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Aos leitores
Parece que o dragão engoliu Salve Jorge: a trama central da novela global, o romance entre os
personagens Théo (Rodrigo Lombardi) e Morena (Nanda Costa), está sendo colocada em segundo
plano para que o tema tráfico de mulheres e crianças ganhe força. Não é à toa. Para além da falta
de carisma da mocinha do enredo, o tráfico de seres humanos é um crime que intriga, incomoda,
desafia, revolta.
Tão antigo quanto a própria humanidade, o crime só se tornou preocupação nacional a partir dos
anos 1990. Contudo, apenas em 2006, com o Decreto nº 5.948/2006, foram criados instrumentos
legais e ações públicas de combate ao tráfico, consolidando-se, então, a Política Nacional de Enfren-
tamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP).
Mas, por se tratar de um fenômeno transnacional, multidimensional e multifacetado, que englo-
ba diferentes aspectos sociais, como cultura, economia e organização política e jurídica dos países;
e humanos, como liberdade de ir e vir, de escolha e de expressão, está qualificado pelas polícias e
pelo próprio Poder Judiciário como crime de difícil enfrentamento, como os leitores desta edição da
Argumento poderão constatar na matéria principal.
A terceira edição da Argumento também traz matérias sobre o direito homoafetivo, fundamenta-
das num congresso sobre o tema que ocorreu no Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5, a Lei
de Acessibilidade, os impactos da produção de camarão no ambiente e um perfil do desembargador
federal José Maria Lucena. Apresenta, ainda, uma dica de roteiro cultural pelos museus de Pernam-
buco, um debate sobre o novo Código de Processo Penal, travado pelos magistrados Francisco Barros
Dias e Walter Nunes, e um artigo do desembargador federal Marcelo Navarro sobre as punições aos
magistrados que cometem infrações. O encontro entre o direito e a poesia fica a cargo da crônica
“Deus está vendo”, do presidente do TRF5, Paulo Roberto de Oliveira Lima, e do ensaio fotográfico
“Avisos do Prata”, de Marcos Costa.
Em tempo, a Argumento tem uma notícia a comemorar: no último dia 3 de dezembro, a presi-
dente Dilma Rousseff sancionou a Lei nº 12.737, que pune crimes cibernéticos, sem vetos. Batizada
de Lei Carolina Dieckmann, a nova legislação foi tema da edição nº 2.
Boa Leitura e bom proveito!
Isabelle CâmaraEditora
Expediente
EdiçãoIsabelle Câmara
Projeto gráficoAndré Garcia
TextosChristine Matos, Isabelle Câmara,
Josie Marja, Wolney Mororó, Camila Pires, Jéssica Xavier, Joana Medeiros
e Lara Chiappetta Lagioia
CapaJuliana Galvão
RevisãoLuciana de Medeiros Fernandes
FotografiasMarcos Costa e Juliana Galvão
IlustraçõesIvson Sampaio
EditoraçãoAndré Garcia, Rachel Hopper,
Amanda Lages Romão, Mariana Costa e Ivson Sampaio
ApoioFrancisco Macena e Taynar Santos
Jornalista ResponsávelIsabelle Câmara DRT/PE 2528
PresidenteDes Fed Paulo Roberto de Oliveira Lima
Vice-PresidenteDes Fed Rogério de Meneses Fialho Moreira
Corregedor-GeralDes Fed Vladimir Souza Carvalho
Desembargadores FederaisLázaro Guimarães
José Maria LucenaGeraldo Apoliano
Margarida CantarelliFrancisco CavalcantiLuiz Alberto Gurgel
Francisco WildoMarcelo NavarroManoel Erhardt
Francisco Barros DiasEdilson Nobre
@TRF5
Portal TRF5: www.trf5.jus.br
Twitter: http://twitter.com/trf5
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Fale conosco: [email protected]
Cartas à Redação
Saber e entretenimento Com um projeto gráfico caprichado, uma linha editorial que transita bem entre o jurídico e o lúdico e uma linguagem clara e acessível,
a Revista Argumento cumpre, com méritos, sua missão de integrar direito e literatura, proporcionando saber e entretenimento aos
leitores. Ao abordar com leveza e sensibilidade a rotina de trabalho, a convivência, a produção artística e os desafios na 5a Região, ela ex-põe o lado mais humano e sensível desses homens e mulheres que corporificam a Justiça Federal nordestina. Longa vida à Argumento!
Leonardo Resende Martins, diretor do Foro da SJCE
Sementes da terraParabenizo o TRF5 pela excelente edição da Argumento nº 2, desde a variedade de temas, pesquisas, fontes, pertinência, até o projeto gráfico. “Sementes da Terra” é o ponto alto da edição.
Jarbas Falcão – Jornalista - Mtb 9804/DF
Vida longa
Uma publicação que estimula o pensar jurídico, divulga o fazer literário e dialoga com uma infinidade de outros saberes. Foi uma
grata satisfação receber, aqui às margens do rio São Francisco, um exemplar da revista Argumento. De leitura agradável e uma apresen-tação gráfica bem resolvida, a revista do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5 chega com fôlego de vida longa, contribuindo para a construção e compreensão do conhecimento, tanto no universo do
poder judiciário quanto no dia a dia de nós cidadãos comuns. Carlos Laerte, poeta, jornalista e publicitário. Petrolina-PE
Argumento na Internet Nª 2 Eu sou estudante de direito da Faculdade Joaquim Nabuco. Ganhei da minha coordenadora a 2ª edição da revista Argumento. Gostei tanto que quero saber: como faço para obtê-la regularmente?
Pattyanna S, via e-mail
Crimes virtuais Como consigo uma edição da revista Argumento sobre crimes virtu-ais? Sou de Itajaí/SC, e estou fazendo meu TCC sobre esse assunto.
Wagner Berton, por e-mail
Nota da RedaçãoAs edições da Argumento estão disponíveis no site do TRF5 (www.trf5.jus.br), na área Imprensa/Revista Argumento.
Sumário
Ambiente Inteiro
À Luz dos Direitos
Sociedade e Direitos
Fundamentais
28
46
42
38
Marcos Costa registra a beleza e o abandono do
Açude do Prata
Criações de camarão podem provocar sérios danos ambientais
Homossexualidade: entre a intolerância e a garantia de direitos
4 Extra-autos Servidores e magistrados fazem da Olimpíada Regional o even-to mais alegre e democrático da Justiça Federal na 5ª Região
6 Diálogo Desembargador federal Francisco Barros Dias e juiz federal Walter Nunes debatem o novo CPP
10 Cultura e Direitos Museus de Pernambuco são convites ao turismo de conheci-mento
14 Perfil Bom humor típico do cearense José Maria Lucena quebra austeridade da magistratura
16 Veredicto Magistrados são punidos sim, por Marcelo Navarro
19 Capa Tráfico de seres humanos: uma das formas mais degradantes de violação de direitos
50 Em dia com a Lei Confira um panorama das decisões no TRF5
51 Sentir Deus, aquele que tudo vê, por Paulo Roberto de Oliveira Lima
Ações governamentais e de organizações da sociedade civil buscam garantir a acessibilidade às pessoas com deficiência
O corpo em movimentoOlimpíada da Justiça Federal na 5ª Região agrega, motiva e diverte servidores, além de estimular hábitos mais saudáveis
Nem só de processos vive
o servidor da justiça. Em meio
às dificuldades da atividade ju-
dicante, servidores e magistra-
dos do Tribunal Regional Fede-
ral da 5ª Região –TRF5 param,
anualmente, e se reúnem na
Olimpíada da Justiça Federal na
5ª Região. Durante um final de
semana inteiro, delegações das
seções judiciárias de Pernam-
buco, Paraíba, Rio Grande do
Norte, Ceará, Alagoas e Sergipe
aportam no Círculo Militar do
Recife, local que tem abrigado
o evento nas últimas edições,
para disputar partidas de vôlei,
basquete, futebol, natação, tê-
nis, tênis de mesa, queimado,
dominó, xadrez, sinuca, totó,
corrida de 5km e 10km e pas-
seio ciclístico. Não só: buscam,
através do esporte, fortalecer
relações antes restritas ao tra-
balho e fazer novos amigos.
É o caso da estudante Mirella Leal, estagiária do
TRF5. Com o seu time, ela conquistou a 1ª colocação
no torneio de vôlei, mas acredita ser mais importante
participar e fortalecer laços de amizade do que vencer.
“Além de ser um hábito saudável, fazemos amizades”.
A Olimpíada da Justiça Federal na 5ª Região nas-
ceu na Seção Judiciária de Pernambuco (SJPE), em
2008, por iniciativa do juiz federal Frederico Azeve-
do, à época diretor do Foro. Inicialmente, como um
evento somente da SJPE, um ano depois, a ideia teve
continuidade, mas, desta vez, com a adesão do TRF5.
Mais de 200 atletas participaram da competição, que
reuniu magistrados e servidores em 11 modalidades
esportivas.
Em 2010, o projeto foi ampliado novamente, ga-
nhando a denominação de “I Olimpíada Regional da
Justiça Federal da 5ª Região” e sendo incluso no Pla-
nejamento Estratégico da JF5. O evento, com novo
formato, abrangendo o
TRF5 e todas as seções
judiciárias vinculadas,
buscou promover a inte-
gração regional a partir
da prática do esporte,
atuando, também, na
Ext
ra-a
utos
melhoria do clima organizacional e desenvolvendo
a consciência sobre a importância da realização de
atividades físicas. Cerca de 430 competidores dispu-
taram os jogos, que foram realizados durante as co-
memorações ao Dia do Servidor, em outubro.
Entre a disputa e o encontro Este ano, a Olimpíada atraiu novos adeptos, pes-
soas que, de modo geral, pretendiam se divertir, en-
contrar colegas de trabalho em outras circunstâncias
ou, simplesmente, participar. Mas havia aqueles que,
preocupados com a performance durante o evento,
investiram pesado nos treinos. “Passei cinco meses
me preparando. Perdi, inclusive, 7kg para entrar nessa
disputa com chances de medalha.Treinei diariamen-
te”, revelou José Irineu (SJPE), que ganhou medalha
de bronze no torneio de tênis.
Também jogador de tênis desde a adolescência,
o presidente do TRF5, desembargador federal Paulo
Roberto de Oliveira Lima, vem disputando partidas de
dominó, tênis e tênis de mesa em todas as edições.
Já sentindo o fim da gestão, que termina em março de
2013, ele avalia que o evento cresceu bastante nesse
período, tanto em organização como em número de
participantes. “Como atleta, avalio que (o evento) foi
ótimo, pois alcançou o objetivo de promover o encon-
tro e o congraçamento dos servidores de toda a 5ª
Região. Como presidente, espero
que, a cada ano, mais servidores
adiram à competição”, refletiu.
Para o gerente do Projeto
da Olimpíada, o servidor Geral-
do Alves, do TRF5, o objetivo do
evento é mais estratégico: “criar
condições para que possamos cuidar bem de quem
cuida do cidadão, do jurisdicionado. A integração en-
tre os servidores contribui para a qualidade do serviço
prestado. A melhoria do clima está relacionada com
a satisfação em se trabalhar na organização, fazen-
do com que o servidor feliz produza mais. Por fim, a
conscientização em se realizar atividades físicas pode
contribuir para a diminuição de faltas ao serviço, por
conta de dispensas médicas para tratamentos de pro-
blemas de saúde”.
Para além das estratégias de jogo e de trabalho,
o certo é que a Olimpíada Regional tem contribuído
para a integração entre os servidores da 5ª Região e
a qualidade nas relações de trabalho. É o que atesta
Ricardo César Almeida da Silva, diretor do Núcleo de
Orçamento e Finanças, da Subsecretaria de Orçamen-
to e Finanças do TRF5. “É diferente quando você só
conhece as pessoas por telefone ou videoconferência.
Ali (durante a Olimpíada), você esquece o tratamento
frio e consegue ter uma aproximação maior, mais ami-
gável. E quando, depois, você precisa daquela pessoa
no âmbito profissional, os protocolos são deixados de
lado, os processos ficam mais ágeis. Conheci pessoas
que, sempre que eu encontrar e precisar, sei que vou
poder contar”.
FO
TO
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la
de
mir
Ba
rB
Os
a
Celeridade processual
Francisco Barros Dias – Na
vida do brasileiro, o reflexo do novo
Código de Processo Penal não será
imediato. Ele virá com o tempo, em
razão de a lei ser processual, cujo
exercício prático e efetividade se
dão mais no âmbito do próprio Ju-
diciário. O reflexo imediato e mais
intenso é no âmbito interno do
Judiciário, por se tratar de uma mudança de lei pro-
cessual, instrumental. O reflexo para cidadania, para
quem acompanha a parte do andamento de uma ação
penal, se dá no campo da celeridade processual. Na
parte das medidas cautelares, o reflexo vem, exata-
mente, das possibilidades que são oferecidas, além
de uma simples prisão preventiva. Mas Dr. Walter, o
que o senhor acha?
Walter Nunes – A grande crítica da sociedade
em geral é contra a burocracia, morosidade, princi-
Novo CPP: uma resposta à sociedadeA Argumento reuniu o desembargador federal Francisco Barros Dias e o juiz federal Walter Nu-
nes da Silva Júnior para conversarem sobre o novo Código de Processo Penal. Uma conversa
descontraída, mediada pela jornalista Anna Ruth Dantas, da Seção Judiciária do Rio Grande do
Norte (SJRN), com análises apuradas e explicações contundentes. Confira os principais trechos
do diálogo entre os dois magistrados.
Desembargador federal Francisco Barros Dias (esq.) e juiz federal Walter Nunes reconhecem que as alterações realizadas no novo CPP atendem aos anseios sociais
Diá
logo
palmente na área criminal, que gera a sensação de
impunidade. As modificações no Código de Processo
Penal, que estão sendo tomadas na reforma tópica,
vêm dar uma efetividade muito maior ao processo,
uma agilidade muito grande. O mecanismo da con-
centração dos atos processuais, de uma audiência
apenas para instrução e julgamento do processo, por
exemplo. Isso a sociedade já deve estar sentindo um
pouco do reflexo. E na questão que o Sr. (desembar-
gador federal Barros Dias) tocou também, as medidas
cautelares, anteriormente, a gente tinha tudo, que po-
deríamos chamar da prisão, ou nada, que era deixar
o réu em liberdade, sem qualquer tipo de restrição.
Hoje, não. Já temos o meio termo. Não necessaria-
mente o réu precisa ir para prisão. E isso contribui
para diminuir a criminalidade, porque a gente sabe
que o cidadão, indo para prisão, potencializa a delin-
quência e, por outro lado, ele não fica com a liberdade
de fazer qualquer coisa. A gente viu, há pouco, um
instrumento para afastar um prefeito, um governador,
ou, eventualmente, um presidente, do cargo. Antiga-
mente, você só tinha a medida de prender ou deixar
no cargo. Agora, pode tirar do cargo, até para fazer
uma apuração mais aprofundada.
Barros Dias – Isso como medida cautelar do
Processo Penal hoje, que é oferecido sem que seja
apenas por conveniência do processo. Atualmente, é
como uma forma de substituição da antiga possibili-
dade única de uma prisão preventiva (prisão fundada
na existência de evidências do fato criminoso).
Intervenção da vítima no processo
Walter Nunes – E outra coisa foi uma inovação
de 2011, a Lei nº 2.403/2010, que dá a possibilidade
de a vítima pedir a prisão preventiva ou alguma medida
cautelar dessa natureza. Anteriormente, a vítima não
tinha nada. Não poderia fazer absolutamente nada.
Pedia ao delegado, pedia ao Ministério Público e, se
nenhum desses atores tivesse a intenção de pedir a
medida cautelar, ela (a vítima) não teria participação
alguma no processo. Hoje, a mudança está trazendo
isso, a vítima passa a ter voz. Não apenas defendendo
o interesse dela, de proteção, de segurança, mas para
resolver o problema cível e ter uma indenização pelos
danos que ela tenha sofrido com o crime.
Walter Nunes – Um dos grandes problemas do
sistema criminal é não reconhecer a legitimidade à
vítima. Ele satisfaz os propósitos das agências públi-
cas, mas não o da vítima. A intenção no novo Código
de Processo Penal foi colocar uma participação mais
ativa da vítima. Ela (a vítima) é a grande esquecida do
processo criminal. Hoje, há no Código a exigência de
que às expensas do Estado, deve ser dada assistência
psicológica à vítima de agressão sexual, crianças e
tudo mais. Por outro lado, precisa tentar resolver o
problema cível da pessoa. E veja a questão da agres-
são de gênero. Às vezes, a mulher era agredida, mas
não tinha como pedir medida cautelar, porque não
tinha legitimidade para tanto, ou era o Ministério Pú-
blico ou a autoridade policial. Agora, a própria vítima,
por intermédio do advogado, pode peticionar direto
ao juiz.
Julgamento antecipado do processo
Barros Dias – Depois da reforma, há uma série
de vantagens a apontar. Mas diria que uma das boas
7
providências da reforma
foi a questão relativa a um
julgamento antecipado no
Processo Penal. Isso signi-
fica que, antes da reforma,
não tínhamos a possibilida-
de, após receber a denún-
cia, de fazer um julgamento
antes de terminar toda ins-
trução, pois o juiz não tinha
liberdade legal para fazer
um julgamento já sabendo
que o processo não oferecia a menor condição de le-
var a um resultado útil, que não fosse a própria impro-
cedência da denúncia.
Defesa prévia antes da denúncia
Barros Dias – Penso que nunca é demais real-
çar a questão das medidas cautelares. É, realmente,
um leque de opções que oferece ao julgador meios
e formas de não tomar a medida drástica com rela-
ção à prisão preventiva. Agora, tudo isso em nome do
princípio da celeridade processual. Mas é bom que se
enfatize bem o princípio da celeridade processual, que
prefiro chamar consequência do princípio da eficiên-
cia. E já para fazer denotar esse aspecto, basta ver o
dispositivo que obriga a defesa prévia ao recebimento
da denúncia como forma de garantia, a fim de que a
pessoa possa oferecer elementos, antes mesmo do
recebimento da denúncia, de o juiz deixar de receber
a denúncia, já com base em uma defesa que é feita
pela própria parte. Essa defesa é chamada de prévia,
não por ser aquele estilo de defesa prévia anterior,
mas por ser antes da denúncia e, com isso, já ofere-
cendo condições de não se
alegar o que constantemen-
te vemos na imprensa: as
pessoas dizendo que foram
condenadas, medida acau-
teladora, prisão preventiva
sem terem sido ouvidas. O
Processo Penal, agora, ofe-
rece essa oportunidade.
Princípio da oralidade
no processo penal
Walter Nunes – Cito, por exemplo, a utilização
de técnicas modernas. Pela primeira vez, nós temos,
no processo brasileiro, mesmo em relação ao Pro-
cesso Civil, o princípio da oralidade. A gente tinha no
Juizado Especial, mas agora, com a previsão expres-
sa da documentação, dos depoimentos pelo sistema
audiovisual, agora temos, não só a produção da prova
testemunhal pela forma oral, mas a sua própria do-
cumentação. E essa aplicação ocorre também com
a videoconferência para inquirição das testemunhas
que residem em outras localidades. Isso traz uma
efetividade maior no processo e no princípio da iden-
tidade física do juiz (unidade entre juiz da instrução
do processo e o juiz que profere a sentença), porque
é o próprio juiz do processo que vai fazer inquirição
da testemunha na forma de videoconferência, embora
ela esteja em outra localidade; é o próprio magistrado
do processo que participa da produção da prova, sem
falar, obviamente, em celeridade. Agora, as partes é
que devem fazer as perguntas por primeiro. O juiz,
se pergunta tiver a fazer, faz no final, como comple-
mentação, em razão do impulso oficial. Quebra, com
8
isso, o paradigma, seja no
Processo Penal ou no Civil,
que cabia ao juiz ser uma
espécie de inquisidor, de
condutor ou de explorador
da prova a ser produzida no
processo. Agora, com o sis-
tema audiovisual de grava-
ção, ficando documentado
o conteúdo do que a tes-
temunha disse, o membro
do Tribunal tem oportuni-
dade de interpretar conforme, efetivamente, foi dito.
Agora, sim, temos a oralidade no sistema processual
brasileiro.
Adoção do princípio acusatório, em detrimento
do inquisitorial
Barros Dias – Veja a mudança de paradigma
do princípio ideológico. Nós temos a mudança do pa-
radigma do princípio inquisitorial (é secreto, não há
contraditório e é escrito), para o acusatório (igualdade
das partes, imparcialidade do juiz, presença do contra-
ditório e da publicidade), no inquérito policial. E nele
(no princípio acusatório), nós temos uma mudança de
paradigma sistemática no próprio Código de Processo
Penal, que é o fato de as perguntas serem feitas na
sequência, primeiro as partes, a partir de quem ajui-
zou a demanda. E vem, em seguida, a defesa.
Objetividade do juízo e das partes
Barros Dias – E mostra outro aspecto muito
interessante. O sistema apresenta uma nova roupa-
gem, na qual, além das perguntas serem formuladas
dessa maneira, o juiz fica
com a ideia de saber o que
as partes estão trabalhan-
do no conflito e, quando o
juiz vai fazer pergunta, diz
respeito ao conflito e ao
interesse das partes, cirur-
gicamente sobre o que inte-
ressa às partes. Com isso,
retira-se do Processo Penal
a defesa prévia, que era só
pró-forma. Agora, toda de-
fesa apresentada tem que ser efetiva, substancial e,
acima de tudo, já saber previamente qual o sentido da
defesa, porque, na hora das perguntas em juízo, pre-
cisa ser coerente e trabalhar cada tese apresentada,
tanto no que diz respeito à tipificação e à imputação
de fatos e indícios de autoria, quanto às teses de de-
fesa, sobre o que vai apresentar.
Acesso ao conteúdo do inquérito policial
Barros Dias – Na fase da polícia e do Minis-
tério Público, a parte tem acesso a todos os ele-
mentos que já foram carreados, conjugados para o
processo. O que já foi apurado, todo material; você
tem direito de acesso à informação, seja como par-
te, como investigado, indiciado. Se a pessoa não
tem defesa prévia, peticiona para explicar situações
à autoridade que esteja investigando. É importante,
para isso, não só o peticionamento pontual de algum
esclarecimento, mas para tomada de providência,
como trancamento do inquérito policial. A defesa
pode subsidiar e dar elementos para que nem rece-
bida seja a denúncia.
9
Museus de Grandes Novidades
Jéssica Ferreira e Lara Lagioia
Eternizadores da história de determinada região
ou cultura, os museus funcionam como um templo
da memória, que atrai a visita de nativos e turistas.
A imensidade de museus serve para não deixar a his-
tória ser esquecida, além de revelar que ela merece
ser revisitada sempre que possível. Em Pernambuco,
a lista é extensa. O Estado foi berço de importantes
marcos no desenvolvimento nacional e continua a car-
regar tradições bastante distintas e enriquecedoras.
A fim de explorar um pouco mais o desenvolvimento
pernambucano e o recifense, a Argumento mostra
nesta edição alguns dos museus que se destacam na
capital.
O Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico
de Pernambuco (IAHGP) é o mais antigo dos listados
e também entre os Institutos Históricos estaduais do
Brasil, 150 anos. Sua sede, hoje, está na Zona Espe-
cial de Preservação do Patrimônio Histórico - Cultural
8.1 (ZEPH-8.1) do Sítio Histórico do Bairro da Boa Vis-
ta. Uma de suas metas é atuar na “consciência da
importância da história de um povo na construção do
futuro de uma nação”, ainda não plenamente desen-
volvida. Fundado em 1862, tem uma proximidade com
o Tribunal Regional Federal da 5ª Região: atualmente,
a desembargadora federal Margarida Cantarelli co-
manda a presidência.
O Instituto, dividido em espaços temáticos, teve
relevante papel social ao longo dos anos, participan-
do, por exemplo, do processo de banimento da es-
cravidão e da adoção da atual bandeira estadual. Foi
também no cenário do IAHGP que surgiu a Academia
Pernambucana de Letras (APL), onde a desembarga-
dora Margarida Cantarelli ocupa a Cadeira nº 09.
Já o Museu Militar do Forte do Brum compõe a
Além de guardiões da memória cultural e histórica do nosso povo, alguns museus de Pernambuco preservam o legado jurídico de tribunais de justiça
Cul
tura
e D
ireito
s
paisagem histórica da cidade: a fortificação, construí-
da no século XVI para defesa do Recife, foi inaugurada
como museu em 1987.
Seu acervo destaca como o local foi testemu-
nha de acontecimentos históricos na criação do Re-
cife como é hoje, e conta com armamentos antigos
e modernos, quadros e maquetes de batalhas, uma
biblioteca e o esqueleto de um soldado da invasão
holandesa.
O museu, administrado atualmente pelo Exérci-
to Brasileiro, é ideal para quem quer saber um pouco
mais sobre a época da Capitania de Pernambuco e do
Brasil no contexto da Segunda Guerra Mundial.
Valorizando a cultura localDizem que pernambucano tem mania de grande-
za. Há quem concorde, há quem discorde, mas uma
coisa é certa: grande mes-
mo é a história e a cultura
desse povo nordestino. E
três importantes museus
no Recife imortalizam não
só o passado, mas tam-
bém a modernidade do Es-
tado: o Museu do Estado
de Pernambuco, o Museu
do Homem do Nordeste e
o Museu de Arte Moderna
Aloisio Magalhães (MA-
MAM).
O Museu do Estado de Pernambuco - MEPE foi
criado em 1929, mas apenas em 1940 inaugurou suas
novas instalações, no casarão onde funciona até hoje.
Depois de sofrer reformas, alterações e expansões,
acolhe hoje o Espaço Cícero Dias, com capacidade
para abrigar exposições de médio e grande porte, e
uma casa onde são realizados cursos e oficinas de
arte.
A entrada principal do MEPE, que ocupa uma
área de mais de 9000m², é guardada por dois grifos
(animal fabuloso, com cabeça, bico e asas de águia,
corpo de leão e cauda de serpente). O jardim é deco-
rado com vasos de cerâmica portuguesa e esculturas
de musas mitológicas. E os mais de 14 mil itens de
exposição permanente mostram pinturas, gravuras,
fotografias, esculturas e armaria do período holandês;
mobiliário do século XVII ao século XX; itens da cul-
11
Museu do Estado de Pernambuco abriga mais
de 14 mil itens do período holandês, das culturas
afro-brasileira e indígena e mobiliário do séc. XVII ao XX
tura afro-brasileira e indígena, e diversos objetos que
ajudam a compreender a vida social e cultural de Per-
nambuco no passado, lançando-as nos dias de hoje.
O Museu do Homem do Nordeste, fundado por
Gilberto Freyre em 1979, conta com um acervo de
quase 15 mil peças de caráter histórico, etnográfi-
co e antropológico, formado por heranças culturais
do índio, do europeu e do africano, que conduzem à
compreensão do Nordeste brasileiro.
Atualmente, é ligado à Diretoria de Documenta-
ção da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) e tem a
missão de pesquisar, documentar, preservar, difundir
e atualizar o rico patrimônio cultural do Nordeste, ma-
terial e imaterial.
O Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães
– MAMAM, criado em 1997, homenageia o artista
plástico, designer e ativista cultural pernambucano
de mesmo nome. Está instalado em um casarão do
século XIX, na Rua da Aurora, às margens do Rio Ca-
pibaribe, e possui sete salas de exposição, biblioteca
especializada em arte moderna e contemporânea,
entre outros espaços que auxiliam nas mostras e
eventos que acontecem no local.
Objetiva se tornar um centro de referência da
produção moderna e contemporânea das artes visu-
ais, e divulga a arte do presente e suas referências
históricas. Conta com um acervo de mais de 1000
trabalhos de diversas técnicas, que abrange o período
histórico de 1920 a 2012.
Fazem parte desse acervo obras de renomados
artistas pernambucanos, dentre os quais Vicente do
Rego Monteiro, Aloisio Magalhães, Gil Vicente, Lula
Cardoso Ayres, Abelardo da Hora, Joaquim do Rego
Monteiro, Francisco Brennand e Gilvan Samico.
Único museu pernambucano numa lista de 30 do
Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), o Museu da
Abolição - Centro de Referência da Cultura Afro-Bra-
sileira foi inaugurado oficialmente na década de 1980,
em homenagem ao Conselheiro João Alfredo e a Jo-
aquim Nabuco, abolicionistas. O Sobrado Grande da
Madalena, nome do local da sede, foi a antiga mora-
dia de João Alfredo, que contribuiu para a formulação
da Lei do Ventre Livre e da Lei Áurea. O museu conta
com mais de mil livros sobre a cultura afrodescenden-
te e museologia, além de exposições permanentes e
temporárias.
Justiça e MemóriaHá mais de duas décadas em atividade, o Tribu-
nal Regional Federal da 5ª Região - TRF5 reserva em
sua sede um local dedicado a contemplar sua história.
O Memorial, existente desde 1999, pretende se vin-
cular à história do País, desde o momento em que a
Constituição declarou a descentralização das justiças
Um passeio pela memóriaUm meio que os recifenses contam para explorar a cidade é o programa
“Conheça o Recife”. Oferecido pela Prefeitura do Recife, por meio da Se-cretaria de Turismo, o projeto organiza passeios semanais para os atrativos culturais da cidade. O projeto foi eleito pela população, em 2011 e 2012, a melhor iniciativa da Secretaria de Turismo do Recife. Fundado em 2011, o programa contempla não apenas os museus, mas também praças, fortes, igrejas e monumentos históricos. Toda semana é um tema novo.
As visitas, feitas geralmente de ônibus e sempre com guias relatando a história dos locais visitados, acontecem aos sábados, a partir das 14h, saindo da Praça do Arsenal da Marinha. É preciso agendar o passeio, através dos telefones (81) 3355-8847 ou 3355-8017. A excursão é gratuita.
(+) Direitos
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco (IAHGP)Rua do Hospício, 130 - Boa Vista Telefone: (81) 3222-4952 Visitação: Segunda à sexta-feira, das 13h às 17h Sábados, das 8h às 12h
Museu Militar do Forte do BrumPraça da Comunidade Luso Brasileira, s/n, Bairro do RecifeTelefone: (81) 3224-4620Visitação: Terça a sexta-feira, das 9h às 16hSábados, domingos e feriados, das 14h às 16h
Museu do Estado de Pernambuco - MEPE Av. Rui Barbosa, 960 – GraçasTelefone: (81) 3184-3170Visitação: Terça a sexta-feira, das 9h às 17hSábados e domingos, das 14h às 17h
Museu do Homem do Nordeste Avenida 17 de Agosto, 2187 – Casa ForteTelefone: (81) 3073-6340Visitação: Terça a sexta-feira, das 8:30h às 17hSábados, domingos e feriados, das 13h às 17h
Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães – MAMAM Rua da Aurora, 265 – Boa VistaTelefone: (81) 3355-6870Visitação: Terça a sexta-feira, das 12h às 18hSábados e domingos, das 13h às 17h
Museu da Abolição Centro de Referência da Cultura Afro-Brasileira Rua Benfica, 1150 – MadalenaTelefone: (81) 3228-3248Visitação: Segunda a sexta-feira,das 9h às 17hSábados, das 13h às 17h
Memorial do TRF5Av. Cais do Apolo, s/nº, Edifício Ministro Djaci Falcão – Bairro do RecifeTelefone: (81) 3425-9000Visitação: Agendada com o setor de Cerimonial
Memorial da JustiçaAv. Alfredo Lisboa, s/nº – Bairro do BrumTelefone: (81) 3224-0142 Visitação: Segunda a sexta-feira, das 13h às 17h.
até a atualidade. O espaço conta com fotos que da-
tam do início do Tribunal, quando este ainda se locali-
zava no Palácio Frei Caneca, na Avenida Cruz Cabugá.
Encontram-se, ainda, discursos de posse de desem-
bargadores e presidentes, a Medalha da Ordem do
Mérito Pontes de Miranda - mais alta condecoração
do TRF5 -, medalhas que o Tribunal recebeu, convi-
tes antigos, a toga do primeiro presidente, todos os
relatórios de gestão, o primeiro processo e alguns ou-
tros elementos que compõem a trajetória da Justiça.
Muito do que foi implementado deve-se ao esforço
da servidora Nancy Moreira, cuja dissertação de mes-
trado em Gestão Pública na Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), “Memória, identidade e justiça
social: vinte anos do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região”, contribuiu bastante para alimentar o Memo-
rial. Seu projeto pode ser lido na internet ou no próprio
Memorial, que está aberto a visitas de estudantes e
também a qualquer pessoa interessada, com libera-
ção antecipada do setor de Cerimonial.
Outro local em que a justiça pernambucana
encontra espaço para eternizar-se é o Memorial da
Justiça. Ligado ao Tribunal de Justiça de Pernambuco
(TJPE), nele funciona o centro de documentação do
Poder Judiciário local. Sua principal função é guardar,
preservar, organizar e divulgar a documentação his-
tórica da justiça, tornando-a acessível à pesquisa e
ao público em geral, através de um sistema digital
desenvolvido pelo próprio TJPE. A entidade ainda pu-
blica anualmente a Revista Eletrônica Documentação
e Memória.
O Memorial de Justiça ocupa um prédio tão his-
tórico quanto seu acervo, onde funcionou a antiga
Estação Ferroviária do Brum. Nas instalações, há um
local reservado para exposições de arte e eventos cul-
turais e a Biblioteca do Magistrado Escritor.
13
Lara Chiappetta Lagioia
Na época da escolha, foi lançado o filme “O Caso
dos Irmãos Naves”, que o entusiasmou na escolha.
O longa-metragem conta a história real de dois ir-
mãos injustamente acusados de um crime que, sob
a tortura de um delegado arbitrário, confessaram
cometer.
Não frequentou cursinhos preparatórios para
as provas do vestibular, mas, pela boa educação da
escola de padres na qual estudou, tirou o 4º lugar.
Ingressou no curso de Ciências Jurídicas e Sociais da
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Cea-
rá, em 1967, no qual se formou Bacharel cinco anos
depois.
Durante o tempo da faculdade, não foi apenas
representante estudantil do Departamento de Direito,
mas também candidato a vereador do município de Li-
Natural de Limoeiro do Norte,
na região nordeste do Ceará, José
Maria de Oliveira Lucena nasceu no
primeiro dia do mês de julho do ano
de 1945. Filho de Francisco Lucena
das Chagas e Raimunda de Olivei-
ra Lucena, sempre viveu em casa
cheia: teve sete irmãos, dos quais
conviveu com seis.
Nem sempre pensou em fazer
parte do mundo jurídico: inicialmen-
te, queria ser médico. Mas alguém
lhe disse que, por escrever e falar
tão bem, deveria ser advogado. O
comentário lhe fez repensar a profis-
são, e acabou optando por Direito.
Um cearense pernambucanoJosé Maria de Oliveira Lucena
Perf
il
Da Terra das Bicicletas à Veneza Brasileira
Apesar de ter nascido em Limoeiro do Norte, conhecida como a terra das bicicletas, José Maria Lucena é bastante apegado ao Recife, cidade também conhecida como a Veneza Brasileira.
Logo que chegou à capital pernambucana, sentiu muita falta do local onde trabalhava. Pensava, inclusive, em completar o tempo da aposentadoria e voltar para o Ceará. Mas, depois de fazer amigos e conhecer melhor o Recife, sente saudade, quando volta à terra natal.
Tanto já faz parte da cidade, que foi agraciado pela Assembleia Legislativa de Pernambuco, com o de Título de Cidadão Pernambucano, e pela Câmara Municipal, como Cidadão do Recife.
giu uma vaga para Fortaleza, foi nomeado, assumindo
a 3ª Vara da Seção Judiciária do Estado do Ceará.
A jornada no Tribunal Regional Federal da 5ª Re-
gião – TRF5 começou em 1992, quando foi nomea-
do para substituir o desembargador federal emérito
Orlando Rebouças. Hoje exerce as funções de presi-
dente da Primeira Turma, cujas sessões acontecem
ordinariamente nas manhãs de quinta-feira, e de co-
ordenador suplente dos Juizados Especiais Federais.
Foi presidente desta corte entre 1999 e 2001,
tempo em que, segundo ele, houve bastantes investi-
mentos em tecnologia, beneficiando não apenas o Tri-
bunal, mas as Seções Judiciárias vinculadas. Outros
destaques da gestão foram a fundação da Escola de
Magistratura Federal da 5ª Região, no Recife, e o in-
centivo à atualização e à qualificação dos servidores.
E, nestes 20 anos de TRF5, o marido de Maria
Arivan de Holanda Lucena e o pai de Andréia, Danie-
le e Juliana vem acrescentando a este colegiado seu
saber, sua vasta experiência jurídica, sua alegria e seu
carisma.
moeiro do Norte pelo antigo MDB (Movimento
Democrático Brasileiro). Na campanha, optou
por não ter patrocínios e disputou votos com
seu irmão mais velho, candidato pela ARENA
(Aliança Renovadora Nacional). Ambos foram
eleitos, e José Maria Lucena exerceu o man-
dato político de 1967 até 1971.
Depois de concluir a universidade, experi-
mentou várias nuances do Direito: foi consul-
tor jurídico da Prefeitura Municipal de Limoeiro
do Norte, professor da Universidade Estadual
do Ceará, assessor da Vice-Governadoria do
Estado do Ceará, Secretário para Assuntos da
Casa Civil e Secretário de Administração do
Governo do Estado do Ceará.
A decisão de prestar concurso para juiz federal
aconteceu quando era Procurador do Estado. Dois co-
legas de trabalho na Procuradoria, Dr. Orlando Rebou-
ças e Dr. Anchieta, foram nomeados juízes federais.
Isso o animou e, em 1981, foi aprovado no teste, que
na época era nacional. Três anos depois, quando sur-
15
Magistrados podem sofrer punições além da aposentadoria compulsóriaMarcelo Navarro Ribeiro Dantas
Tenho lido, visto e ouvido na
mídia em geral, e com cada vez
maior frequência, no atual contex-
to de ampla exposição do Poder
Judiciário, afirmações equivocadas
quanto às possibilidades de puni-
ção a infrações legais cometidas
por magistrados.
O maior engano dessas afir-
mativas é o de que os juízes so-
mente são puníveis com aposen-
tadoria compulsória integral, o que
configuraria privilégio injustificável,
agressivo ao princípio da isonomia,
e, ademais, existente unicamente
no Brasil, como uma insólita jabuti-
caba judiciária tupiniquim.
Outro é o de considerar inacei-
tável que, quando um magistrado
erra e causa dano, e o cidadão lesado ingressa com
uma ação e ganha, quem paga a indenização é o Erá-
rio, e não o magistrado responsável.
É preciso desfazer esses equívocos.
E é melhor começar pelo segundo, que é mais
simples.
Efetivamente, quando um agente público lesa um
particular e este ingressa com a ação de reparação
de dano, quem vai pagar pelo erro é o Erário. Porém
isso vale para qualquer agente público, seja juiz ou
não. Está na constituição: art. 37, § 6.º, e é muito
bom para o cidadão que seja assim, porque litigando
apenas contra o Estado, o cidadão só precisa provar
a ação ou omissão, o nexo de causalidade e o dano.
Se litigasse contra o agente público, além disso tudo,
teria de comprovar a culpa ou dolo deste, o que é
complicado.
Eu, seguindo opinião de muitos e bons juristas,
acho até que o lesado, querendo, podia litigar desde
Vere
dict
o
logo contra o Estado e o agente causador do dano.
Mas o STF – Supremo Tribunal Federal já pacificou
que tem de ser só contra o ente público, que poderá,
posteriormente, acionar o agente (é o chamado direi-
to de regresso). O único problema é que tais ações re-
gressivas, muitas vezes, não são propostas, mas isso
não é responsabilidade dos juízes, e sim dos gestores
públicos e da advocacia pública...
De todo jeito, o magistrado ocasionador de possí-
vel prejuízo ao Erário (como qualquer outro agente pú-
blico, repita-se), está sujeito a uma ação de regresso
para repor financeiramente tal lesão.
Desfeito o segundo equívoco, é o caso de anali-
sar o principal, consistente em dizer-se que, qualquer
que seja a infração ou ilegalidade cometida por ma-
gistrado, a pena máxima será, tão-somente, aposen-
tadoria compulsória. Ainda mais: com a integralidade
dos proventos!
Com todo o respeito, não é assim.
Não existe um só dispositivo na Constituição da
República que diga isso.
Não existe lei nenhuma dando respaldo a tal afir-
mação.
Ao contrário. A LOMAN – Lei Orgânica da Ma-
gistratura Nacional prevê, como sanções disciplina-
res para os magistrados (art. 42), numa escala que
vai da mais leve à mais grave: advertência; censura;
remoção compulsória; disponibilidade com vencimen-
tos proporcionais ao tempo de serviço; aposentadoria
compulsória com vencimentos proporcionais ao tem-
po de serviço; e demissão (no caso desta última, em
atenção à garantia da vitaliciedade, prevista no art.
95, I, da Constituição da República, por decisão judi-
cial transitada em julgado).
Portanto, não tem essa de aposentadoria com-
pulsória sempre integral. Vai tê-la o magistrado, mes-
mo punido com essa sanção, que já tiver tempo sufi-
ciente, não aquele que ainda não o integralizou.
Muito menos vale a ideia de que a aposentadoria
compulsória é a única pena que pode ser aplicada aos
juízes.
Não!
Isso é uma lenda urbana, altamente nociva à ma-
gistratura e ao Judiciário, que de tão repetida está
ganhando foros de verdade...
É tão absurdo esse pensamento, que, se fosse
verdade, um juiz poderia assassinar um desafeto e,
simplesmente, esperar em casa a aposentadoria,
sem nem se preocupar em responder processo ou
temer a prisão.
Claro que não é assim.
Os magistrados (juízes, desembargadores, minis-
tros dos tribunais superiores e até do Supremo), além
das punições disciplinares de suas corregedorias,
conselhos, entre os quais (exceto para os integrantes
do STF) o CNJ – Conselho Nacional de Justiça — que
só pode aplicar penalidades administrativas, registre-
-se —, estão sujeitos a todos os artigos, tanto do
Código Civil como do Código Penal e de qualquer lei
instituidora de sanções!
O juiz é um cidadão igual aos demais.
Se a infração que cometer for apenas adminis-
trativa, ele recairá numa daquelas sanções a que me
referi, entre as quais a aposentadoria compulsória
proporcional.
Se, além de administrativa, essa infração tam-
bém constituir ilícito civil, ele, cumulativamente, po-
derá sofrer as sanções civis respectivas (de impro-
17
bidade, por exemplo; de inelegibilidade; de caráter
indenizatório etc.).
E, se ademais disso tudo, dita infração configurar
ilícito penal (delito), ele, também cumulativamente,
poderá sofrer as penas criminais cabíveis (inclusive
detenção e reclusão, isto é, cadeia!), e perder até
mesmo a possível aposentadoria que tenha consegui-
do com a punição administrativa...
Pode-se até achar — e a liberdade de opinião
é sagrada — que são
poucos os magistrados
punidos com cadeia. Mas
também não são tantos os
membros de outros pode-
res nessa situação. Além
disso, é evidente que não
são muitos, em números
absolutos ou relativos, os juízes que delinquem. Há
bandidos de toga, sim (como os há de beca, de jaleco,
de macacão, de colarinho de várias cores), mas não
são a maioria. Melhor: são, felizmente, uma ínfima
minoria, em face do grande número de magistrados
que trabalha — e muito — honestamente, a bem da
Justiça em nosso país.
Portanto, não é possível, com todo respeito, afir-
mar que existe um privilégio só para o Judiciário e
só no Brasil, no que tange às punições aplicáveis aos
magistrados.
Não. As prerrogativas da magistratura (e tam-
bém do Ministério Público), que existem na maioria
dos países democráticos, são garantias mais do cida-
dão que do magistrado.
Afinal, se o juiz não tiver garantias, como pode-
rá ter independência e altivez para decidir — se for
o caso — contra os poderes constituídos (mesmo o
seu próprio poder!), ou contra os poderes informais,
como os econômicos e os de comunicação social?
Na verdade, o único privilégio do Judiciário, ulti-
mamente, tem sido apanhar na mídia. Quando mere-
ce, é o jeito; danado é apanhar mesmo quando não
está errado.
Se quem bate são pessoas sem qualificação, ou
de má-fé, nem adianta responder. Mas, quando se
veem pessoas sérias e
de bom nível repetindo
e propagando equívo-
cos, vale a pena tentar
fazer um esclarecimen-
to.
Em suma: os ma-
gistrados podem sofrer
muitas punições além da aposentadoria compulsória.
Como essa é a maior sanção que lhes pode ser im-
posta administrativamente, e, portanto, tende a ser
a primeira que é divulgada, quando há um caso que
comporta punição, gera-se a impressão de que é a
única reprimenda possível. Não é. Há muitas outras,
inclusive as privativas de liberdade.
É preciso dizer isso de forma clara, para que
a mídia e a sociedade fiquem tranquilas de que os
membros do Judiciário, nesse aspecto, não gozam
de nenhum privilégio violador da isonomia constitu-
cional.
Marcelo NavarroMestre e Doutor em Direito (PUC/SP)
Professor de Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito (UFRN/UNI-RN)
Desembargador Federal (TRF5)
Não é possível, com todo respeito, afirmar que existe um privilégio só para o Judiciário e só no Brasil, no que tange às punições aplicáveis aos magistrados.
“
”
18
Tráfico de pessoas: quando seres humanos se tornam coisas
Christine Matos
O sonho de uma vida melhor transforma o destino de muitas mulheres em histórias de dor e tristeza
Ana Santos era uma jovem que
sonhava em ser advogada. Mas,
aos 14 anos, a sua vida mudou com
a morte do pai, um policial civil. E
por um erro administrativo, que im-
pediu o pagamento da pensão à sua
família, Ana abandonou a escola e
entrou no mundo da prostituição e
das drogas. Surgia, a partir daí, Ana
Madonna.
No meio do caminho, Ana re-
cebeu uma proposta para trabalhar como garçonete
na Europa, para ganhar mil dólares por mês. “Eu não
pensei duas vezes, fui embora. Tomaram meu passa-
porte, pagava multa por tudo. Para dormir, eu tinha
que pagar uma multa. Se eu não quisesse ficar com
um homem, eu tinha que pagar multa. Fui vendida
para Holanda, depois para a Alemanha, Bélgica, Por-
tugal e Suriname”. No Suriname, lembra, foi presa e
torturada.
“Arrancaram os bicos dos meus seios. Come-
cei a me aprofundar no crack. Estava ficando muito
FOTO: JOaO PaUlO COTTa /TV GlOBO
Novela global mostra problemática que desafia governos, polícias e sociedades
Cap
a
debilitada. Foi quando um segurança disse que não
aguentava mais me ver daquele jeito e que, daquela
maneira, eu iria morrer. Ele me pediu perdão por ter
me agredido e disse que dependia daquele trabalho
para manter a família. Disse que ia me soltar, pedin-
do que eu guardasse segredo. Afirmei que sim, pois
tudo que eu queria era sair dali. Muitas meninas ali
enlouqueceram por causa do crack, outras morreram
de overdose. Outras, tentando fugir, correram para os
garimpos, sem tomar a injeção da febre amarela, e
não retornaram mais”.
Ana Santos conta que conseguiu fugir. Passou
um fax para Ana Vasconcelos, diretora da Casa de
Passagem, organização não governamental que ajuda
meninas e jovens em situação de risco. “Foi ela e,
primeiramente, Deus que me ajudaram a sair daquele
país”, desabafou. Antes de ser traficada para outros
países, Ana era atendida pela Casa de Passagem. Uma
das diretoras da ONG, Cristina Mendonça, disse que
ela tinha passado por capacitações na Casa de Pas-
sagem, mas, assim como muitas meninas, viajou em
busca do sonho de ter uma vida melhor. Ana Santos
acrescentou ainda que o seu retorno ao Brasil contou
também com o trabalho de autoridades, Polícia
Federal, Polícia Marítima, Interpol e Itamarati.
“Cheguei ao Brasil muito debilitada, pois
fazia três meses que eu não dormia. Não con-
seguia mais dormir. Hoje eu estou em uma nova
fase da minha vida, não me prostituo mais. Há
oito anos que eu saí dessa vida. Vivo uma vida
completamente diferente da que eu vivia. Não
preciso mais me prostituir para me manter. Não
dependo mais do crack, da maconha, da cocaína.
Dependo tão somente de Jesus. Faço um traba-
lho voluntário. Vou às escolas, colégios, praias e
igrejas conscientizar as meninas”, revelou.
Essa história não é ficção. É a vida real de
muitas mulheres no Brasil, traficadas para fins de
exploração sexual. Parte da história de vida des-
sa pernambucana está contada no vídeo “Rotas
de Ilusão”, produzido pela Assessoria e Planejamento
(Asseplan), empresa de consultoria em desenvolvi-
mento social.
Ana Santos é mais uma vítima do próprio sonho:
o de uma melhoria no padrão de vida. Muitas vezes
camuflada como atividade legal, o agenciamento de
modelos, babás, garçonetes e dançarinas pode ser
uma forma de os traficantes submeterem mulheres à
exploração sexual.
De acordo com o agente da Polícia Federal (PF)
em Pernambuco, Fernandes Vilanova, que trabalha há
Para Fernandes Vilanova, agente da Polícia Federal, chegar aos criminosos envolvidos no tráfico de seres humanos não é tarefa fácil
20
mais de 31 anos na PF, sendo 14 anos com investi-
gação de casos de tráfico de seres humanos, chegar
aos criminosos não é tarefa fácil. “No caso do tráfico
para exploração sexual, é muito complicado, pois ape-
sar da denúncia, temos dificuldades em provar quan-
do não pegamos o suspeito do crime em flagrante,
pois dependemos da confirmação da vítima. Elas têm
medo, pois correm risco até de morrer. Recebemos
uma denúncia de uma família de uma jovem que de-
sapareceu. Mais uma vítima do tráfico internacional
de pessoas para fins de exploração sexual e que teve
um final triste. Voltou morta para a família no Brasil”,
disse o agente, que participou da investigação de ca-
sos famosos, como o tráfico para retirada de rins por
parte de uma máfia israelense, que contou com parti-
cipação de muitas pessoas em Pernambuco.
Segundo o titular da Delegacia Institucional (De-
linst), delegado Renato Cintra, no período de 2008 a
2012, foram instaurados 17 inquéritos referentes aos
crimes previstos no art. 231 do Código Penal Brasilei-
ro. A equipe conta com cinco agentes federais. Fer-
nandes Vilanova informou que a maioria das denún-
cias de tráfico de seres humanos são provenientes
do Disque Denúncia, tanto do Governo do Estado de
Pernambuco, como da Polícia Federal.
A Justiça Federal na 5ª Região já julgou diver-
sos processos de tráfico de seres humanos, um deles
tendo como réus um alemão e um suíço. Os estran-
geiros, juntamente com uma brasileira, promoveram a
retirada de uma pernambucana do território nacional
com destino a Europa, mantendo a vítima em cárcere
privado e para fins de prostituição. L.B.N. foi acusada
de facilitar a ida de A.V.R.D. para a cidade de Bilbao,
na Espanha, supostamente para trabalhar como gar-
çonete na cafeteria do namorado da ré.
O desembargador federal Marcelo Navarro, do
Tribunal Regional Federla da 5ª Região - TRF5 e re-
lator da apelação criminal ACR 6734/PE, conta que
L.B.N, inconformada com a condenação, apelou ao
TRF5 contra a sentença do juízo da 4ª Vara Federal
de Pernambuco, que a condenou à pena de 5 anos, 1
mês e 20 vinte dias de reclusão pela prática do crime
tipificado no art. 231. A defesa da apelante susten-
tava que o fato de a mesma ter emprestado dinheiro
à vítima não se submete ao núcleo do tipo “facilitar”.
Alegou ainda que a vítima já exercia a prática da
prostituição antes de embarcar para a Europa, fato
este que afastaria a suposta exploração sexual pela
ré. “Restou comprovado ter sido a apelante quem
pagou a passagem da vítima para o exterior, como
também quem encaminhou a vítima ao local onde ela
seria explorada sexualmente, como se afere dos tre-
chos das declarações prestadas pela vítima, pela acu-
sada e pela mãe da vítima, que prestou queixa e pediu
ajuda à Polícia Federal após a filha, por telefone, ter
confirmado que estava se prostituindo na Espanha”.
Não ficou comprovado que a acusada aliciou outras
mulheres, além de A.V.R.D., como narrado na denún-
cia. Com isso, foi dado provimento ao pedido da defe-
sa para afastar o aumento da pena, resultando a pena
privativa de liberdade em 3 anos e 1 mês de reclusão.
Enfrentamento ao tráfico de seres humanos
O Brasil é signatário da Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional - mais
conhecida como Convenção de Palermo - e seus dois
Protocolos, aprovados pelo Congresso Nacional, me-
21
diante o Decreto Legislativo 231/2003. A Convenção
foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro por
meio do Decreto 5015/2004. O Decreto 5017/2004
promulgou o Protocolo Adicional à Convenção das Na-
ções Unidas contra o Crime Organizado Transnacional
Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico
de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças.
A convenção consiste em promover a coopera-
ção entre governos para prevenir e combater mais
eficazmente a criminalidade organizada transnacional,
através de um conjunto comum de ferramentas, que
incluem técnicas de legislação criminal e da coopera-
ção internacional. A partir da Convenção de Palermo,
a ONU estabeleceu o Escritório das Nações Unidas
Contra o Crime e Drogas - UNODC. Criada em 1997, a
agência, que está sediada em Viena, Áustria, possui
atualmente mais de 500 colaboradores e 21 filiais es-
palhadas no mundo, inclusive no Brasil.
No legislativo, a Comissão Parlamentar de Inqué-
rito (CPI) do Senado, presidida pela senadora Vanessa
Grazziotin (PCdoB-AM) e relatada pela senadora Lídi-
ce da Mata (PSB-BA), foi criada em 2011, com o obje-
tivo de investigar o tráfico nacional e internacional de
pessoas no Brasil, suas causas, consequências, rotas
e responsáveis, no período de 2003 e 2011, compre-
endido na vigência da Convenção de Palermo.
De acordo com dados do relatório elaborado pelo
Ministério da Justiça e pelas Secretarias de Direitos
Humanos e de Políticas para as Mulheres apresenta-
dos à CPI, o número de inquéritos instaurados pela Po-
lícia Federal especificamente sobre o art. 231 do Códi-
go Penal, que trata do tráfico internacional de pessoas
com o fim de exploração sexual, não é expressivo.
Em 2010, foram 74 inquéritos policiais; em 2009, 43.
Um total de 867 inquéritos por tráfico de pessoas nos
últimos 20 anos. Os dados podem não corresponder à
realidade, pois a CPI constatou que a maioria das res-
postas mostrou a inexistência de dados estatísticos
confiáveis relacionados ao tema.
A Câmara dos Deputados também tem uma CPI
do Tráfico de Pessoas. No dia 16 de outubro de 2012,
foram aprovados requerimentos para a realização de
um seminário sobre o tema e também diligências, oi-
tivas e audiências públicas em São Paulo, Pará, Per-
nambuco, Paraíba e Rio de Janeiro e também fora do
País, na Guiana Francesa e no Suriname, principais ro-
tas do tráfico de pessoas. De acordo com o presiden-
te da CPI, deputado federal Arnaldo Jordy (PPS-PA),
o Brasil é um dos cinco países com maior incidência
de tráfico de pessoas. A Comissão também irá ouvir
os envolvidos em um suposto esquema de adoção ile-
gal na cidade de Monte Santo, na Bahia. Uma repor-
tagem recente de um programa de TV mostrou que
cinco filhos, entre eles uma criança de dois meses,
foram retirados da casa dos pais pela polícia e entre-
gues à adoção em junho do ano passado. Há suspeita
de irregularidades no processo.
A CPI do Tráfico de Pessoas do Senado definiu
novas audiências e vai prorrogar um pouco mais
os trabalhos em função das recentes denúncias de
adoção irregular na Bahia. No dia 12 de novembro, a
pedido de Lídice da Mata (PSB-BA), relatora da CPI,
será realizada uma audiência em Salvador, para ouvir
a mãe das crianças e tentar ouvir o juiz envolvido.
Segundo a Secretaria Nacional de Justiça do
Ministério da Justiça, 475 pessoas foram vítimas de
tráfico de pessoas no Brasil, entre os anos de 2005
e 2011. Desse total, 337 sofreram exploração sexual
22
Jeane Aguiar, coordenadora do NETP/PE, defende que a informação é a maior defesa das redes de traficantes
e 135 foram usadas em trabalho escravo. Os dados
constam de estudo feito em parceria com o Escritório
da Nações Unidas sobre Drogas e Crimes, que apon-
tou que os maiores destinos, além do Suriname, são
a Suíça e a Espanha. E mais da metade do aliciamento
é feito por mulheres.
No âmbito do Executivo, o Governo Federal pos-
sui uma Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas, instituída pelo Decreto Federal nº 5.948,
de 26 de outubro de 2006. São ações de prevenção,
repressão e atendimento às vítimas. Outro passo im-
portante foi a implementação do I Plano Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (I PNETP), do
Ministério da Justiça, que tem, entre suas metas, a
implementação de Núcleos de Enfrentamento ao Trá-
fico de Pessoas (NETPs). De acordo com dados do Mi-
nistério da Justiça, o País possui 15 NETPs. Na área
de abrangência da Justiça Federal na 5ª Região, os
Estados de Alagoas, Pernambuco e Ceará possuem
uma unidade do NETP´s. Uma das funções dos Nú-
cleos é articular, estruturar e consolidar, a partir dos
serviços existentes, uma rede estadual de referência
e atendimento às vítimas do tráfico de pessoas.
O Estado de Pernambuco possui, desde 2008,
uma Política Estadual de Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas. Em setembro de 2011, foram instituídos
o Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
(NETP/PE) e o Comitê Estadual de Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas (CETP/PE), que se reúnem, men-
salmente, com a presença de diversas secretarias e
órgãos, inclusive federais. Vinculado à Secretaria de
Defesa Social, o NETP/PE tem diversas atribuições,
entre as quais capacitar e formar atores envolvidos,
direta ou indiretamente, com o enfrentamento ao
tráfico de pessoas, na perspectiva da promoção dos
direitos humanos. Coordenado pela advogada Jeanne
Aguiar, o NETP/PE já vem colhendo resultados. Após
palestras proferidas em locais como redes pública e
privada de ensino, tem sido comum parentes e ami-
gos de possíveis vítimas do tráfico de pessoas con-
sultarem o Núcleo para relatar histórias que poderiam
não ter um final feliz.
O Núcleo pernambucano faz o atendimento e
orienta com relação aos cuidados que as pessoas de-
vem ter para não serem vítimas do tráfico. “O NETP
desenvolve um trabalho de prevenção e atendimen-
to às vítimas e seus familiares. A prevenção é feita
através de um programa de palestras, que vem sendo
realizado nas escolas da rede pública e privada, em
ONGs e nas empresas. Durante as palestras, o público
toma conhecimento das causas e consequências do
tráfico de pessoas, entendendo, principalmente, que
23
o tráfico de pessoas é um crime invisível e comple-
xo, bem como as fragilidades referentes à legislação
em vigor no Brasil. A prática tem demonstrado que a
divulgação das informações básicas, visando sobre-
tudo o público feminino, explicando as características
do tráfico de pessoas, as suas modalidades, como a
rede atua, pode colaborar para que nem meninas nem
adolescentes ou crianças caiam nessa armadilha. A
partir de 2013, o NETP terá uma unidade itinerante
que irá funcionar em ônibus especialmente preparado
para palestras e atendimento ao público, levando as
informações para todo o Estado de Pernambuco.”
Com relação à orientação a quem procura o Nú-
cleo relatando promessa de emprego, Jeanne Aguiar
disse que tem orientado as pessoas a não viajarem
sem deixar uma cópia do passaporte com a família.
“Procure-nos para que, através dos órgãos competen-
tes, possamos checar se a empresa existe, se tem
um caráter idôneo. É recomendável fazer uma pes-
quisa prévia sobre o lugar onde a pessoa irá trabalhar,
procurar se existe representação diplomática brasilei-
ra”, alerta.
Informação é a maior defesaDe acordo com o relatório “Uma Aliança Global
contra o Trabalho Forçado”, publicado pela Organiza-
ção Internacional do Trabalho (OIT), em 2005, cerca
de 2,4 milhões de pessoas no mundo foram traficadas
para serem submetidas a trabalhos forçados. A OIT
calcula que 43% dessas vítimas sejam subjugadas
para exploração sexual; 32%, para exploração eco-
nômica; e 25% são traficadas para uma combinação
dessas formas ou por razões indeterminadas. O rela-
tório aponta ainda que o lucro total anual produzido
com o tráfico de seres humanos chega a 31,6 bilhões
de dólares. A América Latina responde por 1,3 bilhões
de dólares.
Segundo dados da “Pesquisa e diagnóstico do
tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e
de trabalho no Estado de Pernambuco”, coordenado
pela professora de Direito Penal da Universidade Ca-
tólica de Pernambuco, Karina Nogueira Vasconcelos,
o perfil das vítimas é basicamente o mesmo: pesso-
as que não têm dinheiro ou não têm oportunidade de
trabalhar ou estudar e querem melhorar suas vidas.
Os dados revelam que são, geralmente, mulheres e
crianças oriundas de países em desenvolvimento.
“Ansiosas em busca de emprego, são enganadas por
agências de trabalho e publicidades (anúncios na in-
ternet) que forjam situações com promessas de car-
reiras desejadas, tais como modelo, artista ou ainda
qualquer outro tipo de trabalho lícito, como faxineira,
diarista, au pair (babá), manicure etc.”, avisa.
A promoção de eventos para troca de informa-
ções tem sido incentivada tanto pela Justiça Fede-
ral, como pelo Ministério Público Federal. No mês de
setembro de 2012, a Justiça Federal no Ceará pro-
moveu o Seminário A Justiça Federal e o Combate
ao Crime Organizado. Um dos painéis foi dedicado ao
Tráfico de Pessoas. Também em setembro, o Minis-
tério Público Federal promoveu, no Recife, o Encontro
da Rede Ibero-Americana de Procuradores especiali-
zados contra o Tráfico de Pessoas. O evento interna-
cional reuniu, além de procuradores, representantes
de órgãos envolvidos no enfrentamento ao tráfico de
seres humanos, entre os quais o oficial encarregado
do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Cri-
me para o Brasil e Cone Sul (UNODC), José Manuel
24
Verifique a idoneidade da pessoa ou da empresa que contratou os seus serviços para viajar e também daquelas que receberão você no exterior.
Use a internet para checar a veracidade das informações que você recebeu. Desconfie dessas informações. Des-confie de informações vagas ou pouco plausíveis.
Informe-se ao máximo sobre como o país de destino da sua viagem trata a questão dos imigrantes (com documen-tos e sem documentos).
Faça uma avaliação cuidadosa; viajantes irregulares correm riscos que vão desde deportação até recolhimen-to para centros de detenção ou confisco dos bens e do dinheiro.
Se você contraiu uma dívida para financiar sua viagem, esteja atento a todas as implicações do valor que lhe será cobrado na volta, às condições de pagamento, às taxas de juros e ao tempo estabelecido no acordo para quitação da dívida. É importante que você esteja informado sobre as consequências, caso decida não cumprir o acordo até o fim. Oficialize essas condições em um documento escri-to, deixando uma cópia em seu poder e outra adicional no Brasil, com pessoas de sua confiança.
Esteja atento às condições de trabalho oferecidas e ao tempo de permanência legal no país de destino. Lá, você também terá direitos a serem assegurados, indepen-dentemente de sua nacionalidade; exija que esses direitos sejam respeitados pelas pessoas no seu país de destino. Caso você tenha dúvidas, procure as autoridades locais en-carregadas da fiscalização dos ambientes de trabalho, os sindicatos ou as ONGs que trabalham com o tema.
Faça uma pesquisa prévia sobre pessoas, lugares, pre-ços, costumes e língua. Desconfie de elogios exagerados e da tentativa de descrever a realidade de outro país como de fácil adaptação, tranquila e de sucesso garantido.
Mantenha cópias (físicas e digitais) de todos os seus do-cumentos pessoais em seu poder e deixe cópias com pes-soas de sua confiança no Brasil. Não importa que outras pessoas estejam com os seus documentos originais: todo brasileiro tem o direito de solicitar novas vias sempre que precisar e onde estiver. Assim, em caso de perda, furto, roubo ou retenção de seu passaporte, contate imediata-mente o Consulado do Brasil mais próximo.
Antes de viajar, anote o número de contato da Embai-xada ou do Consulado do Brasil no seu país de destino e informe-se sobre como fazer ligações para esses locais. Em alguns países, o Consulado do Brasil mantém um re-gistro dos cidadãos brasileiros residentes na localidade. Se for o seu caso, cadastre seus contatos no Consulado ou na Embaixada assim que chegar ao país de destino.
Na Europa, vários países exigem que visitantes ou resi-dentes providenciem, imediatamente após a chegada, o registro no órgão competente. Veja quais são os requisitos e providencie o seu registro.
Obtenha informações claras sobre o tipo de visto que você receberá e as suas possibilidades e limitações, como prazo de permanência legal e possibilidade de renovação e mudança de um tipo de visto para outro.
Faça contato constantemente com sua família e seus amigos no Brasil, fornecendo sempre detalhes de onde você pode ser facilmente localizado. Endereço, telefone e e-mail para contato podem fazer uma grande diferença na garantia da sua segurança.
Aprenda um pouco da língua local antes de viajar. Car-regue sempre com você uma pequena lista das palavras mais usadas no seu país de destino.
Converse com pessoas que tiveram experiências si-milares e faça muitas perguntas. Não fique com vergonha, pergunte o óbvio. E, mais uma vez, cheque todas as infor-mações recebidas. A internet pode ser uma grande aliada para que você permaneça em segurança fora do Brasil.
Importante: quando você estiver fora do Brasil, o Consula-do e a Embaixada do Brasil são os órgãos do Governo bra-sileiro que estarão sempre à sua disposição para auxiliá-lo em qualquer dúvida ou situação de necessidade.
Alguns telefones importantes:
Disque 100 – Disque Denúncia Nacional
Disque 180 – Central de Atendimento à Mulher
Disque Denúncia/PE .........................................................81-3421.9595
Departamento de Polícia da Mulher..................................81-3184.3568
Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas/PE .........81-3183.5297
Cuidados que você deve ter antes de viajar
Fonte: NETPPE
Martinez. O oficial falou sobre o panorama geral
do tráfico no mundo, abordou as diferenças entre
tráfico de pessoas e contrabando de migrantes. “A
diferenciação entre os delitos reside em três pontos
principais: consentimento, finalidade da exploração
e intrínseca transnacionalidade. O tráfico de pesso-
as se configura com ou sem consentimento da víti-
ma”, afirmou Martinez.
O procurador-geral da República, Roberto Gur-
gel, que esteve presente ao Encontro da Rede Ibero-
-Americana de Procuradores especializados contra
o Tráfico de Pessoas, realizado no Recife (PE), em
setembro de 2012, disse que não há como com-
bater o tráfico, adequada e efetivamente, sem que
exista a integração entre os diversos países, so-
bretudo entre aqueles que têm fronteiras comuns.
“A instituição dessa Rede vai permitir uma agiliza-
ção muito maior dos contatos entre os Ministérios
Públicos, portanto, uma repressão mais eficiente
desse delito, que é um dos mais tenebrosos que
nós temos hoje na nossa sociedade”. O procura-
dor-geral da República falou da importância de um
banco de dados para municiar a rede com dados
confiáveis. “Nós temos algumas iniciativas nesse
sentido, mas é preciso que esses dados sejam mais
confiáveis e que tenham uma base científica, mais
sólida. Nós já temos o próprio escritório das Nações
Unidas sobre Drogas, que tem bastante informação
a esse respeito. Há outras bases de dados, mas é
preciso agora consolidar essas diversas bases para
que possamos ter dados mais completos e mais
confiáveis”
Gurgel também falou da dificuldade da forma-
ção do banco de dados, em virtude do silêncio das
O tráfico de seres humanos também está nas telas dos cinemas. A coordenadora do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Estado de Pernambuco (NETP/PE), Jeanne Aguiar, que percorre diversos municípios para levar informações sobre o tráfico de seres humanos, tem uma rela-ção com títulos de filmes sobre a temática. Com a ajuda dela, selecionamos sete filmes:
1. Tráfico Humano, de Christian Duguay (USA/ Canadá, 2005). Uma agente da polícia se depara com os horrores da exploração sexual quando tenta expor uma rede mundial que escraviza mulheres. Entre elas, estão uma ucraniana de 16 anos, uma mãe solteira russa, uma órfã romena de 17 anos e uma adolescente dos EUA. Duração: 2h e 56 min. Suspense.
2. Anjos do Sol, de Rudi Lagemann (Brasil, 2006) Uma pré-adolescente nordestina, de 12 anos, é vendida pela sua família e enviada para um prostíbulo em um garimpo da flo-resta amazônica. Apesar de conseguir fugir e atravessar o país, ela novamente se depara com a prostituição no Rio de Janeiro. Duração: 1h e 32 min. Drama.
3. Desaparecidos (Trade), de Marco Kreuzpaintner (USA, Alemanha, 2007) Uma garota de 13 anos é sequestrada por traficantes na Cidade do México. Seu irmão, de 17 anos, une-se a um policial Ray(Kevin Kline), que perdeu a família para o tráfico de pessoas e, juntos, lutam para tirar a menina da gangue criminosa. Duração: 1h e 29 min. Drama.
4. Para Sempre Lilya, de Lukas Moodysson (Suécia/Di-namarca, 2002). Uma garota russa, de 16 anos, foi aban-donada pela mãe. Depois de ser obrigada a sair de casa e morar em um apartamento precário, recebe um convite do namorado para morar na Suécia, tendo a chance de mudar completamente de vida. Duração: 1h e 49 min. Drama.
5. Cinderelas, Lobos & Um Príncipe Encantado (2009), um documentário com Joel Zito Araújo. Cerca de 900 mil pessoas atravessam as fronteiras internacionais para aten-der ao mercado de exploração sexual. Apesar de todos os perigos, várias mulheres entram neste universo por acreditar que possam mudar de vida e encontrar um príncipe encanta-do. Duração: 1h e 47 min. Documentário.
6. Busca Implacável: Liam Neeson vive um ex-soldado que, em meio a uma viagem à Europa, tem a filha raptada. Ele irá utilizar todos seus conhecimentos de guerra para res-gatá-la, antes que ela seja vendida. Duração: 1h e 33 min. Ação e suspense.
7. Senhores do Crime (2007) A trama é centrada na histó-ria da parteira Ana (Naomi Watts), que trabalha em um hos-pital em Londres e acaba testemunhando a morte de uma jovem durante o parto e decide descobrir sua família para entregar a filha, mas acaba colocando-a em perigo quando se depara com o lucrativo negócio do tráfico de sexo, co-mandado por uma organização criminosa da Rússia. Dura-ção: 1h e 40 min. Ficção.
vítimas. “Dificulta muito, porque nós temos vítimas
que tendem precisamente ao silêncio. São pessoas
em condições sociais desfavoráveis e que se sentem
extremamente humilhadas e, por isso, por um lado,
procuram esconder essa situação. Por outro, há um
temor muito grande de uma retaliação ao se falar. En-
tão esse é um dos dados que efetivamente dificultam
essas informações”.
Quando a arte imita a vidaO tráfico internacional para fins de exploração se-
xual é um dos temas da novela das 21h da TV Globo,
Salve Jorge, da autora Glória Perez. “A escravidão do
século XXI!”, é assim que a autora resume o tema
abordado pela novela. Em conversa com blogueiros,
Glória Perez justificou a escolha. “Achei importante fa-
lar sobre esse tema, pois é um problema imenso e as
pessoas acham que não existe. E o tráfico ocorre de
diversas formas. Não estou dizendo que todo trabalho
no exterior seja mal intencionado, mas as pessoas
têm que desconfiar quando é tudo muito fácil. Eu es-
pero que a novela sirva como alerta para olharem com
mais critério para esse tipo de proposta para fora do
país”, revela a autora.
A prática criminosa, embora tenha surgido há sé-
culos, é um problema que ainda desafia as polícias,
o Judiciário, o Ministério Público e os organismos in-
ternacionais. O crime é previsto no art. 231 do Códi-
go Penal Brasileiro – tráfico internacional de pessoas
com fins de exploração sexual. A pena prevista é de
3 a 8 anos de reclusão. Em caso de vítima menor de
idade, a pena passa para 4 a 10 anos de reclusão. E
havendo morte resultante de violência, sobe para 12 a
25 anos de reclusão. O art. 244 do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) prevê que submeter criança
e adolescente à exploração sexual é crime.
Para o desembargador federal Marcelo Navar-
ro, quando uma novela de sucesso fala de um tema
como o tráfico de seres humanos, o assunto passa
a ter uma maior visibilidade. “A novela pode ajudar
efetivamente. Esse é um crime horroroso. Um crime
que atenta contra os direitos humanos mais funda-
mentais, atinge a liberdade sexual, a liberdade de
decidir e, muitas vezes, a liberdade física, porque as
pessoas são submetidas a maus tratos. Em alguns
casos, chega até a tortura, não apenas para submeter
a práticas sexuais que elas não fariam voluntariamen-
te, mas também, muitas vezes, porque apanham para
calarem, para terem medo”, destacou Navarro.
“A novelista Glória Perez, filha do saudoso ministro
Jerônimo Ferrante, do antigo Tribunal Federal de Re-
cursos, e também marcada pelo sofrimento do brutal
assassinato da sua filha, Daniela, tem conhecimento
e vivência bastante para despertar a opinião pública
nacional para a necessidade de uma repressão mais
eficaz a esse tipo de delito. Certamente, buscará no
enredo ficcional inserir dados de uma realidade igno-
miniosa, trágica, revoltante, para convencer a plateia
diária de muitos milhões de espectadores, de que
é preciso que todos colaborem com as autoridades
para fornecer informações sobre os descaminhos que
geralmente começam com a abordagem de famílias
carentes, de jovens desesperadas pela falta de opor-
tunidades, de emprego, ou pela vilania do subem-
prego, e seguem com o embarque para um destino
ilusório, terminando com a mais terrível subjugação
aos interesses das quadrilhas”, ressaltou o também
desembargador federal do TRF5, Lázaro Guimarães.
27
À L
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ireito
sE N S A I OF O T O G R Á F I C O
Avisos do PrataEnsaio fotográfico:
Marcos CostaIntervenções textuais:
Isabelle CâmaraLivre inspiração na obra
Menino do mato, de Manoel de Barros
Era uma casa muito bonitaTinha janelas, varandas e ripasMas ninguém podia entrar nela, nãoPorque a casa era só degradaçãoNinguém podia dormir na redePois, ao abrir a porta, podia derrubar a paredeNinguém podia fazer xixiPorque ninguém sabe como se chega ali
Vinha de longe o ruído daqueles galhosDe enroscar, esgueirar, emaranhar, entranharE de perto ouvi o silêncio da casaE achei silêncios e ruídosE isso não é metáfora, Manoel de Barros
Sabe aquela pedra?Um dia ela foi arremessada naquela porta
Hoje não há mais crianças para quebrar janelasNem mulheres lavando roupas no açude
Nem enchendo aqueles cômodos com vozes coloridasA pedra dormita ali
No pedestal da memória do lugar que um dia foi
Conto cada degrau como se fosse o tempoDe manhã bem cedo, queria ser sonhada pelos passarinhos.Ao meio-dia, sentir o gosto de terra molhadaNo início da noite, ser roubada como jasmim para perfumar os cabelos da morenaE naquele azul madrugada, não me embaraçar nos meus escombros verbais
Os meninos e as meninas receberam a sorte do esquecimentoAchavam que o seu esquecimento era maior que o do lugar
Mas o esquecimento do lugar era maior, continha o esquecimento de si mesmo. E dos outros.
É preciso desver o mundo para entrar naquele lugar imenso e sem lados.Desver o que não se vê?Aquele prata que estava ali... Cadê?Certas visões parecem não significar nada. Mas são memórias do que não houve
Naquele dia eu vi a tarde desaberta nas margens do rioMas não era um rio de águas que flui singela ou caudalosamente rumo ao marEra um rio de pedras vermelhas na boca da mataEu queria mesmo que daquela boca gritassem cobras, lagartos e zumbidosEu queria que essas palavras de joelho no chão pudessem ouvir as origens da terraMas a mata não falaSuas raízes sustentam o silêncio do abandono.
Recursos tecnológicos facilitam o cotidiano das pessoas com deficiência, garantindo a implementação da Lei de Acessibilidade
São Paulo, 22 de julho de 2012,
18h30, voo 3971. Todos os passa-
geiros deixaram a aeronave, menos
um, Marcelo Rubens Paiva, escritor,
jornalista e paraplégico. Após algum
tempo de espera, ele utilizou uma
rede social para pedir ajuda pois, se-
gundo ele, havia sido esquecido pelos
comissários dentro do avião. Foi auxi-
liado para deixar a aeronave somente
uma hora depois do desembarque.
Em sua defesa, a companhia aérea
relatou que a espera foi decorrente
do fato de que outros voos também
possuíam passageiros que utilizavam
cadeiras de rodas e que, portanto,
precisavam do mesmo equipamento
especial para locomoção.
O caso do escritor e jornalista paulista repercutiu
na imprensa, mas a realidade está além das divulga-
ções da mídia. De acordo com o Censo de 2012 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
existem cerca de 45,6 milhões de deficientes físicos no
país. Destes, 14 milhões se encontram no Nordeste, o
que representa 23,9% da população brasileira e 26,6%
dos nordestinos. Contudo, a vida das pessoas com de-
ficiências físicas está sendo melhorada, sobretudo pelo
avanço da tecnologia.
Dentre os diversos tipos de deficiência, a que atin-
ge a maior parte do Brasil é a visual. São considera-
dos deficientes visuais não somente aqueles que não
enxergam de modo algum, mas também quem possui
dificuldade para ver, mesmo usando óculos. Segundo
dados do IBGE, essas pessoas ocupam o primeiro lugar
no índice de deficientes no País, totalizando cerca de
35,7 milhões de brasileiros. Porém, com o auxílio de
A tecnologia que inclui
Joana Medeiros e Camila Wanderley
Fund
amen
tais
aplicativos, o deficiente visual pode realizar suas ativi-
dades normalmente.
Um exemplo é o de Carmem Gonçalves de Olivei-
ra, 43 anos. Mãe de dois filhos, professora pela manhã,
telefonista no Tribunal Regional Federal da 5ª Região
- TRF5 à tarde e dona de casa à noite. Com o auxílio
da tecnologia, Carmen diz que não possui dificuldades.
“Posso usar o computador normalmente com o siste-
ma de voz, já o telefone celular eu utilizo sem o auxílio
do sistema de voz”.
Nos últimos tempos, vários sistemas foram cria-
dos para dar acessibilidade ao deficiente visual, entre
eles o Dosvox, Virtual Vision, Window Bridge, Window-
-Eyes e Linuxacessivel. Todos podem ser instalados no
computador e funcionam por comando de voz, além
de servirem para descrever o que se encontra na tela,
sejam imagens ou textos, podendo também ser confi-
gurados para outros idiomas.
Em segundo lugar, estão os deficientes motores,
que somam 13,2 milhões da população brasileira. Essa
deficiência engloba as pessoas que têm dificuldade
demasiada ou permanente de caminhar ou subir esca-
das, ainda que utilizando prótese, bengala ou aparelho
auxiliar.
Dentre esses 13,2 milhões de brasileiros, encon-
tra-se Charles Heitor Barbosa Pires. Estudante do 9°
período de Direito, Charles ficou conhecido por sofrer
um ataque de tubarão em 1999. Depois de sete anos,
entrou na justiça contra o Estado e exigiu uma prótese.
Segundo Charles, “o SUS (Sistema Único de Saúde)
nos oferece próteses, após passarmos por alguns exa-
mes, mas elas não estão tão atualizadas, machucam.
Por isso, durante uma aula, tive a esperança de que,
entrando com uma ação judicial, eu poderia conseguir
uma melhor”.
Em abril de 2012, Charles recebeu uma prótese
importada da Escócia, feita sob medida. Todavia, de-
vido à tecnologia avançada, ele ainda está testando
o equipamento e precisa viajar para Porto Alegre, em
busca de médicos mais especializados nesta área.
Com sede em seis estados brasileiros, a AACD é
uma associação voltada especialmente para pessoas
como Charles. Com tecnologia avançada e novas téc-
nicas de produção, a AACD conta com profissionais da
área de saúde para realizar o tra-
balho de reabilitação e com mais
de 80 especialistas em suas fá-
bricas que, a partir de prescrições
médicas, criam próteses, coletes
e acessórios, como cadeiras de
posicionamento e adaptações
para cadeiras de rodas.
Charles Heitor Barbosa (dir.) luta há 11 anos para conseguir uma prótese adaptada ao seu corpo
Em geral, as próteses personalizadas podem ter
um alto custo, entretanto, no cotidiano, é possível vi-
sualizar equipamentos tecnológicos disponíveis gra-
tuitamente para a população, entre eles elevadores
para cadeiras de rodas nos ônibus. De acordo com o
Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros
(Urbana-PE), atualmente, 1.764 ônibus do Recife e Re-
gião Metropolitana possuem este equipamento.
Para os que possuem uma situação finaceira mais
favorável, o número de veículos adaptados para defi-
cientes físicos também vem crescendo. Recentemente,
a Associação Brasileira das Indústrias e Revendedores
de Produtos e Serviços para Pessoas com Deficiência
(ABRIDEF) conseguiu, junto ao governo, a isenção de
impostos veiculares para os carros adaptados. O preço
desses automóveis tem grande variação, dependendo
da quantidade de acessórios e modificações de que
o usuário necessite, oscilando entre R$ 40.000 e R$
80.000 para os carros populares.
Para ler, ouvir e pensar A deficiência auditiva, que atinge 9,7 milhões
dos brasileiros, está em segundo lugar. Estão inclu-
sos nesse grupo aqueles que têm problemas em
ouvir, mesmo com o uso de aparelho auditivo, e os
que têm incapacidade permanente de escutar. Mas a
tecnologia ampliou as técnicas de comunicação entre
eles e com outras pessoas que não apresentam tais
dificuldades.
Meios de conversação utilizados pela sociedade
de modo corriqueiro, como e-mail, chats e mensagem
em aparelhos móveis, modificaram o cotidiano dos
que não podiam ouvir. E para os que não são 100%
surdos, já existem aparelhos auditivos que podem ser
adquiridos até mesmo gratuitamente pelo SUS, após
uma avaliação médica.
Outro aparato que está entrando na vida dos defi-
cientes auditivos, desde 2009, é uma criação do músi-
co e educador Irton Silva. A invenção permite que por-
tadores de deficiência auditiva toquem instrumentos a
partir de um equipamento com sequenciador eletrônico
e uma combinação de lâmpadas com cores e tama-
nhos variados, que representam não só a estrutura de
um compasso musical, como também a descrição vi-
sual das frases rítmicas.
Em último lugar, estão os 2,6 milhões de deficien-
tes mentais ou intelectuais, que são pessoas portado-
res de alguma permanência ou limitação nas suas ativi-
dades habituais, como trabalhar, brincar, se comunicar,
aprender ou cuidar de si mesmas.
Sequenciador eletrônico possibilita aos portadores de deficiência auditiva o aprendizado da música
40
A deficiência, qualquer que seja o tipo, é apenas
uma característica que difere determinados indivíduos
na sociedade. Porém, a fim de estabelecer equidade
social, merecem respeito e têm garantias legais, como
afirma a Lei da Acessibilidade (Lei 10.098/2000). Esta
lei prevê, entre outras determinações, o atendimento
prioritário e condições gerais da acessibilidade, não
somente em vias e locais públicos, mas também em
ambientes fechados como bares, bibliotecas, clínicas
e, principalmente, aeroportos.
Vivendo sem limitesAlém dos trabalhos de ONGs e empresas voltadas
para serviços especiais aos deficientes físicos, essa
parte da população pode contar, também, com o Plano
Viver Sem Limite, do Governo Federal, que integra o
Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Lançado em novembro de 2011, com um investimento
previsto na ordem de R$ 7,6 bilhões até 2014, o plano
engloba ações nas áreas de saúde, educação, inclusão
e acessibilidade, com ideias desenvolvidas por 15 mi-
(+) Direitos
Ações do Governo FederalSite: www.pessoacomdeficiencia.gov.brAACD Pernambuco End.: Av. Advogado José Paulo Cavalcanti, 155
Ilha Joana de Bezerra, Recife/PEFone: 81-3419.4000Site: www.aacd.org.brE-mail: [email protected].: Rua Cláudio, 310 Vila Romana, São Paulo/SPFone: 11-3876.9850 / 11-3445.2373Site: www.abridef.org.brE-mail: [email protected] Acaape - Som da PeleEnd.: Rua da Harmonia, 489 Casa Amarela, Recife/PESite: somdapele.blogspot.com/E-mail: [email protected]
APEC - Associação Pernambucana de CegosEnd.: Praça Prof. Barreto Campelo, 1238 Torre, Recife/
PEFone: 81-3227.3000Site: www.apecnet.com.br/ASSPE – Associação de Surdos de PernambucoEnd.: Pc Prof Barreto Campelo, 1238 Torre, Recife/PEFone: 81-3236.6299Site: www.asspe.com.br/E-mail: [email protected]/PE - Associação dos Deficientes Físicos Mo-
tores de PernambucoEnd.: Rua Manoel Corte Real, 686 Engenho do Meio,
Recife/PEFones: 87-3453.1473 / 87-3475.4056 E-mail: [email protected]
Conheça algumas ONGs e sites de apoio à acessibilidade:
nistérios e a participação do Conselho Nacional dos Di-
reitos da Pessoa com Deficiência (Conade), que trouxe
as contribuições da sociedade civil.
Entre as ações previstas estão o PRONATEC (Pro-
grama Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Empre-
go), com a Bolsa Formação, que conta com 800 horas
de cursos educacionais para nível médio e 160 horas
de cursos profissionalizantes para deficientes. Nesse
caso, o curso é gratuito e os estudantes têm direito à
alimentação, transporte e material didático.
Outra ação integrante do Viver Sem Limites é o
Minha Casa, Minha Vida II, onde 1,2 milhões de resi-
dências adaptadas estão previstas para famílias que
possuam deficientes físicos e renda até R$1.600. Nes-
sas casas, todos os vãos são adaptados. O Plano Viver
Sem Limites também garante uma melhor situação fi-
nanceira aos portadores de deficiência, com uma linha
de crédito registrada pelo Banco do Brasil, para facilitar
investimentos necessários, como cadeiras de rodas
motorizadas, computadores portáteis com teclas em
braile e softwares de voz.
Toda escolha será respeitadaAvanços legais garantem aos grupos LGBTT maior segurança na luta contra a intolerância, a discriminação e o preconceito
Josie Marja
Soci
edad
e e
Dire
itos
No início do mês de setembro,
a homofobia foi amplamente discu-
tida nas redes sociais: opiniões divi-
didas e fóruns acalorados. O deba-
te começou com a indignação dos
internautas pernambucanos com
a campanha “Pernambuco Não Te
Quer”, desenvolvida por um grupo
de religiosos integrantes do Fórum
Pernambucano Permanente Pró
Vida – do Movimento Javé Nossa
Justiça. A campanha apresentava
material publicitário com conotação
homofóbica, uma vez que incluía
homossexualismo (sic) no mesmo
bojo de práticas criminosas, como
a exploração sexual de menores e
a pedofilia.
O debate ficou ainda mais
acirrado com a publicação de um
anúncio da campanha em jornais
de grande circulação de Pernam-
buco. A peça publicitária, inspirada
no slogan da campanha “Recife te
quer”, desenvolvida pela Secretaria
de Turismo do Recife, ultrapassou
as fronteiras do Estado e provocou reações de diver-
sos segmentos da sociedade civil, dos movimentos
de luta voltados para o segmento LGBTTs (lésbicas,
gays, bissexuais, travestis e transexuais), políticos e
internautas de diversos estados do País.
A discussão saiu das redes sociais e foi parar em
comunicados oficiais das Secretarias de Defesa dos
Direitos Humanos das esferas federal, estadual e mu-
nicipal. Entre eles, destaca-se a nota oficial publicada
pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência
da República (SDH/PR). “Tal campanha seria de gran-
de relevância se estivesse de fato voltada a enfrentar
crimes abomináveis, como a exploração sexual de
crianças e adolescentes, o turismo sexual e a pedofi-
lia. No entanto, ao incluir o seu repúdio os homosse-
xuais, a campanha fere os Direitos Humanos e pro-
move o ódio contra a comunidade de Gays, Lésbicas,
Bissexuais, Travestis e Transexuais”, diz parte da nota.
A nota também destaca o número “preocupante”
de homicídios de LGBTT. De acordo com o relatório da
SRH/PR, em 2011, foram praticados 278 homicídios
em todo país. O estudo aponta, ainda, que o Esta-
do de Pernambuco está em 6º lugar entre os estados
brasileiros em número de homicídios com caráter ho-
mofóbico.
A opinião da SDH/PR é compartilhada pelo pro-
Para Rafael Nicéas, as pessoas só enxergam erotismo e promiscuidade nas relações homossexuais
dutor cultural Leonardo Araújo*, que atribui aos mo-
vimentos homofóbicos institucionalizados todas as
formas de violência física e moral praticadas contra
os homossexuais. “O preconceito e a discriminação
estão quase sempre presentes nas relações sociais,
quer seja de maneira explicita ou velada”, afirma. Ele
acrescenta que campanhas como as do Movimento
Pró-Pernambuco servem para estimular o comporta-
mento hostil, violento e, na maioria das vezes, vitima
as pessoas. “Atitudes como esta, acentu-
am a incapacidade de algumas pessoas
ou instituições em respeitar e aceitar as
diferenças. Principalmente os que têm pre-
ferências sexuais diferentes dos padrões
considerados ‘normais’ pela sociedade”,
ressalta.
A servidora pública Letícia Aguiar
(evangélica praticante) rechaça a tese de-
fendida pelo produtor cultural, e afirma que
a violência reside no fato de o segmento
homossexual violar os ensinamentos cris-
tãos. “Quando Deus criou os dois sexos,
ficou claro que o relacionamento sexual e
amoroso deveria acontecer apenas entre o homem e
a mulher. Caso contrário, ele teria criado apenas um
sexo”, defende.
Opiniões à parte, o caso agora está sendo inves-
tigado pelo Ministério Público de Pernambuco, uma
vez que a Organização Não Governamental Leões do
Norte formalizou uma denúncia contra o Fórum Pró
Vida. Por sua vez, o movimento publicou em sua pá-
gina na internet um comunicado informando que es-
tava reunindo provas em vídeo, e-mails, mensagens
no Facebook e no Twitter, reportagens e documentos
recebidos para uma possível ação. De acordo com o
comunicado, o Fórum e os seus parceiros estariam
sofrendo ameaças, ataques e intimidações.
Discriminação e PreconceitoA discriminação e o preconceito são os maiores
entraves enfrentados pelos homossexuais. Por não
estar de acordo com os padrões de comportamento
vigentes na sociedade, a homossexualidade é marca-
da pelo estigma social e renegada à marginalidade.
No artigo “Liberdade sexual e direitos humanos”, a
advogada e desembargadora aposentada Maria Be-
renice Dias afirma que a discriminação e o precon-
ceito de que são alvo os homossexuais dão origem a
uma categoria social digna de proteção. “A hipossu-
ficiência não deve ser identificada somente pelo viés
econômico. É pressuposto e causa de um especial
*Leonardo Araújo é um nome fictício do entrevistado
43
tratamento dispensado pelo Direito. Tanto que devem
ser reconhecidos como hipossuficientes o idoso, a
criança, o deficiente, o negro, o judeu e também a
mulher, porque ela, como as demais categorias, sem-
pre foram alvo da exclusão social”, afirma Berenice.
A exclusão provoca rejeição. “Nossa maior difi-
culdade é a aceitação da sociedade”, diz Luciana Sil-
va, assistente da Gerência de Livre Orientação Sexual,
da Prefeitura da Cidade do Recife. A aceitação à qual
ela se refere é a do respeito à livre escolha sexual e
dos relacionamentos homoafetivos.
A questão da afetividade, segundo o assessor da
Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Seguran-
ça Cidadã, Rafael Nicéas, é outro ponto que merece
ser destacado nos relacionamentos entre pessoas do
mesmo sexo. Para ele, a sociedade não enxerga o
amor, o carinho e o respeito que existem nos relacio-
namentos homoafetivos. “As pessoas acham que só
existem erotismo e promiscuidade”, desabafa.
O operador de Call Center e transformista Wiliam
Monteiro, 27, morador da Zona Norte de São Paulo,
sentiu essa exclusão quando ainda frequentava uma
Igreja Evangélica. Criado desde os cinco anos nessa
religião, Wiliam começou a sentir a discriminação
quando atingiu a adolescência. Ele não gosta muito de
lembrar o período, mas as pessoas que conviveram
com ele contam que, por causa da sua escolha, ele
era afastado das atividades promovidas pela Igreja,
como o grupo de orações e os grupos de dança - por
causa da forma como se expressava no palco.
Aos 22 anos, ele deixou de frequentar a Igreja e
resolveu assumir sua orientação sexual. “Não me sin-
to ofendido nem arrependido pelo tempo que passei
na igreja, ainda que tenha deixado a religião por falta
de acolhimento. Deus jamais vai excluir um filho dele
por conta da diferença”, acredita. “Quando eu era in-
cubado e ainda não tinha me descoberto, não sentia a
felicidade que sinto hoje”, afirma.
Avanços na Legislação MunicipalEm 2001, através da Lei 16.730, a Prefeitura do
Recife reestruturou o sistema previdenciário, garan-
tindo aos companheiros homossexuais do funciona-
lismo municipal os mesmos direitos dos casais he-
terossexuais. Em maio de 2003, o então prefeito do
Recife e hoje deputado federal, João Paulo Lima e Sil-
va, assinou portaria que concedeu a primeira pensão
a dependente homossexual do Brasil. O benefício foi
concedido com base na Lei Municipal 16.730/2001,
regulamentada pelo Decreto 19.217/2002.
O município também vem implementando po-
líticas públicas e criando leis e decretos para asse-
gurar os direitos do segmento LGBTT. Como a Lei nº
16.780/2002, que prevê a proibição de qualquer for-
ma de discriminação ao cidadão com base em sua
Amparo Araújo lembra que, no Recife (PE), foram sancionadas leis de proteção aos LGBTTs e de punição aos atos discriminatórios praticados contra eles
orientação sexual, foram instituídos a Lei 17.025/04,
que dispõe sobre a punição de atos discriminatórios
ao homossexual, bissexual ou transgênero, além de
instituir o Dia da Diversidade Sexual, celebrado em
28 de julho; e o Decreto nº 26.029/2011, que regula-
menta as referidas Leis, estabelecendo normas gerais
e aplicações de sanções administrativas por atos de
discriminação com base na prática e no comporta-
mento sexual do indivíduo.
O Estado, por sua vez, instituiu o Decreto
35.051/2010, que dispõe sobre a inclusão do nome
social de travestis e transexuais nos registros esta-
duais nos âmbitos da administração pública estadual
direta, autárquica e fundacional.
TRF5 sedia congresso sobre Direito Homoafetivo
O relacionamento entre duas pessoas do mes-mo sexo e os efeitos jurídicos patrimoniais, afetivos, previdenciários, de responsabilidade civil nas relações homoafetivas, além da divulgação do projeto do Es-tatuto da Diversidade e do seu papel na defesa dos direitos homoafetivos, estiveram na pauta do II Con-gresso Nacional de Direito Homoafetivo, realizado em agosto de 2012, no auditório do Pleno do Tribunal Re-gional Federal da 5ª Região – TRF5.
O encontro, coordenado pela advogada e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Maria Berenice Dias, teve o propó-sito de aprofundar os conhecimentos na área. Duran-te três dias, diversos palestrantes debateram sobre
o Direito Homoafetivo, entre eles a desembargadora federal Margarida Cantarelli, que levou à discussão o tema “A relação homoafetiva: direito à pensão estatu-tária”.
Para enriquecer o debate, a magistrada dis-correu sobre um processo julgado, em 2001, pela Pri-meira Turma desta Corte, do qual foi relatora, onde foi dado provimento ao pleito do companheiro de um funcionário público federal, que se habilitou a receber a pensão. “Peguei esse caso concreto para mostrar como, em 10 anos, evoluiu a compreensão dessa concessão de pensão até o julgamento do STF, em 2011, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4277)”, ressaltou a magistrada.
Com base na Lei nº 17.025, a Secretaria de Di-
reitos Humanos e Segurança Cidadã está solicitando
a punição de um bar e restaurante, localizado em Boa
Viagem. A secretária, Amparo Araújo, conta que, pela
primeira vez, a prefeitura vai punir um estabelecimen-
to comercial pela prática de discriminação sexual. O
restaurante, segundo denúncia, teria discriminado
duas mulheres em razão de sua orientação sexual.
Além das leis municipais, segundo Amparo Araú-
jo, dentre as políticas públicas implementadas pela
Prefeitura do Recife, existem o Fórum Intersetorial, a
Plenária de Orçamento Participativo LGBTTs, a Gerên-
cia de Livre Orientação Sexual e o Disque 100 para
receber denúncias.
45
Wolney Mororó
Apesar da contribuição do setor de carcinicultura à economia nacional, os ambientalistas alertam para os danos do cultivo de camarão ao meio ambiente
Am
bien
te In
teiro
A iguaria que faz a festa dos
chefs de cozinha e do paladar de
muita gente foi parar na justiça. No
último dia 2 de agosto, o Tribunal
Regional Federal da 5ª Região –
TRF5 julgou apelação cível do Minis-
tério Público Federal (MPF) contra a
Destilaria Jacuípe S/A, empresa de
criação de camarões, incorporada
no curso do processo pela Desti-
laria Miriri S/A e Superintendência
de Administração do Meio Ambien-
te (SUDEMA), por supostos danos
ambientais causados em área de
mangue e de preservação do peixe-
-boi. A relatoria do processo foi da
desembargadora federal convocada Cíntia Menezes
Brunetta.
A sentença do juízo da 3ª Vara Federal da Paraíba
já havia declarado inválidos os Termos de Compromis-
so e o Aditivo firmados em 2002 entre a SUDEMA e a
Destilaria Jacuípe S/A, justamente pela denúncia de
danos ambientais. A decisão obrigava a ré a instalar
bacia de sedimentação e sistema de recirculação de
água. Também determinava a recuperação das áreas
da Ilha III da Fazenda Santa Emília I, situadas no muni-
cípio de Rio Tinto (PB).
A Destilaria Miriri apelou, alegando nulidade da
sentença, em função da nulidade da perícia judicial.
O MPF apelou, reafirmando o pedido de desfazimento
das instalações do empreendimento, com recupera-
ção da área ocupada e proibição da prática de atos
Carcinicultura: incremento econômico versus danos ambientais
que impeçam a regeneração da vegetação.
A relatora da apelação, constatando o dano am-
biental, reafirmou a invalidade dos Termos de Com-
promisso, confirmou a nulidade da licença emitida
pela SUDEMA e reconheceu a impossibilidade de
concedê-la para empreendimento naquela área. A
magistrada condenou a destilaria a apresentar pro-
jeto de recuperação ambiental, a pagar indenização
no valor de R$ 500 mil por danos morais coletivos e,
ainda, a publicar, em jornal regional, o conteúdo da
sua decisão.
Apesar da grande contribuição do setor de car-
cinicultura no incremento da economia nacional, com
destaque para a produção na região Nordeste, os am-
bientalistas reclamam do preço que a sociedade terá
que pagar, pois a atividade gera danos irreparáveis ao
meio ambiente.
Segundo o mestre em Recursos Pesqueiros e
Aquicultura, Marcelo Soares, para a criação de ca-
marão marinho, o modelo empregado no Brasil utiliza
grandes áreas (viveiros escavados em terra), baixa
densidade de cultivo (até 20 camarões por metro
quadrado) e elevada renovação de água. Esse mode-
lo, chamado de convencional, tem sido bastante criti-
cado por ambientalistas, uma vez que muitas dessas
empresas de produção de camarão despejam efluen-
tes com elevado teor de nitrogênio e fósforo em estu-
ários e áreas de mangue onde estão instalados.
O engenheiro de pesca Itamar de Paiva Rocha,
presidente da Associação Brasileira de Criadores de
Camarão (ABCC), nega que a atividade fira a integri-
dade dos manguezais, pois a área de mangue teria
crescido 36,56% nos estados produtores nordestinos,
entre os anos de 1976 e 2004. “A acusação de que
o uso de metabissulfito, na conservação dos cama-
rões, por ocasião das despescas, causaria sérios da-
nos à saúde dos trabalhadores e da população, não
encontra respaldo na realidade. Em quase 30 anos
de exploração, são raríssimos e duvidosos os casos
de intoxicação atribuídos aos efeitos desse produto,
cujo uso pela carcinicultura atende a uma exigência
das autoridades sanitárias dos países importadores”,
afirmou
A despeito dessa discussão, recentemente foi
criado o sistema BFT (Biofloc Tecnology), uma ino-
vação na técnica do cultivo de camarão marinho em
cativeiro. Esse sistema tem como característica a for-
mação de agregados microbianos, chamados de bio-
flocos, compostos por bactérias, algas filamentosas,
protozoários e zooplâncton.
Diversos estudos demonstram que os bioflocos
formados no sistema BFT, através da adição de uma
fonte de carbono, têm alto valor proteico e podem ser
consumidos pelo camarão cultivado, possibilitando,
assim, a diminuição do nível de proteína e da quanti-
dade de ração utilizada no cultivo, reduzindo, em de-
corrência, os custos de produção.
Outra característica do sistema BFT é a capaci-
dade de reciclar a matéria orgânica acumulada, pois
ocorre a formação de uma comunidade bacteriana
capaz de degradar os resíduos existentes, além de
A aquicultura é o processo de produção em
cativeiro de organismos com habitat predomi-
nantemente aquático. Estão incluídos nesse
gênero a carnicicultura (criação de camarão) e
a piscicultura (criação de peixes).
47
Abílio de Sá Barreto lembra que a atividade da aquicultura remonta o período holandês
converter os compostos nitrogenados tóxicos em bio-
massa microbiana.
O modelo BFT, chamado de modelo amigo do
meio ambiente, tem sido apontado como o modo
correto de promover o crescimento da carcinicultura
de forma sustentável, pois apresenta potencial para
aumentar a produtividade, diminuir a quantidade de
proteína na ração, além de gerar menor impacto am-
biental pela possível reutilização de água, e utilizar
áreas menores de cultivo.
Da ciência à mesa Em sua pesquisa, a mestre em Desenvolvimen-
to e Meio Ambiente Eloiza da Silva Bento observou
que existem, basicamente, três modos de produção
e extração na carcinicultura, quanto à natureza da ex-
tensão da produção e de seu nível de sofisticação: a
carcinicultura intensiva, a semi-intensiva e a exten-
siva. A extensiva, objeto específico da pesquisa de
Eloiza, é aquela atividade artesanal na qual a densi-
dade é de um a seis camarões por metro quadrado,
onde o alimento do crustáceo são, principalmente,
as poliquetas (vermes marinhos), que
vivem no mesmo habitat, e sem utiliza-
ção de qualquer produto químico. Essa
atividade geralmente é realizada por
pequenos aquicultores, que se autode-
nominam pescadores.
Camarão também tem história
No Brasil, a aquicultura remonta
ao tempo em que o colonizador alemão Maurício de
Nassau governou a Colônia Holandesa (Nova Holan-
da), no período de 1637 a 1644, com sede no Recife.
Naquele tempo, o administrador construiu os primei-
ros viveiros no Rio Capibaribe, para utilização na pis-
cicultura. Alguns desses viveiros ainda existem até
hoje, como os da Ilha de Deus e São Miguel, no Reci-
fe. A afirmação é do carcinicultor Abílio de Sá Barreto
Filho, presidente da Associação de Aquicultores da
Bacia do Pina.
A criação de camarões marinhos, no Brasil, tem
como marco histórico o ano de 1973. O então gover-
nador do Rio Grande do Norte, José Cortez Pereira de
Araújo, criou o “Projeto Camarão”, às margens do Rio
Potengi, em Natal. Após 30 anos de atividade, havia
sido criada uma nova cadeia produtiva, que se for-
mava a partir do carcinicultor, passando pelo fabri-
cante de equipamentos e insumos, até chegar aos
processadores e exportadores do produto. Em 2004,
a atividade passou por uma grande crise econômica e
sanitária. A desvalorização cambial, a redução de pre-
ços do camarão no mercado internacional, medidas
de antidumping (combate à oferta danosa de preço ao
mercado concorrente) do governo americano e enfer-
FOTO: reNaTa ViCTOr
Do cultivo à mesa, o camarão passa por vários caminhos, muitos dos quais afetam o meio ambiente
A mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFPE Eloiza da Silva avisa
que o modo de produção extensivo do camarão é menos prejudicial ao ambiente
midades virais foram as causas principais da retração
vivida pelo mercado, naquele ano.
A recuperação da atividade ocorreu após adoção
de um antigo modelo produtivo. Foi retomada a cria-
ção de camarões em baixa densidade. Isso implicava
em criatório com menos camarões por metro quadra-
do e necessidade frequente da renovação diária da
água dos viveiros.
Após essa, outras tentativas de cultivo de ca-
marões no Brasil aconteceram por iniciativa do setor
privado e esforço de órgãos governamentais na Baía
de Sepetiba (RJ), na Ilha de Itamaracá (PE), em Natal
(RN) e no Estado de Santa Catarina.
O primeiro ciclo de desenvolvimen-
to no cultivo de camarões no país
ocorreu no início dos anos de 1980 e
se estendeu durante duas décadas,
tendo atingido o pico produtivo no
ano de 2003. Entre os anos de 1998
e 2003, a produtividade aumentou
em 263%, passando de 1.678 ki-
los por hectare, ao ano, para 6.084
kilos.
A atividade extrativista de ca-
marão na Região Metropolitana do
Recife teve início em meados de
1987, quando o pescador Abílio
de Sá Barreto fez as primeiras ex-
periências em viveiros no Rio Ca-
pibaribe, utilizando a larva do camarão “caboclinho”,
aproveitado pelo movimento de oscilação das marés.
Entretanto, a experiência de sucesso só veio alguns
anos depois, com a criação do camarão “cinza”, onde
as larvas são implantadas pelo criador e a produção
é bem maior.
Dentre os fatores que favoreceram a atividade
econômica, se destacam a alta demanda do produto,
a valorização do dólar e a intensificação dos cultivos.
A área de produção foi ampliada nesse espaço tem-
poral em 243%, saltando de 4.320 para 14.824 hec-
tares.
49
Impacto ambiental
A Companhia Pernambucana de Controle da Poluição e de Ad-ministração dos Recursos Hídricos (CPRH) foi afastada das atividades de concessão de licenciamentos de navegação transatlântica de turismo em Fernando de Noronha, após o TRF5 acatar, no fim de ou-tubro, recurso do Ministério Públi-co Federal (MPF). Foi levada em consideração, pelo desembargador federal convocado Rubens Canuto, a necessidade de perícia e estudos aprofundados para verificar os im-pactos ambientais na área.
Ex-secretários municipais condenados
Em novembro, a Segunda Tur-ma do TRF5 confirmou a condena-ção por fraude à licitação de dois ex-secretários de Riacho de Santo Antonio, na Paraíba. A operação “sanguessuga”, deflagrada pela Po-lícia Federal, apurou irregularidades praticadas por José Luis Carlos da Silva e Marileide Gonçalves de Lima, que firmaram convênio com o Mi-nistério da Saúde para compra de ambulância e outros equipamentos. A 6ª Vara Federal da Paraíba os con-denou à restituição da quantia de R$ 17.365 aos cofres públicos, além de uma série de restrições legais.
Matrícula para menores de seis anos
Foi confirmada pela Quarta Turma a sentença da 2ª Vara Federal de PE que autorizava a matrícula de menores de seis anos no Ensino Fundamental. Deter-minado em outubro, o acórdão, porém, restringiu a eficácia da sentença ao Estado de Pernambuco. A ida-de mínima de seis anos havia sido determinada pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) alguns dias antes. O MPF considerou inconstitucional e ajuizou ação civil pública. O juiz Cláudio Kitner sentenciou a liberação da matrícula para todas as instituições de ensino do País, decisão que foi limitada pelo TRF5, após recurso da União.
Prefeitos condenados por corrupção
O TRF5 condenou os prefeitos alagoanos Neiwton Silva (Igreja Nova), José Hermes de Lima (Canapi), Carlos Eurico Leão e Lima (Porto Calvo) e Fábio Após-tolo de Lira (Feira Grande) a 12 anos e 6 meses de reclusão, mais 1 ano de detenção e inabilitação po-lítica nos próximos 5 anos, além do pagamento de multa no valor de R$ 15 mil. A condenação ocorreu pela prática dos crimes de responsabilidade de pre-feito (inciso I, do artigo 1º do Decreto-LEI 201/67), corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, que resultaram no prejuízo de R$ 3 bi para os cofres públicos, causados por mais de 30 pes-soas, todas indiciadas pelo Ministério Público Federal.
Administração de aeroporto no CE
O TRF5 julgou improcedente o pedido do Ministé-rio Público Federal (MPF), que solicitava ao Judiciário determwinar à União que assumisse diretamente a administração do Aeroporto Orlando Bezerra de Me-nezes, em Juazeiro do Norte (CE), em substituição ao Governo do Estado do Ceará. A sentença havia acatado o pedido do MPF. “Compete à Administração Pública, no exercício de sua discricionariedade, dispor sobre a forma de administração do aeroporto, dentro dos limites legais”, afirmou o relator, desembargador federal Edilson Nobre.
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Na cela, havia um olho imenso,
desenhado desajeitadamente, esca-
vado no reboco. E sob o olho, mais
desajeitada ainda, a frase: Deus está
vendo! Esta, salvo engano, em car-
vão.
Eu estava em passeio ou a tra-
balho, sei lá, pois faz bastante tempo
e de muito pouco me recordo com
precisão. Mas lembro que se tratava
de uma manhã chuvosa e eu, recém
saído da faculdade, formado em Di-
reito, visitava as dependências da
Delegacia de Ordem Pública e Social
– DOPS, da minha querida Maceió.
Podia estar em missão de traba-
lho, como já ressaltado, uma vez que
no complexo do “Campus Tamanda-
ré”, nome herdado da época em que
era universidade, funcionavam, além
do DOPS, a delegacia de acidentes,
a delegacia de menores, o DETRAN
e a própria Secretaria de Segurança
Pública. Logo, é mais provável que
um advogado, máxime iniciante,
ali estivesse a serviço. Não posso
descartar, contudo, a hipótese de
Paulo Roberto de Oliveira Lima
Deus está vendo
que estivesse a passeio, visitando algum dos muitos
ex-colegas de curso, visto que vários mourejavam nas
mencionadas delegacias. De todo modo, o motivo de
minha ida ao DOPS não é relevante.
Também não me recordo, por que cargas d’ água,
já no interior da delegacia de ordem pública, estive
defronte daquela cela. Talvez, ela estivesse no trajeto
que fazia. Ou teria eu, deliberadamente, procurado a
cela para satisfazer uma curiosidade. Ou fui até ali le-
vado por alguém. Sinceramente, não me lembro. Como
igualmente não me recordo se no momento estava só
ou acompanhado.
Porém, apesar do largo tempo passado, não me
esqueci do resto.
Tratava-se de uma cela minúscula. Um quadrado
de cerca de 2,50m x 2,50m. Escura, pois que iluminada
fracamente pela rala luz que conseguia passar espre-
mida entre as grossas grades de ferro que guarneciam
única janela, de reduzido tamanho, semelhantes às que
servem de anteparo a aparelhos condicionadores de ar.
E até na altura se assemelhavam, eis que a discreta
janela se localizava lá no alto.
Se tinha banheiro, ou mera privada, não vi. Creio
que não, até pelo forte cheiro de urina que exalava do
recinto. O chão era de cimento e as paredes, já descas-
cadas e sem tinta, exibiam o reboco antigo, esburaca-
do, deixando ver aqui e ali, pedaços do tijolo.
Estava vazia. O que me permitiu parar e olhar seu
interior.
Na parede posterior, justo a oposta à porta de
acesso, vi o desenho que me chamou imediatamente
a atenção.
Tratava-se de um olho descomunal, cobrindo qua-
se toda a largura da parede. À falta de instrumento pró-
prio ao desenho, o artista deve ter escavado o reboco
com alguma pedra, com a fivela do cinturão, com o
salto do sapato, ou coisa similar.
Se o resultado agredia a estética, demonstrava a
determinação do autor. Quanto esforço para deixar gra-
vada a mensagem de seu desespero! Por outro lado,
os traços vacilantes, meio tortos, imprecisos, que o
desenhista obteve, longe de diminuir o valor da obra,
harmonizavam-se com o momento de sua produção
e compunham com rara fidelidade o clima pesado em
que surgiu.
E a obstinação do recluso fê-lo registrar cada de-
talhe do olho divino. Deu-lhe íris e pupila, dotou-o de
pestanas e sobrancelhas. E, não sei ao certo se decor-
rência apenas do desenho ou de sua comunhão com
o local e com a frase, percebia-se a expressão triste e
aborrecida do Criador, revelada pelo olho atento.
E debaixo do olho, a frase: Deus está vendo!!!
Também aqui, o desequilíbrio e desalinho das le-
tras machucavam a estética, mas reforçavam a ideia
de desespero e dor.
Quem fora o autor da façanha?
Nunca o soube. Cheguei a perguntar a servidores
da delegacia e ao próprio carcereiro, sem resultado, po-
rém. O fato não chegara a despertar a atenção daque-
les que lidavam com os presos. Quando o desenho foi
notado, de certo que já era antigo e a alta rotatividade
dos múltiplos e meteóricos habitantes do aposento, im-
pedia a reconstituição para uma segura identificação do
“desequilibrado”, no dizer do servidor que me atendeu.
Imagino, contudo, o estado de ânimo do recluso
anônimo, submetido sabe-se lá a que provocações e
castigos, quando tomou do rude instrumento de que
se serviu para invocar a presença do Altíssimo naquele
ermo. Suponho-o desamparado, visto que deslembrou-
-se de humanos. Inocente, eis que convocou o Juiz
mais sábio e mais hostil ao pecado. Desesperançado,
tanto que não contava com remédio outro que não a
certeza de que ao menos Deus conhecia-lhe o sofri-
mento e a maldade de seus algozes. Nada pediu. Não
chegou a prognosticar venturas a si, nem desventuras
aos outros. Cifrou a frase, muito mais para consolo pró-
prio do que para advertir aos carrascos, vez que cer-
tamente sabia da ineficácia do nome de Deus junto a
quem se comportava tão distante de suas mensagens.
Penso, enfim, que seu gesto, se pouco lhe concedeu,
até porque não teve o condão de libertá-lo, nem atin-
giu os olhos cegos da Justiça, serviu-lhe de bálsamo,
anestesiando o corpo maltratado. E, nos dias e meses
seguintes, há de ter alimentado esperanças e trazido
conforto a outros detentos igualmente desamparados.
Quanto a mim, guardo a segura certeza de que não
foi no interior da capela do colégio onde estudei, nem
nos altares das igrejas que tenho frequentado, nem em
qualquer outro recanto imaculado, que senti a presença
física do Senhor. Foi ali, sob o olho imenso recortado no
reboco sujo, atendendo a invocação de um desvaira-
do, que mais fundamentalmente senti-me a mercê de
Deus que me olhava e, certissimamente, via.