8
Maria da Conceição Paranhos OS REINOS DE J ORGE DE LIMA Singular na literatura de sua época, Jorge de Lima (1893- 1953) continua a ser um desafio para a crítica e a interpretação de sua obra, principalmente a partir de Tempo e Eternidade (1935), es- crito em parceria com Murilo Mendes (1902 – 1975) – época da con- versão do alagoano ao Catolicismo como ele próprio assinalou. Nos primeiros decênios do século XX passa a ser conhecido por alguns de seus poemas: o soneto “O Acendedor de Lampiões” (1907), escrito aos 14 anos, “O Mundo do Menino Impossível” (1925) e mais que todos “Essa Nega Fulô” (1928). Na Bahia, para onde veio aos 15 anos cursar Medicina, compõe o poema “Bahia de Todos os Santos” (1908), e desta terra absorve grande riqueza temática. À parte o valor intrínseco dos poemas mencionados e o da sua produção poética até os anos 50 do século passado, pode-se afirmar que o poeta chega ao ponto mais alto do seu gênio criador na Invenção de Orfeu (1952), “filho pródigo, querendo regressar” (II, 9) e libertar-se do que chamou de “inlucidez humana” (I, 18). E assim seria, em 1953, há cinqüenta anos atrás. Há, todavia, a controvérsia do hermetismo em Jorge de Lima, principalmente quando se fala da Invenção. Por isso levo ao leitor algumas reflexões sobre este livro. A poesia de Jorge de Lima e sua obra, como um todo, per- corre um curso que vai desvelando diferentes faces de uma percep- ção dos mundos humano e divino, e do seu dom de expressá-los pela linguagem na qual se esmera na procura da forma mais congenial àquela percepção. Nessa direção, a poesia do autor de Livro dos So- netos mobiliza profundamente os dois grandes sentimentos que pro- piciam o advento do sublime: o prazer e a dor. O resultado – após toda a intensa purgação dos excessos e das “invenções em seu fictício arranjo” (I, 5) – é a beleza que é verdade, e a verdade que é beleza. O poeta traça uma linha ascensional, mostrando ao leitor o seu pro- cesso criador cujo ápice é a Invenção de Orfeu. Aqui está contida e referenciada toda a sua criação anterior, já que intertextualiza e cita não apenas obras anteriores à Invenção, mas a sua obra até ali erigida.

reinos

Embed Size (px)

Citation preview

  • Maria da Conceio Paranhos

    OS REINOS DE JORGE DE LIMA

    Singular na literatura de sua poca, Jorge de Lima (1893-1953) continua a ser um desafio para a crtica e a interpretao desua obra, principalmente a partir de Tempo e Eternidade (1935), es-crito em parceria com Murilo Mendes (1902 1975) poca da con-verso do alagoano ao Catolicismo como ele prprio assinalou.

    Nos primeiros decnios do sculo XX passa a ser conhecidopor alguns de seus poemas: o soneto O Acendedor de Lampies(1907), escrito aos 14 anos, O Mundo do Menino Impossvel (1925)e mais que todos Essa Nega Ful (1928). Na Bahia, para onde veioaos 15 anos cursar Medicina, compe o poema Bahia de Todos osSantos (1908), e desta terra absorve grande riqueza temtica. parte o valor intrnseco dos poemas mencionados e o da sua produopotica at os anos 50 do sculo passado, pode-se afirmar que opoeta chega ao ponto mais alto do seu gnio criador na Inveno deOrfeu (1952), filho prdigo, querendo regressar (II, 9) e libertar-sedo que chamou de inlucidez humana (I, 18). E assim seria, em 1953,h cinqenta anos atrs. H, todavia, a controvrsia do hermetismoem Jorge de Lima, principalmente quando se fala da Inveno. Porisso levo ao leitor algumas reflexes sobre este livro.

    A poesia de Jorge de Lima e sua obra, como um todo, per-corre um curso que vai desvelando diferentes faces de uma percep-o dos mundos humano e divino, e do seu dom de express-los pelalinguagem na qual se esmera na procura da forma mais congenialquela percepo. Nessa direo, a poesia do autor de Livro dos So-netos mobiliza profundamente os dois grandes sentimentos que pro-piciam o advento do sublime: o prazer e a dor. O resultado apstoda a intensa purgao dos excessos e das invenes em seu fictcioarranjo (I, 5) a beleza que verdade, e a verdade que beleza.O poeta traa uma linha ascensional, mostrando ao leitor o seu pro-cesso criador cujo pice a Inveno de Orfeu. Aqui est contida ereferenciada toda a sua criao anterior, j que intertextualiza e citano apenas obras anteriores Inveno, mas a sua obra at ali erigida.

  • 2Maria da Conceio Paranhos: Os REINOS de Jorge de Lima

    Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

    Chegados, nunca chegamos, eu e a ilha movedia.Mvel terra,cu incerto,mundo jamais descoberto. (I, 2).

    Ao ressaltar o processo, quero chamar a ateno para umtrao fundamental de Jorge de Lima, embora o seja do criador emgeral: no se oferece ao leitor um produto acabado e irretocvel, oque, alis, parece irrelevante para um grande artista, pelo menosaps o Renascimento. Mostra-se, sim, o texto que se aperfeioa e seaprofunda com o tempo e o labor. Dizer de Jorge de Lima, ento, quesua obra irregular e que possui altos e baixos (ou dizer isso dequalquer poeta / artista que realmente o seja), expresso corriqueiraem nossos dias, ignorar que qualquer trabalho humano se faz dessemodo, j que estamos imersos na relatividade prpria criatura.Diz opoeta na Inveno:

    E eis os climas por dentro de outros climas,no mago dos magos esse ovo,e esse silncio trgico nesse ovo,todavia raspemos esse peloque h na face de toda as criaturasos bigodes que afogam as crianase os vus fixos nos olhos das mulheres.(I, 7)1.

    O trecho do poema acima uma das chaves para o enten-dimento das idias limianas sobre a poesia e a vida, ao indicar a opo-sio entre essncia e aparncia, e a dificuldade para atingir-se aprimeira, o que, paradoxalmente, s se realiza por intermdio da se-gunda.

    Antecipo-me em dizer que sua obra mantm uma unidadede concepo, antes de justificar esta afirmativa. O que se considerafragmentrio no processo criador inerente vocao da obra poti-ca, tanto na concepo quanto na formalizao ou seja, quer em setratando de temas e motivos, quer da realizao formal. A poesia elamesma j um paradigma do pensamento fragmentrio, traocaracterizador dos aforismos e de algumas outras formas textuais aspecto que o Romantismo de poca conceituou e praticou antecipa-damente s teorias ps-modernas. Penso mais especificamente noRomantismo alemo (ou pr-romantismo, como preferem alguns) daescola de Iena, a partir das idias dos irmos Schlegel, sobretudoFriedrich, e das de Novalis.

    Ao falar do processo potico de Jorge de Lima no se quercolocar em segundo plano nenhum dos livros anteriores Inveno,portanto, pois cada um deles possui um significado preciso no seuroteiro potico, desde o primeiro publicado, os XIV Alexandrinos (1924).

  • 3Maria da Conceio Paranhos: Os REINOS de Jorge de Lima

    Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

    J ento, e desde o primeiro poema divulgado na imprensa, era opoeta um criador de possibilidades abertas O vocbulo em grifo querapontar para esta caracterstica fundamental: ele se foi tornando cadavez melhor poeta no decorrer de sua vida, o que no comum naLiteratura Brasileira e, de modo geral, em outras literaturas.

    O fato que, cinqenta anos aps sua morte, parte signifi-cativa de sua obra tem-se mostrado um dilema para muitos leitores,incluindo-se aqui o leitor especializado. Murilo Mendes, sua poca,ao ler a Inveno ficou profundamente impressionado com o saltode seu amigo para um tipo de poesia apenas comparvel s obrasmaximais da histria da literatura do Ocidente a Divina Comdia, deDante; Os Lusadas, de Cames; O Paraso Perdido, de Milton, paracitar algumas das poucas que mantm seu poder de concepo verbale temtica e seu frescor permanente, continuando como um desafio eum renovado encantamento para as sucessivas geraes de leitores.OMrio de Andrade crtico, em 1939, nos relata a perplexidade suscita-da pela obra de Jorge de Lima, comparando essa reao com aquelasdiante de Os Lusadas, de Cames e do Ulysses, de James Joyce.

    No que sua fortuna crtica no tenha trazido significativacontribuio para a leitura do poeta de Poemas Negros. Penso noprprio Murilo, em Georges Bernanos, Joo Gaspar Simes, ManuelAnselmo, Luis Santa Cruz, Csar Leal, Lus Busatto2, Judith Grossmann3

    e, mais recentemente, Marco Lucchesi e Cludio Murilo Leal.4. Nosautores citados, h contribuies mais ou menos extensas, mais oumenos verticais, mas cada uma, a seu modo, valiosa. Haveria maisoutros tantos a citar em favor da justia, o que farei em outra oportu-nidade. Referi-me a alguns dos quais tenho leitura ou releitura maisrecente.

    Hoje, mais que antes, j podemos merecer mais Jorge deLima. J estamos mais alertas para algumas coisas, as quais, alis,comparecem nas artes ocidentais antes de terem sido fixadas peloesprito de poca (Zeitgeist). As noes de polifonia vinda da Msi-ca; da colagem e da montagem vindas das Artes Plsticas; dointertexto e da influncia esta, sob a gide da Literatura Compara-da, disciplina que se revela das mais adequadas para o entendimento(Verstehen) do texto da Inveno, abriram muitas das portas da obralimiana. Tambm melhoramos nossa apreenso dos contedos (a partirdos depoimentos dos familiares e contemporneos de Jorge de Limainclusive), como tambm do especificamente potico (j sabemos maisum pouco sobre o uso da alegoria em Baudelaire, da msica emMallarm, da metfora pura em Rimbaud). Enfim, j estamos maisaptos para ler a Inveno de Orfeu. Acresce que no se pode perderde vista, a partir de Tempo e Eternidade, as remisses Teologiacatlica tanto a Dogmtica como a Moral e a Exegese Bblica,enquanto reas de estudo. Ao lado desse juzo, as remisses a vriasreligies e credos como o Judasmo, o Hindusmo, o Tantrismo, o Bu-

  • 4Maria da Conceio Paranhos: Os REINOS de Jorge de Lima

    Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

    dismo, o Xintosmo, a Cabala, o Candombl entre outros, que j somais familiares ao nosso iderio.

    Massaud Moiss, ao referir-se obra de Jorge de Lima comoum todo, estranha-a pela ciclotimia. uma observao arguta paraler-se a Inveno num sistema de fases e ciclos.

    No gratuito indicar a coincidncia que existe entre ostrs reinos da Inveno com o que Giambattista Vico assinala comoos trs estgios das civilizaes:

    1. quando os povos criam os deuses (idade divina);2. quando os heris fazem os mitos (idade herica);3. quando descobrem a concretude (idade humana).

    Para Vico, tais idades ocorrem ciclicamente na histria dahumanidade. Em Jorge de Lima, a sada para o ser humano situa-sefora do plano da historicidade no que se refere salvao, conformeVico at aqui, na selva selvaggia da experincia humana na histria.Mas, para o poeta de Anunciao e Encontro de Mira-Celi, existe apossibilidade de progresso na histria onde se distingue um plano deperdio (identificado com as noes de pecado, queda, traio) e umplano de redeno (identificado com as noes de ascese e de passa-gem das trevas para a luz).

    Comparecem outros ciclos na Inveno. A poesia e o seudestino no tempo humano processam-se em fases. As trevas soidentificadas muitas vezes com o silncio de antes da articulao po-tica, e a luz com a fala potica, vista como milagre; outras vezesas trevas correspondem a um estgio lmbico, e a luz ao estgioednico. Essas fases so continuamente desfeitas e refeitas, no en-tanto acumulando-se s anteriores. Pode-se tambm indicar trs rei-nos, conforme o poeta verbaliza, que vo sendo constitudos ereconstitudos.

    1. O reino mineral, quando tratada a problemtica do po-eta imerso na escurido da culpa, portador do grmen da destruio eda construo. A pedra e seus equivalentes so das metforas maisconstantes na indicao do perodo de mineralidade, princpio da vidae da morte, que aparece com freqncia e recorrncia de significa-es no decorrer do texto:

    Quem te fez assim soturnoquieto, reino mineral,escondido em cho noturno?

    Que bico ri o teu mal?Quem antes dos sete diaste argamassou em seu gral?Quem te apontou pra onde irias?Quem te confiou morte e guerras?Quem te deu ouro e agonias?

  • 5Maria da Conceio Paranhos: Os REINOS de Jorge de Lima

    Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

    Quem em teu seio de terrainfundiu a destruio?Quem com lavas em ti berra?Quem te fez do cu o choQuieto reino mineral?Quem te ps to taciturno?

    Que gnio fez por seu turnoantes do mundo nascer:a criao do metal:a danao do poder? (I, XI)

    Nessa fase existe uma perecibilidade de ordem humana,uma inclinao corrupo prpria do homem, e o poeta inquire acausa primeira de sua prpria existncia, as suas razes em que astenses se resolvem num princpio unificador e identificador, o prprioprincpio potico.

    2. O vegetal, quando a realidade mitificada e reificada.Corresponde ao momento da perda do Paraso. Da emerge a culpa, ea poesia aparece como r de um crime que ir sendo esclarecido naobra. Esse processo no se d no interior do tempo humano, mas opoeta seu cmplice homem, continente do princpio divino e de-monaco, evocando o relato bblico do Gnese, quando Eva se deixafascinar pela serpente. Todavia, na figura do poeta encontram-se con-fundidos fascinador e fascinado, inocncia e culpa, e o resultado final a conquista da santidade, mencionada no fim da Inveno de Orfeu.

    Padeo, R vegetal por ti.Estavas no meio do den.Uma voluta cingia-te,voluta que tinha voz,voz que tinha seduo. Cedi.Num momento rei e r,eu e tu, sombras ali.Fronde e entrelaadas,reino, rei, r renegados de si. (1, XII).

    3. No terceiro estgio, animal , ocorre a humanizao doplano divino. quando o poeta institui-se como interlocutor em rela-o poesia ou ao princpio potico, ao mesmo tempo assumindo avoz da humanidade, enquanto seu representante. As noes de que-da, imperfeio, culpa, servido conduzem morte. Todo ato huma-no, enquanto incompleto, diferencia-se do princpio divino. Mas pelacontinuidade, pela ao resultante da inao (lerdice postednica, I,8), o agir potico ir funcionar como ato unificador. A poesia encami-nha-se para o princpio absoluto Deus ou a fora original e originante em planos temporais diferenciados, a partir do estgio da humani-

  • 6Maria da Conceio Paranhos: Os REINOS de Jorge de Lima

    Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

    dade como a conhecemos e alm da qual pode levar-nos o poeta naproporo de sua medida: Se vs no tendes sal gema/no entreisnesse poema (IV, 1). Ao poeta cabe a cincia das coisas, segundotestemunha o poema XIII:

    Conheo quem vos fez,quem vos gerou,5

    rei animado e anal, chefe sem povo,to divino mas sujo, mas falhado,mas comido de dores, mas sem f,orai, orai por vos, rei destronado,rei to morrido da cabea aos ps (I 13).

    Nessa incessante atividade, o poeta se move em favor deuma neutralidade da palavra, para que esta se torne veculo condutorda fora do absoluto, instrumento de passagem, religio (v. re-ligare,unir de novo). Esse estado referido diversamente no plano dossignificantes: sono, sonho, embriaguez, febre, maleita, delrio per-curso para a viso clara e unvoca da origem, com seu trabalho nasincronia do poema, para re-obter o mundo perdido pela Queda, den-tro da concepo bblica.

    Alm disso, as palavras, na potica limiana, deixam perce-ber o ainda no nomeado, pelo seu oposto, a loquacidade geradorade um lxico exuberante, incluindo-se os neologismos jamais gra-tuitos. Os vocbulos surgem de uma linguagem interior e anterior,princpio oculto que informa todo o percurso, indicado, no edifciopotico, pelo lavor com a linguagem. O poeta decifra o enigma, en-quanto a linguagem qual d forma captura e retm o indizvel6 quepercebeu. Para alcanar este momento, funde sua experincia ex-perincia humana em sua totalidade, fixando no seu discurso as signi-ficaes deterioradas na histria, rumo a uma histria da verdade fbula, como diz em que os acontecimentos so falados no seufuturo, na sua probabilidade de ser. Orfeu-poeta lida com o esqueci-do, o no-narrado, o negligenciado da histria humana, perquirindoessa sub-solo esquecido, ouvindo do super-solo o que no aud-vel antes do poema para da extrair a fala do silncio, fala do criador.

    Atente-se para os versos a seguir transcritos, todos refe-rentes indizibilidade e seus correlatos:

    astro privado (II, 14); rosas sem ptalas (II, 14);mo sem brao (V, 13); ausentes palavras (III, 15); canto semlbios proferido (III, 23); grito mudo (V, 8); oceano sem murm-rios (V, 13); permite-me falar sem minha lngua (V, 3): e assimsucessivamente, numa profuso de ocorrncias expressadas muitasvezes por imagens de privao. Logo no incio do livro, no Canto I, 5,ele instiga o leitor o que, alis, freqente na Inveno:

  • 7Maria da Conceio Paranhos: Os REINOS de Jorge de Lima

    Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

    ...................................................Que captulo sumiu?Que se contava ainda ontem?Que ilha no mundo nasceu?Que pintura foi atual?Que formalismo, que abstratoanseiam por transmitir-se?Prembulos sempre constantes, depois choro no mirante,e a privao dos sentidos,e esse tatear de pesquisase essa tortura espaciale essa unidade na dore essa roca de silncio [...]. (I, 23).

    Adiante, no Canto III, 8: E compreendeis agora essa equa-o, / esse canto sem lbios proferido / e escutado por ouas semouvidos?

    No h, na Literatura Brasileira pelo menos, poeta to de-bruado na busca da forma mais visceral aos contedos que querexpressar. Esse esforo identifica-se com seu movimento em direoa uma purificao, desejo verbalizado em vrios momentos de suaobra, mais freqentemente ainda na Inveno, mesmo porque, nestelivro, s aps a purificao que emerge o universo de sentido e oalcance do processo potico em sua forma sempre a refazer-se pelanomeao do mal nomeado e do inominado. [...]. Denomino-vos, cha-mo-vos de novo / guas descomunais, estrelas virgens, / peixes vi-vendo em aves, anjos de antes, / sem cartas de viajar, to docessumos /derramando nos ares pressentidos. / Desejo lavar tudo: ofogo, a gua, o ar, / - seres antigos que o homem corrompeu; /desejo ver de novo, andar de novo [...].

    Configura-se um percurso para o que poderamos conside-rar uma escatologia, levando-se em considerao os elementos deTeologia presentes na obra. A diferena entre essncia e aparncia encontradas e reencontrveis, aps a Queda, na unidade do estgioednico, pode ser alcanada pela ao potica, que metaforiza aparusia[7]

    Sob essa perspectiva podemos chegar um pouco mais per-to da obra de Jorge de Lima, revogando a qualificao de hermetismo,mesmo porque o hermetismo, se existe, sempre provisrio. BenJonson (1572- 1637), crtico ingls, denomina isto de lucidez poti-ca. A busca deste poeta a da clareza, da nitidez. Escuro o realcom seu horror, obscura a linguagem sem relao ntima com oscontedos que veicula.

  • 8Maria da Conceio Paranhos: Os REINOS de Jorge de Lima

    Jornal de Poesia, editor Soares Feitosa

    Notas1 Os algarismos romanos referem-se ao Cantos e os arbicos aos poemas naseqncia em que aparecem nos cantos, diviso prpria poesia pica..

    3 Busatto trabalhou com a intertextualidade em JL, seu sistema de aluses eremisses, deslocamentos e descentramentos detendo-se mais proximamentenas obras de Virglio, de Dante, e, mais particularmente, de Cames

    4 Judith foi aluna de Jorge de Lima no Colgio Pedro II (RJ) e, no decorrer desua relevante obra crtica (ao meio da obra ficcional e potica) tem-se ocu-pado, em vrios momentos, de um dos poetas de sua predileo, com signi-ficativa contribuio fortuna crtica do alagoano.

    5 Dissertao de Mestrado em Letras na UFRJ.

    8 Consta gorou nas edies Aguilar e Nova Aguilar.

    9 Palavra condutora de conceito basilar do Romantismo, que ir reaparecerno Simbolismo. H alguns vocbulos e expresses com os quais mantmsinonmia: inominvel, inominado, no-dito, latente, etc., a partir daperspectiva da interpretao do texto ou do discurso.

    10 O trecho do Credo: E de novo h de vir e julgar os vivos e os mortosensina que no fim do tempo, Cristo vir pela segunda vez terra, gloriosa-mente, para o julgamento de todos os homens. No Juzo Final, essa vindagloriosa de Cristo se chama parusia. A palavra parusia vem do grego,parrhesia, que significa liberdade de tomar a palavra ou seja, na assem-blia do povo, falar francamente.

    Maria da Conceio Paranhos poeta, ficcionista, ensasta, autora de O De-lrio do Ver (poesia, 2002, Rio/Bahia, Imago).