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Repartição do Sul, uma análise e trajetória político-administrativa de D. Francisco
de Souza
Felipe Bicalito da Silva
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Convém começar este breve artigo, citando o início da pesquisa que teve início do
ano de 2015, quando participei da Pesquisa da Professora Mônica Ribeiro, como Bolsista
de Iniciação Científica/CNPq, bem no inicio da graduação. E venho por meio deste
paragrafo de introdução destacar o papel importante do fomento de pesquisa em nosso
país, já que através dela podemos responder perguntas ainda não feitas e a exemplo deste
artigo, tentar trazer uma contribuição para historiografia, buscando compreender um
momento histórico do Brasil ainda pouco estudado.
A Repartição do Sul é sem sombra de dúvidas um objeto ainda pouco pesquisado , e
já reforço no começo deste trabalho que tem sido um trabalho árduo e difícil, pois há
poucos trabalhos sobre o período e as fontes são escassas, difíceis de encontrar e
complexas para se trabalhar. Este tema já foi por mim apresentado em outra oportunidade
em 2016, no XVII Encontro Regional da ANPUH-RJ no meio da graduação e no início
da pesquisa, ainda tinha pouca familiaridade com o tema, entretanto, em 2019 depois de
anos de pesquisa e um trabalho monográfico em desenvolvimento, acredito poder
contribuir de forma mais robusta sobre o tema.
Para começar a tratar sobre a Repartição do Sul devemos compreender que há uma
discussão importante sobre o tema, autores como Maria de Fátima Gouvêa, Rocha Pombo
e Charles Boxer discutem sobre quais foram os períodos da Repartição, mas para uma
melhor compreensão preferi utilizar os histórico feito por Boxer.
Em seu livro “Salvador de Sá e a luta pelo Brasil e Angola, 1602-1686” (BOXER,
1973), o historiador faz uma trajetória de Salvador de Sá, e para compreender o momento
de “sua nomeação como governador e capitão-general da Repartição do Sul datada de 17
de setembro de 1658.” (BOXER, 1973; p. 308), o autor faz um breve histórico da
Repartição do Sul, dizendo que “A Repartição do Sul tinha sido separada do governo da
Bahia no tempo de Salema (1574-8) e, novamente, sob a administração de D. Francisco
de Sousa (1608-12).” (BOXER, 1973, p. 306)
Devemos ainda fazer um recorte importante, o período analisado será o da
Repartição do Sul administrado por D. Francisco de Souza o período de analise será o
que vai dos anos de 1608 à 1612, e para definir a divisão administrativa, criando dois
Governos Gerais, afim de criar um artifício para a melhora na administração, (VAINFAS,
200; p.266), criando uma sede situada em Salvador, responsável pelas capitanias ao norte
da América Portuguesa e outra cuidando as das Capitanias ao Sul com sede no Rio de
Janeiro.(WEHLING, 1994)
É de suma importância observar qual era o contexto, para entender o porquê de
dividir o Estado do Brasil em dois, e o motivo mais importante para a divisão é a
necessidade urgente de melhora nas defesas. Desde o final dos Séculos XVI, há um ataque
ferrenho de franceses, holandeses e corsários na costa brasileira, Rocha Pombo ainda
coloca “Em parte alguma da América do Sul foi mais vigorosa e tenaz a hostilidade dos
indígenas á invasão de europeus do que nas costas do Brasil.” (POMBO, 1963; p.70).
Rocha Pombo em seu livro sobre a História do Brasil, relata bem as primeiras
invasões francesas ao Rio de Janeiro, e ainda destaca que a primeira divisão governativa
ocorrida em 1574, ocorreu no momento em que tropas francesas aliadas aos Tamoios são
expulsos. E assim “Nesse mesmo ano, porém, resolveu o governo português dividir o
Brasil em duas grandes províncias administrativas, tendo por sede, a do norte a cidade do
Salvador, e a do sul a cidade do Rio de Janeiro.” (POMBO, 1963; p. 83)
A preocupação do então Governador Antônio Selema, era a
“A sua preocupação, assim que assumiu o governo,foi livrar a província
do sul do grande perigo em que de novo se via devido á attitude dos Tamoios. A paz, que se havia alguns annos antes celebralo, nada
garantia. Muitos francezes continuaram a viver entre os selvagens; e,
mantendo relações frequentes com os corsários que varejavam as
costas, nutriam no animo dos índios uma profunda aversão aos
portuguezes.” (POMBO, 1963; p. 84)
Mesmo que a divisão tenha sido desfeita posteriormente, a atenção quanto as
contantes invasões ainda vão perdurar e se intensificar quando Portugal estava sob
domínio espanhol, Rocha Pombo vai dizer que “Era prudente, pois, prevenir-se, nos seus
extensos domínios de ultramar, contra desforços prováveis dos numerosos inimigos que
a ameaçavam.” (POMBO, 1963; p.95).
E chegando mais perto no período em que a pesquisa se estabelece, D. Francisco de
Sousa será nomeado Governador Geral em 1591 com a incumbência de seguir na proteção
da costa da América portuguesa, Rocha Pombo ainda reforçaque ao longo de seus anos
como Governador, D. Francisco de Sousa não teve paz, e “que durante o governo de D.
Francisco de Sousa tentaram os inimigos da Hespanha repetidos assaltos a algumas das
nossas povoações marítimas.” (POMBO, 1963; p.99)
Mas um dos pontos importantes a ser apontado neste trabalho, é o que mais
avançamos em pesquisa, que é a relação entre a Repartição do Sul e União Ibérica, já que
entender conjuntura política lusitana e como ela se relaciona com a lógica administrativa
castelhana, é parte importante para entender um período específico da Repartição do Sul
ocorrida nos anos entre 1608 à 1612, o auge do período dos Filipes.
REPARTIÇÃO DO SUL E UNIÃO IBÉRICA
Portugal diante de uma grave crise sucessória, a partir de 1580, o trono em Lisboa
foi ocupado por um Rei Espanhol, depois de intensas e complexas disputas políticas,
momento esse que o historiador Serge Gruzinski chama de “Monarquia Católica”
(GRUZINSKI, 2001), em que as coroas portuguesa e espanhola estão unidas. Para o autor,
são Monarquias que partilham elementos e se conectam, mas ainda revela que há
dificuldades para entender essas Monarquias de forma conjunta.
Há fatores que trazem obstáculos para uma uma melhor compreensão de um dos
momentos mais importantes da história do Império Português, segundo Grusinski. Dentre
os fatores, pode-se destacar a historiografia eurocêntrica, dificultando entender um
conjunto de consequências desse processo, dentro dos inúmeros espaços do gigantesco
império, nascido com a União Dinástica. Outro fator importante, é a historiografia de
cunho extremamente “nacionalista”, sendo a União Ibérica um espaço de tempo
“obscurecido” por uma historiografia nacionalista, Hespanha destaca em seu texto que
houve uma interpretação “emocional” e “acrítica. ” (HESPANHA, 1989; p.50) período
dos Habsburgos em poder trono português.
Ainda assim, Gruzinski não se detêm em dar continuidade ao estudo sobre as Coroas
de Portugal e Espanha, e provoca dizendo que é importante que os historiadores se
debrucem sobre o tema, não buscando as diferenças, mas observando as rupturas, as
continuidades e as conexões entre os maiores impérios da Idade Moderna, tratando a
Monarquia Católica como um campo de observação importante para a historiografia.
O autor continua seu texto revelando o extenso território do Império Católico, que
não se limitava à Europa, mas ao contrário, ia das minas de Potosí a oeste do Tratado de
Tordesilhas, Macau, passando pelo Estado do Brasil na costa do Atlântico, ilhas junto à
beira do continente africano, territórios na África e na Índia. E observamos, como
consequência deste imenso império descrito, um crescimento de uma complexa rede de
oficiais régios, eclesiásticos e pessoas em trânsito no vasto território redesenhado com a
União Ibérica.
Ponto importante a se destacar, para compreender a realidade ibérica, é o processo de
conquista das áreas coloniais, o autor destaca que houve uma redefinição do
pertencimento de localidade, para “(...) os invasores e os vencidos (...)” (GRUZINSKI,
2001; p.187), e uma nova área aparecerá. E este novo “local”, segundo o historiador, é
consequência do processo de distanciamento dos colonizadores de suas comunidades
localizadas na Península, e com o passar dos anos e das gerações, as famílias vão se se
desligando de sua terra natal e se ligando às novas áreas conquistadas, e as novas
localidades se ligam às famílias dos conquistadores e, citando como o exemplo, a família
dos “de Sá”, o autor observa a relação entre a família com as terras do Rio de Janeiro, que
se estabelecem através de uma grande rede de comunicação e clientela assentada durante
os séculos XVI e XVII.
A localidade a que esses conquistadores pertencem ganha importância no cenário
institucional no império ibérico, e as câmaras municipais e os conselhos locais terão o
papel importante de se integrarem e articularem com a capital. As ordens vindas das
regiões centrais do império, que chegam através de seus oficiais régios, geram, muitas
vezes, conflitos com as periferias do reino, havendo a necessidade de negociação.
É importante compreender o sistema de representatividade destas localidades, e sua
importância para essa complexa teia política e social do Império Ibérico, já que é através
destas câmaras e Conselhos locais que se cria uma comunicação com o rei e as regiões,
e assim o local se integra ao global. E, segundo Gruzinski, para compreender melhor estas
questões entre o local e o global, ele propõe “...multiplicar os estudos de casos (...)”
(GRUSINSK, 2001; p. 189) para poder de forma mais ampla compreender todo esse
processo de forma mais profunda, e ainda sugere que o trabalho com análise de trajetórias
dos indivíduos seria a melhor forma de produzir uma compreensão desta realidade, a fim
de compreender seus comportamentos em meio a essa Monarquia Católica.
Seguindo para a discussão sobre a monarquia Ibérica, é interessante trazer questões
importantes sobre a forma administrativa espanhola que, segundo Hespanha, provocará
em Portugal uma “modernização” na forma portuguesa de administrar. Segundo o
historiador, ainda se referindo à parte em que trata sobre as questões nacionalistas, ele faz
uma crítica à produção de textos que faziam um reducionismo sobre o que gera as revoltas
sociais, observando que o nacionalismo por si só explica as tensões e revoltas.
A modernização pela qual passa a administração portuguesa, segundo Hespanha, é
uma nova forma de se institucionalizar as formas de comunicação, criando mecanismos
para uma melhora na comunicação entre a coroa e os muitos espaços do império global
ibérico, já que com a unificação das coroas, as possessões tinham territórios no continente
africano, americano e asiático. E essa mudança, sob a forma expansiva castelhana, não de
todo contida pela política lusitana, vem de encontro ao sistema “atomista” português,
muito bem estabelecido e tradicional, que tinha como principal pilar a convocação das
inúmeras Cortes, que representavam os conselhos e câmaras locais, e davam, assim, ao
sistema de representação “atomista” legitimidade, dando vozes políticas às áreas mais
periféricas.
Entretanto, é importante ressaltar, neste trabalho, que a modernização e as
modificações do sistema administrativo e político português passaram, anteriormente, por
tentativas de mudança, como Hespanha coloca em seu texto, dizendo que, desde a
segunda metade do século XVI, com a regência de D. Catarina de Bragança, havia um
começo de quebra nas “concepções anteriores” (HESPANHA, 1989; p.52). Contudo, é
no período a partir do século XVII, nos Reinados de Filipe II e Filipe III, com a influência
mais incisiva do sistema castelhano, que as mudanças mais efetivas ocorrerão.
Segundo Hespanha, vai haver “novo modelo constitucional” (HESPANHA, 1989;
p.53), que tem como objetivo criar uma unidade maior do reino tendo como referência a
capital, diminuindo a representatividade de muitas partes do império, em uma tentativa
de centralizar e desburocratizar as decisões e, segundo o autor, trazendo para as cortes,
os locais mais notáveis, as tomadas de decisões. Assim,
“O espaço da representação política deixa de ser anterior constelação
inorgânica de setenta e meia de conselhos, para se tornar num sistema,
hierarquizado, de uma cabeça com um número limitado de membros,
assegurando o controle de todo o corpo” (HESPANHA, 1989; p. 53).
Visto assim, este sistema, de alguma forma, tornou o controle sobre o reino de forma
mais central, usando palavras do Hespanha, “operacional” (HESPANHA, 1989; p.55),
havendo assim uma mudança importante, levando em consideração que a convocação das
Cortes era extremamente complexa e dispendiosa por conta da vasta quantidade de
Conselhos do vasto Império português. Outro argumento está ligado aos pequenos
conselhos e localidades mais afastadas dos centros, os conselhos locais dispendiam de
uma renda por um bom tempo para que pudessem estar nestas reuniões das Cortes e,
muitas vezes, não se convertiam em resultados positivos esperados para essas localidades.
Levando em consideração o que foi discutido, pode-se concluir que há uma tentativa
de sistematizar e institucionalizar a administração, com a criação de cargos de oficiais
régios nomeados pela coroa, levando a cargo a fiscalização e o se fazer cumprir das
decisões dos conselhos reais, o que torna o Império Português mais eficaz no que diz
respeito a decisões, o que leva, segundo Hespanha, a um melhor controle da Coroa sobre
as regiões mais afastadas do império.
Há uma tentativa de sistematizar e institucionalizar a administração, com a criação
de cargos de oficiais régios nomeados pela coroa, levando a cargo a fiscalização e o se
fazer cumprir das decisões dos conselhos reais, o que torna o Império Português mais
eficaz no que diz respeito a decisões, o que leva, segundo Hespanha, a um melhor controle
da Coroa sobre as regiões mais afastadas do império.
Ao fim da dominação espanhola e a Restauração portuguesa, percebemos já uma
volta à tradição Atomista, mas o que “não oblitera completamente este novo modelo de
representação do reino” (HESPANHA, 1989; p.57), e assim a convocação das cortes
acontece da forma tradicional, mas a forma antiga não será mais a mesma, e este modelo
estará se findando ao fim do século com a sua última reunião.
Hespanha ainda destaca, em seu texto, outras mudanças nas questões relacionadas ao
poder e ao governo, que estarão em conflito ao longo da União Dinástica. O autor observa
a “instituição de um novo equilíbrio entre <justiça> e <governo>” (HESPANHA, 1989;
p. 57), e faz uma exposição de dois modelos administrativos que estarão em conflito, são
eles o modelo “sinodal” tradicional português e o “jurisdicionalista” implementado pela
administração Filipina.
Primeiro, devemos compreender o sistema sinodal português, que tinha os
“Conselhos” como instituição de governo, um órgão que representava os poderes e os
interesses locais. O historiador explica e faz uma crítica ao sistema sinodal dos conselhos:
“- conselho, com atribuições determinadas por lei e garantidas por
eficazes mecanismos jurídicos contra qualquer usurpação, mesmo por
parte do rei- constituía um suporte organizacional adequado à decisão
judicial, garantindo a expressão de todo os pontos de vista e
respeitando, por isso, a natureza tópica e argumentativa do processo jurídico de decisão.” (HESPANHA, 1989; p.58)
Fazendo uma análise, percebemos que este sistema sinodal, descrito pelo autor, tinha
pouca eficácia para o processo de tomada de decisão, já que todo o aparato burocrático
dificultava uma centralização e rapidez na tomada e no fazer da decisão. Os conselhos
locais tendiam para resoluções que fizessem valer interesses individuais e pessoais, pois
os conselhos eram formados por uma política heterogênea, gerando inúmeras ações de
cunho pessoal. Entretanto, o historiador destaca que este sistema era eficiente no que diz
respeito à justiça, já que respeitava os pontos de vista e os garantia, e assim levava a uma
deliberação que estava calcada na “natureza tópica e argumentativa do processo jurídico
de decisão” (HESPANHA, 1989; p. 58). Tendo em vista a característica administrativa
portuguesa, o autor destaca que o processo de centralização, encabeçado pela dinastia dos
Hasburgos após a Unificação das coroas Ibéricas, entrará em conflito com esse sistema
sinodal.
Importante destacar que, no começo do século XVII, o sistema sinodal entrará em
crise e, com o reinado de Filipe I, o modelo de governo por conselho – sistema sinodal -
será cada vez mais utilizada em conjunto do modelo “jurisdicional” em situações
diferentes, vide os exemplos observados por Hespanha,
“Com Felipe I, parece assistir-se, ainda, um esforço da administração sinodal e jurisdicionalista. É, desde logo, reforçada- em termos não
apenas simbólicos, mas também institucionais- a componente
jurisdicionalista da administração, não apenas na promulgação das
Ordenações (em 1603)- com o que isso representava de satisfação das
pretensões dos circulos de Juristas, mas ainda pela reforma da Justiça
(27.7.1582) e pelo reforço da estrutura sinodal da administração da
jurídico-judiciária(…) Por outro lado, a estrutura sinodal alarga-se à
administração da fazenda” (HESPANHA, 1989; p. 58)
Fica claro no texto de Hespanha é que o Sistema Sinodal e Jurisdicionalista serão
ampliados, aperfeiçoados e aplicados nas realidades nas quais se encaixam melhor. Por
exemplo, o autor destaca que os sistemas serão reforçados e de alguma forma,
modificados, visto que, com as Ordenações Filipinas, a estrutura “Jurisdicionalista” fica
evidente no que tange à administração. Na administração da justiça a estrutura sinodal
será reforçada, criando assim, segundo Hespanha, novas instituições, como a Relação do
Porto, em 1582, com a proposta de criação de mais tribunais superiores de justiça.
Levando essas questões em conta, podemos perceber que, com o passar dos anos, a
administração terá um domínio espanhol e acarretou a uma maior centralidade nas
decisões, levando os novos oficias régios a tomarem decisões alinhados com o Rei e seus
ministros. Hespanha ainda expõe, com ressalvas, de que precisa de uma melhor
investigação, que “(...)as juntas constituem o modelo organizativo de <<oposição>> os
conselhos institucionalizados (...)”(HESPANHA, 1989; p.61).
Entretanto, o historiador observa que um modelo português está muito bem
desenvolvido, e não deixará que o sistema espanhol se afirme de forma passiva. Ainda
citando Hespanha, percebemos que “este conflito entre dois modelos de administração
tem a sua contra face na luta entre dois grupos de <pessoal político>” (HESPANHA,
1989; p.61), logo podemos concluir que os conflitos entre sistemas governativos se
relacionam também a conflitos entres corpos políticos e ideais de organização social e
política.
Após trazer ao leitor um quadro político, administrativo, econômico e social, aponto
para as provocações feitas por Gruzinski, que apresenta uma vasta quantidade de
possibilidades de pesquisa relacionadas à Monarquia Católica, fazendo até um juízo de
valor sobre o tema, revelando ser para ele um objeto de estudo “apaixonante”
(GRUZINSKI, 200; p.179). Entretanto, apesar de uma valorização, ele observa que a falta
de interesse da historiografia, principalmente as vindas da Espanha e de Portugal,
requererá do pesquisador uma pesquisa profunda, com dedicação e disposição para
encontrar fontes ainda não descobertas, catalogadas, transcritas e estudadas.
Ponto importante da pesquisa e a escrita deste artigo, é dar uma resposta positiva
provocação de Gruzinski (GRUZINSKI, 2001.), e ir em busca dos indivíduos, buscando,
através de suas trajetórias, suas redes de relações e até mesmo inventário e entender essa
Monarquia Católica. Procurar compreender a realidade local e seu inevitável confronto
com a metrópole, e a partir destas pesquisas podemos compreender parte da sociedade,
organização e administração.
E em uma busca de compreender a Repartição do Sul, faço um recorte temporal e
também uma análise de trajetória do Governador Geral do Estado do Brasil e responsável
pela divisão governativa do Sul, D. Francisco de Souza.
A TRAJETÓRIA DE D. FRANCISCO DE SOUZA E REPARTIÇÃO DO SUL
Para começar a compreender a trajetória de D. Francisco de Souza devemos
compreender primeiro a qual família ele pertence, Calmon relata que o indivíduo “Surge
na história como o portador da má nova. Sobrinho de D. Diogo de Sousa, que governava
o Algarve, capitão-mór dos navios” (CALMON, 1939; p. 411), um homem que segundo
ele, é importante nas conquistas na Africa, e assim Francisco de Souza ganha prestígio
para com o reino e segundo Calmon, sua experiência e boa comunicação com a cortes
espanhola o levará pleitear
“(…)o governo da parte. do sul do Brasil pára descobrir as minas que...tanto
procurou - por ser o anunciador da era filípica, o mensageiro de Alcacer,Quibir
... D e fáto, o prestigio lhe adveiu do tio, que se chegou a Felipe II, e no seu
reinado tevê as honras de Conselho. (2).” (CALMON, 1939, p. 412)
E com a difícil tarefa de dar conta das inúmeras invasões de corsários, em 1591 ele
será nomeado Governador Geral, e segundo Rocha Pombo D. Francisco sofrerá com “os
inimigos da Hespanha repetidos assaltos a algumas das nossas povoações marítimas.”
(POMBO, 1963, p.99).
Em um relato de Corsário Holandês, temo um pouco de material para entendermos
como o Governador lidava com as aproximações de nações não amigáveis,
“Da ilha do Príncipe, as embarcações batavas, carentes de gêneros, mais
supridas de água, rumaram para a costa do Brasil, esperando aí obter os
refrescos necessários para prosseguir viagem. No dia 6 de fevereiro de 1599, a
frota avistou cabo frio e no dia 9, lançou ferro na Bahia de Guanabara. Noort
permaneceria somente três dias ancorados no lugar, pois o governador geral do
Brasil, D. Francisco de Sousa, então em visita pela cidade, não se mostrou
simpático aos corsários holandeses.” (FRANÇA, 2000, p. 24)
Dando continuidade ao relato, após uma intensas negociações e poucas atitudes
amigáveis vindos da costa do Rio de Janeiro, parte da tripulação corsária que desembarca
no Rio sofre uma emboscada , Calmon destaca em seu texto que “Armou uma cilada aos
marinheiros que em outras tantas lanchas desembarcaram e os trucidou, (1) para que
soubessem as tripulações que estava em terra, de espada em punho, D: Francisco de
Souza.” (CALMON, 1939, p. 442)
Em meio à União Ibérica e as tentativas de reorganização e experimentação de como
melhorar a administração da a América Portuguesa, no ano de 1608 o Estado do Brasil
será mais uma vez dividido e com um objetivo claro que, segundo Hélio de Alcântara
Avellar, será a busca por metais preciosos (AVELLAR, 1993. p. 99).
Em carta escrita pelo próprio Rei:
“Dom Felippe, por Graça de Deus, Rei de Portugal e dos Algarves, [...] faço
saber que, sendo ora informado que nas partes do Brasil havia minas de ouro,
prata, e outros metaes, [...]; e por constar serem já descobertas as ditas minas na Capitania de São Vicente, e as havia tambem nas do Espirito Santo e Rio de
Janeiro, para com mais commodidade se poder administrar justiça aos
moradores das ditas tres Capitanias, e por outros muitos respeitos que me a
isso movem [...]: Hei por bem dividir, [...], o Governo das ditas tres Capitanias
[...] do districto e Governo da Bahia, e mais partes do Brasil.” (Apud
VARNHAGEN, 1962 de. Op. cit. p. 128)
O trecho da carta acima relata que o Rei D. Felipe teria sido informado de que
haviam descoberto minas em partes do sul do Brasil, levando a compreender que a divisão
governativa tinha a intenção de ir em busca das minas de ouro na região mais ao sul da
colônia portuguesa na América.
Rocha Pombo ainda discorre “Continuou Diogo de Menezes como Governador da
circunscripção do norte até 1612; e para a do sul foi nomeado o superintendente das minas
D. Francisco de Sousa (ex-Governador Geral ),(...)” (POMBO, 1963, p. 104), entretanto
sua busca pelo ouro vinha de anos antes da sua nomeação de Governador da Repartição,
e desde que foi nomeado Governador Geral, promoveu e embarcou pessoalmente em
expedições em busca do que Calmon chamará de “Miragem do Ouro”(CALMON, 1939,
p. 427).
E a ambição em descobrir e administrar as minas, e a nova divisão governativa,
levará a uma discordância com o então Governador Geral, D. Diogo de Meneses e
Siqueira, porque, segundo ele, as minas estavam de fato ao norte, e eram os engenhos de
açúcar e o pau-brasil. Fica claro em uma carta enviada ao então Rei D Felipe II, por Diogo
de Meneses, que as descobertas feitas por ele ao norte, mais especificamente no
Maranhão, são de grande importância por ser uma terra fértil. Analisaremos o trecho a
seguir:
“Levanto á qualidade das terras e utilidade que dela se pode tirar [He] inflissita
porque passado o Jaguaribe ate onde são as terras aernosas, e fracas, e boas só
pera pastos e gados, as mais de hi pro diante te chegar ao maranhão, todas são
de madeiras, de matas verdadeiras e várzeas de mui boa terras de que se pode fazer engenhos e canaviais assi de agora como de Trepiohe, e algodoeres, e os
mais mantimentos, e assim fica bem claro a utilidade que a fazenda de vossa
Magestade recobera em se cultivarem as terras, e impedir aos Corsários que as
não busquem nem se comercem com elas dos quais tenho notícia certa, aver
huma casa de feitoria no maranhão.” (IHGB)
No trecho da carta fica clara sua preocupação com a defesa das terras que, segundo
ele, seriam férteis e que seria de melhor utilidade, sem qualquer prejuízo para a Coroa,
observando a possibilidade de plantação de cana de açúcar e montagem de Engenhos. Em
complemento da fonte acima transcrita e a compreensão da necessidade de proteção da
terra fértil descrita por D. Diogo nas terras no Maranhão, observaremos outra fonte, que
traz o que foi provido a D. Francisco de Souza e posteriormente a Salvador Correa de Sá
para a descoberta das minas:
“1 ° O que consta de todas as provisões e regimentos passados pera
perabenefe(..) e descobrimento das minas da Repartição do Sul mais partes do
Brazil, passadas a Dom Francisco de Souza e Salvador Correa de Sá são as
seguintes: pesa que Mag.de Re só sua o que mais (...) o seu serviço.
Pela provisão numero qual consta a ser separado Mag. De a Repartição do Sul
em toda a repartição do sul ia fazenda e guerra de que verão os Governadores
gerais fica por Gonçalo Loureiro em Madri 2 de Janeiro de 1608. 2° Consta que Mag.do fico me pesa que todos os degredados podessem comprir
degrado nas minas tirando os de degoles pelo Francisco Barbosa em Madri (..)
de janeiro de 1608. (...) dadas suas (..) por Francisco de Almeida Vasconselos.
3° Consta que pera (…) pessoas que se aplicarem ao trabalho das ditas minas
da repartição do Sul (..) Mag.de que pudessem fazer um (caudilho) fidalgo (.,..)
servido dois anos nas minas , e cem meses da camera (….) ano e tido feito (…)
das dita minas , foi feita por Francisco Barbosa. 02 de janeiro de 1608.
4° Consta que puder dar dose abras com (...) detensa e seis com so (...) pera
qual ouvesse quem trabalhasse nas ditas minas e seis anos efetivos não tendo
nefecidade de dispensação de sua santidade e tendo efeito (...) menor das
minas pelo Francisco Barbosa 02 de janeiro de 1608.” (RESGATE AVULSO)
A fonte traz um relatório de provisões que datam de 1608, ano da divisão da
Repartição do Sul, levando-nos a perceber o esforço da coroa em ir em busca das minas,
ficando clara a preocupação de D. Diogo de Meneses com a proteção pedida às terras
recém descobertas, que para ele seriam valiosas, sendo elas já alvos de Corsários.
Em protesto, como no trecho de uma carta enviada ao Rei, D. Diogo de Meneses
diz:
“Vossa Magestade me mandou viesse servir a este estado sem me declarar
nenhuma separação senão que eu o viria governar assi e da maneira que os
passados onde o tenho servido com toda a fidelidade e satisfação de que V.
Magestade me tem avisado, tem de mim e no merecimento de minha pessoa
assi no sangue de meus avós como no que o desejo servir ninguém me faz
ventagem sendo assi que nisto pudera diser mais e não se bulindo nunqua neste
particular aos que antes de mim vierao governalo sendo muitos tão inferiores de meu sangue e partes pellas quais eu merecia avantajados poderes governos
e títulos e não tirando me do que os demais governarão tão mal e com tanta
rezão de os castigarem e não honrrarem” (Anais da Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro, vol. 57, pp. 60-61)
E, mesmo com os protestos, a divisão governativa é mantida e é criado um
governo independente do Estado do Brasil (SALGADO, 1985 Op. cit. p. 55), o que, para
alguns autores como Varnhagen e João Alfredo Libânio Guedes, foi uma obra política de
D. Francisco de Souza.
Entretanto, ao longo da Repartição do Sul, D. Francisco não obtém êxito em sua
procura por metais preciosos, e Calmon escreve o título de seu livro como a “Decepção e
morte de D. Francisco” (CALMON, 1941, p. 29), que até o o final de sua vida com esteve
em uma busca incessante de achar as minas, e com uma doença repentina morre em 1611.
Ele deixa para seu herdeiro, ainda com pouca idade, o governo das capitanias
meridionais, entretanto, não será concedido tal privilégio por não alcançar o objetivo que
lhe foi imposto, achar jazidas de metais precisos.
CONCLUSÃO
Importante ressaltar ao final deste artigo, o amadurecimento da pesquisa em relação
ao tema, revisitar artigos anteriores e perceber o aprofundamento da pesquisa é ficar com
extremamente feliz com o desenvolvimento como pesquisador. E depois de todas essas
palavras destaco pontos importantes no que diz respeito a Repartição do Sul, primeiro o
histórico de divisão governativa feita pela Coroa portuguesa ao longo da História da
América Portuguesa, perceber as semelhanças e continuidades entre os períodos nas quais
tais divisões foram feitas.
Perceber que a preocupação o a defesa da continental costa brasileira, foi um ponto
importante para todos os períodos da Repartição do Sul, já que as possessões coloniais
Portuguesa estarão em constante conflito com outras nações. Mas é relevante observar
que a busca pela ouro e metais preciosos estará logo nas motivações para uma melhora
na administração, e a criação da repartição nos anos da Dinastia dos Habsbugos ainda traz
para o trabalho um outro olhar sob a pesquisa e nos fazendo se debruçar para compreender
esse processo.
Um processo de choque entre duas formas de administrar e governar, com sistemas
que irão se amaranhar e buscar uma melhoria nas questões do ultramar português, dando
a “modernização” dita por Hespanha, o que nos incita a buscar a trajetória do então
Governador Geral e político importante da época, D. Francisco de Sousa, fazendo uma
breve e possível análise da trajetória administrativa, podemos compreender melhor toda
a conjuntura política que o cerca, e trazer luz para a um momento ainda pouquíssimo,
pesquisado pelos historiadores.
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