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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Homma. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 8(gt17):1-15
Repensando a ciência: a ecologia de saberes nauniversidade brasileira
GT 17 – Periferalidade e subalternidade na produção do conhecimento
Luana Hanaê Gabriel Homma
Resumo: Na visão de Boaventura de Sousa Santos, a ciência moderna se mostra como “umconhecimento mínimo que fecha as portas a muitos outros saberes sobre o mundo, (...) é umconhecimento desencantado e triste que transforma a natureza num autómato (...)” (SANTOS, 1998,p.32). São diversas as críticas a tal paradigma epistemológico, sendo, no entanto, apresentadasalgumas alternativas epistemológicas e metodológicas apresentadas, se colocando a favor de umamaior valorização e integração entre os diferentes conhecimentos. Uma das alternativas se organiza nanoção de Ecologia dos Saberes, formulada por Boaventura de Sousa Santos, que integra oconhecimento científico a uma vasta gama de conhecimentos, incluindo àqueles colonizados e tidoscomo inferiores pela ciência moderna, tirando-o de sua visão totalitária e excludente (SANTOS, 2007).Desta forma, pretende-se abordar como a discussão acerca da Ecologia dos Saberes, está sendo feitana universidade brasileira, através da análise de dissertações e teses publicadas nas bibliotecas deteses e dissertações da Capes e do IBICT. Neste sentido, discutir o que e como está sendo produzidoconhecimento científico pós-colonial baseado na Ecologia dos Saberes se mostra um poderosoinstrumento para aprofundar o debate metodológico e epistêmico acerca desta ciência, alimentando econstruindo críticas, propostas e novas proposições.
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INTRODUÇÃO
Apesar de responsável por conquistas diversas no âmbito da geração de conhecimento
e da aplicação deste, a ciência moderna se mostra passível de críticas, uma vez que reivindica
para si o status de único conhecimento válido. Desta forma, para Boaventura de Sousa Santos,
a ciência moderna se mostra como “um conhecimento mínimo que fecha as portas a muitos
outros saberes sobre o mundo, (...) um conhecimento desencantado e triste que transforma a
natureza num autómato (...)” (SANTOS, 1998, p.32). Da mesma forma, para a indiana
Vandana Shiva (2003), esta ciência se constitui em uma “monocultura da mente”, em
referência a sua semelhança com práticas agrícolas, em que, para cultivar uma espécie se
eliminam outras, empobrecendo o solo e impossibilitando, inclusive, o desenvolvimento da
própria espécie escolhida para cultivo.
Neste sentido são também apresentadas alternativas epistemológicas e metodológicas
se colocando na busca por uma maior valorização e integração entre os diferentes
conhecimentos, como por exemplo a Ecologia dos Saberes, noção formulada por Boaventura
de Sousa Santos. Tal formulação não desconsidera o conhecimento científico, mas o integra à
vasta gama de conhecimentos existentes no mundo, incluindo aos colonizados e inferiorizados
na modernidade (SANTOS, 2007). Para a Ecologia de Saberes há a necessidade de
compreender as finalidades e possibilidades de aplicação dos conhecimentos: a ciência
moderna inegavelmente proporcionou avanços e melhoras para a vida humana, não se
podendo, porém, desconsiderar as conquistas proporcionadas por outros conhecimentos, como
as comunidades indígenas e camponesas na defesa da biodiversidade, como exemplifica
Santos (2007)
A partir de tal compreensão, entende-se a importância de mapear a produção
universitária brasileira acerca das ecologias de saberes, buscando ainda compreender quais
são os espaços para tal produção em uma das instituições cruciais para o estabelecimento da
ciência moderna como superior e excludente. Para tal, este artigo reúne dados de Teses e
Dissertações produzidas no Brasil que levam em conta a ecologia de saberes.
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As bases de dados selecionadas foram o Banco de Teses e Dissertações da CAPES,
que foi disponibilizado em 2002 pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), inicialmente com resumos de dissertações e teses de 1996 a 2001, sendo
posteriormente incluídos resumos de a partir de 1987; e a Biblioteca Digital Brasileira, do
Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), que também foi lançada
em 2002. Os dados foram obtidos em agosto de 2017.
Em pesquisas realizadas no Banco de Teses e Dissertações da CAPES foram
encontradas 43 teses e 32 dissertações. Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações,
do IBICT, retornaram 25 teses e 21 dissertações. No total, são 46 dissertações e 33 teses
acerca da temática, quando descontados os trabalhos que constam em ambos os bancos. A
partir de tais dados é possível observar onde se localizam, territorialmente, as pesquisas sobre
tal temática, os períodos de maior incidência, e as áreas do conhecimento e questões mais
trabalhadas com base na ecologia de saberes.
1. ECOLOGIA DE SABERES
Boaventura de Sousa Santos (2007) define o pensamento moderno ocidental como
uma das formas de pensamento abissal, o que se refere à um “sistema de distinções visíveis e
invisíveis” (SANTOS, 2007, p.3). Em relação ao conhecimento, a linha abissal atua dividindo
o que é efetivamente considerado e considerável, neste caso, a ciência moderna monopoliza o
poder de ditar o que é de fato verdadeiro ou falso. Esta distinção é visível em relação à
filosofia moderna e à teologia, áreas onde pode-se verificar certo embate: onde a verdade
científica não consegue atuar, a filosofia e a fé religiosa se mantém como verdades, para o
pensamento moderno (SANTOS, 2007). Por outro lado, invisibilizados por uma relação
colonial, de apagamento, conhecimentos diversos se encontram do outro lado da linha abissal,
se encontrando “além do universo do verdadeiro e do falso” (SANTOS, 2007, p.5).
A colonização se deu de forma violenta nas Américas, África e Ásia, se mantendo ativa
em diversos sentidos, a despeito dos processos de descolonização. Tal ideia é defendida pelos
teóricos pós-coloniais e decoloniais, que entendem que para além da dominação econômica e
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política, iniciada no século XV, a colonização se deu também na forma de uma violência
epistêmica. Vandana Shiva (2003) entende que o processo colonial desconsidera a existência
dos saberes das populações locais (mal compreendidas como seres humanos), classificando-os
como “primitivos” ou dogmáticos. Pode-se observar, no entanto, um autoritarismo e um
dogmatismo por parte do pensamento moderno, que, ao descaracterizar e desconsiderar os
diferentes conhecimentos, se posiciona de forma inquestionável e indiscutível:
(...) o saber científico dominante cria uma monocultura mental ao fazerdesaparecer o espaço das alternativas locais, de forma muito semelhante àdas monoculturas de variedades de plantas importadas, que leva àsubstituição e destruição da diversidade local. O saber dominante tambémdestrói as próprias condições para a existência de alternativas, de formamuito semelhante à introdução de monoculturas, que destroem as própriascondições de diversas espécies. (SHIVA, 2003, p.25)
A linha abissal tratada por Santos (2007) atua de forma dual, unindo, de um lado, a
apropriação dos conhecimentos locais, como, por exemplo, em relação “à pilhagem de
conhecimentos indígenas sobre a biodiversidade” (SANTOS, 2007, p.9), e, por outro lado, a
violência, que vem em forma de discriminação e apagamento cultural e racial. Neste sentido,
o autor sugere o que chama de pensamento pós-abissal, que busca “aprender com o Sul
usando uma epistemologia do Sul” (SANTOS, 2007, p.22), que se baseia no confronto dessa
monocultura mental, como colocado por Shiva (2003) e Santos (2007), trazendo à tona o que
chama de ecologia de saberes, que considera a pluralidade de conhecimentos.
Para uma ecologia de saberes é pressuposto compreender a pluralidade de
conhecimentos existentes, sendo a ciência moderna um entre tantos a se considerar, contanto
que esta esteja em interação com os outros saberes (SANTOS, 2007). Boaventura de Sousa
Santos (2007) entende os conhecimentos de forma pragmática, em que estes se vinculam com
intervenções efetivas no mundo, sendo parte do pressuposto do autor a necessidade de partir
da experiência dos oprimidos, dos subalternos. Desta forma, definir uma hierarquia de
saberes, na ecologia de saberes, pressupõe compreender o contexto e a função do
conhecimento para o que se pretende, de forma que diferentes conhecimentos apropriados
possam se complementar ou, inclusive contradizer (SANTOS, 2007).
Segundo Nunes (2008) a perspectiva de Boaventura de Sousa Santos evita o
relativismo ao compreender a necessidade de uma avaliação da produção ou do uso do
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conhecimento tomando como ponto de partida a visão dos oprimidos. Desta forma, a ecologia
de saberes parte “do reconhecimento da dignidade e da validade de todos os saberes (...) [e] da
recusa do relativismo, ou seja, da ideia de que todos os saberes se equivalem” (NUNES, 2008,
28). Aos princípios supracitados equivale dizer que não serão rejeitados conhecimentos antes
de serem colocados à prova, ao passo que também não serão aceitos, como acontece com a
ciência moderna, antes de tal comprovação de validade frente às condições de aplicação
(NUNES, 2008).
Ao considerar a condição dos sujeitos subalternos e oprimidos como ponto de partida
para os critérios de avaliação do conhecimento, Boaventura de Sousa Santos explicita sua
visão acerca da necessidade do cientista social ser objetivo, mas nunca neutro, entendendo o
necessário posicionamento, ao lado dos opressores ou dos oprimidos (JERÓNIMO; NEVES,
2012). Da mesma forma Paulo Freire (2011) se posiciona ao lado do oprimido, e compreende
que a figura do intelectual, como educador, se dá no sentido de construir um saber com o
educando, e não buscar salvá-lo da ignorância, compreendendo que este já possui seus
conhecimentos:
Não devo julgar-me, como profissional, ‘habitante’ de um mundo estranho;mundo de técnicos e especialistas salvadores dos demais, donos da verdade,proprietários do saber, que devem ser doados aos ‘ignorantes e incapazes’.Habitantes de um gueto, de onde saio messianicamente para salvar os‘perdidos’, que estão fora. Se procedo assim, não me comprometoverdadeiramente como profissional nem como homem. Simplesmente mealieno” (FREIRE, 2011, p.25).
Para Santos (2007), a dualidade do pensamento abissal se implementa “pelos
monopólios bem policiados do conhecimento e do direito com uma poderosa base
institucional - universidades, centros de investigação, escolas de direito e profissões jurídicas
- e pela sofisticada linguagem tecnológica da ciência e da jurisprudência” (SANTOS, 2007,
p.10). Assim, a universidade é uma importante instituição a ser estudada e modificada, uma
vez que detém o monopólio da definição do conhecimento válido e verdadeiro.
Apesar da universidade ser uma das instituições de construção e efetivação de um
conhecimento científico excludente, a ciência moderna, também nesta instituição se produzem
debates e diálogos entre outros conhecimentos, como a filosofia, as artes e a teologia, de um
lado da linha abissal. Do outro lado da linha abissal, através de uma ecologia de saberes, se
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produzem pesquisas como as abordadas neste trabalho, por exemplo, visando abrir o diálogo
entre a ciência e outros saberes, invisibilizados por um processo colonial. Tais produções
contribuem para uma efetiva democratização da universidade, entendendo que: “A
universidade será democrática se souber usar o seu saber hegemónico para recuperar e
possibilitar o desenvolvimento autónomo de saberes não-hegemónicos, gerados nas práticas
das classes sociais oprimidas e dos grupos ou estratos socialmente discriminados” (SANTOS,
1989, p.56).
2. UNIVERSIDADE BRASILEIRA E ECOLOGIA DE SABERES: UMA DESCRIÇÃO
Visando compreender a inserção da noção de Ecologia de Saberes na universidade
brasileira, foram analisados trabalhos depositados no Banco de Teses e Dissertações da
CAPES e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). A pesquisa pelo termo “ecologia de saberes” no
Banco de Teses e Dissertações da CAPES, em todos os campos de pesquisa, retornou 75
resultados, sendo 43 dissertações de mestrado e 32 teses de doutorado. Já no banco de dados
do IBICT a pesquisa com o mesmo termo retornou 46 resultados, sendo 25 dissertações e 21
teses. Para análise os trabalhos foram ordenados por ano de publicação, e foram retiradas as
repetições de teses e dissertações que constam em ambos os bancos. Desta forma foram
analisadas 33 teses e 46 dissertações.
Os trabalhos acerca das Ecologias de Saberes, contidas nos bancos da CAPES e do
IBICT, iniciam-se em 2005 e se estendem para 2017 (como a pesquisa foi realizada em
Agosto de 2017 os dados referentes a este ano não se encontram completos). Nota-se um
aumento na quantidade de pesquisas acerca do tema, que em 2016 alcançou 20 trabalhos.
Imagem 1 - Gráfico de distribuição da quantidade de teses e dissertações por ano
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2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 20170
5
10
15
20
25
Fonte: Banco de Teses e Dissertações da CAPES e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações doIBICT - Elaboração própria
Em relação à distribuição geográfica desta produção, nota-se uma forte prevalência dos
estados do sudeste, com 35 trabalhos, 44% da produção analisada, principalmente nos estados
de São Paulo e Rio de Janeiro. É importante destacar que a distribuição geográfica da
produção científica brasileira no geral se dá de forma semelhante, com a maior participação
dos estados do Sudeste, seguido, no entanto de produções do Sul, Nordeste, Centro-Oeste e
Norte (SIDONE, et al., 2016). Assim, em relação às teses e dissertações contendo a
formulação da ecologia de saberes a região Sul é ultrapassada pelas regiões Nordeste e
Centro-Oeste, respectivamente.
Imagem 2 - Gráfico de distribuição da quantidade de teses e dissertações por estado e região
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1 1 1
7
5
32 2
11
21 1
5
3
11
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1
3 3
Fonte: Banco de Teses e Dissertações da CAPES e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações doIBICT - Elaboração própria
Por fim, as teses e dissertações foram classificadas de acordo com a área do programa
de pós-graduação onde foram realizados, havendo um grande destaque para a área de
educação, que traz quase metade da produção total. Verifica-se ainda a grande maioria de
trabalhos nas áreas de humanidades e ciências sociais, sendo poucos os trabalhos em áreas de
ciências da saúde e biológicas, e, exceto por trabalhos na área de ensino de matemática, não
constam trabalhos nas áreas das chamadas ciências exatas.
Imagem 3 - Gráfico de distribuição da quantidade de teses e dissertações por área do programa de pós-graduação
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Educação39
Saúde5
Ciências Sociais5
Administração3
Comunicação3
Direito3
Política Científica e Tecnológica
3
Psicologia3
Outros15
Fonte: Banco de Teses e Dissertações da CAPES e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações doIBICT - Elaboração própria
3. UNIVERSIDADE BRASILEIRA E ECOLOGIA DE SABERES: ANÁLISE
QUALITATIVA
Questionando a noção excludente de ciência, que toma para si o título de conhecimento
válido e verdadeiro, pôde-se observar desde 2005, trabalhos acadêmicos produzidos em
Instituições de Ensino e Pesquisa, instituições validadoras da superioridade da ciência
moderna, explicitando uma disputa epistêmica no meio acadêmico. Desta forma algumas
questões mais específicas se mostram interessantes, como a existência de trabalhos
questionando e pensando a própria universidade. Estes trabalhos tratam tanto de currículos de
cursos específicos (FREIRE, 2015; HOFFMANN, 2015; KOLLN, 2016), como de
metodologias de pesquisa (COLETTE, 2017), das vozes de quem compõe essas instituições,
notadamente docentes e discentes (MEDEIROS AL, 2013; PAZ, 2013), e a relação desta
instituição com movimentos sociais diversos, como movimentos do campo (FERNANDES,
2009; SCALABRIN, 2011; ZART, 2012) ou de populações indígenas (MEDEIROS IA,
2013). Além disso um dos trabalhos explicita um novo paradigma para a universidade,
levantando o exemplo da Pluriversidad Amawtay Wasi, no Equador, uma “Pluriversidade”
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que nasce dos movimentos indígenas equatorianos, e que visa não apenas atender aos povos
indígenas, mas à população no geral, fortalecendo a noção de Estado Plurinacional no
Equador (ROSA, 2016).
Com a grande incidência de trabalhos na área de educação, observou-se também a
importância do debate acerca da educação ambiental, incidindo com a exemplificação de
Boaventura de Sousa Santos e a formulação teórica de Vandana Shiva. Os trabalhos de
educação ambiental se dão em um âmbito mais crítico, buscando compreender outras formas
de aprender-ensinar acerca dessa temática, buscando relações com conhecimentos tradicionais
e populares (RABELO, 2014; PEREIRA, 2015; CASTRO, 2015; SILVA, 2016) ou com
outras áreas do conhecimento como os direitos humanos (RAMIARINA, 2016). A relação e
importância dos saberes subalternos se dá não apenas na área ambiental, mas são ainda
levantados acerca de dois trabalhos acerca de etnomatemática, que consideram os saberes
tradicionais e as possibilidades utilização destes para o ensino de matemática, como no caso
das pinturas corporais Javaé (RAMOS, 2016) ou das louceiras de Arraias (FERNANDES,
2016).
Apesar de estarem em contextos interdisciplinares, os trabalhos na área de saúde
trazem a importância de saberes subalternos para tratamentos, como no caso do trabalho de
Leila Massière Carneiro (2011), que traz a noção de que tratamentos como a acupuntura não
devem ser tratados como alternativos, uma vez que para isso deve existir uma normalidade,
mas sim como tratamentos complementares, o que se encontra com a concepção de ecologia
de saberes; ou ainda de Gisele Damian Antonio (2013), que traz inserção do tratamento
fitoterápico na atenção básica de saúde. Outros se focam nas políticas públicas de saúde, no
âmbito do SUS, tratando da participação social e do conhecimento tradicional e popular e da
instituição de políticas de saúde (AMORIM, 2014; CHÊNE NETO, 2014; PESSOA, 2015;
SILVA, 2016).
Outro fator interessante é a relação local/global encontrada nos trabalhos. Enquanto
questionam instituições efetivadas globalmente (como a ciência moderna, o modelo agrícola
baseado na Revolução Verde, a Universidade, a Escola, enfim), tratam em âmbito local, com
municípios, grupos e movimentos sociais, valorizando a localidade e relacionando-a com
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questões globais. Esta questão é bastante cara para a formulação de Boaventura de Sousa
Santos (1998) que entende que os conhecimentos são tanto locais como globais, em oposição
à visão moderna ocidental, que é também local mas se apresenta apenas como global. Neste
sentido a tese de Adriana Ferreira de Melo (2011) alcança este objetivo, traçando uma
epistemologia para os sertões trazendo noções geográficas, científicas e artísticas, por
exemplo.
CONCLUSÕES
A partir da noção de que a ciência moderna se institui como uma das formas de
pensamento abissal, através da qual se invisibiliza uma vasta gama de saberes, tomando para
si o título de detentor da definição do verdadeiro e do falso, pode-se ainda compreender que a
universidade tem sido uma das instituições legitimadoras de tal noção. No entanto, pode-se
observar a produção de trabalhos na universidade tendo como base a formulação de Ecologia
de Saberes de Boaventura de Sousa Santos, uma forma pós-abissal que retira os
conhecimentos tradicionais, populares, subalternos da invisibilidade onde foram colocados
com o processo colonial. Neste sentido se observa, então, uma busca por uma efetiva
democratização da universidade, que não passa apenas pela abertura do acesso e permanência,
mas tendo em vista que: “A universidade será democrática se souber usar o seu saber
hegemónico para recuperar e possibilitar o desenvolvimento autónomo de saberes não-
hegemónicos, gerados nas práticas das classes sociais oprimidas e dos grupos ou estratos
socialmente discriminados” (SANTOS, 1989, p.56).
Desta forma foram mapeados 79 teses e dissertações que trabalham com a formulação
de ecologia de saberes em instituições de ensino e pesquisa. Pôde-se observar uma tendência
ao aumento no número de trabalhos com essa formulação, notadamente na área de educação,
que há tempos no Brasil já busca uma construção de conhecimento que leve em consideração
o saber e a vivência do educando, como com a Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire:
Não devo julgar-me, como profissional, ‘habitante’ de um mundo estranho;mundo de técnicos e especialistas salvadores dos demais, donos da verdade,proprietários do saber, que devem ser doados aos ‘ignorantes e incapazes’.
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Habitantes de um gueto, de onde saio messianicamente para salvar os‘perdidos’, que estão fora. Se procedo assim, não me comprometoverdadeiramente como profissional nem como homem. Simplesmente mealieno (FREIRE, 2011a, p.25).
Tendo em vista o caráter colonial da modernidade e da ciência moderna, mostra-se
necessário repensar a ciência enquanto se faz ciência nas próprias instituições de ensino e
pesquisa, mostrando-se um caminho complexo, por vezes solitário, mas necessário e valioso
para o desenvolvimento de uma ciência mais democrática.
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