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Lalla Romano
Tradução de GeraldoHolanda Cavalcanti
Nascida em Cuneo, em 1906, Lalla Romano se viu cercada,desde a mais tenra infância, de um ambiente de vivo inte-
resse intelectual. Estimulada por seu professor de arte em Turim,iniciou uma carreira de pintora na qual se distinguiu na primeira me-tade do século XX. Ao lado dessa atividade inicialmente principal,Lalla dedicou-se por algum tempo à crítica de arte enquanto apro-fundava seus estudos literários, graduando-se, em 1928, com umatese sobre os poetas do dolce stil nuovo. Seus inícios como poeta de-vem-se ao estímulo recebido de Eugenio Montale, quem primeiro re-conheceu as potencialidades líricas da jovem poeta, do que resultouseu primeiro livro, intitulado Fiore. Mas cedo Lalla descobre sua ver-dadeira vocação na ficção literária, tornando-se uma prolífica e mui-tas vezes premiada romancista. Sua obra poética é relativamente pe-quena e espaçada. Giovane è il Tempo, seu mais importante livro de poe-sias, foi publicado em 1941. Nele Lalla Romano retoma e trabalhaalguns de seus primeiros poemas, aparecidos em Fiore, de grande for-ça lírica, vazados em textos muito curtos, com a densidade poética
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O tradutor, poetaGeraldo HolandaCavalcanti – que foiembaixador do Brasilem Roma – éprofundo conhecedorda literatura e dapoesia italiana.Distingue-se entrenós, tanto pela suaobra pessoal comopelas belas e magistraistraduções de Montale,Ungaretti eQuasimodo, publicadasem antologias bilíngüespela editora Record,a qual anuncia, parabreve, uma antologiade outro grande poetaitaliano, Umberto Saba.
Lalla RomanoTradução de Geraldo Holanda Cavalcanti
Poes ia Estrange ira
de verdadeiro haicais. Sua poesia de maturidade, sem perder o frescor do lím-pido lirismo de suas primeiras composições, está impregnada de tons elegía-cos, resultado do profundo sentimento de perda, de ausência e de silêncio oca-sionado pela morte de seu marido. Lalla Romano morreu em Milão, em 2001.
Esta pequena amostra procura apresentar os traços mais característicos deseu lirismo inicial e do desconsolo final.
Jovem é o tempo
Estreito e claro era o riotornou-se enorme e fogecomo um animal ferido
Até o ar está mortoo céu é como uma pedra
Os pássaros não sabem mais voaratiram-se como cegosdos beirais dos tetos
O amado odor do corpo
O sono das manhãsme encadeia os joelhosme cinge a frontecom suas vendas de seda
Então sem que eu te chamepenetras nos meus sonhos
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Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti
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Lalla Romano
Giovane è il tempo
Il fiume era esile e chiaroè diventado enorme e fuggecome um animale ferito
Anche l’aria è mortail cielo è come una pietra
Gli uccelli non sanno più volaresi buttano come ciechigiù dall’orlo dei tetti
Il caro odore del corpo
Il sonno nei mattinimi lega le ginocchiae la mia fronte cingecon le morbide bende
Allor non invocatotu entri nei miei sogni
e, eu vencida, me afagascom mãos violadoras
Em plena luz do diaa vertigem me cegae na escuridão do sonhotrêmula me transporta
Se em meu sonho comprimesa mão sobre o meu peitouma orgulhosa éguase empinaquer estradas livrespastagens sem-fim
Estou em ticomo o amado odor do corpocomo o humor do olhoe a doce saliva
Estou dentro de tino modo misteriosocomo a vida se dissolve no sanguee se mescla ao respiro
Caminhávamos tranqüilosuma noite de verãono frescor de um jardim?aflorei tua mãoou foi uma folha?beijei tua boca
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Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti
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Lalla Romano
e vinta mi accarezzicon mani violatrici
In mezzo al chiaro giornovertigine mi accecae nell’oscuro sognotremante mi sospinge
Se hai premuto nel sognola mano contro il mio pettouna orgogliosa cavallas’impennavuole libere stradee sterminate pasture
lo sono in tecome il caro odore del corpocome l’umore dell’occhioe la dolce saliva
lo sono dentro di tenel misterioso modoche la vita è disciolta nel sanguee mescolata al respiro
Noi andavamo leggeriuna notte d’estateper un fresco giardino?la tua manoho sfiorato o una foglia?la tua bocca ho baciato
ou uma fruta úmida e doce?não sei se bebi o silêncioda folhagem noturnaou teu amoroso silêncio
Tua mão me acenou por entre as folhasmas era a foice da luaque longe se escondia
Já que um mesmo inimigonos golpeia no escuroe numa mesma armadilhatenteamos perdidosunamos as nossas noitescomo os destroços dispersosde um exército vencido
Será vitória o silêncio:não requer som o diálogose em vez de dois somos um
Outrora o amorme levava pela mãoera um menino felizqueria brincar, gritar
Hoje como a um filho que esperecarrego-o no meu ventrepor isso caminho sem graçae é pálida a minha face
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Lalla Romano
o un frutto umido e dolce?non so se ho bevuto il silenziodelle piante notturneo il tuo amoroso silenzio
La tua mano mi salutò tra le piantema era falce di lunache tramontava lontano
Poichè uno stesso nemicoci colpisce nel buioe tra le stesse insidiebrancoliamo smarritiuniamo le nostre notticome gli sparsi tronconidi un exercito in rotta
Sarà vittoria il silenzio:il colloquio non ha suonose non siamo due ma uno
Un tempo amoremi conduceva per manoera un bambino felicevoglioso di giochi, di gridi
Ma ora come un figlio non natonel mio grembo lo portoperciò senza grazia camminoe pallida è la mia faccia
Tua voz distanteé solidãomais do que ausência
Assim vêem o céuos sepultadoscéu branco dos prisioneiroscéu interdito dos cegosrecusado à memória
Quero converter-tea uma doce fémenino que a chuva encharcatremendo ao frio insidiosocomo se treme de medo
Eu te esquentareiesquentarei a pedraas pálidas veias da relvao sangue frio dos peixeso antigo silênciodas serpentes de gélidas escamas
Como o cego se aferraao braço que o conduze a criança famintabusca o seio da amacada um sobre a terraa outro pede o seu bem
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Lalla Romano
La tua voce lontanaè solitudinepiù che l’assenza
Così vedono il cieloi sepolticielo bianco delle prigionicielo vietato dei ciechinegato alla memoria
Vorrei persuadertia una dolce fedebambino bagnato dalla pioggiatremante per l’insidioso freddoche è simile alla paura
lo ti riscalderòriscalderò la pietrale pallide vene dell’erbail freddo sangue dei pescil’antico silenziodei serpi dalle gelide squame
Come il cieco si afferraal braccio che lo conducee il bambino che ha famecerca il seno di donnaognuno sulla terrachiede all’altro il suo bene
Pobre em si mesmo cada umé para o outro rico
Cada um é a um tempo mãee filho:nutre e sacia-se
Como uma flor o céudebruado de vermelho pousade leve sobre a terra escura
Como a flor caídalentamente emurchecee a sua cor serenapouco a pouco escurece
Pende no céu profundoestame de ouro, a lua
O outono é um rei que dá sua última festa
Desbotaram-se os tapizes e os brocadosse desfazem, lânguido é o lampejardos ourosmas que importa?pois que o rei a cada um já deu sua quotadistribuiu os frutos e as sementes
e desta riqueza é hora agora de gozar:Nada será guardado
na solidão
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Lalla Romano
Ognuno povero in séè ricco per l’altro
Ognuno a un tempo è madree figlio:nutre e si sfama
Simile a un fiore il cielodagli orli vermigli posalieve sulla terra oscura
Come il fiore cadutolentamente appassisceil suo sereno colorea poco a poco imbruna
Pende nel cielo profondostame d’oro la luna
L’autunno è un re che dà l’ultima festa
Sono stinti gli arazzi e ormai consuntii bei broccati, languido è il brillìodegli ori
ma che importa?poichè già diede il re a ciascuno il suodistribuì i frutti e le seminagioni
e di questa ricchezza ora si goda:Nulla sarà riposto
in solitario
do recolhimento e na pobreza deseja o reiesperar a morte
Se é verdade que o gelosuplantará o tímido calorde nossas mãos agarradase que outro destino não teremosna terra banhada da chuvadas folhas do outonoé certo então que ao pó retornam os mundos
As eras se abaterão sem rumorcomo castelos de cinzassobre a lareira que já ninguém tocana casa desabitadasó o vento fará gemer as portasaté que apodreçam sob o céuquando até mesmo o teto tenha desabado
Eis tudo o que restará da casae do Eterno se dirá o Ausente
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Lalla Romano
raccoglimento e in povertà la mortevuole aspettare il re
Se è vero che il gelosoppianterà il timido caloredelle nostre mani avvintee noi non avremo altra sortenella terra bagnata dalla pioggiadelle foglie d’autunnoè vero che andranno in polvere i mondi
Le ere franeranno senza rumorecome castelli di ceneresul focolare che nessuno smuovenella casa disabitatasolo il vento farà gemere le portefinchè imputridiranno sotto il cieloquando anche il tetto si sarà scoperchiato
Questo e non altro rimarrà della casae l’Eterno sarà detto l’Assente
Poesia de Sandro Penna
Tradução de GeraldoHolanda Cavalcanti
Sandro Penna nasceu em Perúgia, em 1906. Formou-se em con-tabilidade e exerceu diversos empregos, mais ou menos precári-
os, entre os quais o de balconista numa livraria em Milão. Sempre in-capaz de assegurar-se um ganha-pão consistente, valeu-se até de con-trabandear mercadorias durante a guerra. Sua entrada em literatura foiresultado do encontro, em 1929, com Umberto Saba, que o introdu-ziu nos círculos literários, o que permitiu que seus primeiros versoscomeçassem a ter acolhida nas principais revistas literárias da época.Editado por Scheiwiller em 1956 e por Garzanti, em 1957, recebenesse ano o Prêmio Viareggio. Em 1960 Pier Paolo Pasolini procuradespertar a atenção para a obra do poeta dedicando-lhe dois ensaiosem seu livro Passione e Ideologia. Estão abertas as portas para os prêmiosque se seguem, o Fiuggi, em 1970, e o Bagutta, em 1977. Não signifi-ca o reconhecimento literário qualquer melhoria nas condições devida do poeta que, em 1974, vivendo em completa indigência, teveque ser socorrido mediante uma coleta de fundos organizada por ami-gos. A poesia de Sandro Penna é inteiramente pessoal, escapando às
211Poesia de Sandro PennaTradução de Geraldo HolandaCavalcanti
O tradutor, poetaGeraldo HolandaCavalcanti – que foiembaixador do Brasilem Roma – éprofundo conhecedorda literatura e dapoesia italiana.Distingue-se entrenós, tanto pela suaobra pessoal comopelas belas e magistraistraduções de Montale,Ungaretti e Quasimodo,publicadas emantologias bilíngüespela editora Record,a qual anuncia, parabreve, uma antologiade outro grande poetaitaliano, Umberto Saba.
Poes ia Estrange ira
Sandro Penna (caricatura).
influências contemporâneas e evitando qualquer aparato erudito. Caracteriza-sepor um lirismo transparente e puro, moldado em formas breves e melodiosasque chegam a lembrar sua contemporânea Lalla Romano, nascida no mesmoano que o poeta perugino. Certos críticos observam que o reconhecimento a eledado é muito inferior aos seus reais méritos literários, do que pode não ser estra-nha sua temática homossexual, por vezes beirando a pedofilia.
De Poesie, Parenti, 1939
Noite: sonho de esparsasjanelas iluminadas.Ouvir a clara vozdo mar. De um livro amadover as palavrassumirem ... – Oh estrelas fugidiaso amor da vida!
O mar é todo azul.O mar é todo calmo.Em mim há quase um urrode gozo. E tudo é calmo.
De Una strana gioia di vivere, Scheiwiller, 1956
Como é belo seguir-teó jovem que ondeiastranqüilo pelas ruas noturnas.Se paras numa esquina, longeeu pararei, longede tua paz, – ó ardentesolidão a minha.
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Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti
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Poes ia de Sandro Penna
De Poesie, Parenti, 1939
Notte: sogno di sparsefinestre illuminate.Sentir la chiara vocedal mare. Da un amatolibro veder parolesparire... – Oh stelle in corsal’amore della vita !
Il mare è tutto azzurro.Il mare è tutto calmo.Nel cuore è quasi un urlodi gioia. E tutto è calmo
De Una strana gioia di vivere, Scheiwiller, 1956
Come è bello seguirtio giovine che ondeggicalmo nella città notturna.Si ti fermi in un angolo, lontanoio resterò, lontanodalla tua pace, – o ardentesolitudine mia
De Come è forte il rumore
Como é forte o ruído da aurora!Feito de coisas mais que de pessoas.Precede-o às vezes um sibilo breve,uma voz que alegre desafia o dia.Mas logo na cidade tudo é imersoe a minha estrela é aquela estrela pálidaminha lenta morte sem desesperança.
De Croce e delizia, Longanesi, 1958
“Pega uma garota, e vai devagarinho,tenta umas beijocas. E em vez de ...” tranqüilopor detrás do bilhar, parando o jogo,alguém, com um jeito terno, ainda falavacom um ar paternal, e atenta graça.E o outro o ouvia, arregalado os olhostensos, culpados. A horrível desgraça!
Se passa uma beleza que se apressanão te ensombra a alma não tê-la estreitado.Voltas o rosto para o verde ocaso.Numa bicicleta passou a Beleza.
Juventude, amor, belas palavras,que coisa brilha em vós e vos resseca?Resta apenas um odor de merda secaao longo do caminho ensolarado.
Amor, amordileto dissabor.
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Poes ia de Sandro Penna
De Come è forte il rumore
Come è forte il rumore dell’alba!Fatto di cose più che di persone.Lo precede talvolta in fischio breve,una voce che lieta sfida il giorno.Ma poi nella città tutto è sommerso.e la mia stella è questa stella scialbamia lenta morte senza disperazione.
De Croce e delizia, Longanesi, 1958
“Prenditi una ragazza, e piano pianovai com qualque bacetto. E invesse...” calmooltre il verde bigliardo e il fermo giuoco,così tenero ancora, uno parlavapaternamente, com attenta grazia.E l’altro l’ascoltava, egli nei gonfiocchi colpevoli. L’orribile disgrazia!
Se passa una bellezza che va in frettanon hai l’anima nera, per non averla stretta.Tu guardi al cielo verde nella primasera. Passata è la Bellezza in bicicletta.
Amore, gioventù, liete parole,cosa splende su voi e vi dissecca?Resta un odore come merda seccalungo le siepe cariche di sole.
Amore, amore,lieto disonore.
De Stranezze, Garzanti, 1976
Alfio que um trem transporta para longe.Aonde carregas teus olhos dolorosose ao mesmo tempo alegres? Nasce o diae já parece a noite tão distanteque há tão pouco transcorreu conosco.A noite em que não me quiseste dara única coisa que eu te merecia e quepor não me dares corpo e mente me incendeiaa tal ponto que aurora, noite e diase confundemna única coisa que vejo que é teu lume.
De Il viaggiatore insonne, San Marco deiGiustniani, 1977
Existe ainda no mundo a beleza?Não estou falando de feições divinas.Mas do ébrio jovem que esperando o tremcom os olhos no infinito devaneia
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Poes ia de Sandro Penna
De Stranezze, Garzanti, 1976
Alfio che un treno porta assai lontano.Dove porti i tuoi occhi dolorosie tanto lieti insieme? Adesso è l’albae già tanto lontana pare la serache da poco è trascorsa con noi. La serain cui non hai voluto darmiquello che solo meritavo, quelloche non dato m’incendia cuore e mentea tal punto che l’alba o la sera od il giornofanno una confusionein cui vedo soltanto il tuo lume.
De Il viaggiatore insonne, San Marco deiGiustniani, 1977
Esiste ancora al mondo la bellezza?Oh non intendo i lineamenti fini.Ma alla stazione carico di ebbrezzail giovane con gli occhi ai suoi lontani lidi.
A Eugenio Montale
É festa no poente e eu sigoem direção oposta à multidãoque apressada e alegre deixa o estádio.Não olho ninguém e a todos olho.Recolho um sorriso vez em quando.Mais raramente um amável aceno.
E não recordo mais quem é que eu sou.Neste momento morrer não me agrada.Morrer parece-me demasiado injusto.Mesmo se não me lembro mais quem sou.
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Tradução de Geraldo Holanda Cavalcanti
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Poes ia de Sandro Penna
A Eugenio Montale
La festa verso l’imbrunire vadoin direzione opposta della follache allegra e svelta sorte dallo stadio.Io non guardo nessuno e guardo tutti.Un sorriso raccolgo ogni tanto.Più raramente un festoso saluto.
Ed io non mi ricordo più chi sono.Allora di morire mi dispiace.Di morire mi pare troppo ingiusto.Anche se non ricordo più chi sono.