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QUANDO O VINHO de mediação comercial AZEDA · uma carta à QDS solicitando o pagamento de uma indemnização de €56.000, por incumprimento contratual. João, ofendido, ... se

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QUANDO O VINHOAZEDA...

Estudo de casode mediaçãocomercial

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O caso em síntese

A mediação comercial, pouco divulgada em

Portugal, tem conhecido ampla difusão

internacionalmente quer nos EUA, quer em

alguns países europeus, como Inglaterra e

Itália.

O nosso propósito com a publicação deste

caso de estudo é o responder às questões

que mais frequentemente nos colocam acerca

da mediação comercial.

• Como decorre o processo de mediação?

Em que consiste? Quais são os passos?

• Qual é o papel do mediador?

• Em que é que este processo difere de uma

negociação directa entre advogados?

• Quais são as vantagens da mediação?

Procuramos ilustrar que em muitas

situações de desentendimento comercial

a mediação é uma solução superior à

alternativa judicial ou arbitral e à pura

negociação entre advogados.

A presença e voz dos interessados,

acompanhados pelos seus advogados, e a

intervenção do mediador enquanto terceiro

neutro permitem:

• Criar soluções imaginativas mutuamente

vantajosas, que vão muito além do que a

aplicação directa da lei e as posições iniciais

das partes sugeririam, quer pelo estímulo

do mediador, quer pela intervenção directa

e presencial das partes;

• Restabelecer a relação entre as partes,

quando esta seja uma vontade mútua, pela

proximidade permitida pela presença das

partes e pela confidencialidade do processo;

• Ultrapassar impasses, pela intervenção

do mediador e utilização selectiva e

alternada de sessões conjuntas e sessões

separadas confidenciais;

• Chegar a um acordo em pouco tempo

– neste caso uma sessão de 3 horas e meia

– e com um custo controlado – neste

caso cerca de €2.300 para cada parte,

acrescidos dos honorários dos respectivos

advogados (que também seriam suportados

nas alternativas judicial e de negociação

directa).

“Mediation is a tool that helps to

‘bridge the gap’ between

differences, and this requires

knowing and respecting the culture

of people that you meet.”

Alessandra Sgubini

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A mediação comercial é um

processo no qual um terceiro

interveniente, o mediador, assiste

as partes a chegarem a um

acordo sobre a disputa. É um

processo informal e flexível com

grande envolvimento das partes

na procura de uma solução para

a disputa.

Introdução

Apesar de pouco divulgada em Portugal,

a mediação em questões de natureza

comercial tem conhecido ampla difusão,

designadamente nos EUA, Canadá, Austrália

e na Europa, em Inglaterra, Itália, França e

nos países bálticos.

O nosso propósito com a publicação deste

estudo de caso é de responder às questões

mais frequentes colocadas à Convirgente

acerca da mediação comercial. Como decorre

a mediação? Qual o papel do mediador? Em

que é que este processo difere de uma

negociação directa entre advogados?

Estamos convencidos de que a resposta mais

eficaz a estas e outras perguntas é através

de um exemplo real, pelo que decidimos

apresentar um caso de mediação comercial

adaptado, que poderia ter decorrido em

Portugal.

Vamos descrever o caso respeitando a

sequência do processo de mediação e

concluiremos com as vantagens da mediação

neste processo:

I. CONTEXTO GERAL – Como surgiu o

conflito? Quem são as partes envolvidas? Quais

os factos e as posições assumidas pelos

intervenientes?

II. PONTOS DE VISTA DAS PARTES – Qual

o ponto de vista de cada parte em relação à

questão? Qual a perspectiva adoptada pelos

respectivos advogados? Quais os verdadeiros

interesses e a estratégia que usaram durante

a mediação?

III.PROCESSO DE MEDIAÇÃO – Quais as

fases e os momentos-chave? (ver figura 1)

IV. BENEFICIOS PARA AS PARTES – Quais

os principais benefícios para as partes

envolvidas?

Estudo de caso de mediação comercial

Fig. 1: O processo único de mediação

PASSADO

FUTURO

Resolução

Compreensãoe investigação

INÍCIO

Abertura pelas partes

Resumo e agenda

Análise dos problemas, necessidades e interesses

SESSÕES CONJUNTAS OU PRIVADAS (”CAUCUS”)

Geração de opções

Negociação assistida

ACORDO

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(1) A denominação das empresas e das pessoasenvolvidas aqui referidas são fictícias para preservar aconfidencialidade do processo

I. CONTEXTO GERAL

A Quinta da Sovitage Lda1 (QDS) é uma

empresa familiar sedeada na região do Douro,

que detém a maior quota de mercado dos

vinhos da região. O negócio é explorado pela

família Santos há 150 anos. O seu actual

dono, João dos Santos, tem muito orgulho

na qualidade da sua produção vitivinícola e

certifica-se pessoalmente da satisfação de

todos os seus clientes.

Letónia Spirits Manufacturers (LSM) é um

distribuidor e grossista de cerveja estabelecido

em Riga. Engarrafa e vende cerveja na Letónia

e noutros países bálticos há 10 anos. Depois

do sucesso alcançado na distribuição de

cerveja, LSM alargou a sua actividade à

comercialização de vinho.

Em Junho de 2009, a LSM comprou 400

garrafas do melhor vinho da QDS. Em 2

meses, essa encomenda foi vendida por

completo a vários clientes da região. A LSM

recebeu rasgados elogios sobre a qualidade

do vinho.

Os retalhistas voltaram a fazer encomendas

para a época do Natal. No total, a LSM

encomendou mais 5.000 garrafas. A

QDS negociou o prazo de entrega,

comprometendo-se a entregar 1.000 garrafas

em Outubro de 2009 e as restantes 4.000

em Dezembro de 2009. Quando as 1.000

garrafas chegaram a Riga, o vinho foi

distribuído pela LSM aos seus clientes.

Passado um mês, a Estonian Breweries (EB),

que tinha adquirido 500 garrafas, queixou-se

da qualidade do vinho recebido. Informou

que o vinho já não tinha o mesmo gosto e

era “ácido”.

Janis Kalnins, director da LSM, telefonou a

João dos Santos no dia 9 de Novembro 2009

e expôs-lhe a situação. João ficou muito

surpreendido: em 45 anos no negócio de

vinho nunca tinha recebido uma única queixa.

Informou Janis que a QDS não iria assumir

qualquer responsabilidade já que ele próprio

provou e testou a qualidade do vinho antes

da sua expedição.

Janis informou João que, segundo o contrato,

a QDS tinha que garantir a qualidade do vinho

sob pena de ter de assumir as consequências

decorrentes do não cumprimento do contrato.

João sentiu-se insultado pelas ameaças de

Janis e desligou-lhe brutalmente o telefone.

No 10 de Dezembro de 2009, Janis enviou

uma carta à QDS solicitando o pagamento

de uma indemnização de €56.000, por

incumprimento contratual. João, ofendido,

respondeu por escrito à LSM no dia 20 de

Dezembro, declarando que a QDS se

recusava a pagar qualquer montante à LSM

e que não ir ia dar continuidade ao

fornecimento, ou seja, não entregaria as

remanescentes 4.000 garrafas que faziam

parte da encomenda. Informou ainda que

futuramente a QSD iria vender o vinho

directamente aos clientes dos países bálticos,

uma vez que afinal tinha sido a LSM a não

honrar o contrato.

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O contrato firmado entre a QDS e a LSM

incluía as seguintes cláusulas:

• Cláusula 1ª: a QDS fornecerá vinho

exclusivamente à LSM durante 10 anos,

comprometendo-se a não vender os seus

produtos directamente aos clientes dos

países bálticos;

• Cláusula 2ª: o preço de venda do vinho será

de €5 por garrafa e terá um aumento de

10% ao ano;

• Cláusula 3ª: a QDS garante a qualidade do

vinho. No caso de má qualidade, a QDS

será responsável por todos os prejuízos

sofridos pelos clientes da LSM;

• Cláusula 4ª: cada parte contratante dispõe

de um mês, contado do início de um litígio

emergente do presente contrato, para

intentar uma acção judicial, sendo que,

previamente, as partes reciprocamente

aceitam alcançar um acordo que ao mesmo

ponha termo com recurso à mediação com

a intervenção de um mediador acreditado

pelo “International Institute of Mediation”

(IMI).

No dia 2 de Janeiro de 2010, a LSM interpôs

uma acção contra a QDS. Os advogados de

cada uma das partes entraram em contacto

e chegaram a um acordo quanto à escolha

do mediador - um dos mediadores da

Convirgente. João dos Santos percebe mas

não fala fluentemente inglês. Janis fala

perfeitamente inglês mas não percebe

português. A mediação realiza-se em Paris,

a meio caminho entre Porto e Riga.

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“O mediador é o facilitador

escolhido pelas partes com

formação específica que apoia

e assisti as partes na comunicação

e na negociação. É independente

e imparcial. Não toma partido de

nenhuma das partes, não decide

de que lado está a razão e não faz

juízo de valor a favor de qualquer

uma das partes. A sua função

é desenvolver o processo de

mediação de forma responsável.”

II. PONTOS DE VISTA DASPARTES

A perspectiva da QDS sobre o caso no

dia da mediação e o que não era

conhecido pela LSM:

João dos Santos, há quase meio século à

frente do negócio, tem exportado a sua

produção com considerável sucesso para a

Europa Ocidental e EUA. Com a recessão

económica ocorrida nesses mercados, a QDS

teve de alargar o seu campo de intervenção

à Europa de Leste. João acreditava que,

apesar da feroz concorrência, esse mercado

tinha um forte potencial. Por essa razão,

estabeleceu contacto com Janis, gerente dda

LSM, em Dezembro de 2008. Depois de

algumas reuniões, assinaram o referido

contrato. João ficou contente com o sucesso

da primeira encomenda de 400 garrafas e

com a subsequente encomenda de 5.000

garrafas. Comprometeu-se com a entrega

imediata de 1.000 garrafas e, uma vez que

tinha programado as suas férias para Outubro,

a entrega das restantes em Dezembro de

2009, aquando do seu regresso.

No dia 9 de Novembro, João ficou preocupado

com o telefonema de Janis sobre a qualidade

do seu vinho. O seu tom de voz foi muito

desagradável e arrogante: João nunca se

tinha sentido tão insultado e, nervoso,

desligou-lhe o telefone. Ficou ainda mais

apreensivo com a carta que a LSM lhe enviou,

pedindo uma indemnização de €56.000, pois

este montante estava muito acima do valor

do vinho. Em Outubro de 2009, quando foi

de férias, depois de verificar 80% das pipas

que foram engarrafadas e vendidas aos

clientes internacionais, foi o seu filho, Tomás

dos Santos, que com 6 meses de experiência

na empresa verificou o resto da produção,

20%.

Provavelmente as 1.000 garrafas que foram

entregues à LSM faziam parte do lote

verificado pelo filho. Mas mesmo ponderada

essa possibilidade, João não quis assumir

qualquer responsabilidade: se o rumor sobre

a baixa qualidade do seu vinho começasse

a ser conhecido, o negócio da QDS

seria prejudicado – a concorrência era

demasiadamente forte em todo o mundo para

se dar ao luxo de uma margem de erro,

qualquer que ela fosse

Hoje, está consciente de que respondeu com

demasiada agressividade à carta da LSM,

empresa com uma carteira de clientes

considerável nos países bálticos e a melhor

distribuidora da região, pelo que seria muito

vantajoso para QDS manter esta relação

comercial. Ser-lhe-ía difícil estabelecer a sua

própria rede de clientes. João está além disso

consciente de que a LSM não tem qualquer

fundamento para demandar judicialmente a

QDS - o prazo de um mês estipulado na

cláusula 4 do contrato já havia expirado: em

9 de Novembro de 2009 Janis telefonou a

João e a LSM só interpôs a acção em Janeiro

de 2010, isto é, mais de 2 meses volvidos.

João, que se considera uma pessoa íntegra,

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(2) BATNA, “Best Alternative to a Negotiated Agreement”

(3) WATNA, “Worst Alternative to a Nezgotiated Agreement”

chega à mediação profundamente magoado.

Um pedido de desculpas por parte de Janis

é para si essencial. Tem a sorte de o seu

advogado ser o reputado Dr. Artur

Nadaquente, com escritório no Porto, que

frequentou um curso de “mediation

advocacy”, que, sendo um profundo

conhecedor do processo de mediação, sabe

como este deve ser preparado.

Artur chegou à conclusão que a melhor

alternativa a um acordo negociado2 para o

João é provar em tribunal que o prazo de

interposição da acção havia caducado. A sua

pior alternativa a um acordo negociado3 é

que a excepção de caducidade que aduziu

seja julgada procedente, o que poderá dar

azo a que o seu cliente seja condenado a

pagar uma indemnização compensatória. É

tudo ou nada.

O interesse principal de João é o de preservar

o bom nome da sua empresa e da marca

que comercial iza, evitando qualquer

publicidade negativa. A QDS está também

interessada em manter o relacionamento

comercial com a LSM e minimizar ou eliminar

a indemnização pedida. Artur atentou nos

interesses da LSM e acredita que Janis quer,

principalmente, maximizar o valor da

indemnização e, provavelmente, restabelecer

o relacionamento comercial com a QDS, sob

condição de o processo de controlo da

qualidade do vinho ser melhorado. A LSM

quererá também restabelecer a sua reputação

junto dos seus clientes. Artur e João pensam

que a melhor estratégia consiste em

reconhecer, desde do início, que ambas as

partes têm muito a ganhar na continuação

do seu relacionamento comercial.

João e Artur definiram juntos a forma de

actuação durante a mediação: Artur fará a

abertura e sugerirá uma agenda de trabalhos,

a João cabe restabelecer a relação com Janis,

centrando-se no sucesso in ic ia l e

reconhecendo as oportunidades futuras. João

terá também de explicar a sua reacção

emocional à chamada de Janis e mostrar o

seu interesse em chegar a um acordo

extrajudicial.

A perspectiva da LSM sobre o caso no

dia da mediação e o que não era

conhecido pela QDS:

Janis criou a LSM há 10 anos e a sua

empresa cresceu exponencialmente. Ficou

surpreendido quando, em Outubro 2009,

João o informou de que a sua segunda

encomenda não seria entregue de uma só

vez, mas em duas fases. No dia 7 de

Novembro de 2009, Janis recebeu uma

reclamação da Estonian Breweries (EB) e

outra da Lituaniabeer Distribution (LB). destes

factos deu conhecimento à QDS,

telefonicamente, no dia 9 de Novembro.

João mostrou-se então muito arrogante,

mal-educado e desligou abruptamente. A

LSM considera que irá ter que investir muito

dinheiro para restabelecer a sua imagem junto

dos seus clientes e, por isso, na sua carta

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(4) BATNA, “Best Alternative to a Negotiated Agreement”

(5) BATNA, “Best Alternative to a Negotiated Agreement”

do dia 10 de Dezembro de 2009, Janis pediu

uma indemnização de €56.000 assim

calculada:

- Substituição das 1.000 garrafas de vinho

de má qualidade: €5.000€

- “Goodwill” e reputação: €25.000/€50.000

- Transporte e entrega das 1.000 garrafas

originais: €500

- Transporte e entrega de 1.000 garrafas

de substituição: €500

TOTAL: €56.000

Janis estranhou novamente a reacção de

João quando recebeu a resposta da QDS:

não acreditava que este iria aceitar pagar a

totalidade da indemnização pedida mas, pelo

menos, esperava o reconhecimento dos

prejuízos causados. Janis está convencido

de que a QDS é responsável. Acresce que a

encomenda das 1.000 garrafas foi recebida

com bastante atraso. Janis não acredita que

possa ter acontecido qualquer coisa ao vinho

durante o transporte, mas não tem certeza

absoluta disso: anteriormente já havia tido

problemas com o seu transportador que

deixou uma entrega de vinhos ao sol durante

um dia inteiro.

Janis não quer perder a QDS como

fornecedor: os seus produtos têm uma

elevada reputação na Europa e os

consumidores ficaram apaixonados. Por isso,

tem todo o interesse em garantir o

restabelecimento do relacionamento. Todavia,

está convencido de que a QDS não respeitou

as suas obrigações contratuais (ver cláusula

1). Relativamente à cláusula 4, a lei na Letónia

é bem clara: uma disputa só existe na medida

em que for expressa, por escrito e assinada

por ambas as partes. Por isso, a disputa

apareceu no 10 de Dezembro de 2009,

quando a LSM enviou a sua carta, e a acção

foi posta no tribunal dia 2 de Janeiro de 2010

(menos de um mês depois).

Janis tem um advogado nascido em Londres

e casado com uma Letoniana, John Coldfish.

Já participou com ele numa mediação que

correu muito bem e tem confiança nas suas

capacidades, acreditando que conseguirá

retirar o melhor do processo. A sua visão da

sua melhor alternativa a um acordo negociado4

é simples: obter uma decisão favorável em

tribunal, receber uma indemnização de

€56.000 e impedir à QDS a venda directa

aos clientes nos países bálticos. A sua pior

alternativa a um acordo negociado5 é o juiz

rejeitar a sua acção: desta forma, a LSM não

receberá qualquer compensação pelos seus

prejuízos e perderá uma oportunidade de

expansão. É tudo ou nada.

A LSM acreditava na qualidade dos produtos

da QDS até este episódio, mas doravante a

boa fé da QDS está posta em questão.

Desenvolver uma parceria com a QDS passará

pela definição de processos de controlo de

qualidade e pela garantia, por parte da QDS,

do respeito pelos termos do contrato. E, “last

but not least”, como o John costuma dizer,

“é essencial resolver o conflito sem colocar

em perigo a reputação das partes”.

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Neste contexto, durante a mediação, a

estratégia da LSM iria ser simples: invocar o

incumprimento do contrato por parte da QDS

e responsabilizar esta empresa pelos prejuízos

sofridos pela sua cliente – este seria o papel

de John, o advogado. No entanto, ao mesmo

tempo, haveria que abordar a questão da

necessidade de o produtor de vinhos

português desenvolver processos de controlo

de qualidade e observar prazos razoáveis de

entrega, mutuamente aceites. Ao Janis caberia

conduzir a discussão sobre estes aspectos.

A LSM iria também sugerir a intervenção de

peritos neutros no processo de controlo de

qualidade. Uma vez certificada a qualidade

do vinho, a LSM não poderia opor-se ao seu

recebimento nem suscitar posteriormente

quaisquer questões que versassem este

aspecto.

O último ponto em discussão seria a

compensação financeira devida pela QDS.

Janis está pronto a ceder um pouco

relativamente à sua avaliação do impacto que

os factos em causa produziram, afectando o

bom nome comercial da sua empresa.

Todavia, os custos de substituição do vinho

e de entrega não seriam negociáveis,

considerando os termos do contrato,

relativamente à satisfação dos clientes,

claramente explicitados na cláusula 3ª do

contrato.

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Na mediação comercial destacam-se

como principais benefícios:

• Melhor utilização dos recursos da

empresa;

• Maior utilização de meios alternativos

para a resolução de conflitos com

resultados positivos;

• Redução de custos, internos

e externos, na gestão de conflitos;

• Redução do tempo dedicado

à resolução de conflitos permitindo

uma melhor gestão dos recursos da

empresa e aumento da produtividade;

• Preservação das relações comerciais,

principalmente com clientes

e fornecedores (um objectivo de

negócio);

• Criação de novos caminhos para

a elaboração de acordos que criam

valor para a empresa.

I I I . P R O C E S S O D EMEDIAÇÃO

A sessão de mediação:

No dia e local marcados para a realização da

mediação, pelas 9h00, João e Janis

compareceram com os respectivos

advogados, Artur e John.

O mediador começou por se apresentar e

esclarecer qual o seu papel: assistir as partes

na negociação, como um “terceiro neutro”.

Estudo de caso de mediação comercial

O mediador explicou que não iria emitir

julgamentos, tomar decisões pelas partes,

nem sugerir soluções, e que, como todos os

intervenientes, estava sujeito a uma obrigação

de confidencialidade. Explicou ainda como

iria decorrer o processo de mediação.

Clarificou que nas sessões separadas tudo

o que fosse dito ficaria sujeito à regra da

confidencial idade, não podendo ser

transmitido à parte contrária, salvo autorização

expressa para o efeito. Relembrou os

participantes que a mediação seria conduzida

em inglês mas que João teria a possibilidade

de se expressar em português se sentisse

dificuldade em encontrar o termo certo.

Concluindo a abertura da mediação, o

mediador deu a palavra a João, representante

da QDS, entidade que solicitou a mediação,

pedindo-lhe que expusesse a sua perspectiva

e o que pretendia.

Artur, advogado da QDS, começou a falar.

Referiu que tinha fundamentos para arguir a

caducidade por direito à acção interposta

pela LSM já que a mesma foi intentada após

expirado o prazo de dois meses de que

dispunha para o efeito. Todavia, sublinhou

que esse não deveria ser o cerne da

discussão: mais importante seria olhar para

o futuro da relação comercial e, por isso,

passou a palavra ao seu cliente.

João referiu o que sentiu e o que pensou

quando recebeu a chamada de Janis. Estava

bastante tenso e, por duas vezes revelou

dificuldades em encontrar as palavras certas

para se expressar. O mediador encorajou-o

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a prosseguir e a expor a sua perspectiva.

João explicou que a qualidade de um vinho

era totalmente subjectiva e reafirmou que não

tinha cometido qualquer erro. Referiu que,

tendo QDS e a LSM excelentes nomes

comerciais, gostaria que encontrassem uma

solução amigável que repusesse as suas

reputações. Terminou a sua intervenção, olhos

nos olhos com Janis, pedindo desculpa pelo

seu comportamento impulsivo e sugerindo

que “pensassem em conjunto no futuro”.

Janis, sem se referir directamente ao pedido

de desculpas de João, concordou com a

importância de preservar o bom nome das

respectivas empresas. John acrescentou que

o contrato em causa foi incumprido e distribuiu

uma cópia a todos os participantes na

mediação.

Tal atitude gerou uma reacção firme por parte

de Artur - “a alusão ao passado de um ponto

de vista puramente contratual não é benéfica

para o debate, é preferível falarmos do futuro”,

disse.

O mediador interrompeu de modo a não dar

azo a debates estéreis e a focalizar os

intervenientes no cerne da questão: agradeceu

a participação e sugeriu que, uma vez que

João e Janis já haviam revelado abertura para

criar um entendimento para o futuro, se criasse

a agenda da reunião. Artur concordou e

sugeriu incluir um ponto acerca da

colaboração pessoal entre João e Janis e um

outro acerca da restauração do bom nome

das respectivas empresas. John acrescentou

Estudo de caso de mediação comercial

três pontos: a entrega das 4.000 garrafas de

vinho em falta, a indemnização e o processo

de controlo de qualidade.

Nesta base, o mediador questionou qual a

ordem pela qual pretendiam organizar a

agenda.

Janis disse, com um sorriso, que a sua

vontade de restabelecer o relacionamento

era uma prioridade mas sublinhou que tal

pressupunha a resolução dos demais

aspectos em discussão.

Enquanto Janis falava, o mediador reparou

que João suspirava cabisbaixo – parecia

sofrer em silêncio. Perguntou-lhe, então, se

aceitava a sugestão de Janis. João não

respondeu. O mediador sugeriu-lhe aproveitar

a confidencialidade e informalidade da

mediação para expressar o seu ponto de

v ista. Hes i tando, João respondeu

laconicamente, que o acordo quanto a um

bom relacionamento não podia decorrer da

resolução dos outros pontos da agenda,

constituindo, ao invés, um requisito prévio.

O mediador questionou João sobre o que

significaria concretamente para ele que a

relação se restabelecesse e este foi

respondendo, até que Janis os interrompeu,

dizendo: “OK, João, compreendo o que sente.

Tem de perceber uma coisa: nunca coloquei

a sua honestidade pessoal em causa e se

lhe causei essa impressão, peço-lhe

desculpa.”

João acenou com a cabeça, agradecendo

as palavras de Janis. “Eu não sei o que

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Fabricação (QDS)

Stock em pipas (QDS)

Engarrafamento (QDS)

Transporte Porto-Riga (LSM)

Stock Riga (LSM)

Entrega aos retalhistas (LSM)

Venda aos consumidores (Retalhistas)

Estudo de caso de mediação comercial

aconteceu com o vinho”, continuou Janis,

“mas sempre acreditei que o João não podia

ter estado pessoalmente implicado na

verificação da entrega em Outubro. Estarei

errado?”

João explicou que estava de férias no mês

de Outubro e que foi o seu filho Tomás – que,

como disse, “não é tão experiente, mas quase

nasceu nas vinhas e será, em breve, o meu

sucessor” – que tomou conta da verificação

e da entrega da encomenda.

John questionou se Tomás teria, de facto, as

qualificações e saber necessários para verificar

a qualidade do vinho. Artur antecipou-se à

intervenção do seu cliente e replicou que se

a LSM tinha dúvidas sobre as competências

da QDS, podia contratar os serviços de um

perito externo para proceder à verificação

devida. John disse que não rejeitava essa

hipótese mas, a verificar-se a QDS teria de

suportar metade dos custos em que se

incorresse.

O mediador interveio sublinhando que os

mediados ainda não haviam decidido a ordem

pela qual os assuntos em agenda iriam ser

abordados, devendo fazê-lo antes de entrar

em mais detalhes.

Após alguma discussão, foi acordada a

seguinte agenda que o mediador escreveu

no “flipchart”:

1. Relacionamento pessoal

2. Controlo de qualidade do vinho

3. Entrega das 4.000 garrafas de vinho em

falta

4. Indemnização compensatória à LSM

5. Manutenção do bom nome comercial,

de ambas as empresas

Relativamente ao ponto 1, João e Janis

concordaram que os pedidos de desculpa

recíprocos tinham “desobstruído a via de

comunicação” e que, o trabalho que iriam

desenvolver sobre os demais temas em

agenda, iria conduzir ao restabelecimento da

sua relação comercial.

O mediador perguntou a João e a Janis o

que significava para eles a expressão “controlo

de qualidade”. Das respostas de cada um,

surgiu a seguinte representação da cadeia

logística, que o mediador desenhou no

“flipchart”:

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Artur sublinhou que os factores que podiam

ter contribuído para a ruptura da qualidade

após o engarrafamento eram numerosos e

que a QDS só poderia e deveria garantir a

qualidade do vinho até à entrega ao

transportador, contratado pela LSM. Assim

sendo, haveria que proceder à alteração da

cláusula 3ª do contrato em conformidade

com este entendimento. Janis concordou

mas insistiu na necessidade de intervenção

de um perito independente, escolhido e pago

por ambas as empresas, para uma validação

da qualidade antes do transporte. João rejeitou

essa hipótese: “Nunca, em 45 anos de

trabalho, tive de recorrer a um perito externo

para validar a minha produção e nunca recebi

qualquer queixa por parte dos clientes”. Para

ele, tudo se resumiria a uma questão de

confiança, não tendo capacidade ou vontade

de intervir no sentido de apurar se o

transportador da LSM, a própria LSM ou os

seus retalhistas tinham deixado ou não as

caixas do seu vinho em más condições.

A negociação entrou claramente num

impasse.

O mediador perguntou se preferiam debater

já este ponto ou relegá-lo para mais tarde.

João e Janis concordaram em solucionar

previamente este ponto. O mediador propôs,

então, que continuassem a listar as opções

relativamente ao controlo de qualidade, sem

assumirem qualquer compromisso, nem

emitirem juízos de valor sobre as opções

nesta altura.

Artur propôs fazer-se uma troca de

colaboradores entre as duas empresas: a

QDS enviaria um colaborador a Riga com

responsável pelo controlo de qualidade do

transporte e do stock e a LSM enviaria um

colaborador ao Porto para o controlo de

qualidade do vinho - e os custos seriam

equitativamente repartidos.

A proposta agradou a Janis, que sugeriu que

fosse Tomás a pessoa escolhida. Propôs que

este passasse seis meses em Riga para

trabalhar directamente consigo. Tal permitiria,

a par do processo de controlo de qualidade,

participar na restauração da imagem da QDS

e nas acções comerciais.

Acrescentou que o seu primo estava a acabar

uma formação em enologia, podendo ser um

excelente recurso para a QDS durante o

mesmo período. João pensou durante alguns

segundos e respondeu: “A sua proposta tem

fundamento. Tenho de confessar que faria

bem ao Tomás uma experiência internacional”.

O mediador sintetizou o que foi acordado

entre as partes e sugeriu continuar com a

agenda.

Relativamente ao ponto 3 – entrega da

encomenda em falta, Janis questionou a razão

pela qual a QDS apenas procedeu a uma

entrega parcial. João esclareceu que tal se

deveu ao facto de querer validar pessoalmente

a encomenda pronta para entrega e, ainda,

à circunstância de ter estado de férias. Artur

acrescentou que este atraso foi provavelmente

benéfico, uma vez que se a QDS tivesse

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procedido à entrega da totalidade da

encomenda, as consequências poderiam ter

sido bem piores. John insistiu na necessidade

de ter a garantia de que a QDS teria

futuramente uma capacidade de produção

adaptada às necessidades do mercado

báltico. Com um sorriso, Artur respondeu que

o seu cliente estaria pronto a comprometer-

se relativamente à capacidade de produção

caso a LSM se comprometesse, pelo seu

lado, com um determinado volume de

encomendas repartido no tempo. As partes

concordaram em discutir estes compromissos

numa reunião posterior, assim como o

cronograma de entrega das 4.000 garrafas

em falta.

Chegaram ao ponto mais crítico da agenda:

a indemnização. João, muito mais

descontraído, perguntou a Janis qual a forma

de cálculo do montante de €56.000. Janis

explicou novamente como tinha feito os

cálculos:

- Substituição das 1.000 garrafas de vinho

de má qualidade: €5.000€

- “Goodwill” e reputação: €25.000/€50.000

- Transporte e entrega das 1.000 garrafas

originais: €500

- Transporte e entrega de 1.000 garrafas

de substituição: €500

TOTAL: €56.000

João insistiu com vista a obter mais

explicações sobre o valor relativo com à

reputação e goodwill. A resposta de Janis

não foi clara.

Artur sugeriu que, em lugar de evitar a

questão, seria melhor informá-los se já havia

perdido algum cliente devido ao “problema”.

John explicou que o cálculo teve por base o

custo de uma campanha de publicidade mas

que a LSM não dispunha, de momento, dos

elementos detalhados para responder.

Artur replicou que o montante exigido não

fazia sentido pelo que não podia ser aceite

pela QDS, o que provocou uma reacção dura

por parte de John. Este reiterou a questão

do incumprimento contratual e da

responsabilidade integral da QDS, sob o ponto

de vista legal.

Perante este novo num impasse, o mediador

sugeriu uma sessão separada, começando

com a LSM. João e Artur abandonaram a

sala onde decorria a mediação, retirando-se

para uma outra onde podiam tomar café e

aproveitar para, em privado, trocarem

impressões.

O mediador não teve tempo para formular a

sua primeira questão a Janis, uma vez que

este começou imediatamente a explicar que

sobreavaliou provavelmente os prejuízos

sofridos. Disse que não queria que este ponto

fosse um bloqueador da mediação, pois o

relacionamento com João estava a ser

restabelecido. Referiu, ainda que iria precisar

de gastar dinheiro para restabelecer a sua

imagem no mercado báltico. A coberto das

condições de completa confidencialidade da

sessão separada, o mediador investigou a

situação e percebeu rapidamente que Janis

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tinha um problema com um dos seus clientes,

a Estonian Breweries (EB), com quem, já

anteriormente, mantinha um relacionamento

difícil decorrente de um outro problema

comercial. Janis confessou ao mediador que,

provavelmente, a EB aproveitou uma ligeira

diferença na qualidade do vinho para

importunar a LSM. O mediador perguntou

quantas queixas de consumidores a LSM

recebeu relativamente ao vinho da QDS. Janis

respondeu que sabia que apenas se

registaram uma dezena, sendo que

provavelmente a maioria dos consumidores,

não se apercebeu de nada. O mediador

investigou depois qual a real necessidade da

LSM para restabelecer a sua imagem e Janis

chegou a um montante a cerca de €20.000.

O mediador perguntou a Janis o que

aconteceria, na sua opinião, se tivesse que

provar em tribunal os fundamentos do pedido

de €50.000. Janis reflectiu durante alguns

segundos e respondeu que o mais pertinente,

na fase negocial em que se encontravam,

seria propor a João suportar metade dos

custos de uma campanha de publicidade

para restaurar a reputação de ambas as

empresas (€10.000) e os decorrentes da

substituição e transporte do vinho (€6.000),

ou seja um total de €16.000.

O mediador perguntou qual o critério

subjacente a esta proposta, ou seja,

partilharem-se os custos da campanha e não

os custos de substituição do vinho. Janis

pensou um pouco e confessou que não

dispunha de qualquer explicação lógica,

excepto que receber €10.000 já seria muito

bom para a LSM. Pediu ao mediador para

“testar” os €16.000 durante a sessão

separada com a QDS e de guardar

confidencialidade quanto ao que para além

desta proposta foi dito. O mediador salientou

que o seu papel não era o de “testar”, mas

o de ouvir a perspectiva de João tal como

havia feito com Janis, mas que poderia propor.

O mediador dirigiu-se à sala onde João e

Artur aguardavam. Perguntou a João como

é que ele achava que a mediação estava a

decorrer, ao que este respondeu que não

estava a correr mal, mas que o desacordo

acerca da indemnização era bloqueador pois,

segundo a sua convicção não havia

desrespeitado o contrato e, portanto, não

devia ser penalizado.

O mediador relembrou que a verdadeira

questão seria decidir, segundo critérios de

razoabilidade, o que deveria pagar à LSM,

ponderando este montante com a expectativa

dos rendimentos futuros que este cliente

poderia trazer. João mostrou-se receptivo a

pagar metade dos custos de substituição do

vinho, uma vez que a sua responsabilidade

não estava provada e metade dos custos

relativos ao que a LSM considerava serem

os custos de “goodwill e reputação”. Colocou,

no entanto, duas condições: Janis deveria

demonstrar a pertinência do esforço

publicitário e, sobretudo, os termos do futuro

acordo deveriam ser confidenciais. O

mediador fez várias perguntas a fim de

compreender se este tinha alguma ideia

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relativamente ao custo de uma campanha de

publicidade.

João ponderou e respondeu que, tendo em

conta a sua experiência noutros mercados,

não entendia como o custo de uma campanha

de “relançamento” nos países bálticos poderia

ser de €15.000 e que, de qualquer maneira,

gastar mais do que €7.500 não fazia sentido

pois a QDS tinha capacidade de produção

limitada a 1.500 garrafas por mês para a

LSM, o que representava um rendimento

anual de €75.000. O mediador resumiu o que

o João estava pronto a propor: 3.000€ para

a substituição e transporte do vinho (metade

dos €6.000 propostos) e €7.500,

correspondente a metade dos custos da

campanha de publicidade. No total €10.500.

O mediador informou João que ainda existia

uma diferença significativa entre a sua

proposta e a proposta de Janis, mas que o

melhor seria, provavelmente, discutir de novo

o assunto em sessão conjunta. Antes de

concluir, João pediu ao mediador para manter

confidencial a capacidade de produção da

QDS.

Em sessão conjunta, o mediador explicou o

que havia discut ido não suje i to a

confidencialidade e a diferença que ainda

existia entre as propostas. Janis explicou que

para ele e não fazia sentido despender um

valor superior a €10.000 para restabelecer a

o bom nome comercial e relançar as vendas.

João replicou que, na sua opinião, não havia

qualquer razão para pagar mais do que a

LSM.

Chegados uma vez mais a um impasse o

mediador tentou ultrapassá-lo perguntando

às partes se existiam alternativas menos

onerosas para restaurar o bom nome de

ambas as empresas. João perguntou a Janis

se, na sua opinião, havia necessidade de

l impar uma má imagem junto dos

consumidores ou se, na verdade, o problema

não teria apenas que ver com os retalhistas.

Janis confirmou que estes constituíam o

problema principal mas que a campanha

publicitária tinha a vantagem de abranger

ambas os objectivos (matar dois coelhos de

uma cajadada só!).

João disse que enquanto decorria a sessão

separada com a LSM, tinha trocado

impressões com o seu advogado Artur acerca

dos seus negócios. Entre outras coisas, falou

do projecto hoteleiro da QDS, um hotel cinco

estrelas na sua quinta histórica no Douro,

com restaurante “gourmet” que, em breve,

iria ser inaugurado. Disse que essa conversa

lhe tinha dado uma ideia: convidar para um

fim-de-semana os maiores retalhistas da LSM

e seus gestores para passarem um fim-de-

semana no seu empreendimento turístico.

A visita incluiria uma prova de vinhos e um

jantar de degustação – uma forma elegante,

eficaz e original de restabelecer a confiança

entre todas as partes. Janis ficou silencioso,

colocou as mãos no rosto, mas não conseguiu

ocultar o seu interesse. “Estamos a falar de

quantas pessoas, Janis?” perguntou o

mediador. “15 ou 20, no máximo”, respondeu

Janis. João fez um cálculo rápido em voz

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alta: a viagem com transporte VIP do

aeroporto até à Quinta iria custar no máximo

€400 por pessoa, perfazendo um valor total

máximo de €8.000, inferior aos €20.000

previstos para uma campanha publicitária.

“Estou pronto a oferecer o alojamento, o

jantar, e – claro – o vinho”, acrescentou João,

com um sorriso. “E terei todo o gosto em

acolher Janis na suite real, situada nos

apartamentos dos meus avós”. “Eu agradeço

muito a sua atenção e aceito com muito

prazer”, respondeu Janis. “Espero que

tenhamos oportunidade durante esse fim-de-

semana para falar do meu projecto de

expansão para os países escandinavos. Tenho

a certeza que será uma oportunidade de

alargamento da nossa colaboração”.

O mediador resumiu o que tinha sido dito

durante toda a sessão e certificou-se de que

cada ponto da agenda tinha sido abordado.

Os advogados começaram a escrever o

acordo, enquanto que, João e Janis estavam

já absorvidos nas histórias das famílias

respectivas. A mediação acabou com a

assinatura do acordo pelas partes, às 12h30.

A mediação demorou 3h30 no total. Custou

a cada parte: as viagens para Paris (€800),

os honorários do mediador (€1.000) e o

aluguer das salas (€500) ou seja um total de

€2.300, a que acresceram os honorários e

as viagens dos advogados.

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(6) Não são aqui tomados em conta os custos dosadvogados, que teriam igualmente lugar na negociaçãodirecta ou em tribunal – cabe a cada parte pagar oshonorários do mandatário

CONVIRGENTE, LDA.

Largo Rafael Bordalo Pinheiro 16

1200-369 Lisboa • PORTUGAL

Tel. +351 213 254 105

Fax +351 210 435 965

Email: [email protected]

www.convirgente.com

IV. BENEFÍCIOS PARA ASPARTES

As alternativas e as opções escolhidas

na mediação seriam, pela sua natureza,

improváveis numa decisão judicial, centrada

na aplicação do direito ao caso concreto.

Também, numa negociação directa entre

advogados, sem a presença dos clientes e

do mediador, a opção decisiva (utilização do

hotel da QDS para organizar uma viagem dos

retalhistas da LSM) dificilmente seria criada;

sobretudo, a discussão em torno das

posições tuteladas juridicamente teria,

provavelmente, impossibilitado a criação de

novas opções.

O relacionamento directo entre os dois

gestores, falando directamente um com o

outro, seria possível numa negociação directa.

No entanto, os impasses surgidos, na

ausência de um mediador, f icariam

provavelmente sem resolução.

O “timing” de resolução do conflito

proporcionado pela mediação corresponde

ao dos negócios e não ao legal: entre o pedido

de mediação (Janeiro de 2010) e o acordo

(Janeiro de 2010), decorreu menos de 1 mês.

A presença dos advogados foi fundamental

para que os dois gestores se sentissem

protegidos e mais à vontade para exporem

os seus interesses, uma vez que seriam

devidamente aconselhados do ponto de vista

jurídico.

O custo: por €2.300 no total para cada parte,

as empresas chegaram a acordo e

restabeleceram o seu relacionamento6.

Em síntese, a mediação pode ser uma

solução superior na resolução de

desentendimentos comerciais. A

mediação comercial facilita a busca de

soluções mutuamente vantajosas,

mantendo o aconselhamento dos

advogados, o restabelecimento das

relações, a rapidez do acordo e o controlo

do custo associado.

Estudo de caso de mediação comercial