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Síndrome da artéria mesentérica superior: relato de caso
DANIELLE MENEZES CESCONETTO,1 THIAGO JORDÃO ALMEIDA PRADO MATTOSINHO,2 MARTINHO ANTONIO GESTIC,3 ELINTON
ADAMI CHAIM4
Relato de Caso
ResumoA s índrome da a r té r i a mesen té r i ca super io r
(SAMS) ou síndrome de Wilkie é uma afecção rara,
caracterizada pela obstrução parcial ou completa
da terceira porção do duodeno pela artéria mesen-
térica superior na face anterior, e pela aorta e
coluna vertebral posteriormente. Apresentamos o
caso de uma paciente que evoluiu no pós-opera-
tório de colecistectomia com vômitos incoercíveis,
pós-prandiais, não melhorados com antieméticos,
sendo diagnosticado SAMS na avaliação comple-
mentar. Como paciente não apresentou resposta
ao tratamento clínico, foi optado pelo tratamento
cirúrgico. Atualmente sem complicações até o
seguimento ambulatorial de 18 meses. A SAMS é
uma causa incomum de obstrução duodenal, com
sintomas inespecíficos, confirmada com exames
contrastados, cujo diagnóstico depende do alto
índice de suspeição da equipe médica.
Uni te rmos : D u o d e n o , S í n d ro m e d a A r t é r i a
Mesentérica Superior.
Summary
The superior mesenteric artery syndrome (SAMS) or
Wilkie syndrome is a rare condition characterized by
partial or complete obstruction of the third portion of
the duodenum by the superior mesenteric artery in
theanteror face and by aorta and spine on the poste-
rior face. The present case is grom a patient presenting
after a colecistectomy with uncontrollable vomiting after
meal, not improved with anti-emetics, being in a guether
evaluation diagnosed in SAMS. As the patient did not
respond to medical treatment, surgical treatment was
chosen. After sugery the patient has be in gollowed for
18 montns, completely assynptomatic. The SAMS is an
uncommon cause of duodenal obstruction, wit nonspe-
cifi c symptoms, confi rmed with contrast studies, whose
diagnosis depends on a high index of suspicion of the
medical team.
Keyword: Duodenum, Superior Mesenteric Artery
Syndrome.
INTRODUÇÃO
A síndrome da artéria mesentérica superior (SAMS)
ou síndrome de Wilkie é uma afecção rara, caracteri-
zada pela obstrução parcial ou completa da terceira
porção do duodeno pela artéria mesentérica superior,
na face anterior, e pela aorta e coluna vertebral poste-
riormente.
Foi descrita pela primeira vez por Von Bokitansky em
1861, e detalhada por Wilkie no início do século XX.1
As manifestações clínicas mais comuns são náuseas,
vômitos, dor/distensão abdominal, timpanismo e
ausculta anormal do abdome. Geralmente, ocorrem
crises pós-prandiais de dor ou desconforto abdominal
e vômitos. O mecanismo fi siopatológico que explica
a patologia é a diminuição do ângulo formado entre
a artéria mesentérica superior e a aorta, que normal-
mente varia de 20° a 70° e nesses casos encontra-se
1. Médica Residente do Programa de Cirurgia Geral do HC/UNICAMP (Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas). 2. Médico Residente do Programa de Cirurgia do Aparelho Digestivo do HC/UNICAMP. 3. Médico Assistente Cirurgião do Aparelho Digestivo do Grupo de Cirurgia de Pâncreas e Vias Biliares do HC/UNICAMP. 4. Professor Livre-Docente da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, Chefe do Grupo de Pâncreas e Vias Biliares do HC UNICAMP. Endereço de correspondência: Danielle Menezes Cesconetto- Rua Carlos César 269- Parque São Lucas - SP - CEP: 03265-020 - e-mail: [email protected]. Recebido em: 19/10/2012. Aprovado em: 20/11/2012.
Superior mesenteric artery syndrome: case report
GED gastroenterol. endosc. dig. 2012: 31(4):138-141
TRABALHO REALIZADO NO DEPARTAMENTO DE CIRURGIA E GASTROCENTRO DA FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS - UNICAMP,
CAMPINAS, SP, BRASIL
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mais agudo. Dentre as causas destacam-se: cirurgia de
retifi cação da coluna vertebral, anorexia nervosa, lesões
cerebrais, queimaduras, perda rápida de peso, crescimento
acelerado na adolescência, congênita e casos familiares.2
O objetivo deste artigo é apresentar um caso de SAMS,
discutindo os principais aspectos de seu diagnóstico e
tratamento.
RELATO DE CASO Paciente do sexo feminino, 57 anos, com antecedentes
pessoais de diabetes mellitus tipo 2 insulino dependente
há 15 anos, dislipidemia, tabagista (45 anos-maço), pós-
operatório tardio de cesárea. Submetida em março de
2011 à colecistectomia ampliada, com linfadenectomia
do hilo hepático, da artéria mesentérica superior e do
tronco celíaco por suspeita de neoplasia de vesícula biliar,
conforme imagem de tomografi a de abdome (Figura 1).
Procedimento realizado em nosso serviço, a paciente
recebeu alta no terceiro dia de pós-operatório com boa
aceitação da dieta e bom estado geral.
O estudo anatomopatológico revelou colecistite crônica
calculosa, xantogranulomatosa, com focos de agudização
e intensa fi brose reacional, além de focos de metaplasia
pseudopilórica e presença de ductos de Luschka. Ausência
de tecido neoplásico, 26 linfonodos sem evidências de
neoplasia.
No décimo quinto dia de pós-operatório, retornou ao serviço
com queixa de vômitos incoercíveis, pós-prandiais, não
melhorados com antieméticos. Ao exame físico apresentava
desidratação, abdome distendido com sinal do vascolejo
positivo. Realizou endoscopia, tomografi a e raio-x contras-
tado de esôfago-estômago e duodeno-EED (Figura 2).
A endoscopia diagnosticou esofagite péptica-grau A de
Los Angeles. O exame contrastado evidenciou obstrução
duodenal. A tomografi a de abdome com contraste mostrou
um ângulo aórtico-mesentérico de 15º, caracterizando o
diagnóstico de obstrução intestinal secundária ao pinça-
mento aorto-mesentérico (Síndrome de Wilkie) - Figura 3.
Iniciado tratamento clínico com decúbito ventral após refei-
ções, fracionamento da dieta, nutrição enteral por sonda
nasoentérica pós-obstrução, guiada por endoscopia,
porém sem sucesso terapêutico. Optado por tratamento
cirúrgico, a paciente foi submetida à duodenojejunostomia
látero-lateral em maio de 2011 (Figuras 4 e 5).
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Figura 1. TC de abdome (23/03/2011): Lesãoexpansiva sólida e vascularizada na luz da vesícula biliar, medindo 3x2 cm, sem sinais evidentes de extensão para a gordura adjacente ou parênquima hepático que sejam detectáveis ao método. Destaca-se amplo contato com a parede do antro gástrico.
Figura 2. EED(18/04/2011): Obstrução duodenal.
Figura 3. TC de abdome (16/04/2011): Ângulo aórtico-mesentérico de 15º.
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A avaliação com EED pós-operatório evidenciou boa
passagem de contraste para o jejuno, paciente evoluiu
com boa aceitação da dieta oral e recebeu alta no nono
dia de pós-operatório. Atualmente, sem complicações até
o seguimento ambulatorial de 18 meses.
DISCUSSÃO
A prevalência da SAMS na população geral varia de
0.013% a 0.78%.
O ângulo aórtico-mesentérico varia de 20 a 70º: na SAMS
está entre 6 a 15º e a distância aórtica mesentérica é menor
8 mm, sendo o valor normal de 10-28 mm.3 Neste caso, a
paciente apresentava o ângulo aórtico-mesentérico de 15º.
A patologia acomete predominantemente mulheres jovens,
idade entre 17-39 anos.
As principais situações desencadeantes são: perda rápida
de peso por dietas, anorexia nervosa, má-rotação ou
hérnias paraduodenais, imobilização na posição supina,
queimados, desnutrição crônica e aneurisma de aorta
abdominal. Os principais sintomas são desconforto epigás-
trico e dor seguida de vômitos que se tornam mais severos,
frequentes, causando distúrbios hidroeletrolíticos agra-
vando a perda de peso.
O diagnóstico depende do alto índice de suspeição da
equipe que avalia o doente e costuma ser uma condição
negligenciada na investigação desses pacientes (compli-
cação cirúrgica subdiagnosticada).
O diagnóstico é feito por meio do estudo contrastado do
estômago e duodeno que, na maior parte dos casos, é
conclusivo. A ultrassonografi a habitualmente é normal. Em
alguns pacientes, há necessidade de realizar-se uma tomo-
grafi a computadorizada do abdome, que pode evidenciar a
obstrução duodenal e sua relação com a aorta e a artéria
mesentérica superior. Os exames mais invasivos, como
a arteriografi a e a angiorressonância, só estão indicados
quando as radiografi as contrastadas não revelam o diag-
nóstico.
O diagnóstico diferencial nos casos mais agudos inclui
úlceras pépticas e duodenais, duodenite, colelitíase e
obstrução duodenal causada por tumores primários ou
metastáticos.
O tratamento clínico consiste em fracionamento de dieta,
decúbito ventral após refeições, dieta hipercalórica, ou
até mesmo parenteral na tentativa de melhorar o status
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Figura 4. Observado pinçamento aorto-mesentérico, com dilatação à montante da 3° porção duodenal. Realizado teste com azul de metileno, que evidenciou parada de progressão a partir deste ponto.
Figura 5. Anastomose duodeno jejunal látero-lateral.
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nutricional. Porém, essa modalidade de tratamento tem
maior índice de sucesso em pacientes com história curta,
sintomas moderados e obstrução parcial.4
Cerca de 50-70% dos casos evoluem para o tratamento
cirúrgico que consiste na secção do ligamento de Treitz
(procedimento de Strong), anastomose duodenojejunal
(duodenojejunostomia) ou gastrojejunal (gastrojejunos-
tomia), sendo o acesso preferencial por laparoscopia,
dependendo da experiência do serviço.
A duodenojejunostomia foi introduzida em 1910 por Starley.
É a técnica mais realizada, com índice de sucesso de 90%,
sendo a escolhida na paciente em discussão. O procedi-
mento de Strong é realizado preferencialmente em crianças
e adolescentes, porém com menor índice de sucesso, e a
gastrojejunostomia tem maior risco de úlcera péptica.5
CONCLUSÃO
A SAMS é uma causa incomum de obstrução duodenal,
com sintomas inespecíficos, confirmada com exames
contrastados, cujo diagnóstico depende do alto índice de
suspeição da equipe médica. Apresentamos um caso com
insucesso de tratamento clínico e com boa evolução após
o tratamento cirúrgico.
REFERÊNCIAS
Barros DH, Arguelo MEF, Hoyo MB. Síndrome da artéria 1. mesentérica superior: relato de um caso. Pediatria São
Paulo. 2003;25(3):134-7.
Lorentziadis ML. Wilke’s syndrome. A rare cause of 2. duodenal obstruction. Annals of Gastroenterology. 2011;
24: 59-61.
Merret ND, Wilson RB, Cosman P, Biankin AV. Lapa-3. roscopic Duodenojejunostomy for Superior Mesen-
teric Artery Syndrome. J Gastrointest Surg. 2009;
13:287-292.
Morris TC, Thompson SK, Devitt PG. Laparoscopic Duode-4. nojejunostomy for Superior Mesenteric Syndrome- How
I Do It. J. Gastrointest Surg. 2009; 13: 1870-1873.
Munere G, Knab M, Parag B. Laparoscopic duodenojeju-5. nostomy for superior mesenteric artery syndrome. J Am
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