24
SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros REIS, FW. Mercado e Utopia [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009. Solidariedade, interesses e desenvolvimento político. pp. 128-172. ISBN: 978-85-99662-79-3. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Solidariedade, interesses e desenvolvimento político Fábio Wanderley Reis

reis-9788599662793-06

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Reis

Citation preview

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros REIS, FW. Mercado e Utopia [online]. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009. Solidariedade, interesses e desenvolvimento poltico. pp. 128-172. ISBN: 978-85-99662-79-3. Available from SciELO Books . All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o contedo deste captulo, exceto quando houver ressalva, publicado sob a licena Creative Commons Atribuio - Uso No Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 No adaptada.Todo el contenido de este captulo, excepto donde se indique lo contrario, est bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Solidariedade, interesses e desenvolvimento poltico Fbio Wanderley Reis 127Emqualquercaso,oesclarecimentoformaldoproblema constitucionaltalcomoaparecenaprpriaperspectivadeumator supostamente reflexivo ou constitucional , por certo, outro aspecto com respeitoaoqualcabeesperarqueaabordagemdaescolharacional experimenteosrecursosdequedispe.Issoseligacomoprivilgio concedido questo de que fazer, e leva provavelmente a um foco afim ao quenormalmenteseassociacomaanlisedepolticas(policyanalysis), onde se adota o ponto de vista de um ator global (o estado supostamente imparcialecapazdeempatiacomdiversosinteresses)paralidarcom problemasdefinidosemtermosdemaximizaoglobal,emboraenvolvam aspectosdeinteraoestratgica.Umaespciedeutilitarismoorgnico pareceinerenteatalperspectiva,emcontrastecomocontratualismo adotado por Przeworski com sua definio radical de democracia. Acho que issonosomenteinevitvelsesetratadeconstruirademocracianum contextohistrico:tambmprovavelmentenecessriosequisermos incorporaranossasanlisesoconsequencialismodequepensoque minharecomendaogradualistaumexemplo.Novejocomouma anlisedestinadaadiagnosticardeterminadasituaoeaorientaros esforos de aperfeio-la possa no ser consequencialista. O que est longe designificarquemeuspalpitestoscossejamtudoodequenecessitamos. 128 SEGUNDA PARTEDE VOLTA AO DESENVOLVIMENTO POLTICO 129SOLIDARIEDADE,INTERESSESEDESENVOLVIMENTO POLTICO Vocs so muito inteligentes, mas vo presos assim mesmo. Fernando Sabino, O Encontro Marcado I - Desenvolvimento poltico? Emartigode1971,SamuelHuntingtonempreendearevisoda literaturasobreotemadodesenvolvimentopolticoecita,aocabo, desalentadocomentriodeDankwartRustow,que,tendodeparadoele prpriocomdezsignificadosdistintosdaquelaexpresso,afirmaquenove delesseriamdemais1.OcomentrioacrescentadoporHuntingtonmais ctico: essa situao indicaria que provavelmente os dez seriam demais, isto ,quetalvezaprprianoodedesenvolvimentopolticodevesseser descartada.DeacordocomadiscussodeHuntington,oconceitode desenvolvimentopolticoseriaousuprfluooupositivamente inconveniente.Suprfluonaquelescasosemqueidentificadocomum processoespecfico,tal comoinstitucionalizao polticaouincrementoda participaopoltica,jquenadaseganhariacomasubstituiodetais termos pela expresso desenvolvimento poltico; e inconveniente nos casos emquetomadocomocategoriaabrangente,aenvolveruma multiplicidadedeprocessosdiversos(taiscomoadiferenciao,a secularizaoeacrescenteautonomiadoselementoscomponentesdeum sistema,naanlisedeGabrielAlmond),jqueousodeumrtulonico para tais processos tenderia a produzir enganadora impresso de coerncia e Trabalho redigido em 1973 e inicialmente publicado nos Cadernos DCP, no. 1, maro de 1974,eemDesarrolloEconmico-RevistadeCienciasSociales,no.54,vol.14,julho-setembrode1974;emversoligeiramentediferente,apareceutambmemJorgeBaln (org.), Centro e Periferia no Desenvolvimento Brasileiro. So Paulo, DIFEL, 1974. 1SamuelP.Huntington,TheChangetoChange,ComparativePolitics,vol.III,no.3, 1971. 130ainsensibilizaroanalistaparaoquepodehaverdeproblemticoemsuas relaes.Combaseemconsideraescomoessas,propeHuntingtono retornonoodemudanacomodesignaomaisadequadaparaos temas geralmente tratados em conexo com desenvolvimento poltico. Outrasobjeespoderiamacrescentar-sesformuladaspor Huntington.Umadelas,aqueserecorreucomfrequncia,refere-se sugestodealgocomoumestdiofinalnoprocessodetransformao polticadasociedadequeseligariaaoconceitodedesenvolvimento poltico. Outra se vincula ao fato de que as tentativas de defini-lo tendem a ressentir-sedainterferncia,conscienteouinadvertidamente,de preferncias condicionadas por fatores de ordem ideolgica ou etnocntrica. Especialmente clara na abundante literatura norte-americana sobre o tema aidentificaodecaractersticasidealizadasdasdemocraciasanglo-saxnicasaamericanaemparticularcomametaaseralcanadano processo. Diantedetodasessasdificuldades,talvezasugestodeHuntington quanto ao destino a ser dado ao termo desenvolvimento poltico devesse ser acolhida.Renunciaraotermo,porm,nosignificarianegarointeressede certasquestessubstantivasparaasquaisseprocurourespostanodebate emtornodoconceitoesquaisnoaludediretamenteaexpresso mudana poltica. Falar de mudana poltica com respeito Argentina da guerra suja, por exemplo, fatalmente evocar questes diferentes das que seriamevocadaspelousodamesmaexpressocomrespeitoUnio Sovitica,deumlado,ouInglaterra,deoutro.Noobstanteocarter equvoco das ressonncias ligadas expresso desenvolvimento poltico e a complexidadedasquestesenvolvidasemsuaconceituao,nohcomo desconhecerofatodequealgunspasesequacionaramdemaneiramais estvelerelativamenteconsensualcertosproblemasbsicospostospela convivnciadeseusmembros,enquantooutrossedebatememsituaes queapresentam,emmaioroumenormedida,ocarterdeimpassena confrontaodeprojetosouforassociaisantagnicasouenvolvema supressoviolentaatquando?dapossibilidadedesemanifestarem politicamentedeterminadosinteressesouprojetos.Este,semdvida,um problemaquemereceateno,seoobjetivodeconhecimentodarealidade poltica tem qualquer sentido. 131II - O dilema da ao coletiva e da organizao poltica: interesses e solidariedade 1 Um postulado clssico da sociologia e das cincias sociais em geral, queestpelomenosimplcitoemgrandepartedotrabalhotericoe emprico levado a cabo nessas disciplinas, o de que as coletividades agem para a promoo de seus interesses grupais ou coletivos. Dado um conjunto deindivduoscujasituaoobjetivaoslevaaterememcomum determinadointeresse,opostuladoconduzsuposiodequetais indivduos, espontnea e naturalmente, agiro de forma a procurar assegurar arealizaodeseuinteressecomum.Porcerto,encontram-senaliteratura sociolgicaexemplosdiversosdesensibilidadeparaoquepodehaverde problemticonapassagemdasimplescomunidadedeinteressesao coletiva, um dos quais corresponde distino de Marx entre classe em si e classe para si. Contudo, raramente se chegou a tomar como tema aquela passagemmesma,isto, aoestudo dos requisitosnecessriosaquea ao orientadaporobjetivoscomunsresultedasimplesexistnciadetais objetivos. Umlivroimportante,daautoriadeMancurOlson,Jr.,prope-se justamenteexplicitarosproblemasenvolvidosnopostuladoreferidoe formularumateoriaadequadadaaocoletiva2.DeacordocomOlson,a vignciadetalpostuladoestariaprovavelmentebaseadanasuposiode queosindivduosquecompemosgruposagemmovidospormotivos egosticos,suposioestaqualseacrescentaaderacionalidadedo comportamentoindividual.Asconsequnciasdetaissuposiesso extrapoladas para os grupos, coletividades ou categorias sociais, e a ideia de quetaisgruposagironadefesadeseusinteressesvistacomo consequncialgicadapremissareferenteaocomportamentoindividual egosticoeracional.Olsonrevelaoquehdelogicamenteinconsistente nessaextrapolao esustenta, emcontraposio aopostuladomencionado, que,namedidaemquesejamegoisticamentemotivadoseracionais,os indivduos no agiro naturalmente para a promoo do interesse comum. 2MancurOlson,Jr.,TheLogicofCollectiveAction:PublicGoodsandtheTheoryof Groups, Nova York: Shocken Books, 1968. 132Isso se deve a que, com o interesse comum, trata-se de um bem coletivo ou pblico,oqual,porsuaprprianatureza,seasseguradoparaumaparcela qualquerdeumconjuntodeindivduos, estarnecessariamenteassegurado paraosdemais.Daqueobempbliconorepresenteporsimesmo,para indivduos egostas e racionais, estmulo suficiente ao dispndio de energia oudosrecursosnecessriossuaconsecuo.Emconsequncia,a presunodeveserqueaaocoletivanoserealizar,amenosquehaja coeroouoqueOlsondenominaincentivosseparados,queatuem seletivamenteemtermosindividuaisepermitamganhosoubenefcios individuais,derivadosdaparticipaonaaocoletivamasindependentes da realizao do prprio bem coletivo como tal. Oproblemaassimsituado,queserefereaoconflitoentreinteresses particulareseinteressecomumparaocasodacondutaracionalmente orientada,postodemaneiramaisdramticanasituaoconhecidana literaturadedicada teoriados jogoscomoodilemadoprisioneiro3.A, doisindivduosquetmapossibilidadedeganhoconjuntomediantea adoodedeterminadalinhadeaoinscritaentreasalternativasque deparam so levados, em funo dos estmulos ao guiada pelo interesse particularcontidosnaestruturadasituao,aadotarracionalmente estratgias que redundam em desastre para ambos. O ponto talvez de maior interessequeojogododilemadoprisioneirotornaclaroque,emboraa formausualdeapresentaodasituaoemqueosagentessevem envolvidossuponhaaimpossibilidadedecomunicaoentreeles,caso viessem a poder comunicar-se e chegassem a estabelecer um pacto de ao condizentecomointeressecomum,issoapenassignificaria,dadaa estruturadasituao,quecadaqualteriamotivosadicionaisparaagirde forma a promover seu interesse pessoal e a frustrar o interesse coletivo, e o pactoestabelecidoestariadestinadoanoserobservado,amenosqueos agentes viessem a ser coagidos a observ-lo. Arelevnciadessasconsideraesparaotemaquepretendemos discutirresideemqueelasapontamparaoproblemafundamentalda convivnciapoltica,problemaestequeestnecessariamenteenvolvidona 3 Uma exposio do dilema do prisioneiro, acompanhada da explorao das implicaes e limitaes da lgica que lhe subjacente, pode ser encontrada em Anatol Rapoport, Fights, Games,andDebates,AnnArbor,Michigan,MichiganUniversityPress,1961,pp.173e seguintes. 133discusso das questes associadas ideia de desenvolvimento poltico, seja qualforortulocomquesedesejedesign-las.maisdoque simplesmentecuriosoobservarqueomesmodilemaencontradona discussodaaodestinadaarealizarobemcoletivoenacondutados participantesnojogododilemadoprisioneiroencontramostambmna clssicadiscussodeHobbessobreatransiodoestadonaturalparaa sociedade civil. No outro o foco de intenso debate, no qual se empenham numerososautores,comrespeitoaofundamentodateoriahobbesianada obrigao poltica. JohnPlamenatz,porexemplo,apegadopsicologiarealistae egosticaemquepretendefundar-seaconstruodeHobbes,busca estabelecerofundamentodaobrigaoedaobedincianecessria instauraodafigurahobbesianadosoberano(e,consequentemente,da ordem)emconsideraesprudenciaisedeinteresseprprio4.Dadoqueo soberano no ter poder para coagir os recalcitrantes a menos que os demais lheobedeam,amotivaoegosticacorrespondentenecessidadede seguranaserrazobastanteparaasseguraraobedinciadestesltimos: cada qual tem interesse em que o soberano tenha poder, o que no se dar a menosqueelesejaobedecido;logo,todosserolevadosaobedecer.Em contraposio, autores como Taylor e Warrender sustentam a existncia de umadoutrinaticaemHobbes,queseriaindependentedesuapsicologia egostica e que, tendo a ver com o carter imperativo e moral que atribuem sleisdanaturezadeHobbes,seriaimprescindvelparaassegurara obedinciaeaordem5.Issosedevenoapenasaodifcilproblemade coordenaoquesecolocadadoquearazoparaaobedinciaqueo soberanotenhapoder,enquantotalpoderdependedequehajaobedincia, massobretudoaoconflitoentreointeressecomumnainstauraodo soberanoedaordem,porumlado,eointeresseparticularemescapardas restriesquetalinstauraoimplica,poroutro.Demaneirainteiramente anlogasituaodasempresasdedeterminadoramonummercadode concorrncia perfeita, interessadas conjuntamente na manuteno de preos elevadosparaseuprodutoecadaumadelasisoladamenteemproduzire 4JohnPlamenatz,Mr.WarrendersHobbes,PoliticalStudies,vol.V,no.3,outubrode 1957. 5A.E.Taylor,TheEthicalDoctrineofHobbes,emKeithBrown(ed.),HobbesStudies, Cambridge,Mass.,HarvardUniversityPress,1965;HowardWarrender,ThePolitical Philosophy of Hobbes, Oxford, Oxford University Press, 1957. 134vender o mximo, as quais se vem fadadas superproduo e queda dos preos;ousituaodosprisioneirosinteressadosconjuntamenteem ganhar a liberdade e isoladamente em lograr maiores ganhos individuais, os quais se vem fadados a longos anos de cadeia; de maneira anloga, quanto maisconvictoestejaoindivduoisoladodequeaobedinciacorresponde aointeressedetodosequetodostmbonsmotivosparaobedecer,tanto maiores razes ter para esperar que os benefcios da instaurao da ordem lhe adviro da obedincia que ser prestada pelos outros e para dispensar-se asiprpriodela.Emtalsituao,somenteaobrigaomoralpermitiria esperarasuperaodoestadodenatureza.DaqueTayloreWarrender sejam levados a aproximar as leis da natureza de Hobbes da noo kantiana docarterimperativodaleimoral,porcontraditriaquepossasera vignciadetaisleis,assimentendidas,comaconcepodoestadode natureza como caracterizado pela guerra de todos contra todos. SevoltamosanlisedeOlson,aindagaoquesuasproposies suscitam diz respeito ao papel desempenhado na ao coletiva por motivos de ordem moral (como os que, na interpretao que do Taylor e Warrender aopensamentodeHobbes,permitiriaresolverodilemaenvolvidona constituiodasociedadecivil)oudeordemafetiva,ideolgicaetc. Claramente, sua sugesto bsica pode ser vlida como crtica extrapolao decertosprincpiosdeaodoplanoindividual para oplanocoletivosem que isso determine a natureza da resposta a ser dada questo de como se desenvolve a ao coletiva. A ao coletiva poderia ocorrer, se deixamos de lado o caso da coero pura e simples, seja mediante incentivos seletivos ao interesseindividualparaocasodeadoodeformasdeconduta compatveiscomobemcoletivo,sejapelapresenademotivoscomoos queacabamosdemencionar.Seriaestaumadistinorelevante?Noa julgarpeloquenosdizOlson,quesedesembaraadoproblemada motivao moral ou ideolgica em simples nota de p de pgina, com base na possibilidade de interpret-la como correspondendo a condicionantes da aoquevariariamindividualmenteeproveriamestmulosdistintosdos representadospelaprpriarealizaodobemcoletivo,podendoser descritosemtermosdoobjetivodealcanardeterminadosestados psicolgicos(estarempazconsigomesmo,sentir-sesolidrio)e subsumidos,emconsequncia,sobortulodeincentivosseletivosou incentivosseparados.Ditodeoutraforma,noseriaemsiobenefcio associado realizao do bem coletivo que levaria ao conducente a ele, 135masaobtenodeumobjetivoquesepoderiaaindacaracterizarcomo individual. Contudo,essainterpretaoredundaemnegarainexorabilidadedo dilema que nos ocupa, pois ela implica admitir que existe a possibilidade de compatibilizarobjetivoscoletivoseindividuais6.Admitidaessa possibilidadeouseja,admitidoque,pormotivosdeordemmoralou ideolgica,osindivduospodemserlevadosaseprescreveremobjetivos queremetemrealizaodointeressecoletivo,anaturezadoproblema bsicosemodifica.Naturalmente,Olsonpoderiacontestarqueoobjetivo desuaanliseseriaprecisamenterevelarascondiesemqueinteresses individuaiseinteressescoletivossetornamcompatveis,equeanoode incentivosseletivosseriaaquelapormeiodaqualsepoderiamenunciar genericamentetaiscondies,queencontraramosnoapenasnocasoda aocompatvelcomobemcoletivomoralouideologicamentemotivada, mastambmnocasoemqueessaaomotivadaporexpectativasde ganhooupeloestritointeresseindividual.Opontoimportante,porm, consisteemsalientaradiferenaentreessesdoiscasos,diferenaquea colocaodeambossobarubricadeincentivosseletivosdeixana sombra:nosegundocasotemosoindivduoatuandoemproldointeresse coletivo em funo de uma barganha em que este lhe alheio, enquanto no primeiroovemosatuandoemfunodeumanormainteriorquelhe prescreveointeressecoletivocomoobjetivomanifestodesuaao,ainda queocomportamentocorrespondentepossater,comopretendeOlson, funes latentes para o indivduo em questo. Aimportnciadadiversidadedeimplicaesdessesdoiscasos bastanteclara.Ocasoemqueoindivduoageemfunodeumanorma interior que lhe prescreve o interesse coletivo corresponde, em terminologia 6AanlisedeOlsonfecundanamedidaemquesedesdobranumatipologiadegrupose chamaaatenoparaumtipoespecialdegruposdegrandesdimenses,denominados grupos latentes, com respeito aos quais as dificuldades de realizao do interesse comum derivamnotantodaoposioentreobjetivoscoletivoseinteressesparticularesde indivduos egostas, mas antes do problema de coordenao que resulta, dadas as dimenses dogrupo,dairrelevnciadaaodequalquerindivduoisolado relativamenterealizao dointeressecomum,oquelevariamesmoindivduosaltruisticamentemotivados,se racionais,anoinvestiremrecursosouesforospararealiz-lo.Oproblemacomaanlise nesses termos que ela se nega a si mesma: se ela certa, o racional para o altrusta agir altruisticamente,isto,demaneiracondizentecomarealizaodointeressecoletivo,sob pena de ver ainda diminudas as chances de realizao de seus objetivos (altrustas).136weberiana,aocomunal,fundadaemsentimentosdesolidariedade.Ea introduo da ideia de solidariedade e da ao nela inspirada que altera os termos do problema discutido por Olson, permitindo situar fenmenos que a estrita perspectiva de interesses individuais tende a obscurecer. 2 O exame das diversas formas pelas quais a coordenao necessria ao coletivaassegurada,coordenao estaqueenvolveumproblemade organizaoeportantodepoder,redundanoestudodosfundamentosdo consentimentopolticooudalegitimidadedeumaformaqualquerde dominao e organizao poltica. Se tomarmos os fatores considerados por Olsoncomocapazesdeinduziraaocoletiva(acoeroeosincentivos seletivos aos interesses individuais) e dermos o devido destaque ao caso da aofundadanasolidariedade,envolvendoconsideraesdeordemmoral ouideolgica,teremososelementosdeumaclassificaoaparentemente satisfatriadeestruturasorganizacionais,referidasformasdepoderque nelas se manifestam e aos correspondentes fundamentos para a aquiescncia aopodereoenvolvimentonasorganizaesemquesto.Talclassificao outipologiaseriaperfeitamenteparalelaformuladaporEtzioniem ComplexOrganizations7,ondesedistinguemopodercoercitivo,opoder remunerativo(caracterizadopelamanipulaodeincentivosaosinteresses individuaisdequefalaOlson)eopodernormativo,fundadonoapeloa valores ou objetivos compartilhados, ou seja, na solidariedade; a tais formas de poder correspondem diferentes formas de envolvimento por parte dos indivduos,asquais,noscasoscongruentes,seriamrespectivamente envolvimento alienante, calculante e moral. Contudo,seoproblemadaorganizaopolticaconsideradono nvelabrangentedegrandesunidadesdebaseterritorialemquesesituam usualmenteasdiscussesrelacionadasaotemadodesenvolvimento poltico, a distino mencionada de diferentes fundamentos da organizao polticaeanfasenopapeldesempenhadoporfatoresquetmavercom solidariedade no so suficientes para permitir responder s questes que se colocam.Consideraesdeordemafetiva,moralouideolgica,se 7AmitaiEtzioni,AComparativeAnalysisofComplexOrganizations,NovaYork,Free Press, 1961; vejam-se especialmente pp. 12 e seguintes. 137representam,emrelaoaoindivduoisolado,fatoresdesolidariedade, representamtambm,dopontodevistadeunidadescoletivasmais complexas,obstculospotenciaisintegraoesolidariedade.Deste segundopontodevista,tornam-seelasfocospossveisdadefiniode novosinteressesemtermosdosquaisnovosparticularismosseafirmam num nvel mais elevado. O dilema situado por Olson se recoloca, portanto, numplanoemquenomaissetratadeindivduosatomizados,masde interessescorrespondentesadistintosfocosdesolidariedade,eestamos novamenteperanteoproblemadaoposioentreinteressesparticularese interessesqueseapresentamagoranoapenascomocoletivos,mas propriamentecomopblicos,nosentidodequeserelacionamcoma pretensodeuniversalidadeassociadaformadedominaoquebusca instaurar-sesobreamplascoletividadesdebaseterritorial,bemcomoao projeto de organizao que lhe diz respeito. Oproblemaqueassimsedefinecorresponde,parece-nos,ao substratosignificativoaoqualpodemserreduzidasasdiscusses relacionadascomotemadodesenvolvimentopoltico.Emsuaformamais geral,talproblemaconsistenarealizaodaprpriafunopolticaem qualquersociedadedada,isto,envolveaquestodeequacionaros problemasquederivamdacontiguidadeoudaocupaoemcomumde determinadoterritrio,colocando-seemtermosdeseasseguraradequada cooperaosocial-territorialedetornarvivelacoexistnciano beligeranteouviolentadeinteressesdiversosedencleossolidrios particulares,pormeiodainstauraodealgumaformadesolidariedade maisampla,debaseterritorial8.Atopontoemquesepodeesperar consenso com respeito proposio de que teramos a o problema poltico fundamental,torna-sepossvelpretenderobterconsensoigualmentecom respeitonoodedesenvolvimentopoltico.Semminimizaras formidveis dificuldades envolvidas, tal noo ter necessariamente de estar referida ao maior ou menor xito com que diferentes coletividades de base territorialserevelamcapazesdeenfrentareequacionaraqueleproblema. Emprincpio,caberialevaracaboatarefadeavaliaodessexito relativamenteaqualquersociedade,emnoimportaquaiscircunstncias 8 Boa discusso da funo poltica ao longo dessas linhas pode ser encontrada em Antnio OctvioCintra,AFunoPolticanoBrasilColonial,RevistaBrasileiradeEstudos Polticos,18,janeirode1965.Veja-setambmHermannHeller,TeoriadoEstado,So Paulo, Editora Mestre Jou, 1968. 138histricas.Naprtica,porm,hevidentementeboasrazesparaquea discussorelativaadesenvolvimentopolticoseinscrevanosparmetros situadospelaemergnciahistricadoestado-naocomoformade organizaopoltica.Taisparmetrossoemgeraladotadosnaliteratura dedicadaaotemadodesenvolvimentopoltico,apesardaexceo representadaporalgunsautoresciososdadistinoanalticaentre problemasdedesenvolvimentopolticoeproblemasrelacionadoscomo processodemodernizaosociopoltica,que,estessim,necessariamente envolveriam a referncia ao moderno estado-nao9. III - Solidariedade, interesses e mercado poltico: uma noo de desenvolvimento poltico 1 Uma importante linha de desenvolvimento dos esforos de teorizao sobrearealidadepolticasetornouconhecidasobosrtulosdenova economia poltica e de teoria da escolha pblica (public choice theory). Sendo sobretudo um produto da atividade de economistas que se interessam pelosproblemasdaarenapoltica,taisesforosbuscamconstituir,na expresso utilizada por um dos autores que a eles se dedicam10, uma teoria estritadapoltica,decarterafirmativoeproposicional,emsubstituio aosabundantesmarcosderefernciaouesquemasconceituais,de carterantesdefinicional,quetmresultadodosesforoschamados tericosdosprprioscientistaspolticos.Otrabalhodeconstruoterica setemavalido,naturalmente,daperspectivaedosrecursosprpriosda cincia econmica.Fundam-seosautoresnasuposiodequeaeconomia comocincianosedistinguiriaporocupar-sedesteoudaqueletipode bensoutransaesdistinguidosporcaractersticasintrnsecas,masantes por ocupar-se de qualquer tipo de situao em que um problema de escassez ouraridadeestejaenvolvido.Essadefiniopermiteincluirosproblemas quetmclassicamenteconstitudoodomniodacinciapoltica,ondese 9SamuelP.Huntington,PoliticalDevelopmentandPoliticalDecay,WorldPolitics,vol. XVII, no. 3, 1965. 10 Gordon Tullock, Theoretical Forerunners, Apndice 2 de James M. Buchanan e Gordon Tullock,The Calculus of Consent: Logical Foundations of Constitutional Democracy, Ann Arbor, Michigan, University of Michigan Press, 1967. 139tratadaconfrontaoedojogodeatoresrelativamenteadecisesqueso objeto de divergncias e cuja colocao em prtica por meio dos centros de poderdacoletividadeenvolvenecessariamenteafrustrao,emmaiorou menormedida,dasprefernciasdedeterminadosatores.Naformulao utilizadaemdiscussodasrelaesentreaeconomiaeasdemaiscincias sociaisporumdosautoresquesetmdestacadonocampoaqueestamos nos referindo, a teoria econmica (mais precisamente, a microeconmica) ,numaacepofundamental,quaseumateoriadocomportamento racional, sendo aplicvel, portanto, sempre que tenhamos um problema de utilizaodemeiosescassosparaaconsecuodeobjetivosdequalquer natureza (status social ou poder poltico tanto quanto bens materiais)11. Deacordocomessaorientao,osautoresdapublicchoicetm baseadoseutrabalhodeconstruotericanaconcepodeagentes polticosqueatuamracionalmentenaescolhadaslinhasdeaoaserem adotadasnastransaesestabelecidasentreeles.Na imagempredominante queemergedacrescenteliteraturapertinente,ohomopoliticusohomo economicusdoseconomistasclssicostranspostoparaaarenapoltica, movendo-se eficientemente na manipulao das condies que lhe oferece o ambiente tendo em vista a realizao de seus interesses prprios. Por certo, a racionalidade e a psicologia egosta que caracterizam o homo economicus clssiconodeixamdesersubmetidasaseveroescrutnio,ganhando matizesqueasresguardamdasprincipaiscrticasdirigidasquela concepo.Contudo,opontoasalientarqueascaractersticasatribudas aosatorespolticosnasformulaestericasdanovaeconomiapoltica levamav-loscomoagentesemummercado,comoindivduose organizaesdotadosdegrandeflexibilidadeemseucomportamento, avessosaconsideraesestranhasprprialgicadomercadoemque atuametransacionamesempreprontosaumaboabarganhaquelhes permitamaximizararealizaodeseusobjetivos.Osfatoresdeordem afetiva,moralouideolgicasodeixadosdeladonamedidaemque poderiam significar restries ao funcionamento do mercado poltico e ao livrejogodosinteresses.Noscasosemquealgumdessesfatores considerado,comosedcomofator ideolgicoemimportantevolumede 11 Mancur Olson, Jr., As Relaes entre a Economia e as Outras Cincias Sociais: A Esfera de um Relatrio Social, em Seymour M. Lipset (org.), Poltica e Cincias Sociais, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1972. 140AnthonyDowns12,adiscussotendearestringir-seaopapelporele cumpridodentrodaprprialgicadomercadopoltico:emDowns,a ideologianosenouminstrumentoaquerecorremosatorespara incrementararacionalidadedeseucomportamentomaximizadornas condiesdeincertezaemquesoforadosaatuaretendoemvistaos custos da obteno de informaes. Ora, tal modelo envolve uma suposio fundamental. Ele supe que, nacoletividadecujadinmicapolticasetrataderepresentar,tenhasido resolvidooproblemaconstitucional,isto,quehajaaadesogeneralizada sregrasdojogoeavignciaefetivadelas.Oplenofuncionamentodo mercadopoltico,comoMaxWebermostrouocorrercomomercado econmicoconvencional,implicaaexistnciadecomunidadeentreos atoresenvolvidos,expressanosentimentodeconstituremumtodoena competiodetodoscontratodos,semexclusesapriorialheiaslgica dojogodeinteresses.Arigor,nocorresponderiamsexignciasdo modelonemmesmooscasosdesociedadesemque,emboraoprocesso polticosednumquadroformalderegrasdefinidas,osatoresestejam divididosporcisesideolgicasprofundasqueresultememlinhasde intensoantagonismoentreeles,poisnohaveriaentoapossibilidadede trataraideologianostermosdeDowns.Otipodepolticaaque correspondeomodeloseriaadequadamentedescritoemtermosdapoltica ps-ideolgicadequefalamvriosautorescontemporneos, supostamenteenvolvendograuelevadodeconsensusonfundamentals comorequisitoparaqueaatividadepolticasetorneumaatividadede barganha e de puro confronto de interesses13. Em outros termos, a condio dequeaquisetratarevela-seprivilegiadanosentidodequenelaseacha garantida,paraacoletividadepolticaemquesto,asoluododilema propostoporOlsonparaaaocoletivaemgeral.Talsoluosetorna 12AnthonyDowns,AnEconomicTheoryofDemocracy,NovaYork,HarperandRow Publishers, 1957. 13 Isso no significa que no existam tentativas de tratar, com os recursos da public choice, osproblemasquesesituamnoprprionvelconstitucional.TheCalculusofConsent,de JamesM.BuchananeGordonTullock, umexemplodosesforosdessetipo,tendocomo subttuloLogicalFoundationsofConstitutionalDemocracy.Bemcedo,contudo,os autoressevemenvolvidosnumproblemaderegressoinfinita,indagando-sesobreas regrascombasenasquaisosagentespolticospoderiamdecidirsobreasprpriasregrase sendo levados a postular uma norma de unanimidade como sada para o problema. 141possvel justamente pela relevncia assumida por fatores que tm a ver com a ideia de solidariedade anteriormente introduzida. Em termos da oposio que se costuma estabelecer entre interesses e valores,ouinteressesesolidariedade,essacaracterizaodomodelodo mercadopolticoenvolveumaspectoparadoxal:acondioemquese maximiza o puro confronto de interesses precisamente aquela em que se v tambm maximizado o mbito da solidariedade. Se tomamos novamente osdiferentesfundamentosorganizacionaisconsideradosporEtzioni,isso representaria,primeiravista,introduzirconfusonasrelaesentreo envolvimentovalorativoeoenvolvimentocalculante.Detenhamo-nos um pouco sobre esse ponto. Oaspectoimportanteasalientarosignificadopeculiardo envolvimentovalorativo.primeiravista,aestruturaorganizacional caracterizadaporessetipodeaquiescnciaseriaaquemelhorilustrariao predomniodasolidariedadesobreoutrospossveismotivosdeassociao. Deoutropontodevista,porm,parececlaroqueumaestrutura organizacionalqualquerspodepretenderfundar-seeficazmentesobreo envolvimentovalorativonamedidaemqueestejaimersaemambiente caracterizadoporumapluralidadedevaloresouobjetivosemcompetio, desortequeapromoodedeterminadosvalorespossaproverestmulo adequadoparticipaodaquelesquecompartilhamtaisvalores.Isso significa que o apelo organizacional a determinados valores contrape uma face divisiva e antagonstica a sua dimenso solidria, foco de separao e distinotantoquantodeunificaoeintegrao.Oxitodeuma organizao em tornar crescentemente universal a aquiescncia aos valores ouobjetivosquepropugnaestarnecessariamenteacompanhadodaperda devigordestescomofocosdeorientaodaaodeseusmembros,os quaissevoltarofatalmenteparaoutrasquestesemtornodasquaishaja maior divergncia. Ora,asorganizaespolticasdebaseterritorial,emparticularo estado-naodenossosdias,soorganizaesquesedefinempela pretensodecontarcomaadesouniversaldoshabitantesdedeterminado territrio.Daque,quantomaisxitotenhamemrealizarseuprojeto prprio,tantomaistranquilaseraadesoaosvaloresquepropugname tantomenoraforamobilizadoradestes,amenosquesejapossvel contraporosvaloresprpriosdaunidadeterritorialemquestoaosde 142outrasunidades,produzindo-seassimodesafionecessrioasua revitalizao(guerrasetc.).Naausnciadessedesafio,oxitode organizaesdotipoconsideradoemasseguraroenvolvimentovalorativo de seus membros consiste justamente, de maneira aparentemente paradoxal, emneutralizarodebatecomrespeitoavaloresenquantofundamentosda prpriaorganizao,comasubstituiodaadesovigorosaadiferentes ideologiasousubculturaspolticasporumaculturapolticacomumque tenderaassumirascaractersticasatribudasporAlmondeVerba culturacvica14,devignciamaisgeneralizadamasassociadaarelativa indiferenaouapatiaporpartedosatorespolticos,quepassariamaestar mais voltados para seus interesses cotidianos. Tais condies favoreceriam, assim, a difuso de uma orientao face vida poltica que se aproximaria daposturacalculanteconsideradaporEtzioni,semqueissosignifique necessariamente,dadasaspeculiaridadesdaparticipaoemorganizaes debaseterritorialemcontrastecomasdeoutrostipos,amodificaodo fundamento mesmo do compromisso com a organizao. Essadiscussonostrazaoportunidadedeprecisarasrelaesentre asnoesdeinteresseesolidariedade,quecomfrequnciadomargema formulaesinadequadas.Porinteresseentendemossimplesmentefimou objetivoprprio,quersetratedeatoresindividuaisoucoletivos.Em contraposio, solidariedade refere-se ao compartilhamento de objetivos ou interesses. Ambas as expresses so aqui tomadas num sentido que envolve necessariamente a subjetividade dos atores considerados. Importadestacararelaodeimplicaomtuaexistenteentreos doisconceitos.ComosugereAlessandroPizzornoemmagnficoartigo publicadohalgunsanos15,ointeressedeumatorsignificaaaopela qualelesedistinguedeoutrosatores,visandoamelhorarsuaposio relativanoconfrontocomestes.(...)Paraquetalaosejapossvel necessrioqueseusresultadossejammensurveisisto,passveisde serem avaliados em termos de melhor ou pior, de mais ou menos e que o critrio de mensurao seja comum ao ator e queles com respeito aos quais oatorpretendemelhorarsuaposio.(...)Umsistemadeinteresses 14GabrielA.AlmondeSidneyVerba,TheCivicCulture,Princeton,N.J.,Princeton University Press, 1963. 15 Alessandro Pizzorno, Introduzione allo Studio della Partecipazione Politica, Quaderni di Sociologia, 15, 3-4, julho-dezembro de 1966. 143comporta,portanto,umsistemadeavaliaescomunsqueservemaum conjuntodeatores...16ouseja,elerequerumsistemasubjacentede solidariedade,aindaqueosobjetivosqueemtalsistemasecompartilham correspondam apenas s condies que permitem aos atores se empenharem no jogo de vantagens comparativas. Por outro lado, contudo, a constituio deumsistemadesolidariedadesedpelarefernciaaosvaloresdeum sistemadeinteresses,medianteoprocessodeformaodoquePizzorno denomina reas de igualdade. Com efeito, aqueles que participam numa coletividadesolidriacolocam-se,enquantomembrosdela,comoiguais peranteosvaloresdeumdeterminadosistemadeinteresses.Emoutras palavras,umsistemadesolidariedadeseconstituipelanegao,aindaque numareamnima,dasdesigualdadescorrespondentesadeterminado sistema de interesses17. Qual,nestecontexto,olugardanoodeideologia,qual vinculamosrepetidamenteaideiadesolidariedadeempassagens anteriores?Elacorrespondeadoutrinasouformasdepensamento relativamente estruturadas que delimitam o mbito do compartilhamento de finsouobjetivosombitodasolidariedade,justificando-oemtermos ticos, histricos, cientficos ou outros. Os elementos de emocionalidade, antagonismoerigidezquecomfrequnciaseapontamnochamado pensamento ideolgico tm aver, portanto, com oinevitvel objetivo de separao e distino nele envolvido concomitantemente com o objetivo de solidariedade e aglutinao. 2 Qualarelevnciadetudoissoparaadiscussosobre desenvolvimento poltico? A proposio que aqui queremos formular, e em torno da qual nos parece possvel pretender obter consenso, a seguinte: o processodedesenvolvimentopolticodeveserentendidocomooprocesso deinstauraoepermanenteexpansodomercadopoltico,nosentido em que vimos usando a expresso a propsito das construes da teoria da publicchoice;talprocessosupeouenvolveacrescenteexpansoe fortalecimentodasolidariedadedebaseterritorialcomocondioparaa 16 Ibidem, pp. 252-3. 17 Ibidem, p. 256. 144eliminaodebarreirasaolivrejogodeinteresses,derivadasdeoutros focos de solidariedade e antagonismo. Essa uma proposio ousada, certamente. Inevitavelmente dar azo alegaodequeanfaseatribudasolidariedadeterritorialsedevea prefernciascondicionadasideologicamente.Poroutrolado,fcil imaginarasresistnciasquesuscitardeimediatoaoerigirempadrodo processodedesenvolvimentopolticoalgoqueemergedaelaborao terica de autores que muito claramente se inspiram, em seu trabalho, numa concepoidealizadadademocraciapolticaformalvigentenaEuropa ocidental e especialmente nos pases de lngua inglesa. Relativamenteprimeiraobjeo,nossarespostaadequea formulaoacimanosparecederivardoenunciadoquefizemosnaseo anteriordoquechamamosoproblemapolticofundamental:o equacionamentodosproblemasquederivamdacontiguidadeemtermos queasseguremaconvivnciano-beligerantedeinteressesdiversosede ncleos solidrios particulares. , evidentemente, concebvel que se prefira, naescalaquevaidoconsensobeligernciaouviolncia,oplo correspondente a estas ltimas. Parece claro, porm, que a extravagncia de sepretenderfundarqualquerdiscussosupostamentepolticano estabelecimentodeequivalnciaentreestaprefernciaeaopostanos levariaaabandonarodomniodacinciapolticaparaentrarnoestudode estratgia militar e de tcnicas de represso. Se nosso enunciado da funo polticamereceacatamento,numasociedadedeescravosouderepresso total no h poltica. Arespostabviaaessamaneiradeformularaquestoseria, naturalmente,adequeoestudodeproblemascomoestratgiamilitarou tcnicasderepressopartedacinciapoltica,sendodesnecessrio assinalarquehumsentidotrivialemqueissoevidentementecerto.No planoemqueaquinossituamos,contudo,nossopropsitosalientaro papel crucial que a ideia de autonomia dos atores polticos desempenha para aprpriadefiniodoproblemafundamentaldavidapoltica.Sexiste problemapolticonamedidaemquetemos,numarelaosocial,uma pluralidadedeinteressesdivergentesqueefetivamentecontampelomenos potencialmentevaledizer,namedidaemqueosatoresaque correspondem tais interesses so pelo menos potencialmente autnomos. A ideia de interesses divergentes, portanto, traz necessariamente implcita, sob 145pena de tornar-se irrelevante, a ideia de fundamental autonomia dos atores. Masseaprpriadefiniodoproblemapolticobsicoemtermosda coexistnciadeinteressesdivergentesimplicaasuposiodeagentes autnomos,taldefinionecessariamenteapontaparaumacondio hipotticanaqualumaformaesclarecidadesolidariedadesetornaa garantia da igualdade e o nico fator admissvel de coeso na vida poltica. AconcepodeDahrendorf,segundoaqualtodaequalquerrelaode dominao potencialmente ilegtima18, pode ser vista, dessa forma, como adefiniomesmadaquestobsicaqueseapresentaprpriacincia poltica como tal, e a viso tradicional desta ltima como a disciplina que se ocupa do problema do poder conserva sua validez sob a condio de que a nfasesedesloquedotermopoderparaotermoproblema.Talconcepo nonosdispensa,naturalmente,deconsiderarasespinhosasquestes colocadaspelasrelaesqueseestabelecem,emqualquerformade organizaopoltica,entreseusinevitveisingredientesdepoder,porum lado, e os elementos subjetivos associados aquiescncia e solidariedade, por outro. Ela propicia, antes, um ponto de referncia para a abordagem de tais questes, das quais nos ocuparemos adiante19. Quantosegundaobjeoacimaindicada,queseachaclaramente relacionadaprimeira,elanovaialmdoalcancequetenhaoadjetivo formalacopladoaomodelorealdedemocraciapolticaeuropia- 18 Cf. Ralf Dahrendorf, Las Clases Sociales y su Conflicto en la Sociedad Industrial, Madri, Ediciones Rialp, 1962, p. 216. 19Dadaaimportnciaqueseatribuiideiaderacionalidadedosatoresnostrabalhosda publicchoice,queprovainspiraomaisdiretaparaaconcepodomercadopoltico aquiadotada,valeapenanotardepassagemqueaideiadeagentesautnomos necessariamenteenvolveasuposiodequetaisagentessocapazesdeestabelecer objetivosparasuaaoedepersegui-losdemaneiraracional.Comodemonstraramas anlises de Deutsch, no h autonomia quer no caso do autmato que busca rigidamente um fim predeterminado, quer no caso de um artefato ou animal destitudo de memria e que se encontra deriva, por assim dizer, em seu comportamento, comoconsequncia de se achar totalmenteabertoaosestmuloscambiantesqueoambientelhefornece.Diversamente,o comportamento autnomo o comportamento de um agente cujos fins relativamente rgidos eestveis(estabelecidospelaaodamemria,quelhepermite,naspalavrasdeDeutsch, escolher aquilo que ele , sua personalidade) so buscados por meio de umaatitude ou disposioaumtempoflexveleseletivacomrespeitoanovasinformaes(feedbacks) relativastantoasiprprioquantoaoseuambiente;comportamentoautnomo,emoutras palavras, comportamento racional. Cf. Karl W. Deutsch, The Nerves of Government, Nova York, The Free Press, 1966, captulos 6 e 8, especialmente pp. 107-8.146ocidentaleanglo-saxnicaqueinspiraaorientaoantesexaminada.A objeoserialegtima,sedirigidaaosautoresdaquelaorientao,na medidaemqueestespretendessemestarapresentandoalgovlidocomo descriodascondiesquecaracterizamdeterminadospases.Emseu cerne,essaobjeoserefereaopapelquedivisestaiscomoasque correspondem s classes sociais, com o que implicam em termos de acesso diferencial a recursos, exerceria no sentido de tornar fictcia a existncia de ummercadopolticocapazdeassegurarolivrejogodeinteresses;em particular, a metodologia individualista, um dos pilares das elaboraes dos autoresemquesto,tenderiaadissimulararelevnciadequestespostas pelaexistnciadasclassessociaisedeoutrostiposdeagrupamentose oposies sociais. Aplique-seounotalobjeoaosautoresdapublicchoice, lembremos que em nosso caso se trata de discutir desenvolvimento poltico. Assim, a eliminao dos obstculos vigncia da solidariedade territorial vistacomodesafioaserenfrentadoaolongodeumprocessonoqualo mercado poltico se ampliar sucessivamente, sendo possvel, em princpio, determinaramedidaemquequalquercoletividadedadateravanadono processopelamedidaemquetenhatidoxitoemeliminartaisobstculos. Essaeliminaoeaampliaoconcomitantedasolidariedadeterritorial tm,naturalmente,importantesimplicaesdeordemestrutural,emcuja discussoesperamospoderesclarecerecontornarasdvidasquea utilizao do modelo do mercado como uma espcie de meta do processo de desenvolvimento poltico suscite. 3 Oprocessodeestabelecimentodasolidariedadeterritorialampla, condio para o funcionamento do mercado poltico, no um processo que sedesenvolvanomeroplanodasubjetividadedosatoresenvolvidos.O compartilhamentodeinteressesouobjetivosquetalsolidariedadeimplica sedconcomitantementecomaemergnciadeumaformaqualquerde regulao capaz de prover um princpio ou critrio de igualdade que o torne possvel. Em outras palavras, assim como uma categoria de indivduos que compartilhadeterminadacondioobjetivanoconstituiumgrupoefetivo nem capaz de solidariedade enquanto no d origem a organizaes que a representem,assimtambmasolidariedade territorialno possvel seno 147em nvel tosco enquanto no se faam presentes agncias capazes de prover ofocoemtornodoqualsedefina,pelomenos,acidadania.Comosugere Pizzorno,seguindoRousseau,sexistesociedadenamedidaemqueos participantes sabem que existe uma norma igual para todos20, o que implica a existncia de agentes capazes de coloc-la em prtica. Issosignificaqueainstauraoeaexpansodasolidariedade territorialnecessariamenteenvolvemoprocessodeinstitucionalizao poltica.Doisproblemaspodemserdestacadosemconexocomesse processo, os quais correspondem a duas acepes que a expresso costuma ternaliteratura.Oprimeiroserefereefetividadedapresenada aparelhagemgovernamental,instauraodeumaparatoquesepossa constituiremfocoefetivodedecisesrelevantesparatodaacoletividade. Trata-seaquidoaspectoquealgunsautorestmformuladoemtermosde grau de governo, por oposio a sua forma, e outros em termos de volume de poder, por oposio a sua distribuio21. O segundo problema que a ideia deinstitucionalizaopolticaencerratemavercomotemada legitimidade, ou com a medida em que o aparato recm-mencionado alvo daaceitaomaisoumenosconsensualdapopulaooupercebidocomo estandoemcorrespondnciacomregrasestabelecidasparaoexercciodo poder. Nasdiscussesrelacionadascominstitucionalizao,d-semaior nfase,emgeral,aesteltimoaspecto.Poroutrolado,opoderquese exercedeacordocomregrasaceitasequegoza,portanto,delegitimidade tendeaserdesignadocomoautoridadeoupoderinstitucionalizado, definindo-seoprimeirotermojustamenteemfunodalegitimaoou institucionalizaodopoder.Contudo,aconsideraodosdoisaspectos que se podem distinguir no processo de institucionalizao poltica indica a possibilidadeeaconveninciademanterapartadasasnoesdepodere autoridade,comosugeridoporWalterBuckley22.Oqueestenvolvidono aspectocorrespondenteaograudegovernonoumasimplesquestode 20 Pizzorno, Introduzione allo Studio della Partecipazione Politica, p. 256. 21Cf.Huntington,PoliticalDevelopmentandPoliticalDecay,eFrederickW.Frey, PoliticalDevelopment,PowerandCommunicationsinTurkey,emLucianW.Pye(ed.), CommunicationsandPoliticalDevelopment,Princeton,N.J.,PrincetonUniversityPress, 1967. 22 Walter Buckley, Sociology and Modern Systems Theory, Englewood Cliffs, N.J., Prentice-Hall, 1967. 148extensodacapacidadedecoero,aindaquetenhamosaumadimenso relevantedele.ComosugereBuckley,entreaaceitaoinformadae voluntriadedeterminadoaparatodegovernoporpartedeamplaparcela dosatorespolticos,deumlado,eaabertaoposioaomesmo,deoutro, vaiumagrandedistncia,aolongodaqualhlugarparaocasoemque amplaporcentagemdapopulaoaceitaasregulaesaquesev submetidameramentecomocondiesdadasparaaao,compouca compreensodesuaorigemoujustificaoideolgicaecomaindamenor compreensodequeelaspoderiamserdiferentes23.Essalinhade consideraes nos permite falar, portanto, a propsito dos dois aspectos da institucionalizaopolticaacimadistinguidos,deinstitucionalizaodo poder e institucionalizao da autoridade, apontando essa distino para os grausdiversosdeacatamento,estabilidadeeeficinciaquepodem igualmenteviraobterformasdecontrolepolticoquediferemquantoao grauemqueosinteressesquesetratadepromoverpormeiodelasso interessesefetivamentecompartilhadospelacoletividadecorrespondente, ou seja, quanto ao grau em que se fundam em efetiva solidariedade. A ideia deinstitucionalizaodopoderaponta,assim,opostade institucionalizao da autoridade, para uma situao que, caracterizando-se porgraurelativamentereduzidodecoerodireta,necessariamente envolve,emalgumamedida,amanipulaoideolgica.Voltaremosao assunto adiante. Aessesdoisaspectosdoproblemadainstitucionalizaopoltica correspondem,grossomodo,nonvelestrutural,doistiposdebarreiras vignciadasolidariedadeterritorialampla.Oprimeirotemavercom problemasdecarterecolgicoerelativosaograudedesenvolvimentoda estruturadecomunicaeseintensificaodastransaesdenatureza econmicanointeriordeumacoletividadedada.Doiscasosextremos ilustramarelevnciadessefator:ocasodeumacoletividadequeno apresentafronteirasinternascorrespondentesazonasderarefao acentuadadascomunicaesetransaesentreseusmembros,achando-se bemintegradanombitodoterritrioemrelaoaoqualsedefineasua basefsica;eodeoutraque,emboraabarcandodeterminadoterritriona definiodesuabasefsica,naverdadeseapresentafragmentadae dispersa, compondo-se de ilhas de comunicao mais intensa cercadas de 23 Ibidem, p. 196. 149populaesmaisoumenosisoladas,comasquaisascomunicaese transaesnosedosenoprecariamente.Nosegundocasoteremos seguramentemuitomaioresdificuldadesparaodesenvolvimentodeampla solidariedade referida ao marco da coletividade como um todo. Oproblemaemquestoconsiste,assim,nanecessidadedese fazerempresentes,juntogeneralidadedosmembrospotenciaisda coletividade, os instrumentosorganizacionaiseossmbolosde todaordem em torno dos quais se configura o projeto coletivo ou nos quais se funda a pretenso de determinada aparelhagem governamental de vir a constituir-se emfontededecisesquesetornemefetivasemtodoombitode determinadoterritrio.Dopontodevistasubjetivo,essapresenatem implicaesimportantesnosentidodecontribuirparaque,emalguma medida, a definio da prpria identidade pessoal dos membros se faa por meio da referncia coletividade, como condio para a emergncia de uma efetivaidentidadecoletiva.Oprocessoaenvolvidocorresponde dimensopsicolgicadanoodemobilizaosocial,comaqualse indicaasubstituiodeummarcolocalouparoquialporummarco nacional na orientao dos atores. Com o tipo de barreiras aqui considerado, portanto,trata-sedoquecertosautoresdedicadosaotemado desenvolvimentopolticotmdesignadoemtermosdenation-buildinge state-buildingeoutrosemtermosdasoluodadaaosproblemasde autoridade e identidade24. Osegundotipodebarreirasvignciadasolidariedadeterritorial amplaserefereexistnciaeaovigordefocosparticularesde solidariedadequecompitamcomaprpriaorganizaodebaseterritorial. Trata-se aqui, como se ver, de questes que correspondem em boa parte ao que a literatura sobre desenvolvimento poltico costuma colocar em termos dasoluodoproblemadaparticipaoouigualdade.Dopontode vistadosdoisaspectosdistinguidosnoprocessodeinstitucionalizao poltica,taisproblemascorrespondemaoaspectodeinstitucionalizaoda autoridade, envolvendo obstculos legitimidade e ao consenso. Osinteressesgrupaisquefiguramnaarenapolticadeuma coletividade qualquer podem ser de dois tipos, ou seja, podem corresponder 24Vejam-se,porexemplo,GabrielA.AlmondeG.BinghamPowell,Jr.,Comparative Politics, Boston, Little, Brown, 1966, pp. 34 e seguintes; e Dankwart A. Rustow, A World of Nations, Washington, D.C., The Brookings Institution, 1967, captulos 2 e 3. 150tanto a grupos que a literatura sociolgica tem chamado multifuncionais (ou supra-funcionais)quantoagruposfuncionais.Estesltimossogrupos dedicadosaobjetivosespecficos,caracterizadospelaparticipao voluntriaesegmentriadeseusmembros.Josprimeirostmobjetivos difusos,caracterizando-sepelofatodequeaparticipaodosindivduos no est determinada voluntariamente e tende a assumir, no que se refere a seualcance,aformadoenvolvimentototal,aindaqueesseenvolvimento admitavariaesquantointensidade:trata-seaquidemicrocosmosou subculturascapazesdedeterminaraorientaoeocomportamentodos indivduosdemaneiraabrangenteecomplexa,taiscomo,porexemplo,os grupostnicos.Ora,aexistnciadesolidariedadeterritorialampla,em termosafinsaofuncionamentodomercadopolticotalcomoo contemplamos, compatvel com a existncia e a proliferao no interior da sociedadedegruposouassociaesdenaturezafuncionalqueapresentem as caractersticas descritas. Ela estar comprometida, porm, na medida em queasociedadesecaracterizepelaexistnciaemseuinteriordegrupos multifuncionaisvigorosos,jquetaisgrupos,porsuanatureza,provem focosdesolidariedadepotencialourealquetendemaapresentar-secomo alternativos coletividade territorial que os abrange. Nasvicissitudesdaexperinciahistricadeconstituioe desenvolvimentodomodernoestadonacional,estesegundotipode barreirassolidariedadeterritorial,aindaquepossacorrespondera solidariedadesparciaisdefundamentososmaisdiversos,tendea consubstanciar-se em doisproblemas especialmente relevantes. O primeiro correspondeavnculosdenaturezatnica,queemergemcomoquestes salientes em certas experincias histricas de construo nacional no mbito dedeterminadoterritrio.Osegundocorrespondeaoproblemadasclasses sociais. Oprimeirodessesproblemastemsidoobjetodeestudoemconexo comotemageraldaintegraonacionalouinternacional,enaturalmente ganharrelevnciamedidaqueseconsolideatendncia,presenteem carterincipientenopanoramainternacionalcontemporneo,fusodos estadosnacionaisexistentesemunidadesdealcanceterritorialcadavez maisamplo.Valeapenadestacaraquitaisproblemasparachamara atenoparaofatodequeaconcepodedesenvolvimentopoltico apresentadanoestnecessariamentereferidaesferacorrespondenteao estado-nao,ajustando-seconsideraodaeventualexpansodombito 151noqualsedesenvolveoprocessopolticoparaalmdaquelaesfera.A refernciasolidariedadeterritorialamplaeamplitudeconcomitantedo mercado poltico leva naturalmente, na verdade, a visualizar uma possvel fase de solidariedade e de efetiva organizao poltica de alcance planetrio, medidaquesetornevivelasuperaodosfocosparticularesde solidariedadecorrespondentesaosatuaisestadosnacionais.Aesse respeito, ilustrativo da relevncia da concepo aqui adotada o fato de que operododemaiorestabilidadeemoderaonasrelaesinternacionais posteriormenteemergnciadoestado-naomodernocorrespondetalvez vigncia,nossculosXVIIIeXIX,dosistemaconhecidocomode balanadepoderouequilbriodepoder,querepresentouclara aproximao relativamente s condies envolvidas em nossa concepo do mercadopolticonaesferadosistemainternacionaldelimitesrestritosao cenrioeuropeu.Talsistemasecaracterizoujustamentepelaorientao pragmticadosatoresnacionaisquedeleparticipavam,marcadapela permanentedisposiobarganhaeformaodecoalizesmutveise semprerenovadas,queseestabeleciamcombaseeminteresses circunstanciais.Sfoipossvel,poroutrolado,nascondiesderelativa igualdadedepoderentreosdiversosestadosenvolvidos(cujarelevncia tericageralsetornarmaisclaraadiante)edecertasolidariedadebsica resultantedahomogeneidadeculturaleideolgica,pelaqualoambiente internacionaleuropeudeentocontrastavivamentecomopanoramade heterogeneidade e de cises ideolgicas profundas do cenrio internacional da maior parte do sculo XX. Quantoaoproblemacorrespondentesclassessociais,constituiele um problema de particular importncia para o nosso tema por duas razes: porsuaubiquidade,porumlado,epelaclaraimplicaoqueacarreta,por outro, de desigualdades nas oportunidades vitais e de restries, na mesma medida, ao funcionamento do mercado poltico. Naturalmente,osobstculosopostosporvnculosdenaturezatnica solidariedadeterritorialdembitocorrespondenteaumasociedade qualquer j envolvem questes de igualdade e desigualdade. Como se disse, trata-secomtaisvnculos,assimcomocomasclassessociais,defocosde solidariedadecapazesdecompetircomasolidariedadedemandadapela coletividademaisamplaemqueseinserem.Ora,talcapacidade,ovigor querevelamosagrupamentostnicoscomoncleosdesolidariedade, derivaprecisamentedequeeles se constituemempontos de referncia em 152termos dos quais os indivduos passam a poder aglutinar-se e distinguir-se, percebendo-secomoiguaisemrelaoaosdemaismembrosdogrupoe comodiferentescomrespeitoaoutros.Asconclusesaquechegamos acima,aodiscutirosignificadodoenvolvimentovalorativonas organizaesdequefalaEtzioni,valemnaturalmenteparaasolidariedade prestadaaqualqueragrupamentosocial:elaestsempreassociada capacidadequetenhaofocoparticulardesolidariedadeemquestopara apartar e distinguir um conjunto de indivduos com relao ao seu ambiente socialmaisamplo,oferecendo-lhesaomesmotempoapossibilidadedese perceberemcomoiguaiscomrelaoaalgumpontoderefernciaquese tornesocialmenterelevante.Solidariedade,comovimoscomPizzorno, envolve sempre igualdade, seja qual for o critrio em torno do qual esta se defina.Contudo,umadiferenaimportanteocorreentreosagrupamentos tnicos e as classes sociais com respeito aos problemas centrais de que aqui setrata.Aindaqueacoexistnciadegrupostnicospossanaturalmente tomaraformadedomniodeunssobreoutros,comaestruturadecastas correspondendoaocasodemaiorcristalizaoderelaeshierrquicas dessetipo,essapossibilidadenoresultadecaractersticasintrnsecasao relacionamento de tais grupos, sendo concebvel que sua coexistncia se d em termos paritrios no que se refere aos princpios da estratificao social. Pelomenosnoscasos,aqueacimaaludimos,emquedeterminados processosdeconstituionacionalseviramobstadosporquestes relacionadasasolidariedadestnicas,oproblemaenvolvidotendea correspondersuperaodasresistnciasoferecidasporfatorescomo tradiesoulnguasdistintas,semimplicaesnecessriasemtermosde domnioousubordinaosocial,isto,emtermosdeirredutveis desigualdadesobjetivasnaschancesdesefazeremvalerosinteresses individuaisemfunodaparticipaoemumououtrogrupotnico.Do ponto de vista da expanso da solidariedade territorial, portanto, o problema postopelaexistnciadevnculostnicospodeserconsideradocomo consistindo,emgrandemedida,numproblemadeidentidadeoude assimilao,nosentidousualmenteatribudoaotermonaliteratura dedicada ao tema da integrao nacional, ou seja, um problema para o qual cabe esperar soluo em grande parte por meio da simples intensificao do processo de comunicao social. 153Jcomasclassessociais,porm,trata-se,pordefinio,de agrupamentosquenosrepresentamfocospotenciaisoureaisde solidariedade,mascomrespeitoaosquaisoprocessopsicolgicode separao e identificao que a solidariedade necessariamente envolve tem inevitvelcontrapartidaemtermosdedesigualdadesobjetivasnaschances vitaisdosindivduos,correspondendosempreaefetivasrelaesde domnioesubordinao.Emoutraspalavras,adistribuiodosindivduos emclassessociaisterforosamenteconsequnciasquantopossibilidade deadotaremcomxitoacondutamaximizadoraquecaracterizaa concepodohomopoliticusanteriormenteexposta,condicionando-lhese limitando-lhes,emgrauseformasdiversascorrespondentessdiferentes classesdequeparticipam,tantoosobjetivosquantoosmeiosdisponveis paraalcan-los.Temosaqui,naturalmente,oprincipalsubstratoobjetivo em que pode basear-se a situao que contrastvamos acima com a vigncia da cultura cvica, isto , a situao caracterizada pela adeso vigorosa dos membrosdasociedadeadiferentesideologiasantagnicas,namedidaem queasituaodeclasseforneceumpontoderefernciaubquoede importncia decisiva para a emergncia de ideologias que tratam de definir o mbito da solidariedade em correspondncia com a classe. Note-se ainda que,naperspectivaaquiadotada,opontocrucialnoresideemquehaja variaesindividuaisnaschancesvitais,masnofatodequetaisvariaes se dem ao longo de fronteiras ntidas que possam prover permanentemente focos potenciais de solidariedade. Em outras palavras, a questo consiste na extensoemquesetornapossvel,emdadasociedade,substituira refernciadiretaaoprprioindivduopelarefernciaacertacondioque elecompartilhecomoutros,ouaesteouaqueleagrupamentodeque participe, para o fim de determinar as chances vitais de que desfruta. Assim, asimplesmultiplicaodosfatoresqueserianecessriolevaremcontaao setratardeestabeleceraestruturadedesigualdadededeterminada sociedade para ilustrar, o fato de que devamos conhecer, na avaliao das oportunidades que se oferecem a certo indivduo, no apenas, por exemplo, amaneirapelaqualelesesituarelativamenteestruturadepropriedade, mastambm,digamos,seunveldeeducao,aocupaoespecficaque desempenhaetc.significaumincrementonapossibilidadede estabelecimentodesolidariedadeterritorialampla,representandouma expansonocoeficientegeraldeigualdadedasociedadeemquesto.Isso dispensaquenosconcentremosmaisdetidamentenoconceitomesmode 154classesocial:basta-nosamedidaemqueocorraapredeterminaodas chances vitais dos indivduos pela participao em determinada condio. Tudoissoindicamuitoclaramentequeopontoderefernciabsico daanlisenaperspectivadedesenvolvimentopolticoaquiadotada forosamenteoindivduo,reiterando-searelevnciadomodelodapublic choiceacimadiscutido, comoindividualismometodolgicoquetendea caracteriz-lo.Desenvolver-sepoliticamente,nestaperspectiva, significar, para uma sociedade dada, avanar no processo de eliminao da relevncia socialdequalquercondioexceodarepresentadapelaprpria sociedade de que o indivduo participe revelia de sua prpria vontade e deliberao e que possa apresentar-se aos seus olhos como objeto dado e naturaldelealdadeousolidariedade.Paradiz-lorotundamente:aplena vignciadasolidariedadeterritorial,edomercadopolticotalcomoo contemplamos, requereria a sociedade sem classes. No apenas a sociedade semclasses,porm,fazendo-senecessriaageneralizaodoprincpio envolvidonoreclamodesuperaodasclassesparatodososdemais critriospossveisdeaglutinaoedivisodosindivduosque correspondam, nos termos da distino acima estabelecida, a agrupamentos multifuncionaisdeparticipaonovoluntriaenosegmentria25. Ressalte-seaindaumavezqueoprocessoemquestonotemporque deter-se,emprincpio,nombitodoestado-nao,jque,deuma perspectivamaisampla,oprprioestado-nao,correspondendosem dvidaaumacondionovoluntriadequeosindivduosparticipam, surgecomonovofocoparticulardesolidariedadeemoposioauma concebvel solidariedade planetria.Assim,arefernciacoexistnciadencleossolidrios particulares contida no enunciado antes apresentado do equacionamento da funopolticaaponta,naperspectivadedesenvolvimentopoltico,para interesses grupais correspondentes a grupos de natureza voluntria, estando subjacente a suposio de que se trata de coalizes relativamente instveis e cambiantesemsuacomposioedurao.Aindaqueasituaoaqui descritapossamereceraqualificaodeutpica,apresunoenvolvida, 25Valetalvezapenanotarqueanfasenacontraposioentreaparticipaoindividual voluntria e a no-voluntria remete ao contraste estabelecido por Talcott Parsons, em suas pattern-variables,entreoprincpiododesempenho(achievement)eoprincpioda adscrio (ascription). 155naturalmente,adequeseriapossvel,emprincpio,pretenderestabelecer grausdiversosdeaproximaoaelanoestudodesociedadesconcretas particulares. 4 Umproblemaimportanteparaotemageralaquidiscutidonofoi aindasenomencionadopassageiramenteemalgumasoportunidades, apesar de ter estado subjacente a diversos aspectos de nossa discusso. Tal problema se situa na fronteira entre as ideias de institucionalizao do poder einstitucionalizaodaautoridade,referindo-sequestodamanipulao ideolgicacomofenmenointermedirioentreacoerodireta,deum lado,e,deoutro,aaquiescnciavoluntriaeesclarecidaprestadaa determinada forma de organizao poltica, a qual surge como requisito de uma hipottica solidariedade territorial plena. Como vimos, a tipologia de estruturas organizacionais elaborada por Etzioni, que tomamos como ponto de referncia para situar certos problemas, apresenta o poder coercitivo e o envolvimentoalienantequelhecorrespondecomoumdostrs fundamentosorganizacionaisbsicos.Poroutraparte,oenunciadoque fizemosanteriormentedo problemaenvolvidonocumprimentodafuno poltica destaca o equacionamento no coercitivo ou violento das questes postaspelaconvivnciadosocupantesdedeterminadoterritrio.Esse enunciado nos permite deixar de lado as organizaes de base territorial que estejamassentadas napuraesimplescoero,casoestequecorrespondea um limite terico de pouca viabilidade prtica e que, a rigor, seria alheio ao campoprpriodapoltica.Mascomosecolocaaquestodacoeroem diferentes estruturas que se possam distinguir, se partimos da suposio de que o fato de que no encontremos a coero pura e simples no significa ausncia de coero? Seriapossvelintroduzirodebatedessepontopropondoquea situaoacimadescritaemtermosdavignciadaculturacvicadeque falam Almond e Verba (caracterizada pela aquiescncia mais generalizada, aindaquerelativamenteaptica,aoscomponentesbsicosdaorganizao poltica) envolveria, em contraste com a situao em que os atores polticos aderemvigorosamenteadiferentesideologias,apresenademenor coeficientedecoeronoprocessopoltico.Porumaspectoissoparece bastanteclaro:asituaoemquetemosapopulaocindidaemtornode 156ideologias diversas, nas quais se propem objetivos distintos para a prpria organizaopoltica,necessariamenteencerraumgraucomparativamente elevadodefrustraodeprefernciasintensasdeparcelasponderveisde atorespolticos,sejanascondiesemquealgumadasideologias politicamente dominante (sem poder impor-se de vez, contudo, caso em que aprpriadefiniodasituaoseveriaalterada),sejanacondio correspondenteaumimpasseouempateentreasdiferentesforasem confronto.Ograudefrustraoinevitveldeprefernciasintensasir fatalmentereduzir-senamedidaemqueosproblemasqueseapresentam comoquestesvivas emerecedorasdaatenodosatorespassemasituar-se, como se d no primeiro caso, no plano de interesses passveis de serem objeto de negociao e barganha (o plano operacional, por contraste com o constitucional, na terminologia de Buchanan e Tullock). Issopareceaceitvelsobumacondio,queintroduzoproblema delicadoededifcilsoluoquealgumasvezesafloramos:adequea expansodoconsensooudombitodesolidariedadequeasegunda situaorequernosejafrutodesimplesmanipulao,isto,queelase caracterizeporefetivoaumentodaigualdadenaschancesdesefazerem valerosdiversosinteressesemjogo.Casocontrrio,oarrefecimentodas preferncias em funo das quais os atores agem na esfera poltica, ou seja, o fato de que o jogo poltico passe a desenrolar-se em funo de interesses quenocorrespondamaoposiespermanenteseinconciliveis,pode significarareintroduodacoerosobformamaissutil,quepoderiaser vistacomoevidenciandoprecisamentemaiorgraudexitonodomnio exercidoporumafraodapopulaosobreoutrasecomocaracterizada por falsa conscincia de parte destas ltimas. Noplanodaelaboraodemodelostericospossvelresolverpor hiptese o problema: a plena vigncia do mercado poltico pode ser descrita deformaaincluiramaximizaodaigualdadecomorequisitoparaa eliminaodefocosparticularesdesolidariedadeeantagonismo.Uma viso dinmica ou processual do problema, porm, exige que se tenham em contaasindagaessuscitadaspelotemadainstitucionalizaopoltica, especificamenteofatodequeestapodecorresponder,nostermosda distinoanteriormenteestabelecida,tantoainstitucionalizaoda autoridadequantoainstitucionalizaodopoder,envolvendograus diversosdepromoodeobjetivoscompartilhadosoudesolidariedade efetiva, ou, ao revs, de manipulao. 157Seriaevidentementeimprpriopretenderconsideraraquicertas ramificaesmaiscomplexasdoproblema,ondeacoeroeportanto algumtipodedesigualdadesurgecomocondiodaprpriavidasocial organizadaecomoingredienteinevitvel,medianteoprocessode socializao, da prpria definio da identidade pessoal em termos da qual qualquerprojetodeautonomiaindividualnecessariamenteseestabelecer. Separtimosdesuposiesrealistascomrespeitoinevitabilidadeda coero e de alguma medida de desigualdade, suposies estas que no so incompatveiscomapretensodereduzirograudepredeterminaoda desigualdadeporfatorescomoosquetmavercomoproblemageralda estratificaosocial,aquestoadeseaexistnciadedesigualdades objetivasemcondiesdeconsensoimplicanecessariamentemanipulao efalsaconscinciaouse,aocontrrio,seriapossvelfalarde conscinciaadequadaaindaqueestaenvolvesseoreconhecimentoe alguma forma de aceitao de tais desigualdades. Essa maneira de colocar o problemaevocafatalmenteavelhaquestodapossibilidadedesefalarde interesses objetivos, que seriam imputveis a este ou aquele indivduo ou conjuntodeindivduosindependentementedesuaprpriapercepoou prefernciaexpressa.Responderafirmativamenteindagaoacontida redundaria,naturalmente,emdaracolhidamanipulaomaistotalao totalitarismo e ao terror em nome da objeo manipulao. Issonosignifica,porm,queestejamosimpossibilitadosdefazer usosignificativodaideiademanipulaoedefalsaconscinciana caracterizaodasituaoprevalecenteemdeterminadasociedade.Um estudo de Michael Mann, no qual se empreende ampla discusso dos dados de numerosas pesquisas empricas relacionadas com o suposto fundamento consensualdasdemocraciasinglesaeamericana,mostrademaneira inequvoca o sentido rigoroso e a utilizao emprica precisa que podem ser dadosataisnoes26.ComoargumentaManncomrelaoaotemada possvelfalsaconscinciaporpartedaclassetrabalhadoradospasesem questo,oconceitodefalsaconscinciavlidosepodemosdemonstrar duas de trs coisas: que um processo efetivo de doutrinao ocorre; que ele ouresultaclaramentenamudanadosvaloresdaclassetrabalhadoraou, realizando-sedemaneiraincompleta,deixaosvaloresquesoobjetode 26MichaelMann,TheSocialCohesionofLiberalDemocracy,AmericanSociological Review, vol. 25, no. 3, junho de 1970. 158doutrinao em conflito comvalores desviantes na mente do trabalhador; e,emterceirolugar,quesejamoscapazes,emambososcasos,deordenar osconjuntosrivaisdevaloresrelativamenteasuaautenticidadeparao trabalhador, se queremos poder decidir qual deles o mais verdadeiro27. Apesardadificuldadedatarefa,arevisoquefazMannsalienta comoomaterialempricoreunidonaspesquisasporelediscutidasno apenas mostra o que relativamente simples o processo de doutrinao e manipulao, que tem lugar por meio de instituies como as escolas e a imprensa,mastambmosefeitosquedeleresultamemtermosdefalsa conscincia.Essesefeitosserevelam,noplanopsicolgico,nantida esquizofreniaquetendea caracterizaraposturadostrabalhadoresdosdois pasesestudadosperanteosvaloresdominantesemsuasrespectivas sociedades:manifestandoadesoataisvaloresquandoformuladosem termosdeprincpiosabstratos,repudiam-nosquandoosmesmosvalores sotranspostosemtermosdeproblemasdeimediatarelevnciaparasua vida cotidiana e suas atividades concretas como trabalhadores. Existe, assim, sem a necessidade do recurso problemtica noo de interesses objetivos, a possibilidade de se qualificar, em termos empricos, a naturezadoconsensoeventualmenteobtidoemdadasociedade.Mash outro aspecto relevante com respeito ao problema da manipulao, aspecto esteque,emboravinculadoemltimaanlisequestodasrelaesentre aquiescnciasubjetivaeigualdadeobjetiva,devesertratado independentementedela.Referimo-nosaofatodeque,mesmonuma sociedade em que hipoteticamente se realize o limite mximo concebvel de igualdadedeoportunidades,poderiaaindamanifestar-seumaforma residualdemanipulao,queteriaavercomosmecanismos institucionaisdeencaminhamentodosproblemasaseremobjetode deliberao por parte das agncias de deciso da coletividade28. Temos a o stioemquepoderiaestabelecer-seoqueseriapossveldesignarcomo manipulaotecnocrtica,medianteaqualsedariaadespolitizaodo 27 Ibidem, p. 425. 28DevemosaElisabethJelinhaver-noschamadoaatenoparaesseaspecto.Opontoem questo ressaltado por E. E. Schattschneider em The Semi-Sovereign People (Nova York, Holt,Rinehart&Winston,1960,p.71),ondesesalientaoelementodemobilizationof bias que seria inerente a qualquer organizao. Veja-se tambm, a respeito, Peter Bachrach eMortonS.Baratz,TwoFacesofPower,emCharlesA.McCoyeJohnPlayford(eds.), Apolitical Politics: A Critique of Behavioralism, Nova York, Thomas Y. Crowell Co., 1967. 159processodedeterminaodosproblemasaseconstiturememtemasou issuesefetivos,dandoorigemano-decisespelostitularesdopoder tanto quanto a decises. O empenho de reduzir integralmente tal problema questodamedidaemqueteramosefetivaigualdadenasociedade consideradanoslevariaposio,decididamenteutpica,deidentificara sociedadeigualitriacomaquelaemqueaprpriaaparelhagemdoestado setornoudispensvel.Poroutrolado,namedidadesuarelativa independnciacomrespeitoquestodasconexesentreaquiescnciae igualdade,oaspectoconsideradodestacaarelevnciadafeioassumida peloarcabouoinstitucionalnaquiloemqueelesemostraparcialmente autnomo face ao substrato estrutural da sociedade.5 Aconsideraodosdoistiposgeraisdeobstculossolidariedade territorialqueacabamosdediscutir,bemcomodasituaohipotticade plenavignciadesta,permiteadistinodetrsgrandesestdiosno processodedesenvolvimentopoltico,quenosparecempontosde referncia proveitosos no exame de problemas concretos que se apresentam nopanoramapolticocontemporneo,includoobrasileiro.Sugerimos comoformaconvenientededesign-losasexpressespolticapr-ideolgica,polticaideolgicaepolticaps-ideolgica,desdeque lembremosquesetratadertulosnonecessariamentedescritivosse pretendermos usar rigorosamente o termo ideologia. Comaexpressopolticapr-ideolgicareferimo-nossituao emqueoproblemadeintegraoterritorialoudestate-buildingassume relevnciaespecial.Trata-seaquidoestdioemqueosncleosde solidariedadeexistentessocomparativamenteosmaislimitadospara grandeproporodosatoresdealgumaformarelevantesparaoprocesso poltico, tendo a ver com vnculos de natureza particularstica. Tais vnculos definemestreitoscanaisdesolidariedadeaolongodosquaisseestende precariamente o mercado poltico e se processa o jogo de interesses, canais estes correspondentes aos exguos recursos de comunicao que configuram a limitada integrao existente. Entre esses canais tende a tomar vulto o que dizrespeitoarelaesdetipoclientelstico,emqueovnculopessoal caractersticodapolticapr-ideolgicaampliaseualcanceparaalmde simplesrelaesdevizinhanaeparentesco,dandoorigemaredesde 160relaesdedependnciaeintercmbioqueenvolvemclientesepatres. Dopontodevistadoprocessodeinstitucionalizaopoltica,assumem relevncia,aqui,osproblemasrelacionadoscomainstitucionalizaodo poder. Comapolticaideolgica,temos,numaestruturaemquese preservammarcadasdesigualdades,oprocessodemobilizaosociale integraoterritoriallevadoaumpontoavanado,doquederivaa prepondernciaquepassamaassumirlaosdenaturezauniversalstica, relativossobretudosposiesdeclasse,sobreasligaespessoaise particularsticasnadeterminaodosfocosdesolidariedaderelevantesno processopoltico.Namedidaemqueseatualizamascaractersticas prprias deste estdio, ideologias de crescente sofisticao vm a definir os marcosdelealdadeeaslinhasdeantagonismodosistema.Emtermosdas duasdimensesdanoodeinstitucionalizaopoltica,asquestes fundamentaisqueagorasecolocamnoprocessopolticodizemrespeito institucionalizao da autoridade, referindo-se, em ltima anlise, aos temas daigualdadeedalegitimidade.Maisimediatamente,porm,dopontode vista dos focos dominantes de interesses em torno dos quais se desenvolveu oprocessodeintegraocorrespondenteaoestdioanterior,aemergncia da poltica ideolgica recoloca o problema da institucionalizao do poder, na medida em que ela d origem arguio ou contestao com respeito forma especfica de organizao poltica em termos da qual aquele processo secumpriuouquedeleresulta.Deacordocomasdiferentescategoriasde atorespolticosemnomedosquais,demaneirasucessivaouparcialmente concomitante,sepromoveessacontestao(classesmdias, trabalhadoresurbanos,camponesesetc.),bemcomocomograudexito obtidopelosfocosdominantesdeinteressesemsubsistiroureafirmar-se comopoderinstitucionalizadoatravsdasvicissitudesdesteestdio,a polticaideolgicaassumecaractersticasdiversas.Torna-sepossvele conveniente,assim,distinguirfasesdiferentesdapoltica ideolgica.Entre elascaberiamencionar,emnveisdeprecriainstitucionalizaoou reinstitucionalizaodopoder,assituaesqueHuntingtondescreveem termosdepretorianismoradicalepretorianismodemassas, caracterizadaspelaemergncia,respectivamente,dosfocosdeinteressese solidariedade correspondentes s classes mdias e s classes populares. J em nveis de mais bem sucedida institucionalizao do poder, que podem aproximar-seemgrausdiversosdasuperaodapolticaideolgicaedo 161idealde efetivainstitucionalizaodaautoridadedeacordo comasformas emquenelassecombinemosingredientesdecoero,desigualdadee manipulao,teramossituaesquepoderamosdesignaremtermosde poltica de partidos ideolgicos para casos como os correspondentes, por exemplo,polticafrancesaeitalianacontempornea;sistemasde mobilizao, para os casos de sistemas resultantes de revolues de bases populares e fundados em intensa mobilizao simblica; e cultura cvica, para casos como os contemplados por Almond e Verba. De maneira geral, a dinmicadapolticaideolgica,cujoclmaxpodeservistocomo correspondendopolticadepartidosideolgicos,temimplicaes relativamente complexas para a concepo do mercado poltico que aqui se adota,dasquaisnosocuparemosadiante:representando,porumlado,a expansodelecomrelaoaoestdioanterior,limita-o,poroutrolado,de maneira importante. Finalmente,apolticaps-ideolgicacorrespondevignciado quedesignamosantespelaexpressosolidariedadeterritorialplena, envolvendoocumprimentocabaldoprocessodemobilizaoeintegrao territorialeaausnciadefocosinternosdesolidariedadecapazesde competir com a prpria sociedade pela lealdade dos atores, com a igualdade e a intercambiabilidade destes levadas a um grau mximo. Em sua forma plenaconsiste,naturalmente,numacondiohipottica,cujas caractersticas se ajustam ao modelo do mercado poltico e do livre jogo de interesses anteriormente apresentado. Aideiamestraemtornodaqualseestabeleceadistinoentreos estdios a do grau de expanso do mercado poltico, a qual se v facilitada ou entravada de acordo com o alcance mais ou menos restrito das formas de solidariedadeprevalecentes.Essaperspectivapermitetrazerluznovaa certosproblemasreiteradamentedeparadosnaanlisedoprocessode transformao poltica. Umaquestoquetemenvolvidodificuldadesnessaanlise,querse tratedocasobrasileirooudeoutroscontextossubdesenvolvidos,ada interpretaodosignificadodapassagemdapolticatradicionalanovas formas de se processar o jogo poltico. Em geral, a anlise tende a apontar a vigncia,napolticatradicional,dearranjosdetipoclientelstico, caracterizadospelosvnculosdedependnciapessoalaqueacima aludimos, e a salientar o papel de mediao a exercido pelo patro entre 162a populao territorialmente dispersa e os centros de poder da coletividade. Nocasobrasileiro,asituaoconhecidacomocoronelismoseenquadra, naturalmente, nesse foco. Na situao assim descrita, destacam-se ento os elementosdebarganhaedejogopragmticodeinteressesquea caracterizam,osquais,namedidaemquenoseajustamaostraos atribudosaomodelodoprocessopolticoorientadoporconsideraesde ordem ideolgica, so vistos como indicativos, em si mesmos, do estdio de atrasoousubdesenvolvimentoprpriodapolticatradicional.Apoltica ideolgica,entendidasimplesmentecomoaquelaquesedesenrolade acordocomvaloresesemdiscussoexplcitadoqueissosignifica, erigida emmetadoprocessodedesenvolvimentopolticoe contrapostade maneiranomuitoclaraaumapolticadeinteressesdequeela, rigorosamente, no faria parte.Ora,aimpropriedadedissosetornaevidentequandooparadigma assimestabelecidodepolticaideolgicaconfrontadonomaiscoma poltica tradicional, mas com o caso de pases em que o processo poltico sedistinguepeloarrefecimentodadisputaideolgicaintensaprevalecente em momentos anteriores de sua histria poltica. A evoluo do movimento social-democrticonaAlemanha;ocarterdesubcultura,emque convivemobjetivosrevolucionriosretricoscomacoexistncia crescentementepragmticacomostatusquo,quemarcouomovimento comunistaemdeterminadasregiesdaItlia29;dadoscomoessesapontam paraumestadodecoisasqueaperspectivarecm-discutidanopodever senoemtermosdedegenerescnciadapolticaideolgica,erigidaem polticaautntica,oquedorigemadificuldadesinsuperveis.Sem dvida,ocorrnciasdessanaturezapodemcorresponder,emprincpio,a casos de falsa conscincia resultantes de um processo de manipulao bem sucedido; seria dificilmente sustentvel, porm, a pretenso de reduzir todos osnumerososexemplosdatendnciaqueelasrepresentamasimples manipulao,negando-lhesqualquersubstratodeefetivareduodas desigualdades sociais. Aperspectivaqueaquisepropugnaescapadetaisdificuldades.A polticaideolgicarepresentaevidentementeumavanocomrespeito 29Sobreanoodesubcultura,nessesentido,vejam-seoartigocitadodePizzornoeos trabalhosdeseuscolaboradores,includosnomesmonmerodeQuadernidiSociologia, destinados anlise de dados empricos. 163polticatradicionalnamedidaemquecomelaseampliaombitodas relaes solidrias de um marco particularstico restrito para outro definido porcritriosdenaturezauniversalstica.claro,pormenoseria necessriosalient-lonofossemasconfusesinjustificadasqueaquise estabelecem,queojogodeinteressescontinuaadar-se.Quantomais efetivo seja o apelo solidariedade grupal, quer de classe ou de outro tipo, contidonasideologias,isto,quantomaisbemsucedidassejamestas ltimas em promover a efetiva identificao dos interesses individuais com osinteressesgrupais(xitoestequetendeacorrespondersobretudoaos momentosiniciaisdeintensamobilizaoideolgica),tantomaiores restries isso implicar e aqui est o aspecto da poltica ideolgica que apreendido e salientado na oposio entre poltica ideolgica e poltica de interesses ao mercado poltico, no sentido de que tanto menos propcias seroascondiesocorrnciadoqueseexprimepelaideiadejogode interesses,envolvendobarganhaquenormalmenterequercompromisso com respeito aos objetivos grupais. Em condies normais, contudo, o jogo deinteresses,nessesentido,sedarmesmoaolongodaslinhasque separamosdiversosncleosideologicamentesolidrios.Almdisso, superadoapenasomomentodemaiorespontaneidadecorrespondente irrupodomovimentoideolgicoedeintensaigualizaoqueaelese associa,ojogodeinteressespassarinevitavelmenteadar-sedentrodo prpriomovimento,eocarterpacficoeforadequestodaadeso generalizadaaosobjetivoscoletivosnorepresentarsenoumestmulo nessa direo: no outra a constatao bsica envolvida na reiterao das tendnciasburocratizanteseoligarquizantesquecaracterizariamos movimentosideolgicos,fenmenocomrespeitoaoqualseimpea refernciaaRobertMichels.Finalmente,precisoteremmentea possibilidade bvia de que a confrontao ideolgica se resolva pela vitria de um dos contendores, ao cabo, por exemplo, de um processo de natureza revolucionria, supostamente criando-se condies para a reorganizao da sociedadedeformaasetornarpossvel,comocorrespondenaturalmente aosobjetivosdeummovimentorevolucionrio,ainstauraoda solidariedadeterritorialplenaemnovostermos.Estariamospartidrios doparadigmadepolticaideolgicaemdiscussopreparadospara reconhecer tambm aqui a degenerescncia da poltica ideolgica? Como conciliaraoposioentrepolticaideolgicaepolticadeinteresses, naqueles termos, com a suposio frequente de que os atores envolvidos na primeira buscam precisamente criar condies nas quais o processo poltico 164tenderatransformar-senosimplesjogodeinteresses,mediantea eliminaodefocosparticularesdesolidariedadepelaadesouniversalao ncleo de solidariedade a que cada qual se vincula?Aconclusoumtrusmo,oqual,porm,nocontextodapresente discusso,temramificaesquetalveznoosejamnamesmamedida: polticainteresse,jogodeinteresses;masjogodeinteressequesupe marcos solidrios; desenvolvimento poltico a eliminao das barreiras de qualquertipoaoestritojogodeinteresses,oqueimplicaaexpansoda solidariedade;ditoemtermosdoaparenteparadoxoanteriormente destacado, cuja feio paradoxal se ter dissipado, esperamos, ao cabo desta discusso,desenvolvimentopolticoaexpansotantodopurojogode interessesquantodasolidariedade.Assim,oquehdeespecificamente subdesenvolvidonapolticaclientelista,emgeral,enoarranjo coronelistabrasileiro,emparticular,noofatodequeoprocesso polticoassumaaascaractersticasdebarganhaedejogopragmticode interesses,masantesofatodequetaljogoseddeformarestritaa determinados canais que significam limitaes ao mercado poltico. Por seu turno,apolticaps-ideolgica,naperspectivaapresentadaecomas qualificaes estruturais atribudas ao estdio assim descrito, deve ser vista comorepresentandoumrealpassofrentenoprocessode desenvolvimento. IV - Autoritarismo e Brasil Grande Paramuitosdosautoresquesetmcurvadosobreopanorama polticobrasileiroatual,aquestobsicatemsidoadeatquepontoo regimeimplantadoem1964equivaleriaaumcasodecontinuidadeou descontinuidadecomrespeitosreaistendnciasevolutivasdoprocesso polticobrasileiro noperodode algumasdcadas.Representariaoperodo quevaide1945a1964umhiatocujacaractersticaderelativaabertura apenasdissimulariaoscomponentesautoritriosfundamentaisdosistema vigente pelo menos desde Getlio Vargas e que teriam sido consolidados e expurgadosdeelementosespriosnoregimeautoritrioagoraemvigor? Oudeveriaesteltimoserinterpretadocomonovareversodetendncias democratizantesqueseviriamconsolidandoanteriormente,umavez superadoorevsrepresentadopeloperodogetulista?Arespostaparatais questessvezesprocurada,sobrepondo-secertatemticadogostode 165tericosrecentesdoprocessodedesenvolvimentopolticoaumatradio depensamentoderazesbrasileirasrelativamenteremotas,nas caractersticasdeumaculturapolticabrasileiradeorigensseculares30. Com a ampliao do foco no que se refere ao perodo de tempo abrangido, essedebatesereproduzparcialmentenadiscusso,quedetemposem tempos se retoma, sobre o primado relativo do estado ou da sociedade naevoluohistricadopasou,pararetomarostermosemquemais recentementeseformulouaquesto,sobreopredomnio,nessaevoluo, das caractersticas de representao ou cooptao31. Adiscussoprecedentenospareceproverummarcodereferncia tilparasituaradequadamenteoalcancedasquestesenvolvidasemtais debates. A nosso ver, o que no se tem percebido claramente que as duas versesdodebate,comoalcancediversoquetendeaadquirirquantoao perodo abrangido nas interpretaes divergentes, referem-se a dois estdios distintosdoprocessodedesenvolvimentopolticodopas.Oproblema envolvidonadiscussorelacionadacomestadoousociedade, patriarcalismo ou estamento burocrtico, prioritariamente um problema de institucionalizao do poder ou state-building, correspondendo basicamente ao primeiro tipo de obstculos ao estabelecimento do mercado poltico que acimasalientamosescondiesqueassociamosaoestdiodapoltica tradicional ou pr-ideolgica. Por seu turno, o problema de autoritarismo oudemocraciacoloca-senomomentoemqueodesenrolardoprocessode desenvolvimentopropiciaascondiesparaaemergnciadapoltica ideolgica. Nonosocuparemosaquidoscondicionantesestruturais,alongo prazo, da forma especfica assumida pela transio brasileira para o estdio ideolgico32. Contudo, o diagnstico dos fatores que levam ao autoritarismo alemo realizado por Barrington Moore parece apreender muitas das causas 30Veja-se,arespeito,PhillippeC.Schmitter,InterestConflictandPoliticalChangein Brazil,Stanford,Cal.,StanfordUniversityPress,1971,especialmenteocaptulo3,como amplo recurso que a se faz a autores brasileiros, especialmente Oliveira Vianna; do mesmo autor,ThePortugalizationofBrazil?,emAlfredStepan(ed.),AuthoritarianBrazil,New Haven, Yale University Press, 1973. 31 Simon Schwartzman, Representao e Cooptao Poltica no Brasil, Dados, no. 7, 1970. 32Veja-seocaptuloseguinte,Brasil:EstadoeSociedadeemPerspectiva,paraa elaboraomaisdetidadosenunciadosdopargrafoanterioreadiscussodoprocessode transio a partir da poltica tradicional. 166que explicam a orientao autoritria da evoluo brasileira33. A agricultura comercialimplantadacombasenumsistemadetipolabor-repressive, assentadonarepressodotrabalho,dequeaescravidorepresentaocaso limite;apropensofuso,acertaalturadoprocessodeconsolidaodo centro poltico, entre os interesses da aristocracia agrria e da burocracia central,quesedariaentrenscomasimbioseentreachamadaordem patriarcal e as instituies polticas monrquicas; a coalizo posterior entre setoresdaaristocraciaruraleosinteressescomerciaiseindustriais emergentesteramosafatoresquefavoreceriamoestabelecimentodo queOrganskidenominoupolticasincrtica34,marcadapelacoalizo amplaentrediferentessetoresdaeliteeporsuainclinao,nostermosde Moore,modernizaoconservadora,comprometidacomomximo possveldepreservaodaestruturatradicionalebuscandoo estabelecimentodeumaautoridadeforteeodesenvolvimentoea racionalizaodosistemaadministrativo.Observemosdepassagemquea prpria relevncia,parao diagnsticodaevoluobrasileira, daanlisede BarringtonMoore,comsuanfaseemfatoresdenaturezaestrutural,vem contrapor-sesinterpretaesquebuscamatribuiressaevoluos caractersticasdaculturapolticabrasileira.Sempretendernegara importnciabviadosfatoresdeordemsubjetivaparaproblemascomoo queaquinosocupam,umanoocomoestanopodesenosuscitar objeesnamedidaemque,sobpenadetornar-sesuprflua,deveatribuir aos componentes da cultura poltica um grau inaceitvel de durabilidade e autonomia em relao a seu substrato estrutural.Sejacomofor,omarcoderefernciaadotadonospermitevero regime autoritrio de 1964, assim como o tenentismo, o perodo getulista eointerregnodemocrticoquelhesucedeu,comovicissitudeentreoutras queseseguemaoingressodopasnafasedapolticaideolgica.Sua circunstnciabsicaestdadapelovigorassumido,umavezlevadaaum pontoderelativoavanoaintegraonosentidoterritorialeapresena 33 Barrington Moore, Jr., Social Origins of Dictatorship and Democracy: Lord and Pesant in the Making of the Modern World, Boston, Beacon Press, 1966. 34A.F.K.Organski,TheStagesofPoliticalDevelopment,NovaYork,AlfredA.Knopf, 1965. 167governamental35, pelo processo de mobilizao social e pelas demandas de participaoeigualdadeassociadasemergnciadenovosfocosde solidariedadequeelefaculta.Aoalteraradefiniodombitodosistema poltico,transformandoatorespolticospotenciaisemreais,amobilizao social reabre a questo relativa aos fundamentos do prprio sistema e de sua formaespecficadeorganizao.Daresultaaideologizaodoprocesso polticoeacaractersticarevolucionriaquepassadistingui-lo,coma confrontaodeprojetosdiversosdeimplantaodasolidariedade territorial plena. Nessa perspectiva, o esforo de desmobilizao poltica empreendido peloregimede1964surgecomotentativadeimplantaoforosado mercadopolticodesideologizadoemcircunstnciasemqueestlongede tersoluooproblemadasolidariedadeterritorialeemque,aocontrrio, talproblemaseaguacomaintensificaodoprocessodemobilizao social.Anfasecomque,napropagandadoregime,sesalientaoapelo solidariedadeterritorialenacional,comseucontedoufanistaede participao simblica, ajusta-se naturalmente a este quadro, representando a tentativa de obstar a atrao exercida por ideologias ativistas e orientadas pelotemadaigualdademedianteorecursoaumaideologiadembito nacional e de caractersticas consumatrias, dirigida identidade pessoal dosatoresepossibilidadedeconform-lapelarefernciaparticipao em um marco coletivo idealizado36. Quedizerarespeitodasperspectivasdeinstitucionalizaodo regimeedeestabilizaodoclebremodelopolticobrasileiro?No debatehavidoemtornodotema,oqualtemsidoprotagonizadosobretudo porfiguraspresumivelmenteinteressadasnapermannciadeseustraos bsicos, com a introduo de certas modificaes destinadas a assegurar-lhe maioraberturaeareduzir-lheocoeficientedearbtrio,nadah, naturalmente,quesugiraadistinoqueprocuramosestabelecerentrea institucionalizaodaautoridadeeamerainstitucionalizaodopoder. Trata-se,comessedebate,dereduziramargememqueapermannciado 35 Uma discusso desse processo se encontra emAntnio Octvio Cintra, A Integrao do ProcessoPolticodoBrasil:AlgumasHiptesesInspiradasnaLiteratura,Revistade Administrao Pblica, vol. 5, no. 2, julho-dezembro de 1971. 36Paraadistinoentrevaloresinstrumentaiseconsumatriosesuaconexocomas ideologias,veja-seDavidE.Apter,ThePoliticsofModernization,Chicago,Universityof Chicago Press, 1967, especialmente pp. 250-251. 168regimedependedorecursocapacidadedecoerodireta.Como salientamos ao discutir as duas formas de institucionalizao, a expanso da capacidadedecoeronopassadeumdosaspectosenvolvidosno processo de institucionalizao do poder, aspecto este para o qual so mais relevantes,entreosobstculosefetividadededeterminadoncleode poder, os que correspondem a sua estrutura organizacional e capacidade de mobilizao de recursos. Por outro aspecto, porm, a institucionalizao do poder compartilha com a institucionalizao da autoridade a relevncia que nestaltimaassumeasubjetividadedosatoressubmetidosaoncleode poderemquesto,aindaqueestadimensoserevistadecaractersticas diversasnosdoiscasos.Concretamente,opoderinstitucionalizadose caracterizaria,nestesentido,pelaestabilizaodasrelaesdepoder existentes mediante a aquiescncia prestada como consequncia de alguma formademanipulaobemsucedida,comadissociaoentrealealdade demandada ou prestada, por um lado, e o grau em que o sistema se mostra capaz de promover efetivamente os diversos interesses que nele convivem, por outro. Para comear por esta questo, o aspecto manipulativo do regime de 1964bastanteclaronoqueserefereaoesforodepropaganda mencionado.Adissociaoentreademandadelealdadeequalquer preocupaoigualitriaalcanaopontodaironianasuperposiode sloganscomovoctambmestparticipandofiguradalavadeiraem seu trabalho37. De maneira consistente com a legitimao assim buscada, o debateemtornodainstitucionalizaopolticaselimitaintroduode modificaesnosarranjosformaisqueseconciliemcomoslimitesdo projeto especficodedesenvolvimentodopasquevemsendoadotadopor seusdirigentes.Namedidaemqueesteltimoseorientaemdireo nitidamenteelitista,assentando-senaexpansoconcentradadariqueza nacionalenummercadointernorestritoeremetendoparaumfuturo indeterminadoqualquerpreocupaodistributivista,nocabeesperarque taismodificaessevenhamaconsumarnosentidodepermitirquese 37Aimpressoquesetemdosresultadosdapropagandadoregimeautoritrioparece justificarahiptesedequepesquisasempricasencontrariamjuntoaamplascamadasda populao,bemprovavelmente,aesquizofreniadequefalaMannapropsitodos trabalhadores americanos: apoio aos termos abstratos em que a poltica do regime se procura justificar propagandisticamente e repdio quela poltica ao nvel de suas consequncias para a vida cotidiana. 169tornemefetivamentevocaiscertosinteressesmarginalizados,capacitando-os, assim, a criar obstculos continuidade do processo. Parece infundada, portanto, qualquer ideia de que eventuais recomposies formais do sistema vigenteviessemapoder serinterpretadas,emfuturo visvel,emtermosde efetivainstauraodeumprocessodeinstitucionalizaodaautoridadeno sentidoqueaquidamosexpresso.Oautoritarismoemvigor,como bastanteclaro,norepresentaaredefiniodasrelaesentresociedadee estado de forma a levar este ltimo a pairar sobre aquela como rbitro a um tempo poderoso e infenso ao enfrentamento de interesses que ali se d. Ao contrrio,elecorresponde,emsuasubstncia,comosemostroucom precisoemanlisesanteriores38,aopredomnioforosodealgunsdos focos de interesses que passam a enfrentar-se com a inaugurao da poltica ideolgica sobre outros, sendo precisamente este o sentido em que cabe v-lo como vicissitude desta ltima. Issonosignifica,porm,queoregimenocontecoma possibilidadedevirainstitucionalizar-se,nosentidodepoder institucionalizadoqueacimaestabelecemos,ouseja,nosentidoda recomposiodapossibilidadedeexerccioestvelenomeramente coercitivodopoderque sevcomprometidacomaemergnciadapoltica ideolgica.Peloladodosdisposi