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José Matias Eça de Queirós  LINDA tarde, meu amigo!... Estou esperando o enter ro do José Matia s do José Matias de Albuuerue, sobrino do "i s#ond e de $armilde... % meu amigo #erta mente o #one #eu um rapa& airoso, louro #omo uma espiga, #om um bigode #respo de paladino sobre uma bo#a inde#isa de #ontemplati'o, destro #a'aleiro, duma eleg(n#ia sóbria e )ina. E esp*rito #urio so, muito a)eiçoado +s idéias gerai s, to penet rante ue #ompreend eu a mina  Defesa da Filosofia Hegeliana! Esta imagem do José Matias data de -/01 porue a derradeira 'e& ue o en#ontrei, numa tarde agreste de Janeiro, metido num  portal da 2ua de 3. 4ento, tirita'a dentro duma uin&ena #or de mel, ro*da nos #oto'elos, e #eira'a abomina'elmente a aguardente. Mas o meu amigo, numa o#asio ue o José Matias parou em 5oimbra, re#olendo do 6orto, #eou #om ele, no 6aço do 5onde! Até o 5ra'eiro, ue prepara'a as  Ironias e Dores de Satã, para a#irrar mais a briga entre a Es#ola 6urista e a Es#ola 3at(n i#a, re#itou auele seu soneto, de to )7nebre idealis mo1  Na jaula do meu peito, o coração ... E ainda lembro o José Matias, #om uma grande gra'ata de #etim preto, tu)ada entre o #olete de lino bran#o, sem despegar os olos das 'elas das serpentinas, sorrindo palidamente +uele #oraço ue rugia na sua 8aula... Era uma noite de Abril, de Lua9#eia. 6asse:mos depois em bando, #om guitarras, pela 6onte e pelo 5oupal. % Janu:rio #antou ardentemente as ende#as rom(nti#as do nosso tempo1 %ntem de tarde, ao sol9posto, 5ontempla'as, silen#iosa, A torrente #audalosa Que re)er'ia a teus pés... E o José Matias, en#ostado ao parapeito da 6onte, #om a alma e os olos perdidos na Lua! 6or ue no a#ompana o meu amigo este moço interessante ao 5emitério dos 6ra&eres; Eu teno uma tipóia, de praça e #om n7mero, #omo #on'ém a um 6ro)essor de <iloso)ia... % u=; 6or #ausa das #alças #laras! %! meu #aro amigo! De todas as materiali&aç>es da simpatia, nenuma mais grosseiramente material do ue a #asimira preta. E o omem ue nós 'amos enterrar era um grande espiritualista! "em o #ai?o saindo da igre8a... Apenas tr=s #arruagens para o a#ompanar. Mas realmente, meu #aro amigo, o José Matias morreu : seis anos, no seu puro brilo. Esse, ue a* le'amos, meio de#omposto, dentro de t:buas agaloadas de amarelo, é um resto de b=bedo, sem istoria e sem nome, ue o )rio de <e'ereiro matou no 'o dum portal. % su8eito de ó#ulos de ouro, dentro do #upé;... No o #oneço, meu amigo. @al'e& um parente ri#o, desses ue apa re# em nos enterros, #om o parentes# o #or re# tamente #ob ert o de )umo, ua ndo o de)unto 8: no imp ort una , nem #ompromete. % omem obeso de #aro amarelo, dentro da 'itória, é o Al'es Capão, ue tem um 8ornal onde desgraçadamente a <iloso)ia no abunda, e ue se #ama a  Piada. Que relaç>es o prendiam ao Matias;... No sei. @al'e& se embebedassem nas mesmas tas#as tal'e& o José Matias Bltimamente #olaborasse na  Piada tal'e& debai?o dauela gordura e dauela literatura, ambas to sórdidas, se abrigue uma alma #ompassi'a. Agora é a nossa tipóia... Quer ue desça a 'idraça; Cm #igarro;... Eu trago )ós)oros. 6ois este José Matias )oi um omem des#onsolador para uem, #omo eu, na 'ida ama a e'oluço lógi#a e  pretende ue a espiga nasça #oerentemente do gro. Em 5oimbra sempre o #onsider:mos #omo uma alma es#andalosamente  banal. 6ara este 8u*&o #on#orria tal'e& a sua orrenda #orre#ço. Nun#a um rasgo brilante na batina! nun#a uma poeira estou'ada nos sapatos! nun#a um p=lo rebelde do #abelo ou do bigode )ugido dauele r*gido alino ue nos desola'a! Além disso, na nossa ardente geraço, ele )oi o 7ni#o intele#tual ue no rugiu #om as misérias da 6olónia ue leu sem palide& ou  pranto as Contemplações ue permane#eu insens*'el ante a )erida de $arib:ldi! E toda'ia, nesse José Matias, nenuma se#ura ou dure&a ou ego*smo ou desa)abilidade! 6elo #ontr:rio! Cm sua'e #amarada, sempre #ordial, e mansamente risono. @oda a sua inabal:'el uietaço pare#ia pro'ir duma imensa super)i#ialidade sentimental. E, nesse tempo, no )oi sem ra&o e  propriedade ue nós al#un:mos auele moço to ma#io, to louro e to ligeiro, de  MatiasCoraçãode!s"uilo. Quando se )ormou, #omo le morrera o pai, depois a me, deli#ada e linda senora de uem erdara #inuenta #ontos, partiu para Lisboa, alegrar a solido dum tio ue o adora'a, o general "is#onde de $armilde. % meu amigo sem d7'ida se lembra dessa per)eita estampa de general #l:ssi#o, sempre de bigodes terr)i#amente en#erados, as #alças #or de )lor de ale#rim desesperadamente esti#adas pelas presilas sobre as botas #orus#antes, e o #i#ote debai?o do braço #om a ponta a tremer, :'ida de 'ergastar o Mundo! $uerreiro grotes#o e deli#iosamente bom... % $armilde mora'a ento em Arroios, numa #asa antiga de a&ule8os, #om um 8ardim, onde ele #ulti'a'a apai?onadamente #anteiros soberbos de d:lias. Esse 8ardim subia muito sua'emente até ao muro #oberto de era ue o separa'a de outro 8ardim, o largo e belo 8ardim de rosas do 5onseleiro Matos Miranda, #u8a #asa, #om um are8ado terraço entre dois torro&inos amarelos, se erguia no #imo do outeiro e se #ama'a a #asa da 6arreiraF. % meu amigo #one#e Gpelo menos de tradiço, #omo se #one#e Helena de @róia ou In=s de 5astro a )ormosa Elisa Miranda, a Elisa da 6arreira... <oi a sublime bele&a rom(nti#a de Lisboa, nos )ins da 2egeneraço. Mas realmente Lisboa apenas a entre'ia  pelos 'idros da sua grande #ale#e, ou nalguma noite de iluminaço do 6asseio 67bli#o entre a poeira e a turba, ou nos dois  bailes da Assembleia do 5armo, de ue o Matos Miranda era um dire#tor 'enerado. 6or gosto borraleiro de pro'in#iana, ou  por perten#er +uela burguesia séria ue nesses tempos, em Lisboa, ainda #onser'a'a os antigos :bitos se'eramente en#errados, ou por imposiço paternal do marido, 8: diabéti#o e #om sessenta anos a Deusa raramente emergia de Arroios e  Acesse www.passeiweb.com

Queirós, Eça. José Matias

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8/16/2019 Queirós, Eça. José Matias

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José Matias

Eça de Queirós 

LINDA tarde, meu amigo!... Estou esperando o enterro do José Matias − do José Matias de Albuuerue, sobrino do"is#onde de $armilde... % meu amigo #ertamente o #one#eu − um rapa& airoso, louro #omo uma espiga, #om um bigode#respo de paladino sobre uma bo#a inde#isa de #ontemplati'o, destro #a'aleiro, duma eleg(n#ia sóbria e )ina. E esp*rito#urioso, muito a)eiçoado +s idéias gerais, to penetrante ue #ompreendeu a mina  Defesa da Filosofia Hegeliana! Estaimagem do José Matias data de -/01 porue a derradeira 'e& ue o en#ontrei, numa tarde agreste de Janeiro, metido num

 portal da 2ua de 3. 4ento, tirita'a dentro duma uin&ena #or de mel, ro*da nos #oto'elos, e #eira'a abomina'elmente aaguardente.

Mas o meu amigo, numa o#asio ue o José Matias parou em 5oimbra, re#olendo do 6orto, #eou #om ele, no 6aço do5onde! Até o 5ra'eiro, ue prepara'a as Ironias e Dores de Satã, para a#irrar mais a briga entre a Es#ola 6urista e a Es#ola3at(ni#a, re#itou auele seu soneto, de to )7nebre idealismo1  Na jaula do meu peito, o coração... E ainda lembro o JoséMatias, #om uma grande gra'ata de #etim preto, tu)ada entre o #olete de lino bran#o, sem despegar os olos das 'elas dasserpentinas, sorrindo palidamente +uele #oraço ue rugia na sua 8aula... Era uma noite de Abril, de Lua9#eia. 6asse:mosdepois em bando, #om guitarras, pela 6onte e pelo 5oupal. % Janu:rio #antou ardentemente as ende#as rom(nti#as do nossotempo1

%ntem de tarde, ao sol9posto,5ontempla'as, silen#iosa,A torrente #audalosaQue re)er'ia a teus pés...E o José Matias, en#ostado ao parapeito da 6onte, #om a alma e os olos perdidos na Lua! − 6or ue no a#ompana o

meu amigo este moço interessante ao 5emitério dos 6ra&eres; Eu teno uma tipóia, de praça e #om n7mero, #omo #on'ém aum 6ro)essor de <iloso)ia... % u=; 6or #ausa das #alças #laras! %! meu #aro amigo! De todas as materiali&aç>es da simpatia,nenuma mais grosseiramente material do ue a #asimira preta. E o omem ue nós 'amos enterrar era um grandeespiritualista!

"em o #ai?o saindo da igre8a... Apenas tr=s #arruagens para o a#ompanar. Mas realmente, meu #aro amigo, o JoséMatias morreu : seis anos, no seu puro brilo. Esse, ue a* le'amos, meio de#omposto, dentro de t:buas agaloadas de

amarelo, é um resto de b=bedo, sem istoria e sem nome, ue o )rio de <e'ereiro matou no 'o dum portal.% su8eito de ó#ulos de ouro, dentro do #upé;... No o #oneço, meu amigo. @al'e& um parente ri#o, desses ueapare#em nos enterros, #om o parentes#o #orre#tamente #oberto de )umo, uando o de)unto 8: no importuna, nem#ompromete. % omem obeso de #aro amarelo, dentro da 'itória, é o Al'es Capão, ue tem um 8ornal onde desgraçadamentea <iloso)ia no abunda, e ue se #ama a Piada. Que relaç>es o prendiam ao Matias;... No sei. @al'e& se embebedassem nasmesmas tas#as tal'e& o José Matias Bltimamente #olaborasse na  Piada tal'e& debai?o dauela gordura e dauela literatura,ambas to sórdidas, se abrigue uma alma #ompassi'a. Agora é a nossa tipóia... Quer ue desça a 'idraça; Cm #igarro;... Eutrago )ós)oros. 6ois este José Matias )oi um omem des#onsolador para uem, #omo eu, na 'ida ama a e'oluço lógi#a e

 pretende ue a espiga nasça #oerentemente do gro. Em 5oimbra sempre o #onsider:mos #omo uma alma es#andalosamente banal. 6ara este 8u*&o #on#orria tal'e& a sua orrenda #orre#ço. Nun#a um rasgo brilante na batina! nun#a uma poeiraestou'ada nos sapatos! nun#a um p=lo rebelde do #abelo ou do bigode )ugido dauele r*gido alino ue nos desola'a! Alémdisso, na nossa ardente geraço, ele )oi o 7ni#o intele#tual ue no rugiu #om as misérias da 6olónia ue leu sem palide& ou

 pranto as Contemplações ue permane#eu insens*'el ante a )erida de $arib:ldi! E toda'ia, nesse José Matias, nenuma se#ura

ou dure&a ou ego*smo ou desa)abilidade! 6elo #ontr:rio! Cm sua'e #amarada, sempre #ordial, e mansamente risono. @oda asua inabal:'el uietaço pare#ia pro'ir duma imensa super)i#ialidade sentimental. E, nesse tempo, no )oi sem ra&o e propriedade ue nós al#un:mos auele moço to ma#io, to louro e to ligeiro, de  MatiasCoraçãode!s"uilo. Quando se)ormou, #omo le morrera o pai, depois a me, deli#ada e linda senora de uem erdara #inuenta #ontos, partiu para Lisboa,alegrar a solido dum tio ue o adora'a, o general "is#onde de $armilde. % meu amigo sem d7'ida se lembra dessa per)eitaestampa de general #l:ssi#o, sempre de bigodes terr)i#amente en#erados, as #alças #or de )lor de ale#rim desesperadamenteesti#adas pelas presilas sobre as botas #orus#antes, e o #i#ote debai?o do braço #om a ponta a tremer, :'ida de 'ergastar oMundo! $uerreiro grotes#o e deli#iosamente bom... % $armilde mora'a ento em Arroios, numa #asa antiga de a&ule8os, #omum 8ardim, onde ele #ulti'a'a apai?onadamente #anteiros soberbos de d:lias. Esse 8ardim subia muito sua'emente até ao muro#oberto de era ue o separa'a de outro 8ardim, o largo e belo 8ardim de rosas do 5onseleiro Matos Miranda, #u8a #asa, #omum are8ado terraço entre dois torro&inos amarelos, se erguia no #imo do outeiro e se #ama'a a #asa da 6arreiraF. % meuamigo #one#e Gpelo menos de tradiço, #omo se #one#e Helena de @róia ou In=s de 5astro a )ormosa Elisa Miranda, a Elisada 6arreira... <oi a sublime bele&a rom(nti#a de Lisboa, nos )ins da 2egeneraço. Mas realmente Lisboa apenas a entre'ia

 pelos 'idros da sua grande #ale#e, ou nalguma noite de iluminaço do 6asseio 67bli#o entre a poeira e a turba, ou nos dois bailes da Assembleia do 5armo, de ue o Matos Miranda era um dire#tor 'enerado. 6or gosto borraleiro de pro'in#iana, ou por perten#er +uela burguesia séria ue nesses tempos, em Lisboa, ainda #onser'a'a os antigos :bitos se'eramenteen#errados, ou por imposiço paternal do marido, 8: diabéti#o e #om sessenta anos − a Deusa raramente emergia de Arroios e

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8/16/2019 Queirós, Eça. José Matias

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se mostra'a aos mortais. Mas uem a 'iu, e #om )a#ilidade #onstante, uase irremedi+'elmente, logo ue se instalou emLisboa, )oi o José Matias 9 porue, 8a&endo o pala#ete do general na )alda da #olina, aos pés do 8ardim e da #asa da 6arreira,no podia a di'ina Elisa assomar a uma 8anela, atra'essar o terraço, #oler uma rosa entre as ruas de bu?o, sem ser 

deli#iosamente 'is*'el, tanto mais ue nos dois 8ardins assoalados nenuma :r'ore espala'a a #ortina da sua rama densa. %meu amigo de#erto trauteou, #omo todos traute:mos, aueles 'ersos gastos, mas imortais1

Era no %utono, uando a imagem tua lu& da Lua...

6ois, #omo nessa estro)e, o pobre José Matias, ao regressar da praia da Eri#eira em %utubro, no %utono, a'istou ElisaMiranda, uma noite no terraço, + lu& da Lua! % meu amigo nun#a #ontemplou auele pre#ioso tipo de en#anto Lamartiniano.Alta, esbelta, ondulosa, digna da #omparaço b*bli#a da palmeira ao 'ento. 5abelos negros, lustrosos e ri#os, em bandósondeados. Cma #arnaço de #amélia muito )res#a. %los negros, l*uidos, uebrados, tristes, de longas pestanas... A! Meuamigo, até eu, ue 8: ento laboriosamente anota'a Hegel, depois de a en#ontrar numa tarde de #u'a esperando a #arruagem +

 porta do 3ei?as, a adorei durante tr=s e?altados dias e le rimei um soneto! No sei se o José Matias le dedi#ou sonetos. Mastodos nós, seus amigos, per#ebemos logo o )orte, pro)undo, absoluto amor ue #on#ebera, desde a noite de %utono, + lu& daLua, auele #oraço, ue em 5oimbra #onsider:'amos de es"uilo! 4em #ompreende ue omem to #omedido e uieto no se

e?alou em suspiros p7bli#os. J:, porém, no tempo de Aristóteles, se a)irma'a ue amor e )umo no se es#ondem e do nosso#errado José Matias o amor #omeçou logo a es#apar, #omo o )umo le'e atra'és das )endas in'is*'eis duma #asa )e#ada uearde terr'elmente. 4em me re#ordo duma tarde ue o 'isitei em Arroios, depois de 'oltar do Alente8o. Era um domingo deJulo. Ele ia 8antar #om uma tia9a'ó, uma D. Ma)alda Norona, ue 'i'ia em 4en)i#a, na uinta dos 5edros, ondeabitualmente 8anta'am também aos domingos o Matos Miranda e a di'ina Elisa. 5reio mesmo ue só nessa #asa ela e o JoséMatias se en#ontra'am, sobretudo #om as )a#ilidades ue o)ere#em pensati'as alamedas e retiros de sombra. As 8anelas douarto do José Matias abriam sobre o seu 8ardim e sobre o 8ardim dos Mirandas1 e, uando entrei, ele ainda se 'estia,lentamente. Nun#a admirei, meu amigo, )a#e umana aureolada por )eli#idade mais segura e serena! 3orria iluminadamenteuando me abraçou, #om um sorriso ue 'ina das pro)undidades da alma iluminada sorria ainda deli#iadamente enuanto eule #ontei todos os meus desgostos no Alente8o1 sorriu depois e?t+ti#amente, aludindo ao #alor e enrolando um #igarrodistra*do e sorriu sempre, enle'ado, a es#oler na ga'eta da #ómoda, #om es#r7pulo religioso, uma gra'ata de seda bran#a. E a#ada momento, irresist'elmente, por um :bito 8: to in#ons#iente #omo o pestane8ar, os seus olos risonos, #almamenteenterne#idos, se 'olta'am para as 'idraças )e#adas... De sorte ue, a#ompanando auele raio ditoso, logo des#obri, no

terraço da #asa da 6arreira, a di'ina Elisa, 'estida de #laro, #om um #apéu bran#o, passeando preguiçosamente, #alçando pensati'amente as lu'as, e espreitando também as 8anelas do meu amigo, ue um lampe8o obl*uo do 3ol o)us#a'a de man#asde ouro. % José Matias no entanto #on'ersa'a, antes murmura'a, atra'és do sorriso perene, #oisas a):'eis e dispersas. @oda asua atenço se #on#entrara diante do espelo, no al)inete de #oral e pérola para prender a gra'ata, no #olete bran#o ueabotoa'a e a8usta'a #om a de'oço #om ue um padre no'o, na e?altaço #(ndida da primeira missa, se re'este da estola e doami#to, para se a#er#ar do altar. Nun#a eu 'ira um omem deitar, #om to pro)undo =?tase, :gua9de9#olónia no lenço! E depoisde en)iar a sobre#asa#a, de le espetar uma soberba rosa, )oi #om ine):'el emoço, sem reter um deli#ioso suspiro, ue abriulargamente, solenemente, as 'idraças! Introi#o ad altarem De$! Eu permane#i dis#retamente enterrado no so):. E, meu #aroamigo, a#redite! In'e8ei auele omem + 8anela, imó'el, irto na sua adoraço sublime, #om os olos, e a alma, e todo o ser #ra'ados no terraço, na bran#a muler #alçando as lu'as #laras, e to indi)erente ao Mundo #omo se o Mundo )osse apenas oladrilo ue ela pisa'a e #obria #om os pés!

E este enle'o, meu amigo, durou de& anos, assim espl=ndido, puro, distante e imaterial! No ria... De#erto seen#ontra'am na uinta de D. Ma)alda1 de#erto se es#re'iam, e transbordantemente, atirando as #artas por #ima do muro uesepara'a os dois uintais1 mas nun#a, por #ima das eras desse muro, pro#uraram a rara del*#ia duma #on'ersa roubada ou adel*#ia ainda mais per)eita dum sil=n#io es#ondido na sombra. E nun#a tro#aram um bei8o... No du'ide! Algum aperto de mo)ugidio e sK)rego, sob os ar'oredos de D. Ma)alda, )oi o limite e?altadamente e?tremo, ue a 'ontade les mar#ou ao dese8o. %meu amigo no #ompreende #omo se manti'eram assim dois )r:geis #orpos, durante de& anos, em to terr*'el e mórbidorenun#iamento... 3im, de#erto les )altou, para se perderem, uma ora de segurança ou uma portina no muro. Depois a di'inaElisa 'i'ia realmente num mosteiro, em ue )errolos e grades eram )ormados pelos :bitos rgidamente re#lusos de MatosMiranda, diabéti#o e tristono. Mas, na #astidade deste amor, entrou muita nobre&a moral e )inura superior de sentimento. %amor espirituali&a o omem 9 e materiali&a a muler. Essa espirituali&aço era ):#il ao José Matias, ue Gsem nósdes#on)iarmos nas#era des'airadamente espiritualista mas a umana Elisa en#ontrou também um go&o deli#ado nessa idealadoraço de monge, ue nem ousa roçar, #om os dedos tr=mulos e embrulados no ros:rio, a t7ni#a da "irgem sublimada. Ele,sim! ele go&ou nesse amor trans#endentemente desmateriali&ado um en#anto sobre9umano. E durante de& anos, #omo o 2ui4las do 'elo Hugo, #aminou, 'i'o e deslumbrado, dentro do seu sono radiante, sono em ue Elisa abitou realmentedentro da sua alma, numa )uso to absoluta ue se tornou #onsubstan#ial #om o seu ser! A#reditar: o meu amigo ue eleabandonou o #aruto, mesmo passeando solit+riamente a #a'alo pelos arredores de Lisboa, logo ue des#obrira na uinta de D.Ma)alda, uma tarde, ue o )umo perturba'a Elisa;

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8/16/2019 Queirós, Eça. José Matias

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E esta presença real da di'ina #riatura no seu ser #riou no José Matias modos no'os, estranos, deri'ando daalu#inaço. 5omo o "is#onde de $armilde 8anta'a #edo, + ora 'ern:#ula do 6ortugal antigo, José Matias #ea'a, depois de 3.5arlos, nauele deli#ioso e saudoso 5a)é 5entral, onde o linguado pare#ia )rito no #éu, e o 5olares no #éu engarra)ado. 6ois

nun#a #ea'a sem serpentinas pro)usamente a#esas e a mesa 8un#ada de )lores. 6oru=; 6orue Elisa também ali #ea'a,in'is*'el. Da* esses sil=n#ios banados num sorriso religiosamente atento... 6oru=; 6orue a esta'a sempre es#utando! Aindame lembro dele arran#ar do uarto tr=s gra'uras #l:ssi#as de <aunos ousados e Nin)as rendidas... Elisa paira'a idealmentenauele ambiente e ele puri)i#a'a as paredes, ue mandou )orrar de sedas #laras. % amor arrasta ao lu?o, sobretudo amor deto elegante idealismo1 e o José Matias prodigali&ou #om esplendor o lu?o ue ela partila'a. De#entemente no podia andar #om a imagem de Elisa numa tipóia de praça, nem #onsentir ue a augusta imagem roçasse pelas #adeiras de palina da

 plateia de 3. 5arlos. Montou, portanto, #arruagens dum gosto sóbrio e puro1 e assinou um #amarote na pera, onde instalou, para ela, uma poltrona ponti)i#al, de #etim bran#o, bordado a estrelas de ouro.

Além disso, #omo des#obrira a generosidade de Elisa, logo se tornou #ongénere e sumptuosamente generoso1 e ninguéme?istiu ento em Lisboa ue espalasse, #om )a#ilidade mais risona, notas de #em mil9réis. Assim desbaratou, r+pidamente,sessenta #ontos #om o amor dauela muler a uem nun#a dera uma )lor!

E, durante esse tempo, o Matos Miranda; Meu amigo, o bom Matos Miranda no desman#a'a nem a per)eiço, nem auietaço desta )eli#idade! @o absoluto seria o espiritualismo do José Matias, ue apenas se interessasse pela alma de Elisa,

indi)erente +s submiss>es do seu #orpo, in'ólu#ro in)erior e mortal;... No sei. "erdade se8a! auele digno diabéti#o, to gra'e,sempre de cac%ene& de l es#ura, #om as suas su*ças grisalas, os seus ponderosos ó#ulos de ouro, no sugeria ideiasinuietadoras de marido ardente, #u8o ardor, )atalmente e in'olunt+riamente, se partila e abrasa. @oda'ia nun#a #ompreendi,eu, <ilóso)o, auela #onsideraço, uase #arinosa, do José Matias pelo omem ue, mesmo desinteressadamente, podia por direito, por #ostume, #ontemplar Elisa desapertando as )itas da saia bran#a!... Ha'eria ali re#one#imento por o Miranda ter des#oberto numa remota rua de 3et7bal Gonde José Matias nun#a a des#ortinaria auela di'ina muler, e por a manter em#on)orto, slidamente nutrida, )inamente 'estida, transportada em #ale#es de ma#ias molas; %u re#ebera o José Matias auela#ostumada #on)id=n#ia 9 no sou tua, nem deleF 9 ue tanto #onsola do sa#ri)*#io, porue tanto lison8eia o ego*smo;... No sei.Mas, #om #erte&a, este seu magn(nimo desdém pela presença #orporal do Miranda no templo, onde abita'a a sua Deusa, da'a+ )eli#idade de José Matias uma unidade per)eita, a unidade dum #ristal ue por todos os lados rebrila, igualmente puro, semarranadura ou man#a. E esta )eli#idade, meu amigo, durou de& anos... Que es#andaloso lu?o para um mortal!

Mas um dia, a terra, para o José Matias, tremeu toda, num terramoto de in#ompar:'el espanto. Em Janeiro ou <e'ereirode --, o Miranda, 8: debilitado pela diabetes, morreu #om uma pneumonia. 6or estas mesmas ruas, numa pa#orrenta tipóia

de praça, a#ompanei o seu enterro numeroso, ri#o, #om Ministros, porue o Miranda perten#ia +s Instituiç>es. E depois,apro'eitando a tipóia, 'isitei o José Matias em Arroios, no por #uriosidade per'ersa, nem para le le'ar )eli#itaç>esinde#entes, mas para ue, nauele lan#e deslumbrador, ele sentisse ao lado a )orça moderadora da <iloso)ia... En#ontrei porém#om ele um amigo mais antigo e #on)iden#ial, auele brilante Ni#olau da 4ar#a, ue 8: #ondu&i também a este #emitério,onde agora 8a&em, debai?o de l:pides, todos aueles #amaradas #om uem le'antei #astelos nas nu'ens... % Ni#olau #egara da"elosa, da sua uinta de 3antarém, de madrugada, re#lamado por um telegrama do Matias. Quando entrei, um #riado atare)adoarran8a'a duas malas enormes. % José Matias abala'a nessa noite para o 6orto. J: en'ergara mesmo um )ato de 'iagem, todonegro, #om sapatos de #ouro amarelo1 e depois de me sa#udir a mo, enuanto o Ni#olau reme?ia um grogue, #ontinuou'agando pelo uarto, #alado, #omo embaçado, #om um modo ue no era emoço, nem alegria pudi#amente dis)arçada, nemsurpresa do seu destino brus#amente sublimado. No! se o bom DarOin no nos ilude no seu li'ro da !'pressão das !moções,o José Matias, nessa tarde, só sentia e só e?primia embaraço! Em )rente, na #asa da 6arreira, todas as 8anelas permane#iam)e#adas sob a triste&a da tarde #in&enta. E, toda'ia, surpreendi o José Matias atirando para o terraço, r+pidamente, um olar em ue transpare#ia inuietaço, ansiedade, uase terror! 5omo direi; Auele é o olar ue se res'ala para a 8aula mal seguraonde se agita uma leoa! Num momento em ue ele entrara na al#o'a, murmurei ao Ni#olau, por #ima do grogue1 − % Matias)a& per)eitamente em ir para o 6orto...F Ni#olau en#oleu os ombros1 − 3im, pensou ue era mais deli#ado... Eu apro'ei. Massó durante os meses de luto pesado...F s sete oras a#ompan:mos o nosso amigo + estaço de 3anta Apolónia. Na 'olta,dentro do #upé ue uma grande #u'a batia, )iloso):mos. Eu sorria #ontente1 − Cm ano de luto, e depois muita )eli#idade emuitos )ilos... P um poema a#abado!F − % Ni#olau a#udiu, sério1 − E a#abado numa deli#iosa e su#ulenta prosa. A di'inaElisa )i#a #om toda a sua di'indade e a )ortuna do Miranda, uns de& ou do&e #ontos de renda... 6ela primeira 'e& na nossa 'ida#ontemplamos, tu e eu, a 'irtude re#ompensada!F

Meu #aro amigo! os meses #erimoniais de luto passaram, depois outros, e José Matias no se arredou do 6orto. NesseAgosto o en#ontrei eu instalado )undamentalmente no Hotel <ran#)ort, onde entretina a melan#olia dos dias abrasados,)umando Gporue 'oltara ao taba#o, lendo roman#es de J7lio "erne e bebendo #er'e8a gelada até ue a tarde re)res#a'a e elese 'estia, se per)uma'a, se )loria para 8antar na <o&.

E apesar de se a#er#ar o bendito remate do luto e da desesperada espera, no notei no José Matias nem al'oroço

elegantemente reprimido, nem re'olta #ontra a lentido do tempo, 'elo por 'e&es to moroso e trKpego... 6elo #ontr:rio! Aosorriso de radiosa #erte&a, ue nesses anos o iluminara #om um nimbo de beatitude, su#edera a seriedade #arregada, toda emsombra e rugas, de uem se debate numa d7'ida irresol7'el, sempre presente, roedora e dolorosa. Quer ue le diga; Nesse"ero, no Hotel <ran#)ort, sempre me pare#eu ue o José Matias, a #ada instante da sua 'ida a#ordada, mesmo embor#ando a

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)res#a #er'e8a, mesmo #alçando as lu'as ao entrar para a #ale#e ue o le'a'a + <o&, angustiadamente pergunta'a + sua#ons#i=n#ia1 − Que ei9de )a&er; Que ei9de )a&er;F − E depois, uma man, ao almoço, realmente me assombrou,e?#lamando ao abrir o 8ornal, #om um assomo de sangue na )a#e1 % u=; J: so R de Agosto; 3anto Deus... J: o )im de

Agosto!...F"oltei a Lisboa, meu amigo. % In'erno passou, muito se#o e muito a&ul. Eu trabalei nas minas (rigens do

)tilitarismo. Cm domingo, no 2ossio, uando 8: se 'endiam #ra'os nas taba#arias, a'istei dentro dum #upé a di'ina Elisa,#om plumas ro?as no #apéu. E nessa semana en#ontrei no meu  Di*rio Ilustrado a not*#ia #urta, uase t*mida, do #asamentoda sr.S D. Elisa Miranda... 5om uem, meu amigo; − 5om o #one#ido propriet:rio, o sr. <ran#is#o @orres Nogueira!...

% meu amigo #errou a* o puno, e bateu na #o?a, espantado. Eu também #errei os punos ambos, mas agora para osle'antar ao 5éu onde se 8ulgam os )eitos da @erra, e #lamar )uriosamente, aos urros, #ontra a )alsidade, a in#onst(n#ia ondeantee pér)ida, toda a enganadora torpe&a das muleres, e dauela espe#ial Elisa #eia de in)(mia entre as muleres! Atraiçoar +

 pressa, atabaloadamente, apenas )indara o luto negro, auele nobre, puro, intele#tual Matias! e o seu amor de de& anos,submisso e sublime!...

E depois de apontar os punos para o 5éu ainda os aperta'a na #abeça, gritando1 − Mas poru=; poru=;F − 6or amor;

Durante anos ela amara enle'adamente este moço, e dum amor ue se no desiludira nem se )artara, porue permane#iasuspenso, imaterial, insatis)eito. 6or ambiço; @orres Nogueira era um o#ioso am:'el #omo José Matias, e possu*a em 'inasipote#adas os mesmos #inuenta ou sessenta #ontos ue o José Matias erdara agora do tio $armilde em terras e?#elentes eli'res. Ento poru=; #ertamente porue os grossos bigodes negros do @orres Nogueira apete#iam mais + sua #arne do ue o

 buço louro e pensati'o do José Matias! A! bem ensinara 3. Joo 5risóstomo ue a muler é um monturo de impure&a, erguido+ porta do In)erno!

6ois, meu amigo, uando eu assim rugia, en#ontro uma tarde na rua do Ale#rim o nosso Ni#olau da 4ar#a, ue salta datipóia, me empurra para um portal, agarra e?#itadamente no meu pobre braço e e?#lama engasgado1 − J: sabes; <oi o JoséMatias ue re#usou! Ela es#re'eu, este'e no 6orto, #orou... Ele nem #onsentiu em a 'er! No uis #asar, no uer #asar!F<iuei trespassado. − E ento ela...F 9 Despeitada, )ortemente #er#ada pelo @orres, #ansada da 'iu'i#e, #om aueles belostrinta anos em boto, ue diabo! 5otada, #asou!F Eu ergui os braços até + abóbada do p:tio1 − Mas ento esse sublime amor do José Matias;F % Ni#olau, seu *ntimo e #on)idente, 8urou #om irre#us:'el segurança1 − P o mesmo sempre! In)inito,absoluto... Mas no uer #asar!F − Ambos nos ol:mos, e depois ambos nos separ:mos, en#olendo os ombros, #om auele

assombro resignado ue #on'ém a esp*ritos prudentes perante o In#ognos#*'el. Mas eu, <ilóso)o, e portanto esp*ritoimprudente, toda essa noite es)urauei o a#to do José Matias #om a ponta duma 6si#ologia ue e?pressamente aguçara1 − e 8:de madrugada, esta)ado, #on#lu*, #omo se #on#lui sempre em <iloso)ia, ue me en#ontra'a diante duma 5ausa 6rimaria,

 portanto impenetr:'el, onde se uebraria, sem 'antagem para ele, para mim ou para o Mundo, a ponta do meu Instrumento!Depois a di'ina Elisa #asou e #ontinuou abitando a 6arreira #om o seu @orres Nogueira, no #on)orto e sossego ue 8:

go&ara #om o seu Matos Miranda. No meado do "ero José Matias re#oleu do porto a Arroios, ao #asaro do tio $armilde,onde re#uperou os seus antigos uartos, #om as 'arandas para o 8ardim, 8: )lorido de d:lias ue ninguém trata'a. "eio Agosto,#omo sempre em Lisboa silen#ioso e uente. Aos domingos José Matias 8anta'a #om D. Ma)alda de Norona, em 4en)i#a,solit+riamente 9 porue o @orres Nogueira no #one#ia auela 'enerada senora da Quinta dos 5edros. A di'ina Elisa, #om'estidos #aros, passea'a + tarde no 8ardim entre as roseiras. De sorte ue a 7ni#a mudança, nauele do#e #anto de Arroios,

 pare#ia ser o Matos Miranda no seu belo 8a&igo dos 6ra&eres, todo de m:rmore 9 e o @orres Nogueira no leito e?#elente deElisa.

Ha'ia, porém, uma tremenda e dolorosa mudança 9 a do José Matias! Adi'ina o meu amigo #omo esse desgraçado#onsumia os seus estéreis dias; 5om os olos, e a memória, e a alma, e todo o ser #ra'ados no terraço, nas 8anelas, nos 8ardinsda 6arreira! Mas agora no era de 'idraças largamente abertas, em aberto =?tase, #om o sorriso de segura beatitude1 era por tr:sdas #ortinas )e#adas, atra'és duma es#assa )enda, es#ondido, surrupiando )urti'amente os bran#os sul#os do 'estido bran#o,#om a )a#e toda de'astada pela ang7stia e pela derrota. E #ompreende porue so)ria assim, esse pobre #oraço; 5ertamente

 porue Elisa, desdenada pelos seus braços )e#ados, #orrera logo, sem luta, sem es#r7pulos, para outros braços, maisa#ess*'eis e prontos... No, meu amigo! E note agora a #ompli#ada subtile&a desta pai?o. % José Matias permane#iade'otamente #rente de ue Elisa, na pro)undidade da sua alma, nesse sagrado )undo espiritual onde no entram as imposiç>esdas #on'eni=n#ias, nem as de#is>es da ra&o pura, nem os *mpetos do orgulo, nem as emoç>es da #arne 9 o ama'a, a ele,Bni#amente a ele, e #om um amor ue no depere#era, no se alterara, )loria em todo o seu 'iço, mesmo sem ser regado outratado, #omo a antiga 2osa M*sti#a! % ue o tortura'a, meu amigo, o ue le #ra'ara longas rugas em #urtos meses, era ueum omem, um mar#o, um bruto, se ti'esse apoderado dauela muler ue era sua! e ue do modo mais santo e maisso#ialmente puro, sob o patro#*nio enterne#ido da Igre8a e do Estado, lambu&asse #om os ri8os bigodes negros, + )arta, os

di'inos l:bios ue ele nun#a ousara roçar, na supersti#iosa re'er=n#ia e uase no terror da sua di'indade! 5omo le direi;... %sentimento deste e?traordin:rio Matias era o de um monge, prostrado ante uma Imagem da "irgem, em trans#endente enle'o 9uando de repente um bestial sa#r*lego trepa ao altar, e ergue obs#enamente a t7ni#a da Imagem. % meu amigo sorri... E entoo Matos Miranda; A! meu amigo! esse era diabéti#o, e gra'e, e obeso, e 8: e?istia instalado na 6arreira, #om a sua obesidade

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e a sua diabetes, uando ele #one#era Elisa e le dera para sempre 'ida e #oraço. E o @orres Nogueira, esse, rompera brutalmente atra'és do seu pur*ssimo amor, #om os negros bigodes, e os #arnudos braços, e o ri8o arranue dum antigo pegador de touros, e empolgara auela muler 9 a uem re'elara tal'e& o ue é um omem!

Mas, #om os demónios! essa muler ele a re#usara, uando ela se le o)ere#ia, na )res#ura e na grande&a dumsentimento ue nenum desdém ainda resseuira ou abatera. Que uer;... P a espantosa tortuosidade espiritual deste Matias!Ao #abo de uns meses ele es"uecera, positi'amente es"uecera essa re#usa a)rontosa, #omo se )ora um le'e desen#ontro deinteresses materiais ou so#iais, passado : meses, no Norte, e a ue a dist(n#ia e o tempo dissipa'am a realidade e a amargurale'e! E agora, aui em Lisboa, #om as 8anelas de Elisa diante das suas 8anelas e as rosas dos dois 8ardins unidos res#endendona sombra, a dor presente, a dor real, era ue ele amara sublimemente uma muler, e ue a #olo#ara entre as estrelas para mais

 pura adoraço, e ue um bruto moreno, de bigodes negros, arran#ara essa muler de entre as estrelas e a arremessara para a#ama!

Enredado #aso, em, meu amigo; A! muito )iloso)ei sobre ele, por de'er de )ilóso)o! E #on#lu* ue o Matias era umdoente, ata#ado de iperespiritualismo, duma in)lamaço 'iolenta e p7trida do espiritualismo, ue re#eara apa'oradamente asmaterialidades do #asamento, as #inelas, a pele pou#o )res#a ao a#ordar, um 'entre enorme durante seis meses, os meninos

 berrando no berço molado... E agora rugia de )uror e tormento, porue #erto materialo, ao lado, se pronti)i#ara a a#eitar Elisa

em #amisola de l. Cm imbe#il;... No, meu amigo! um ultra9rom(nti#o, lou#amente aleio +s realidades )ortes da 'ida, uenun#a suspeitou ue #inelas e #ueiros su8os de meninos so #oisas de superior bele&a em #asa em ue entre o sol e a8a amor.

E sabe o meu amigo o ue e?a#erbou, mais )uriosamente, este tormento; P ue a pobre Elisa mostra'a por ele o antigoamor! Que le pare#e; In)ernal, em;... 6elo menos se no sentia o antigo amor inta#to na sua ess=n#ia, )orte #omo outrora e7ni#o, #onser'a'a pelo pobre Matias uma irresist*'el #uriosidade e repetia os gestos desse amor... @al'e& )osse apenas a)atalidade dos 8ardins 'i&inos! No sei. Mas logo desde 3etembro, uando o @orres Nogueira partiu para as suas 'inas de5ar#a'elos, a assistir + 'indima, ela re#omeçou, da borda do terraço, por sobre as rosas e as d:lias abertas, auela do#e remessade do#es olares #om ue durante de& anos e?tasiara o #oraço do José Matias.

 No #reio ue se es#re'essem por #ima do muro do 8ardim, #omo sob o regime paternal do Matos Miranda... % no'osenor, o omem robusto da bigodeira negra, impuna + di'ina Elisa, mesmo de longe, de entre as 'inas de 5ar#a'elos,retraimento e prud=n#ia. E a#almada por auele marido, moço e )orte, menos sentiria agora a ne#essidade de algum en#ontrodis#reto na sombra tépida da noite, mesmo uando a sua eleg(n#ia moral e o r*gido idealismo do José Matias #onsentissem emapro'eitar uma es#ada #ontra o muro... De resto, Elisa era )undamentalmente onesta e #onser'a'a o respeito sagrado do seu

#orpo, por o sentir to belo e #uidadosamente )eito por Deus 9 mais do ue da sua alma. E uem sabe;... @al'e& a ador:'elmuler perten#esse + bela raça dauela maruesa italiana, a Maruesa Julia de Mal)ieri, ue #onser'a'a dois amorosos ao seudo#e ser'iço, um poeta para as deli#ade&as rom(nti#as e um #o#eiro para as ne#essidades grosseiras.

En)im, meu amigo, no psi#ologuemos mais sobre esta 'i'a, atr:s do morto ue morreu por ela! % )a#to )oi ue Elisa eo seu amigo insens'elmente re#a*ram na 'ela unio ideal, atra'és dos 8ardins em )lor. E em %utubro, #omo o @orres Nogueira#ontinua'a a 'indimar em 5ar#a'elos, o José Matias, para #ontemplar o terraço da 6arreira, 8: abria de no'o as 'idraças, largae e?t+ti#amente!

6are#e ue um to e?treme espiritualista, re#onuistando a idealidade do antigo amor, de'ia reentrar também na antiga)eli#idade per)eita. Ele reina'a na alma imortal de Elisa1 − ue importa'a ue outro se o#upasse do seu #orpo mortal; Mas no!o pobre moço so)ria, angustiadamente. E, para sa#udir a pung=n#ia destes tormentos, )indou, ele to sereno, duma to do#earmonia de modos, por se tornar um agitado. A! meu amigo, ue redemoino e estrépito de 'ida! Desesperadamente, duranteum ano, reme?eu, aturdiu, es#andali&ou Lisboa! 3o desse tempo algumas das suas e?tra'ag(n#ias lend:rias... 5one#e a da#eia; Cma #eia o)ere#ida a trinta ou uarenta muleres das mais torpes e das mais su8as, apanadas pelas negras 'ielas do4airro Alto e da Mouraria, ue depois mandou montar em burros, e gra'emente, melan#li#amente, posto na )rente, sobre umgrande #a'alo bran#o, #om um imenso #i#ote, #ondu&iu aos altos da $raça, para saudar a apariço do 3ol!

Mas todo este alarido no le dissipou a dor 9 e )oi ento ue, nesse In'erno, #omeçou a 8ogar e a beber! @odo o dia seen#erra'a em #asa G#ertamente por tr:s das 'idraças, agora ue @orres Nogueira regressara das 'inas, #om olos e alma#ra'ados no terraço )atal depois, + noite, uando as 8anelas de Elisa se apaga'am, sa*a numa tipóia, sempre a mesma, a tipóiado +ago, #orria + roleta do 4ra'o, depois ao #lube do 5a'aleiroF, onde 8oga'a )renTti#amente até + tardia ora de #ear, numgabinete de restaurante, #om molos de 'elas a#esas, e o #olares, e o #ampane, e o #onaue #orrendo em 8orrosdesesperados.

E esta 'ida, espi#açada pelas <7rias, durou anos, sete anos! @odas as terras ue le dei?ara o tio $armilde se )oram,largamente 8ogadas e bebidas1 e só le resta'a o #asaro de Arroios e o dineiro apressado, porue o ipote#ara. Mas,sBbitamente, desapare#eu de todos os antros de 'ino e de 8ogo. E soubemos ue o @orres Nogueira esta'a morrendo #om umaanasar#a!

6or esse tempo, e por #ausa dum negó#io do Ni#olau da 4ar#a, ue me telegra)ara ansiosamente da sua uinta de3antarém Gnegó#io embrulado, duma letra, pro#urei o José Matias em Arroios, +s de& oras, numa noite uente de Abril. %#riado, enuanto me #ondu&ia pelo #orredor mal alumiado, 8: desadornado das ri#as ar#as e talas da Undia do 'elo $armilde,#on)essou ue 3. E?.S no a#abara de 8antar... E ainda me lembro, #om um arrepio, da impresso desolada ue me deu o

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desgraçado! Era no uarto ue abria sobre os dois 8ardins. Diante duma 8anela, ue as #ortinas de damas#o #erra'am, a mesaresplande#ia, #om duas serpentinas, um #esto de rosas bran#as e algumas das nobres pratas do $armilde1 e ao lado, todoestendido numa poltrona, #om o #olete bran#o desabotoado, a )a#e l*'ida des#a*da sobre o peito, um #opo 'a&io na mo inerte,

o José Matias pare#ia adorme#ido ou morto.Quando le touei no ombro, ergueu num sobressalto a #abeça, toda despenteada1 − Que oras so;F − Apenas le

gritei, num gesto alegre, para o despertar, ue era tarde, ue eram de&, en#eu pre#ipitadamente o #opo, da garra)a mais#egada, de 'ino bran#o, e bebeu lentamente, #om a mo a tremer, a tremer... Depois, arredando os #abelos da testa 7mida1 −Ento ue : de no'o;F − Esga&eado, sem #ompreender, es#utou, #omo num sono, o re#ado ue le manda'a o Ni#olau. 6or )im, #om um suspiro, reme?eu uma garra)a de #ampane dentro do balde em ue ela gela'a, en#eu outro #opo, murmurando1− Cm #alor... Cma sede!...F Mas no bebeu1 arran#ou o #orpo pesado + poltrona de 'erga, e )orçou os passos mal )irmes paraa 8anela, a ue abriu 'iolentamente as #ortinas, depois a 'idraça... E )i#ou irto, #omo #olido pelo sil=n#io e es#uro sossego danoite estrelada. Eu espreitei, meu amigo! Na #asa da 6arreira duas 8anelas brila'am, )ortemente alumiadas, abertas + ma#iaaragem. E essa #laridade 'i'a en'ol'ia uma )igura bran#a, nas longas pregas de um roupo bran#o, parada + beira do terraço,#omo esue#ida numa #ontemplaço. Era Elisa, meu amigo! 6or tr:s, no )undo do uarto #laro, o marido #ertamente arue8a'a,na opresso da anasar#a. Ela, imó'el, repousa'a, mandando um do#e olar, tal'e& um sorriso, ao seu do#e amigo. % miser:'el,

)as#inado, sem respirar, sor'ia o en#anto dauela 'iso ben)a&e8a. E entre eles res#endiam, na mole&a da noite, todas as )loresdos dois 8ardins... 3Bbitamente Elisa re#oleu, + pressa, #amada por algum gemido ou impa#i=n#ia do pobre @orres. E as 8anelas logo se )e#aram, toda a lu& e 'ida se sumiram na #asa da 6arreira.

Ento José Matias, #om um soluço despedaçado, de transbordante tormento, #ambaleou, to ansiadamente se agarrou +#ortina ue a rasgou, e tombou desamparado nos braços ue le estendi, e em ue o arrastei para a #adeira, pesadamente, #omoa um morto ou a um b=bedo. Mas, 'ol'ido um momento, #om espanto meu, o e?traordin:rio omem des#erra os olos, sorrinum lento e inerte sorriso, murmura uase serenamente1 − P o #alor... Est: um #alor! "o#= no uer tomar #:;F

2e#usei e abalei 9 enuanto ele, indi)erente + mina )uga, estendido na poltrona, a#endia trTmulamente um imenso#aruto.

3anto Deus! 8: estamos em 3anta Isabel! 5omo estes lagóias 'o arrastando depressa o pobre José Matias para o pó e para o 'erme )inal! 6ois, meu amigo, depois dessa #uriosa noite, o @orres Nogueira morreu. A di'ina Elisa, durante o no'oluto, re#oleu + uinta duma #unada também 'i7'a, + 5orte MoreiraF, ao pé de 4e8a. E o José Matias inteiramente se sumiu,se e'aporou, sem ue me re'oassem no'as dele, mesmo in#ertas 9 tanto mais ue o *ntimo por uem as #one#eria, o nosso

 brilante Ni#olau da 4ar#a, partira para a Ila da Madeira, #om o seu derradeiro pedaço de pulmo, sem esperança, por de'er #l:ssi#o, uase de'er so#ial, de t*si#o.@odo esse ano, também, andei en)ronado no meu  !nsaio dos fenmenos afecti-os. Depois, um dia, no #omeço do

"ero, des#endo pela rua de 3. 4ento, #om os olos le'antados, a pro#urar o n.V -W, onde se #ataloga'a a li'raria do Morgadode a&emel, uem a'isto eu + 'aranda duma #asa no'a e de esuina; A di'ina Elisa, metendo )olas de al)a#e na gaiola de um#an:rio! E bela, meu amigo! mais #eia e mais armoniosa, toda madura, e su#ulenta, e dese8:'el, apesar de ter )este8ado em4e8a os seus uarenta e dois anos! Mas auela muler era da grande raça de Helena, ue uarenta anos também depois do#er#o de @róia ainda deslumbra'a os omens mortais e os Deuses imortais. E, #urioso a#aso! logo nessa tarde, pelo 3e#o, oJoo 3e#o da 4ibliote#a, ue #ataloga'a a li'raria do Morgado, #one#i a no'a istória desta Helena admir:'el.

A di'ina Elisa tina agora um amante... E Bni#amente por no poder, #om a sua #ostumada onestidade, possuir umleg*timo e ter#eiro marido. % ditoso moço ue ela adora'a era #om e)eito #asado... 5asado em 4e8a #om uma espanola ue,ao #abo dum ano desse #asamento e de outros reuebros, partira para 3e'ila, passar de'otamente a 3emana 3anta, e l:adorme#era nos braços dum riu*ssimo #riador de gado. % marido, pa#ato apontador de %bras 67bli#as, #ontinuara em 4e8a,

onde também 'agamente ensinara um 'ago deseno... %ra uma das suas dis#*pulas era a )ila da senora da 5orte MoreiraF1 ea* na uinta, enuanto ele guia'a o es)umino da menina, Elisa o #one#eu e o amou, #om uma pai?o to urgente ue oarran#ou pre#ipitamente +s %bras 67bli#as, e o arrastou a Lisboa, #idade mais prop*#ia do ue 4e8a a uma )eli#idadees#andalosa, e ue se es#onde. % Joo 3e#o é de 4e8a, onde passara o Natal #one#ia per)eitamente o apontador, as senorasda 5orte MoreiraF e #ompreendeu o roman#e uando das 8anelas desse n.V -W, onde #ataloga'a a Li'raria do A&emel,re#one#eu Elisa na 'aranda da esuina, e o apontador en)iando regaladamente o porto, bem 'estido, bem #alçado, de lu'as#laras, #om apar=n#ia de ser in)initamente mais ditoso nauelas obras parti#ulares do ue nas 67bli#as.

E dessa mesma 8anela do -W o #one#i eu também, o apontador! 4elo moço, sólido, bran#o, de barba es#ura, eme?#elentes #ondiç>es de uantidade Ge tal'e& mesmo de ualidade para en#er um #oraço 'i7'o, e portanto 'a&ioF, #omodi& a 4*blia. Eu )reuenta'a esse n.V -W, interessado no #atalogo da Li'raria, porue o Morgado de A&emel possu*a, peloiróni#o a#aso das eranças, uma #ole#ço in#ompar:'el dos <ilóso)os do sé#ulo X"III. E passadas semanas, saindo dessesli'ros uma noite Go Joo 3e#o trabala'a de noite e parando adiante, + beira dum portal aberto, para a#ender o #aruto,en?ergo + lu& tremente do )ós)oro, metido na sombra, o José Matias! Mas ue José Matias, meu #aro amigo! 6ara o #onsiderar 

mais detidamente, raspei outro )ós)oro. 6obre José Matias! Dei?ara #res#er a barba, uma barba rara, inde#isa, su8a, mole #omo#oto amarelado1 dei?ara #res#er o #abelo, ue le surdia em )arripas se#as de sob um 'elo #apéu9#o#o1 mas todo ele, noresto, pare#ia diminu*do, minguado, dentro duma uin&ena de mes#la en?o'alada e dumas #alças pretas, de grandes bolsos,

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onde es#ondia as mos #om o gesto tradi#ional, to in)initamente triste, da miséria o#iosa. Na espantada l:stima ue me tomou,apenas balbu#iei1 − %ra esta! "o#=! Ento ue é )eito;F − E ele, #om a sua mansido polida, mas se#amente, para sedesembaraçar, e numa 'o& ue a aguardente enrouue#era1 6or aui, + espera de um su8eitoF. −  No insisti, segui. Depois,adiante, parando, 'eri)iuei o ue num relan#e adi'inara 9 ue o portal negro )i#a'a em )rente ao prédio no'o e +s 'arandas deElisa!

6ois, meu amigo, tr=s anos 'i'eu o José Matias en#a)uado nauele portal!Era um desses p:tios de Lisboa antiga, sem porteiro, sempre es#an#arados, sempre su8os, #a'ernas laterais da rua, de

onde ninguém es#orraça os es#ondidos da miséria ou da dor. Ao lado a'ia uma ta'erna. In)al'elmente, ao anoite#er, o JoséMatias des#ia a rua de 3. 4ento, #olado aos muros, e,#omo uma sombra, mergula'a na sombra do portal. A essa ora 8: as

 8anelas de Elisa lu&iam, de In'erno emba#iadas pela né'oa )ina, de "ero ainda abertas e are8ando no repouso e na #alma. E para elas, imó'el, #om as mos nas algibeiras, o José Matias se ueda'a em #ontemplaço. 5ada meia ora, subtilmente,en)ia'a para a ta'erna. 5opo de 'ino, #opo de aguardente − e, de mansino, re#olia + negrura do portal, ao seu =?tase.Quando as 8anelas de Elisa se apaga'am, ainda atra'és da longa noite, mesmo das negras noites de In'erno 9 en#olido,transido, a bater as solas rotas do la8edo, ou sentado ao )undo, nos degraus da es#ada 9 )i#a'a esmagando os olos tur'os na)a#ada negra dauela #asa, onde a sabia dormindo #om o outro!

Ao prin#*pio, para )umar um #igarro apressado, trepa'a até ao patamar deserto, a es#onder o lume ue o denun#iaria noseu es#onderi8o. Mas depois, meu amigo, )uma'a in#essantemente, #olado + ombreira, pu?ando o #igarro #om (nsia, para ue a ponta rebrilasse, o alumiasse! E per#ebe poru=, meu amigo;... 6orue Elisa 8: des#obrira ue, dentro dauele portal, a adorar submissamente as suas 8anelas, #om a alma de outrora, esta'a o seu pobre José Matias!...

E a#reditar: o meu amigo ue ento, todas as noites, ou por tr:s da 'idraça ou en#ostada + 'aranda G#om o apontador dentro, estirado no so):, 8: de #inelas, lendo o  .ornal da Noite, ela se demora'a a )itar o portal, muito uieta, sem outrogesto, nauele antigo e mudo olar do terraço por sobre as rosas e as d:lias; % José Matias per#ebera, deslumbrado. E agoraa'i'a'a desesperadamente o lume, #omo um )arol, para guiar na es#urido os amados olos dela, e le mostrar ue ali esta'a,transido, todo seu, e )iel!

De dia nun#a ele passa'a na rua de 3. 4ento. 5omo ousaria, #om o 8aueto roto nos #oto'elos e as botas #ambadas;6or ue auele moço de eleg(n#ia sóbria e )ina tombara na miséria do andra8o; %nde arran8a'a mesmo, #ada dia, os tr=s

 pata#os para o 'ino e para a posta de ba#alau nas ta'ernas; No sei... Mas lou'emos a di'ina Elisa, meu amigo! muitodeli#adamente, por #aminos arredados e astutos, ela, ri#a, pro#urara estabele#er uma penso ao José Matias, mendigo.

3ituaço pi#ante, em; a grata senora dando duas mesadas aos seus dois omens 9 o amante do #orpo e o amante da alma!Ele, porém, adi'inou de onde pro#edia a pa'orosa esmola 9 e re#usou, sem re'olta, nem alarido de orgulo, até #omenterne#imento, até #om uma l:grima nas p:lpebras ue a aguardente in)lamara!

Mas só #om noite muito #errada ousa'a des#er + rua de 3. 4ento, e en)iar para o seu portal. E adi'ina o meu amigo#omo ele gasta'a o dia; A espreitar, a seguir, a )are8ar o apontador de %bras 67bli#as! 3im, meu amigo! uma #uriosidadeinsa#iada, )renéti#a, atro&, por auele omem, ue Elisa es#olera!... %s dois anteriores, o Miranda e o Nogueira, tinamentrado na al#o'a de Elisa, pBbli#amente, pela porta da Igre8a, e para outros )ins umanos além do amor 9 para possuir um lar,tal'e& )ilos, estabilidade e uietaço na 'ida. Mas este era meramente o amante, ue ela nomeara e mantina só para ser amada1 e nessa unio no apare#ia outro moti'o ra#ional seno ue os dois #orpos se unissem. No se )arta'a, portanto, de oestudar, na )igura, na roupa, nos modos, ansioso por saber #omo era esse omem, ue, para se #ompletar, a sua Elisa pre)eriaentre a turba dos omens. 6or de#=n#ia, o apontador mora'a na outra e?tremidade da rua de 3. 4ento, diante do Mer#ado. Eessa parte da rua, onde o no surpreenderiam, na sua pelintri#e, os olos de Elisa, era o paradeiro do José Matias, logo deman, para mirar, )are8ar o omem, uando ele re#olia da #asa de Elisa, ainda uente do #alor da sua al#o'a. Depois no o

larga'a, #autelosamente, #omo um lar:pio, raste8ando de longe no seu rasto. E eu suspeito ue o seguia assim menos por #uriosidade per'ersa do ue para 'eri)i#ar se, atra'és das tentaç>es de Lisboa, terr*'eis para um apontador de 4e8a, o omem#onser'a'a o #orpo )iel a Elisa. Em ser'iço da )eli#idade dela 9 )is#ali&a'a o amante da muler ue ama'a!

2euinte )urioso de espiritualismo e de'oço, meu amigo! A alma de Elisa era sua e re#ebia perenemente a adoraço perene1 e agora ueria ue o #orpo de Elisa no )osse menos adorado, nem menos lealmente, por auele omem a uem elaentregara o #orpo! Mas o apontador era )+#ilmente )iel a uma muler to )ormosa, to ri#a, de meias de seda, de brilantes nasorelas, ue o deslumbra'a. E uem sabe, meu amigo; tal'e& esta )idelidade, preito #arnal + di'indade de Elisa, )osse para oJosé Matias a derradeira )eli#idade ue le #on#edeu a 'ida. Assim me persuado, porue, no In'erno passado, en#ontrei oapontador, numa man de #u'a, #omprando #amélias a um )lorista da 2ua do %uro e de)ronte, a uma esuina, o JoséMatias, es#a'eirado, es)rangalado, #o#a'a o omem, #om #arino, uase #om gratido! E tal'e& nessa noite, no portal,tiritando, batendo as solas en#ar#adas, #om os olos enterne#idos nas es#uras 'idraças, pensasse1 − 5oitadina, pobre Elisa!<i#ou bem #ontente por ele le tra&er as )lores!F

Isto durou tr=s anos.

En)im, meu amigo, anteontem, o Joo 3e#o apare#eu em mina #asa, de tarde, esba)orido1 − L: le'aram o José Matias,numa ma#a, para o ospital, #om uma #ongesto nos pulm>es!F

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6are#e ue o en#ontraram, de madrugada, estirado no ladrilo, todo en#olido no 8aueto delgado, arue8ando, #om a)a#e #oberta de morte, 'oltada para as 'arandas de Elisa. 5orri ao ospital. Morrera... 3ubi, #om o médi#o de ser'iço, +en)ermaria. Le'antei o lençol ue o #obria. Na abertura da #amisa su8a e rota, preso ao pes#oço por um #ordo, #onser'a'a um

sauino de seda, pu*do e su8o também. De#erto #ontina )lor, ou #abelos, ou pedaço de renda de Elisa, do tempo do primeiroen#anto e das tardes de 4en)i#a... 6erguntei ao médi#o, ue o #one#ia e o lastima'a, se ele so)rera. − No! @e'e ummomento #omatoso, depois arregalou os olos, e?#lamou (%/ #om grande espanto, e )inou.F

Era o grito da alma, no assombro e orror de morrer também; %u era a alma triun)ando por se re#one#er en)im imortale li're; % meu amigo no sabe nem o soube o di'ino 6lato nem o saber: o derradeiro )ilóso)o na derradeira tarde do mundo.

5eg:mos ao #emitério. 5reio ue de'emos pegar +s borlas do #ai?o... Na 'erdade, é bem singular este Al'es Capão,seguindo to sentidamente o nosso pobre espiritualista... Mas, 3anto Deus, ole! Além, + espera, + porta da Igre8a, auelesu8eito #ompenetrado, de #asa#a, #om paletó al'adio... P o apontador de %bras 67bli#as! E tra& um grosso ramo de 'ioletas...Elisa mandou o seu amante #arnal a#ompanar + #o'a e #obrir de )lores o seu amante espiritual! Mas, o meu amigo,

 pensemos ue, #ertamente, nun#a ela pediria ao José Matias para espalar 'ioletas sobre o #ad:'er do apontador! P ue semprea Matéria, mesmo sem o #ompreender, sem dele tirar a sua )eli#idade, adorar: o Esp*rito, e sempre a si própria, atra'és dosgo&os ue de si re#ebe, se tratar: #om brutalidade e desdém! $rande #onsolo, meu amigo, este apontador #om o seu ramo, paraum Meta)*si#o ue, #omo eu, #omentou Espinosa e Malebran#e, reabilitou <i#te e pro'ou su)i#ientemente a iluso dasensaço! 3ó por isto 'aleu a pena tra&er + sua #o'a este ine?pli#ado José Matias, ue era tal'e& muito mais ue um omem −

ou tal'e& ainda menos ue um omem... − 5om e)eito, est: )rio... Mas ue linda tarde!

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