente

apropriada, produz conhecimento

e modifica o estoque mental de

saber da pessoa, trazendo

benefícios para o seu próprio

desenvolvimento e para a

sociedade em que ele vive. Na

perspectiva de harmonizar o

mundo, constitui-se a condição da

informação. A informação torna-

se um elemento que promove

organização, na medida em que

leva o homem ao seu destino

“desde antes de seu nascimento,

com sua identidade genética, e

durante sua existência pela

capacidade em relacionar suas

memórias do passado com uma

perspectiva de futuro”,

favorecendo assim, que sejam

estabelecidas diretrizes que o

propiciarão ser uma pessoa ativa e

criativa, no espaço e no tempo.

Neste sentido, penso ser a

cidadania um objeto passível de

32

ser estudado pela via das

Representações Sociais (RS), pois

considero ser importante

identificar o que os sujeitos

pensam e como pensam a

cidadania, na medida em que

trocam e adquirem informações

sobre seus direitos e deveres, em

seu contexto sócio-cultural, e as

traduzem à luz de suas marcas e

vivências pessoais. Desta forma,

compartilham idéias e experiências

com outras pessoas do seu

convívio social que orientarão

suas decisões e seus modos de agir.

A prática cotidiana e seus modos

de agir expressam o que os sujeitos

pensam sobre a condição cidadã.

Entretanto, apesar da

ênfase dada à informação, esta

sozinha não fornece uma

panorâmica do conteúdo e do

sentido de uma representação

social. Há também a atitude e o

campo de representação ou

imagem, as quais constituem as

33

dimensões das RS. Portanto, as

pessoas pensam, organizam seus

conhecimentos e assumem uma

determinada posição em relação a

um objeto social, assim como

também, procuram elaborar uma

imagem a fim de se aproximar do

objeto, de torná-lo mais tangível

(MOSCOVICI, 1978).

O objeto a ser pesquisado,

então, é as representações sociais

da cidadania pelos usuários de um

serviço ambulatorial de saúde,

com vistas a, a partir daí,

entender as ações de tais sujeitos

no que tange à relação com os

serviços de saúde.

Sendo assim, as questões

norteadoras são as seguintes:

Como os usuários de um serviço ambulatorial de saúde pensam a cidadania?

A partir de tais representações, como agem em relação aos serviços de saúde?

A fim de responder estas perguntas, lanço os seguintes objetivos:

- Caracterizar as representações sociais da cidadania pelas pessoas usuárias de um serviço

ambulatorial;

34

- Analisar as relações que os sujeitos estabelecem com o serviço de saúde a partir das

representações sociais sobre cidadania;

- Discutir as implicações que tais representações sociais e relações estabelecidas com o

serviço de saúde trazem para o cuidado de enfermagem.

Torna-se oportuno dizer que entendo a enfermagem como uma prática social, isto é,

como “ciência e arte de ajudar às pessoas, aos grupos e comunidades na provisão de cuidados

à saúde e que na prática, requer consciência crítica, posicionamento político, liberdade de

pensamento” (CARVALHO, 2004, p. 810).

Também considero as enfermeiras como difusoras de conhecimentos científicos ao

exercerem o cuidado ao cliente, principalmente quando é um cuidado representado por uma

ação educativa, na qual transitam informações cujo propósito é a melhoria da qualidade de

vida do cliente.

Ocorre que, muitas vezes,

a transição de informações não se

dá em uma via de mão dupla, mas

de forma verticalizada,

unidirecional e multifacetada,

fragmentada nos diversos serviços

os quais o cliente é atendido

(enfermagem, medicina, serviço

social, psicologia etc.). São

informações por vezes,

incompletas, contraditórias,

abstratas e/ou pouco aplicáveis

que, na malha cognitiva do sujeito

serão processadas e se

35

transformarão em algo que faça

sentido para ser aplicado.

A saúde pensada como

um “produto social resultante de

fatos econômicos, políticos,

ideológicos e cognitivos”

(MENDES, 1999, p.237) é

“determinada pela dinâmica das

relações sociais que se reproduzem

historicamente, entre indivíduos e

grupos populacionais existentes

no território” (op.cit., p. 249),

como fruto de relações sociais.

Torna-se necessário

romper com a idéia de um setor

saúde que atue de forma isolada,

para que haja uma articulação

deste com outros campos do

conhecimento

(interdisciplinaridade) e com

outras práticas sociais

(intersetorialidade), valorizando

assim, a importância de um

diálogo entre diferentes setores

sociais, inclusive com os usuários.

36

Assim, nesta pesquisa, as

relações estabelecidas entre o

objeto RS da cidadania com a

enfermagem implicam na ética e

no direito à informação6, o qual

deve ser respeitado nos serviços

de saúde. Desta forma, a

enfermagem pode contribuir para

melhor qualidade de vida dos

clientes, na medida em que,

através de uma educação em

saúde dialógica, pode despertar a

crítica reflexiva do sujeito,

compreendendo-o como ativo na

forma de lidar com sua saúde.

Abordo, então, um

cuidado de enfermagem que não se

restringe a uma perspectiva

técnica, assistencialista, pois

abrange a dimensão ética e

estética. Ética porque envolve o

compromisso com o outro e com o

meio, respeitando a dignidade,

sendo um compromisso contínuo

com a valorização da vida.

Estética porque, de acordo com

37

Teixeira (2001), pode abrir espaço

para o sensível, a pluralidade e os

sentimentos humanos.

Entendo, o cuidado de

enfermagem como uma ação que

age sobre a vida, que por sua vez

produz ações e reações no sujeito,

conduzindo-o a um processo de

conscientização enquanto sujeito

no mundo. Portanto, constitui-se

em uma ação que pode levar à

autonomia e à expansão da pessoa

em seu meio social, favorecendo a

alegria de viver, o bem-estar e a

saúde.

Para Bellato e Pereira

(2005, p.22) “a empatia e a

solidariedade precisam ser

componentes fundamentais de

uma prática ética, advinda desse

olhar ético, que considera o outro

que é cuidado como alguém igual

a mim, ou seja, somos sujeitos em

uma relação simétrica, sendo o

outro portador dos mesmos

direitos que eu”. Logo, não se

38

pode olhar o outro como um objeto

de ação da enfermagem e sim como

sujeito, responsável pela sua

história de vida, ativo e

construtor de conhecimento.

Deste modo, torna-se

fundamental para a enfermagem,

“a aprendizagem de novos

princípios - de participação

política, de economia e de

jurisprudência - pertinentes aos

_____________ 6

A lei do SUS prevê no capítulo II - dos princípios e diretrizes, art. 7o, item V: ―o direito à informação,

às pessoas assistidas sobre sua saúde‖ (Brasil, 2001, p.401).

direitos à saúde”(CARVALHO,

2004, p.810). Entendo que

abordar os direitos à saúde

implica em identificar seus

requisitos fundamentais como:

paz, educação, habitação,

alimentação, renda, um

ecossistema estável, justiça social

e equidade, constantes da Carta

de Ottawa escrita na I

Conferência Internacional sobre

Promoção da Saúde, em 1986,

39

realizada no Canadá (MENDES,

1999).

Portanto, a importância

deste estudo reside no

entendimento de que a tecnologia

do cuidado possa ser ampliada,

favorecendo a construção de um

saber e fazer no cuidado de

enfermagem que esteja voltado

para o fortalecimento da

cidadania dos clientes. De modo,

então, que poderá contribuir para

um cuidado de enfermagem que

ajude o sujeito a tomar decisões, a

ser ativo, a ter uma ação mais

participativa, não apenas no

âmbito dos serviços de saúde, mas

também em outros setores que

fazem parte de seu contexto

social, consciente de seus direitos e

deveres, sendo capaz de

transformar sua qualidade de vida

para melhor.

Logo, ao discutir as

representações dos usuários sobre

cidadania, penso poder estar

40

contribuindo para acrescentar

conhecimentos aos estudos que

visam fortalecer o campo teórico

do cuidado de enfermagem, assim

como também, possa contribuir na

área do ensino. Identifico a fase

de formação e qualificação

profissional como um momento em

que se deve despertar para a

dimensão da cidadania de quem

cuida e é cuidado.

Considero, então, que

esta pesquisa se insere na Linha

de Pesquisa “Fundamentos do

Cuidado de Enfermagem” 7, na

medida em que tal linha

contempla na sua ementa: os

direitos da pessoa em sua

trajetória vital e enfermagem

como arte, prática e ciência na

construção do conhecimento.

______________

41

7 Desenvolvida no Núcleo de Pesquisa de

Fundamentos do Cuidado de

Enfermagem (NUCLEARTE), do

Departamento de Enfermagem

Fundamental, da Escola de Enfermagem

Anna Nery da Universidade Federal do

Rio de Janeiro (UFRJ).

Capítulo I

Bases teórico-conceituais

42

Teoria das Representações Sociais

Sobre a origem da Teoria das Representações Sociais (TRS) destaca-se que

a mesma foi proposta por Moscovici, no campo da psicologia social. Esta teoria

desdobra-se em outras correntes complementares, lideradas por Doise que

apresenta uma perspectiva mais sociológica; e a outra, liderada por Abric, o qual

enfatiza a dimensão cognitiva-estrutural das RS (SÁ, 1998). Nesta pesquisa, utilizo

a abordagem processual mais fiel à teoria seminal proposta por Moscovici e

desenvolvida por Denise Jodelet.

A divulgação da teoria das Representações Sociais (TRS) aconteceu no

início da década de 60, na França e a partir daí passou a ser aplicada por Jodelet e

Claudine Herzlich em estudos sobre o corpo, a saúde e a doença, ganhando maior

visibilidade tanto na França como no Brasil, a partir da década de 80.

Especificamente no Brasil, as pesquisas em RS só vieram a eclodir a partir da

década de 90, com maior ênfase no campo da saúde e da educação.

Moscovici (2003) afirma ter percebido como uma área de estudo possível e

interessante, a transformação do conhecimento científico em conhecimento do

43

senso comum. O autor diferencia senso comum de outros gêneros de

conhecimento, como a ideologia e a ciência.

Moscovici considera que há dois tipos de universos de pensamentos: o

consensual e o reificado. O consensual tem a ver com as atividades intelectuais da

interação cotidiana, e por tais atividades são produzidas as RS. E o reificado é o

universo da ciência, onde se produz o conhecimento voltado para a objetividade,

para o rigor lógico e metodológico. É preciso entender que ―a matéria-prima para a

construção dessas realidades consensuais (...) provém dos universos reificados‖

(SÁ, 1995, p. 29), e que a teoria ―se preocupa com os saberes produzidos no e pelo

cotidiano‖ (JOVCHELOVITCH, 2001, p.25). Sendo assim, na teoria, as verdades

são produzidas a partir das pluralidades do senso comum; diferente do paradigma

positivista, de onde o que é considerado verdade vem apenas da ciência.

No estudo do senso comum, Moscovici (2003) chama a atenção para o fato

de as pessoas não apresentarem uma única maneira de pensamento, pois o

conhecimento é polifásico. Tal fato é regra e não exceção, pois uma mesma pessoa

pode utilizar racionalidades diferentes, em determinados momentos, para pensar

sobre um mesmo objeto. Este fenômeno é chamado de polifasia cognitiva.

Moscovici assumiu que ao criar o conceito de representação social se

inspirou no conceito de representação coletiva, de Durkheim. Sperber apud

Guareshi (1995) faz uma analogia com a medicina ao diferenciar a representação

coletiva da social. A representação coletiva é comparável a uma endemia, por ser

estática e tradicional, sendo mais apropriada ao tipo de sociedade mais cristalizada.

Enquanto a social, compara-se a uma epidemia, porque apresenta dinamicidade e

historicidade.

44

Neste sentido, a definição de Jodelet (2001, p.22) de que a Representação

Social ―é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um

objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um

conjunto social‖ adere-se muito bem aos estudos próprios à sociedade

contemporânea, complexa e multifacetada, que exige um olhar mais centrado nos

grupos sociais que a compõem.

Para Moscovici, o conhecimento não deve ser reduzido a um acontecimento

intra-individual, onde o social age de forma secundária, pois o social refere-se a

forma de construção dessa representação (SAWAIA, 1995). Para Jodelet (1988,

p.04), o processo de RS pode sofrer intervenções do social, por diversas maneiras:

―pelo contexto concreto onde estão situados pessoas e grupos; pela comunicação

que se estabelece entre eles, pelos quadros de apreensão fornecidos por sua

bagagem cultural; pelos códigos, valores e ideologias ligados às posições ou

participações sociais específicas‖.

Conforme diz Arruda (2005) amparada em Moscovici (1978), a teoria das

representações sociais é como uma antropologia do mundo contemporâneo, na

medida em que lida com os modos como os grupos sociais, que para se

comunicarem e funcionarem cotidianamente, estão dando sentido ao real,

elaborando e explicando este real para si mesmos.

De acordo com Moscovici (2003, p.35),

“nenhuma mente está livre dos efeitos de condicionamentos anteriores que lhe

são impostos por suas representações, linguagem ou cultura. Nós pensamos

através de uma linguagem; nós organizamos nossos pensamentos, de acordo com

um sistema que está condicionado, tanto por nossas representações, como por

nossa cultura”.

45

Sendo assim, a dimensão

ativa e criativa do sujeito no

processo de construção do

conhecimento indica que ele não é

mero expectador e nem incorpora e

aplica o conhecimento que “vem

de fora”, mas coloca sua marca

pessoal, sendo capaz de processar,

transformar aquele conhecimento

em outro, num processo de

significação e ressignificação dos

objetos. Há uma tentativa do

sujeito em entender o mundo e se

fazer entendido e reconhecido,

assim como a agir no/sobre o

mundo a partir do seu universo de

significados, que integra o

contexto sócio-cultural. É

portanto, a TRS, um saber

prático, na medida em que estuda

o conhecimento que orienta para a

ação.

Neste momento,

acrescento Ferreira (1999, p.20)

quando cita que:

46

“as experiências que vivemos captadas pelos órgãos dos sentidos (dimensão

sensível) são classificadas e codificadas (dimensão inteligível) que, por sua vez,

vinculam-se ao processo social. Ao processar as informações, o sujeito estabelece

contrastes, diferenças, rupturas e atribui um sentido à experiência. Esta

atribuição de sentido é a representação”.

Entretanto, representar

algo não significa desdobrar,

repetir ou reproduzir, e sim

reconstituir, retocar e modificar

(MOSCOVICI, 1978). Para essa

modificação ocorrer, não basta

que haja apenas traduções de

idéias, e sim, é preciso que estas

idéias tenham encontrado um

“gancho no acervo emocional e

cognitivo” do sujeito (ARRUDA,

1998, p.39).

Sendo assim, as

representações sociais “devem ser

estudadas articulando-se

elementos afetivos, mentais e

sociais e integrando-os ao da

cognição, da linguagem e da

comunicação” (JODELET, 2001,

p.26). Portanto, a teoria tem a

marca do sujeito que é

cognoscente, ativo e criativo, e

47

tem também a marca da sociedade,

da cultura, pois há uma

integração da condição de

pertença e de participação

cultural e social dele.

Portanto, ao aplicar a

TRS na elucidação dos objetos, o

que se propõe é a psicossociologia

do conhecimento, uma vez que é:

“na fronteira entre o psicológico e o social, que se focaliza a noção de

representação social. Ela concerne, em primeiro lugar, a forma pela qual nós,

sujeitos sociais, apreendemos os acontecimentos da vida corrente, os dados do

nosso ambiente, as informações que aí circulam, as pessoas de nosso círculo ou

longínquo” (JODELET, 1988, p.04).

Para a TRS, o

conhecimento do senso comum se

constrói a partir da influência da

sociedade e da influência

individual (subjetividade) do

sujeito. Sendo assim, “quando se

estuda o senso comum, o

conhecimento popular, nós

estamos estudando algo que liga a

sociedade, ou indivíduos à sua

cultura, sua linguagem, seu

mundo familiar” (MOSCOVICI,

2003, p.322).

48

Para Moscovici, (op.cit.,

p.61) o objetivo de todas as

representações seria transformar o

não-familiar em familiar, isto é,

transformar o desconhecido em

algo que se possa ter domínio. A

transformação do não-familiar em

familiar se dá através de dois

processos formadores das

representações sociais que são: a

objetivação e a ancoragem.

Objetivar consiste em

“transformar algo abstrato em

algo quase concreto, transferir o

que está na mente em algo que

exista no mundo físico” e ancorar

“é classificar e dar nome a alguma

coisa”.

No que diz respeito à

familiarização do desconhecido, é

preciso compreender que “o mundo

mental e real se torna sempre um

outro e continua sendo um pouco

o mesmo: o estranho penetra na

brecha do familiar, e este abre

49

fissuras no estranho”

(MOSCOVICI, 1978, p.62).

Para Moscovici (op.cit.) a

representação apresenta duas

faces que são como páginas de

uma folha de papel, não sendo

possível dissociá-las: face

figurativa (figura) / face

simbólica (sentido) e com tais

faces, pode-se fazer uma

correspondência, respectivamente,

com a objetivação/ancoragem.

No entanto, é bom

lembrar que nem todos os

fenômenos psicossociais podem ser

estudados pela representação

social, pois o objeto de pesquisa

tem que realmente emergir da vida

social cotidiana. Sá (1998, p.50)

afirma que “para definição do par

sujeito-objeto de uma pesquisa,

devemos ter em mente que a

representação que os liga é um

saber efetivamente praticado, que

não deve ser apenas suposto, mas

sim detectado em comportamentos

50

e comunicações que de fato

ocorram sistematicamente”.

Assim, penso ser a

cidadania um objeto psicossocial

que pode ser acessado pela via das

RS, na medida em que corresponde

à realidade do grupo estudado,

pois emerge da vida social

cotidiana dos sujeitos em questão,

das suas práticas e exercícios dos

direitos e deveres inerentes ao

cidadão.

A cidadania ao longo da história da humanidade: da Grécia até os dias atuais

A trajetória da cidadania não corresponde a um desenvolvimento progressivo que

une o mundo antigo ao contemporâneo, pois são mundos diferentes, com sociedades

distintas e com palavras como: pertencimento, participação e direitos que assumem

sentidos diversificados (GUARINELLO, 2003).

O conceito de cidadania vem se modificando ao longo da história.

Etimologicamente, a palavra ciuis, que em latim quer dizer “ser humano livre”, gerou a

palavra ciutas: cidadania, cidade, Estado (FUNARI, 2003).

Na Antiguidade Clássica (Grécia), pertencer às cidades-estado que eram territórios

circunscritos, basicamente agrícolas, garantia indivíduos livres, com direitos e garantias

sobre sua pessoa e seus bens. A cidadania era transmitida por vínculos de sangue,

passados de geração em geração. Comunidade era sinônimo de Estado e esta não era

51

harmônica, nem igualitária, e sim escravista e desigual. Cito, por exemplo, a situação da

mulher que não tinha direitos políticos, e sim, restringida em seus direitos individuais,

tutelada e dominada pelo homem e sendo considerada membro, mas como um “membro

menor” da comunidade. (GUARINELLO, 2003). Isso faz pensar nas implicações de

gênero associadas à questão da cidadania, que pode vir a influenciar na construção das

representações sociais do objeto de estudo em questão.

Em Roma, com a unificação das cidades-estado, a cidadania podia ser obtida

através da hereditariedade; alforria ou concessão, individual ou coletiva, aos súditos do

imperador. O conjunto de cidadãos é que formava a coletividade; logo, primeiro vinha a

idéia de cidadão, diferente da Grécia em que vinha primeiro, a noção de cidade e depois

então, a de cidadão. (FUNARI, 2003).

Pode-se dizer que a cidadania antiga (Grécia) tinha um caráter exclusivista, pois

conforme diz Karnal (2003, p. 144): “o termo cidadania foi criado em meio a um processo

de exclusão. Dizer quem era cidadão (...) era uma maneira de eliminar a possibilidade de a

maioria participar, e garantir os privilégios de uma minoria”. Portanto, isso constitui uma

leitura muito diferente da que é feita atualmente, que admite tal conceito como um

processo de inclusão total (op. cit.).

Deste modo, predominava na história, os deveres em detrimento dos direitos, pois

a maior parte das pessoas tinha só deveres e apenas uma pequena parcela era dotada de

direitos. Conforme diz Bobbio (1992, p.03), foi a partir da formação do Estado Moderno

que “passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão,

emergindo um modo diferente de encarar a relação política, não mais predominantemente

do ângulo do soberano e sim daquele do cidadão (...)”.

Sendo assim, na Idade Moderna, o ponto de partida para o desenvolvimento dos

direitos de cidadania localizou-se no século XVII, com a Revolução Inglesa, considerada a

52

primeira revolução burguesa da história que enfocou o respeito aos direitos do indivíduo,

como proteção de arbítrio de poder. Vale dizer que a cidadania no âmbito liberal também

tinha um caráter excludente, pois diferenciava os cidadãos com posses, dos sem posses

(MONDAINI, 2003). No entanto, a partir dessa época, o referido autor (op. cit., p.116)

ressalta que “a obscuridade de uma Era dos Deveres abre espaço para uma promissora Era

dos Direitos”.

A Idade Contemporânea foi o período em que o homem se construiu como um

sujeito de direitos, pois ocorreu o desenvolvimento dos direitos do citadino, entre o século

XVIII e XX. Pode-se citar a Independência dos Estados Unidos, em 1776, a qual trouxe

implicações que geraram para a história uma nova concepção política, promovendo

transformações importantes nos conceitos de cidadania e liberdade. Nos Estados Unidos

não existia o conceito de cidadania, mas se entendia que a liberdade individual levava à

cidadania (KARNAL, 2003).

Ainda no século XVIII pode-se destacar a Revolução Industrial que trouxe à cena

histórica o proletariado enquanto uma nova classe social, e a Revolução Francesa com os

ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, cujo apogeu foi a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, apresentando como primeiro artigo: “Todo homem nasce e

permanece livre e igual em direitos”. É considerada a primeira declaração a abranger o

homem como ser universal e não apenas como membro de uma sociedade em específico

(ODALIA, 2003).

O sociólogo Marshall

abordou a evolução da cidadania

na Europa centro-ocidental

estabelecendo uma relação com a

conquista de três conteúdos de

53

direitos diversos entre si: no

século XVIII, os direitos civis; no

século XIX, os direitos políticos, e

no século XX, os direitos sociais”

(MONDAINI, 2003).

Segundo Marshall8 apud

Kant de Lima (2004, p.49):

―(...) o elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual — liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. Este último difere dos outros porque é o direito de defender e afirmar todos os direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual (...) as instituições mais intimamente associadas com os direitos civis são os tribunais de justiça. Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. As instituições correspondentes são o parlamento e conselhos do Governo local. O elemento social se refere a tudo que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. As instituições mais intimamente ligadas com ele são o sistema educacional e os serviços sociais".

Domingues (2001, p.222) faz um comentário acerca da definição dos direitos

sociais elaborada por Marshall ao compará-los com as definições dos direitos civis e

políticos. O autor afirma que a definição dos direitos sociais é “frouxa e dispersiva e

mobiliza elementos cuja articulação não é imediatamente clara. Mais importante ainda é

saber em que medida possuem, eles, caráter universal e (...) se devem ser atribuídos à

coletividade ou aos indivíduos”. Assim, fica em aberto, por exemplo, se tais direitos

devem atender a todas as pessoas, independente de classe social ou, então, só àquelas que

atravessam dificuldades sócio-econômicas.

54

De acordo com Bobbio (1992), os direitos nascem de forma paulatina e histórica,

não nascendo todos, portanto, de uma única vez, e sim quando devem ou podem nascer.

Os direitos civis têm sua origem da luta dos parlamentos contra os soberanos

absolutos e os

______________ 8 MARSHALL,T. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro, Zahar, 1967.

direitos políticos e sociais surgem dos movimentos populares.

No entanto, reporto-me agora ao cenário brasileiro, para destacar um exemplo de

que a expansão dos direitos sociais nem sempre decorreu do exercício dos direitos civis e

políticos, como foi no caso inglês, relatado por Marshall. Para explicar isso, é preciso ir

até a

época do governo de GetúlioVargas, durante o Estado Novo (1937-1945), em que houve o

cerceamento dos direitos políticos e civis, e a expansão dos direitos sociais, podendo-se

dizer que foi um investimento dos militares, a fim de acalmar “os ânimos”, isto é, evitar

possíveis revoltas populares (CARVALHO, 2002).

A fim de citar mais um exemplo de que nem sempre os direitos ocorreram em

civis, políticos e sociais, isto é, nesta respectiva ordem, me apoio em um exemplo,

situado na esfera internacional, comentado por Lima (2003, p.03):

“No plano internacional, os direitos trabalhistas (sociais) surgiram primeiro do

que os direitos de liberdade, bastando lembrar que a Organização Internacional

do Trabalho (OIT), criada logo após a I Guerra Mundial para uniformizar, em

nível global, as garantias sociais dos trabalhadores, surgiu antes da

Organização das Nações Unidas (ONU)”.

55

Os direitos também foram classificados em primeira, segunda, terceira e

quarta geração. A classificação até a terceira geração foi criada pelo jurista tcheco

Karel Vasak que buscou, metaforicamente, demonstrar a evolução dos direitos

humanos com base no lema da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e

fraternidade). Sendo assim, a primeira geração de direitos envolve os direitos

políticos e civis (liberdade); a segunda, os direitos sociais, culturais e econômicos

(igualdade); a terceira, os direitos de solidariedade, em especial, os direitos ao

desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente (fraternidade). Já a quarta geração,

composta pelos direito à democracia, o direito à informação e o direito ao

pluralismo, foi desenvolvida por um professor chamado Paulo Bonavides,

considerado um grande constitucionalista brasileiro (op.cit.).

Essa abordagem de gerações de direitos remete a algumas críticas, no

sentido de que pode passar a idéia de que eles sejam reconhecidos e exercidos,

nesta ordem, ao longo da história, o que não é verdadeiro; assim como também,

pode passar a idéia de que a geração posterior surgiu porque a anterior já se

consolidou ou porque houve uma substituição gradativa de uma geração pela outra.

É necessário entender que os direitos se interligam e se completam, e que na

verdade, não há hierarquia (op.cit).

Neste momento, trago um comentário de Bobbio (1992) que favorece

compreender melhor a dinâmica dos direitos, na medida em que uma coisa é ter um

direito proclamado, outra é poder desfrutar deste direito. Sendo assim, é como se a

linguagem dos direitos emprestasse uma força particular às reivindicações dos

movimentos que demandam para si e para os outros, a satisfação de necessidades

materiais ou morais; exercendo, portanto, uma função prática.

56

Por outro lado, Bobbio (op.cit.) prossegue dizendo que esta linguagem pode

vir a se tornar enganadora, caso obscureça ou esconda a diferença entre o direito

reivindicado e o direito reconhecido e protegido. Ele atenta para a importância em

se estabelecer as condições para que os direitos proclamados sejam realizados,

pois não basta acreditar que por ser uma meta desejável, tais condições sejam

efetivadas. É preciso reconhecer que muitas das condições necessárias não estão

no âmbito da boa vontade dos dirigentes do governo, e sim, às vezes dependem de

uma mudança estrutural no cenário sócio-político-econômico de um país, para

tornar possível a proteção dos direitos desejados.

À medida que os direitos são enunciados, independente do seu maior ou

menor poder de convicção de seu fundamento, quando se passa para a ação,

mesmo com um fundamento não-questionável, podem vir a surgir as restrições e as

oposições. Daí, pode-se dizer que ―o problema fundamental em relação aos direitos

do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um

problema não filosófico, mas político‖ (op. cit., p.24).

Há um avanço no campo internacional, na conquista dos direitos de

cidadania, e Pitanguy (1998) retrata isso ao citar, na década de 90, a Conferência

Internacional sobre Meio-Ambiente, que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1992; a

Conferência sobre Direitos Humanos, ocorrida em 1993, em Viena; e a Conferência

sobre População e Desenvolvimento, no Cairo, em 1994; e sobre Mulher e

Desenvolvimento, no ano de 1995, em Beijing. De acordo com a autora, isso mostra

um avanço na especificação e universalização de direitos reconhecidos

internacionalmente como já havia sido indicado por Bobbio.

Compartilho das idéias de Bobbio (1992, p.01) quando afirma que abordar os

direitos humanos implica em falar de democracia e de paz, sendo esta ―o

57

pressuposto necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos do

homem em cada Estado e no sistema internacional‖, pois ―sem direitos do homem

reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as

condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos‖. O referido autor discute

democracia como não sendo governo do povo e sim governo de cidadãos, pois a

palavra povo não delimita que parcela de indivíduos está sendo englobada. E na

verdade, as decisões coletivas são tomadas por indivíduos singulares que vivem em

sociedade.

Concluo, então, com as palavras de Pinsky (2003, p.10) ao afirmar que

cidadania ― é a expressão concreta do exercício da democracia‖.

58

Capítulo II

Metodologia

A TRAJETÓRIA DO ESTUDO

Tipo de estudo e abordagem metodológica

Neste momento,

comentarei os caminhos que

percorri para compreender o objeto

deste estudo – as representações

59

sociais da cidadania pelos

usuários de um serviço

ambulatorial de saúde.

A escolha por tal objeto

direcionou para uma pesquisa

descritiva, de natureza

qualitativa, haja vista que Spink

(1995b, p.103) coloca que:

“a pesquisa sobre as Representações Sociais estando comprometida com

situações sociais naturais e complexas - requisito imprescindível para que sejam

acessadas as condições de sua produção -, é necessariamente uma pesquisa

qualitativa”.

A pesquisa foi realizada

em uma Policlínica Comunitária

situada na cidade de Niterói –

Rio de Janeiro e os sujeitos foram

os usuários desta referida

unidade. Na verdade, conforme já

falei anteriormente, não enfoquei

qualquer usuário desta unidade, e

sim os que fazem parte de um

grupo de educação em saúde

voltado para pessoas com

hipertensão e diabetes mellitus,

que são doenças crônico-

60

degenerativas. É importante

comentar que estas pessoas estão

exercendo o direito à saúde, o

direito à informação sobre a saúde

e o direito à assistência de

enfermagem, na medida em que

participam de um grupo de

educação em saúde o qual é

promovido por um trabalho de

extensão da Escola de

Enfermagem Aurora de Afonso

Costa (EEAAC) da Universidade

Federal Fluminense (UFF) desde

1996 .

No que diz respeito à

composição da rede de serviços de

saúde, uma policlínica de saúde

corresponde à atenção secundária.

No entanto, a policlínica em

questão apresenta um caráter

misto, pois corresponde à atenção

primária em saúde - nível que é

representado pelo atendimento

médico em clínica médica,

pediatria e gineco-obstetrícia, de

caráter ambulatorial, constituindo

61

a “porta de entrada” do sistema de

saúde - atende à população que

não é coberta pelo Programa

Médico de Família (PMF) em

Niterói; e também corresponde à

atenção secundária em saúde, por

apresentar serviços médicos

especializados ao nível

ambulatorial como cardiologia,

reumatologia, dermatologia,

psiquiatria, neurologia, geriatria,

endocrinologia, alergologia,

pneumo-tisiologia, homeopatia e

acupuntura. Seu funcionamento é

de segunda à sexta-feira, no

horário de 8 às 17 h, e os serviços

oferecidos são: consultas médicas,

enfermagem, serviço social,

psicologia, nutrição,

fonoaudiologia, fisioterapia,

terapia ocupacional, grupos de

educação em saúde, atendimento

em terapias alternativas como o

Reiki, por exemplo.

Meu interesse pelas

pessoas que participam deste

62

grupo de educação em saúde é

porque ao longo de minha

experiência enquanto discente e

profissional, percebi que as

doenças crônico-degenerativas, de

um modo geral, impõem certas

limitações. Muitas vezes, tais

limitações não se restringem

apenas à esfera física, mas

também contribuem para que

estas pessoas enfrentem

dificuldades para exercer a

cidadania. As pessoas com

hipertensão arterial e diabetes,

por exemplo, precisam ter um

acompanhamento médico com uma

determinada freqüência, o que

exige gastos com o transporte para

ir até à unidade de saúde. Na

medida em que uma pessoa sabe

que tem direito à gratuidade do

transporte e passa a exercê-lo,

suas economias podem ficar mais

disponíveis para outras questões

necessárias, como a compra de

medicamentos, entre outras.

63

Portanto, elegi este grupo

por considerar que nele a questão

da cidadania afloraria nas

discussões em quantidade e

qualidade para os objetivos da

pesquisa em tela.

Como critério de seleção

dos sujeitos tracei, então, os

seguintes: 1) Deveriam ser

adultos, com a comunicação

verbal preservada; 2) Deveriam

integrar o grupo de educação em

saúde voltado para pessoas que

apresentam diabetes mellitus e

hipertensão arterial; 3) Deveriam

aceitar participar da pesquisa.

As reuniões do grupo

ocorrem quinzenalmente, pela

manhã, com duração de

aproximadamente uma hora e

meia, e contam com a participação

de alunos da Escola de

Enfermagem da Universidade

Federal Fluminense, pois o local

funciona como um campo de

estágio para eles.

64

Desde o momento em que

fui convidada a participar de uma

palestra em junho de 2005, passei

a comparecer às reuniões a fim de

criar uma aproximação com as

pessoas deste grupo. Penso que a

convivência possibilitou que elas

me conhecessem mais,

proporcionando que fosse

adquirida confiança, elemento que

foi importante para a coleta de

dados. E para mim, foi

importante para que eu pudesse

me aproximar do fenômeno a ser

investigado.

Utilizei a entrevista

semi-estruturada como técnica

para a obtenção de dados.

Primeiramente, fiz uso de um

roteiro que permitiu traçar o perfil

sócio-demográfico do grupo

(APÊNDICE A). Isto é

necessário, na medida em que a

representação social trabalha com

a forma de pensamento dos grupos

sociais. Então, é importante

65

identificar a pertença social do

grupo para que se possa entender

a sua representação, pois as

pessoas pensam à luz da sua

formação sócio-cultural, de acordo

com o contexto vivenciado. Em

seguida, fiz perguntas abertas

(APÊNDICE A), com o fim de

facilitar os dizeres dos sujeitos.

Sabendo que a literatura

de metodologia da pesquisa

recomenda que seja feito o teste-

piloto com o instrumento a fim de

aprimorá-lo para a coleta de

dados, este foi realizado com três

entrevistados (2 mulheres e 1

homem). A análise do material

gerado após a aplicação do teste-

piloto indicou a necessidade de

inserção de mais duas perguntas,

a de número 6 e 11 e, também, a

mudança da palavra “qualidade”

para “característica” na pergunta

número 4, uma vez que quando

foi perguntado aos três sujeitos

sobre as “qualidades” do cidadão,

66

foi necessário esclarecer que, na

pergunta, a palavra “qualidades”

assumia o sentido de

“características”. Então, após este

esclarecimento, os sujeitos

demonstraram terem entendido a

pergunta e responderam a

questão.

Como não houve

mudança estrutural - nem da

forma e nem do conteúdo das onze

perguntas constantes do roteiro

original aplicado no teste, optei

por não desprezar os conteúdos

gerados pelas entrevistas destes

três participantes, mas sim

retornar a eles para fazer as duas

perguntas que foram

acrescentadas posteriormente: a

de número 6 e 11.

O projeto foi submetido

ao Comitê de Ética em Pesquisa

da Escola de Enfermagem Anna

Nery e Hospital Escola São

Francisco de Assis (HESFA) /

UFRJ. Antes da coleta de dados

67

ser iniciada, foi solicitada

autorização à policlínica em

questão (APÊNDICE B). Após a

aprovação pela direção da

unidade de saúde e por tal Comitê,

apresentei aos sujeitos que

aceitaram participar da pesquisa,

o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido (TCLE) –

(APÊNDICE C), de acordo com a

Resolução 196/96-MS, pois

assim, assumia meu compromisso

ético na pesquisa. Procurava ler

junto com os clientes o TCLE,

antes da entrevista, a fim de

esclarecer a eles possíveis dúvidas

que poderiam vir a apresentar. As

entrevistas foram gravadas em

fitas magnéticas e transcritas na

íntegra, logo após a sua

realização. Foram usados nomes

fictícios, escolhidos pelos próprios

entrevistados para identificá-los,

preservando sua identidade.

68

Operacionalização da coleta dos

dados

As entrevistas aconteceram nas

dependências da própria

policlínica, nos meses de março,

abril e maio de 2006. Todos os

clientes foram entrevistados com

um prévio agendamento, de modo

que procurava marcar as

entrevistas sempre pensando em

aproveitar os momentos em que

cada cliente já se encontrava na

políclinica em virtude de algum

atendimento em saúde, para então

entrevistá-lo, posterior ou

anteriormente ao atendimento, de

acordo com a preferência deles.

No final de 2005, eu já havia

conversado com a enfermeira que é

vice-diretora da policlínica, sobre

os possíveis locais onde poderia

fazer as entrevistas na unidade.

De acordo com ela, eu poderia

usar o auditório, quando estivesse

disponível, ou então alguma sala

de atendimento médico que

69

estivesse vazia. Destaco, então,

que quando eu chegava à unidade

para realizar as entrevistas,

recebia sempre ajuda de vários

funcionários, desde o diretor da

policlínica até o pessoal que

trabalha em serviços gerais, para

encontrar um lugar onde pudesse

ter privacidade para realizar as

entrevistas. Havia uma

preocupação destas pessoas em

proporcionar silêncio nos

momentos em que as entrevistas

estivessem em curso. Esse

ambiente acolhedor ajudou muito

para um prosseguimento tranqüilo

das entrevistas.

Os entrevistados foram

pontuais com os dias e horários

estabelecidos para a entrevista, e

a maioria das pessoas aceitou a

gravação, de modo que apenas

uma depoente preferiu que seu

depoimento fosse escrito e não

gravado. Antes do início da

gravação, a maioria dos

70

entrevistados relatou a

preocupação em não querer

atrapalhar meu estudo, pois

tinham medo de responderem

errado às minhas perguntas, na

medida em que consideravam não

terem grau de escolaridade

suficiente para participar de um

estudo universitário. Nas

primeiras respostas, ficavam

ansiosos para saber se estavam

respondendo certo ou não. Então,

expliquei que meu objetivo era

ouvi-los e pedi que eles

expressassem o seu saber, a sua

opinião sobre o que lhes estivesse

sendo perguntado. Expliquei,

ainda, que não havia opinião

certa e opinião errada, mas sim

pluralidade de saberes9 e que

todos eram importantes.

O grupo conta com trinta

e cinco (35) pessoas inscritas, das

quais vinte e três (23) são

mulheres e doze (12) são homens.

A idade dos membros varia entre

71

dezessete (17) e oitenta e dois (82)

anos. A média de presença em

cada reunião é em torno de dez

(10) a vinte (20) pessoas, as quais

não são sempre as mesmas,

variando ao longo do ano.

Para efeito desta

pesquisa, foram feitas vinte (20)

entrevistas, sendo cinco (5) com

homens e quinze (15) com

mulheres. Nas reuniões, as

mulheres são mais assíduas que os

homens. Isto explica o fato de o

número de mulheres participantes

do grupo ser duas vezes maior em

relação ao número de homens.

Neste sentido, a participação

dos sujeitos, nesta

______________

9A explicação sobre a “pluralidade de

saberes” foi dada aos sujeitos em

linguagem acessível a eles.

pesquisa, também obedeceu à

relação de predominância de

mulheres, pois participaram o

triplo de mulheres em relação ao

72

número de participantes de

homens.

Portanto, não foi

possível apresentar quantidades

iguais ou aproximadas de homens

e mulheres, de modo que

possibilitasse a caracterização das

representações conforme o sexo,

discutindo à luz do conceito de

gênero.

Organização, análise e

interpretação dos dados

Os dados provenientes do

instrumento de coleta de dados

sobre o perfil sócio-demográfico

foram organizados em tabelas e

sofreram análise estatística por

freqüência simples e percentual

(APÊNDICE D). Este

investimento foi feito no sentido

de se obter a expressão

quantitativa das características

do grupo com o objetivo de

subsidiar a análise qualitativa

73

emergente dos conteúdos das

entrevistas.

Para analisar os dados

verbais foram aplicadas as

técnicas de análise de conteúdo,

do tipo temática. Bardin (2003,

p.105-106) diz que:

“Fazer uma análise temática, consiste em descobrir os „núcleos de sentido‟ que

compõem a comunicação e cuja presença, ou freqüência de aparição podem

significar alguma coisa para o objectivo analítico escolhido.(...). O tema é

geralmente utilizado como unidade de registro para estudar motivações de

opiniões, de atitudes, de valores, de crenças, de tendências, etc.”

Deste modo, os trechos

transcritos foram organizados por

temática, passando em seguida,

para o processo de categorização,

agrupando-os de acordo com a

freqüência de aparições dos temas.

Rodrigues e Leopardi (1999)

consideram a análise temática

como transversal, na medida em

que não é voltada para a dinâmica

e para a organização, mas para a

freqüência dos temas extraídos

dos discursos.

Bardin (2003) destaca os

três pólos cronológicos em que as

74

diferentes fases da análise de

conteúdo são organizadas, que

são: a pré-análise; a exploração do

material; e o tratamento dos

resultados obtidos, a inferência e

a interpretação.

Assim, ao coletar o

material, escutei e transcrevi as

entrevistas, fazendo então uma

leitura flutuante, de modo a

intercalar a escuta do material

gravado com a leitura do material

transcrito a fim de tornar a escuta

mais apurada, possibilitando,

então, que os temas fossem

aflorados de forma que os

investimentos afetivos emergissem

(SPINK, 1995a).

Portanto, diante do

objeto de estudo - as

representações sociais da

cidadania pelos usuários de um

serviço ambulatorial de saúde -

passei a separar os depoimentos,

de acordo com as unidades de

significação identificadas,

75

procurando descobrir os núcleos de

sentido que compunham a

comunicação, onde a presença ou

freqüência dos mesmos pudesse

significar algo para o objeto em

questão.

Ainda sobre o rigor da

análise, Arruda (2005, p.240)

destaca que “a interpretação não

se encerra na leitura dos próprios

dados. Ela precisa sorver o ar da

cultura, da história e da

circunstância em que eles foram

gerados”.

Sendo assim, é preciso

entender que a contextualização

não diz respeito apenas àquilo que

envolve o cenário da pesquisa de

modo imediato. Portanto, não

envolve uma única dimensão e sim

várias dimensões estruturais como

histórica, sócio-econômica,

política, cultural e outras (op.cit.).

A interpretação não se

constitui em algo fechado em si

própria, podendo se abrir a outros

76

olhares, de forma que os dados

possam ser mostrados sob uma

outra luz. Logo, um estudo

desenvolvido em um determinado

momento, pode ser modificado

daqui a algum tempo, ou também

pode ser modificado caso seja

vivenciado em um outro contexto,

por exemplo. Isto faz parte do

caráter dinâmico da interpretação,

como também faz parte do

processo de mudança, de

amadurecimento de quem pesquisa

e analisa (op.cit.).

Após os procedimentos

técnicos de análise, o material foi

organizado em três grandes linhas

que se desdobraram em categorias

e subcategorias conforme

explicitado a seguir:

1agrande linha:

DETERMINANTES DA

CIDADANIA

Dimensão valorativa;

Dimensão normativa;

77

O normativo e o valorativo implicados na construção das tipologias dos cidadãos.

2agrande linha: ORIGEM DA CIDADANIA

Intrínseca (dimensão valorativa);

Extrínseca (dimensão valorativa ou normativa).

3agrande linha: RELAÇÃO ENTRE CIDADANIA E SAÚDE

A expressão da cidadania na saúde:

- Saúde como bem-estar físico que se expressa na atividade do corpo

(dimensão valorativa-afetiva);

- Saúde como direito de todos, privilégio de alguns e dever do Estado

(dimensão normativa);

- Saúde como um serviço médico (dimensão normativa).

A expressão da cidadania no atendimento dos serviços de saúde:

- Interação entre usuários e profissionais de saúde (dimensão valorativa-

afetiva);

- Atendimento dos serviços de saúde como direito/dever (dimensão normativa).

A fim de melhor conduzir a organização das categorias, a interpretação e discussão

dos resultados, foram elaborados quadros (A, B e C) com o mapeamento temático dos

conteúdos por sujeito (APÊNDICE E).

78

79

Capítulo III

Caracterização dos sujeitos

80

Descrição do perfil dos sujeitos

Os sujeitos do estudo foram

vinte (20), sendo cinco (5) homens e

quinze (15) mulheres. Apresentaram

idade variável entre vinte e quatro

(24) e oitenta e dois (82) anos para

as mulheres, com predominância da

faixa etária de sessenta (60) a

setenta (70) anos. Os homens

apresentaram idade variável entre

cinqüenta e seis (56) e setenta e sete

anos (77), com predominância de

setenta (70) a oitenta (80) anos

(APÊNDICE D, tabela1).

81

A predominância do número

de mulheres - na faixa de 60 a 70

anos - neste estudo merece algumas

considerações. Em sua tese de

doutorado, Sá (2004) identificou que

o número de mulheres idosas que

procuram por um atendimento em

saúde é maior do que o de homens e

que as mulheres idosas procuram

programas em saúde direcionados

para faixa da terceira idade mais

cedo do que os homens, pois

objetivam melhorar a própria

qualidade de vida.

Ao longo da história, a

mulher foi educada para cuidar de

outros na esfera familiar. E isto não

se deu por acaso, mas em resposta ao

movimento de urbanização e

industrialização, que levou a

moradia familiar a deixar de ser um

lugar de geração de renda, tornando-

se um local de domicílio e consumo.

Sendo assim, o trabalho doméstico

realizado pela mulher não é

considerado como ocupação

82

econômica, e sim apenas uma

atividade privada. Tal atividade

passa a ser entendida como uma

vocação natural do sexo feminino,

que é ser mãe e esposa (MORAES,

2003). Portanto, mantenedora da

ordem do lar e cuidadora da família,

a ela cabe, então, desenvolver com

mais propriedade este “modo de ser”

cuidadora, e isto se reflete na sua

participação nos serviços de saúde.

Debret apud Sá (op.cit, p.

97) afirma que “no Brasil, os

programas para idosos têm

mobilizado sobretudo as mulheres,

tendo a participação masculina

dificilmente ultrapassado os 10%”.

Neste momento, vale

acrescentar que de acordo com o

censo 2000 ( IBGE, 2002):

“em 1991, as mulheres correspondiam a 54% da população de idosos, passando

para 55,1% em 2000 (...). Tal diferença é explicada pelos diferenciais de

expectativa de vida entre os sexos, fenômeno mundial, mas que é bastante

intenso no Brasil, haja vista que, em média, as mulheres vivem oito anos mais

que os homens”

Deste modo, abordar questões

de gênero envolve compreender

83

que tal conceito tem a ver com a

“cultura social de papéis sexuais

estabelecidos pela sociedade”

(PADILHA; VAGHETTI;

BRODERSEN, 2006, p.293).

Sendo assim, gênero não

representa algo fixo, imutável e

sim, capaz de se transformar,

conforme as modificações pelas

quais passam as relações sociais.

A predominância da

terceira idade neste grupo, exige

que se teça alguns comentários.

Estes clientes são integrantes de

um grupo de educação em saúde,

que ocorre às quartas-feiras, às

nove horas, quinzenalmente, com

duração de uma hora e meia, no

auditório da referida policlínica.

Penso que o horário em

que se dá a reunião não favoreça a

maioria das pessoas que

trabalham, possibilitando maior

freqüência das pessoas que não

estão trabalhando, como é o caso

das pessoas aposentadas ou das

84

que recebem algum tipo de amparo

assistencial pela previdência

social ou daquelas que trabalham

em horários vespertino ou noturno

ou que trabalham por conta

própria e, portanto, podem dispor

melhor da sua carga horária.

No que diz respeito à

situação que gera fonte de renda

dos entrevistados, pode-se dizer

que quatro (4) homens estão

aposentados por tempo de serviço

e um (1) faz parte do mercado de

trabalho informal. Este não é

considerado como autônomo,

porque mesmo exercendo atividade

profissional por conta própria,

sem vínculo empregatício, ele não

é cadastrado pelo órgão

representativo da sua classe de

trabalho e não paga ao Instituto

Nacional de Previdência Social

(INPS). Portanto, classifica-se

como trabalhador informal o qual

presta serviços sem documentação

85

ou qualquer tipo de registro

(BRASIL, 2006a).

Das mulheres, cinco (5)

recebem pensão proveniente do

marido já falecido; duas (2) estão

aposentadas por tempo de serviço;

uma (1) aposentada por idade –

aposentadoria concedida às

mulheres com mais de 60 anos e

homens com mais de 65 anos, após

terem contribuído para a

Previdência Social com um

determinado número de

contribuições; uma (1) recebe o

chamado amparo assistencial ao

idoso - benefício concedido a quem

tem mais de 65 anos e uma renda

mensal per capita inferior a um

quarto do salário mínimo e não

teve condições de contribuir para

a Previdência Social (BRASIL,

2006a); uma (1) é dona-de-casa;

três (3) são trabalhadoras

autônomas e duas (2) com vínculo

empregatício – trabalho em

serviços gerais e como empregada

86

doméstica (APÊNDICE D,

tabela 5).

Sobre o valor da renda

mensal, os entrevistados, de uma

maneira geral, preferiram falar

sobre a renda própria e não sobre

a renda familiar, pois alegaram

não saberem o salário dos

familiares com quem moram.

Portanto, dos cinco (5) homens

entrevistados: três (3) recebem até

dois salários mínimos; dois (2)

recebem de cinco a sete salários

mínimos. Das mulheres, dez (10)

recebem de um a dois salários e

meio; três (3) recebem de três a

quatro salários mínimos, uma (1)

recebe dez salários mínimos e

apenas uma (1) relatou não

possuir renda própria vivendo da

renda da família com quem mora,

estimada em torno de dez salários

mínimos (APÊNDICE D, tabela

6).

No que tange ao estado

civil, três (3) homens são casados,

87

dois (2) são divorciados. Três (3)

mulheres são casadas, cinco (5)

solteiras, cinco (5) viúvas e duas

(2) divorciadas (APÊNDICE D,

tabela 2).

Acerca do grau de

instrução dos entrevistados, três

(3) homens apresentam o ensino

fundamental incompleto, pois

estudaram somente até a quarta

série; e dois (2) apresentam curso

universitário incompleto. Uma (1)

mulher não tem escolaridade –

informou não saber ler nem

escrever; sete (7) mulheres

cursaram até a quarta série do

ensino fundamental; duas (2) têm

o ensino fundamental completo;

três (3), o ensino médio; e duas

(2), o curso universitário completo

- psicologia e pedagogia

(APÊNDICE D, tabela 3).

Abordando a questão da

religião, dois (2) homens são

católicos praticantes - o que

significa freqüentar a missa uma

88

vez por semana, geralmente aos

domingos; um (1) é evangélico;

um (1) faz parte dos Mórmons; e

um (1) refere não ter religião, mas

diz ser místico e ter fé em Deus.

Dentre as mulheres, uma (1) é

católica praticante; oito (8) são

católicas não-praticantes -

freqüentam pouco ou raramente a

missa aos domingos; duas (2)

evangélicas, uma (1) é testemunha

de Jeová; uma (1) é kardecista; e

duas (2) referem não ter religião,

mas têm fé em Deus

(APÊNDICE D, tabela 4).

Sobre a participação em

organizações associativas e/ou

religiosas, apenas dois (2) homens

e duas (2) mulheres informaram

participar de organizações

religiosas - evangélica, mórmons,

testemunha de Jeová e kardecista

- as quais possuem objetivos

voltados para ajudar as pessoas

com muitas dificuldades sócio-

econômicas. Nenhum

89

entrevistado participa de

sindicato, de partido político ou

de algum outro tipo de associação

que não fosse religiosa

(APÊNDICE D, tabela 7).

Acerca do local de

moradia, todos os entrevistados

disseram morar em local com

saneamento básico. Dentre estes,

um homem e uma mulher

relataram morar em favelas, as

quais, para eles, apresentam

condições habitacionais

satisfatórias.

90

Capítulo IV

Determinantes e origem da cidadania

91

92

Apresentação e análise dos

depoimentos

Para que se possa melhor

conduzir a análise dos depoimentos,

faz-se importante destacar que a

primeira pergunta feita aos

depoentes partia do substantivo

“cidadania” com o intuito de que os

sujeitos falassem livremente sobre

este “objeto”. No entanto, a maioria

dos sujeitos (15) desenvolveu o

pensamento dissertando sobre a

qualificação da pessoa como cidadã.

Isto pode ser devido ao fato de que a

palavra “cidadania” remeta a algo

abstrato que se concretiza no

exercício da vida cotidiana,

objetivando-se na vivência do

sujeito.

Os sujeitos foram

construindo o pensamento, partindo

das suas experiências prévias e, neste

percurso, levantaram os atributos de

um cidadão que, em linhas gerais,

configuraram-se como determinantes

da cidadania. Identifica-se, nos

93

depoimentos, que a construção da

representação dos sujeitos sobre a

cidadania passa por um julgamento

moral sobre a pessoa cidadã. Tal

julgamento pode ser entendido numa

perspectiva valorativa e/ou

normativa, chamada por Bobbio

(2002) de ética das virtudes e éticas

das regras, respectivamente. Ou seja,

na representação dos sujeitos, para

ser considerado “cidadão” é preciso

preencher determinados requisitos de

cunho valorativo e/ou normativo.

As representações dos

sujeitos foram organizadas em duas

grandes linhas que agruparam por

um lado, os determinantes da

cidadania, e por outro, explicaram a

sua origem.

No que tange aos

determinantes da cidadania, a

análise dos depoimentos levou,

então, à identificação das referidas

dimensões: valorativa e normativa.

É importante dizer que na

construção da idéia sobre cidadania,

94

todos os sujeitos (20) marcaram suas

falas com a dimensão valorativa,

pois seis (6) sujeitos trouxeram

somente a marca da ética das

virtudes e os quatorze restantes (14),

a marca da dimensão normativa, – a

ética das regras -, que apareceu

sempre em co-ocorrência com a ética

das virtudes.

Neste sentido, de acordo

com o que pensam os sujeitos desta

pesquisa, o exercício da

cidadania passa, obrigatoriamente,

pela dimensão valorativa, o que nos

faz levantar a hipótese de que esta é

uma marca importante da cidadania

e do que é ser cidadão.

No que se refere à origem da

cidadania, esta pode ser inerente à

pessoa, ou “algo” a ser conquistado

ou recebido “de fora”. Dezesseis (16)

sujeitos veicularam a idéia de que a

cidadania vem “de fora”, ou seja, é

extrínseca ao sujeito; três (3) sujeitos

comunicaram que esta vem de

dentro, sendo intrínseca a eles, e um

95

(1) sujeito informou não saber

responder. Vale ressaltar que nesta

categoria não houve co-ocorrência

dos temas, ou seja, cada “fonte” –

extrínseca ou intrínseca – apareceu

sozinha nos depoimentos dos

sujeitos.

DETERMINANTES DA

CIDADANIA

As implicações do julgamento

moral na formação da representação

social sobre o que é ser cidadão.

Dimensão valorativa – “As

marcas da dimensão valorativa

na construção da idéia de

cidadania”.

Na dimensão valorativa,

o sujeito é entendido como

cidadão na medida em que ele

apresenta atributos como

solidariedade, responsabilidade,

bondade, amizade, honestidade e

respeito ao se relacionar com o

outro. Todos os sujeitos

trouxeram a dimensão valorativa

96

na construção da idéia de

cidadania.

Os entrevistados falaram

muito em solidariedade, isto é, em

ajudar uns aos outros. Habermas

apud Oliveira; Oliveira (1996, p.

117) diz que a solidariedade

"postula empatia e benevolência

para o bem-estar do próximo

(Solidariedade se refere ao bem-

estar dos membros de uma

comunidade que compartilham

intersubjetivamente o mesmo

mundo vivido)". Sendo assim, a

dimensão valorativa equivale a

propriedades (atributos)

individuais que se manifestam

nas relações interpessoais.

Penso que as dificuldades

sociais que o Brasil, de um modo

geral, vem atravessando, acaba

propiciando que as pessoas sintam

a necessidade de se ajudarem

reciprocamente. Além disso, o país

vivencia também o que se pode

chamar de uma crise moral,

97

cotidianamente veiculada nos

meios de comunicação. De acordo

com uma pesquisa do Centro de

Pesquisa e Documentação de

História Contemporânea do

Brasil (CPDOC) da Fundação

Getúlio Vargas (FGV), no Rio de

Janeiro, para 79% dos brasileiros

a corrupção é a marca registrada

do serviço público (HELENA E

GRIPP, 2005).

Helena e Gripp (op.cit.)

referem um estudo desenvolvido

pela Pesb (Pesquisa Social

Brasileira) sobre o que pensa o

brasileiro acerca da cidadania,

participação e instituições

políticas. Este estudo revelou que

os entrevistados consideraram

como fundamental ajudar pessoas

em situação pior do que a sua

(dimensão valorativa), assim

como obedecer às leis (dimensão

normativa) (op.cit.).

Os dados da pesquisa ora

realizada reiteram este resultado,

98

pois ao falarem sobre a cidadania,

os sujeitos desta pesquisa

empregaram palavras que

remetem à dimensão valorativa

da cidadania. A seguir, as falas

de depoentes que expressam a

dimensão valorativa na

construção da idéia do que é

cidadania:

Cidadania é a respeito da amizade,

eu suponho isso, do conhecimento

das pessoas, é a ligação reforçada

que leva à amizade; bem, eu suponho

que seja assim. (...) cidadania tem a

ver com a amizade, o

companheirismo, da maneira que a

pessoa conversa [olha para o chão

com expressão pensativa](...).O

exercício da cidadania é lidar com as

pessoas, umas com as outras, mas

sempre com aquela seriedade (...)

tratar o outro com respeito e não

apenas querer ser tratado. (Patricio)

(...) cidadão, acho que tem que cooperar com o outro, ajudar, né? Eu acho que é por aí, né?

Cidadania é isso, é cooperação.. é por exemplo, um grupo assim, que se junta; cidadão, cidadania é

o todo, né? [risos](...) Eu acho que tem que ter um bom caráter, uma pessoa boa, né, boa índole,

pessoa que saiba ajudar os outros, né? (Neuza)

(...) como ser honesto é um ato de cidadania.(...) é ser educado, de um modo geral com as pessoas

com quem vive, isso é que é importante. Ajudar o próximo, né? Se você pode ajudar, por que não?

(...) tem que ser uma pessoa correta, de integridade moral. (Marta)

99

Olha, eu acho que cidadania é a pessoa ter respeito pelas pessoas idosas; é você chegar num lugar e

a pessoa te dar atenção, você procurou um hospital e a enfermeira te tratar com carinho, com

delicadeza, com amor, entendeu?(...). (Maria)

Ser cidadão é um homem, é uma pessoa, né?.. É íntegro, né? (...) Ser honesto...(...) Saio com a

cabeça erguida em qualquer parte, entro no comércio pra fazer uma compra com aquele orgulho, eu

sou um cidadão! (...) minhas mãos são limpas, meu pensamento maravilhoso, pensa bem, não é de

prejudicar o próximo, é amar todos igual, não é isso? Isso que eu acho, eu acho não, isso que é uma

cidadania. É uma pessoa fazer bem ao outro, atender bem as pessoas, né? Ser humilde, né? Não ter

preconceito.(..) as características... do homem, ele tem que provar, em primeiro lugar.. que ele é um

homem digno (...). (João)

É ser sério, ser honesto com o próximo, com a outra pessoa (...). (D. Maria B.)

(...) poder ajudar as pessoas no que for possível, né? (Zizi)

[Fica em silêncio com o braço direito apoiado na mesa segurando o queixo]. É a pessoa que vive na

sociedade, que faz alguma coisa pra ajudar, isso que eu acho que é ser cidadão, pra ajudar o

próximo. (Matilde)

Pra mim ser cidadã é.. deixa eu ver, eu acho que é ser uma pessoa boa (...) é uma pessoa que não

faz maldade, que só faz as coisas por..., que pensa no próximo, não pensa só em você, que gosta de

ajudar os outros (..) ser honesto, é trabalhador (...). (Neide)

Nesta concepção valorativa, observa-se que os sujeitos falam sempre do ponto de

vista afetivo – “ser cidadão é ajudar o próximo”, “ser uma pessoa boa” - de modo que se

pode dizer que a dimensão valorativa é também afetiva.

Penso em comentar tal concepção levantando a idéia de que os depoentes estejam

voltados para o “mundo da pessoa” – que corresponde aos sentimentos, à relação baseada na

afeição, em detrimento do “mundo do indivíduo” – que corresponde ao mundo das leis, da

relação impessoal, de acordo com DaMatta apud Souza (2001). Assim, o cidadão é aquele

que mantém relações baseadas no afeto para poder garantir sua forma de estar e lidar bem

com o mundo no dia-a-dia.

Desta forma, remeto tais considerações à Holanda (1995) quando fala do “homem

cordial” que se porta com o outro de forma pessoal e íntima, de modo que tal cordialidade

representa um traço definido do caráter brasileiro.

100

Por outro lado, o fato da visão valorativa, que é afetiva, emergir com muita força

nesta pesquisa, possibilita que se levante a hipótese de que esta marca nos depoimentos pode

ser um aspecto de ancoragem relacionado ao ideário cristão que marca a religiosidade

majoritária dos sujeitos. Outra questão que pode ser levantada está relacionada à faixa etária

dos sujeitos, que é bem específica – os idosos.

Sá (2004), ao estudar a representação social da velhice pelos idosos, aponta que

palavras como carinho, ajuda e atenção, por exemplo, marcam significativamente os

depoimentos dos sujeitos, e implicam na valoração que os idosos dão à relação com o outro,

fazendo emergir o cunho afetivo nas suas representações.

O medo de serem excluídos, o qual se sobrepõe a qualquer outro tipo de medo, como

o da morte, por exemplo, faz com que as relações interpessoais sejam muito importantes

nesta faixa etária. (CAPITANINI apud SÁ, op.cit.). Este medo da exclusão pode ter como

explicação o fato de vivermos em uma sociedade de consumo que valoriza a juventude em

detrimento da velhice, que passa, então, a ser discriminada e excluída, na medida em que não

atende aos padrões de beleza culturalmente impostos, assim como também, não é produtiva

no setor econômico (ASSIS, 1998).

Sem contar que há também o medo de se ficar sozinho nesta faixa etária, pois o idoso

acaba lidando com a independência dos filhos – saída do lar, a falta do contato social no

trabalho que não tem mais, a viuvez, enfim condições que trazem para eles a proximidade da

solidão.

Por falar em solidão, retorno a Holanda (1995, p.147), quando fala que “ „no homem

cordial‟, a vida em sociedade é, de certo modo, uma verdadeira libertação do pavor que ele

sente em viver consigo mesmo”. Portanto, este homem que tem o afeto como mediador de

suas relações, simultaneamente, expressa medo da solidão. Nesta obra de Holanda (op.cit.),

não há referência de qual grupo social este homem pertence.

101

É preciso, então, atentar que questões referentes à afetividade fazem parte da

condição humana, podendo se manifestar em qualquer faixa etária.

Deste modo, foi feito um investimento na busca bibliográfica no sentido de melhor

situar esta questão a fim de confirmar a hipótese levantada em relação ao perfil geracional

dos sujeitos. Entretanto, não foi possível encontrar elementos que possam garantir a

afirmação de que a presença forte da dimensão afetiva seja de fato uma marca desta geração

- dos idosos.

Nesse sentido, seria interessante que um estudo semelhante a esse fosse feito com

uma geração mais jovem para que se pudesse, a partir da comparação interna dos resultados,

confirmar ou refutar a hipótese que ora está sendo levantada.

Ainda na perspectiva da ajuda ao próximo, que marcou os depoimentos dos sujeitos,

destaca-se como exemplo de objetivação, quando uma (1) depoente explica o que é

cidadania, personificando-a, lidando com ela como algo tangível:

(...) minha filha, ela fez um curso de cabeleireiro, e de vez em quando a cidadania chama ela pra ir

nos lugares, ajudar as pessoas do morro. (Miriam)

Neste caso, a depoente referiu-se a um projeto social que é propagado pela mídia, o

qual proporciona atividades que são consideradas como representativas da promoção da

cidadania, com oferta de serviços como corte de cabelo, por exemplo.

Ao falar da cidadania e de quem seria cidadão - a pessoa que é honesta, trabalhadora,

solidária -, os sujeitos fizeram um contraponto com a situação do país, no sentido de

demonstrarem indignação com a corrupção no Brasil envolvendo os dirigentes políticos,

como dizem as entrevistadas:

(...) antes as pessoas lutavam pelos seus direitos, porque as pessoas podiam confiar nos seus líderes;

hoje em dia, você não pode confiar em seus líderes, você pode confiar? Que líderes? São ladrões e

102

corruptos que tão aí, né?(...) eu fico decepcionada de ser brasileira, porque existe desorganização

em todos os países, mas aqui no Brasil é demais [fala enfatizando as sílabas], no Brasil é demais, e

pior de tudo, as pessoas não lutam pelos seus direitos, é o pior de tudo, que antes da revolução [64],

as pessoas lutavam, agora de lá pra cá [mexe com a cabeça expressando negação]. (Zizi)

(...)Isso aí é um desrespeito ao cidadão, mora num lugar que passa um esgoto, que passam coisas,

quer dizer ninguém merece, não é? Pode ser pobre, pode ser tudo, mas pode ter uma vida digna, não

é? Agora, culpado disso também é os governantes que fica aí roubando, que às vezes, vou te ser

sincera[risos], roubar eles roubam mesmo, todo mundo sabe, né? Pessoal toda hora tá falando na

televisão, é por isso que fica desse jeito, entendeu, os caras roubam mesmo, escandalosamente e

você vai lá, onde o cara prometeu isso, prometeu aquilo e não faz nada (...). (Maria)

Tal situação causa decepção em quem deseja um país melhor, levando-os a

considerar o Brasil como o pior lugar que existe no mundo, diante da falta de perspectiva de

um futuro promissor. A fala a seguir enfatiza como o contexto brasileiro é entendido por uma

depoente:

(...) no Brasil basta ter cachaça, futebol, mulher e carnaval, e o pessoal tá satisfeito; ninguém

nunca tem os seus direitos, e o governo já sabendo disso, o que que ele faz? Ele bota futebol, bota

isso e aquilo e o Brasil cada vez mais tá se afundando. E no Brasil, hoje em dia, só vence quem é

traficante, quem é pastor evangélico, quem é jogador de futebol, porque no fundo, você trabalha,

você trabalha, você trabalha e você não consegue nada, você fica nessa, vai morrer pastando

(...).(Zizi)

Desta forma, é como se o governo aproveitasse o quadro de alienação, e ainda

oferecesse mais condições para manter este quadro vigente. Assim, isso pode ser entendido

como uma forma de controle a fim de evitar possíveis reivindicações.

Dimensão normativa - “As

marcas da dimensão normativa

na construção da idéia de

cidadania”.

Na dimensão normativa há o

enfoque dos direitos e deveres, das

103

normas estabelecidas e

compartilhadas pela sociedade

vigente a fim de favorecer a

justiça aos membros que dela

fazem parte. Habermas apud

Oliveira; Oliveira (1996, p. 117)

afirma que “a justiça enquanto

princípio moral „postula

igualdade de respeito e de direitos

para o indivíduo‟ („no sentido

moderno se refere à liberdade

subjetiva da individualidade

inalienável‟)”.

(...) Aonde essa pessoa for, qualquer coisa que a pessoa fizer é saber entrar e saber sair [fica em

silêncio]. (...) Comprar, saber pagar [fica em silêncio]. (...) Cidadã é andar direito com a sociedade

(...) não dever; comprar, pagar direito, saber fazer as coisas, corrigir o erro que fizer. (D. Maria)

Cidadania pra mim é o ato de poder ir e vir (...) poder falar o que eu acho e o que eu não acho (...) é

um direito como pegar o ônibus ali na esquina e o motorista ser educado, parar porque é uma lei

[passe livre para os idosos] e eu acho que a gente tem que utilizar a lei (...) poder ter o meu salário,

ter a minha pensão, poder ter as minhas coisas em casa sem muito tendo que desejar, né? Quer

dizer o extremamente necessário para sobrevivência, poder ter meu leite, um pão, o meu alimento,

né? (...) é ter o mínimo necessário pra sobreviver com dignidade, né? (...) ser cidadão, também é

cumprir com os deveres de cidadão, votar, declarar imposto de renda, né? (...). (Marta)

(...) as pessoas que se considerem cidadão, pagando tudo direitinho conforme manda a lei, né?(...)

pagando as suas contas, não deve a ninguém (...). (Maria)

Cidadania é um direito inalienável da pessoa (...) sabendo os direitos e os deveres, entendeu? Pra

chegar a uma conclusão do que realmente se trata a cidadania; é um direito que deve ser preservado

(...). (Edson)

Eu tenho direito, meus documentos são limpos (...). (João)

104

(...) cumpridor dos seus deveres, que tem seus documentos em dia (...). (D. Maria B.)

É participar, procurar seus direitos, né? Lutar pelos seus ideais (...). (Zizi)

É tudo que se refere ao cidadão (...) é o cidadão, que faz parte da cidadania, da cidade, daquele povo

(...) uma pessoa que ela age de acordo com as normas da cidadania (...) age de forma responsável

(...). (Glória)

Os trechos destas falas ilustram a dimensão normativa; porém, seu aparecimento

nesta pesquisa sempre se deu em co-ocorrência com a dimensão valorativa. Isto pode ser

entendido pela noção da reciprocidade desenvolvida por Mauss apud Oliveira; Oliveira

(1996) para compreender o direito e a moral, na medida em que o equacionamento da moral

envolve simultaneamente direitos e valores (op.cit.), isto é, dimensões normativa e

valorativa, respectivamente, da eticidade.

É nessa perspectiva que Mauss (apud op.cit., p.153) tece o comentário: "A sociedade

quer reencontrar a célula social. Ela investiga, ela cerca o indivíduo de um curioso estado de

espírito em que se mesclam o sentimento dos direitos que ele tem e outros sentimentos mais

puros: caridade, serviço social, solidariedade".

Ter seus direitos, fazer seus deveres e viver em harmonia com a família.(...) é a pessoa honesta,

cumpridora dos seus deveres normalmente, viver como se diz, em paz com a sua família (...)

respeitar o próximo, saber que os outros têm os mesmos direitos que todo mundo, respeitar o direito

alheio, né? (...).(Oti)

Ter o direito reconhecido numa relação interpessoal implica em um reconhecimento

mútuo entre os membros, de que são dignos de parceria. Sem este valor - dignidade - haveria

uma deficiência de sentido e uma perda de inteligibilidade dos direitos (op. cit.). A idéia de

dignidade está ligada aos ideais de igualdade das democracias modernas, podendo ser

compartilhada por todos (TAYLOR apud op.cit.).

Ressalto nestes depoimentos a presença dos deveres e não apenas a dos direitos.

Concordo com Gauderer (1995) quando afirma que direitos e deveres fazem parte da mesma

105

moeda e que é necessário haver um meio-termo entre estes. No entanto, penso que tal

aparecimento dos deveres possa ser explicado porque está muito mais marcado no ser

humano, ao longo da história, do que os direitos, na medida em que a maioria das pessoas só

tinha deveres, conforme comenta Mondaini (2003). A prioridade dos direitos só começou a

existir a partir da Idade Moderna (BOBBIO, 1992), podendo ser considerada, então, como

recente quando comparada aos deveres.

O normativo e o valorativo implicado na construção das tipologias dos cidadãos

Esta subcategoria surgiu a partir dos depoimentos dos entrevistados que levantaram

diferentes tipologias de cidadãos ocasionadas pelas diferenças raciais e/ou sócio-econômicas,

ou por comportamentos de cunho valorativo ou normativo, marginalizados pela sociedade.

Tais diferenças são fortalecidas, muitas vezes, pelo preconceito e desmoronam a

legitimidade da igualdade perante a lei. Trago, portanto, a questão de Bobbio (2002, p.18):

"Se todos são iguais por que diferenciá-los? Se todos são diversos por que igualá-los?”

Bobbio (op. cit.) prossegue comentando que em uma civilização democrática, estas

duas questões precisam ser respondidas em harmonia, na medida em que cada uma tem uma

dose de razão, pois os homens são iguais e ao mesmo tempo, diversos. Como exemplo, cada

um tem direito à diversidade religiosa, isto é, direito de escolher sua própria religião, e ao

mesmo tempo, diante de tal diversidade, co-existe a igualdade de cada pessoa frente aos

direitos do homem.

Sendo assim, cada pessoa cria seu próprio estilo de vida, tem um modo de viver

singular, apesar de todos os indivíduos terem os mesmos direitos previstos pelas leis. Nessa

perspectiva, os relatos a seguir evidenciam que todo mundo é cidadão:

106

Pra mim, todo mundo é cidadão.Todo mundo é um ser humano e o ser humano é um cidadão (...).

Há diferença da pessoa, da maneira que ela foi criada, tem a parte genética também (...) porque

você tem uma idéia e eu tenho outra (...). (Patrício)

(...) Todos são cidadãos, mas tem sempre uma diferença. (...) nem na nossa casa, nós não somos

iguais, cada um é: filho, é mãe, é pai... É completamente diferente e olha que é difícil ser igual,

igual, né? Tem sempre uma diferença. (Neuza)

(...) nenhum cidadão é igual, ele tem os mesmos direitos, tá, mas ele tem pensamento diferente. Eu,

pelo menos, penso assim, ele tem as suas opiniões, cabe a mim aceitar ou não, e não contrariar, é a

opinião daquela pessoa, eu tenho que aceitar, posso discordar, posso até comentar e discordar, mas

nunca fazer com que a pessoa mude a sua opinião. (Marizete)

Eu acho que todo mundo é… É cidadão, dentro da medida do possível, embora com várias falhas,

né, você vê aí pessoas que é cumpridora dos seus deveres, procurando um ajudar os outros, eu acho

que um ajudando o outro o que tá acontecendo agora no momento; o governo não faz nada, só faz

tirar o nosso sangue (...). (Alfredo)

(...) Não vejo esse lado de que pra ser cidadão tem que ser honesto, tem que ser sincero, tem que ser

o homem perfeito, não, não tem isso não. Acho que cidadão é a pessoa com todos os predicativos e

também com todos os defeitos, também. Ele, de qualquer maneira, ele nunca vai deixar de ser

cidadão. (Glória)

Por outro lado, mesmo todos sendo cidadãos, pode-se dizer que há diferentes tipos de

cidadãos, conforme fala a depoente:

(...) porque todo mundo tá aqui, somos cidadãos, agora eu não sei o tipo de cidadão, mas tem que

ser considerado cidadão, eu acho, qualquer ser humano... Tem que ser respeitado, e todos os direitos

dele, tudo que lhe é de direito, entendeu?(Carminha)

Isso se deve porque no cotidiano das relações sociais, o exercício da cidadania não se

manifesta de forma igual para todos, sendo determinante certas condições que favoreçam

uma maior ou menor efetividade deste exercício – como se algumas pessoas tivessem mais

ou menos direito. Isso gera a classificação de mais cidadão / menos cidadão ou até mesmo, a

de não-cidadão – esta última refere-se a uma exclusão feita pelos depoentes quando há um

desfalecimento das virtudes e/ou um descumprimento das normas impostas pela sociedade.

107

No entanto, percebe-se que tal classificação não é rigorosamente estabelecida pelos

sujeitos desta pesquisa, pois alguns depoimentos estiveram presentes em mais de uma

tipologia de cidadão, conforme será possível identificar daqui por diante.

- Mais cidadãos / menos cidadãos

Nesta classificação há uma gradação qualitativa ocasionada pelas marcas sócio-

econômicas e culturais do sujeito.

(...) Uma periferia dessa aí [Brasil], você vê que tem muita gente aquém do cidadão. Ele não tem

nada, nem direito a uma cidadania. Por que ele vai pedir pra quem? O problema pra mim, tá no

social, como a gente diz, no social, porque tem gente que não tem nada, não tem nem o que comer;

então estes estão aquém do cidadão. (Marta)

(...) os direitos que todo o cidadão tem, colocados na Constituição, pra nós idosos, no Estatuto dos

Idosos, acho que é isso, direito a se expressar, fazer tudo que tá lá escrito: ir e vir, ter saúde, ter

moradia, todas essas coisas (...). Então, há uma diferença [entre um cidadão e outro], se você tem

dinheiro, você compra guarda [polícia], você compra isso, compra aquilo; há diferença sim..

(Nely)

Considera-se menos cidadão aquele que é rebaixado pela sociedade, tendo em vista as

condições sócio-econômicas, raciais ou de gênero que levam à marginalização; e mais

cidadão aquele que é supervalorizado diante das condições citadas.

O depoimento a seguir evidencia que nesta perspectiva o importante é “o ter” e não

“o ser”, pois as pessoas em nossa sociedade são reconhecidas por aquilo que possuem – bens

materiais - e não por aquilo que são – valores pessoais:

O cidadão tem que ter aquelas características, entendeu? Que seja sempre aquela afirmação, não

muda a mentalidade e, ao mesmo tempo, às vezes, por questão de modismo, muda o conceito quando

é pessoal, ele,, ás vezes, ele tem o sapato mais escuro do que o outro, e acha quanto àquilo que

torna-se cidadão, entendeu? É uma questão de sustentar, criar... É querer se afirmar como cidadão.

A maioria da sociedade, infelizmente, escolheram esta tese, de que tem que ter e não ser. (Edson)

Torna-se interessante comentar que na Idade Moderna, a cidadania apresentava um

caráter excludente, na medida em que os cidadãos eram diferenciados em cidadãos com

108

posses e sem posses (MONDAINI, 2003). Neste caso, vigora o pensamento do “ter” em

detrimento do “ser”.

O depoimento abaixo também ilustra tal pensamento:

As pessoas que têm mais dinheiro, mais condições sociais, a questão da cor, né? Essas pessoas têm

mais direitos, né? Uns são mais que outros... acho que isso faz parte do sistema (...). É porque abre

as portas, por exemplo, um jogador de futebol, né? Ele pode... É... Existe discriminação, mas se ele é

preto e ele tem dinheiro, todo mundo atende ele, né? Ele entra em qualquer lugar. E se ele não tem

dinheiro, já não acontece isso, né?Eu acho assim. (Naná)

Neste contexto pode-se comentar a questão do preconceito trazida pelos sujeitos desta

pesquisa. Bobbio (2002, p.103) afirma que o preconceito "pertence à esfera do não racional,

ao conjunto das crenças que não nascem do raciocínio e escapam de qualquer refutação

fundada num raciocínio". Pode-se dizer que o preconceito acaba por favorecer conflitos entre

as classes sociais desiguais. Para o autor (op.cit), a conseqüência principal do preconceito é a

discriminação; e a segunda conseqüência é a marginalização social.

(...) o nosso país, ele... Brasil é um país, como se diz... Com vários costumes (...) existe preconceito

racial, preconceito econômico (...). ( Marizete)

Vamos dizer, um preconceito racial, às vezes, certas pessoas, tanto faz o branco com negro, o negro

para o branco, entendeu? A pessoa olha ele como outro tipo de cidadão, infelizmente. (...) pode ser

racial (...) pode ser por questão de posição sócio-econômica, a pessoa, às vezes, quer criar uma

casta. (Edson)

O depoimento de Carminha, transcrito a seguir, mostra que a aparência que uma

pessoa apresenta ao estar bem vestida, faz deduzir que esta tem uma condição sócio-

econômica melhor, o que vai de certo modo dirigir o pensamento do outro, no sentido do

reconhecimento de sua cidadania.

(...) Eu tiro por exemplo, eu gosto de me arrumar... Assim, não sou rica, não tenho dinheiro, sou

uma assalariada, mas eu gosto, é o meu jeito, me arrumo (...). Você chega num hospital público,

vamos falar assim, cheguei com a minha filha, eu tava arrumada e tava em greve, mas eu fui

atendida; mas se fosse um outro pobre qualquer não ía ser atendido; eu não aceito este tipo de

109

coisa, somos todos cidadãos (...) você tá bem arrumada, tá com uma aparência de doutora, eu não

sou doutora, eu sou uma... Eu não tenho nem graus de instrução, eu tenho o primário, muito mal

[risos]. Mas é isso que vale [aponta para si, mostrando que estar arrumada é o que vale](...) Eu acho

que todos têm que ser iguais, mas aqui [Brasil] existe uma diferença muito grande (...). (Carminha)

Diante deste reconhecimento, destaco DaMatta que se refere ao termo supercidadão

frente às relações pessoais que têm mais peso que as leis, e que através da amizade e da

familiaridade pode-se conseguir transformar o que antes seriam direitos em privilégios no

cenário brasileiro (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 1996).

De certo modo, o fato de estar bem vestida constituiu-se em um “passaporte” para

conseguir algo que é um direito, mas que se transfigurou em um privilégio.

Neste contexto da construção das desigualdades, a depoente a seguir comunica que a

expressão da solidariedade também obedece a uma certa “classificação” das pessoas, pois

quem tem alto poder aquisitivo não precisaria de solidariedade. Neste sentido, é como se a

solidariedade ganhasse uma conotação de ajuda aos mais necessitados e não de um sentido

moral de ajuda a outro ser humano, pela própria condição de sê-lo.

(...) eu acho o Brasil é o pior de todos, eu não sei, pra mim, eu só conheço isso aqui [risos], não sei,

mas eu acho uma desigualdade muito grande pra tudo e é difícil você estender a mão (...). Pra esse

entendeu?[faz uma expressão com a mão que indica a pessoa que tem dinheiro, tem alto poder

aquisitivo]. Para muitos têm, mas pra outros, é muito difícil um atendimento [de saúde]. (Carminha)

Assim, a idéia veiculada é a de que as pessoas que possuem alto poder aquisitivo têm

acesso mais fácil aos serviços de saúde, na medida em que podem pagar por um serviço

particular e, assim, não precisam da ajuda de ninguém. No entanto, para os que não possuem

condições financeiras satisfatórias, há muitas dificuldades para a aquisição destes, já que o

serviço público de saúde encontra-se em crise. Há graves deficiências que proporcionam um

serviço que não atende, na maioria das vezes, às necessidades da demanda, não permitindo a

efetivação do exercício da cidadania.

110

Nesta linha de pensamento, Domingues (2001) discute a definição de Marshall sobre

os direitos sociais, conforme já foi comentado nas bases teórico-conceituais desta pesquisa,

pois não fica claro se estes direitos são para todos - universal - ou se são apenas para quem

precisa, que passa por dificuldades sócio-econômicas, de fato.

Ainda na tipologia de mais cidadão, o relato do depoente Patrício chamou a atenção

ao expressar que "a mãe é mais cidadã" quando comparada ao pai, no cenário de uma relação

familiar.

(...) a mãe é em primeiro lugar, sempre fica; agora o pai, vem com a convivência (...) tudo é a

mãe(...). E nesta parte, a mãe é mais cidadã que o homem. Porque o homem é mais liberal e a mãe,

ela sabe quanto custou a ter, sabe?(...) O pai, não vou dizer que ele não tem amor pelos filhos. Ele

tem, mas num sentido, pois é a mãe que dá banho a eles, troca fraldas, dá comida, leva no colégio;

aí vem amigo, ela bota sanduíche. Tudo isso eu dou valor às mães [Fica com os olhos cheios d`água].

(Patrício)

Nesta fala observa-se que esta supercidadania se dá na esfera da maternagem, na

medida em que a mulher é cumpridora de seus deveres de mãe ao prestar cuidados ao filho.

Entende-se que acerca das questões de gênero, o que vai sempre existir entre homens

e mulheres é a diferença natural e não a diferença social. No entanto, na medida em que não

se reconhece que a desigualdade natural se agrava ao sofrer uma superposição de uma

desigualdade criada pela sociedade, tal desigualdade é considerada ineliminável. (Bobbio,

2002). Sendo assim, vivemos numa sociedade onde a mulher ainda luta para conseguir ter

seus direitos respeitados e em pé de igualdade com os homens.

- Não-cidadãos

O surgimento do não-cidadão nas falas a seguir se dá pela infração às leis que para os

depoentes representam a perda da condição de ser cidadão, porém não de forma definitiva.

(...) Eu fui visitar, lá na cadeia e disse pro bandido: “- Olha, meu querido, aqui não é lugar pra você

não. Aqui não é lugar de homem”. Ele olhou fazendo pouco, eles olham assim, né? Ele já tá perdido,

ele é nada, ele é um João-Ninguém, infelizmente. Mas nós podemos, mas nós podemos transformar

111

aquilo, aquela, aquela,... Aquele espírito mal que tá encarnado naquela, naquele corpo. A gente,

através dessas leituras [religiosas], através desta sabedoria, nós podemos tirar aquilo tudo dele,

mostrar a ele que ele tem direito ao sol, que ele é filho de Deus. Por isso que ele pode virar um

cidadão (...). (João)

(...) o bandido às vezes é jogado na vida do crime, não por índole, como muitos acham, por

circunstâncias do destino [faz expressão com as mãos demonstrando amplitude] e se ele tiver uma

boa orientação, ele pode se tornar um homem decente, direito, correto, cumpridor das leis, ele pode

se tornar um cidadão; enquanto ele ficar à margem, é mais difícil (...). (Nely).

Não, nem todo mundo é cidadão. Os fora da lei não são cidadãos, né? Lá em Brasília [Congresso

Nacional] tá cheio, né? Quem não cumpre os seus deveres, não é cidadão, né? (...) Um bandido

dependendo do que ele for, ele pode se regenerar e ser até um cidadão futuramente, perante a

sociedade, mas quando ele tá roubando, ele não é um cidadão, porque um cidadão não pensa

inescrupulosamente. (Oti)

É andar certo com a sociedade [fica em silêncio]. Saber ir e voltar. Tem que ser assim, andar direito,

se não andar direito, não pode ser cidadão.(D. Maria)

Acho que pessoas assim, que tem... De mau caráter [fica em silêncio]. (Miriam)

Olha, a pessoa que não é cidadã, é a pessoa que mata, que rouba, que é ruim, eu acho que isso aí

não é pessoa cidadã; é egoísta, que pensa só em si, não pensa mais em ninguém. É porque tem

muita gente ruim [enfatiza as sílabas] no mundo, eu acho que uma pessoa dessa que mata, que

rouba, não é uma pessoa cidadã. (Neide)

Observa-se nos trechos das falas acima que a partir do momento em que houver o

retorno do respeito às normas, o indivíduo, até então marginalizado, volta a ser cidadão. Essa

reintegração à condição de cidadania pode ser favorecida pela solidariedade das pessoas para

com quem está sendo excluído.

Esta solidariedade pode ficar evidente através de práticas religiosas, como mostra a

fala do depoente João, que trouxe a religião como fonte de salvação da pessoa que está

seguindo uma vida fora das regras da sociedade. É como se a religião, através das leituras e

orações, fizesse uma purificação no indivíduo e o tornasse apto a ser um novo homem, um

cidadão.

A desigualdade social também leva ao surgimento do não-cidadão de acordo com os

depoimentos a seguir:

112

(...) porque um pé-rapado, ele não é nem considerado, tadinho, um cidadão (...) fica aí largado,

jogado, ninguém se preocupa com ele; imagina tratar como cidadão, ninguém vê, mas eu vejo,

entendeu?(...). (Carminha)

Porque a sociedade, é o preconceito, é... Como é, essas coisas, monetariamente, né? Muita diferença

de... Um ganha um dinheirão, o outro ganha pouquinho, quer dizer, a pessoa não pode ser cidadã,

não tem um emprego, não tem um rendimento por mês, não tem nada. Você viu aquela reportagem

daquele menino, o Falcão10

? Você quer coisa mais triste do que isso? Pode ser um cidadão, um

garoto que você pergunte: - O que você quer ser? - Eu quero ser um bandido. (...) todo mundo é

cidadão, mas poucos são considerados. (Maria)

Os entrevistados também nomearam de não-cidadão aqueles que se enquadram nos

casos em que não há reconhecimento de cidadania pelo Estado, em virtude da falta de

______________ 10

A depoente referiu-se ao documentário “Falcão: meninos do tráfico apresentado no programa Fantástico da

Rede Globo de televisão. No caso, a palavra “Falcão” referia-se à denominação dada a uma determinada

categoria de crianças que participavam do tráfico de drogas nos morros do Rio de Janeiro e não, a um menino

em si.

legitimidade. O ato de ser registrado em cartório no país onde nasceu legitima o

reconhecimento pelo Estado, por exemplo, conforme explicitaram as depoentes a seguir:

(...) acho que todos deveriam ser cidadãos, só os que não têm registros não são considerados,

embora na vida prática, na vida em família, eu acho que todos somos, independente do registro ou

não, porque nasceu passa a ser um cidadão (...). (Marta)

(...) Na realidade, mesmo sem registro, ele é um cidadão; ele pode não ser, como é que diz,

reconhecido como um cidadão, mas ele a partir do nascimento dele, ele é um cidadão (...). (Glória)

A ausência da certidão de nascimento, na verdade, representa a inexistência da pessoa

no país, pois é como se não tivesse nascido. E, no Brasil, a questão do não-registro de

criança é um problema muito sério. Quando trabalhei em uma cidade do interior do Rio,

conforme já falei anteriormente, conheci várias famílias em que as crianças até cinco anos de

idade não tinham nenhum documento. Quando a equipe do PSF identificava esta situação,

113

comunicava ao serviço social do município que se articulava com o cartório da região para

gerar a certidão.

As crianças para serem vacinadas em unidades de saúde precisam apresentar a

certidão de nascimento, pois o setor da saúde assim como o setor da educação (entrada na

escola) exigem tal documento. Atualmente, há uma preocupação do governo federal em

proporcionar o registro civil aos recém-nascidos em maternidades de hospitais públicos a fim

de garantir tal legitimidade.

Portanto, o fato de nascer e ser registrado em um país implica na garantia de

determinados direitos como aborda a depoente abaixo:

(...) ser cidadã é... Nasceu aqui, por exemplo, eu nasci aqui no Brasil, sou uma cidadã brasileira,

então, tenho meus direitos (...). (Maria)

No entanto, ter direitos de cidadania não significa que estes sejam exercidos. O

depoimento a seguir remete ao direito à educação que não foi exercido por falta de

oportunidade, de orientação e incentivo. Como resultado, a depoente relata vivenciar uma

situação de dependência em relação aos outros para poder se relacionar melhor com o mundo

a sua volta, na medida em que não sabe ler. Tal falta de privacidade fere a autonomia e a

liberdade individual, levando-a a se considerar uma não-cidadã:

(...) mas eu não sou cidadã porque eu não sei assinar. (...) A pessoa que não sabe, todo mundo sabe

da vida dela.(...). (D. Maria)

A depoente prossegue falando sobre a carteira de trabalho assinada, um outro direito

previsto em lei e que também não foi respeitado.

Porque desde que a pessoa não tem o documento assinado [carteira de trabalho] naquela casa,

não é cidadã. (D. Maria)

114

Esta depoente trabalhou como empregada doméstica há mais de quarenta anos sem

carteira assinada. Na verdade, trabalhar quarenta anos sem ter carteira assinada remete ao

questionamento sobre a ética das normas e a ética dos valores. Identifica-se falta de

solidariedade, respeito, amizade; assim como o não-cumprimento das leis trabalhistas. Neste

caso, emerge uma situação social que “castra” a cidadania do sujeito e reflete-se em sua

auto-valoração.

Ainda na categoria das tipologias, na classificação de não-cidadania, ressalta-se o

relato de uma (1) depoente que aborda a importância do conhecimento e esclarecimento

sobre os direitos para, então, poderem ser exercidos.

(...) muita gente não procura os seus direitos, talvez por não ter esclarecimentos, né? Eu não sei, eu

acho que o certo seria todo mundo ser cidadão, né? Mas... (Zizi).

Assim, para que os direitos sejam entendidos é preciso que haja condições para

ocorrer uma transformação daquilo que não é familiar - que não é conhecido, que não faz

parte do cotidiano de um certo grupo social, - em algo familiar, que faça parte do universo de

conhecimento destas pessoas. Nesse sentido, é fundamental que haja acesso ao conhecimento

e esclarecimento dos direitos, com uma linguagem de fácil entendimento, de modo que as

informações sobre os direitos sejam traduzidas à luz de suas marcas e vivências pessoais.

No contexto da falta de esclarecimento, um entrevistado expressa que a condição para

ser cidadão brasileiro é não possuir laços de parentesco com qualquer pessoa não-brasileira,

isto é, não pode haver mistura de nacionalidades na família.

(...) sua pátria que você nasceu, tem documentos com ela; não é ser filho de português, filho daquilo,

este é o cidadão mesmo, um cidadão brasileiro (...) é que não tem ninguém de outro país na

família, este é o cidadão mesmo brasileiro (...). (Oti)

Para este depoente não basta nascer no Brasil; é como se fosse preciso ser “puro”

para ser cem por cento (100%) brasileiro e, então, ser considerado cidadão.

115

Nesta pesquisa, os entrevistados foram perguntados se conheciam algum

setor que esclarecesse sobre cidadania, e a maioria respondeu não conhecer.

Todas as pessoas (6) que remeteram a cidadania à dimensão apenas valorativa

responderam não conhecerem nenhum setor que pudesse esclarecer sobre a

condição cidadã. Tal resultado pode ser explicado partindo do entendimento de

que na medida em que são os valores que garantem a condição de cidadão, e

valores estão “dentro” da pessoa, não se consegue, então, perceber o que está

“fora”.

Dos quatorze (14) entrevistados restantes que remeteram a cidadania à

dimensão normativa, oito (8) disseram não conhecer algum setor que

esclarecesse sobre a cidadania, e seis (6) depoentes apontaram como

esclarecedores os seguintes setores: PROCON – órgão de defesa do

consumidor; defensoria de pequenas causas; posto de saúde; igreja (Mórmons);

rádio e televisão – os quais atuam de forma indireta, na medida em que

orientam sobre lugares que dão informações sobre os direitos do cidadão; setor

de transporte - Fundação Leão XIII; e setor dentro do trabalho como, por

exemplo, a Marinha, que tem um setor que aborda sobre os direitos do cidadão,

enquanto trabalhador (quadro A - APÊNDICE E).

- Bom cidadão X mau cidadão

116

Neste momento, vale ressaltar que diante das classificações abordadas houve

depoimentos com a denominação de “bom cidadão” para se referir, na verdade, ao cidadão,

isto é, à pessoa que cumpre seus deveres, exerce seus direitos e apresenta valores de boa

moral, ao contrário do “mau cidadão”.

(...) Ah, o mau cidadão pra mim, é eu nem pensei, talvez eu falei assim, tão assim, como se diz...

mecanicamente, que talvez o mau cidadão sejam as pessoas no crime, que não... tem uma linha, tem

uma reta, né? (...) então talvez, o mau cidadão seja esse, que infringe as leis, que esteja no crime, mas

nem por isso, deixa de ser cidadão, porque ele tem amparo da lei, entendeu? (...) (Marizete)

Agora assim, as diferenças é que... Tem uns que são melhores, outros já são piores, uns já gostam de

trabalhar, outros já não gostam. Então, é isso aí, né? Uns faz o bem, gostam de estar ajudando o seu

próximo e já tem outros que ficam na sua, só pra eles, é por aí. (..)Tem cidadãos bons, mas tem

cidadãos ruins [risos]. (Neuza)

(...) eu acho que o bom cidadão é esse, quando é...[se emociona, e fica com os olhos cheios d‟água]

íntegro, amigo, família, né?(...) O homem íntegro, aquele que a palavra dele valia muita coisa. Então,

este é um perfeito cidadão (...) O bom cidadão eu acho que é isso, aquele que além de se respeitar a si

próprio, respeita o próximo, né? (Marta)

Tem um cidadão que não é honesto e tem outro cidadão que é honesto (...). Ser uma pessoa boa, a

honestidade e lealdade com si próprio e com nosso Pai Verdadeiro. Primeiro ele, depois vem... Se eu

não for honesta com você, a gente não pode ser honesta com a gente. (...) pra ser uma pessoa

humana, precisa ser um cidadão mesmo, completo, bom e não mau. (D. Maria B.)

Os entrevistados também foram questionados sobre quais ações de cidadania são

exercidas e o que sentem quando seus direitos não são atendidos (quadro A, APÊNDICE E ).

No que diz respeito aos sentimentos quando os direitos não são atendidos, três (3) mulheres

afirmaram conformação/indiferença; quatro (4) mulheres e um (1) homem disseram sentir

revolta; uma (1) mulher disse sentir raiva; um (1) homem disse sentir-se irritado; e um (1)

homem disse sentir ódio; um (1) homem e uma (1) mulher referiram sentir tristeza; e uma (1)

mulher referiu sentir raiva e tristeza; três (3) mulheres referiram sentir humilhação; um (1)

homem referiu sentir-se magoado e prejudicado; e duas (2) mulheres referiram sentir-se mal.

117

Das três depoentes que apresentaram conformação/indiferença, uma (1) depoente

descreveu uma situação em que tentou fazer valer o seu direito, por meio do uso do poder,

isto é, por meio de uma situação que gerava privilégio, como mostra a fala a seguir:

(...) Então, liguei pro Lino e disse que estávamos ainda em Aparecida [município em São Paulo],

meia-noite e aí eu disse pra ele ligar pra rádio Globo ou dar uma carteirada, porque ele é da

Marinha. Aí então, depois, eu chamei a polícia que quando chegou não acreditou no que a empresa

fez.(...). (Marizete)

No Brasil, a cultura do “jeitinho brasileiro” cria privilégios, pois de acordo com

Moscovici (2003)

o nosso pensamento se organiza conforme o sistema o qual está

condicionado, que pode ser pela nossa cultura ou pelas representações que formamos. Sendo

assim, o pensamento desta depoente ao falar da “carteirada” reflete a cultura do poder da

representação dos militares que são privilegiados no exercício de sua cidadania.

Esta situação remete à frase “Você sabe com quem está falando?”, a qual DaMatta

refere representar „o esqueleto hierarquizante de nossa sociedade‟. O termo esqueleto é

usado por DaMatta para denominar algo que está escondido, porém não significa que não

seja importante (SOUZA, 2001, p.169). No cotidiano, esta famosa frase objetiva manter a

hierarquia social, na medida em que cada pessoa precisa reconhecer a posição social que

ocupa, isto é, identificar o seu devido lugar na sociedade e a partir daí ser capaz de

reconhecer se pode fazer valer os seus direitos usufruindo de privilégios.

As outras duas (2) depoentes referiram conformismo / indiferença, seja por cansaço

de lutar e não conseguir nada, ou mesmo, por total falta de perspectivas de melhora.

Porque esse negócio é muito sacrifício, fica na fila e chega na hora, não resolve nada.(...) Só aqui

no médico [na unidade de saúde - policlínica], a gente chega de madrugada e quando não tem mais

ficha, a gente tem que voltar pra casa, tem que chegar antes das cinco horas; por isso que é bom

médico particular, você não tem este aborrecimento (...). (Fabiana)

118

Olha, minha filha, eu não sou de me esquentar muito com as coisas não [risos]. Eu já acho tudo tão

difícil, que eu vou levando, não parou o ônibus pra mim, eu espero outro, entendeu? Não brigo, não

faço denúncia(...). (Maria)

Por outro lado, dos que referiram revolta, raiva, ódio ou irritação – no total de oito (8)

sujeitos - apenas dois (2) referiram não apresentarem nenhum tipo de ação para mudar, isto

é, não brigam, não fazem denúncia e nem buscam nenhum tipo de solução, seja por sentirem-

se bem assim, ou por pensarem que não adianta fazer nada.

Ah, eu me sinto revoltado, é... Eu não sou de falar, de ficar reclamando, e isso não é bom, é... Eu

prefiro evitar a discussão, é uma coisa que é de cada um.(Patrício)

É, minha filha, eu não posso fazer nada, né? Fico com raiva e pronto. O que que a gente vai fazer?

Não adianta fazer nada. (Neuza)

Dos entrevistados que relataram sentir tristeza, humilhação, mágoa/sentir-se

prejudicado, sentir-se mal ou sentir raiva e tristeza – no total de nove (9) sujeitos - dois (2)

depoentes referiram apresentar como ação lutar pelos seus direitos e uma (1) depoente disse

ter como ação procurar primeiro entrar em contato com pessoas que tenham a informação

correta para, então, depois poder reivindicar o que não foi atendido. Do restante, um (1)

depoente informou só reivindicar em casos graves, e caso não conseguisse, “entregaria para

Deus”, uma (1) depoente não referiu ação; três (3) depoentes informaram não fazerem nada;

e uma (1) depoente disse rezar muito.

Pode-se pensar que rezar ou “entregar para Deus” são ações que expressam o desejo

de alcançar a resolução de uma questão por meio de forças consideradas maiores ou

especiais comparadas às forças humanas, quando há uma total falta de perspectiva.

Por exemplo, de ônibus, é muito humilhante. Depois que eu fiquei idosa, é muito humilhante. A gente

já foi novo, como diz, já foi elegante.(...) agora que a gente tá com idade, não querem nem

saber.[ônibus não pára no ponto, passa direto] A gente se sente humilhada.(...) Dá vontade de xingar

aquela pessoa, muita vontade, mas deixa pra lá... Deixo pra lá, entendeu? Ele vai ter uma mãe, vai

ter uma consciência, Deus vai botar uma consciência nele e ele vai parar pra pensar. (Maria B.)

119

Eu só faço é rezar [risos], pedindo a Deus que me ajude, pra ver se eu consigo alguma coisa (...).

(Matilde)

Portanto, diante do que foi comentado pode-se dizer que com sentimentos como

revolta, raiva, ódio ou irritação, a tendência maior é a de agir para reverter a situação quando

comparada aos sentimentos de tristeza, humilhação, mágoa / sentir-se prejudicado, sentir-se

mal ou sentir raiva e tristeza, em que a tendência maior é a de não agir e se resignar. Os

primeiros sentimentos mais citados mostraram-se mais mobilizadores para a ação.

As seis (6) pessoas que remeteram a cidadania exclusivamente à ética das virtudes

não brigam, não reclamam e não agem em busca de seus direitos quando não atendidos.

Pôde-se identificar neste trabalho que apesar de expressarem a definição de cidadania

numa perspectiva valorativa ou normativa, nem sempre houve uma congruência entre esta

definição e a ação que os faz sentirem-se cidadão. Houve situações, como as apresentadas no

depoimento de quatro (4) sujeitos: João, D. Maria B., Alfredo e Fabiana em que na definição

sobre cidadania apareciam as normas, mas na ação estas não se evidenciaram , mas sim só os

valores. Apenas uma depoente (Neuza) expressa o contrário, isto é, na ação há normas, mas

na definição, só os valores morais. (quadro A, APÊNDICE E).

ORIGEM DA CIDADANIA Trata-se da segunda grande linha na qual os entrevistados expressam o que pensam a

respeito da fonte da cidadania (quadro A, APÊNDICE E).

Sendo assim, a cidadania pode ser:

Extrínseca ao sujeito - adquirida pelo sujeito, na medida em que a cidadania tem como ponto

de partida a família (âmbito privado, particular), a sociedade, o povo, a escola ou o Estado

(âmbito público, coletivo), podendo ser expressa em um movimento de recepção do que vem de

fora sem haver um processamento interno no e pelo indivíduo ou, então, haver uma elaboração

120

pelo sujeito a partir do seu mundo interno, do que vem de fora e acaba sendo usufruído. Aparece

na esfera normativa ou valorativa, como se pode ver a seguir:

- Família / educação / formação

[Fica em silêncio, olhando para o chão] Cidadania vem dos princípios, da educação. (...) Princípio

da formação da pessoa, do jeito que ela vem. A gente sabe que a criança nasce de uma mãe (...).

(Patrício)

(...) Eu acho que quando nós nascemos, ela já começa por aí, a cidadania. (...) se não fosse isso (...)

o nascimento, eu acho que não teria isso.(...) A gente quando nasce é pequenininho e conforme vai

vendo os outros, vai crescendo; os pais dando educação, dando estudo, a pessoa ali vai se formando,

né?Aí, já tem mentalidade do que é bom e do que não é, né?(...) Eu acho que vem de casa, a

educação, coloca na escola ... Os professores. Se não for de casa [fica em silêncio]. Tem que vir de

casa. A pessoa tem que ter educação, os pais ensinarem e tudo pras pessoas irem evoluindo, né?

(Neuza)

(...) acho que vem da família, não é? (...) porque a família assiste os primeiros passos, as primeiras

palavras, o primeiro você é você, né?(...) minha mãe dizia: “- Você não é outra pessoa, então você

tem que seguir o que é , você não pode se deturpar pra ser igual ou pior do que fulano, você tem

que ser o que você é.(...) quando começa uma cidadania, que eu sou eu, a cidadã, que não tenho

nada a ver com os outros, mas que tenho tudo a ver com todo mundo. (Marta)

Penso ser interessante tecer um comentário diante do depoimento de Marta quando

diz que é uma cidadã e não tem nada a ver com outros - refere-se ao âmbito privado,

individual, particular; mas que ao mesmo tempo, afirma que tem tudo a ver com todo

mundo - quer dizer que não vive isolada, pois, no cotidiano, ela faz parte de uma rede de

relações sociais, de modo que as ações de cada pessoa sempre repercutem na vida de outras

pessoas - o âmbito público, coletivo.

(...) do próprio lar, vai criando conceitos que lhe são transmitidos a fim de seguir o certo. Ele tá

sendo formado como uma pessoa, ele vai através de imitações dos pais, né? A convivência nas

escolas.(...) o cidadão de hoje quando ele tá em formação, ele tem conceito do que é cidadão e com o

desenvolver de vida, na escola da vida, vai tendo outra conceituação do que é cidadania, são fases.

(Edson)

(...) a cidadania vem quando a pessoa nasce, cresce, recebe as informações em casa, tem as

informações do que é ser um bom cidadão [risos], saber que tudo não é só ser uma pessoa egoísta, a

pessoa tem que ser uma pessoa também fazendo o bem pra outras pessoas, ajudando também as

121

outras pessoas (...). Acho que a pessoa adquire [a cidadania] através principalmente dos pais, acho

que a educação vem de casa, depois da escola (...). A pessoa nasce com caráter (...) eu penso assim,

caráter você não obtém, você já nasce com ele; agora você educar é diferente, às vezes, a pessoa é

mal-educada e você pode educar, você pode ensinar que aquilo é errado, que o certo é isso.

(Marizete)

O cidadão é desde quando a gente nasce (...) os pais dão esta cidadania pelo nome que a gente tem

(...) o primeiro registro (...) que os pais dá e ele passa a ser um cidadão (...) mas é gente que tem que

ter a honestidade no nome da gente, conservar o nome da gente. (D. Maria B.)

Da formação da pessoa, né? Do modo que a pessoa se comporta, do jeito que foi criado; e aí que a

pessoa se torna um cidadão (...). Não, dá não [cidadania], a pessoa pode ajudar instruir a pessoa

(...) melhorar de condição de vida (...). (Matilde)

Quando os depoentes referem que a cidadania é transmitida pela família, tal

pensamento pode ser remetido à Antiguidade Clássica (Grécia) - conforme comentou-se nas

bases teórico-conceituais desta pesquisa – onde a cidadania era passada de geração em

geração, por vínculos de sangue, de acordo com Guarinello (2003).

- Leis / governo

Na Grécia - Antiguidade Clássica, veiculava-se a idéia de cidade em primeiro lugar, e

só depois vinha a noção de cidadão (FUNARI, 2003). O depoimento a seguir expressa um

pensamento que remete a tal época:

Cidadania... Cidade, né? Vem das cidades (...). Aí entra a lei do Estado, essa coisa toda, eu não sei

(...). (Alfredo)

Quando as depoentes a seguir comunicam que a cidadania é dada por representantes

políticos do governo, pode-se reportar a Roma, como comenta Funari (op.cit.), onde a

cidadania era dada aos súditos do imperador através de alforria ou concessão individual ou

coletiva.

122

É dada por alguém [mexe com a cabeça no sentido afirmativo](...) Ah! Pelos governantes, né?(...)

desde o tempo do Império sempre existiu [cidadania] (...). ( Zizi)

Eu acho que, sei lá, é o prefeito, o vereador, o senador, eu acho que são eles que dão [cidadania],

né? (Neide)

As falas que se seguem abordam a questão das leis que são feitas em um

determinado território e que expressam uma conquista no processo de construção da

cidadania. Apenas nascer e fazer parte de um determinado lugar não garantem que as leis

sejam cumpridas. Daí ser necessário lutar e ir contra as injustiças sociais vigentes.

É dada porque quando você, por exemplo, registra uma criança, a partir daquele momento que a

criança for registrada, passa a ser cidadã. (...) as leis, as leis do país que faz isso, que cria as leis do

homem. As leis que o homem faz é que cria a cidadania. (Glória)

(...) olha, talvez do povo mesmo, que tem lutado pelos seus direitos (...). É do povo, é o povo que vai

acabando exigindo seus direitos, se rebelando contra as injustiças, talvez seja isso.(...) educação

você dá, mas cidadania, não; é um direito quando você nasce em determinado lugar, você ganha

esse direito de ser cidadão, desse país, dessa cidade, desse estado. (Nely)

(...) Ninguém dá, né?[cidadania]. A pessoa impõe o que tá na lei, depende da lei. É um direito que

todo mundo tem, ser cidadão. (Naná)

Intrínseca ao sujeito - quando nasce com o indivíduo, é inerente a ele. Aparece apenas na

esfera valorativa, conforme mostram os trechos dos depoimentos a seguir:

Da pessoa [fica em silêncio](...) tá com a gente, vem com a gente. (...) Desde quando a pessoa faz

parte, desde que a pessoa começou a crescer, criança. (...). A pessoa tem que andar direito, não

mentir (...). (D. Maria)

Ela nasce da gente mesmo, né? Ela nasce da gente. (...) A partir de quando você começa... A

adolescência, você começa a se desabrochar (...) a pessoa já vem com um dom. Ó o jogador de

futebol, tem que vir com ela [a bola], com a bola no pé, se não vir, não joga nunca.(...) Deus(...)

Como que Ele dá?Você vem de uma criação (...) Você nasceu ali, você vai crescendo ali, e vê seus

vizinhos, você vai crescendo (...). Tem pessoas que nascem lá no morro, descem e é doutor,

advogado... Aquilo é uma coisa de Deus, é uma coisa da pessoa (...) Deus dá, isso eu tenho certeza.

123

Eu vou dizer uma coisa pra você, a fé... Você é um Deus. Por que? Porque você tem fé, ele é um

espírito (...). (João)

Ah, eu acho que é do caráter da pessoa, né? Pessoa que tem no caráter vergonha, acho que ali já é

um cidadão, já com princípio de formação de cidadão.(...) Acho que vem do caráter da pessoa, da

formação, de pai e de mãe, a doutrinação que ele teve da família, tudo é um começo de um cidadão

(...) Não [não se dá a cidadania] isso aí é característica própria de cada um cidadão, de cada pessoa,

né? (...). ( Oti)

De modo geral, para dezesseis (16) sujeitos, a origem da cidadania é extrínseca;

sendo que para sete (7) depoentes é extrínseca no âmbito valorativo; e para nove (9),

extrínseca no âmbito normativo. A origem é intrínseca para três (3) depoentes. Apenas uma

entrevistada (1) informou não fazer idéia sobre a origem da cidadania.

Sendo assim, a origem da cidadania quando apresenta caráter valorativo pode vir de

dentro da pessoa (intrínseca) ou de fora (extrínseca) - quando os valores são recebidos e

usufruídos, com a participação de pessoas no âmbito particular ou público. Porém, quando a

origem apresenta caráter normativo, só aparece vindo de fora. Isso significa que as normas

não estão dentro das pessoas, mas sim, fora.

124

Capítulo V

Relação entre cidadania e saúde

125

126

RELAÇÃO ENTRE CIDADANIA E SAÚDE

Nesta grande linha buscou-se estabelecer os nexos entre cidadania e saúde, partindo-

se de duas questões centrais. Foi perguntado aos sujeitos se a saúde tem a ver com a

cidadania e se o atendimento em serviços de saúde está ligado à cidadania. A primeira

pergunta gerou respostas mais ligadas à concepção dos sujeitos sobre saúde, e a segunda

levou os sujeitos a desenvolverem o pensamento sobre a interação que se estabelece entre os

usuários e os profissionais em uma perspectiva valorativa-afetiva; e sobre o atendimento dos

serviços em uma perspectiva normativa.

A expressão da cidadania na saúde

Para oito (8) depoentes, a saúde é entendida como um bem-estar físico que é

representado por um corpo ativo; e para cinco (5) destes, este corpo ativo possibilita o

exercício de uma ação solidária com o outro, o que evidencia o pensamento dos sujeitos

veiculados na primeira grande linha, quando foi discutida a questão da dimensão valorativa

que marca de forma expressiva a representação da cidadania por eles.

Para seis (6) depoentes, o enfoque nesta relação está voltado para saúde como um

direito de todos e dever do Estado; e quatro (4) depoentes destacam a saúde como um serviço

médico. Apenas duas (2) depoentes informaram não saberem responder.

- Saúde como um bem-estar físico que se expressa na atividade do corpo

Os depoimentos a seguir mostram a saúde entendida como um bem-estar físico que se

manifesta em um corpo ativo, isto é, um corpo capaz de interagir bem com o seu meio social;

enquanto que sem saúde - doente - e portanto, inativo, ficam restritas as possibilidades para

trabalhar, fazer amizades e ajudar o próximo, por exemplo.

127

(...) Se a gente tem saúde, a gente transmite bons princípios, agora, a gente sem saúde, não tá

transmitindo cidadania pra ninguém, porque a gente tá sem força (...). (Patrício)

(...) Porque se ele é um cidadão, é um homem tranqüilo que aceita as coisas que vêm, um homem que

é... portanto tão poderoso, tão cidadão que ele diz “- Poxa, eu vou ajudar fulano, eu vou fazer pelo

meu amigo, eu vou fazer pelo meu compadre, pelo meu irmão, meu irmão tá mal, tá precisando de

um médico mais profissional” (...). (João)

(...) se você não tiver uma boa saúde, você não pode trabalhar, você não pode ver uma pessoa no

hospital, ser caridoso com o outro, não pode ser um cidadão, se você não tiver uma boa saúde, não

pode, entendeu?(...) (D.Maria B.)

(...) Porque sem saúde você não faz nada, não é? Como você iria ajudar?(...) (Alfredo)

(...) viver em paz, viver bem, fazer amigos, é isso que eu acho que é bom pra saúde e pra cidadania

(...).(Matilde)

A relação entre a saúde e a atividade do corpo, e a doença com a inatividade foi

apontada por Herzlich (1975) em seu estudo sobre as representações sociais da saúde e da

doença na França. Dentre os resultados, evidenciou-se que a inatividade em conseqüência da

doença faz com que a participação social do sujeito se extinga e dessa forma, sua identidade

social fica ameaçada. Em outro estudo, sobre as representações sociais do corpo, Ferreira

(1999) também encontrou resultados que guardaram nexos com os de Herzlich (op.cit.). O

corpo sadio vincula-se ao trabalho ganhando sentido na idéia de utilidade. Logo, a saúde é a

condição para que o corpo-sujeito seja ativo, produtor e útil; ao passo que na doença, o corpo

ganha sentido na idéia de inutilidade, uma vez que, em contraponto com o corpo-sadio, o

corpo doente é não-produtor e inútil porque é inativo.

Relacionar a cidadania com a saúde através da idéia de bem-estar físico traduzido em

um corpo ativo faz sentido no âmbito geral dos resultados até aqui apresentados. Se os

sujeitos deste estudo representam a cidadania em uma dimensão valorativa-afetiva traduzida

em comportamentos e práticas de solidariedade, é mister que o sujeito se lance à ação em

uma perspectiva de participação social (para sentir-se útil), salvaguardando, assim, a sua

128

identidade social como cidadão. Esta é uma das vias explicativas para a relação que os

sujeitos estabeleceram entre os objetos cidadania e saúde.

Os depoentes também foram perguntados sobre os fatores que os influenciam a ter

uma saúde melhor. Doze (12) deles citaram a alimentação ou uma boa alimentação, uma

alimentação correta ou adequada como um fator fundamental e seis (6) depoentes citaram o

atendimento médico como um fator que contribui para uma saúde melhor. É importante

lembrar que estas citações não foram excludentes e sim sofreram co-ocorrência.

Tais respostas podem ser discutidas na mesma linha argumentativa que a anterior,

pois a alimentação é uma necessidade humana básica que mantém a funcionalidade do corpo,

ou seja, é o combustível para a manutenção de um corpo em atividade; e o atendimento

médico apareceu nos depoimentos com um cunho de expressão da necessária solidariedade

que se deve ter entre o profissional e o seu cliente. O exemplo a seguir ilustra a referência

que o depoente fez ao médico como cidadão, na medida em que este profissional cuida da

sua saúde (corpo) e o entende:

(...) porque quem cuida dela [saúde] se não for um cidadão [médico] (...) Tem que ser um cidadão

pra cuidar daquele paciente, pra saber e entender ele melhor, entendeu?(Oti)

Citar o atendimento médico para representar a relação entre cidadania e saúde não

chega a causar surpresa, haja vista que vivemos em uma sociedade que tem o médico

representando uma figura hegemônica na área da saúde. Penso que tal hegemonia prevalece

porque é no médico que o usuário encontra resolutividade para os problemas que o levam a

buscar o serviço de saúde, uma vez que, na maioria das vezes, a busca pelos serviços se dá,

não para se promover saúde e prevenir doenças, mas sim quando a doença já está instalada e

precisa ser diagnosticada e tratada.

A prevenção citada na Constituição, art. 198, n.II. que afirma “atendimento integral

com prioridade para atividades preventivas” (BRASIL, 2002, p. 137), via de regra, não é

129

implementada no que pese a realidade da Saúde Pública no Brasil. Esta questão, inclusive, é

evidenciada por uma das depoentes deste estudo:

(...) Eu acho que o governo sempre perde na parte da saúde porque ele não faz prevenção da

saúde, ele quer tratar a doença, né? Isso é dado verídico, porque você vê que nós temos um país

cheio de gente doente (...) você vê cheio, lotado, é muita doença (...). (Marta)

Em menor freqüência, apareceram como fatores que contribuem para uma saúde

melhor: ter paz em casa; situação financeira suficiente para atender às necessidades básicas;

viver em um ambiente limpo, com condições dignas de moradia; possuir bom estudo para

poder conhecer a própria saúde; fazer amigos; participar de grupos de educação em saúde nas

unidades de saúde; saber usar o Sistema Único de Saúde (SUS); ter acesso a remédios

gratuitos e receber esclarecimento sobre doenças nas unidades de saúde; ser solidário;

praticar atividade física; e condutas políticas dos governantes. Esta última citação apareceu

em um depoimento, na medida em que os políticos têm responsabilidade no que diz respeito

ao andamento das políticas sociais em uma cidade, estado ou país. Neste sentido, suas

condutas políticas implicarão diretamente nas questões ligadas à saúde, pois, como pode ser

visto, os fatores promotores de saúde são amplos, levando-se a inferir que os sujeitos têm um

conceito de saúde que não a coloca em oposição à doença, mas a entendem como um

estado/resultado de várias condições dignas de vida.

A alimentação, a saúde, a educação e a moradia correspondem aos direitos sociais

previstos na Constituição Brasileira de 1988. Tais direitos sociais podem ser considerados

como determinantes sociais da saúde – estes são elementos de ordem sócio-econômica que

afetam o quadro de saúde de uma população. O trecho do depoimento de Zizi expressa tal

raciocínio.

(...) a saúde nossa depende da demanda da educação, de um salário (...). (Zizi)

130

É importante destacar que diante das iniqüidades presentes nas condições de saúde da

população, o diretor geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) propôs, na Assembléia

Mundial de Saúde, de 2004, a criação de uma comissão para trabalhar em prol da melhoria

destas condições. Neste sentido, em março de 2005, foi criada pelo governo brasileiro a

Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS) que estará em vigor até

2008 (BRASIL, 2006b).

É preciso que a saúde seja entendida à luz do paradigma da produção social da saúde,

de modo que o conceito de saúde não seja mais ausência de doença - algo estático - mas sim

seja dinâmico na medida em que é um produto das relações sociais de modo a exprimir

qualidade de vida. Neste processo, há então a valorização do coletivo – da vida em grupo - e

o foco deixa de ser curativo para ser preventivo (MENDES, 1999).

Pode-se dizer que a qualidade de vida está implícita nos depoimentos dos sujeitos que

participaram deste estudo, na medida em que ao relacionarem saúde com cidadania

apontaram condições para se viver melhor. No entanto, somente uma (1) depoente fez alusão

ao termo “qualidade de vida”:

Sim, pra poder ter qualidade de vida, então se a pessoa não tiver uma boa saúde, não tiver uma boa

alimentação, como ela vai ter qualidade de vida?(...) (Marizete)

Entretanto, não se pode pensar nas condições promotoras da saúde de forma isolada,

pois quando se pensa em ter boa alimentação, por exemplo, é preciso que se tenha dinheiro

para comprar os alimentos, assim como, para se atender às outras necessidades como

moradia, entre outras. Caso a pessoa não tenha uma renda suficiente para seu sustento, não

terá como prover as condições para ter uma boa saúde, pois se a relação entre cidadania e

saúde está centrada no bem-estar físico/atividade do corpo, cujo fator preponderante para a

promoção deste é a alimentação, quem não a tem em quantidade e qualidade comprometerá a

atividade do corpo e afetará a integridade de sua cidadania.

131

- Saúde como direito de todos, privilégio de alguns e dever do Estado

De acordo com a Constituição Brasileira, a saúde é um direito de todos e um dever do

Estado. O direito à saúde envolve o direito a ter acesso e atendimento aos serviços de saúde.

À luz dos depoimentos dos sujeitos, este entendimento parece estar bem difundido, conforme

se pode constatar a seguir:

Ah sim, eu acho que saúde é um direito que toda a pessoa tem, né? (...). (Marta)

(...) Eu acho que esse negócio de cidadania é uma forma de organizar melhor, tá entendendo?

Como o homem vai viver, é um tipo de organização. O homem tem direito à saúde, como tem direito

ao trabalho, e isso é uma forma de organização (...). (Glória)

(...) Eu acho que tem sim, tem que ter, é obrigação do Estado, da Nação, da União, que exista

médico, hospital, posto de saúde, ambulatório... Tudo é um direito sim e o Estado que dá (...).(Nely)

No entanto, a falta de recursos materiais e humanos no campo da rede

pública de serviços de saúde evidencia um total descaso para com o cidadão,

conforme comentado pela depoente:

Tem, mas também, não é respeitada, né? Porque quantas pessoas precisam e não tem médico? Não

tem nada, os hospitais tão tudo abandonado, então a gente praticamente não tem este direito, né?

(Neide)

A crise na saúde acaba por se refletir na qualidade do atendimento nos serviços, tanto

que ser bem atendido passa do direito ao privilégio, conforme ilustra a fala a seguir:

Porque todo mundo tem direito a ser atendido, né ? À saúde, né ? Ir a médico. Mas eu acho que nós

vemos aí, é que nem todo mundo tem este privilégio, né ? De ser bem atendido... (Naná)

No que diz respeito aos direitos, os sujeitos foram perguntados se saberiam dizer

sobre algum direito que está relacionado com o estado de saúde, isto é, como a pessoa está

passando de saúde. De imediato, só três (3) depoentes souberam responder: uma (1) abordou

132

o direito do paciente com câncer e do paciente com cardiopatias letais de não mais

declararem imposto de renda; o direito ao transporte gratuito - passe-livre – não só para

maiores de 65 anos de idade, mas também para pessoas com algumas doenças de tratamento

prolongado; e também comentou sobre o direito que a pessoa com mais de 65 anos tem ao

acompanhante quando estiver internada. As outras duas (2) depoentes falaram do direito à

assistência médica pública e o direito a ter acesso à farmácia popular para quem tem mais de

65 anos.

O restante dos sujeitos (17) não souberam responder. Então, lhes foi perguntado sobre

o conhecimento deles acerca da lei da gratuidade da passagem de ônibus – passe-livre – para

pessoas com determinados problemas de saúde. Estes depoentes informaram conhecer este

direito; no entanto, nove (9) enfocaram que este direito é voltado para pessoas com

deficiência física; dois (2) deles citaram que seria para pessoas com problemas psiquiátricos,

além das pessoas com deficiência física; e duas (2) referiram não saber em quais casos de

doença é válido tal direito, questionando se elas próprias também teriam este direito,

conforme aparece nas falas a seguir:

(...) A gente que tem assim problema de pressão alta, nós temos direito? Eu não sei se temos, uma

vez, eu ouvi dizer que até pode também, pode, né ? Eu não sei.(Miriam)

(...) porque eu quero saber se eu tenho direito, porque se eu tiver direito, eu vou correr atrás. Eu sei

que tem certas doenças que dão gratuidade ao ônibus coletivo, né ? E eu queria saber, eu gostaria

de saber. (Zizi)

Na verdade, o que acontece é que nos casos em que a pessoa necessita ir várias vezes

à unidade de saúde durante um determinado período para realizar tratamento, o serviço de

assistência social da unidade pode vir a encaminhar este usuário - junto com um laudo

médico que explica a sua situação de saúde - para alguma instituição social (prefeitura)

vinculada à Secretaria Municipal de Assistência Social. A esta cabe a formulação da política

133

pública de atendimento ao “portador de deficiência” da respectiva cidade e execução de

ações neste sentido.

Portanto, não é o tipo de doença o único determinante para conseguir este direito, mas

sim outras condições que são avaliadas por profissionais – assistente social e médico – de

uma unidade de saúde.

Infelizmente, nenhum usuário fez referência a um órgão chamado Defensoria

Pública da União - órgão federal - que pode garantir o atendimento e tratamento em saúde em

qualquer esfera – municipal, estadual ou federal – quando não cumpridos. Por exemplo, se

uma pessoa não tem condições de comprar um determinado medicamento solicitado pelo

profissional de uma instituição pública de saúde, ela pode, através desse órgão, saber como ter

acesso a tal remédio. Este órgão também informa quais direitos sociais a pessoa tem diante do

seu estado de saúde.

Ao serem perguntados se receberam algum tipo de informação ou viram cartazes

ou participaram de palestras sobre direitos relacionados ao estado de saúde, nas unidades de

saúde, só quatro (4) depoentes responderam que receberam informações: duas (2) receberam

informações durante uma consulta médica e as outras duas (2) pela assistente social. Nenhum

dos depoentes referiram ter visto cartazes ou ter participado de palestras que tivessem este

tema em questão.

Acerca dos meios que constituem fontes de informações sobre estes direitos,

apenas três (3) depoentes informaram não saber responder. É importante ressaltar que as

citações sobre estas fontes não foram excludentes, ou seja, houve co-ocorrência dos meios os

quais os depoentes obtêm informações. Deste modo, sete (7) depoentes citaram o rádio e/ou

televisão; seis (6) depoentes citaram pessoas consideradas “conhecidas”, isto é, que fazem

parte das relações sociais já existentes, de modo que estas pessoas conhecidas já haviam

passado ou estavam passando por alguma experiência no que diz respeito a tais direitos

134

sociais relacionados ao estado de saúde; duas (2) depoentes disseram terem obtido

informações através de usuários da unidade de saúde que aguardavam a consulta médica ou

encontravam-se na fila de medicamentos na própria unidade - de certa forma, estes lugares

agrupam pessoas que apresentam situação de saúde parecida; e dois (2) depoentes citaram a

fila de banco e/ou fila de mercado que são lugares de interação entre pessoas que não se

conhecem, cujos encontros não se dão de forma intencional, mas sim ao acaso, no dia-a-dia.

Esta situação é evidenciada na fala a seguir:

(...) no cotidiano da vida, a gente escuta comentários de um e de outro. (Edson)

Nestas interações cotidianas, as informações circulam e as pessoas vão emitindo

opiniões, debatendo idéias, construindo e (re)construindo suas representações sobre diversos

objetos sociais ao longo da vida.

Para Moscovici (1978, p. 28):

“A comunicação jamais se reduz à transmissão das mensagens de

origem ou ao transporte de informações inalteradas. Ela diferencia,

traduz, interpreta e combina, assim como os grupos inventam,

diferenciam ou interpretam os objetos sociais ou as representações de

outros grupos”.

Portanto, as pessoas, ao trocarem informações, processam o novo conhecimento

transformando-o à luz de suas vivências pessoais, isto é, de seu contexto de vida e, assim

atribuem um sentido para de fato, como diz Moscovici (op. cit), não ficarem de fora daquilo

que está circulando coletivamente.

- Saúde como um serviço médico

Esta subcategoria revela a saúde como um serviço médico de atendimento às pessoas -

cidadãos - de acordo com os trechos dos depoimentos a seguir:

135

(...) tomar o remédio certo [prescrito pelo médico], tudo certinho. (D. Maria)

Tem, mas não exerce, entendeu? A saúde [setor] tem que olhar a cidadania, vamos dizer,

conscientizando melhor os pacientes, a sociedade, a comunidade em torno da unidade que tá lá

médica, enfim é esse o meu conceito.(Edson)

Porque é onde a gente procura saúde, na área médica, essas coisas todas [risos]. É o atendimento a

todos, pra uma melhora (...) Pro atendimento das pessoas que necessitam, se tratarem como

pessoas. Olha, neste ponto, eu acho que tem, porque este negócio da saúde tá muito ruim. O cidadão

precisa, às vezes, de fazer um tratamento, de correr a um hospital, mas ele não tem. E aí como a

pessoa vai fazer? Pra quem não tem, corre ali, não tem remédio, não tem uma internação, não tem

não sei o que, quer dizer, então o cidadão sofre por isso (...).(Neuza)

No tocante à ênfase da saúde ligada à área médica, penso que seria necessário

promover discussões entre o setor saúde e a população para que todos pudessem refletir sobre

a importância da integração da medicina com outras áreas da saúde - enfermagem, nutrição,

fisioterapia por exemplo. Além disso, é preciso haver, de fato, uma integração na prática

destes serviços, de modo que o usuário possa vivenciar esta realidade e entender a

importância de receber um atendimento integral em saúde.

Lamentavelmente, a realidade nas instituições de saúde mostra cada serviço

trabalhando separadamente, havendo deste modo o predomínio da multidisciplinaridade em

detrimento da interdisciplinaridade.

Além da interação entre os serviços de saúde, é preciso haver também a interação do

setor saúde com outros setores sociais como meio-ambiente e trabalho, por exemplo, na

medida em que se percebe que o sujeito faz parte de uma rede social para (sobre)viver.

Caso contrário, o setor saúde acaba tendo que dar conta da conseqüência de

problemas que estão diretamente ligados com a condição de vida das pessoas. Como

exemplo, um indivíduo que está desempregado, sem se alimentar bem, vai à unidade em

busca de solução para problemas físicos e/ou psíquicos que vem apresentando. Na verdade, a

causa do seu problema não pode ser resolvida no setor da saúde, mas este acaba tornando-se

136

um „„salvador da pátria‟‟, como revela o depoimento a seguir, na medida em que a demanda

que chega às unidades de saúde tem que ser atendida:

(...) Porque o povo que precisa deste povo [profissionais de saúde] que tem este coração, esta

mentalidade de se enfiar num estudo desse para poder salvar a pátria (...).(João) .

Neste caso, o atendimento em saúde passa a apresentar um caráter paliativo, pois

enquanto a causa do problema não for resolvida, o usuário ainda pode retornar muitas vezes

à unidade de saúde.

À luz dos depoimentos dos sujeitos, o serviço médico corresponde a um dever, e quem

cumpre este dever exerce a cidadania; assim como o usuário tem o dever de cuidar da sua

própria saúde e ao buscar atendimento e recebê-lo, exerce um direito.

Portanto, a relação entre cidadania e saúde sendo entendida no âmbito do

direito/privilégio dos sujeitos e dever do Estado está voltada para a dimensão normativa, na

medida em que enfoca a questão dos direitos e deveres . Então, as normas sendo cumpridas

evidenciam o exercício da cidadania, conforme a discussão desenvolvida na primeira grande

linha deste estudo.

A expressão da cidadania no atendimento dos serviços de saúde

Ao relacionar a cidadania com o atendimento dos serviços de saúde, as idéias

veiculadas pelos sujeitos também comunicaram as marcas das dimensões valorativa-afetiva e

normativa. A primeira se expressou na importância atribuída pelos sujeitos à interação entre

usuários e profissionais de saúde (doze depoentes); e a segunda se expressou no atendimento

dos serviços de saúde (sete depoentes). Apenas uma depoente informou não saber responder a

esta questão.

137

A perspectiva valorativa-afetiva se expressou na interação entre os usuários e os

profissionais de saúde. Os depoentes consideraram que no atendimento, a relação/interação

dos profissionais deve ser permeada pela afetividade e por virtudes morais como, por

exemplo, carinho e respeito, respectivamente. Tal concepção vai ao encontro do que

entendem por cidadania, quando voltada para uma dimensão valorativa-afetiva, conforme

ficou evidenciada na primeira grande linha deste estudo.

Em sua teoria transpessoal do cuidado, Watson apud Talento (1993) tipologiza o

cuidado de enfermagem em duas grandes categorias: o instrumental e o expressivo. Na

primeira, estão congregados os procedimentos técnicos instrumentais de intervenção que se

atrelam à clínica em atendimento às demandas biológico-biomédicas do cliente. Na segunda,

estão congregados os cuidados que se dão no âmbito da interação e do acolhimento

correspondendo ao caráter relacional do cuidado. Outras pesquisadoras reiteram a importância

dos cuidados expressivos no âmbito do atendimento de saúde, em especial de enfermagem,

como Waldow (1998; 2006) quando evidencia o necessário resgate do cuidado humano.

Nesta linha, Ferreira (1999, p.214) demonstrou que elementos como

atenção, carinho, respeito, confiança são constituintes de um cuidado

expressivo, pois “valoriza a humanização do cuidado e resgata no sujeito a sua

condição humana”. Reiterando estes estudos, outras pesquisas evidenciaram o

caráter expressivo do cuidado e a valorização deste pelos clientes (MENDES;

CASTRO; FERREIRA, 2003; CASTRO; MENDES; FERREIRA; 2005;

FERREIRA, 2006).

Os depoimentos a seguir exemplificam o cuidado expressivo requerido pelos usuários

no atendimento de saúde:

138

Se você não transmitir… o seu interior pra outra, você não está sendo cidadão com a pessoa, não

(...)Aqui, nesta unidade, é tudo cidadão, pelo ambiente que a gente faz aqui dentro, porque se eu

chegasse aqui e visse mal-humor da pessoa, carrancudo, então é complicado(...). (Patrício)

[Fica em silêncio] Sim. Porque um remédio bem informado, a pessoa se sente outra. Tem que tratar

todo mundo igual, sem diferenças.(D.Maria)

Eu acho que a... Relação de saúde com cidadania? Eles procuram elevar muito, não só elevar na

saúde, mas moralmente as pessoas doentes. Isso é um gesto de cidadania, isso é fornecer cidadania

pra aquele que precisa, que está doente (...) então chega aqui e recebe um carinho, um reforço, acho que isso, né? É um gesto de cidadania que o posto oferece (...).( Marta)

(...) Pra mim é isso, fazem [profissionais de saúde] o melhor à pessoa (...). (João).

(...) o serviço, se não atender bem, um posto de saúde, não tem cidadania nenhuma (...). (D. Maria

B.)

Sim, porque vocês, às vezes, procuram orientar bem as pessoas (...). (Alfredo)

(...) porque, às vezes, a gente não procura, não vai à lugar nenhum; levei muito tempo sem fazer um

tratamento porque não procurava, vinha só aqui [policlínica em questão - aponta com o dedo

indicador pra baixo a fim de enfatizar o local referido], mas depois eu comecei a ir pra outros lugares

e aí... .acho que isso é cidadania, porque você vai, conversa com um, conversa com outro

[profissional de saúde] e vai entendendo melhor as coisas. (Matilde)

(...) uma coisa tão boa, a gente chega no posto, é bem tratado, é remédio, as meninas que vem,

tiram a pressão, né? Muito atenciosas [alunas de enfermagem da UFF], então é muito bom o que

vocês fazem com a gente. (Miriam)

O atendimento [fala baixinho]. É né? Tá na mão de cidadãos, que é o médico, que a gente confia,

não é um cidadão? Médico é um cidadão, a gente confia naquele cidadão pra ele exercer a cidadania

dele, tá? O médico tem que entender a outra pessoa; se ele é do bem, ele também tem que entender

outra pessoa que também é do bem, um cidadão.(Oti)

Ás vezes sim, às vezes não (...). Porque às vezes tem médico que olha e diz. "- Ah, você não tem

nada.", isso antes de te examinar. Então aí já começa errado.[Às vezes sim] Porque eles te

examinam direito, com maior paciência, com educação.(Neide)

Ao mesmo tempo que os usuários expressam querer ser bem atendidos, pois este é um

direito do cidadão e dever do profissional, isto não ocorre a contento, pois há experiências

que evidenciam o avesso do bom atendimento:

139

Está. Deveria estar, mas é péssimo por que? Porque as pessoas são mal remuneradas, trabalham

com má vontade, não tão fazendo aquilo que gostam, atende mal as pessoas, como se as pessoas

tivessem ali, pedindo uma esmola, mas não tão pedindo esmola (...).As pessoas são muito mal-

tratadas (...). (Zizi)

Fortes (1998) comenta que os profissionais de saúde, tanto do serviço público quanto

do privado, apresentam desmotivação para trabalhar em virtude das condições de trabalho,

como baixos salários, que os levam a trabalhar em mais de um emprego, o que proporciona

um falta de vínculo adequado com a clientela e com o próprio serviço. Além disso, estes

profissionais tiveram uma formação no ensino deficitária, o que gera um atendimento

inadequado às necessidades da clientela que favorece a despersonalização das relações com

os clientes.

Por outro lado, penso que tal situação dos profissionais de saúde não pode ser a

justificativa para o mal atendimento, pois „„o respeito à pessoa humana é um dos valores

básicos da sociedade moderna, fundamentando-se no princípio de que cada pessoa deve ser

vista como um fim em si mesma e não somente como um meio‟‟ (FORTES, op.cit.).

Em contrapartida, o bom atendimento, quando acontece, pode acabar sendo entendido

como um privilégio de poucos, pois diante de todas as dificuldades que o setor público de

saúde vem atravessando, o melhor parece estar reservado a poucas pessoas, que são as que

fazem parte de uma rede social que detém um certo prestígio na sociedade. Esta concepção é

ilustrada pela fala a seguir:

(...) O cidadão chega no hospital e diz que: “- Que atendimento bacana! Eles me trataram como se

fosse uma pessoa de projeção, me atendeu que eu fiquei até satisfeitíssíssimo”. (Edson)

A perspectiva normativa vem à tona, justamente, quando o atendimento dos serviços

de saúde é entendido no âmbito do direito de todos e dever do Estado.

140

(...) Tudo que pertence ao governo, ao Estado, e essas coisas tá ligado à cidadania. Eles é que ajudam

os cidadãos que tão com pouco, por exemplo, ir no centro de saúde, você poder ter conforto, ter

atendimento, essas coisas? Quem dá, não é o governo? É o governo, é obrigação do governo dar (...)

(Maria)

Ah.. tá né? Tá porque é um direito que todos nós temos, né? Uma assistência médica que as pessoas

têm direito, isso já tá instituído em governo, que a pessoa tem direito à saúde, né? Tem direito à

assistência médica (...). (Marizete)

Está, como também o direito do consumidor tá ligado à cidadania, a justiça gratuita, né? Também, todas essas coisas tão ligadas à cidadania.(Nely) Tá, porque o cidadão tem direito... ao tratamento dele, de saúde, como tem direito ao trabalho (...). (Glória)

É o atendimento das pessoas, eu acho. Porque se as pessoas não tiverem atendimento, como que eles

vão viver? Todo mundo tem seus problemas, todo mundo passa suas dores, todo mundo precisa de

um atendimento, de uma assistência... Todo mundo é cidadão. (Carminha)

Sim. Porque é um direito de todo mundo. É um direito e dever. É pago [o profissional de saúde]

para isso, né? Tem obrigação de fazer, né ? (Naná)

Portanto, a terceira grande linha relação entre cidadania e saúde traduz as dimensões

valorativa e normativa, que sustentaram a discussão da representação social da cidadania na

primeira grande linha e, portanto, para melhor entendê-la, implica em que se faça um outro

investimento no sentido da busca das co-ocorrências havidas entre os temas e as dimensões –

normativa e valorativa - que sustentaram a organização das três linhas.

A fim de reunir os elementos para compor a representação social da cidadania

foram realizadas as co-ocorrências sintetizadas no quadro a seguir:

141

Quadro demonstrativo da relação estabelecida entre pensamento e ação nas

dimensões valorativa e normativa

Definiçã

o de

cidadani

a

Ação

de

cidada

nia

Tipos

de

cidadão

Expressão da

cidadania no

atendimento

dos serviços de

saúde

Ação/Reação

quando os

direitos não

são

respeitados

Sentimentos

quando os

direitos não

são

respeitados

Valorati

vo

(V)

V Todo

mundo

é

cidadão

/ não é

cidadão

.

Interação entre

usuários e

profissionais de

saúde.

Informaram

não fazerem

nada.

Revolta;

sentir-se mal;

tristeza e

raiva;

indiferença.

Normati

vo (N)

N Não-

cidadão

> (/-)

cidadão

> bom /

mau

cidadão

.

Atendimento no

âmbito

normativo >

(QUASE

IGUAL)

interação entre

usuários e

profissionais de

saúde.

A maioria dos

depoentes

referiu algum

tipo de ação

para mudar.

Tristeza;

revolta;

indiferença;

irritação;

conformismo;

humilhação;

mágoa.

Das co-ocorrências, as que se destacaram foram:

1. Co-ocorrência entre definição e ação11

de cidadania

1.1. Definição de cidadania valorativa e ação valorativa

142

Dos vinte sujeitos (20) desta pesquisa, cinco (5) pensaram a cidadania e sentiram-

se cidadãos agindo no âmbito valorativo, conforme os dados constantes no quadro A

(APÊNDICE E).

Para estes sujeitos, em relação ao exercício da cidadania, há dois tipos de pessoas:

o não-cidadão (quatro sujeitos); e o cidadão, já que um (1) dos sujeitos deste grupo

considerou que „todo mundo é cidadão‟.

Os cinco (5) sujeitos que se classificaram no âmbito valorativo, diante do não

respeito aos seus direitos, referiram a adoção de um comportamento passivo, na medida

que não reagem para reverter o quadro de desrespeito. O sujeito valorativo se sente

cidadão na

______________________

11 A ação foi captada à luz da seguinte pergunta aos sujeitos: O que você faz que o deixa sentir como um

cidadão?

ação, quando esta se expressa também no âmbito valorativo. Quando há desrespeito aos

seus direitos, ou seja, desrespeito às normas, ele não reage, pois a cidadania dele está

pautada nos valores e não nas normas. Como a cidadania não se ancora nas normas, mas

sim nos valores, não consegue acessá-las e, por isso, não reivindica a sua aplicação (das

leis e normas).

Sobre a expressão da cidadania no atendimento dos serviços de saúde, quatro (4)

destacaram a interação entre usuários e profissionais de saúde em uma dimensão

valorativa-afetiva, e uma (1) depoente informou não saber responder.

Quanto aos sentimentos derivados do não respeito aos seus direitos, duas (2)

depoentes referiram sentir-se mal, um (1) depoente referiu revolta; uma (1) depoente

referiu sentir indiferença; e uma (1) depoente informou sentir tristeza e raiva.

1.2. Definição de cidadania normativa e ação normativa

143

Do total dos depoentes (20) desta pesquisa, onze (11) pensaram a cidadania e

sentiram-se cidadãos agindo no âmbito normativo, conforme os dados constantes no

quadro A (APÊNDICE E).

Para estes sujeitos, em relação ao exercício da cidadania, há três tipos de pessoas:

o não-cidadão (oito sujeitos); o mais/menos cidadão (seis sujeitos); e o bom/mau cidadão

(dois sujeitos). É importante relembrar que estas tipologias não foram excludentes, pois

alguns depoentes referiram mais de uma delas, de acordo com a forma como as pessoas

exercem seus direitos e cumprem seus deveres.

Entre os onze (11) que se classificaram no âmbito normativo, diante do não

respeito aos seus direitos, nove (9) deles referiram adotar comportamento ativo e agirem

para reverter o quadro de desrespeito ao qual foram impostos, em uma demonstração de

resgate da sua cidadania; e dois (2) referiram não reagirem, ou seja, entendem a cidadania

no âmbito normativo, mas não conseguem acessar as normas para orientar a sua ação,

parecendo então, com a situação das pessoas que pensam e agem voltadas para a

dimensão valorativa. É importante destacar que a dimensão valorativa marcou a

representação dos vinte (20) sujeitos, na medida em que a dimensão normativa veio

sempre acompanhada da valorativa, conforme discutiu-se na primeira grande linha desta

pesquisa.

Sobre a expressão da cidadania no atendimento dos serviços de saúde, seis (6)

enfocaram o atendimento nestes serviços em uma perspectiva normativa, e cinco (5)

destacaram a interação entre usuários e profissionais de saúde em uma dimensão

valorativa-afetiva.

No tocante aos sentimentos derivados do não respeito aos seus direitos, uma (1)

depoente referiu tristeza; quatro (4) referiram revolta; um (1) referiu indiferença; um (1)

144

referiu irritação; (1) uma conformismo; duas (2) humilhação, e um (1) referiu sentir

mágoa.

2. Co-ocorrência entre expressão da cidadania na saúde e ação de cidadania

Expressão da cidadania na saúde Ação de

cidadania

Saúde como bem-estar físico que se

expressa na atividade do corpo (no

âmbito valorativo)

Valorativa

Saúde como serviço médico e saúde

como direito/dever e saúde como

bem-estar físico que se expressa na

atividade do corpo (no âmbito não-

valorativo)

Normativa

2.1. Saúde valorativa, ação de cidadania valorativa

Destaca-se que dos oito (8) sujeitos que informaram ser a saúde um bem-estar

físico que se expressa na atividade do corpo, cinco (5) destes estavam voltados para uma

perspectiva valorativa da saúde, expressando a ação enquanto cidadão, também no âmbito

da ética das virtudes.

2.2. Saúde normativa, ação de cidadania normativa

Em uma perspectiva de saúde normativa, encontram-se doze (12) depoentes,

englobando: os quatro (4) que informaram a saúde como um serviço médico; cinco (5)

que referiram saúde como direito/dever, e os três (3) depoentes que referiram ser a saúde

145

como bem-estar físico (âmbito não-valorativo). Todos os referidos sujeitos também

expressaram a ação de cidadania no âmbito normativo.

À luz destas co-ocorrências, pode-se, então, dizer que a dimensão dos valores

encontra-se no indivíduo, é subjetiva e pode acontecer de forma independente; já a

dimensão das normas encontra-se no coletivo, é objetiva e apresenta-se de forma

simultânea com a dimensão valorativa. Isso pode ser explicado porque as regras são

permeadas pela dimensão valorativa, pois quando uma lei prevê punição para um caso de

roubo, por exemplo, valores morais como honestidade, dignidade e respeito sustentam

esta punição. E as duas dimensões são manifestadas nas relações interpessoais.

O esquema abaixo ilustra tal concepção:

Valores indivíduo subjetividade

Manifestam-se nas

relações interpessoais

Normas coletivo objetividade

subjetividade

É importante atentar para o fato de que as morais normativas e valorativas não são

opostas, e sim apresentam pontos de vista diversos que podem se entrelaçar. É como se a

dimensão valorativa equivalesse a uma descrição de uma boa ação, enquanto a dimensão

normativa equivalesse a uma prescrição de comportamentos, isto é, de uma ação

estabelecida e considerada como boa, - voltada para o bem, para a justiça -, por uma

determinada sociedade (BOBBIO, 2002).

146

A seguir, apresento um desenho do campo da representação social da cidadania, à

luz dos sujeitos desta pesquisa.

Representação social da cidadania e seus nexos com a saúde

Saúde direito/dever

saúde como bem-estar físico

(valorativo) saúde – serviço médico

saúde como bem-

estar físico

Ação valorativa Ação normativa

-interação entre

usuários e profissionais RS da - direitos não atendidos:

CIDADANIA a maioria luta

- direitos não atendidos: - indiferença, revolta,tristeza,

não fazem nada irritação, conformismo

tristeza, raiva.

-revolta,sentir-se mal,

tristeza e raiva; conformismo

- não-cidadãos; +/- cidadão >

- não-cidadãos / cidadãos bom / mau cidadão

-

direito/dever > interação

interação entre usuários e usuários e

profissionais

profissionais

definição valorativa definição normativa

147

Considerações

finais

148

As representações sociais da cidadania pelos usuários de um serviço ambulatorial

de saúde

Parti de uma problematização vivenciada quando estudante sobre o conhecimento dos

clientes hospitalizados acerca de seus direitos e deveres. Pude constatar que os clientes

apresentavam dúvidas sobre os seus direitos, e estas estavam relacionadas às suas condições

de saúde, mas não restritas ao campo hospitalar. Após a graduação, pude vivenciar a

experiência de cuidar de clientes no Programa Saúde da Família (PSF) e percebi que estes

clientes, de um modo geral, não tinham informações plenas sobre seus direitos sociais, o que,

de alguma forma, acabava por implicar nas questões relacionadas às suas condições de saúde.

Esta foi a problemática que veio a culminar na proposta da pesquisa em tela, pois

parti do princípio de que uma pessoa ao não ter clareza sobre os seus direitos, pode vir a ter

limitações no exercício de sua cidadania, as quais podem até reduzir o nível de qualidade de

vida. Passei, então, a considerar a cidadania como um objeto importante a ser estudado, uma

vez que estava clara para mim a sua estreita relação com as condições de saúde.

No investimento feito para uma melhor aproximação com este objeto, destacou-se a

dialética havida, na cultura brasileira, entre o exercício do direito e o do privilégio. Este

último, muitas vezes, emergindo no dia-a-dia das pessoas marcando sobremaneira as

condições de acesso e atendimento no setor saúde, diante da inoperância do Estado na

atenção ao cidadão.

No atendimento de enfermagem, nas conversas que mantinha com os clientes,

emergiam várias questões relacionadas não só às condições objetivas de saúde ligadas às

medidas de promoção da saúde, prevenção das doenças, à dinâmica mesma das doenças as

quais os levavam à busca de atendimento profissional (diagnóstico, tratamento, reabilitação e

cura), mas outras que se relacionavam aos direitos/deveres dos cidadãos e implicavam

149

diretamente no pleno exercício da cidadania como, por exemplo: a falta de condições

financeiras dos clientes para adquirir os remédios e/ou para custear o transporte e o não

conhecimento pleno das políticas sociais relacionadas a estes temas específicos, entre outras

questões. Ainda mais, identifiquei que o exercício da cidadania abrangia outras dimensões

ligadas tanto a esfera do conhecimento, quanto da ação.

Neste sentido, passei a dimensionar o objeto cidadania abarcando as possíveis

relações que este poderia ter com a informação/conhecimento, as atitudes e as práticas/ações

das pessoas no processo de viver a vida. Constitui-se em um objeto, portanto, multifacetado,

implicado nas relações sociais cotidianas.

A partir da problemática

evidenciada, o objeto foi cunhado

à luz da Teoria das

Representações Sociais (TRS), no

sentido de acessar o que os

sujeitos pensam e como pensam a

cidadania, com vistas a, a partir

daí, entender as suas ações no que

tange à relação com os serviços de

saúde.

A abordagem teórica escolhida para orientar a pesquisa implicou em entender o

objeto cidadania implicado no sujeito, uma vez que a Teoria não concebe a separabilidade

entre sujeito e objeto. À luz da TRS, a cidadania foi concebida como uma forma de

conhecimento prático, tecido no cotidiano vivido na experiência do sujeito, orientando-o nas

suas ações. Sob este prisma, entender o sujeito como ativo e participativo no processo de

construção do conhecimento sobre as questões relacionadas à sua saúde é crucial e requer

esmerada atenção dos profissionais que o cuidam, principalmente da enfermeira por ser esta

150

responsável pela promoção da saúde, conforto e bem-estar, em respeito à dignidade humana,

de acordo com o que preconiza os princípios básicos da nossa profissão (NIGHTINGALE,

1989).

Ainda em defesa da

relação que se estabelece entre esta

pesquisa e a enfermagem, destaca-

se que o conceito de cuidado de

enfermagem aplicado é fruto de

uma ação (cuidar) que age sobre a

vida, produzindo ações e reações

no sujeito e, neste sentido, tem o

potencial de conduzi-lo a um

processo de conscientização

enquanto sujeito no mundo.

Portanto, pode levá-lo à

autonomia e à expansão em seu

meio social, qualidades estas

importantes no exercício da

cidadania. Neste sentido, o

universo representacional do

sujeito foi abordado nesta

pesquisa como subsídio para se

discutir o cuidado de enfermagem

à nossa clientela.

Isto posto, os dados coletados foram congregados com o intuito de se

chegar ao universo representacional dos sujeitos sobre o objeto cidadania. As

151

três grandes linhas emergentes se desenharam a partir das marcas que se

destacaram dos depoimentos, sendo que as duas primeiras abordaram os

determinantes da cidadania e a sua origem. Estas duas grandes linhas foram

cruciais para o atendimento do primeiro objetivo traçado nesta pesquisa. A

terceira grande linha congregou as relações estabelecidas entre o objeto

cidadania e saúde, em atenção ao segundo objetivo da pesquisa.

No processo de construção da representação social da cidadania, os

sujeitos levantaram atributos de qualificação da pessoa cidadã, cujo cunho do

discurso foi de julgamento moral. Esta atribuição de sentido se deu em dois

âmbitos: valorativo e normativo e, a partir daí, foram se estabelecendo os nexos

entre os determinantes da cidadania e a sua origem.

A discussão da dimensão valorativa se deu à luz da ética das virtudes e a

da normativa à luz da ética das regras. Destaca-se que a dimensão valorativa

marcou majoritariamente as representações, haja vista sua incidência na fala de

todos (20) os sujeitos. A dimensão normativa marcou a fala de dois terços (14)

dos sujeitos, em co-ocorrência com a dimensão valorativa, emergindo, também,

como importante no cômputo geral dos dados.

A dimensão valorativa é um diferencial no exercício da cidadania e traz a

marca do afeto, enquanto a dimensão normativa traz a marca da

informação/conhecimento. Isto reforça a questão de que a representação social

da cidadania está imbricada no conhecimento (ética das regras – normas,

regulamentos e leis, que são do âmbito social) e nos valores (ética das virtudes –

152

também afetiva, que é do âmbito pessoal). Por um lado, a norma – na

dependência da qualidade da informação que o sujeito traz; por outro, o valor –

na dependência das qualidades pessoais de cada um.

Este resultado aponta que, na representação social dos sujeitos, a dimensão

normativa evidencia o exercício da cidadania de uma forma mais democrática, já

que a norma é, em certa medida, geral e aplica-se a todos, sem distinção. Já a

dimensão valorativa, que foi majoritária, individualiza o exercício da cidadania,

uma vez que esta marca é afetiva e, portanto, expressa o sujeito na

particularidade de sê-lo. Esta relação explica, de certa forma, a tipologia dos

cidadãos construída pelos sujeitos, na qual as marcas das dimensões valorativa e

normativa ficaram bastante evidentes.

A tipologia medida por gradientes de cidadania coloca os sujeitos em

condições diferenciadas, ainda que, em tese, a norma os iguale. A diferença

entre os cidadãos se dá, justamente, pelo julgamento moral, de âmbito valorativo

(afetivo), capaz tanto de afirmar a condição cidadã do sujeito, como de negá-la

e, ainda, de resgatá-la, quando por não respeito à norma, o sujeito perde ou

diminui a sua condição de cidadão.

Neste sentido, a dimensão valorativa (majoritária na representação dos

sujeitos) leva a cidadania a ganhar a conotação de “estado”, passando da

abstração à objetividade tangível de algo que se pode ter mais ou menos ou

deixar de ter. Assim, as pessoas não são, mas sim tornam-se cidadãos, na

153

dependência de como exercem a cidadania no seu cotidiano e do julgamento

moral da sociedade em que vivem.

Quanto à origem da cidadania, os resultados coadunam-se com a análise

anterior, uma vez que mais de dois terços (16) dos sujeitos veicularam a idéia

de que a cidadania vem “de fora”, sendo extrínseca ao sujeito; somente três (3)

comunicaram que esta seria intrínseca a eles. Ao contrário do que ocorreu na

grande linha que tratou dos determinantes da cidadania, na sua origem não

houve co-ocorrência dos temas, ou seja, as “fontes” não se misturaram: ou o

sujeito recebe a cidadania de fora ou de dentro (nasce com ele).

Quando a origem da cidadania é extrínseca ao sujeito, tem a marca tanto

da dimensão normativa (ética das normas) como da valorativa (ética das

virtudes, afetiva); quando é intrínseca, a marca é exclusiva da dimensão

valorativa. A explicação sobre a origem faz sentido quando se reporta ao

universo representacional dos sujeitos sobre os determinantes da cidadania, pois

se a cidadania vem de fora está sujeita tanto às leis e normas sociais quanto ao

julgamento da moral valorativa; se vem de dentro, assujeita-se, somente, à esfera

da subjetividade e, portanto, arraiga-se exclusivamente à ética das virtudes, não

passando pelas normas e valores sociais.

Neste sentido, identifica-se que o objeto cidadania é naturalizado no

discurso dos sujeitos, pois apareceu como algo que já existe, fazendo parte do

panorama social. Isto porque na representação social dos sujeitos, a cidadania é

concedida pela família/escola/Estado; ou como algo que se tem que buscar, mas

154

que já está pronto; ou então, porque já existe dentro da própria pessoa, fazendo

parte da sua essência, dada por Deus.

Em uma visão pró-ativa da cidadania, esta seria construída. Sendo assim,

o trabalho a se fazer seria o da “desnaturalização” do objeto, no sentido de trazer

a exigência de novos direitos/deveres e não somente usufruir os que já existem.

155

Representações sociais da cidadania: possibilidades de nexos com a saúde e o

cuidado de enfermagem

A relação estabelecida entre a cidadania e a saúde foi feita a partir da busca do

entendimento dos sujeitos das possíveis relações havidas entre os objetos cidadania e saúde, e

entre cidadania e o atendimento dos serviços de saúde. Assim, as representações dos sujeitos

foram construídas a partir das suas concepções sobre saúde, correspondendo à busca pela

primeira relação; e a partir da interação estabelecida entre eles e os profissionais de saúde,

correspondendo à busca pela segunda relação feita.

É interessante destacar que a relação entre a interação cliente e profissional foi

estabelecida à luz da dimensão valorativa (afetiva), expressando o desejo dos sujeitos por um

cuidado humano, isto é, permeado de elementos como carinho, atenção, respeito, dignidade e

confiança; e o atendimento dos serviços foi pensado à luz da dimensão normativa, quando

referiram entendê-lo como um direito de todos e dever do Estado.

Ressalta-se que os resultados desta pesquisa mostraram que:

- Do total dos depoentes desta pesquisa (20), onze (11) pensam a cidadania e a exercem

no âmbito normativo, ou seja, a identidade cidadã se constrói a partir de ações normativas

e, diante do não respeito aos seus direitos, nove (9) destes comunicaram a adoção de um

comportamento ativo agindo para reverter o quadro de desrespeito, em um resgate da sua

cidadania. Os outros dois (2) não comunicaram nenhuma ação neste sentido, ou seja, estes

sujeitos entendem a cidadania no âmbito normativo, mas não conseguem acessar as

normas para orientar a sua ação diante de um quadro de não respeito à sua condição

cidadã, parecendo acessarem somente o cunho valorativo da cidadania – que marcou a

representação de todos os sujeitos. O valor, neste caso, sobrepuja às normas. Na relação

entre cidadania e o atendimento dos serviços de saúde, estes sujeitos comunicaram as

156

marcas normativas – seis (6); e valorativa-afetiva da cidadania – cinco (5), expressadas na

interação entre profissional e cliente.

- Outros cinco (5) sujeitos pensam a cidadania no âmbito valorativo, sentem-se cidadãos

quando agem no âmbito valorativo e, diante do não respeito aos seus direitos,

comunicaram a adoção de um comportamento passivo, não agindo para reverter o quadro

de desrespeito. O sujeito que pensa a cidadania no âmbito valorativo sente-se cidadão

quando as ações se expressam também no âmbito valorativo, ou seja, a sua identidade

cidadã se constrói a partir de ações pautadas na ética das virtudes. Quando há desrespeito

aos seus direitos, ou seja, desrespeito às normas, ele não reage, pois a cidadania dele está

pautada nos valores e não nas normas. Não consegue acessar as normas para orientar a sua

ação quando a sua cidadania é violada. A relação entre cidadania e o atendimento dos

serviços de saúde também se expressou no âmbito valorativo, uma vez que quatro (4)

destes sujeitos aproximaram as idéias entre cidadania e atendimento no âmbito da

interação entre os usuários e os profissionais de saúde, destacando-se o valorativo-afetivo

implicado nesta interação.

Disto se pode extrair a seguinte relação entre o pensamento e ação dos sujeitos:

Cidadão normativo – ação cidadã normativa – ativo e reivindicativo na busca e resgate

dos seus direitos – a cidadania e o atendimento de saúde se dá de forma normativa e

valorativa.

Cidadão valorativo – ação cidadã valorativa – passivo e submisso diante do não-respeito

aos seus direitos - a cidadania e o atendimento de saúde se dá de forma valorativa.

157

No que tange a relação da cidadania à concepção de saúde, do total de sujeitos,

treze (13) sujeitos pensaram a saúde voltadas para o campo normativo (4 como serviço

médico; 6 como direito/dever; e 3, como um bem-estar físico fora do âmbito valorativo).

Destes treze (13) sujeitos, doze (12) sentem-se cidadãos quando suas ações se enquadram

na dimensão da ética das normas.

Ainda sobre esta relação, cinco (5) sujeitos conceberam a saúde no âmbito

valorativo, expressada no bem-estar físico fruto da atividade do corpo. Todos estes

sentem-se cidadãos quando suas ações se enquadram na dimensão da ética das virtudes.

Disto se pode extrair a seguinte relação:

Cidadão normativo – saúde normativa

Cidadão valorativo – saúde valorativa

Ressalta-se que o comportamento passivo dos sujeitos atende à ideologia da

dominação-subordinação, pois tais sujeitos não demonstraram potencial reivindicatório

quando referiram que se comportam passivamente diante dos serviços de saúde – acatam

o que lhe é imposto, contribuindo para a manutenção do estado vigente. Neste sentido,

entender o porquê da não-reação, relacionando que a mesma se sustenta em uma

determinada representação do que seja a cidadania, ajuda a pensar que não se deve

reforçar este tipo de comportamento quando se interage com os clientes. No entanto, o

não-reforço não deve estar centrado na tentativa de julgar a ação deles com o intuito de

reverte-la, mas sim, no necessário fomento à crítica e reflexão sobre a cidadania e o que

significa exerce-la.

A crise do setor saúde responde pela crise maior pela qual passa o nosso país e, em

meio a isto, assistimos diversas situações de não respeito aos direitos dos cidadãos. Sabe-

158

se que a crise atinge a todos e afeta em cheio as condições de trabalho de quem atua no

campo da saúde na rede pública. No entanto, não se pode tomar isto como uma

justificativa para o mal-atendimento e a falta de compromisso dos profissionais com a

clientela, nem como fatores naturais e normais do cotidiano. Muitas vezes naturaliza-se

determinados tipos de

159

procedimentos e formas de atendimento como inerentes ao serviço público e, portanto,

esperados por aqueles que dele fazem uso. Quando o inverso do que se espera ocorre,

toma-se como uma novidade e/ou um privilégio, de cunho esporádico e não inerente ao

conjunto de ações cidadãs.

Na discussão fomentada a partir dos resultados desta pesquisa, principalmente no que

foi evidenciado na terceira grande linha, ficou claro que os sujeitos querem ser bem

atendidos nos serviços de saúde, e que esse bom atendimento reflete o respeito que se

deve ter pela dignidade humana, não devendo ser um privilégio para poucos. Os sujeitos

expressaram querer um cuidado que reforce a sua condição humana. No entanto, o fato de

haver um conjunto de sujeitos que não expressam alguma ação em prol da reivindicação

dos seus direitos quando estes são violados, questiona-se, assim, a sua própria condição e

dignidade humana.

No entendimento de como o grupo de sujeitos que participou desta pesquisa pensa e

informa manifestar as suas ações no exercício da cidadania, identificou-se uma marca da

expressão da cidadania no atendimento dos serviços de saúde: a interação que se

estabelece entre os profissionais de saúde e os clientes.

Ao freqüentar uma unidade de saúde da rede pública, o cliente está exercendo o seu

direito à saúde e, portanto, tem direito à assistência de enfermagem. Neste sentido,

destaco que a re-afirmação da cidadania do cliente se pauta, também, na relação que se

estabelece entre os profissionais de enfermagem e o cliente. Assim, a interação ganha um

“status” privilegiado no conjunto das ações.

Trabalhando-se com o pressuposto de que no campo da saúde a enfermagem atende o

sujeito, uma vez que não está voltada para o objeto – doença – que muitas vezes leva o

cliente a buscar atenção profissional, o cuidado volta-se para o fortalecimento e/ou resgate

da condição humana de ser ativo e criativo no processo de viver e experienciar o

160

adoecimento. Neste sentido, o esforço deve ser feito para despertá-lo às questões que

envolvem a cidadania. Por isso, entender que esta assume cunhos diferenciados no âmbito

das normas e dos valores é importante para melhor orientar a ação da enfermeira.

Assim, a interação com os sujeitos deve primar pelo diálogo, na aplicação dos

princípios da dialogicidade, em um encontro horizontal e não vertical no qual a autoridade

do discurso profissional ganha primazia. Na dialogicidade, os sujeitos envolvidos

(profissional e cliente) usufruem a possibilidade de se perceberem como construtores dos

seus conhecimentos à luz de suas vivências pessoais.

No encontro dialógico, os sujeitos traduzem as informações dando-lhes sentido e têm

a oportunidade de discutir as questões referentes a sua situação de saúde e, assim, podem

se perceber capazes de identificar que, em determinadas situações, há várias opções

possíveis, e a ele cabe decidir qual é o melhor caminho a seguir. Desta forma, liberta-se

da “amarra” do discurso autoritário da saúde e tem melhores condições para lutar pelo

exercício de sua cidadania. O incremento do diálogo e da dialogicidade, na maioria das

vezes, é referido no campo da estratégia de grupos de educação em saúde. Sem dúvida,

este é um espaço privilegiado de encontro; no entanto, ressalto que no atendimento

individual, de consultório, ou mesmo na unidade de internação, a dialogicidade pode estar

presente, desde que faça parte das concepções que sustentam a interação a ser construída

entre o profissional e o cliente.

A enfermagem é uma profissão voltada para a promoção, manutenção e recuperação

da saúde das pessoas. No discurso teórico da profissão, destaca-se a necessária

identificação das necessidades humanas, principalmente daquelas implicadas no estado de

saúde das pessoas. Neste ínterim, à luz dos resultados desta pesquisa, destaca-se que,

nesta tarefa, deve-se levar em conta a realidade psico-sócio-cultural (pertença social) dos

sujeitos. Isto porque o que significa necessidade para uma pessoa, pode não ser

161

considerada para outra, e para que o profissional compreenda tais necessidades

“pautada(s) no bem-estar coletivo e social, é preciso estar ligado a uma concepção política

e moral do que seja o ser humano”. (OLIVEIRA, 2005, p. 120)

Penso com este estudo, estar trazendo à tona reflexões para a enfermagem no que diz

respeito tanto ao exercício da cidadania dos sujeitos, clientes do seu cuidado, quanto para

o dos próprios profissionais. Concordo com Carvalho (2004) quando diz que a

enfermagem precisa aprender novos princípios, como por exemplo, o de jurisprudência

pertinente aos direitos à saúde.

No entanto, esse tipo de discussão precisaria começar desde a graduação em

enfermagem, de modo que o estudante pudesse atentar para as duas dimensões morais da

cidadania, entendendo as suas próprias formas de ação como cidadão. Desta forma, talvez,

estivesse melhor preparado para atuar na promoção da cidadania do e com o outro.

Este trabalho mostra através do estudo das representações sociais da cidadania que

existem ressignificações deste objeto pelos sujeitos, não se podendo fundi-las em uma só.

O desafio está, penso, em nos aproximarmos delas de modo compreensivo, a fim de

entender os porquês das ações dos sujeitos – diante da mesma situação, submetido às

mesmas condições, alguns agem de uma maneira e outros, de outra. Tal compreensão

pode nos dar pistas para traçar metas que se configurem em possibilidades

transformadoras na dinâmica da vida e do atendimento à saúde dos cidadãos.

162

163

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171

172

APÊNDICES

173

APÊNDICE A - Instrumentos de

coleta de dados

A) Roteiro para traçar perfil sócio-

cultural

Dados de identificação:

- sexo:

- idade:

- estado civil:

- grau de instrução:

- situação empregatícia:

- renda própria mensal / renda familiar mensal:

- religião:

- condições de moradia:

B)Entrevista semi-estruturada

1) Quando se fala sobre

cidadania o que lhe vem em mente?

2) Todo mundo é cidadão?

3) Existe diferença entre um

cidadão e outro?

- Que diferenças são essas?

4) Quais as características que alguém tem que ter para ser cidadão?

5) De onde vem a cidadania?

- É dada por alguém?

- Quem?

6) A nossa saúde tem a ver com cidadania?

7) Que fatores, você citaria, que influenciam você a ter uma saúde melhor?

8) O atendimento em serviços de saúde está ligado á cidadania? Por quê?

9) O que você faz que o deixa sentir como um cidadão?

10) Existem direitos que estão relacionados com o estado de saúde, isto

é, como a pessoa vai de saúde. Você saberia me dizer algum?

- Por exemplo: a gratuidade da passagem de ônibus diante de determinados

problemas de saúde.

- Como ficou sabendo?

174

- Nas unidades de saúde, você recebeu informações sobre direitos por

alguém?

- Você já viu algum cartaz na unidade de saúde que você freqüenta, falando

sobre direitos?

- E as palestras, em unidades de saúde, você já assistiu falando sobre os

direitos?

11) Como você se sente diante de uma situação na qual os seus direitos da

cidadania não foram atendidos?

- O que você faz diante disso?

12) Você conhece algum setor/órgão da sociedade que esclarece sobre

cidadania?

13) Qual a importância do exercício da cidadania?

- Você gostaria de falar mais alguma coisa a respeito?

175

APÊNDICE B – Solicitação à

Policlínica de Saúde de Niterói para

o desenvolvimento da pesquisa

ocorrer junto aos usuários desta

unidade de saúde.

Da: Mestranda Raquel Coutinho

Veloso

Para: Diretor(a) da Policlínica

Comunitária da Fundação

Municipal de Saúde de Niterói

Assunto: Solicitação

Sr(a) Diretor(a)

Venho por meio desta

solicitar a permissão de V. S.a para

desenvolver a pesquisa intitulada

“Representações sociais dos usuários

de um serviço ambulatorial de saúde

sobre sua condição cidadã”, junto

aos usuários desta unidade de saúde.

Cumpre-me informar que esta

pesquisa resultará na minha

dissertação de mestrado em

Enfermagem, curso que realizo na

Escola de Enfermagem Anna Nery,

sob a orientação da Profa Dra

Márcia de Assunção Ferreira.

Esclareço que conforme a

metodologia que pretendo

desenvolver, os clientes serão

consultados, esclarecidos acerca dos

176

objetivos, podendo escolher em

concordar ou não em participar da

pesquisa.

Coloco-me à disposição para

os esclarecimentos que se fizerem

necessários e desde já agradeço a

atenção recebida.

Atenciosamente,

Raquel Coutinho Veloso

Enfermeira

COREN/ RJ no 102048

177

APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ESCOLA DE ENFERMAGEM ANNA NERY

COORDENAÇÃO GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA

CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM

Termo de atendimento à Resolução

no 196/96 do Conselho Nacional de

Saúde

Item IV-

Consentimento Livre e Esclarecido

Prezado (a) Cliente

Venho por meio deste

consultá-lo a respeito de sua

participação na pesquisa que

pretendo desenvolver nesta unidade

de saúde. Para tanto, esclareço os

seguintes pontos:

- sou enfermeira, aluna do curso de

mestrado da Escola de Enfermagem

Anna Nery da Universidade do Rio

de Janeiro (UFRJ) que tem duração

máxima de 24 meses.

- Trata-se de uma pesquisa cujo

título é “Representações sociais dos

usuários de um serviço ambulatorial

de saúde sobre sua condição cidadã”.

A orientação deste trabalho é

realizada pela Profa Márcia de

Assunção Ferreira. Esta pesquisa

resultará em uma dissertação de

mestrado que dará a mim o título de

Mestre em Enfermagem, importante

178

para a carreira universitária a qual

pretendo seguir.

Os objetivos desta pesquisa

consistem em:

- Caracterizar as representações sociais de pessoas usuárias de um serviço

ambulatorial sobre sua condição cidadã;

- Analisar as relações que os sujeitos estabelecem com o serviço de saúde a

partir das representações sociais sobre sua condição cidadã;

- Discutir as implicações das representações sociais sobre a condição cidadã

destes sujeitos para o cuidado de enfermagem.

Este termo de Consentimento Livre e Esclarecido constitui-se em uma exigência ética e científica da Resolução 196/96 –Conselho Nacional de Saúde, na medida em que se trata de uma pesquisa que envolve seres humanos.

Os princípios que serão aplicados a todos os participantes desta pesquisa são os seguintes:

1) Sua participação é totalmente voluntária; 2)Você pode sair do estudo a qualquer momento que

deseje. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador e em sua

relação com esta unidade de saúde. Se você já tiver concedido a entrevista gravada, a fita lhe

será entregue; 3) Após a leitura destas explicações, você poderá fazer qualquer pergunta

necessária para o entendimento deste estudo; 4) Os benefícios previstos relacionados com sua

participação envolvem proporcionar subsídios para um cuidado de enfermagem que contribua

para ajudar o sujeito a tomar decisões, a ser ativo, participativo, consciente de seus direitos e

capaz de transformar sua qualidade de vida para melhor; 5) Este trabalho não apresentará

risco para você como sujeito da pesquisa, na medida em que não afetará sua integridade física

e psicológica; 6) Você não terá nenhum custo ou quaisquer compensações financeiras.

- Procedimentos a serem seguidos: Será realizada uma entrevista semi-estruturada – conversas

que terei com vocês, clientes que aceitarem participar. Para facilitar a captação das falas,

utilizarei como recurso, uma gravação em fita magnética, caso seja autorizada por você, que

posteriormente será transcrita na íntegra. Os dados obtidos serão, exclusivamente, utilizados

apenas para a pesquisa em questão. As fitas magnéticas ficarão sob minha guarda durante 5

anos e depois serão destruídas.

- Confidencialidade: a privacidade das informações será garantida por mim, enquanto

investigadora do estudo e sua utilização obedecerá estritamente os objetivos científicos. Sendo

assim, suas respostas serão tratadas de forma anônima e confidencial, isto é, em nenhum

179

momento será divulgado o seu nome em qualquer fase do estudo. Você poderá escolher um

pseudônimo (apelido) com o qual gostaria de ser denominado(a) durante o estudo, para

preservar sua identidade.

Você receberá uma cópia deste termo

onde consta o telefone/e-mail do

pesquisador principal, podendo tirar

suas dúvidas sobre o projeto e sua

participação, agora ou a qualquer

momento.

__________________________

________________

__________________________

Pesquisador Data

TELEFONE/ E-MAIL DO PESQUISADOR: (21) 8129-1579 / [email protected]

TELEFONE DE CONTATO DO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA - Escola de Enfermagem Anna Nery EEAN/HESFA – (21) 2293-8148

Data, _____de__________________de _________

Declaro estar ciente deste TERMO DE CONSENTIMENTO e estou de acordo em participar

da pesquisa proposta, conforme consta neste documento.

__________________________ _______________________

Sujeito da pesquisa Data

180

APÊNDICE D – Tabelas 1 a 7

Tabela 1

Identificação por sexo e idade dos

20 clientes da Policlínica

Comunitária de Niterói que

participaram como sujeitos da

pesquisa.

S

e

x

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Masculino

Feminino

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Tabela 2

Referente ao estado civil dos entrevistados

S

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x

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Masculino Feminino TOTAL

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185

Tabela 3

Referente ao grau de escolaridade dos entrevistados

S

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Feminino

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190

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192

193

Tabela 4

Referente à

religião dos entrevistados

S

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197

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* Significa que vão a missa uma vez por

semana, geralmente aos domingos.

Tabela 5

Referente à situação

que gera fonte de renda dos

entrevistados

S

e

x

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204

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1

5

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0

2

0

1

0

0

Tabela 6

Referente à renda

financeira pessoal dos entrevistados

205

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207

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S

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S

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*

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0

1

5

1

0

0

2

0

1

0

0

*SM= salário mínimo, que equivale a 300

reais.

** Sem renda pessoal, mas vive com a renda

familiar nototal de 4 pessoas, que equivale

a 10 salários mínimos.

Tabela 7

Referente à participação dos

entrevistados em organizações

religiosas, sindicatos, associações de

moradores ou partidos políticos

S

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M

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Feminino

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209

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211

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0

1

5

1

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0

2

0

1

0

0

ccxiii

APÊNDICE E – Quadros A, B e C

Quadro A

Nome/orige

m da

cidadania

Ação como

cidadão

Sentimento/ação

quando os direitos

não são atendidos

Cunho

da

cidadan

ia

Conheciment

o de algum

setor que

esclarece

sobre

cidadania Patrício /

Extrínseca

valorativa

Relação afetiva com

a esposa no dia-a-

dia.

Revolta/ não é de ficar

reclamando, pois prefere

evitar discussão.

Valorativa. Não conhece.

Neuza /

Extrínseca

valorativa

-Corre atrás dos seus

direitos, reivindica

quando insatisfeita;

-Ensina crochê em

igreja (caritativo).

Raiva/relata não poder fazer

nada, pois não adianta fazer.

Valorativa. Não conhece.

D. Maria /

Intrínseca

Não fez, pois não

estudou e aí depende

de todo mundo.

Tristeza/não faz nada. Normativa. Não conhece.

Marta /

Extrínseca

valorativa

Exige os direitos que

tem.

Revolta /faz denúncia,

reclama.

Normativa. Não conhece.

Maria /

Extrínseca

normativa

-Ida ao grupo de

educação em saúde;

-Conseguir pegar o

ônibus fora do

ponto;

-Exercer atividades

artesanais com

função caritativa.

Indiferença/ não briga, não

faz denúncia, não "esquenta"

muito não.

Normativa. PROCON- órgão de

defesa do

consumidor.

Edson /

Extrínseca

valorativa

Ser bem atendido

em unidade de saúde

pública.

Irritado/tenta saber o que

pode ser feito para mudar.

Normativa. Refere não lembrar.

Marizete /

Extrínseca

valorativa

Ajuda o outro a

reconhecer seus

direitos para não ser

“enrolado” por

outras pessoas.

Conformismo em geral, mas

lembra de uma situação em

que exige seus direitos, e até

mesmo exige ações de

privilégios.

Normativa. Defensoria de

pequenas causas.

João /

Intrínseca

Trabalho social na

igreja de cunho

caritativo.

Tristeza/ luta procurando os

seus recursos- que são

pessoas que podem ajudá-lo.

Normativa. Conhece setores no

lugar onde trabalha:

Marinha.

D. Maria B. /

ccxiv

Extrínseca

normativa

Ser honesta, alegre

com os outros.

Humilhada/ não reclama, não

reivindica, “deixa pra lá”.

Normativa. Não conhece.

Alfredo/

Extrínseca

normativa

Trabalho

administrativo na

igreja de cunho

caritativo.

Ódio/primeiro aceita, mas

depois planeja “devolver”

tudo que recebeu (vingança).

Normativa.

- Posto de saúde;

- Igreja da sua

religião.

Nome/orige

m da

cidadania

Ação como

cidadão

Sentimento/ação

quando os direitos

não são atendidos

Cunho

da

cidadan

ia

Conheciment

o de algum

setor que

esclarece

sobre

cidadania Zizi /

Extrínseca

normativa

Tenta pleitear seus

direitos; cumpre seus

deveres; trata bem e

ajuda as pessoas.

Cansada de “gritar” sozinha/

reivindica, luta pelos seus

direitos pensando também em

ajudar os outros.

Normativa . Fundação Leão XIII-

transporte

Matilde /

Extrínseca

valorativa

Ajuda a quem

precisa.

Sente-se muito mal/reza

muito.

Valorativa. Não conhece.

Miriam/

informou não

saber

responder

Ida ao trabalho, à

igreja, ao posto de

saúde, em lugares

que se sente bem

atendida.

Refere considerar ser coisa

ruim pra ela.

Valorativa. Não conhece.

Nely /

Extrínseca

normativa

-Ida ao grupo de

educação em saúde;

- ida ao posto de

saúde (médicos, em

diversas

especialidades;

nutricionista...);

- PROCON

Revoltada com vontade de

brigar/no início, age com

impulsividade, mas depois

com o passar do tempo não

reclama mais.

Normativa. Não conhece.

Glória /

Extrínseca

normativa

Uma vez que

cumpre com suas

obrigações, é

responsável.

Revoltada/ luta pelos seus

direitos pensando também

em passar a informação pra

todo mundo.

Normativa. Não conhece.

Carminha /

Extrínseca

normativa

Cumpre com todas

as suas obrigações.

Humilhada/ corre, luta pelos

seus direitos quando é

possível.

Normativa. Não conhece.

Fabiana/

Extrínseca

valorativa

Ajudar outras

pessoas.

Indiferença/ não corre atrás

dos direitos porque é muito

sacrifício.

Valorativa. Não conhece.

Naná/

Extrínseca

normativa

Se relacionar bem

com outras pessoas,

respeitando os

direitos delas.

Humilhada/ procura

informações com pessoas

bem informadas para quando

for falar ter certeza.

Normativa. Não conhece, mas

relata que rádio e

televisão costumam

dar telefones de

ccxv

lugares que dão

informações.

Oti/

Intrínseca

Trabalhar, ser

honesto, pagar as

suas contas; viver

em harmonia com a

família; ajudar

outras pessoas.

Magoado, prejudicado/ só

reivindica em casos graves.

Quando não consegue,

entregar pra Deus é a

solução.

Normativa.

Não conhece.

Neide/

Extrínseca

normativa

Procura ajudar

sempre a família.

Triste e com raiva/ pensa em

buscar seus direitos.

Valorativa. Não conhece.

ccxvi

Quadro B

ccxvii

Relação saúde-

cidadania

Fatores que

contribuem para

uma saúde

melhor

Relação

atendimento

dos serviços de

saúde e

cidadania

Direitos

relacionados

ao estado de

saúde

individual

Outro local

de

informação

sobre estes

direitos

Informações/cartaz/

palestras sobre estes

direitos em unidade

de saúde

Patrício

Com saúde se

transmite

cidadania,

estando doente,

não.

Ênfase no corpo

físico.

Paz no lar, na

família.

Sinceridade e

afetividade das

pessoas que

atendem.

Direito a ser

atendido nos

serviços de

saúde ;

direito de

acompanha-

nte a pessoa

com mais de

65 anos em

caso de

internação.

Rádio e

televisão.

Não /não /não.

Neuza Usuário=cidadão

precisa de

atendimento nos

serviços de

saúde –

atendimento

médico (também

precisa de

emprego e

moradia).

Bom atendimento

médico e bons

recursos materiais

nos hospitais.

Acesso a remédios

gratuitos nas

unidades de saúde

ou poder comprá-

los mais baratos.

Cidadão sem

atendimento de

saúde.

Direito de

medicações

de graça para

pessoas

deficientes e

do passe-

livre para

pessoas

com

problema de

coração, por

exemplo.

Através de

conhecidos.

Não - Sobre serviços

de saúde que existem

dentro da policlínica

/não/não.

Dona

Maria

“Tomar o

remédio certo”.

Não referiu. Receber

informação

correta e ser

bem tratado na

unidade de

saúde pelo

médico, de

forma igual a

todos.

Informou

não saber de

nenhum,

além do

passe-livre.

Rádio e

televisão.

Sim - Médico

informou sobre a

importância do

pagamento enquanto

trabalhadora

autônoma (INPS),

sobre a aquisição de

documentos como

carteira de

identidade, por

exemplo / não/ não.

Marta Saúde como um

direito de todos;

direito do

cidadão de ter

medicamentos

para se tratar; o

governo “não faz

prevenção da

saúde, ele quer

tratar a doença”;

e destaca os

determinantes

sociais da saúde:

moradia,

alimentação,

renda

Esclarecimento

sobre doenças,

alimentação

correta e situação

financeira que

atenda às

necessidades

básicas.

Atendimento

com respeito e

carinho,

promovendo a

auto-estima;

recursos

humanos e

materiais

devem atender

de forma

satisfatória a

demanda.

Direito do

paciente com

doença grave

em não

declarar

imposto de

renda, assim

como

gratuidade

nos

transportes;

direito de ter

acompanha-

nte - a pessoa

com mais de

65 anos em

caso de

internação.

Rádio

e informações

através

marido que

era

advogado

da justiça

federal e

que também

apresentava

um estado

de saúde

grave.

Sim -Recentemente

ao acompanhar um

familiar numa

policlínica recebeu

orientações da

assistente social sobre

alguns direitos

trabalhistas e também

sobre a gratuidade

nos transportes/ não /

não - só sobre

cuidados em algumas

doenças.

ccxviii

Relação saúde-

cidadania

Fatores que

contribuem para

uma saúde

melhor

Relação

atendimento

dos serviços

de saúde e

cidadania

Direitos

relacionados

ao estado de

saúde

individual

Outro local

de

informação

sobre estes

direitos

Informações/cartaz

/palestras sobre

estes direitos em

unidade de saúde

Maria

Saúde como um

direito que

proporciona uma

vida melhor.

Boa alimentação,

bastante higiene,

vida sem estresse.

Pertencimento

dos serviços

de saúde ao

governo, ao

Estado.

Direito a ser

atendido nos

serviços de

saúde.

Palestra em

uma farmácia

sobre

cidadania dos

idosos, no

entanto,

relatou sentir

que a palestra

estava

voltada para

fins políticos

(voto,

eleição).

Não / não – só sobre

cuidados em

algumas doenças /

/não.

Edson “A saúde tem

que olhar a

cidadania.

Vamos dizer,

conscientizando

melhor os

pacientes, a

sociedade, a

comunidade em

torno da

unidade...

médica”.

Saber usar os

serviços do SUS

(Sistema Único de

Saúde), ter um

atendimento nos

serviços de saúde

com equipe

médica voltada

para o paciente e

não apenas para o

lucro.

Bom

atendimento

dos serviços

de saúde com

atenção,

respeito –

“me trataram

como se eu

fosse uma

pessoa de

projeção”.

Direito ao

atendimento

do SUS, de

receber

medicamento

em unidades

de saúde.

Referiu

acompanhar

diariamente

as mudanças

na lei pela

imprensa –

destacando o

rádio; , “no

cotidiano da

vida a gente

escuta

comentários

de um e de

outro”.

Não / não - só de

vacinas e

campanhas/não.

Marizete Através de uma

boa saúde, boa

alimentação vai

se chegar a uma

boa qualidade de

vida (hora de

acordar, de

comer, banho..).

Boa alimentação,

cuidado com si

próprio (boa roupa

– um pouco de

conforto).

Direito que

todos têm à

assistência

médica,

instituído pelo

governo.

Direito à

assistência

médica,

direito de ir à

farmácia

popular para

quem tem

mais de 65

anos.

Soube do

passe-livre

através de

uma

conhecida.

Não / não – só

palestras sobre

cuidados com o

corpo/ não.

João Cidadão ajuda a

pessoa que está

doente, levando-

o ao médico ou

elevando a auto-

estima de quem

precisa.

Nascer saudável e

ser bem tratado

(bem alimentado)

desde a infância.

“O povo da

saúde estuda

muito” para

“salvar a

pátria” –

“mentalidade

da cidadania”.

Direito á

assistência

médica;

direito

trabalhista

em acidente

de trabalho

ocorrido com

um amigo.

Não

houve

inform

ações a

respeit

o.

Não/ não/ não.

ccxix

ccxx

Relação saúde-

cidadania

Fatores que

contribuem

para uma

saúde melhor

Relação

atendimento dos

serviços de

saúde e

cidadania

Direitos

relacionados

ao estado de

saúde

individual

Outro local

de

informação

sobre estes

direitos

Informações

/cartazes/

palestras sobre

estes direitos

em unidade de

saúde

D.Maria

B.

Quem não tiver

uma boa saúde,

não pode

trabalhar, não

pode ajudar os

outros – ser

caridoso.

Boa

alimentação,

boa casa, bons

médicos para

fazer

atendimento e

Deus para dar

saúde para as

pessoas.

Uma unidade de

saúde que não

atende bem, não

tem cidadania.

Passe-livre - ela

sabe porque

precisou

quando tinha 54

anos.

Informou

não saber

responder.

Sim - só uma

vez, por um

médico em uma

unidade de saúde

que lhe deu o

laudo para

conseguir o

passe-livre/não

/não- apenas

sobre doenças:

diabetes,

hipertensão, por

exemplo.

Alfredo Sem saúde não

se faz nada, nem

é possível ajudar

quem precisa.

Alimentação

adequada

(“sábia”) para a

pessoa, de

acordo com o

clima, por

exemplo;

condutas

políticas dos

governantes e

ter bons

médicos.

Paciente ser bem

orientado nos

serviços de saúde

sobre

medicamentos

(informações que

se deve ter para

comprar mais

barato).

Direito à vida,

direito à

assistência que

uma criança

abandonada

possui, direito

ao passe-livre

os deficientes

físicos e com

doenças

psiquiátricas.

Rádio e

televisão e às

vezes,

através de

políticos que

conseguem

algo como o

passe-livre

(transporte

gratuito) para

quem precisa

em busca de

votos.

Não / não / não-

só sobre

cuidados com o

corpo diante de

alguma doença

ou sobre

prevenção.

Zizi Cidadania

depende dos

governantes e a

saúde depende

da demanda da

educação, de um

salário.

Bom estudo pra

poder conhecer

a própria saúde,

uma boa

alimentação.

Relação péssima

porque considera

ser muito ruim o

atendimento feito

pelos

profissionais de

saúde.

Direito de

receber um

bom

atendimento

nas unidades de

saúde.

Em fila de

mercado, de

banco refere

aproveitar

10% do que

costuma ser

discutido.

Não / não – só

palestras sobre

hipertensão /

não.

Matilde Viver em paz,

bem com as

outras pessoas,

fazer amigos e

ajudar os outros -

faz bem para a

saúde e para a

cidadania.

Ter condições

para se tratar,

procurar amigos

e participar de

grupos como o

de educação em

saúde, nas

unidades de

saúde.

Freqüentar mais

de uma unidade

de saúde - amplia

o conhecimento,

na medida em

que se conversa

com outros

profissionais de

saúde.

O deficiente

físico tem

prioridade no

atendimento

médico, tem

direito ao

passe-livre.

Atravé

s de

pessoa

s , em

posto

de

saúde,

que

passav

am

pela

Não / não / não.

ccxxi

Relação saúde-

cidadania

Fatores que

contribuem para

uma saúde

melhor

Relação

atendimento

dos serviços de

saúde e

cidadania

Direitos

relacionados ao

estado de saúde

individual

Outro local

de

informação

sobre estes

direitos

Informações

/cartazes/ ou

palestras

sobre estes

direitos em

unidade de

saúde

Miriam

Informou não

saber responder.

Ajuda dos

governos - cita

exemplo de um

vereador que dava

bolsas de compras

de supermercado

para pessoas

pobres.

Entrega de

remédios na

unidade de

saúde, bom

atendimento na

unidade,

destacando os

estagiários de

enfermagem da

UFF.

Informou não

saber. Ela gostaria

de saber se pessoas

com hipertensão

têm direito ao

transporte gratuito,

pois já ouviu

comentários de

pessoas conhecidas

sobre isso.

Soube do

passe-livre

através de

uma

conhecida.

Não / não /

não.

Nely Obrigação do

Estado, da

Nação, da União

em oferecer

serviços de

saúde, médico,

posto de saúde,

hospital - pois é

um direito haver

um atendimento

universal.

Boa alimentação,

ambiente sadio,

limpo e

higienizado.

O atendimento

dos serviços de

saúde é como o

direito do

consumidor, a

justiça gratuita

–está tudo

ligado á

cidadania.

Direito a ter

acompanhante em

uma internação

para quem tem

mais de 65 anos,

direito a receber

alguns remédios

no posto de saúde.

Televisão ou

através de

pessoas

conhecidas,

como , por

exemplo,

ficou sabendo

do passe-

livre.

Não /não

/não.

Glória Direito à saúde,

assim como

direito ao

trabalho.

Alimentação e

ambiente físico e

social.

Tratamento de

saúde como

direito do

cidadão, assim

como o

trabalho,

moradia.

Direito do povo –

pessoas carentes

economicamente -

à assistência

pública de saúde .

Através de

pessoas

conhecidas.

Não /não /

não.

Carmi- nha

Bom

atendimento a

todos na área

médica, a fim de

haver uma

melhora na

pessoa.

Alimentação e

acesso à

assistência

médica.

Atendimento

em saúde

proporciona

garantia de

vida.

Direito do passe-

livre para pessoas

com distúrbio

psiquiátrico;

direito para pessoa

que tem que ir

sempre em

unidade de saúde,

como por exemplo,

alguém que está

sempre com a taxa

de glicose

descompensada.

Atravé

s de

pessoa

s

conhec

idas.

Não / não- só

palestra sobre

diabetes /

não.

ccxxii

Relação saúde-

cidadania

Fatores que

contribuem para

uma saúde

melhor

Relação

atendimento

dos serviços de

saúde e

cidadania

Direitos

relacionados

ao estado de

saúde

individual

Outro local

de

informação

sobre estes

direitos

Informações/cartaz

es/ ou palestras

sobre estes direitos

em unidade de

saúde

Fabiana

Informou que

existe uma

relação, porém

não soube

explicar.

As pessoas

quando ajudam

umas às outras.

Informou não

saber responder

Informou

não saber de

nenhum,

além do

passe-livre.

Informou

não saber

responder

Sim - relatou ter

recebido em uma

unidade de saúde ,

orientação de uma

assistente social para

conseguir o passe-

livre (transporte

gratuito) / não/ não.

Naná Atendimento

médico como

direito de todos,

porém referiu

que nem todos

são bem

atendidos, pois

isso é um

privilégio.

Boa alimentação,

condições sociais

e prática de

alguma atividade

física.

O atendimento

é um direito e

um dever. O

profissional de

saúde é pago

para atender,

isto é, tem

obrigação.

Direito ao

passe livre

(transporte

gratuito) em

virtude de

apresentar

um problema

de saúde.

Fila para

buscar

remédios no

posto de

saúde –

“conversa

de

corredor”,

rádio e

televisão

Não / não / não.

Oti Quem cuida

(profissional de

saúde) da saúde

precisa ser

cidadão para

cuidar do

paciente que é

cidadão.

Trabalhar

recebendo um

salário digno,

viver em harmonia

com a família, ter

uma família bem

de saúde e de bens

materiais – isso

proporciona

tranqüilidade.

O atendimento

médico está

ligado com

cidadania – é

um exercício

de cidadania do

médico que é

um cidadão

recebendo a

confiança do

paciente, que é

outro cidadão.

As pessoas

com

deficiência

física

possuem

lugar próprio

para

sentarem no

ônibus, porta

de entrada no

ônibus

especial para

cadeira de

rodas.

Avisos

explicativos

escritos e

fixados no

ônibus;

posto do

INSS

(Instituto

Nacional

Seguridade

Social).

Não /não / não - só

palestras de

prevenção ou sobre

cuidados diante de

algumas doenças.

Neide

“Pessoas

precisam e não

tem médico, não

tem nada”

Atendimento

médico.

Quando é um

bom

atendimento

médico tem

relação com

a cidadania,

caso contrário,

não.

Informou

não saber de

nenhum,

além do

passe-livre..

Infor

mou

não

saber

respo

nder

Não / não / não.

ccxxiii

Quadro C

ccxxiv

Legenda:

V- valorativo

N- normativo

EV- extrínseco valorativo

EM- extrínseco normativo

* - âmbito valorativo

_____ - sem referência

Cunho

Origem

Ação

como

cidadão

Tipos de

cidadão

Relação

Saúde -

cidadania

Relação

Atendim. -

cidadania

Sentimentos

Direitos não

atendidos

Ação

Patrício

V EV V Todo

mundo -

mulher +

cidadã.

* Saúde como

bem-estar

físico.

Interação

usuários –

profissionais.

Revolta. Não faz

nada.

Neuza V EV N Bom/ mau. Saúde como

serviço

médico.

Direito/dever

.

Raiva. Não faz

nada.

D.

Maria

N I N Não-

cidadão.

Saúde como

serviço

médico.

Interação

usuários –

profissionais.

Tristeza. Não faz

nada.

Marta

N EV N (+/_)

cidadão;

não-

cidadão;

bom/ mau.

Saúde como

direito/dever.

Interação

usuários –

profissionais.

Revolta. Faz

denúncia

/ reclama.

Maria

N EN N Não-

cidadão. Saúde como

direito/dever.

Direito/dever Indiferença. Não faz

nada.

Edson

N EV N (+/-)

cidadão. Saúde como

serviço

médico.

Interação

usuários –

profissionais.

Irritado. Apresenta

um início

de reação.

Mari-

zete

N EV N (+/_)

cidadão;

bom/

mau.

Saúde como

bem-estar

físico.

Direito/dever Conformismo. Reage

muito

poucas

vezes.

João N I V Não-

cidadão. *Saúde como

bem-estar

físico.

Interação

usuários –

profissionais.

Tristeza. Luta pedi-

ndo ajuda

p/ alguém.

D.

Maria

B.

N EN V Bom./

mau. *Saúde como

bem-estar

físico.

Interação

usuários –

profissionais.

Humilhada. Não faz

nada.

Alfredo N EN V Não-

cidadão. *Saúde como

bem-estar

físico.

Interação

usuários –

profissionais.

Ódio. Relata

“dar o

troco” –

vingança.

ccxxv

Legenda:

V- valorativo

N- normativo

EV- extrínseco valorativo

EM- extrínseco normativo

* - âmbito valorativo

_____ - sem referência

Cunho

Origem

Ação

como

cidadão

Tipos

de

cidadão

Relação

saúde-

cidadania

Relação

Atendimento -

cidadania

Sentimentos

Direitos não

atendidos

Ação

Zizi N EN N Não-

cidadão. Saúde

como bem-

estar físico.

Interação

usuários –

profissionais.

Revolta. Luta pelos

seus

direitos.

Matilde V EV V Não-

cidadão. *Saúde

como bem-

estar físico.

Interação

usuários -

profissionais

Sente-se mal. Não faz

nada - só

reza.

Miriam V ______ V Não-

cidadão. ______ Interação

usuários –

profissionais.

Sente-se mal ______

Nely N EN N (+/-)

cidadão;

não-

cidadão.

Saúde

como

direito/

dever.

Direito/dever.

Revolta. Age com

impulsivi-

dade no

início.

Glória N EN N Não-

cidadão. Saúde

como

direito/

dever.

Direito/dever.

Revolta.

Luta pelos

seus

direitos.

Carmi-

nha

N EN N (+/-)

cidadão;

não-

cidadão.

Saúde

como

serviço

médico.

Direito/dever. Humilhada. Luta pelos

seus

direitos.

Fabiana V EV V Não-

cidadão. ______ ________ Indiferença Não faz

nada.

Naná N EN N (+/-)

cidadão. Saúde

como

direito/

dever.

Direito/dever. Humilhada. Pede ajuda

p/ alguém

informar

correta -

mente

antes de

reivindicar

Oti N I N Não-

cidadão. Saúde

como bem-

estar físico.

Interação

usuários –

profissionais.

Mágoa Só luta em

casos

graves.

Neide V EN V Não-

cidadão. Saúde

como

direito/

dever.

Interação

usuários –

profissionais.

Tristeza e

raiva.

Até pensa

em lutar,

mas não

faz nada.

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