195
5/25/2018 RedesdeCooperacaoEmpresarial-Desconhecido-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/redes-de-cooperacao-empresarial-desconhecido 1/195

Redes de Cooperacao Empresarial - Desconhecido

Embed Size (px)

Citation preview

  • B184r Balestrin, Alsones.

    Redes de cooperao empresarial [recurso eletrnico] :

    estratgias de gesto na nova economia / Alsones Balestrin,

    Jorge Verschoore. Dados eletrnicos. Porto Alegre :

    Bookman , 2009.

    Publicado tambm como livro impresso em 2008.

    ISBN 978-85-7780-539-6

    1. Redes de cooperao entre empresas. 2. Administrao de

    empresas. I. Vershoore, Jorge. II. Ttulo.

    CDU 658.114.5

    Catalogao na publicao: Mnica Ballejo Canto CRB 10/1023

  • 2008

  • Artmed Editora S.A., 2008

    Capa: Rogrio Grilho

    Preparao do original: Andr de Godoy Vieira

    Superviso editorial: Arysinha J. Affonso

    Projeto grfico e editorao eletrnica: TIPOS design editorial

    Reservados todos os direitos de publicao, em lngua portuguesa,

    ARTMED EDITORA S.A.

    (BOOKMAN COMPANHIA EDITORA uma diviso da ARTMED EDITORA S.A.)

    Av. Jernimo de Ornelas, 670 - Santana

    90040-340 Porto Alegre RS

    Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070

    proibida a duplicao ou reproduo deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer

    formas ou por quaisquer meios (eletrnico, mecnico, gravao, fotocpia, distribuio na

    Web e outros), sem permisso expressa da Editora.

    SO PAULO

    Av. Anglica, 1091 - Higienpolis

    01227-100 So Paulo SP

    Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333

    SAC 0800 703-3444

    IMPRESSO NO BRASIL

    PRINTED IN BRAZIL

  • ALSONES BALESTRIN

    Possui dupla titulao de doutorado, em Administrao pela Universidade Federaldo Rio Grande do Sul e em Sciences de Linformation et de La Communicationpela Universidade de Poitiers/Frana. Professor do Programa de Ps-Graduaoem Administrao da Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS, ondeministra a disciplina de Gesto de Redes e Relaes Interorganizacionais paraos cursos de Mestrado e Doutorado. Professor convidado junto ao InstitutdAdministration des Entreprises da Universidade de Poitiers/Frana. Coorde-nador do GeRedes (Grupo de Estudos em Redes e Relaes Interorganizacionais UNISINOS/CNPq). Autor de mais de uma dezena de artigos cientficos sobreo tema, publicados em peridicos nacionais e internacionais. Tem interesse nostemas sobre Redes de Cooperao, Estratgias Interorganizacionais, Aprendiza-gem Coletiva e Inovao Colaborativa.

    JORGE VERSCHOORE

    Possui doutorado e mestrado em Administrao e graduao em Economia pelaUniversidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor da Universidade do Valedo Rio dos Sinos UNISINOS, onde ministra a disciplina de Redes de Coopera-o. Membro do European Group for Organizational Studies, autor de livrossobre Redes de Cooperao e de mais de uma dezena de artigos cientficos. Em1999 foi um dos criadores do Programa Redes de Cooperao do Governo doEstado do Rio Grande do Sul, e, no perodo entre 2000 e 2007, coordenou acriao de mais de 200 redes de empresas. Tem interesse nos temas sobre Gestode Redes de Cooperao, Inovao Colaborativa e Inteligncia Coletiva na In-ternet.

    AUTORES

  • Este livro o resultado de um processo de aprendizado coletivo de uma rede decolaboradores com os quais tivemos o privilgio de aprofundar e de complementaras idias e os conceitos aqui desenvolvidos. O resultado a que chegamos noseria possvel sem a inestimvel contribuio de algumas pessoas a quem fazemosquesto de destacar e dizer o quanto somos gratos.

    Ao professor Pierre Fayard, pela oportunidade de nos acolher no seu labora-trio junto a Universidade de Poitiers/Frana e pelas continuadas discusses frut-feras as quais foram fundamentais para o aprofundamento e ampliao do tema.

    Aos professores Lilia Maria Vargas, Junico Antunes, Luis Roque Klering,Alessandro Arbage e Jaime Evaldo Fensterseifer pelos anos de estimada dedica-o na anlise e na crtica das idias desenvolvidas sobre o tema.

    Aos colegas do GeRedes (Grupo de Estudos em Redes e Relaes Interor-ganizacionais da UNISINOS/CNPq) pelo sempre instigante debate e pela oportu-nidade de permanecer complementando os conhecimentos sobre o mundo dasredes.

    Aos consultores do Programa Redes de Cooperao e aos tcnicos da Secre-taria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais do Rio Grande do Sule, em especial, a Tiago Chanan Simon, Carlos Alberto Hundertmarker, DeniseMelo, Elci Lado Aguirre, Gerson Nunes da Silva, Gladis Terezinha Sakamoto,Isabel Regina do Nascimento e Jairo Back, por acreditarem nos resultados daformao das redes de cooperao.

    Aos profissionais da Editora Bookman, pela anlise e relevantes contribui-es sobre a estruturao dos contedos apresentados nesta obra.

    Para todas aquelas pessoas que tiveram uma participao direta ou indiretae, que seria impossvel nome-las, o nosso muito obrigado.

    Por fim, expressamos nossa gratido tambm s instituies que nos auxilia-ram nos esforos de pesquisa e de elaborao desta obra, em especial, UNISINOS, CAPES, UFRGS, ao CNPq e Universidade de Poitiers/Frana.

    AGRADECIMENTOS

  • APRESENTAO

    A REVOLUO GERENCIAL DAS REDES COLABORATIVAS

    A nova economia da sociedade do conhecimento traz na sua essncia a nfasedefinitiva da viso e do know-how estratgicos em nvel global, sobre as capacida-des tticas e em nvel local. A vantagem estratgica no cenrio atual resulta,ento, da habilidade das empresas dominarem os fluxos de informao, teremamplitude de manobra e uma multiplicidade de interaes em um mundo empermanente mudana. Certamente, tal vantagem competitiva dificilmente sersustentada por aquelas empresas que buscam, de forma isolada, controlar o seuestoque de informaes ou desenvolver suas competncias distanciadas das trans-formaes globais.

    Ora, o que a informao seno o resultado da interao entre uma empresae o seu ambiente, conforme se denomina nos conceitos da inteligncia econmica?A obsesso de proteger uma informao adquirida por meio da edificao defortalezas e outras barreiras dispendiosas em termos de tempo e recursos torna-se a maneira mais certa de ser vencido pelos acontecimentos, pelo simples fatodo tempo corroer a informao mais rapidamente do que o perodo necessriopara a edificao obsessiva dessas defesas, definitivamente ilusrias! Tambmsalienta-se, que no somente a informao em tempo real que importa, mas oseu uso com imaginao que faz a diferena numa competio econmica cadavez mais imprevisvel e feroz.

    O tempo do planejamento tranqilo, a partir de uma viso slida, real etotal da realidade, tornou-se uma falsa segurana, igual imaginao de quererparar o curso de um pequeno riacho esforando-se em aprisionar a gua em suamo! Do mesmo modo, pretender o conhecimento completo sobre uma situao,atuando de forma individual, no deixa de ser uma utopia perigosa para umaorganizao. Nesse sentido, a utilidade central das redes proporcionar umaviso panormica no ambiente de negcios, sustentando a capacidade de ao ede reao rpida mediante a possibilidade de alterar a disposio dos membrose complementar suas competncias.

    Primeiramente necessrio ter clareza sobre a natureza efetiva do projetodas organizaes s quais pertencemos ou pelas quais somos responsveis. Parao filsofo Sneca, no existe vento favorvel para o marinheiro que no sabe aondevai! Nesse momento, convm evitar a idia de ganhar o jogo competitivo contando

  • apenas com as prprias foras, sem participar de movimentos conjuntos de outrasredes. Disso surge uma resposta a simples pergunta sobre qual a origem da infor-mao, fonte essencial da melhoria dos conhecimentos e da capacidade de ao:da interao, pelo fato de ser ela que faz a informao viver, enquanto o isolamen-to e a pretenso de auto-suficincia que vai mat-la!

    A informao no um bem raro, est potencialmente em todas as partes,com os clientes, os fornecedores, os concorrentes e tambm ainda que muitasvezes negligenciada no crebro e nas prticas dos funcionrios das organizaes.Separar, compartimentar ou aprisionar a informao na cabea das pessoas ouna empresa, privar, ela mesma, de seus prprios recursos. A vantagem estratgicaem uma sociedade em que o conhecimento faz cada dia mais a diferena exigefoco nos dispositivos criadores de informao, devendo responder a dois critriosque, de acordo com Manuel Castells1 , garantem o valor e o desempenho dasredes: a coerncia, ou seja, a existncia e concordncia em objetivos comuns entreos participantes de uma rede, e a conectividade, que consiste na capacidade dosdiferentes membros da rede comunicar-se de forma rpida e eficaz.

    Alm da sua capacidade de revelar e processar a informao, uma rede uma fonte de conhecimento, pois sem o suporte humano em um processo deinterao, o conhecimento no vai alm de um estoque de informao ou dadosremotos. Ou seja, o conhecimento, freqentemente tcito e desestruturado, noexiste fora do know-how prtico daqueles que vo coloc-lo em ao. Diantedisso, para Ikujiro Nonaka2 , um dos maiores expoentes das teorias sobre criaode conhecimento organizacional, o conhecimento tcito torna-se explcito e visvel,conseqentemente transmissvel, pela socializao coletiva entre indivduos emtorno de um projeto comum, que no algo decretado, mas gerado conjuntamen-te. Tal fato torna obsoletas algumas formas de gesto baseadas no slogan coman-do & controle, em benefcio do slogan estimule & energize3 que manifestadoem certas organizaes japonesas!

    Assim, um dos principais benefcios das redes prover um ambiente deaprendizado coletivo, por meio da interao entre indivduos alm das fronteirasdas empresas. A socializao de conhecimento sobre tcnicas de produo, merca-do, novos produtos, tecnologias e gesto tem causado significativas mudanas,sobretudo, por meio de inovaes de produtos e processos. Estudos tm identifi-cado que as redes funcionam com um espao de efetiva complementaridade deconhecimentos promovendo uma plataforma para o aprendizado colaborativoentre empresas. Outro efeito da rede sobre a capacidade colaborativa de criaode novos conhecimentos diz respeito confiana estabelecida por meio de relacio-namentos repetitivos e duradouros. Em um ambiente de confiana entre empres-

    1 CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. So Paulo: Paz e Terra, 1999.2 NONAKA, Ikujiro; NISHIGUCHI, Toshihiro. Knowledge emergence. New York: Oxford, 2001.3 FAYARD, Pierre. Le rveil du samoura. Culture et stratgie japonaises dans la socit de la connaissance,

    Paris: Dunod, 2006.

    x APRESENTAO

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 11

    rios e gestores, as conversas ficam mais abertas em termos de oportunidades edesafios para o futuro do negcio. Assim, a inteligncia coletiva na anlise docontexto e no processo decisrio tem a capacidade de gerar escolhas mais satis-fatrias em relao ao processo realizado de forma individual.

    A rede potencializa a aptido estratgica das empresas. Envolver as experin-cias e habilidades coletivas gera uma excelente oportunidade de aprendizadosobre os objetivos e as estratgias a serem adotadas e colocadas em prtica. Estu-dos tm demonstrado que o aprendizado coletivo por meio de redes desenvolvea capacidade de anlise estratgica das empresas, partindo de uma viso local,reativa e de curto prazo, para uma viso sistmica, proativa e de longo prazo.Tais evidncias demonstram que, principalmente no caso das pequenas e mdiasempresas, usualmente em desvantagem frente s grandes empresas transacionais,podem ter sua eficcia estratgica fortalecida por meio de aes coletivas e emrede. Tal cenrio exige uma transformao das tradicionais organizaes hierrqui-cas e fechadas para estruturas flexveis e dinmicas. nesse contexto que asredes de cooperao empresariais surgem como umas das principais alternativasgerenciais para lidar com os desafios dessa nova economia. No entanto, por maisque as redes empresariais possam gerar ganhos coletivos, o desafio que se apresen-ta aos indivduos e, em especial, aos gestores de organizaes, como coloc-lasem prtica!

    Diante desse desafio vital para as organizaes contemporneas, o presentelivro tem a enorme vantagem de proporcionar ao leitor o entendimento da origem,da necessidade, dos benefcios e, sobretudo, dos fatores que contribuem para acriao e a gesto de redes. O livro decorre de uma dcada de pesquisas e experin-cias prticas conduzidas por Alsones Balestrin (a quem tive a honra de co-orientarem sua tese de doutorado franco-brasileira) e Jorge Verschoore (um dos respons-veis pela criao de centenas de redes empresariais no Sul do Brasil) para nosomente contribuir na compreenso do complexo fenmeno das redes colabora-tivas, mas tambm oferecer perspectivas muito concretas de como coloc-las emprtica. Os autores estiverem envolvidos em uma srie de pesquisas no contextonacional e internacional (Brasil, Frana e Japo4 ) para estudar as redes empresa-riais. Tambm estiveram engajados diretamente com a criao de mais de 200redes de cooperao no Estado do Rio Grande do Sul e na realizao de congres-sos em nvel regional e nacional sobre o tema. Nessa obra os leitores poderoaprofundar o tema de redes empresariais, de maneira lgica e seqencial, emuma abordagem de construo cumulativa do conhecimento, sendo que na parteinicial so desenvolvidos os conceitos, na parte intermediria os ganhos coletivose na parte final so apresentados os aspectos de formao e gesto das redes. Olivro tambm traz dezenas de casos nacionais e internacionais de redes e de em-presas como, por exemplo, a Toyota, a Zara, a Procter & Gamble e a Rede IGA,

    4 Por meio de minha pesquisa sobre a abordagem japonesa de gesto do conhecimento.

    REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL xi

  • lderes em seus segmentos e que utilizam estratgias colaborativas como base domodelo de negcio.

    Para mim um prazer, mas, sobretudo, uma honra de fazer a apresentaode um livro de pesquisadores sinceros e honestos, que no temeram a entrega aum exaustivo trabalho, animados por um autntico desejo de desenvolver conhe-cimentos de gesto ao servio das organizaes brasileiras. O leitor no perdero seu tempo, mas, certamente, ganhar ao dispor de uma viso aprofundadadessa verdadeira revoluo gerencial, formada pela realidade e pela expansodas redes de cooperao em nvel das pequenas, das mdias e das grandes empre-sas. A todos desejo uma boa leitura e sobretudo os melhores estmulos paraconcretizar essas novas transformaes junto s organizaes contemporneas!

    Pierre FayardProfessor da Universidade de Poitiers-Frana. Diretor do Centro

    Franco-Brasileiro de Documentao Tcnica e Cientfica.

    Autor, entre outros livros, de Compreender e aplicar Sun Tzu.

    O pensamento estratgico chins (Bookman, Porto Alegre, 2006)

    e de Le rveil du samoura. Culture et stratgie japonaises dans

    la socit de la connaissance (Dunod, Paris, 2006).

    xii APRESENTAO

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 13

    Introduo 23

    Parte I CONCEITOS

    1 A ORGANIZAO E AS TRANSFORMAES ECONMICAS RECENTESAs transformaes econmicas do sculo XX 29O surgimento do capitalismo gerencial 30A nova competio 32

    2 A COOPERAO ENTRE ORGANIZAESA cooperao entre organizaes 39A Teoria dos Jogos 41O Dilema dos Prisioneiros 43Olho por olho, dente por dente 47

    3 ESTRATGIAS COLETIVASCompetio e cooperao 51A Perspectiva da Estrutura da Indstria 52A Viso Baseada em Recursos 53A Perspectiva dos Custos de Transao 55Estratgias coletivas: a perspectiva emergente 56

    4 EXPERINCIAS INTERNACIONAIS DE COOPERAODesenvolvimento econmico baseado na cooperao 63A experincia italiana 64A experincia norte-americana 66A experincia japonesa 68Possibilidades e desafios de replicao dessas experincias 70

    SUMRIO

  • 5 REDES DE COOPERAOA emergncia do fenmeno das redes 75O conceito de rede de cooperao empresarial 77O campo de estudo sobre redes de cooperao empresarial 79Tipologias de redes de cooperao 83

    6 PRINCIPAIS CONFIGURAES DE REDES DE COOPERAO EMPRESARIALRedes de fornecimento 91Consrcios 96Redes associativas 97

    7 REDE COMO UMA NOVA ORGANIZAOA rede como um novo modelo organizacional 103As redes de cooperao entre pequenas, mdias e grandes empresas 105A promoo das redes de cooperao no contexto mundial 108

    Parte II GANHOS COMPETITIVOS

    8 GANHOS COMPETITIVOS DAS REDES DE COOPERAOMaior escala e poder de mercado 120Gerao de solues coletivas 122Reduo de custos e riscos 123Acmulo de capital social 124

    9 CONHECIMENTO E APRENDIZAGEM COLETIVAConhecimento organizacional 130Criao de conhecimento organizacional 130As redes de cooperao como um contexto de aprendizagem coletiva 132

    10 INOVAO COLABORATIVAA inovao no contexto das organizaes 137A evoluo do processo de inovao 139A inovao no contexto das redes 141A inovao aberta: uma radicalizao na concepo de P&D 143

    14 SUMRIO

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 15

    Parte III GESTO DE REDES DE COOPERAO

    11 ESTABELECENDO REDES DE COOPERAOObjetivos comuns 152Interao 156

    12 ENTENDENDO A GESTO DAS REDES DE COOPERAOA relevncia da gesto de redes 163Modelos de gesto de redes de cooperao 164Gesto da empresa tradicional versus gesto das redes de cooperao 168

    13 INSTRUMENTOS PARA A GESTO DAS REDES DE COOPERAOInstrumentos contratuais 173Instrumentos estratgicos 175Instrumentos de tomada de deciso 178Instrumentos de integrao 180

    Parte IV CONSIDERAES FINAIS

    14 GUISA DE CONCLUSO: OITO TEMASPARA O FUTURO DAS REDES DE COOPERAOTema 1: Empresas pequenas comportam-se como grandes 191Tema 2: Empresas grandes comportam-se como pequenas 191Tema 3: Estratgia coletiva com autonomia individual 192Tema 4: Atuao internacional com estrutura local 192Tema 5: Ganhos econmicos aliados a ganhos sociais 193Tema 6: Ganhos de escala com diversificao 193Tema 7: Cooperao em uma perspectiva competitiva 194Tema 8: Colaborao em massa 195

    REFERNCIAS 197

    NDICE 211

  • Box 1.1 Zaramania 36

    Box 2.1 Po de Acar se aproxima de seus fornecedores 42

    Box 3.1 Ascenso e queda da parceria entre a Disney e a Pixar 60

    Box 4.1 A Tecnpole do Futuroscope 72

    Box 5.1 Campo de estudos sobre redes de cooperao no Brasil 84

    Box 5.2 A Toyota e suas redes de fornecimento 88

    Box 6.1 Benetton: a rede que possibilita a ousadia 94

    Box 7.1 As operaes globais da rede IGA 106

    Box 7.2 O Programa Redes de Cooperao 110

    Box 8.1 Os ganhos competitivos das redes de cooperao no RS 127

    Box 9.1 Aprendizagem coletiva na rede AGIVEST 136

    Box 10.1 Open Innovation na Procter & Gamble 146

    Box 11.1 Objetivos comuns nas redes paulistas 154

    Box 12.1 Rede Smart 166

    Box 12.2 A evoluo da Rede ncora de Autopeas 168

    Box 13.1 Gesto profissional gerando resultados nas redes 183

    CASOS PARA ESTUDO

  • 2.1 Possveis resultados do Dilema dos Prisioneiros 44

    2.2 Deciso estratgica dominante no Dilema dos Prisioneiros 45

    2.3 Equilbrio de Nash no Dilema dos Prisioneiros 46

    4.1 Experincias internacionais de cooperao 71

    5.1 Formas de coordenao das atividades econmicas 80

    5.2 Principais abordagens nos estudos sobre redes de cooperao 82

    6.1 Caractersticas das trs configuraes de redes 100

    7.1 Polticas internacionais de fomento s redes de cooperao 114

    8.1 Ganhos competitivos das redes de cooperao 120

    9.1 Abordagens normativa e interpretativa do conhecimento 131

    9.2 Espaos de interao na dinmica de aprendizagem coletiva 135

    10.1 Princpios da inovao fechada e da inovao aberta 145

    11.1 Objetivos comuns da formao das redes 156

    11.2 Atributos de interao de uma rede 161

    12.1 Gesto da empresa individual versus gesto das redes de cooperao 172

    13.1 Instrumentos contratuais 175

    13.2 Instrumentos estratgicos 177

    13.3 Instrumentos de tomada de deciso 179

    13.4 Instrumentos de integrao 182

    LISTA DE QUADROS

  • 3.1 Matriz CPC 59

    5.1 Mapa conceitual das redes de cooperao 86

    6.1 Estrutura das redes de fornecimento 93

    6.2 Estrutura dos consrcios 96

    6.3 Estrutura das redes associativas 98

    7.1 Percepo de empresrios quanto aos resultados da cooperao em rede 112

    9.1 Espiral de criao do conhecimento 133

    10.1 Tipologias de inovao 138

    10.2 Evoluo do processo de inovao 140

    11.1 Condies para o estabelecimento de redes de cooperao 152

    11.2 Estrutura relacional em uma rede 159

    11.3 Objetivos, interao e ganhos competitivos 160

    12.1 Gesto a partir da auto-organizao 164

    12.2 Gesto a partir de uma empresa lder 165

    12.3 Gesto a partir de uma entidade administrativa autnoma 167

    13.1 Elementos para o estabelecimento das redes 185

    LISTA DE FIGURAS

  • H uma histria antiga sobre uma pequena cidade que era dividida ao meio porum rio. Seus moradores, cansados de contornar o rio cada vez que precisavam sedeslocar at a outra parte da cidade, pensaram na possibilidade de construiruma ponte. Certa noite, no intuito de justificar perante o poder pblico a realiza-o da obra, reuniram-se na prefeitura para discutir os benefcios que proporcio-naria. Os moradores das proximidades defendiam a idia de que a ponte seriauma tima soluo para encurtar a distncia entre as margens toda vez que preci-sassem cruzar o rio. Os comerciantes, preocupados apenas com seus lucros, argu-mentavam que a obra ajudaria a ampliar sua clientela e, em decorrncia, os ne-gcios. Os religiosos destacavam que a construo motivaria os fiis a freqentara Igreja regularmente, j que muitos deles moravam do outro lado do rio. Osbombeiros, j organizados na poca, tinham plena convico de que a pontefacilitaria seu acesso aos acidentes e incndios, acelerando os salvamentos.

    Todos os interessados, durante aquela noite, debateram e defenderam seusargumentos para a construo da ponte. No entanto, cada grupo acreditava queo seu ponto de vista sobre os benefcios da obra era o mais importante. Centradosnos prprios interesses, no percebiam que o benefcio priorizado por um grupoem nada afetaria o dos demais; no entendiam que o projeto coletivo (construira ponte) no exclua o ganho individual dos participantes. Assim, por mais ilgicoque possa parecer, ao final daquela noite, relata a histria, os moradores noconseguiram chegar a um consenso, e a ponte acabou no sendo construda!

    A histria da construo da ponte uma ironia das posies que as pessoasassumem em diversas situaes da vida cotidiana, inclusive na vida organizacional.Mesmo estando todos os envolvidos cientes dos benefcios que uma ao coletivapossa trazer, torn-la realidade no tarefa fcil. As experincias do dia-a-diacomprovam que a implementao de projetos conjuntos, por mais benficos quesejam, no ocorre sem um adequado processo de coordenao.

    Inspirado em situaes reais de projetos colaborativos, o presente livro abor-da o modo como a cooperao pode melhorar a vida das pessoas em geral epromover o desenvolvimento das organizaes em particular. Como na histriaque ilustra esta introduo, as aes conjuntas devem contemplar os interessescomuns das partes envolvidas. Para tanto, exigem que os participantes mantenhamalguma forma de interao, ainda que por encontros informais, como aqueleocorrido entre os moradores da pequena cidade, ou mesmo distncia, mediante

    INTRODUO

  • as modernas tecnologias de informao e comunicao. No entanto, por maisque essa cooperao possa gerar ganhos coletivos, o desafio que se apresentaaos indivduos e, em especial, aos gestores de organizaes saber como torn-la realidade.

    Tendo em vista que aes conjuntas podem ser realizadas entre indivduos,grupos e organizaes, a presente obra tem por objetivo proporcionar ao leitor oentendimento da origem, da necessidade e dos benefcios da cooperao empresa-rial. Por se tratar de um livro dirigido rea de gesto, o conceito de cooperaono ser tomado como um comportamento altrusta dos indivduos, mas comouma estratgia que os gestores podero utilizar diante dos desafios de competi-tividade das organizaes contemporneas.

    A cooperao entre as organizaes tem sido implementada, desde muitotempo, a partir de diferentes espaos, modos e configuraes. Mais recentemente,a expanso tecnolgica global ampliou a capacidade conectiva das organizaese as possibilidades de aes conjuntas. O surgimento e a evoluo das redesentre empresas uma das conseqncias desse novo contexto de negcios global-mente interligados. Unindo-se os conceitos de cooperao e de rede, tem-se aidia de rede de cooperao, entendida aqui como uma nova configurao orga-nizacional. A organizao na forma de rede de cooperao rene empreendimen-tos com objetivos comuns, densamente inter-relacionados, estando estruturadapara desenvolver e manter ganhos coletivos, sem que cada participante venha aperder sua autonomia de gesto.

    As redes de cooperao conseguem aliar flexibilidade e agilidade a escala epoder de mercado. por tal motivo que as complexas exigncias competitivas,como, por exemplo, o aprendizado contnuo e a inovao, apontam esse modeloorganizacional como um caminho eficaz para a evoluo das empresas. No obs-tante, por suas caractersticas peculiares de ambivalncia combinando competi-o com colaborao, ganhos de escala com ganhos de especializao e, sobretudo,coordenao com flexibilidade , as redes de cooperao vm a ser uma estruturaeficaz para os desafios competitivos do sculo XXI.

    Paralelamente, o tema redes de cooperao vem adquirindo relevncia tantona rea acadmica quanto empresarial. Livros de negcios com elevada vendagemque mostram as transformaes socioeconmicas dos ltimos anos tm abordadoa ascenso das redes. Da mesma forma, o crescimento de publicaes cientficassobre o tema, divulgadas em congressos e revistas nacionais e internacionais,denota a preocupao acadmica com o fenmeno em diversos campos do conhe-cimento.

    A presente obra busca trazer elementos que ajudem o leitor a compreenderos conceitos, os ganhos competitivos e, sobretudo, os fatores que contribuempara a criao e gesto das redes de cooperao. Ela fruto de uma dcada deatuao profissional, pesquisas e debates conduzidos pelos autores a fim de com-preender esse complexo fenmeno das redes de cooperao.

    Nos ltimos anos, um vasto mas desconexo material sobre elas foi produzidopor diversas reas das cincias sociais. Mesmo que esse fato certamente enriquea

    24 INTRODUO

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 25

    o manancial de conhecimento sobre as redes, ele tambm confunde o entendimen-to dos interessados e dos pesquisadores menos experimentados no assunto. Osesforos contidos nesta obra tiveram, pois, o intuito de facilitar a organizao doconhecimento sobre as redes de cooperao, especialmente no campo de estudosdas teorias organizacionais.

    Para a consecuo desse objetivo, estruturamos o livro em quatro partes,seguindo uma apresentao lgica da evoluo dos temas da cooperao e dasredes no contexto organizacional.

    Na primeira parte, o objetivo apresentar ao leitor os principais conceitosrelativos ao tema redes de cooperao. O Captulo 1 inicia-se com uma abordagemhistrica das organizaes, apresentando as principais transformaes econmicasdo sculo XX, entre elas o surgimento do capitalismo gerencial, o aparecimentoda nova competio e a crescente interdependncia das organizaes. Parafazer frente a essas transformaes, a cooperao entre organizaes (Captulo2) surge como um modelo econmico eficaz, responsvel por gerar ganhos decompetitividade e implementado por meio de estratgias coletivas (Captulo 3).J no Captulo 4, busca-se evidenciar algumas experincias internacionais de coo-perao, como aquelas encontradas na Itlia, no Japo e nos Estados Unidos.No Captulo 5, so apresentados os principais conceitos que envolvem o temaredes de cooperao, com destaque para o interesse acadmico que elas despertame suas principais tipologias. No Captulo 6, so aprofundadas trs configuraesde redes de cooperao: as redes de fornecimento, os consrcios e as redes asso-ciativas. Para finalizar a Parte I, apresentada, no Captulo 7, uma das idiascentrais desta obra: a rede como uma nova forma organizacional.

    A Parte II est estruturada em trs captulos sobre os ganhos competitivosque as redes de cooperao proporcionam s empresas associadas. O Captulo 8destaca de que forma as estratgias coletivas implementadas mediante redes decooperao podero gerar maior escala e poder de mercado, acesso a soluescoletivas, reduo de custos e riscos, bem como gerao e acmulo de capitalsocial entre as empresas. No Captulo 9 discutimos mais detidamente os ganhosda aprendizagem coletiva, destacando como uma rede pode promover um contex-to favorvel socializao e complementaridade de conhecimentos estratgicospara as empresas. J o Captulo 10 enfatiza o papel das redes de cooperaopara o desenvolvimento da inovao, salientando o papel das redes colaborativasno novo modelo de inovao aberta.

    A Parte III abrange as contribuies deste livro para a gesto das redes decooperao. Pelo fato de que pouco ainda se tem produzido sobre os aspectos degesto de redes, ressalta-se que as idias apresentadas nessa parte podero contri-buir para uma maior eficcia na implementao de estratgias coletivas em rede.Desse modo, no Captulo 11 busca-se apresentar as principais dimenses a serconsideradas na constituio de uma rede de cooperao, entre as quais a existn-cia de objetivos comuns e a necessidade de um efetivo processo de comunicaoe interao entre as empresas associadas. No Captulo 12, o propsito apresentaros principais elementos de gesto observados nas redes de sucesso. J o Captulo

  • 13 fornece instrumentos que o gestor poder adotar para conduzir a rede rumo consecuo de objetivos comuns. Entre os principais mecanismos de gestoapresentados, destacam-se os instrumentos contratuais e estratgicos, associadosaos instrumentos de tomada de deciso e integrao.

    Por fim, a Parte IV dedicada a algumas consideraes finais. Alm deapresentar uma sntese conclusiva das principais idias at ento expostas, elabusca ampliar o horizonte do campo de estudos das redes de cooperao, trazendoao leitor alguns temas instigantes, que podero estimular novos debates sobre oassunto. Salienta-se, tambm, que no decorrer do livro sero apresentados casosreais de cooperao e de redes, elaborados a partir da experincia dos autores ede publicaes especializadas, com o objetivo de fortalecer o aprendizado e facili-tar a compreenso dos conceitos e teorias.

    Dito isso, os leitores esto convidados a mergulhar nesse inspirador campode estudos sobre redes de cooperao.

    26 INTRODUO

  • PARTE I

    CONCEITOS

    A primeira parte deste livro tem como objetivo levar o leitor compreenso das origens edos fundamentos do fenmeno das redes de cooperao, buscando responder aos seguintesquestionamentos:

    1 Que transformaes econmicas recentes criaram limitaes ao modelo da grande organizao hierrquica?

    2 Quais so as caractersticas da nova competio?3 Como a cooperao poder ser utilizada de maneira estratgica?4 Como a Teoria dos Jogos explica a cooperao entre organizaes?5 Quais so as limitaes da estratgia de atuao individual perante

    os novos desafios do cenrio de negcios?

    6 O que so estratgias coletivas e como podem contribuir para oaumento da competitividade?

    7 Como a cooperao auxiliou o desenvolvimento de regies?8 Quais so as principais caractersticas das experincias internacionais

    de cooperao entre empresas?

    9 Qual a origem das redes de cooperao?10 Quais so as tipologias de redes de cooperao existentes?11 Quais so as semelhanas e diferenas entre as redes de fornecimento,

    os consrcios e as redes associativas?

    12 Podem as redes de cooperao ser consideradas uma novaforma organizacional?

    13 Como as redes de cooperao esto sendo promovidas no contextonacional e mundial?

  • AS TRANSFORMAES ECONMICAS DO SCULO XX

    As recentes publicaes que se destacam nas listas de livros mais vendidos narea de negcios reiteram a importncia das transformaes econmicas ocorridasnas ltimas dcadas com o surgimento de um novo padro competitivo global.Notadamente, tais modificaes, verificadas desde o final do sculo XX, exercemat hoje forte influncia nas readequaes estruturais das pequenas, mdias egrandes empresas.

    Contudo, essa necessidade de readequao no um fenmeno exclusivodas ltimas dcadas. O perodo compreendido entre 1850 e 1920, principalmentena Amrica do Norte, foi marcado por um conjunto de transformaes socioeco-nmicas que favoreceram o surgimento da grande empresa industrial do sculoXX. A expanso territorial e o crescimento dos mercados nos Estados Unidos, autilizao de novas fontes de energia com o advento da eletricidade e a introduodo motor de exploso foram determinantes para o surgimento de novas formasde organizao. Aliados a isso, as guerras e os esforos nacionais precipitaramainda mais as mudanas.

    Paralelamente, a construo e operao de ferrovias durante a expansoterritorial norte-americana serviram de impulso para a ascenso de modernasformas administrativas, por trs razes. Em primeiro lugar, as estradas de ferroampliaram o volume e a velocidade do fluxo de transporte de matria-primapara as fbricas e delas para o consumidor final. As ferrovias foram tambmresponsveis pelo desenvolvimento do sistema de comunicao por telgrafo,visto que seus administradores necessitavam acompanhar o fluxo de bens emtoda a sua extenso. Por fim, couberam a seus executivos a criao e implemen-tao dos sistemas de gesto, posteriormente indispensveis produo em massa(Best, 1990).

    11111A ORGANIZAO E AS

    TRANSFORMAESECONMICAS

    RECENTES

  • 30 parte I CONCEITOS

    Entre a segunda metade do sculo XIX e as duas primeiras dcadas dosculo XX, o conjunto de fenmenos socioeconmicos que se desenrolaram tor-nou possveis as modificaes estruturais que romperam com a administraotradicional at ento adotada. As organizaes de grande porte tomaram o lugarda pequena empresa em todos os setores nos quais a ampliao da escala e acoordenao administrativa possibilitavam redues de custos, maior produtivida-de e a conseqente elevao dos lucros. A internalizao das atividades em em-preendimentos de grande porte gerava vantagens como a rotinizao das tarefas,o controle da produo e a intensificao do grau de especializao do trabalho,determinando, assim, sensveis redues de custos e acrscimos de produtividade.

    O SURGIMENTO DO CAPITALISMO GERENCIAL

    Uma vez percebidas as diversas vantagens de internalizar as atividades produtivasem uma nica estrutura empresarial, desenvolveu-se na economia norte-america-na um intenso processo de integrao de empresas mediante fuses e aquisies.Essa contnua integrao dos negcios envolveu tambm a criao de instrumentosgerenciais capazes de planejar, coordenar e monitorar as atividades ao longo doprocesso produtivo. As caractersticas essenciais desse processo eram a centraliza-o do controle decisrio, resultante da necessidade de coordenar as mltiplasatividades, a especializao das principais funes e a diviso da estrutura pordepartamentos. Os organismos que nasciam e cresciam pela juno de empresassob o controle acionrio de uma s companhia em pouco tempo se transformaramem gigantes organizaes centralizadas (Chandler, 1998). Assim, a nova configu-rao organizacional, iniciada com as empresas de transporte ferrovirio, culmi-nou com a consolidao de dois fenmenos fundamentais.

    O primeiro deles ocorreu com a ascenso do fordismo como principal modeloindustrial, caracterizado pela organizao da produo em massa, cuja aplicaode linhas de produo em srie garantia eficincia na fabricao de grandes quanti-dades de produtos. Em outras palavras, a lgica da produo em massa era atingireconomias de escala1 pela organizao da produo em fluxos contnuos (Best,1990). O segundo fenmeno se deu com a evoluo do chamado capitalismogerencial, caracterizado pela ascenso da administrao profissionalizada, na qualgerentes especialistas substituram a gesto familiar.

    O sculo XX marcado, portanto, pela organizao industrial fordista epela hierarquia predominante do capitalismo gerencial. Em outras palavras, pode-se dizer que o desenvolvimento das economias capitalistas no desenrolar do sculopassado foi moldado por um sistema microorganizacional denominado fordismo

    1 Economia de escala. Reduo do custo unitrio com a produo ou compra em grande quantidade, gerando a

    distribuio de custos unitrios em um nmero maior de unidades.

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 31

    e por um sistema macroorganizacional conhecido como capitalismo gerencial(Dunning, 1998). O pice econmico desses fenmenos ocorreu nas trs primeirasdcadas do referido sculo, quando setores industriais importantes, como o side-rrgico e o automobilstico, atingiram enorme expanso, corroborando a hiptesede Alfred Chandler de que as grandes estruturas organizacionais seriam maiseficientes.

    medida que as grandes empresas cresciam com a contnua internalizaodas atividades, sua administrao tornava-se mais difcil e os custos burocrticosda hierarquia resultavam mais vultosos. A complexidade das decises internas,aliada a uma coordenao centralizada e sobrecarregada, acabou reduzindo aeficcia dos instrumentos de gesto desenvolvidos. Os elevados custos da burocra-cia e a inflexibilidade da estrutura estavam, pois, inviabilizando o modelo dagrande empresa hierrquica.

    Conseqentemente, novos instrumentos gerencias se fizeram necessriospara que a grande empresa moderna seguisse seus desgnios transformadores.Esses novos instrumentos surgiram no perodo do entreguerras, primeiro porintermdio de empresas como a General Motors e a Du Pont e, depois, pelaUnited States Rubber, pela General Electric e pela Standard Oil. Essas organiza-es haviam passado por um amplo processo de internalizao e diversificaonas primeiras dcadas do sculo XX e necessitavam urgentemente de uma novaforma de administrao. A soluo encontrada foi organizar suas diversas unida-des em divises mltiplas semi-independentes, dando origem chamada estruturamultidivisional. Conforme Chandler (1977), essa estrutura veio ao encontro dasnecessidades administrativas das grandes empresas em suas novas estratgias.

    A forma de estrutura multidivisional agrupava o conjunto de atividades daorganizao em divises distintas com independncia de atuao nos mercadosou nas linhas de determinados produtos. A subordinao de cada uma delas aum centro gestor especfico as tornava semi-independentes da coordenao-central. A estrutura desenhada por Du Pont e Sloan, tambm conhecida por M-form, envolveu a criao de divises operacionais semi-autnomas, nas quais osassuntos operacionais eram gerenciados separadamente (Williamson, 1997). Acoordenao central era responsvel pelo delineamento da estratgia geral dacorporao, delegando s divises a tomada de decises operacionais e a respon-sabilidade pelos resultados.

    O desenvolvimento da estrutura multidivisional permitiu a descentralizaoda tomada de decises, ampliando a eficincia administrativa e reduzindo oscustos burocrticos da hierarquia. Era, portanto, a inovao gerencial necessriapara que a grande empresa continuasse o processo de crescimento, integrando ediversificando suas atividades inclusive no mbito internacional. Nas dcadasseguintes, a expanso das empresas multinacionais decorreu em grande partedos mecanismos de gesto introduzidos pela M-form (Dunning, 1997).

    Grande parte do sculo XX , pois, caracterizada pelo que Chandler denomi-nou de capitalismo gerencial e que, por suas estruturas organizacionais, acabousendo conhecido tambm como capitalismo hierrquico. At suas ltimas dcadas,

  • 32 parte I CONCEITOS

    predominou a chamada competio tradicional, na qual a larga distncia entreos saltos tecnolgicos e a baixa velocidade das transformaes dos mercadoscausavam pouco impacto nas organizaes. O distanciamento entre as rupturastecnolgicas era longo o suficiente para que o ambiente parecesse relativamenteestvel (DAveni, 1995). Assim, as organizaes hierarquizadas tomaram a diantei-ra na corrida pelos clientes. Suas vantagens eram inquestionveis: possuam maiorcapacidade de inovao, os ganhos advindos das economias de escala possibilita-vam lucros maiores, a produo em massa garantia o atendimento da crescentedemanda e o advento da forma multidivisional habilitava a expanso internacionalsem os problemas da administrao centralizada. Com todas essas vantagens,mais o poder de mercado e o poder poltico, a necessidade de adequao aosnovos tempos deveria ser mnima (Perrow, 1992).

    Contudo, no foi o que ocorreu. Os derradeiros decnios do sculo XXtrouxeram transformaes socioeconmicas que foraram profundas reestrutura-es organizacionais nas grandes empresas. O contnuo declnio de suas principaisvantagens e a ascenso de novas formas organizacionais, mais adequadas s neces-sidades da nova era, puseram em xeque as prticas administrativas que se cen-travam na competitividade baseada em vantagens estveis por longos perodos,nas economias de escala das megaestruturas, no consumo massificado e na inter-nalizao hierrquica dos processos de produo e gesto. Entre o final dos anos1970 e incio dos 1980, o sistema produtivo passou por um processo de desinter-nalizao de atividades jamais visto. Como resultado, as empresas assistiram aoestabelecimento de novas relaes econmicas e comerciais, consolidando o queveio a ser conhecido como a nova competio.

    A NOVA COMPETIO

    Estabilidade, constncia, conservao e equilbrio constituram-se nos pilares fun-damentais do capitalismo gerencial que prevaleceu na maior parte do sculopassado. A grande empresa consolidou sua posio tendo como base a capacidadede impor-se e sustentar suas vantagens por longos perodos de tempo. Perenidadeera o esprito guia dos grandes negcios at o final do sculo XX. No somentea hierarquia interna, mas tambm o processo produtivo era desenhado com aidia de estabilidade em mente (Best, 1990).

    Todavia, as modificaes socioeconmicas ocorridas desde os anos 1970 e1980 e, com maior intensidade, a partir de 1990 , corroboradas pelo persistentedeclnio de regies fortemente industrializadas e pela rpida ascenso de outrascom perfil inovador (Storper, 1997), foraram a reviso dos conceitos referentesao predomnio do capitalismo gerencial. Uma nova forma de capitalismo emergiu,tendo como alicerce a expanso global dos mercados, a extrema velocidade dosavanos tecnolgicos e a maior facilidade das trocas informacionais. As organiza-es sofreram diversas conseqncias. Primeiro, a competio foi acirrada pela

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 33

    entrada de novos concorrentes dentro dos mercados nacionais outrora protegidos;segundo, as inovaes passaram a ocorrer de forma rpida e contnua; terceiro,as vantagens estveis passaram a erodir com maior facilidade; e, quarto, o modode competio tradicional foi substitudo pela coexistncia de mltiplos modeloscompetitivos em mercados segmentados.

    As linhas gerais do ambiente organizacional nessa virada do sculo so bemdiferentes daquelas encontradas no capitalismo gerencial: as empresas agora en-frentam mais incertezas (Dunning, 1997). Ao contrrio do paradigma anterior, ocapitalismo atual notabiliza-se pela instabilidade, alternncia, velocidade e risco,tornando temporrias as vantagens organizacionais obtidas. Por isso, alguns oconsideram um ambiente hipercompetitivo, caracterizado por movimentos rpi-dos, no qual as organizaes tm de se movimentar com agilidade para gerar van-tagens sucessivas que as mantenham frente dos concorrentes (DAveni, 1995).

    Todas essas transformaes acarretaram dificuldades para as empresas dota-das de grandes e rgidas estruturas hierrquicas. Quando as vantagens de econo-mias de escala desapareceram, essas organizaes se viram diante de uma estrutu-ra arcaica, cujas competncias centrais eram inteiramente ignoradas, tendo delidar com um nmero enorme de atividades sobrepostas que geravam baixa lu-cratividade e com um quadro de burocratas especialmente treinados para evitarque algo pudesse ser modificado (Jarillo, 1993). Alm disso, a organizao delarga escala enfrentava ainda problemas de inrcia estrutural, averso ao risco ediminuio da satisfao e do comprometimento dos empregados. Em conseqn-cia, nas ltimas dcadas as empresas passaram a maior parte do tempo procurandorespostas e meios de se adaptar aos novos desafios.

    O novo desenho organizacional foi traado em diferentes contornos. Entreas vrias iniciativas de gesto tomadas, buscou-se dissolver a burocracia interna.Procurou-se tambm redimensionar o tamanho das unidades, diminuir o nmerode empregados ligados diretamente empresa e reduzir os riscos de investimentopromovendo uma maior aproximao com os fornecedores e distribuidores, den-tro da estratgia conhecida como crescer tornando-se pequeno (Powell, 1987). Damesma maneira, verificou-se um nmero abundante de propostas no sentido dereorganizar a empresa tradicional, o que gerou uma maior flexibilidade produtiva,aliada ampliao do controle de qualidade e elevao da capacidade de adapta-o e inovao. A produo enxuta tornou-se a ordem do dia, e o mundo empre-sarial ingressou em uma nova era. Conforme observa Castells (1999), no estamostestemunhando o fim das poderosas empresas de grande porte, mas estamos,sem dvida, observando a crise do modelo corporativo tradicional baseado naintegrao vertical e no gerenciamento funcional hierrquico.

    O paradigma ascendente nas ltimas trs dcadas do sculo XX promoveu,desse modo, o debate sobre o ps-fordismo e, principalmente, sobre a especializa-o flexvel. Essa ltima consiste em uma estratgia de produo assentada naevoluo das antigas formas artesanais, segundo a qual a existncia de um grandenmero de pequenas unidades produtivas garante o atendimento especializadodas necessidades de segmentao de mercado e o preenchimento cada vez mais

  • 34 parte I CONCEITOS

    customizado da demanda. A especializao flexvel baseada em equipamentosmultiuso, em trabalhadores capacitados e na criao de uma comunidade indus-trial que restringe as formas de competio quelas que favorecem a inovao(Piore e Sabel, 1984).

    Esse conjunto de modificaes abalou os fundamentos do capitalismo gerenciale das estruturas hierrquicas e burocrticas. Um novo padro competitivo despon-tou ao final do sculo XX, marcado, entre outros aspectos, pela flexibilidade produ-tiva, pela adaptabilidade das fronteiras organizacionais e pela busca constante deinovaes, culminando no paradigma denominado nova competio (Best, 1990).

    A nova competio baseia-se em empreendimentos que buscam estratgiasde aprimoramento contnuo de produtos e processos. Para tanto, a exigncia deparcerias com fornecedores, clientes e concorrentes (Doz e Hamel, 1998) tornouos limites organizacionais maleveis e imprecisos. Evidenciou-se a incapacidadedas grandes estruturas em agregar internamente as competncias necessriaspara atender ao consumidor mais exigente. As relaes com outras empresaspassaram a ser vistas no apenas como transaes de mercado, mas tambmcomo formas de aprendizado, oportunidades tecnolgicas e possibilidade de obterativos complementares (Dosi et al., 1992). Conseqentemente, a administraodas relaes entre organizaes transformou-se no fator-chave da nova economia.

    A percepo de quebra das fronteiras empresariais compartilhada desde adcada de 1970 (Schermerhorn, 1975); Bettis e Hitt (1995), por exemplo, argu-mentam que os limites entre as empresas tornaram-se ambguos, viabilizando apropagao de desenhos colaborativos. As organizaes no perderam sua iden-tidade legal, mas abriram as portas para constantes aprimoramentos externos. Sepor um lado elas ainda procuram manter uma cultura e estrutura gerenciais prprias,por outro reduziram sua autonomia ao fortalecer os laos com outras organizaese compartilhar as decises estratgicas e operacionais (Kanter, 1997).

    por tais motivos que as empresas ainda hoje seguem promovendo constan-tes adaptaes internas a fim de possibilitar, no longo prazo, a manuteno dasmais diversas formas de parcerias. As organizaes passaram a enfrentar o quealguns autores denominaram desafio da co-opetio (Nalebuff e Brandenburger,1989). A cooperao se desenvolve quando fornecedores, companhias e compra-dores unem-se para elevar o valor gerado na cadeia produtiva. A competio,por sua vez, ocorre no momento de dividir o bolo. Isto , as empresas definemestratgias competitivas e colaborativas simultaneamente, visto que o locus dascompetncias distintivas no est mais na empresa de forma isolada, mas emtoda a sua rede de relacionamentos (Prahalad e Ramaswamy, 2004). Essa dico-tomia competio-cooperao marca a configurao das relaes econmicascapitalistas contemporneas, sendo, por isso, denominada por alguns autorescapitalismo de alianas (Gerlach, 1992a).

    Condicionados por essa realidade, dois fenmenos acabaram se destacandono cenrio organizacional. O primeiro se deu com a ascenso do capitalismo dealianas, que disseminou a idia da cooperao entre as organizaes e estimuloua gerao de arranjos colaborativos diversificados. Tais arranjos se concretizam,

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 35

    por exemplo, por meio das redes cidads (Sanrom, 1999), das iniciativas decolaborao entre governo e sociedade civil em polticas pblicas de extensorural e empresarial, como verificado no nordeste brasileiro (Tendler, 1998), oumesmo pela formao de grupos colaborativos voltados para a soluo de proble-mas urbanos e o desenvolvimento de comunidades (Ferguson, 1999).

    O segundo fenmeno ocorreu com a emergncia do ps-fordismo, que levou formao de sistemas integrados e flexveis de produo, distribuio e desenvol-vimento tecnolgico. O ps-fordismo promoveu o renascimento das pequenasempresas, especializadas e flexveis, que, atuando integradas em processos cola-borativos, conseguiram superar suas dificuldades estruturais e estabelecer-se comoimportantes agentes no contexto da nova competio.

    As grandes empresas, por sua vez, movimentam-se em busca da flexibilidadee, principalmente, da velocidade entre as unidades. As que j conseguiram trans-formar sua hierarquia interna num arranjo colaborativo em rede vm colhendoos frutos da mudana. Exemplo de como grandes organizaes esto operandonesse novo paradigma competitivo quem d a empresa espanhola Zara, destaca-da no Box 1.1.

    Como pudemos observar neste captulo, a cooperao tem atrado cada vezmais ateno. Os meios pelos quais ela surge e evolui, alm dos diversos arranjoscolaborativos desenvolvidos entre empresas e demais organizaes, so o focodo prximo captulo.

  • 36 parte I CONCEITOS

    BOX 1.1

    ZARAMANIA

    O espanhol Amncio Ortega no tem a estampa de dndi do francs Bernard Arnault, dono da Louis

    Vuitton. Nem virou sinnimo de elegncia, como o italiano Giorgio Armani; em compensao, ocupou a

    oitava posio na lista dos bilionrios da revista americana Forbes em 2006 e o homem mais rico do

    mundo da moda. Para alcanar sua fortuna pessoal de US$ 24,071 bilhes, seria necessrio somar todo o

    dinheiro dos quatro homens mais ricos do Brasil Joseph Safra (US$ 6 bilhes), Jorge Paulo Lemann (US$

    4,9 bilhes), Aloysio Faria (US$ 4 bilhes) e Antnio Ermrio de Moraes (UU$ 3,9 bilhes) , e faltariam ainda

    quase US$ 5,2 bilhes. Tamanho imprio superior fortuna somada de outros grandes do universo da

    moda, como Luciano Benetton, Ralph Lauren, Giorgio Armani e Miuccia Prada. Ortega dono do grupo

    Inditex, que detm diversas marcas, entre as quais uma das mais conhecidas a Zara. Atualmente, a Zara

    vendida nas mais de 2 mil lojas do grupo espalhadas em 52 pases. O corao desse imprio global

    encontra-se num lugar improvvel, a Galcia, uma das regies menos industrializadas da Espanha. Suas

    mais de 40 fbricas esto instaladas em torno de Arteixo, cidadezinha de 23 mil habitantes situada na

    periferia de La Corua, onde o bilionrio vive desde criana.

    A receita do sucesso de Ortega pode ser resumida da seguinte maneira: os 200 figurinistas da Zara se

    inspiram (ou copiam, segundo a concorrncia) nas principais tendncias expressas pelas marcas mais

    sofisticadas, como Armani, Prada e Donna Karan. A diferena em relao a essas grandes grifes no est

    apenas no preo (o da Zara uma pechincha), na produo (a da Zara muito maior) ou na qualidade (a da

    Zara menor), mas sobretudo na velocidade com que tudo acontece nas fbricas de Arteixo. Suas principais

    concorrentes, a americana GAP e a sueca H&M, possuem um nmero maior de lojas. Mas, enquanto ambas

    levam cinco meses para pr uma nova moda em exposio, a Zara transforma a ltima tendncia em

    roupas prontas em apenas 15 dias. E os clientes adoram isso. Nos dias programados para entregas, formam

    longas filas na frente das lojas um fenmeno apelidado de Zaramania. Cada gerente de loja, seja na

    Islndia ou no Oriente Mdio, goza de autonomia para descobrir o que faz sucesso ou no junto a seus

    fregueses e solicitar matriz, na Espanha, as cores, os tamanhos e os modelos de maior procura.

    O modelo da rede de valor da Zara tem incio com os clientes e suas preferncias,rapidamente mutveis.

    Os colaboradores da loja coletam os comentrios dos consumidores a respeito dos modelos e cores das

    roupas e os relatam regularmente aos estilistas alocados na matriz. Estes passeiam por praas pblicas,

    danceterias, lanchonetes, campi universitrios, butiques, lojas da concorrncia e desfiles de moda enfim,

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 37

    por todos os pontos de encontro da jovem clientela , sempre procura de novas tendncias. O produto

    dessa investigao do mercado o que a Zara chama de moda interativa e democrtica, isto , uma

    moda originada a partir dos clientes e qual estes tm acesso imediato e direto.

    Sabendo que o que hoje est na moda amanh pode no estar, a Zara organizou-se para levar o conceito

    de modelo da prancheta para o varejo em ritmo-relmpago. O estoque renovado duas vezes por semana,

    o que exige a logstica de uma operao militar. Os tecidos so adquiridos em diversos pases Itlia,

    Inglaterra, China, Holanda, Marrocos, ndia, Turquia e Coria. As etapas de capital intensivo criao de

    estilos, corte e tratamento das cores so executadas em uma fbrica pertencente prpria Zara. As

    tarefas que exigem mo-de-obra, como costura e montagem, so terceirizadas a pequenas confeces

    com que a Zara mantm acordos de cooperao e exclusividade e que se localizam na Galcia, nas imediaes

    de Castela, Leon e ao norte de Portugal. A Zara disponibiliza a essas confeces a tecnologia necessria

    para que o trabalho seja executado dentro do prazo e com a qualidade exigida. Em troca, desfruta do

    controle de todo o processo, garantindo rapidez, qualidade e uma boa relao custo-benefcio.

    O rpido fluxo de informaes constitui elemento fundamental para a operao de alta velocidade da

    Zara. Todas as lojas so eletronicamente integradas matriz, e as informaes so canalizadas queles que

    delas necessitam. Todo o sistema de produo do desenho ao varejo final conectado e controlado

    digitalmente. O intercmbio de informaes une as peas separadas da operao da Zara. Elas so compar-

    tilhadas abertamente por meio de unidades de negcios e centros de trabalho flexveis, facilmente adapt-

    veis e com autonomia e responsabilidade para a tomada de decises.

    A receita e o lucro da marca cresceram mais de 30% em 2006, superando concorrentes como Benetton,

    GAP, H&M e Cortefiel e ignorando a recesso que atinge globalmente a indstria da moda. S em 2006

    foram abertas 407 lojas em todo o mundo, mais de uma por dia. O jornal francs Le Figaro identificou a

    Zara como a empresa espanhola mais famosa no exterior.

    Fontes: Mashup a partir de Le Figaro (2007); Veja (2003) e Bovet & Martha (2001).

    BOX 1.1 (continuao)

    ZARAMANIA

  • A COOPERAO ENTRE ORGANIZAES

    Robert Axelrod comea seu livro A evoluo da cooperao com uma questoque h bastante tempo vem intrigando pesquisadores do campo social: Sob quecondies emerge a cooperao em um mundo de egostas sem uma autoridadecentral? (Axelrod, 1984). A prpria indagao j lana um olhar diferente visotradicional de que a cooperao nasce como uma ao tpica de seres altrustas.O altrusmo, entendido como a capacidade pessoal de conceder uma coisa semexigir outra em troca, tido como condio fundamental para a ocorrncia dacooperao entre os homens. Mas o altrusmo algo raro na sociedade humana.A cooperao altrusta verifica-se somente em situaes especficas e entre poucosagentes, como, por exemplo, no caso de uma me que capaz de realizar atoshericos de devoo e auto-sacrifcio pelo filho.

    De um modo geral, portanto, o ser humano no age de forma altrusta;tende a procurar primeiro o que melhor para si, na luta pela prpria sobrevivn-cia. Por outro lado, sabe-se que a cooperao ocorre em larga escala entre oshomens, tanto assim que constitui o esteio das civilizaes. A operao conjuntano , pois, exclusividade de pessoas altrustas, j que podemos encontr-la mesmoentre indivduos egostas. Para que isso acontea, contudo, certas condies devemser atendidas, como a vontade de obter determinado ganho que sozinho seriaimpossvel. A cooperao entre indivduos no-altrustas nasce do interesse co-mum suscitado pela compreenso de que somente operando em conjunto poss-vel realiz-lo. Em outras palavras, a cooperao egosta decorre de aes delibera-das entre agentes autnomos para o alcance simultneo de objetivos individuaise coletivos.

    O simples desejo individual de associar-se a determinado grupo no motivaaes conjuntas, a menos que haja um objetivo comum. Sem um objetivo comum

    22222A COOPERAO

    ENTREORGANIZAES

  • 40 parte I CONCEITOS

    explcito, no possvel conhecer ou mesmo antecipar os esforos que serorealmente necessrios para alcan-lo (Barnard, 1971). No estudo sobre a aocoletiva, Olson (1999) sustenta que a formao de grupos no ocorre apenaspelo prosaico desejo de pertencer, mas pela vontade ou necessidade de obteralgo por meio desse pertencer. No campo empresarial no diferente: a coopera-o emerge visando a ganhos competitivos.

    Nas ltimas dcadas, com a ascenso da nova competio, a cooperaoentre organizaes assume uma maior importncia devido dificuldade das em-presas em atender s exigncias competitivas isoladamente. No momento emque duas ou mais organizaes percebem a possibilidade de alcanar conjunta-mente seus objetivos e obter ganhos mtuos, a cooperao entre elas se desenvol-ve. Sendo assim, pode-se afirmar que a cooperao interorganizacional decorredo desenvolvimento deliberado de relaes entre organizaes autnomas paraa consecuo de objetivos individuais e coletivos (Schermerhorn, 1975).

    Como as decises empresariais costumam ser tomadas de forma pragmtica,a cooperao entre organizaes no se concretiza sem que haja resultados per-ceptveis para as partes envolvidas. Ou seja, deve haver a possibilidade real deestabelecer relaes benficas entre os envolvidos, isto , de compor relaesganha-ganha (Brandenburger e Nalebuff, 1995). diferena dos resultadosganha-perde das relaes de competio, a cooperao no se sustenta comrelaes dspares: ou todos ganham juntos, ou todos perdem juntos. Alm disso,na viso do gestor, ela apenas se torna vivel quando a ao coletiva na busca dosobjetivos comuns pode de alguma forma ser gerencivel. Em sntese, a cooperaoentre organizaes preconiza objetivos comuns claramente definidos e maneirasde alcan-los com eficcia.

    Os objetivos comuns almejados pela via da cooperao assemelham-se aosbens pblicos, pois dificilmente segregam os envolvidos. O simples fato de deter-minado propsito ser comum a um grupo implica que ningum nesse grupo deverficar excludo dos ganhos proporcionados pela consecuo de tal propsito (Olson,1999). Por conseguinte, os benefcios gerados pela operao conjunta acabamsendo internalizados pelas organizaes envolvidas, mesmo que em graus diferen-tes. Os benefcios obtidos passam a ser uma vantagem conjunta daqueles quecooperaram para ger-los. Como so prprios de uma coletividade, os denominabenefcios coletivos exclusivos: so coletivos por pertencer ao conjunto de empresasgeradoras e exclusivos por no ser estendidos a outras organizaes ou gruposde organizaes.

    Nesse contexto, a cooperao cuja finalidade gerar benefcios que somenteas empresas participantes podem usufruir torna essas empresas mais fortes ecompetitivas frente quelas que no integram o grupo constitudo. Em ambienteshipercompetitivos, esse fato suscita o que pode ser denominado paradoxo dacooperao interorganizacional: quanto maior o nmero de empresas envolvidas,maior a possibilidade de gerar ganhos competitivos; em contrapartida, quantomenor o nmero de empresas envolvidas, mais exclusivos os ganhos competitivosse tornam. Logo, o desafio que se apresenta organizao contempornea , a

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 41

    partir desse paradoxo, balancear as competncias prprias e as de outras organiza-es, a fim de alcanar um equilbrio entre a competitividade coletiva, obtida pormeio da cooperao, e a competitividade individual, que torna a empresa rentvele valiosa ante as demais organizaes que com ela cooperam.

    Como visto, a cooperao entre organizaes emerge como conseqnciade agentes individuais buscando satisfazer aos prprios interesses; isto , as empre-sas colaboram entre si visando a ganhos que no poderiam obter de forma isolada.O caso da companhia Po de Acar, apresentado no Box 2.1, demonstra comoa cooperao pode beneficiar grandes organizaes comerciais e industriais, pos-sibilitando aes e ganhos que isoladamente seriam inviveis.

    Percebida a possibilidade de obteno de benefcios coletivos, a questoque surge por que uma empresa deve cooperar para alcan-los? Uma dasrespostas a essa questo pode se valer das evidncias apresentadas pelos estudosdesenvolvidos mediante a Teoria dos Jogos.

    A TEORIA DOS JOGOS

    Nascida a partir dos estudos sobre deciso estratgica e, principalmente, dascontribuies de Von Neumann e Morgenstern (1953), a Teoria dos Jogos expan-diu o conhecimento sobre a conduta dos agentes em situaes de interdepen-dncia. Ela parte da premissa de que um jogo, pelas caractersticas que lhes soprprias, capaz de refletir a maior parte das decises que as pessoas enfrentamno seu dia-a-dia. Dessa forma, um jogo pode ser considerado uma espcie delaboratrio onde as estratgias e decises racionais dos envolvidos so artifi-cialmente analisadas e interpretadas.

    As aplicaes da Teoria dos Jogos no campo econmico, sobretudo dos jogosde interao estratgica1, permitem aos tomadores de deciso acrescentar maissubsdios a seus processos de escolha. Nesses jogos, a melhor estratgia a seradotada por um dos agentes depende das estratgias j adotadas ou a ser adotadasno futuro pelos demais agentes. Dessa maneira, as decises estratgicas de umagente podem ter sucesso ou no, dependendo das decises que os demais agentestomaram ou que viro a tomar. Certas decises, contudo, podem ser tomadasindependentemente das posies que os demais participantes assumiram. A essetipo especfico de deciso, independente das expectativas recprocas dos partici-pantes, d-se o nome de deciso estratgica dominante.

    A idia de deciso estratgica dominante pode ser melhor entendida pormeio do jogo conhecido como Dilema dos Prisioneiros. Criado na dcada de

    1 Jogos de interao estratgica. Jogos em que as decises e aes de um participante afetam diretamente as

    decises e aes dos demais participantes.

  • 42 parte I CONCEITOS

    1950 pelos matemticos Melvin Dresher e Merril Flood, foi posteriormente adap-tado narrativa policial por Albert Tucker, da se originando o nome pelo qual conhecido. Sua elaborao se deve ao interesse dos autores em encontrar a decisoestratgica dominante na interao no-cooperativa entre dois agentes racionais.Para tanto, uma situao de deciso com diferentes resultados fora concebida,como veremos a seguir.

    BOX 2.1

    PO DE ACAR SE APROXIMA DE SEUS FORNECEDORES

    Com a misso de garantir a melhor experincia de compra para todos os clientes em cada uma das lojas,

    o Grupo Po de Acar vem realizando investimentos contnuos em sua cadeia de suprimentos. A eficincia

    logstica uma das ferramentas estratgicas do Grupo. Maior empresa varejista do pas, com mais de 550

    lojas distribudas em um amplo raio geogrfico 13 Estados brasileiros , a companhia entende que a

    cadeia de suprimentos uma das principais frentes de trabalho para a obteno de ganhos reais de

    produtividade e lucratividade. Por tal motivo, investe em estudos nessa rea para melhorar cada vez mais

    o que considera um bom relacionamento com as indstrias e fornecedores em potencial, j que a melhoria

    dos processos logsticos envolve diretamente o fornecedor e depende fundamentalmente da interao

    de todos os elos da cadeia.

    Um grupo de fornecedores convidados pela empresa a participar de uma parceria aceitou o desafio de

    tornar melhores e mais eficientes os processos logsticos de toda a cadeia de suprimentos, misso que

    envolvia obter plena disponibilidade de produtos, modelos de gesto adequados, estoques balanceados e

    bom relacionamento entre empresa e fornecedor.

    Aceito o convite, os fornecedores comearam a se reunir mensalmente com a Gesto de Abastecimento

    do Grupo, a fim de analisar os desempenhos individuais e planejar as prximas aes. Foram mais de 1.500

    horas de reunies entre os profissionais de logstica do Po de Acar e os fornecedores. Alm disso, com

    o objetivo de conhecer seus parceiros, o Grupo estabeleceu um calendrio de visitas tcnicas, buscando

    ganhos para a cadeia de suprimentos e integrando todas as reas de logstica.

    A meta tornar o ndice de falta de mercadoria o menor do varejo brasileiro; para isso, contribuem

    medidas como gesto da demanda, avaliao da ruptura em gndola e integrao das cadeias de suprimen-

    tos. No servio de abastecimento, a idia atingir patamares internacionais.

    Em 2004, esse nvel estava em 81%. Isso significa que, a cada cem pedidos, apenas 81 eram entregues na

    quantidade e prazo determinados. Esse nmero j melhorou para 87%. Na cobertura de estoques, o objetivo

    reduzir em 20%, com melhor gesto dos estoques na cadeia. Os atuais custos de distribuio tambm

    foram merecedores de foco. Ao longo do prximo ano sero realizados esforos no sentido de trabalhar

    com processos mais colaborativos, reduzindo os custos que no agreguem valor ao longo da cadeia de

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 43

    O DILEMA DOS PRISIONEIROS

    Dois suspeitos de terem cometido um delito grave foram presos pela polcia. Osinvestigadores, contudo, dispem de provas apenas circunstanciais de sua autoria.As evidncias disponveis habilitam a polcia a indiciar os suspeitos to-somentepor um crime simples, de menor gravidade. Na tentativa de conden-los pelo

    suprimentos. Evoluiremos nos projetos de RFID (Identificao por Radiofreqncia), adequao de embala-

    gens e anlise de ruptura em gndola, diz o diretor da Cadeia de Abastecimento do Grupo Po de Acar.

    Para ele, o moderno conceito de gerenciamento de entregas e controle de estoques define-se da seguinte

    forma: Durante muito tempo, a automao comercial foi vista como diferencial para aumentar a compe-

    titividade em qualquer segmento. Em alguns anos, virou obrigao para sobreviver em meio concorrncia.

    Agora, com os crescentes avanos tecnolgicos e a exigncia de servios cada vez melhores, so os consu-

    midores os maiores beneficiados com o atendimento automatizado e o gerenciamento de todos os processos.

    Um dos principais fornecedores do Grupo Po de Acar a Bunge. Presente no Brasil desde 1905, a

    Bunge uma das principais empresas de agribusiness e alimentos do pas, atuando de forma integrada em

    toda a cadeia de suprimentos.

    Para a diretora de Distribuio da Bunge Alimentos, o que pesa realmente a eficincia no abastecimento:

    fato que quanto maior a eficcia da cadeia de abastecimento, garantindo a disponibilidade adequada de

    produtos nas gndolas a preos competitivos, maior a probabilidade de atendimento da demanda de

    consumo e, como resultado, gerao de valor aos clientes e fornecedores, afirma.

    Com a cooperao entre os atores da cadeia e o planejamento conjunto de demanda e operaes,

    podem-se garantir maiores ndices de entregas no prazo e nas quantidades corretas. Esses fatos agregados

    podem gerar uma perceptvel reduo das rupturas na gndola, aumento do volume vendido e crescimento

    dos negcios dos parceiros, objetivos principais do planejamento colaborativo, acrescenta.

    Portanto, a gesto das restries operacionais em todos os elos da cadeia, atravs da integrao logstica

    e do planejamento conjunto de operaes, promove, no curto prazo, uma melhora significativa do processo

    logstico de entrega e abastecimento e, no longo prazo, crescimento dos negcios entre os parceiros de

    mercado, conclui.

    Fonte: ELO vital na relao indstria e varejo Revista Automao. 2006.

    BOX 2.1 (continuao)

    PO DE ACAR SE APROXIMA DE SEUS FORNECEDORES

  • 44 parte I CONCEITOS

    crime grave, os policiais decidem separ-los em celas incomunicveis e fazer aseguinte proposta a cada um deles: se confessarem o crime grave, tero reduzidaa sua pena por terem colaborado com a Justia2.

    A proposta leva ento a trs possibilidades. Se os suspeitos confessarem ocrime grave, ambos sero julgados por esse delito, recebendo a pena de cincoanos de priso. Caso no o confessem, podero ser julgados somente pelo delitomenor, recebendo a pena de dois anos de priso. No obstante, se apenas umdos suspeitos confessar o crime grave, ele ser beneficiado com uma reduomaior ainda, recebendo a pena de um ano de priso, ao passo que o suspeito queno confessou arcar com a pena mxima de oito anos. O dilema dos prisionei-ros est exatamente na deciso de confessar ou no o crime. Caso no o confessem,estaro cooperando com o parceiro; do contrrio, o estaro traindo. O Quadro2.1 mostra as penas possveis para cada suspeito, conforme suas decises.

    2 Dilema dos Prisioneiros. Segue quatro regras fundamentais: a) no existe possibilidade de acordo; b) no h

    como antecipar os movimentos futuros dos jogadores; c) no se pode eliminar o oponente; e, por fim, d) no

    possvel alterar recompensas e penas aplicadas.

    Quadro 2.1

    POSSVEIS RESULTADOS DO DILEMA DOS PRISIONEIROS

    Prisioneiro A/B B Coopera (no confessa) B Trai (confessa)

    A Coopera (no confessa) A = 2 / B = 2 A = 8 / B = 1

    A Trai (confessa) A = 1 / B = 8 A = 5 / B = 5

    De acordo com os possveis resultados exibidos no Quadro 2.1, as penaspara os suspeitos podem variar de um a oito anos de priso. Alm das penasindividuais, importante tambm ressaltar os resultados coletivos, representadosno dilema pela soma das penas dos dois suspeitos. No primeiro quadrante denominado quadrante da cooperao universal, j que os ambos os prisioneiroscooperam entre si, e no com a polcia , o resultado coletivo equivale a quatroanos de priso. O segundo e o terceiro quadrantes so denominados, cada um,quadrante da tentao, visto que os suspeitos, no intuito de obter uma pena maisbranda, podem sentir o desejo de trair o cmplice. Nesses dois quadrantes, oresultado coletivo totaliza nove anos de deteno. O ltimo quadrante contm atraio mtua ambos confessam o crime grave , sendo por isso denominado

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 45

    quadrante da rivalidade universal. Somadas, as penas dessa rivalidade atingem 10anos de priso, sendo, coletivamente, a pior possvel.

    Levando em conta os possveis resultados, que deciso devem tomar os prisio-neiros?

    Nos jogos sem repeties, ou seja, naqueles em que os jogadores contamcom uma nica rodada de deciso, predomina o que pode ser chamado equilbrioegosta. Isso porque, no caso dos prisioneiros, eles logo percebem que confessaro crime e trair o parceiro a opo mais vantajosa. Um conhecimento matemti-co mnimo e um simples e rpido raciocnio ratificam tal escolha: o prisioneiro Aavalia que, caso no confesse, suas penas sero de 2 ou 8 anos, dependendo dadeciso do prisioneiro B, e que, se confessar, suas penas sero de 1 ou 5 anos,conforme a deciso de B. Como 1 e 5 so inferiores a 2 e 8, o prisioneiro A sedecidir pelo que for melhor para si: confessar e, portanto, no cooperar com oparceiro de crime.

    O Quadro 2.2 evidencia a deciso dominante. Os valores destacados emnegrito demonstram as penas, em anos de priso, previstas para o caso de osprisioneiros optarem por confessar e no cooperar com o parceiro. O quadrantedemarcado aponta o resultado decorrente da combinao das decises estratgi-cas dominantes dos participantes.

    Pode-se afirmar que, no Dilema dos Prisioneiros, em um nico evento no-repetitivo h uma deciso estratgica dominante: confessar. Independentementeda deciso do outro prisioneiro, sempre ser melhor cumprir 1 ou 5 anos depriso do que 2 ou 8. O problema para o prisioneiro A que o prisioneiro Bmuito provavelmente raciocinar da mesma maneira. A soluo, portanto, se dno equilbrio egosta indicado pelo quadrante da rivalidade universal, que imputa10 anos de priso dupla de prisioneiros, isto , o pior resultado possvel para oconjunto. nesse momento da deciso que desponta o paradoxo da escolhasocial: o que melhor para cada um dos indivduos no o melhor para a coletivi-dade (Berni, 2004).

    Como apresentado, a circunstncia de os dois prisioneiros confessarem ocrime decorre de uma deciso estratgica dominante para ambos, no caso de umevento nico. Na forma vista, todavia, o Dilema dos Prisioneiros limitado: cadapreso conta com apenas um evento no-repetitivo para a deciso ser tomada.

    Quadro 2.2

    DECISO ESTRATGICA DOMINANTE NO DILEMA DOS PRISIONEIROS

    Prisioneiro A/B B Coopera (no confessa) B Trai (confessa)

    A Coopera (no confessa) A = 2 / B = 2 A = 8 / B = 1

    A Trai (confessa) A = 1 / B = 8 A = 5 / B = 5

  • 46 parte I CONCEITOS

    Essa situao acaba limitando as possibilidades de interpretao do comportamen-to do outro jogador, j que, na vida real, as relaes entre os agentes econmicosso muito mais dinmicas e, por via de regra, seqenciais. Dessa maneira, osagentes so levados a tomar novas decises subseqentes sobre uma mesma ques-to, proporcionando, por conseguinte, uma relao de mdio e longo prazo entreeles. Assim, em uma determinada situao, quanto mais rodadas de decisohouver, maior a interao que os agentes iro desenvolver.

    A idia da tomada de decises repetidas vezes assumida pelo chamadoDilema dos Prisioneiros Iterado. Nele, os prisioneiros so incitados a tomar adeciso de confessar ou no em diversas rodadas subseqentes. A constante in-terao dos envolvidos na tomada de deciso, mesmo que no haja comunicaoentre eles, altera a soluo do jogo. medida que as decises vo sendo tomadasrepetidamente nas rodadas seguintes, os agentes comeam a perceber que a deci-so estratgica dominante do equilbrio egosta no os leva a obter o to esperadoresultado da pena de um ano de priso. Racionais que so, percebem que a melhoralternativa possvel para eles localiza-se no quadrante da cooperao universal,no qual a pena no ultrapassa os dois anos de priso para cada um.

    Esse processo de reflexo s ser possvel se os envolvidos tiverem de tomardecises seguidas, como no caso do Dilema dos Prisioneiros Iterado. Nessas deci-ses consecutivas, o agente passa a compreender que, em jogos de interaoestratgica, o melhor para si nunca ser obtido e preservado se o outro agenteparticipante tambm estiver obtendo o que julga melhor para ele. Por conseguinte, medida que as rodadas do jogo evoluem, os prisioneiros acabam percebendoque a nica forma de alcanarem o melhor resultado possvel os dois se benefi-ciarem. Note-se que cada deciso tomada serve de informao para o outro agen-te, criando, pois, uma forma de comunicao, mesmo que em celas incomunic-veis. No momento em que ambos os agentes adotam a deciso tima para si,considerando a deciso tima para o outro agente, ocorre o que se conhece comoEquilbrio de Nash (Nash, 1950).

    A cooperao se estabelece pelo fato de que os prisioneiros tero de sereencontrar. Por isso, ambos sabem que uma deciso tomada por um deles nopresente afetar as decises do outro no futuro. Trair agora significa sofrer retalia-es mais adiante, restabelecendo o equilbrio egosta da rivalidade universal

    Quadro 2.3

    EQUILBRIO DE NASH NO DILEMA DOS PRISIONEIROS

    Prisioneiro A/B B Coopera (no confessa) B Trai (confessa)

    A Coopera (no confessa) A = 2 / B = 2 A = 8 / B = 1

    A Trai (confessa) A = 1 / B = 8 A = 5 / B = 5

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 47

    (Axelrod, 1984). O Quadro 2.3 ilustra essas consideraes. O quadrante demarca-do aponta o resultado decorrente do Equilbrio de Nash. Em outras palavras,agindo de forma racional e egosta, em busca do auto-interesse, ambos os prisio-neiros simultaneamente decidem cooperar e no confessar o crime mais grave.Na situao enfrentada, esse o melhor resultado possvel para as duas partes.

    No intuito de aprofundar as implicaes referentes ao Dilema dos Prisionei-ros, Robert Axelrod buscou verificar empiricamente o processo de tomada dedeciso por meio de um torneio de computador, que propunha um jogo de inte-rao estratgica para identificar que estratgias se destacariam. Os resultadosdesse torneio e a estratgia vencedora sero discutidos a seguir.

    OLHO POR OLHO, DENTE POR DENTE

    Para melhor compreender o modo como as decises estratgicas levam ao surgi-mento da cooperao em um jogo como o Dilema dos Prisioneiros Iterado, RobertAxelrod convidou diferentes tericos de disciplinas afins com o tema tais comopsicologia, economia, cincia poltica, matemtica e sociologia a participar deum torneio computadorizado. Como este consistia na reproduo virtual do Dile-ma dos Prisioneiros Iterado, o participante que apresentasse a melhor estratgiamarcaria mais pontos e ganharia o jogo. Dentre as 14 estratgias apresentadas, avencedora ficou conhecida como olho por olho, dente por dente3, desenvolvidapor Anatol Rapoport, professor de psicologia da Universidade de Toronto.

    A estratgia olho por olho, dente por dente consistia no simples artifciode cooperar no primeiro lance e, em seguida, repetir a deciso que o jogadoradversrio adotara na rodada anterior. Em outras palavras, mesclava movimentosde gentileza, colaborao, perdo e retaliao de acordo com a postura do adver-srio. Por sua simplicidade, inclusive em termos de linhas de programao, aestratgia era de fcil compreenso para os adversrios que entendiam a mensa-gem enviada por cada deciso tomada, gerando uma reputao de colaborador eretaliador, fundamental para que os demais participantes optassem pela coopera-o.

    Com o intuito de aprofundar suas anlises sobre a emergncia da cooperao,Robert Axelrod props um novo torneio, permitindo a participao de novosjogadores oriundos de campos cientficos diferentes, como fsica e biologia, almde outros interessados no-acadmicos. Ao todo, 63 programas diferentes dispu-taram essa segunda competio, agora com estratgias mais aperfeioadas, dadoque os participantes conheciam os resultados do primeiro torneio. Esses novosparticipantes tentaram aproveitar as vulnerabilidades da estratgia olho porolho, dente por dente, introduzindo programas que enfrentavam seus pontos

    3 Olho por olho, dente por dente. No original, em ingls, a estratgia denomina-se Tit for Tat.

  • 48 parte I CONCEITOS

    positivos: a clareza e a reputao de retaliador de traies. No foram, contudo,bem-sucedidos nessa empreitada, de modo que a simples estratgia do olho porolho, dente por dente sagrou-se novamente campe.

    Os torneios em que se basearam os estudos de Robert Axelrod apontamalgumas observaes importantes para compreendermos a cooperao entreagentes racionais. Em primeiro lugar, destaca-se que a cooperao pode ser frutode decises lgicas possveis de ser tomadas mesmo por seres egostas, desdeque percebam que por meio dela podem beneficiar-se. Ademais, ela exige que osrelacionamentos sejam contnuos. Como visto, o que possibilita a cooperao ofato de os participantes se reencontrarem outras vezes. A repetio condicionaas decises do presente s decises do futuro e, principalmente, s decises dosdemais envolvidos.

    Outra observao relevante diz respeito aos ganhos da cooperao. A possi-bilidade de obter benefcios coletivamente o principal motor da cooperaoentre agentes racionais egostas. Por esse motivo, nenhum dos envolvidos podeser excludo dos ganhos proporcionados. Assim, as empresas cooperam para obterganhos competitivos impossveis de ser gerados internamente. Contudo, essesganhos so rduos e incertos como a prpria atividade empresarial. Muitas vezes,cooperar significa abrir mo de ganhos individuais imediatos em troca de ganhoscoletivos futuros. A obteno dos ganhos da cooperao requer, portanto, queos agentes econmicos adotem estratgias que viabilizem o comportamento co-laborativo por parte de todos os envolvidos e tenham em vista resultados futuros.

    No contexto empresarial no so raros os casos que demonstram as dificulda-des de cooperao entre agentes racionais, como no Dilema dos Prisioneiros.Em projetos colaborativos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) comum quediversas empresas agreguem seus conhecimentos para o desenvolvimento de umasoluo conjunta. Porm, como no caso dos prisioneiros, cada empresa podepensar em enviar engenheiros de segunda categoria e esperar que as demaisenviem seus melhores profissionais, com a inteno de obter ganhos maiorescom recursos menores. Se todas adotarem esse comportamento oportunista,nenhuma enviar seus melhores engenheiros, e o projeto redundar em fracasso.No entanto, se os projetos forem sendo realizados repetidamente entre as mesmasempresas, estas acabaro percebendo a necessidade de ceder seus melhores enge-nheiros, a fim de que os projetos alcancem os resultados esperados (Jarillo, 1993).

    O imperativo estratgico da cooperao em decises repetidas ficou latentenos torneios de computador que simulavam o Dilema dos Prisioneiros Iterado.As estratgias apenas colaborativas no alcanavam um bom resultado por seremtradas por estratgias oportunistas, e estas, por sua vez, no obtinham os ganhosda cooperao por construrem uma reputao individualista e pouco colabora-tiva. A estratgia vencedora gerou um comportamento propcio cooperao aomostrar-se disposta tanto a colaborar quanto a retaliar, em caso de traio. De-preende-se da que a cooperao entre agentes racionais sustentada por relacio-namentos contnuos que apenas um comportamento estratgico condizente podegerar e manter. No que tange ao campo organizacional, tal concluso sustenta a

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 49

    proposio de que as empresas devam substituir ou complementar suas tradicio-nais estratgias individuais com estratgias coletivas. Um maior detalhamentodas questes estratgicas e do impacto das estratgias coletivas sobre a gestodas organizaes ser realizado no captulo seguinte.

  • COMPETIO E COOPERAO

    Alinhar o conceito de cooperao ao paradigma clssico de estratgia no tarefafcil. A maior parte da literatura que domina esse campo de estudos adota aperspectiva de competio entre empresas como um elemento-chave. Muitasdas teorias que fundamentam essa perspectiva nos estudos de estratgia baseiam-se no principo da excluso competitiva de Gause1. No entanto, deve-se salientarque, diferentemente das variadas espcies de organismos em competio porsustento, as organizaes podem coexistir em um mesmo ambiente, competindoe cooperando de maneira racional, a fim de alcanar seus objetivos.

    Os inmeros casos de empresas que tm aumentado sua competitividadecom a formao de redes, alianas e parcerias sugerem a necessidade de reavaliaras teorias clssicas sobre estratgia. diferena do paradigma da competio(jogo de soma nula), o paradigma da cooperao (jogo de soma positiva) visa adoo de estratgias coletivas por um conjunto de atores (fornecedores, concor-rentes, clientes, etc.) tendo em vista atingir objetivos comuns, habilitando as em-presas a competir em estncias mais elevadas.

    Diante desse debate, o presente captulo tem por finalidade proporcionaruma melhor compreenso do surgimento e da aplicao do conceito de estratgiascoletivas frente a outras trs perspectivas dominantes: a Perspectiva da Estruturada Indstria, a Viso Baseada em Recursos (RBV) e a Perspectiva dos Custos deTransao.

    33333ESTRATGIAS

    COLETIVAS

    1 Princpio de Gause. O princpio da excluso competitiva defende que duas espcies que conseguem seu sustento

    de maneira idntica no podem coexistir; geralmente a espcie mais forte ou mais adaptada ao seu contexto

    sobreviver, excluindo as demais.

  • 52 parte I CONCEITOS

    A PERSPECTIVA DA ESTRUTURA DA INDSTRIA

    A Perspectiva da Estrutura da Indstria reinou soberana durante toda a dcadade 1980, tendo como seu maior expoente o estrategista Michael Porter. A principalidia por trs desse conceito era a de que uma estratgia deveria surgir a partirda anlise sistemtica do ambiente de um determinado setor de negcio. ParaPorter (1986), uma estratgia adequada deveria fundamentar-se na melhor posi-o encontrada por uma empresa dentro da estrutura de mercado em que elaopera. Para tanto, o autor desenvolveu uma srie de instrumentos destinados aanalisar o ambiente concorrencial.

    De acordo com essa perspectiva estratgica, o nvel de competio em umaindstria uma questo central para a escolha estratgica, pois, quanto maior arivalidade concorrencial, menor a lucratividade das empresas. O autor sugereque uma empresa deve, a partir da anlise sistemtica do ambiente concorrencialem determinado segmento, escolher uma estratgia para melhor posicionar-se.

    No se pode negar a relevante contribuio da Perspectiva da Estrutura daIndstria para a teoria estratgica sobretudo para o amplo diagnstico informa-cional do ambiente concorrencial. No entanto, acredita-se que essa perspectivatenha concentrado demasiado foco na rivalidade concorrencial. A nfase exclu-siva na competio descarta a ampla possibilidade de parcerias entre empresasque produzem bens semelhantes ou complementares.

    Tome-se o caso da relao entre um fornecedor e um fabricante, por exemplo.Com base na Perspectiva da Estrutura da Indstria, a lucratividade de uma dasempresas determinada, ao menos parcialmente, pela lucratividade da outra e,portanto, pela habilidade da primeira em se defender das tentativas de aumentoda margem de lucro da segunda, e vice-versa. A competio entre as partes aca-ba sendo estimulada, dado que o valor que uma delas obtm na barganha dedefinio de preos ocorre s expensas da outra.

    por tais motivos que a Perspectiva da Estrutura da Indstria apresentalacunas, invariavelmente criticadas por outras correntes da teoria estratgica.Uma dessas crticas foi emitida por Mintzberg et al. (2000) e centra-se no fato deque a empresa que despender muita energia e tempo preocupada em encontrartruques para iludir o concorrente poder se desviar de outros focos estratgicos,como, por exemplo, atender melhor s necessidades dos clientes, investir emprocessos de inovao ou buscar sinergia por meio de estratgias coletivas.

    Uma anlise das modernas prticas de gesto, como podem ser observadasnos casos presentes neste livro, indica que a estratgia na Perspectiva da Estruturada Indstria necessita ser reavaliada. Encarar o ambiente concorrencial noapenas sob a ptica da competio permite melhor compreender a organizaode uma determinada indstria, entendendo os concorrentes e participantes dascadeias produtivas no somente como inimigos, mas tambm como aliados.

    Voltando ao exemplo da relao entre o fornecedor e o fabricante, essanova tica pode gerar um jogo de soma positiva. Caso o fabricante, ou mesmo ofornecedor, desenvolva um diferencial, uma melhor qualidade ou uma tcnica

  • REDES DE COOPERAO EMPRESARIAL 53

    que estimule a venda de determinado produto, ambos sairo ganhando. Dadoque essas melhorias muitas vezes so geradas em conjunto, os fornecedores efabricantes mais propensos a colaborar sero os maiores beneficiados, pois pro-porcionaro vendas e lucros mais elevados.

    No se trata, evidentemente, de uma relao to clara e simples. Fornecedo-res e fabricantes, nesse caso, podem ser competidores, aliados, nenhum dos dois,ou os dois ao mesmo tempo, dependendo do momento e das situaes impostas(Jarillo, 1993). Ampliar a viso de modo a abarcar todas essas possibilidades sse torna vivel quando a perspectiva da estratgia exclusivamente individual su-perada. Em decorrncia, o emprego de estratgias de cooperao, inclusive comconcorrentes diretos em uma mesma indstria, pode facilitar empresa atingiroutros mercados, bem como desenvolver novos produtos e servios de maneiraconjunta. Diferentemente da barganha e do oportunismo, as estratgias coletivastornam possveis as relaes sinrgicas e a busca do aprendizado em conjunto.

    A VISO BASEADA