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RECORTES DE IMAGENS URBANAS DA CIDADE DE FEIRA DE SANTANA, BAHIA, BRASIL
Livia Dias de Azevedo Geógrafa, Mestre em Desenho e Cultura
Universidade Estadual de Feira de Santana-UEFS [email protected]
Lysie dos Reis Oliveira
Arquiteta e urbanista, Doutora em História Social Universidade Estadual de Feira de Santana-UEFS
1 Introdução
Diante de todas as transformações técnicas, científicas e informacionais verificadas nos
últimos anos, não causa surpresa que todas as esferas da vida coletiva tenham sido
modificadas. Nesse sentido, estabeleceram-se novas ou renovaram-se as organizações sócio-
espaciais de tradição. Parece ponto comum entre os estudiosos das mais diversas áreas do
conhecimento que o mundo não é mais o mesmo: as mudanças envolvem os campos cultural,
educacional, científico, ético, filosófico e artístico e, assim, as relações tempo-espaço,
sociedade-espaço e espaço físico/material-virtual ganham novos olhares, contornos e
dinamismos.
Desta forma, as mudanças envolvem os campos culturais, educacionais, científicos,
éticos, filosóficos e artísticos. Diante desse entendimento, apropriamo-nos como alicerce
teórico-metodológico das idéias de Kevin Lynch (1997)1, Claúdia Pereira Vasconcelos
(2008)2, Milton Santos (2004)3, Jacques Le Goff (1998)4, Lucrécia D’aléssio Ferrara (1988,
2000)5 e outros autores, que mesmo não sendo efetivamente citados, contribuíram para a
articulação e o desenvolvimento dos argumentos que estão aqui colocados.
É neste complexo e dinâmico contexto que o presente estudo objetiva fazer uma leitura
visual da paisagem urbana da cidade de Feira de Santana-Bahia, bem como, identificar através
do desenho, a distribuição espacial das matrizes culturais que se misturam na cultura local
desta cidade.
Este trabalho contribui para os estudos em imagem na medida em que articula de forma
interdisciplinar desenho urbano e geografia, é necessário esclarecer que esta busca refletir e
analisar a relação sociedade-natureza do ponto de vista da espacialidade, em uma leitura onde
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o desenho é entendido por meio da concepção de Lysie dos Reis Oliveira e Gláucia Maria
Costa Trinchão (1998)6, como não apenas grafia, expressão humana, mas, sobretudo como
registro, como um instrumento de leitura que carrega consigo uma lógica e, por isso mesmo, é
elemento transmissor de informações diversas.
Neste sentido, o desenho atua não apenas como representação do espaço, mas,
principalmente, como fonte de informação e conhecimento. Esta leitura da dinâmica espacial
das relações dialéticas sociedade-espaço, se insere em uma perspectiva que coaduna com a
contemporaneidade e as atuais e complexas relações interespaciais. Nesta direção, possibilita
outras leituras acerca do espaço e seu desenho denotando assim, uma perspectiva de leitura do
ambiente urbano ainda pouco explorada.
É importante informar ao leitor que para o desenvolvimento dessa pesquisa empregou-se o
método utilizado por Kevin Lynch (1997), o qual busca compreender como as pessoas
observam, percebem e se deslocam no espaço urbano. O autor explica que as formas físicas da
cidade agem sobre os seus transeuntes, provocando percepções, gerando informações e
imagens de cidade.
O trabalho ora apresentado tem como objeto de estudo a paisagem da Avenida Getúlio
Vargas e da Rua Marechal Deodoro da Fonseca, consideradas parte do centro da cidade de
Feira de Santana-Bahia. Estas vias são representativas não só por hoje serem concentradoras
de fluxo populacional, comercial e de automóveis, mas, principalmente, por serem duas das
vias mais antigas desta cidade e se apresentarem como grandes marcos7 urbanos. Além de
importantes pontos nodais8, são referências da antiga cidade e da antiga feira livre da qual a
cidade legou o nome.
Para a efetivação desse trabalho utilizamos como procedimentos metodológicos a revisão
bibliográfica acerca do tema em questão, assim como trabalho de campo que ocorreu através
de trajetos que fizemos caminhando pelas ruas onde registramos fotograficamente a paisagem
e os seus elementos híbridos que se remetem a matrizes culturais ligadas ao sertão e ao litoral
baianos. Anotou-se em um diário de campo as impressões e sensações dos arredores que
envolvem os elementos destacados. Posteriormente, fez-se uma reflexão da localização desses
elementos culturais no contexto do centro da cidade a fim de compreender a sua
espacialidade.
O uso das fontes e recursos imagéticos, como as fotografias e desenhos, foram essenciais
para o desenvolvimento do trabalho, na medida em que possibilitou uma leitura do urbano,
assim como a criação de mapas de localização referentes aos recortes culturais na cidade de
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Feira de Santana. Destaca-se que todas as fotografias aqui apresentadas foram produzidas
pelas autoras.
2 Desenvolvimento do trabalho
Feira de Santana é considerada a maior cidade do interior da Bahia. E, por conta do
número de sua população, cerca de 500.000 habitantes e da variedade de bens e serviços
oferecidos à sua micro e mesorregião, se estabelece como importante cidade de médio porte
baiana. Está localizada entre dois importantes domínios morfoclimáticos, a caatinga e os
mares de morros que abrange o litoral baiano, abaixo consta o mapa de localização de Feira
de Santana em relação ao contexto baiano.
Mapa 01: Localização do município de Feira de Santana em relação a Salvador e ao contexto baiano
Fonte: Laerte Dias, 2009
Desde a década de 1950 a cidade de Feira de Santana vem passando por modificações
profundas em sua paisagem. Esta temporalidade é especialmente importante, pois integra
Feira a uma rede urbana de maior alcance. As já intensas vias de comunicação entre Feira e o
recôncavo e entre Feira e o sertão da Bahia, foram incrementadas com a abertura das rodovias
que instituíram Feira como um ponto nodal, ou seja, como rota de passagem obrigatória
interligando não apenas cidades baianas, mas regiões brasileiras, como a sudeste-nordeste-
norte, com a construção da atual rodovia BR 116 e BR 324.
Mas este não é um fenômeno novo em Feira de Santana, visto que esta cidade tem a sua
história ligada ao transporte e abastecimento de mercadorias agropecuárias do sertão em
direção ao recôncavo baiano. Transformou-se em ponto de referência para tropeiros e
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vaqueiros que paravam para descansar a si e aos animais, bem como para já ali aproveitando a
aglomeração de pessoas comercializarem alguns produtos básicos de subsistência.
Esta vocação para o comércio acompanha a imagem da cidade até hoje, sendo impossível
tanto internamente quanto externamente dissociar Feira de Santana à idéia de cidade
essencialmente comercial. Imagem que, para além da sua tendência comercial favorecida pela
sua localização geográfica, foi apropriada pelo poder público municipal para justificar toda e
qualquer intervenção urbana como meio necessário para potencializar as relações comerciais
da cidade, garantindo assim o seu crescimento econômico e gerando a perspectiva de um
progresso em curto prazo.
Essa discussão nos induz a pensar que esta população possui origens diversas,
possibilitando uma mistura cultural, sendo difícil, hoje, identificar a cultura local. Vários
foram os elementos culturais e símbolos agregados e/ou modificados dentro do cenário
cultural feirense. Esse fenômeno, dentre outros, está sendo registrado com a expansão, a
profunda modificação e o redesenho de seu espaço urbano. Consequentemente, novas formas
estão fazendo parte da paisagem ou velhas formas estão abrigando novas ou modificando suas
funções, acarretando uma mudança dos fluxos, da organização da cidade, bem como do modo
de vida da população feirense, ou seja, das suas práticas e hábitos culturais que, sobretudo,
tornam-se visíveis na paisagem urbana.
A paisagem muda de feição em decorrência de uma série de combinações, como:
frequência e circulação de veículos diversos: (carros, motocicletas, bicicletas, carroças,
carros-de-mão); comportamento e vestuário das pessoas; fluidez do trânsito; disposição dos
objetos no espaço e suas funções; aglomeração e densidade desses elementos, dentre
inúmeras outras.
2.1 Da dualidade ao hibridismo da cultura feirense
A história do estado Bahia se confunde com a própria história da cidade de Salvador, a
sua hegemonia política, governamental, administrativa, econômica e cultural a incumbiu de
torná-la um centro magnético, polarizando todas ou quase todas as cidades e municípios do
estado em torno de si.
A imagem da cidade de Salvador é estendida a toda a Bahia, dando, inclusive, uma idéia
de homogeneidade cultural em todo o estado. É como se existisse apenas uma única cultura
capaz de representar toda Bahia, os recortes espaciais, as suas gentes, as suas origens
históricas e culturais são escondidas, esquecidas e sombreadas pela cultura de Salvador e de
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seu entorno, especialmente o recôncavo baiano. Salvador, assim, se torna referência de cidade
e de cultura para todos os outros municípios baianos e não baianos. Vale ressaltar que a idéia
de Salvador como referência de cidade é datada desde o período colonial, quando era ainda
sede do governo nacional e principal centro econômico do país, isto por volta de 1549 até
século XVIII. Como percebemos a construção de Salvador como principal imagem da Bahia e
referência estadual tem suas origens na produção e organização do espaço brasileiro e
estadual. Cláudia Pereira Vasconcelos publica um artigo contendo parte da sua pesquisa
concluída em 2007 sobre a baianidade e a sertanidade no jogo identitário da cultura baiana,
tendo como foco da análise os textos do escritor Jorge Amado e do poeta e advogado Eurico
Alves Boaventura. Dois baianos, porém nascidos em contextos espaciais bastante diferentes, o
primeiro em Itabuna e criado em ilhéus, seguindo para Salvador e o mundo, e o segundo em
Feira de Santana, também residindo em Salvador para estudar mas, ao contrário de Jorge
Amado, retorna a sua cidade de nascimento.
Eurico Alves Boaventura trabalha com um par bastante interessante e define o litoral
como cidade e o sertão como sertão, mas isto cria uma distinção entre urbano e rural,
conceitos que estão diretamente ligados ao modo de vida nestes espaços.
Segundo Vasconcelos (2008, p.01) “a idéia de Bahia – baianidade – foi construída
através de uma estratégia imagético-discursiva que a colocou como algo à parte, sui generis”,
ou seja, como um lugar diferente de todos os outros, singular e exclusivo. Neste sentido,
influenciou não apenas a imagem construída internamente, mas, sobretudo externamente
“aparecendo no imaginário nacional e internacional como sendo a terra da felicidade, um
lugar diferente, místico e sensual, um caso à parte do Nordeste e, mais ainda, um caso à parte
no Brasil. Uma imagem que de certa forma foi se organizando tanto de dentro para fora como
de fora para dentro”, salienta a autora.
Depreende-se a partir desse fragmento de texto que os grupos políticos que governavam
a Bahia procuravam uma imagem que a caracterizasse da melhor maneira possível, que a
destacasse como única e incomparável e que havia um projeto de dissociar a sua imagem com
a do Nordeste, possivelmente por esse ser lembrado como atrasado, feio e miserável.
A imagem do sertão baiano associada a do Nordeste brasileiro traz outras implicações,
como a ambivalência ou dicotomia no discurso entre campo e cidade, ambivalência que
também se encontra na teoria de Le Goff (1998) quando afirma que existe, ainda na
antiguidade, uma desvalorização e menosprezo pelo trabalho do camponês, em contraposição
ao trabalho urbano. “Trata-se sobretudo de trabalho rural e, segundo uma tradição que o
cristianismo apenas reforça com relação à Antiguidade, o camponês é menosprezado. Na
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antiguidade, ele é o grosseiro, o rústico, em oposição ao homem da cidade” (LE GOFF, 1998,
p. 47). Encontramos esta idéia reforçada em outro texto:
mas seja qual for o status depreciado de numerosos trabalhadores que evocamos, a grande valorização do trabalho se dá na cidade. Esta é uma das funções históricas fundamentais da cidade: nela são vistos os resultados criadores e produtivos do trabalho. Todos esses curtidores, ferreiros, padeiros...são pessoas que produzem coisas úteis, boas e, às vezes, belas, e tudo isso se faz pelo trabalho, à vista de todo mundo (LE GOFF, 1998, p. 49).
Como vimos a depreciação e a desvalorização do trabalho rural não é criada com a
idade moderna ou contemporânea, mas remonta desde a Antiguidade, e ainda hoje essa
imagem é perpetrada e aceita como realidade. É a partir dessa imagem, dessa cultura, desse
olhar que teimamos em entender a região do Nordeste brasileiro e do sertão da Bahia de base
agrícola-rural. Consideramos estes espaços e suas gentes como atrasados, desprovidos de
tecnologias e possibilidades. Discursos e ideologias criadas, na antiguidade, pela igreja cristã
e na atualidade pelas elites econômicas e políticas locais.
Assim, a discussão iniciada por Vasconcelos (2008) chama a atenção para a restrição
desse discurso hegemônico e aparentemente consensual, pois deixa de fora outras regiões
baianas com igual riqueza cultural, tais como a Chapada Diamantina, e o Semi-Árido, este
último se expressando “através de outros elementos e artefatos culturais mais identificados
com o Nordeste do que com a Bahia e já apresenta, por si só, referências culturais bastante
diversas” (idem, p.02). Ressalte-se que a Bahia é um Estado de grandes extensões
longitudinais e latitudinais, sendo maior, inclusive, que muitos países do mundo.
Se observarmos as imagens construídas pela literatura baiana, como, por exemplo, Dona
Flor e seus dois maridos, Gabriela cravo e canela, Mar morto e Bahia de todos os Santos,
todos de Jorge Amado, pela música com Dorival Caymmi, pela televisão, pelos desenhos,
pela pintura de autoria de Carybé e outros que foram expoentes nas artes na Bahia,
perceberemos que, em sua esmagadora maioria, não há referência aos elementos rurais e
sertanejos, porque estes estariam ligados à imagem nordestina, por isso, a necessidade de
esquecimento e/ou de sombreamento desta cultura. A imagem nordestina contraria a imagem
feliz da Bahia. Vale acrescentar que Carybé veio à Bahia com o propósito de entrevistar
Lampião, símbolo do homem do sertão, mas não conseguiu, então se contentou em pintá-lo,
talvez por isto, tenha se dedicado à pintura e à serigrafia que retratavam a cultura e o
cotidiano da cidade de Salvador, elementos que marcaram definitivamente a sua carreira.
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Feira de Santana, espaço também da cultura sertaneja, não foge à lógica descrita acima.
Os ícones ligados ao sertão, ao vaqueiro, ao tropeiro, ao boiadeiro, ao coureiro, como, por
exemplo, visto nas imagens 01 e 02, são esquecidos e/ou sombreados pela cultura do
recôncavo baiano, contudo, são estrategicamente convocados e resgatados quando há
necessidade de mostrar símbolos da identidade local ou de suas especificidades.
Assim, o símbolo do vaqueiro, assim como do tropeiro são escondidos e a cidade parece
não os acolher como seus patrimônios, parte da sua memória visual e referência cultural.
Imagem 01. Foto do Monumento em homenagem ao tropeiro localizado na praça do
tropeiro perpendicular a Avenida Getúlio Vargas. Fonte: Azevedo, 2008
Um exemplo emblemático desse sombreamento dos ícones ligados à cultura sertaneja está
explicitado na imagem 02, onde entre as sombras das árvores esta o monumento em
homenagem ao vaqueiro, praticamente invisível na paisagem urbana da cidade.
Imagem 02. Avenida Getúlio Vargas. Monumento em homenagem ao Vaqueiro. Fonte: Azevedo, 2009
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Em nossa percepção, Feira já nasce dual, primeiro porque foi inserida no contexto
baiano a partir da necessidade de criar gado para abastecer os centros produtores de cana de
açúcar e mineração, como vimos anteriormente, neste momento à cidade ainda fazia parte da
jurisdição de Cachoeira9, ou seja, era considerada como parte das cidades que pertenciam ao
recôncavo baiano10, integrada, dessa forma, ao conjunto de estruturação econômica das
cidades ao redor de Salvador ou do recôncavo baiano. Em 1833 Feira de Santana emancipa-se
e separa-se de Cachoeira, para polarizar sua própria microrregião. Com isso, alguns hábitos e
costumes do recorte litoral foram trazidos e introduzidos pela população migrante neste
período. Admitimos que o processo migratório foi de fundamental importância para que
mistura cultural se realizasse. Este fluxo migratório proporcionou agregar e misturar hábitos,
costumes e tradições diversas, modificando a cultura da cidade.
Aceitando a pluralidade cultural provocada pela migração e evidenciada neste início de século
principalmente pelos meios de comunicação, percebemos que a dualidade da cultura feirense
está marcadamente presente na paisagem, sobretudo, do centro da cidade de Feira de Santana,
aqui representado, como dito anteriormente, pela Avenida Getúlio Vargas e Rua Marechal
Deodoro da Fonseca.
Dessa forma, torna-se possível analisar o fenômeno da hibridez, da pluralidade cultural
vivida neste início de século XXI, que, por sua vez, fica registrado na paisagem urbana das
cidades. No caso da cidade em questão, Feira de Santana, escolhemos focar nestes dois
recortes culturais sertão e litoral em função da sua preponderância na paisagem desta cidade,
bem como em função do processo histórico, exposto acima, que subsidiou o surgimento e
crescimento da mesma.
É importante ressaltar que a Avenida Getúlio Vargas é relativamente mais extensa que a
Rua Marechal Deodoro da Fonseca, estas duas vias se cruzam formando um dos principais
pontos nodais da cidade. Mas as casas comerciais, os produtos, enfim, o público que circula e
freqüenta estes dois espaços são muito diferentes e consomem também culturas diferentes.
Os dois importantes, representativos e emblemáticos recortes culturais baianos o sertão e
o litoral, estão particularmente presentes nessas duas vias. Percebemos a cultura do sertão
descrita na paisagem da Rua Marechal Deodoro da Fonseca, através de seus hábitos e modos
viver e se relacionar com o espaço cotidianamente. Nas imagens a seguir observar-se-á
vendedores de frutas, verduras, legumes, beijus, bolos, feijões, produtos originários do sertão
baiano que são comercializados, via de regra, pelos próprios produtores, ocasionando mesmo
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no centro da cidade uma grande feira livre com produtos variados e atendendo a um público
de baixo poder aquisitivo.
Observa-se na imagem 03 a variedade de produtos comercializados na rua, são cajus,
laranjas, limas, mangas, feijão de corda, que é debulhado em um ritual corporal, memorial e
aceito a visibilidade urbana, ou seja, não há estranheza, todos dispostos ali no chão, observa-
se também a reduzida quantidade dos produtos, o que reforça a idéia de que são vindos das
pequenas propriedades de cultivo caseiro.
Imagem 03. Foto das vendedoras e vendedor de produtos alimentícios, localizados na Rua
Marechal Deodoro da Fonseca. Fonte: Azevedo, 2008
Já na imagem 04, visualizamos os produtos simbolicamente ligados aos hábitos
nordestinos, como os beijus de tapioca de variados tamanhos e sabores, a quebradinha, a
massa puba, derivada, assim como os beijus e a quebradinha, da mandioca, comida
tradicionalmente ligada ao sertão. Vemos mangas e limões em pequenas quantidades e
reservadas em sacos de nylon.
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Imagem 04. Foto da vendedora da Rua Marechal Deodoro da Fonseca.
Fonte: Azevedo, 2008
Pode ser visualizado nas imagens acima que as vendedoras utilizam parte do passeio das
lojas para comercializarem os seus produtos. Tendo em vista os trajetos e observações
realizados na rua não se observou uma relação conflituosa entre as vendedoras e os lojistas. O
imaginário do que significou a antiga feira é expressivamente marcante na cultura desta
cidade e as imagens 03 e 04 são exemplares.
Nas imagens 05 e 06 se remetem dois grandes símbolos da cultura do recôncavo baiano,
o acarajé e a moqueca, estes dois restaurantes localizados em uma área privilegiada da
avenida, atendem a um público de alto poder aquisitivo.
Na fachada mostrada na imagem 05, observamos os acompanhamentos do acarajé,
como a pimenta, o camarão e o vatapá. Todos estes se referem à cultura ligada ao litoral
baiano. Afirmamos isto com base no processo colonizador que impôs a Salvador e ao
chamado recôncavo baiano a influência das culturas africanas.
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Imagem 05. Foto do Restaurante na Avenida Getúlio Vargas. Fonte: Azevedo, 2008
Na imagem 06 o que é posto em destaque é a moqueca. A fachada do restaurante nos
induz a pensar em um ambiente de mar, representado pelos peixes e as ondas do letreiro, ver
imagem 07.
Imagem 06. Foto do Restaurante na Avenida Getúlio Vargas. Fonte: Azevedo, 2008
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Imagem 07. Detalhe da fachada do Restaurante Ki- Mukeka
Fonte: Reis, 2008.
3 Considerações finais
Diante da discussão empreendida acima, verificamos que em parte específica da Avenida
Getúlio Vargas há preponderância na paisagem urbana de elementos relacionados ao litoral e
recôncavo baianos, como, por exemplo, o acarajé, o vatapá e a moqueca. E que esta
paisagem, está em uma área privilegiada da Avenida, de grande valorização econômica e
sendo consumida por um público de alto poder aquisitivo.
Já na Rua Marechal Deodoro da Fonseca encontramos uma paisagem urbana que
contém elementos ligados ao sertão da Bahia, como os produtos derivados da mandioca e o
feijão de corda. O comércio de frutas, verduras, legumes e outros produtos é realizado por
feirantes originários da zona rural do município de Feira de Santana e atende, basicamente, ao
público de baixo poder aquisitivo. Assim, podemos inferir que a partir da leitura da paisagem
urbana da cidade de Feira de Santana percebemos a presença de elementos culturais
definidores dos grupos sociais que a compõem.
NOTAS
1 LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 2 VASCONCELOS, Cláudia Pereira. Ser-tão baiano: a baianidade e a sertanidade no jogo identitário da cultura baiana. Disponível em: <http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14139.pdf>. Acesso em: 20.11.2008. 3 SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: EDUSP, 2004. 4 LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. 5 FERRARA, Lucrecia D’Alessio. Ver a cidade: cidade, imagem, leitura. São Paulo: Nobel, 1988.
FERRARA, Lucrecia D’Alessio. Os significados urbanos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, FABESB, 2000. 6 OLIVEIRA, Lysie dos Reis; TRINCHÃO, Gláucia Maria Costa. A história contada a partir do desenho. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE ENGENHARIA GRAFICA NAS ARTES E NO DESENHO, 2., 1998,
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Feira de Santana. Anais... Feira de Santana: UEFS, Associação Brasileira dos Professores de Geometria Descritiva e Desenho Técnico, 1998. p. 156-164. 7 Os marcos são outro tipo de referência, mas nesse caso, o observador não entra neles: são externos. Em geral, são um objeto físico definido de maneira muito simples: edifício, sinal, loja ou montanha. (Lynch, 1997, p.53) 8 Segundo Lynch (1997, p. 52-53) “os pontos nodais são pontos, lugares estratégicos de uma cidade através dos quais o observador pode entrar, são focos intensivos para os quais ou a partir dos quais ele se locomove. Podem ser basicamente junções. Locais de interrupção do transporte, um cruzamento ou uma convergência de vias, momentos de passagem de uma estrutura a outra.” 9 Cidade distante cerca de 120 km da capital baiana, Salvador. Considerada recôncavo baiano, pela sua proximidade espacial e, principalmente, por coadunar a com cultura desta capital. 10 Região que agrega, por relações culturais e econômicas, cidades próximas à Salvador.
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