5
Mestrado de Criação Artística Contemporânea Arte, Ciência e Tecnologia Sara Pinho Título: Reflexo interior Meio: Vídeo-Arte Ano: 2011-2012 1. As razões para a realização do trabalho As razões inerentes para a realização deste trabalho estão associadas ao facto de descobrir a organicidade e a imprevisibilidade que a tinta dissolvida e em contacto com a água formam. Usei dois tons de azul, um mais claro e outro mais escuro, para poder observar qual a interferência ou a conjugação que poderia provocar. Um dos meus propósitos foi captar a atenção do espectador, para o processo que se prende com o facto de ter invertido e acelerado a ordem natural dos acontecimentos. Quebrando a monotonia pontualmente emerge uma imagem que ultrapassa a moldura anteriormente instituída, sem a destruir, caracterizada pelo elemento comum, a água, mas agora à superfície. Esta imagem materializada em vídeo foi captada num lago do Museu Soares dos Reis e do Parque da Cidade no Porto, com este facto pretendi confrontar dois mundos, o das profundezas exemplificada pela metáfora dos dois fluxos e o da superfície pelos lagos. Entre a o universo artificial e a realidade da Natureza. Vale a pena seguir a ordem inversa até ao fim, começa pelo “suposto” fim original e acaba com a tabula rasa (a tela branca). Representado por manchas dispersas e expandidas das duas cores, a tinta ascende em vez de descer, a gravidade foi aqui questionada. Todos estes aspectos competem com a própria ciência, a tinta como meio tecnológico ganha aqui uma presença forte e interroga a sua primeira funcionalidade. “ Um desenho é sempre o resultado de um movimento do corpo sobre a folha de papel”. 1 Refutando esta afirmação: o desenho ganha aqui um carácter mais forte. O movimento das tintas constroem-no. Todos estes princípios são postos em causa e alteram a perspectiva do espectador perante a obra. Segundo Serres, “A criação resiste à morte, reinventando a vida (...)” 2 2. Suporte de investigação O meu suporte de investigação começou pela compreensão da diferença entre o Cientista e o Artista. Para Bronowski “ O acto de criação é (...) original, mas não termina com o seu criador. O trabalho da arte ou da ciência é universal, na medida em que cada um de nós pode recriá-lo.” 3 A acção do criador e a receptividade do espectador faz com que este tenha um papel preponderante e seja em simultâneo actor e interprete. “O artista no seu acto criador dá à obra uma dimensão de liberdade que está vedada ao cientista (...) O cientista não regista simplesmente os factos, mas deve-se conformar com os factos.” 4 Enquanto que para o artista não há limites processuais, a sua conduta é livre, não tem de obedecer a um certo número de procedimentos que o cientista se vê obrigado. O processo do cientista não vai além de experiências laboratoriais, enquanto que o artista ganha vantagem a nível conceptual. O sentido formal que confere à obra apresenta os aspectos fenomenológicos que evidenciam a sua particular visão, provocando uma experiência estética transcendendo o espectador para outro patamar de contentamento. A nossa interpretação como receptores e artistas dos fenómenos poderá ser enganadora, criando uma ilusão. Ao contrário do cientista que testa as informações sensoriais. O seu método científico raramente o trai, pois a experiência e a lógica fazem com que a razão prevaleça em relação ao sonho. Para o artista o sonho é a base conceptua 1 1 FERNANDES, João, Catálogo Carlos Barreira - Da ideia do desenho - Museu Municipal Abade Pedrosa, 2011-2012, Pág. 6 2 SERRES, Michael, O terceiro Instruído, Editora Piaget, 1993, pág. 102 3 BRONOWSKI, Jacob, A responsabilidade do cientistas e outros escritos - Publicações Dom Quixote, 1992, pág. 127 4 BRONOWSKI, Jacob, A responsabilidade do cientistas e outros escritos - Publicações Dom Quixote, 1992, pág. 128

reflexo interior

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: reflexo interior

Mestrado de Criação Artística ContemporâneaArte, Ciência e TecnologiaSara Pinho

Título: Reflexo interiorMeio: Vídeo-ArteAno: 2011-2012

1. As razões para a realização do trabalho

As razões inerentes para a realização deste trabalho estão associadas ao facto de descobrir a organicidade e a imprevisibilidade que a tinta dissolvida e em contacto com a água formam. Usei dois tons de azul, um mais claro e outro mais escuro, para poder observar qual a interferência ou a conjugação que poderia provocar.Um dos meus propósitos foi captar a atenção do espectador, para o processo que se prende com o facto de ter invertido e acelerado a ordem natural dos acontecimentos. Quebrando a monotonia pontualmente emerge uma imagem que ultrapassa a moldura anteriormente instituída, sem a destruir, caracterizada pelo elemento comum, a água, mas agora à superfície. Esta imagem materializada em vídeo foi captada num lago do Museu Soares dos Reis e do Parque da Cidade no Porto, com este facto pretendi confrontar dois mundos, o das profundezas exemplificada pela metáfora dos dois fluxos e o da superfície pelos lagos. Entre a o universo artificial e a realidade da Natureza.Vale a pena seguir a ordem inversa até ao fim, começa pelo “suposto” fim original e acaba com a tabula rasa (a tela branca). Representado por manchas dispersas e expandidas das duas cores, a tinta ascende em vez de descer, a gravidade foi aqui questionada. Todos estes aspectos competem com a própria ciência, a tinta como meio tecnológico ganha aqui uma presença forte e interroga a sua primeira funcionalidade. “ Um desenho é sempre o resultado de um movimento do corpo sobre a folha de papel”.1

Refutando esta afirmação: o desenho ganha aqui um carácter mais forte. O movimento das tintas constroem-no. Todos estes princípios são postos em causa e alteram a perspectiva do espectador perante a obra. Segundo Serres, “A criação resiste à morte, reinventando a vida (...)”2

2. Suporte de investigação

O meu suporte de investigação começou pela compreensão da diferença entre o Cientista e o Artista. Para Bronowski “ O acto de criação é (...) original, mas não termina com o seu criador. O trabalho da arte ou da ciência é universal, na medida em que cada um de nós pode recriá-lo.”3

A acção do criador e a receptividade do espectador faz com que este tenha um papel preponderante e seja em simultâneo actor e interprete. “O artista no seu acto criador dá à obra uma dimensão de liberdade que está vedada ao cientista (...) O cientista não regista simplesmente os factos, mas deve-se conformar com os factos.”4 Enquanto que para o artista não há limites processuais, a sua conduta é livre, não tem de obedecer a um certo número de procedimentos que o cientista se vê obrigado. O processo do cientista não vai além de experiências laboratoriais, enquanto que o artista ganha vantagem a nível conceptual. O sentido formal que confere à obra apresenta os aspectos fenomenológicos que evidenciam a sua particular visão, provocando uma experiência estética transcendendo o espectador para outro patamar de contentamento.A nossa interpretação como receptores e artistas dos fenómenos poderá ser enganadora, criando uma ilusão. Ao contrário do cientista que testa as informações sensoriais. O seu método científico raramente o trai, pois a experiência e a lógica fazem com que a razão prevaleça em relação ao sonho. Para o artista o sonho é a base conceptua

1

1 FERNANDES, João, Catálogo Carlos Barreira - Da ideia do desenho - Museu Municipal Abade Pedrosa, 2011-2012, Pág. 6

2 SERRES, Michael, O terceiro Instruído, Editora Piaget, 1993, pág. 102

3 BRONOWSKI, Jacob, A responsabilidade do cientistas e outros escritos - Publicações Dom Quixote, 1992, pág. 127

4 BRONOWSKI, Jacob, A responsabilidade do cientistas e outros escritos - Publicações Dom Quixote, 1992, pág. 128

Page 2: reflexo interior

para qualquer projecto. “... a ciência é igualmente um sistema de conceito: compete à ciência testar e corrigir o conceito (...) este funcionará? Dará uma unidade natural à experiência dos homens? Será que o conceito torna a vida ordenada, não por decreto mas por ser assim na realidade?”5

Todas estas questões são legitimas aos dois métodos sendo que o científico preocupa-se com o efeito pragmático que terá na realidade e no homem. Já o artista é um pouco narcisista e não se preocupa tanto com o fruto da sua dádiva, correndo o risco de ser mal interpretado ou incompreendido.

Sendo a tinta o meio tecnológico e elemento primordial do meu trabalho, devo desde já explicar a sua relação com a ciência. Iniciaremos com uma contextualização histórica do aparecimento de novos pigmentos ao longo dos tempos.No séc. XIX dá-se a grande descoberta de novos pigmentos: “O azul cobalto, o verde viridian, o amarelo de crómio e o laranja de cádmio são cores que saem directamente do laboratório químico para a paleta dos artista, em estreia absoluta. (...) compostos que não existiam na Natureza e que os químicos inventaram. É de facto um momento único, em que a ciência, a tecnologia e a arte confluem inovando.”6

O azul Simboliza o confronto da religião cristã e está associado ao azul do manto da virgem como símbolo de devoção e de espiritualidade.A pedra semipreciosa lápis-lazúli é a matéria-prima através da qual a escola italiana da Idade Média e Renascimento obtinham o azul mais dispendioso do que o ouro. Parte-se do princípio que foi na Idade Média que o denominado processo de purificação do mineral lazurite, pigmento de origem natural que possui uma beleza única pela nuance violeta, foi desenvolvido e mais tarde denominado por azul ultramarino, neste trabalho é objecto de estudo.Em 1802, Louis-Jacques Thénard vai mais longe, enquanto uns andavam à procura de um azul ultramarino sintético, aquele descobre

o azul cobalto. Este resulta da mistura de sais de cobalto com alumina, a cor do aluminato de cobre faz lembrar em óleo a têmpera o lápis-lazuli. O azul cobalto será o azul icónico da paleta dos impressionistas.No séc. XX, Yves Klein é um dos primeiros artistas que utiliza uma emulsão aquosa para manter a pureza do azul ultramarino, denominado por International Klein Blue, IKB. Diesbach transforma reagentes impuros num azul escuro muito económico, o azul da Prússia. Que não se compara à beleza do azul ultramarino.O outro objecto de estudo é o azul turquesa.“O turquesa é uma gema geralmente entre a cor ciano e o verde, gerando a cor homónima. A turquesa é um fosfato de alumínio com pequenas quantidades de cobre e de ferro. (...) Em épocas antigas, turquesa foi usada pelos Egípcios e foi retirada por eles na Península do Sinai.”7 Era considerada a pedra nacional da Pérsia e muito usada na decoração de objectos. Também usada na joalharia no Tibete e na Mongólia.A cor é matéria, e todas as cores precisam de um suporte. O suporte tradicional era a tela sobre uma grade de madeira. No caso do meu trabalho o suporte da cor é a água, as tintas diluem-se e expandem-se, tudo isto é possível porque a água está confinada ao recipiente côncavo “aquário”.Este “aquário virtual” originalmente oriundo de uma filmagem contínua de 10 minutos e posteriormente resumido a aproximadamente 5 minutos, possui uma moldura preta circundante conferindo ao vídeo um carácter fechado e de simulacro para onde o espectador curioso pode espreitar. Como contraponto, as fronteiras do rectângulo são quase apagadas, elegendo novos enquadramentos da natureza e realçando o olhar atento para novos paradigmas de um imaginário inquietante.

3. Reflexão crítica

O meio de comunicação utilizado é o vídeo, este surgiu em 1960, desde então que tem um

2

5 BRONOWSKI, Jacob, A responsabilidade do cientistas e outros escritos - Publicações Dom Quixote, 1992, pág.142

6 FREITAS, Helena, Catálogo Raisonné de Amadeo Souza Cardoso - Vol. II, Fundação Calouste de Gulbenkian, 2008, pág. 83

7 http://pt.wikipedia.org/wiki/Turquesa

Page 3: reflexo interior

papel preponderante nos media, na publicidade e na comunicação.Com a utilização da tinta obtive registos gráficos que apontam para formas orgânicas que lembram elementos vegetais, tais como nenúfares, como também associações a articulações humanas, observando-se a sua construção e desenvolvimento.O auge do trabalho a meu ver é o seu carácter inesperado, não só nas formas mas na inversão e aceleração da ordem dos acontecimentos. Verifica-se uma “vida artificial” provocada mas reflectida. Todo o processo implica a minha interferência na introdução aleatória de tinta permanente dos dois tons de azul.As características observadas demonstram que, o ultramarino tem uma presença primária mais forte, enquanto que o turquesa dilui-se mais lentamente, ou seja o seu papel é secundário, servindo de cenário, de mancha para o próprio ultramarino ser a personagem principal, visto que rapidamente ascende, tendo uma presença quase súbita.Este processo artístico pode ser comparado com o método científico, já que aquele reflecte sobre conceitos que foram testados e verificados. As questões tradicionais da ciência, como o peso e a gravidade são aqui trabalhadas no contexto das suas características dos materiais escolhidos habitualmente pelo pintor para a sua arte. As qualidades destas tintas serão os princípios modeladores do equilíbrio e do movimento. Esse movimento consequente da minha acção. As tintas desenham na água num espaço livre mas ao mesmo tempo confinado, que delimitam a observação do espectador. Há aqui uma “(...) intemporalidade, enquanto resultado de um acção de efemeridade e transitoriedade da condição humana.”8 Tendo em conta também, as contrariedades da Natureza reflectida e sentida ao olhar. E é sobre esta dualidade aparentemente oposta em que estes dois mundos se encontram e comunicam até à origem. A busca da autenticidade e do ambíguo foram os propósitos desta pesquisa. Paradoxo obtido através dos resultados que demonstram que estas duas finalidades são possíveis de coabitar no mundo da arte.

4. Bibliografia

- BRONOWSKI, Jacob, A responsabilidade do cientistas e outros escritos - Vol.6, Editora Itatiaia

- FERNANDES, João, Catálogo Carlos Barreira - Da ideia do desenho - Museu Municipal Abade Pedrosa, 2011-2012

- FREITAS, Helena, Catálogo Raisonné de Amadeo Souza Cardoso - Vol. II, Fundação Calouste de Gulbenkian, 2008

- http://pt.wikipedia.org/wiki/Turquesa retirado da wikipedia no dia 11 de Dezembro 2011

- SERRES, Michael, O terceiro Instruído, Editora Piaget, 1980-1990

5. Anexo de imagens / frames

3

8 FERNANDES, João, Catálogo Carlos Barreira - Da ideia do desenho - Museu Municipal Abade Pedrosa, 2011-2012, Págs. 5-6

Page 4: reflexo interior

!

4

Page 5: reflexo interior

5