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Universidade Federal do Rio de Janeiro
AQUISIO DE ORAES RELATIVAS NO PORTUGUS BRASILE IRO
Ana Cristina Baptista de Abreu
Rio de Janeiro
2013
2
AQUISIO DE ORAES RELATIVAS NO PORTUGUS BRASILEIRO
Ana Cristina Baptista de Abreu
Dissertao de Mestrado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obteno do Ttulo de Mestre em Lingstica.
Orientadora: Prof. Doutora Christina Abreu Gomes
Coorientador: Prof. Doutor Gasto Coelho Gomes
Rio de Janeiro Agosto de 2013
3
Aquisio de oraes relativas no Portugus Brasileiro
Ana Cristina Baptista de Abreu
Orientadora: Professora Doutora Christina Abreu Gomes
Coorientador: Professor Doutor Gasto Coelho Gomes
Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em Lingustica da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em Lingustica.
Examinada por:
_________________________________________________
Presidente, Profa. Doutora Christina Abreu Gomes - (UFRJ- Lingustica)
_________________________________________________
Profa. Doutora Maria Maura Cezario - (UFRJ- Lingustica)
_________________________________________________
Profa. Doutora Maria Eugnia Lamoglia Duarte - (UFRJ- Lingustica)
_________________________________________________
Profa. Doutora Maria da Conceio Auxiliadora de Paiva - (UFRJ- Lingustica), suplente
_________________________________________________
Profa. Doutora Clia Regina dos Santos Lopes - (UFRJ- Letras Vernculas), suplente
Rio de Janeiro
Agosto de 2013
4
Abreu, Ana Cristina Baptista
Aquisio de oraes relativas no Portugus Brasileiro / Ana Cristina Baptista de Abreu. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2013.
xi,120 f.:il. Orientadores Christina Abreu Gomes e Gasto Coelho Gomes. Dissertao (mestrado) - UFRJ, Faculdade de Letras, Programa de Ps-
Graduao em Lingustica, 2013. Referncias Bibliogrficas: f. 113-115 1. Variao 2. Aquisio 3. Oraes relativas. I. Gomes, Christina Abreu.;
Gomes, Gasto Coelho. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Ps-Graduao em Lingustica. III. Aquisio de Oraes relativas no Portugus Brasileiro.
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Resumo
Este trabalho versa sobre a aquisio de oraes relativas em crianas em idade
pr-escolar. A pesquisa realizada tem por base estudos sobre a fala carioca assim como
trabalhos que enfocam a lngua portuguesa em sua variedade portuguesa e brasileira.
Estes estudos revelam que as estruturas relativas so estruturas variveis juntamente
com o fato de estarem passando por um processo de mudana (Tarallo, 1993 e Mollica,
2003). Baseia-se tambm em estudos de Diesel (2009) e Diesel & Tomasello (2000,
2005) que revelam que a frequncia e similaridade estrutural so informaes essenciais
para aquisio destas estruturas, fornecendo tambm a base metodolgica para a
elaborao de um experimento de produo induzida. Poucos so os estudos sobre
aquisio de relativas no portugus brasileiro, por isso, a presente dissertao pretendeu
investigar a emergncia destas estruturas na produo espontnea, em crianas de 1 ano
e 11 meses a 5 anos, e controlada, em crianas entre quatro e sete anos. Alm disso, a
produo espontnea de adultos tambm contabilizada a fim de observar os efeitos da
frequncia do input na aquisio. Os resultados deste estudo demonstram no s que o
comportamento das crianas reproduz as tendncias da lngua j observadas por Tarallo
(1993) e Mollica (1977, 1981 e 2003) sobre o uso de relativas no Portugus do Brasil,
mas tambm o fato de que a frequncia e similaridade das estruturas no input interferem
no processo de aquisio. Os resultados indicaram que as primeiras relativas produzidas
pelas crianas tendem a ser proposicionalmente simples e que na idade de 5 anos ainda
uma estrutura pouco produtiva na fala das crianas. A distribuio das variantes e dos
locais de extrao na amostra infantil reflete a distribuio observada entre os adultos.
No teste de produo controlada, as variveis idade, variante do estmulo e local de
extrao se mostraram significativas para explicar o desempenho das crianas. As
crianas apresentaram maiores ndices de acuracidade para as relativas padro (ou
bsicas) de sujeito e objeto direto. J para as posies preposicionadas, a variante
cortadora foi a que teve nveis mais altos de acuracidade. Esse comportamento
indicativo de que similaridade estrutural e distribuio de frequncia de tipo do input
influenciam na aquisio, assim como tambm reflexo da direcionalidade da mudana
observada para o portugus brasileiro.
Palavras-chave: Variao, Aquisio, Oraes relativas.
6
Abstract
This study concerns the acquisition of relative clauses in preschool children. The
research is based on studies about the speech of people who live in Rio de Janeiro
likewise those which focus on Portuguese language in Brazilian or Portuguese varieties.
These works have revealed that relative structures are variable together with the fact
that they are passing through a process of change (Tarallo, 1993 e Mollica, 2003). Our
study is also based on Diesel (2009) and Diesel & Tomasello (2000, 2005) researches in
which the structural frequency and similarity are revealed to be essential information to
the acquisition process of these structures and from which the methodological bases for
the elaboration of an experiment of induced production were taken. There are few
studies about the acquisition of relative clauses in Brazilian Portuguese , for this reason,
this study intended to investigate the emergence of this structures in spontaneous
speech of children who are between the ages of 1 year and 11 months and five years and
controlled speech of children between the age of four and seven years old . Besides that,
the spontaneous production of adults is also accounted for observing the effects of input
frequency in the acquisition process. The results of this study revealed that not only
childrens behavior reflects the tendency of the language that has been observed by
Tarallo (1993) and Mollica (1977, 1981 and 2003) about the usage of relative clauses in
the Portuguese of Brazil, but also that frequency and similarity of structures in the input
interfere in the acquisition process. These results also indicate that early relative clauses
tend to be propositionally simple and that by the age of 5 years old this structure is not
productive yet in children speech. The distribution of variants and the syntactic role of
the relative pronoun in the children sample reflect the distribution observed among
adults. In the controlled production task, the variables age, variant of the stimulus and
syntactic function are demonstrated to be significant to explain children performance.
Children presented highest levels of accuracy to subject and direct object standard (or
basic) relatives. On the other hand, to the prepositioned heads, the prepositional-phrase
chopping had the highest level of accuracy. This behavior indicates that structural
similarity and distribution of the input type frequency influence in the process of
acquisition likewise it is the reflex of the directionality of change observed in the
Brazilian Portuguese.
Key-words: Variation, Acquisition, Relative Clauses.
7
Dedico esta dissertao aos meus pais que sempre me apiam, me incentivam e vibram com todas as conquistas de minha vida.
8
Agradecimentos
A Deus por me conceder fora em todos os momentos para realizar esta pesquisa e por todas as oportunidades que apareceram em toda a minha vida. Aos meus pais Luiz Carlos de Abreu e Damiana de Oliveira Baptista por todo o apoio, incentivo e pacincia nos momentos de felicidade e de desnimo e por estarem sempre comigo. minha orientadora Christina Abreu Gomes por me guiar pelo mundo acadmico com muita inteligncia, sabedoria, dedicao e pacincia e por acreditar em mim desde a iniciao cientfica. Ao meu coorientador Gasto Coelho Gomes pelo imenso auxlio com o programa R utilizado para a obteno de parte dos resultados desta pesquisa. Fernanda Duarte Senna, Doutora em Lingustica, pelo imenso auxlio com um dos programas utilizado nesta pesquisa. Miriam Cristina Almeida Severino, Mestre em Lingustica, pelo auxlio com a gravao dos estmulos, pela amizade e pela cumplicidade nos trabalhos de graduao e ps-graduao. A toda a equipe das escolas Centro Educacional Arago Torquato (Vov Enny), Jardim Escola Brilho do Sol e Instituto Olavo Bilac que me receberam com todo o carinho, abriram as portas de suas instituies para que eu realizasse esta pesquisa, facilitando minha entrada e interao com seus alunos. Ao Marcelo Alexandre Silva Lopes de Mello, Doutorando em Lingustica, e Vanessa Menezes, Mestre em Lingustica no s pelos conselhos, mas tambm por compartilhar os momentos de dvidas e descobertas. A todos os amigos que fiz no perodo da graduao por todos os momentos de alegria e descontrao durante toda esta jornada. A Leidjane Soares, Vanessa Cristina, Isabela da Silva, Yuri Passos, Lus Jr. Dantas, Daniel Maffra, Tatiane, Lusa Martins, Thabata Vieira, Stphanie Silva, Fernanda Ribeiro, amigos de ensino fundamental e de ensino mdio por muitos momentos alegres e por vibrarem com as minhas conquistas e torcerem por cada uma delas.
Muito Obrigada!
9
Sumrio
Introduo ....................................................................................................................... 12 1. AS ORAES RELATIVAS NO PORTUGUS BRASILEIRO. ...................... 15
1.1 Mudana e encaixamento lingustico das estratgias de relativizao no PB .. 15 1.2. Natureza estrutural das variantes das oraes relativas ............................... 18 1.3 O uso varivel de relativas na comunidade de fala do Rio de Janeiro ............ 30
2. SOBRE O PROCESSO DE AQUISIO .............................................................. 39 2.1 Aquisio nos Modelos baseados no Uso. ...................................................... 39
2.2 Aquisio de Sintaxe nos Modelos Baseados no Uso......................................47 2.3 Algumas questes sobre a aquisio de oraes relativas................................54
2.4 Consideraes Finais ....................................................................................... 63 3. OBJETIVOS, HIPTESES E METODOLOGIA ................................................... 65
3.1. Objetivos e Hipteses ...................................................................................... 65 3.2 Metodologia ...................................................................................................... 70 3.2.1 Descrio das Amostras de Fala ................................................................... 70 3.2.1.1 Dados dos Falantes adultos........................................................................ 70 3.2.1.2 Descrio da Amostra de Fala Infantil ...................................................... 71 3.2.2 O Teste de Repetio de Oracoes Relativas ................................................. 73 3.2.2.1 A elaborao do teste ................................................................................. 73 3.2.2.2 Os sujeitos do teste. ................................................................................... 80 3.2.3 Variveis de Anlise ..................................................................................... 81
4-ANLISE DOS DADOS ........................................................................................ 85 4.1. Levantamento da Amostra de fala dos Adultos ............................................... 85 4.2. Levantamento da Amostra de fala infantil espontnea. ................................... 89 4.3. Resultados do Experimento de produo da Amostra de fala infantil. ........... 95
5-CONCLUSO ...................................................................................................... 110 REFERENCIAS ....................................................................................................... 113 ANEXOS .................................................................................................................. 116
10
Lista de Tabelas
Tabela1: Distribuio da Amostra Censo 2000 de acordo com critrios sociais............71
Tabela2: Distribuio dos informantes de acordo com a faixa etria.............................72
Tabela 6: Trs verses do teste de repetio...................................................................76
Tabela 9: Distribuio dos sujeitos de acordo com a verso do teste.............................80
Tabela 10: Distribuio das relativas por local de extrao na Amostra Censo 2000.....85
Tabela 11: Distribuio das relativas na Amostra Censo 2000 por local de extrao.....87
Tabela 12: Distribuio de relativas na Amostra AQUIVAR/PEUL/UFRJ....................89
Tabela 13: Distribuio das relativas na fala infantil por local de extrao....................91
Tabela 14: Distribuio das Relativas Padro na fala Infantil por local de extrao......92
Tabela 15: Distribuio das Relativas Cortadoras na fala Infantil por local de
extrao............................................................................................................................94
Tabela 16: Nveis de acuracidade....................................................................................96
Tabela 17: Comportamento das crianas em cada verso do teste com sete nveis........97
Tabela 18: Comportamento das crianas em cada verso do teste agrupados em
blocos...............................................................................................................................97
Tabela 19: Distribuio das relativas em funo das faixas Etrias e locais de extrao
no preposicionados na variante Padro..........................................................................99
Tabela 20: Distribuio das relativas em funo das faixas Etrias e locais de extrao
no preposicionados na variante copiadora...................................................................100
Tabela 21: Distribuio das relativas em funo das faixas Etrias e locais de extrao
preposicionados na variante padro...............................................................................102
Tabela 22: Distribuio das relativas em funo das faixas Etrias e locais de extrao
preposicionados na variante copiadora..........................................................................105
Tabela 23: Distribuio das relativas em funo das faixas Etrias e locais de extrao
preposicionados na variante copiadora..........................................................................108
11
Lista de Figuras, Grficos e Anexos
Figura 1: Ncleos animados e inanimados de relativas de sujeito e no-sujeito de acordo
com Diessel (2009)......................................................................................................... 61
Figura. 2: Sintagma Nominal Animado e Inanimado em relativas de sujeito e no sujeito
presente em Diessel (2009: 272).....................................................................................62
Grfico 1: Distribuio das relativas em funo das faixas etrias e locais de extrao
no preposicionados na variante Padro..........................................................................99
Grfico 2: Distribuio das relativas em funo das faixas etrias e locais de extrao
no preposicionados na variante Copiadora..................................................................100
Grfico 3: Distribuio das relativas em funo das faixas Etrias e locais de extrao
preposicionados na variante padro...............................................................................102
Grfico 4: Distribuio das relativas em funo das faixas etrias e locais de extrao
preposicionados na variante copiadora.........................................................................105
Grfico 5: Distribuio das relativas em funo das faixas Etrias e locais de extrao
preposicionados na variante cortadora..........................................................................108
Anexo 1: Tabela 3..........................................................................................................116
Anexo 2: Tabelas 4 e 5..................................................................................................118
Anexo 3: Tabelas 7 e 8..................................................................................................119
Anexo4...........................................................................................................................120
12
Introduo
O presente trabalho observa a aquisio de oraes relativas considerando que
estas estruturas so variveis, isto , constituem uma varivel sociolingustica no
portugus brasileiro, mais especificamente na comunidade de fala do Rio de Janeiro, e
que a distribuio das variantes no input reflete um determinado estgio de mudana
lingustica, detectada por Tarallo (1993) j no sculo XVIII. A mudana identificada
por Tarallo consiste no uso de outros processos de relativizao que foram incorporados
ao portugus brasileiro em substituio variante padro (Ex.: O menino de que falei
no veio hoje.). Assim as relativas copiadoras (Ex.: O menino que falei dele no veio
hoje) e as relativas cortadoras (Ex.: O menino que falei no veio hoje) passaram a
compor o repertrio de relativizao do Portugus Brasileiro.
Apesar disso, estas estruturas so menos frequentes na fala, o que as torna mais
complexas do ponto de vista aquisitivo. Por no serem recorrentes na fala, as oraes
relativas, especialmente aquelas com ncleos sintticos mais encaixados, no so
adquiridas de maneira uniforme, uma vez que podem precisar de mais tempo e/ou
experincia lingustica para conclurem seu processo de aquisio dependendo da
posio sinttica que as encabea. Alm disso, j que essas estruturas passam por um
processo de mudana lingustica, a frequncia de uso de determinadas variantes menor
e pode ter influncia no tempo e na forma da aquisio.
Tendo em vista as questes que concernem aquisio das relativas, percebe-se
que h poucos trabalhos sobre o tema para o Portugus do Brasil. Esse trabalho se
baseia em dados de produo espontnea e em dados de produo controlada. Assim,
este estudo visa verificar o uso de oraes relativas com suas respectivas variantes na
fala infantil, extraindo e categorizando os tipos que ocorrem na fala infantil, assim como
procura identificar se a estrutura manifesta reflete de fato a aquisio dessa abstrao na
gramtica, atravs dos dados de produo controlada.
Para melhor situar os dados obtidos em produo espontnea e o desempenho no
teste de produo controlada, foi objetivo deste trabalho tambm fazer uma contagem
das relativas presentes na fala dos adultos, separando-as por variante e local de extrao
para caracterizar o input a que as crianas esto submetidas. Esta contagem teve o
intuito de verificar se as oraes relativas produzidas pelas crianas em idade pr-
13
escolar so compostas pelas mesmas variantes e locais de extrao daquelas encontradas
na fala dos adultos, conforme Diessel (2009).
Para a realizao deste trabalho foi realizado um levantamento das relativas que
aparecem na fala de adultos que compem a amostra Censo 2000 e na amostra de fala
infantil AQUIVAR/PEUL/UFRJ, composta de crianas entre 1 ano e 11 meses e 5 anos
de idade. Nossas hipteses prevem que as relativas presentes na fala das crianas sejam
compatveis em termos de variante e local de extrao com as relativas dos adultos
devido influncia da frequncia de tipo e a similaridade estrutural das relativas no
input (cf.: Bybee, 1998, Tomasello 2006 e Diessel 2009) e que o comportamento das
crianas na situao de teste reflita as distribuies do input em termos de frequncia de
variantes e tipos de relativas e a direcionalidade da mudana lingustica.
Os dados de produo controlada foram obtidos atravs da aplicao de um
experimento cujo objetivo avaliar a acuracidade de repetio do estmulo. O teste foi
elaborado nos moldes do trabalho de Diessel (2009) a fim de melhor investigar quais
oraes relativas j esto presentes na gramtica infantil das crianas entre 4 e 7 anos.
De acordo com Tomasello (2006), essa metodologia importante para avaliar o
conhecimento lingustico internalizado, uma vez que a repetio no um ato reflexo do
que se ouve, mas depende do conhecimento internalizado. Diferentemente do estudo de
Diessel (2009), o teste para avaliar a aquisio de relativas por crianas falantes do
portugus brasileiro incluiu as variantes sociolingusticas como uma das condies,
conforme ser descrito no captulo sobre a metodologia.
De acordo com Diessel (2009) e Diessel & Tomasello (2000), a aquisio de
relativas est relacionada a questes como similaridade estrutural da orao relativa a
outras oraes da lngua, sendo a relativa de sujeito a que mais se assemelha a oraes
do ingls com a ordem S V O. Nesta tarefa de produo controlada previsto que o
sucesso das crianas na repetio esteja correlacionado tanto idade quanto ao local de
extrao das oraes relativas. Com isso, prev-se que as crianas mais velhas sero
mais bem sucedidas na tarefa de repetio enquanto as mais novas sentiro mais
dificuldades. Presume-se tambm que oraes relativas de sujeito no causaro
problemas na repetio devido a sua alta frequncia e semelhana estrutural com outras
relativas do input. Alm disso, em virtude da direcionalidade da mudana observada
para o portugus brasileiro, espera-se tambm encontrar efeito da variante do estmulo.
Esta dissertao est dividida em cinco captulos. No primeiro captulo, so
abordados alguns estudos sobre a relativizao com enfoque na mudana lingustica e
14
encaixamento lingustico da relativizao no Portugus Brasileiro alm um estudo que
considera o Portugus Europeu. Neste captulo tambm so caracterizadas as relativas
presentes na fala carioca que servem de input para a aquisio destas estruturas. No
segundo captulo so abordadas questes relativas ao processo aquisitivo e
especificamente sobre aquisio da sintaxe sob a tica dos Modelos baseados no Uso.
So apresentados tambm neste captulo estudos mais especficos sobre a aquisio das
oraes relativas para lnguas como o holands, ingls e alemo. No captulo trs so
expostos os objetivos e as hipteses de trabalho juntamente com a metodologia de
trabalho utilizada para a obteno e anlise dos dados. Tambm parte deste captulo a
descrio das amostras de fala espontnea utilizadas. No captulo quatro encontram-se
tanto a anlise dos levantamentos de fala espontnea (adulta e infantil) como os
resultados do comportamento dos sujeitos do teste de acuracidade na repetio
composto por crianas entre 4 e 7 anos de idade. No ltimo captulo so apresentadas
nossas concluses, tendo em vista os resultados da anlise.
15
1. As Oraes Relativas no Portugus Brasileiro.
Neste captulo sero apresentados alguns estudos sobre oraes relativas no
portugus brasileiro. Sero abordadas questes relativas mudana lingustica que
caracteriza o portugus brasileiro (PB), especificamente, e em comparao com o
portugus europeu, interpretao do encaixamento da mudana no sistema e da
natureza das relativas preposicionadas, respectivamente a partir dos trabalhos de Tarallo
(1993), Kato (1993) e Kenedy (2007) e Kenedy (2008). Finalmente, com o objetivo de
caracterizar o input recebido pelas crianas que esto adquirindo o portugus brasileiro
na variedade falada no Rio de Janeiro, sero apresentados os trabalhos de Mollica
(1977, 1981, 2003), que mostram a situao das relativas na fala carioca.
1.1 Mudana e encaixamento lingustico das estratgias de relativizao no PB
Muito j foi estudado sobre as oraes relativas e diversos so os trabalhos a este
respeito. Todos estes estudos, apesar de diferentes e com aspectos divergentes,
apresentam tambm pontos de interseo visto que apontam para tendncias similares
tanto do Portugus brasileiro quanto do Portugus Europeu de usar outras variantes em
substituio variante padro.
Tarallo (1993:85) observou trs formas de relativizao para o Portugus
Brasileiro: a estratgia do pronome relativo (relativa padro), a estratgia do pronome
resumptivo (relativa copiadora) e a estratgia cortadora. Alm disso, segundo Tarallo, as
relativas padro so as relativas menos usadas, enquanto as relativas cortadoras
constituem a estratgia de relativizao mais frequente e recente no Portugus
Brasileiro. Esta data de meados do sculo XIX, nas posies de objeto indireto
juntamente com outros constituintes preposicionados. Desta forma, j em meados do
sculo XIX, percebe-se que havia uma mudana no paradigma relacional da gramtica
brasileira no qual as relativas padro (aquelas que usam o pronome relativo, como no
exemplo 1a., deixavam de ser a estratgia de relativizao predominante no Portugus
do Brasil, cedendo espao para as relativas copiadoras, aquelas que utilizam o pronome
resumptivo, como no exemplo 1b, e as cortadoras, aquelas em que h o apagamento do
pronome resumptivo, como no exemplo 1c.:
16
(1) a. O menino com quem conversei ontem faltou.
b. O menino que eu conversei com ele ontem faltou.
c. O menino que eu conversei ontem faltou.
Segundo Tarallo (1993), ao longo do tempo a relativa padro perdeu seu espao
para as relativas copiadoras, e, principalmente, para as relativas cortadoras. Este
processo explicado por Tarallo atravs de uma mudana que ocorreu no sistema
pronominal na qual os pronomes comearam a ser apagados em sintagmas
preposicionais, enquanto houve um aumento na reteno pronominal na posio de
sujeito, demonstrando encaixamento entre as mudanas lingusticas. Observa-se, assim,
um eco entre as mudanas lingusticas, pois medida que comea haver menor
quantidade de reteno pronominal em sintagmas preposicionados juntamente com a
diminuio nos casos de objetos diretos, a quantidade de reteno pronominal nos
sujeitos aumenta proporcionalmente. Este fato sugere que houve uma reorganizao do
sistema uma vez que a perda de referncia pronominal nas posies preposicionadas e
na posio de objeto direto fez com que outra posio sinttica comeasse a ser marcada
mais frequentemente, ou seja, a posio de sujeito passa a reter mais o pronome que
outras posies. (cf. Tarallo, 1993: 83). Assim, Tarallo demonstra que a diminuio do
uso de pronomes interfere na reteno pronominal de sujeitos, demonstrando que uma
mudana interferiu no sistema como um todo. Isto , houve uma mudana na gramtica
que se reflete no uso pronominal causando a reordenao de todo o sistema. O
encaixamento lingustico, isto , a relao entre um processo de mudana e outros no
sistema lingustico uma das questes que o estudo da mudana lingustica deve tratar,
segundo Weinreich, Labov e Herzog (1968).
Esta mudana no sistema pronominal foi observada em seu estudo diacrnico a
partir de dados coletados de cartas, dirios e peas teatrais dos sculos XVIII e XIX,
distribudos em diferentes intervalos de 50 anos a partir do ano de 1725 at o ano de
1880 (em torno de 1725, em torno de 1775, em torno de 1825 e em torno de 1880) e
comparados amostra de fala de 1981 com falantes paulistanos. Atravs deste estudo,
observou-se que nos primeiros intervalos de tempo havia mais reteno pronominal em
locus sinttico preposicionado, seguido do locus do objeto direto e do locus do sujeito.
O exemplo a seguir (Tarallo, 1993:82), exemplifica a tendncia de preenchimento do
sujeito e apagamento do objeto em corpus de 1981.
17
(1)Eu no sei com as pessoas conseguem ouvir o Joo
no telefone. s vezes eu estou do lado dele e no estou
escutando (0). Parece que ele no est falando.
Neste exemplo, o sujeito de primeira pessoa realizado e a retomada anafrica
de Joo realizada foneticamente na posio de sujeito e de genitivo e no realizada na
posio de objeto.
Segundo Tarallo (1983 apud Tarallo, 1993) havia intensa reteno pronominal
em sintagmas preposicionais mais do que em qualquer outra posio sinttica nos
primeiros intervalos de tempo analisados em torno de 1725 e 1775. Aps o terceiro
perodo de tempo, por volta de 1880, comea a haver uma mudana quanto realizao
pronominal nas posies sintticas de sujeito. Esta mudana consistiu no fato de os
pronomes comearem a ser mais realizados em posio de sujeito enquanto os
sintagmas preposicionais comeam a conter menos reteno pronominal seguidos das
posies de objeto Assim, uma alterao em parte do sistema gera uma reorganizao
neste sistema, reforando o fato de que existe um eco nas mudanas lingusticas.
Esta reorganizao do sistema logo interferiu nas estratgias de relativizao,
principalmente nas relativas preposicionadas acarretando uma reduo do uso de
pronomes neste tipo de relativa. Por isso, de acordo com Tarallo, as estratgias
copiadora e, principalmente, a cortadora entraram no sistema da lngua Portuguesa
substituindo a estratgia padro tambm denominada estratgia piedpiping, pouco
utilizada. Desta forma, com a baixa reteno de pronomes em sintagmas
preposicionados as relativas cortadoras puderam surgir e se tornar muito frequentes
medida que houve uma reduo na reteno de pronomes em locus sinttico de
sintagmas preposicionados. Com o aumento do apagamento de pronomes nestas
posies a relativa cortadora tornou-se cada vez mais frequente. Portanto, a maior
frequncia da orao relativa cortadora est intimamente relacionada ao fato de que
comea a haver maior apagamento pronominal em sintagmas preposicionados, uma vez
que, segundo Tarallo (1993), o aparecimento de relativas cortadoras com mais
frequncia concomitante ao maior apagamento pronominal em sintagmas
preposicionais.
As relativas cortadoras foram observadas por Tarallo em 1725 em textos
escritos. Porm somente em 1880 esta estratgia comea a ser mais usada em
18
substituio relativa piedpiping, alm de competir com as relativas copiadoras,
enquanto em 1825, o apagamento dos pronomes, aplicvel ao sujeito e com menos
frequncia a objetos diretos, comea a atingir posies sintticas mais baixas na
estrutura da sentena como os sintagmas preposicionais. Desta maneira, percebe-se que
as relativas cortadoras aparecem no sistema atravs de uma mudana sinttica nas
estratgias de pronominalizao, como afirma Tarallo (1993).
1.2. Natureza estrutural das variantes das oraes relativas
Segundo Tarallo (1993), os processos formadores das relativas padro e das
relativas copiadoras e cortadoras continuaram os mesmos, isto , o processo de
movimento do sintagma -QU, no caso da relativa padro, processo de apagamento do
sintagma co-referencial, no caso das relativas copiadoras, e apagamento do sintagma co-
referencial e da preposio, no caso das cortadoras, continuaram a existir apesar de
criarem um segundo paradigma. Ento, o movimento (referente s relativas padro) e o
apagamento (referentes s relativas copiadoras e cortadoras) continuaram a existir e a
competir. Desta forma, Tarallo (1993) demonstra a existncia de dois processos
produtivos na lngua, o movimento e o apagamento que continuam a existir e concorrer.
Essa competio entre as relativas padro e copiadora gera outro paradigma, uma vez
que a substituio da anfora pronominal pela anfora zero gerou, por assim dizer, um
novo tipo de relativa: um que se parece exatamente com uma orao declarativa matriz
a no ser pelo complementizador invarivel que a introduz. (Tarallo,1993:89)
Portanto, a relativa cortadora alm de ser mais recente e frequente no Portugus
Brasileiro, surge a partir de uma competio entre dois tipos de relativas alm de ser
tambm fruto de uma reestruturao do sistema que, ao apagar mais os pronomes em
sintagmas preposicionais, propicia o surgimento de nova relativa, a relativa cortadora.
Desta forma para Tarallo (1993), a estratgia cortadora uma inovao no
Portugus Brasileiro e esta uma estratgia que no envolve movimento como a
estratgia padro, mas sim, como tambm afirma Kato (1993), um processo de elipse do
pronome lembrete operada na relativa copiadora. Alm disso, para Tarallo, a estratgia
cortadora a preferida em casos de complementos e adjuntos preposicionados. J em
casos de genitivo, as relativas copiadoras so favorecidas e, em casos de sujeito e objeto
direto, as relativas padro so as mais frequentes. Desta maneira, tanto para Tarallo
quanto para Kato a estratgia de relativizao cortadora oriunda de um processo de
19
apagamento do sintagma preposicionado, diferentemente da relativa padro que
resultante do movimento do pronome relativo.
J com relao variante copiadora, Tarallo (1983 apud Kato, 1993) afirma que
esta seria uma forma perceptualmente mais acessvel utilizada em muitas lnguas como
ltimo recurso, como o caso do ingls (Kato 1993:224). Neste caso, para Tarallo
(1983 apud Kato, 1993), a relativa copiadora formada por um que complementizador
equivalente ao existente nas subordinadas integrantes, sendo a posio relativizada
preenchida por um pronome lexical ou nulo. Em sua anlise sincrnica, Tarallo (1983
apud Kato, 1993) observa que as relativas copiadoras so preferidas pelos
complementos e adjuntos preposicionados. As relativas copiadoras, segundo Tarallo
(1993), so formadas a partir do apagamento, no qual o sintagma correferencial
apagado in situ e substitudo por uma forma pronominal correferente ao sintagma que
encabea a orao relativa, isto , o sintagma correferencial sofre apagamento, mas a
lacuna deixada por este preenchida por um sintagma preposicional correferente ao
sintagma nominal ncleo da relativa.
Portanto, Tarallo (1983, apud Tarallo 1993) j apontava que a estratgia de
relativizao com o movimento do pronome relativo no a mais frequente no
Portugus do Brasil e que, desde meados do sculo XIX, j havia concorrncia entre os
processos de apagamento e movimento para a formao das relativas. Desta forma, a
existncia destes dois processos de relativizao cria um segundo paradigma para a
formao de relativas, em que a relativa cortadora surge em concorrncia com estas
duas formas de relativizao j existentes.
Outro estudo que se dedicou questo das oraes relativas foi Kato (1993). Sua
explicao para as estratgias de relativizao do Portugus Brasileiro baseada em
uma comparao com o fenmeno da coordenao, assim, a relativa resumptiva est
para anfora pronominal na coordenao, assim como a relativizao com lacuna est
para a coordenao com elipse (Kato 1981 apud Kato 1993:242). Desta forma a
posio de Kato (1993) ora se assemelha posio de Tarallo (1993) ora diverge deste.
Um ponto convergente para ambos refere-se formao da estratgia cortadora, uma
vez que Kato (1993) afirma que as oraes cortadoras so fruto da elipse do sintagma
preposicional, assemelhando-se a proposta de Tarallo (1993), e que a relativa cortadora
no derivada da variante copiadora, como prope Tarallo. Alm disso, outro ponto de
divergncia a formao das relativas copiadoras, que para Tarallo (1993) so formadas
a partir de apagamento e no de movimento, fato este que Kato (1993) no concorda por
20
afirmar no s que o processo de relativizao oriundo de uma posio de tpico cujo
predicado um sintagma flexional, mas tambm que as estratgias de relativizao do
portugus brasileiro possuem o mesmo processo de relativizao, ou seja, o movimento
do relativo que que se liga a uma posio vazia no interior da sentena (cf. Kato
(1993:227).
Segundo Kato (1993) a orao relativa cortadora resulta de um processo de
apagamento no sintagma preposicional. Kato prope ento que esta variante oriunda
de uma lacuna nica no lugar de PP sendo que esta lacuna deriva da elipse de um
predicado (Kato 1993:242). Desta forma, a relativa cortadora possvel, pois h elipse
em sintagmas verbais (nos casos de complementos verbais) e elipse em sintagmas
nominais (nos casos de complementos nominais). Logo, esta lacuna resultado de uma
elipse de expresso R na fonologia (FF= Forma Fontica), encaixando-a na categoria
de regra estilstica, conforme viso de Chomsky e Lasnik (1977), segundo Kato
(1993:247).
Kato (1993) afirma que a relativa cortadora oriunda de um apagamento na
forma fontica que ocorre em virtude da subida de verbos e ou nomes nos casos de
complementos verbais e complementos nominais, respectivamente, para o n da
concordncia. Estes apagamentos so possveis se o ncleo for foneticamente nulo. Em
outras palavras, o que Kato (1993: 253) afirma que, no caso das oraes relativas
cortadoras do portugus brasileiro, os verbos ou nomes sobem para o n da
concordncia se o ncleo for foneticamente nulo, fazendo com que o n do sintagma
verbal fique vazio, havendo o apagamento na forma fontica.
Este apagamento na forma fontica entendido por Kato (1993) como uma
alternativa de algumas lnguas que no possuem prossintagmas lexicais de anfora para
evitar correferncia por meio de repetio de expresses-R (expresses referenciais, ou
seja, sintagmas nominais). Assim, em contextos em que a repetio, com a finalidade de
correferncia, precisa ser evitada pela proximidade dos referentes, a elipse a
alternativa preferida seguindo o efeito de antissubjancncia. Este princpio postula que
correferentes devem estar a uma distancia de pelo menos dois ndulos-barreira
(Contreras (1990) apud Kato 1993: 236; 248), por isso, a repetio ou o uso de
prossintagmas evitada para a correferncia quando os correferentes esto muito
prximos, havendo assim, elipse do sintagma preposicionado, conforme Kato (1993).
Ento, o apagamento na forma fontica produz uma forma menos estigmatizada, j que
o Portugus do Brasil permite que haja correferncia em oraes relativas, pois estas so
21
formadas atravs de uma posio de deslocamento esquerda e no do locus sinttico.
Desta forma, Kato (1993) afirma que o portugus do Brasil utiliza em grande
quantidade a repetio de expresso R, o que a conduz relao desta propriedade
com o apagamento dessas expresses na fonologia, conforme Kato (1993: 248).
Alm disso, outro motivo para o uso de relativas cortadoras est na ausncia de
prossintagmas para todas as categorias. Este fato faz com que a nica maneira de haver
correferncia seja utilizando-se de uma expresso-R, que, se idntica ao sintagma
nominal em deslocamento esquerda, evitada devido ao efeito da antissubjancncia,
podendo ser apagada via elipse na forma fontica. Portanto, o fato de a relativizao ser
formada preferencialmente com extrao em deslocamento esquerda, faz com que no
s exista um pronome correferencial dentro da relativa (cf Kato, 1993), (como ser
explicado mais adiante) juntamente com apagamento da expresso correferencial seja
possvel (sendo este, um pronome ou a repetio de uma expresso idntica ao
referente), mas faz tambm com que a realizao local seja possvel mesmo se o
correferente estiver distante.
Ento, para Kato (1993), o portugus do Brasil, assim como outras lnguas, pode
realizar correferncia por meio da repetio de sintagma nominal idntico ao sintagma
nominal em deslocamento esquerda, uma vez que a posio em deslocamento a
esquerda possvel para a extrao de orao relativa, sendo esta a posio preferencial
para sua extrao. Apesar disso, se o sintagma nominal repetido for idntico aquele em
deslocamento esquerda, este pode sofrer apagamento na forma fontica visto que
estaria submetido condio de antissubjancncia e desta forma, pela elipse em
predicado, forma-se a relativa cortadora, segundo Kato (1993).
J no caso das relativas copiadoras, Kato (1993) observa que estas tambm so
oriundas de uma posio de tpico em que h um elemento em deslocamento
esquerda. Esta uma posio que pode ser co-indexada com qualquer elemento no
interior da sentena, de acordo com Kato (1993, p.229). Este fato faz com que oraes
relativas possam conter um pronome correferencial em seu interior, como podemos ver
neste exemplo:
2-Eu falei com essa moa ontem.
3-(LD Essa moai), (IP eu falei com elai ontem)
22
4-A moa (CP quei ((LD ti) (eu falei com elai) ontem1
Desta forma, o fato de as oraes relativas serem formadas a partir de um
sintagma nominal em deslocamento esquerda permite tanto que haja o correferente
pronominal na sentena como que este se ligue ao elemento na posio de tpico. Este
elemento em deslocamento esquerda o elemento relativizado que pode possuir um
correferente na sentena relativa. Assim, a primeira sentena, ao ter seu sintagma
nominal a moa topicalizado na sentena 3, produz uma construo cujo predicado (eu
falei com ela ontem) contendo o resumptivo (com ela) muito comum em construes
com elementos em deslocamento esquerda, segundo Ross (1967) apud Kato (1993). J
na sentena 4, vemos que o elemento em deslocamento esquerda o elemento
relativizado, uma vez que a posio na sentenas 2 e 3 a mesma relativizada na orao
relativa em 4.
Conforme a proposio de Kato (1993), a estratgia copiadora seria menos
custosa e por isso mais fcil para os falantes, visto que, por se originar em posio de
deslocamento esquerda, o tpico possui um correferente pronominal no interior da
sentena, podendo estar coindexado com qualquer posio dentro do sintagma flexional.
Logo, Kato trata o pronome resumptivo como co-referente varivel em LD2 (Kato
1993:226) afirmando ser esta a causa da relativa copiadora exibir um pronome
correferencial em seu interior. Em outras palavras, Kato (1993) afirma que o fato da
orao relativa copiadora ser formada a partir de uma posio de tpico leva
possibilidade deste elemento em deslocamento esquerda estar coindexado com
posies dentro da sentena, mesmo se estas estiverem dentro de ilhas, pois a posio
de tpico oferece a possibilidade de manter uma relao de correferencia com
pronomes distantes atravessando barreiras, uma vez que correferencia ao contrrio da
ligao, no se submete a subjacncia (Kato 1993:228).
Alm disso, o relativo Q pode estar ligado a elementos dentro ou fora da
sentena. Kato (1993) afirma que as oraes relativas em geral so formadas por
movimento do elemento Q, que considerado pela autora como um pronome relativo e
no como complementizador como havia sido proposto por Tarallo (1993). Para Kato
(1993) oraes relativas so formadas por pronomes relativos seja qual for a estratgia
de relativizao, sendo assim, relativas padro, cortadora ou copiadora so formadas
1 Exemplo retirado de Kato (1993:227) 2 LD = Deslocamento esquerda.
23
atravs da ligao entre um pronome relativo e uma posio vazia na sentena. Isto
significa que no h diferena quanto classificao do elemento que as encabea,
sendo o elemento-Q considerado pronome relativo em todas as estratgias em que a
relativizao se d a partir da ligao entre o relativo e a lacuna na sentena juntamente
com a possibilidade do relativo-Q estar ligado tanto a elementos dentro quanto fora do
sintagma flexional. Esta posio difere de Tarallo (1993), visto que este afirma que, em
oraes relativas padro, tem-se um pronome relativo e esta orao formada por
movimento enquanto que em relativas cortadoras e copiadoras o elemento que as
introduz um complementizador que encabea relativas formadas por apagamento do
sintagma correfencial (no caso das copiadoras) e apagamento do sintagma correferencial
e da preposio (no caso das cortadoras). Desta forma para Tarallo (1993), somente as
relativas padro so formadas atravs do movimento, sendo as outras relativas
produzidas por meio de apagamento. Este apagamento do sintagma correferencial das
oraes copiadoras substitudo por uma forma pronominal correferente ao ncleo da
orao relativa, ao passo que, nas oraes cortadoras, este apagamento faz a supresso
no s do sintagma correferencial, mas tambm da preposio.
Portanto, Kato (1993) explica a orao relativa copiadora por meio de sua
origem. Esta teria sua origem em uma posio de tpico em que o elemento relativizado
tem um correferente na orao relativa e, por isso, h uma forma pronominal no interior
da relativa. Logo, em oraes relativas o termo relativizado na posio de tpico e o
relativizador se ligam ao seu vestgio na posio de tpico que correferente ao
pronome pessoal no interior da relativa, conforme Kato (1993, p.229). Alm disso, sua
posio difere de Tarallo (1993) visto que admite no s que as oraes relativas so
encabeadas por um relativo-Q, mas tambm por admitir que no h diferena no modo
de produo da relativa, sendo todos os tipos formados por processo de movimento do
relativo-Q.
A natureza das oraes relativas tambm foi tratada em Kenedy (2007) e
Kenedy (2008). Estes estudos focalizam as oraes relativas padro de constituintes
preposicionadas tambm chamadas de oraes relativas piedpiping. Este trabalho
embora siga uma abordagem diferente apresenta convergncia com o estudo de Tarallo
(1993) ao mostrar que as relativas padro so pouco utilizadas uma vez que no so
naturais. O ponto em comum entre os trabalhos justamente o fato das relativas padro
no serem usadas. No entanto, para Tarallo a situao observada parte de um processo
de mudana que culmina no crescimento de outras variantes, enquanto, para Kenedy,
24
essas relativas sobrecarregam o sistema computacional da linguagem humana e por isso
no so naturais.
Segundo Kennedy, as relativas padro so produzidas atravs do movimento de
dois constituintes, o que no considerado econmico e s deve ser usado como ltimo
Recurso em que o no uso desta operao resultar em um rudo, ou seja, haver falha
na formao da orao. Isto faz Kenedy argumentar que as oraes relativas
preposicionadas piedpiping no so naturais uma vez que sobrecarregam o sistema
computacional da linguagem humana (CHL). Este tambm seu argumento em favor
das relativas cortadoras uma vez que so menos custosas para CHL, sendo as mais
frequentes segundo Tarallo (1993).
Kenedy argumenta em favor da antinaturalidade de piedpiping. Alm disso,
menciona tambm o fato de todas estas possibilidades de relativizao no estarem em
competio j que o princpio de economia das lnguas bloquearia a estratgia mais
custosa. Assim, o princpio Move F3 bloquearia o movimento do sintagma preposicional
(SP) no qual o complementizador -QU se encontra, j que pelo princpio da economia
deve haver o movimento do menor constituinte acessvel preposio e o constituinte
QU. As relativas piedpiping no so naturais visto que ferem um princpio do Sistema
Computacional da Linguagem Humana, por isso no so produzidas por falantes no
letrados. Sendo assim, esta uma estratgia artificial para as lnguas naturais. Logo, a
utilizao de relativas piedpiping interpretada como influncia da escrita nas lnguas
europias.
Segundo Kenedy (2008), a hiptese da antinaturalidade das relativas piedpiping
postula que falantes no escolarizados ou no letrados no possuem esta estrutura em
suas gramticas subjacentes, sendo estas aprendidas como uma habilidade
paralingustica desenvolvida atravs do contato com a escrita a partir de posterior
contato com a escola ou outras formas de letramento.
Para atestar esta proposta, Kenedy no s recorre a pesquisas feitas com crianas
inglesas, francesas e espanholas como tambm realiza experimentos com adultos
3 As operaes de CHL se distinguem em duas, sendo elas o Merge e o Move e tm a funo de formar uma derivao legvel em suas interfaces (na Forma Lgica e Forma Fontica) O move considerado por Kenedy (2007) uma operao de CHL mais complexa que Merge j que mais passos seriam necessrios. Assim, esta s deve ser usada para salvar uma derivao de no ser legvel s interfaces. O Move F se caracterizaria pelo movimento de traos como explica Radford (2004, p. 216 apud Kenedy (2008, p.95), o princpio de economia Move F, denominada de Convergence Principle, (cf Chomsky 1995,p.264,) consiste em: o ncleo que atrai um constituinte contendo o trao [T] atrai o movimento do menor constituinte acessvel contendo o trao [T] o que leva a derivao convergente que legvel para as interfaces.
25
brasileiros e portugueses. O primeiro estudo mencionado por Kenedy (2007) de
McDaniel et al.(1998) cujos sujeitos eram crianas inglesas (de 7 anos e 3meses e 20
adultos do grupo de controle). Estas crianas foram testadas em contexto de realizao
obrigatria de relativas piedpiping, ou seja, no caso genitivo (porm de realizao no
natural em oraes relativas preposicionadas) juntamente com outras relativas
preposicionadas. O experimento consistia em provocar a fala de crianas atravs de um
jogo, ou seja, o teste consistia em um experimento de fala induzida em que a criana
participava de um jogo. Este jogo consistia em ouvir uma pequena histria e ver a
encenao de suas aes, contada e encenada por um pesquisador sobre bonecos
presentes no espao do teste. Juntamente com a criana havia outro pesquisador que
tambm ouvia a narrativa e via a encenao. Aps a audio da narrativa, o pesquisador
que havia ouvido a estria vendava os olhos enquanto o outro indicava um dos
brinquedos para a criana. A criana deveria, ento, formar uma orao relativa para
indicar ao pesquisador que vendara os olhos qual brinquedo deveria pegar. Os
brinquedos eram idnticos, sendo sua nica diferena as aes realizadas por estes na
narrativa e na encenao, assim, para diferenci-los a criana precisaria formar uma
relativa. Esta pesquisa revelou, como o esperado, que crianas inglesas no produziram
Prepositional piedpiping, sendo o Prepositional stranding4 a estratgia mais usada pelas
crianas falantes do ingls com poucos casos de relativas cortadoras e resumptivas,
assim como os adultos. J no caso das genitivas, tambm observadas por MacDaniel et.
al.(1998), somente os adultos produziram as relativas piedpiping, sendo que estas
tiveram poucas ocorrncias.
Outro experimento relatado por Kenedy (2007) sobre a pesquisa de MacDaniel
et al.(1998) foi realizado tanto com adultos quanto com crianas. Este consistiu no
julgamento de gramaticalidade. As crianas eram apresentadas aos mesmos cenrios do
primeiro experimento e ouviam do pesquisador frases que descreviam as relaes entre
os brinquedos. A criana deveria ento dizer sim ou no de acordo com a aceitabilidade
da orao. Os resultados deste experimento para as relativas preposicionadas revelaram
que os sujeitos de todas as faixas etrias mostram-se receptivos aos casos de
Prepositional Stranding. J para os casos de Prepositional Piedpiping, a aceitao dos
falantes aumentou juntamente com suas idades, ou seja, os falantes da faixa etria Mais
4 Prepostional Stranding ou abandono da preposio se refere uma possibilidade do ingls de mover o sintagma determinante deixando in situ a preposio, segundo Kenedy (2003). Segundo Kenedy (2007), esta uma estratgia que no licenciada no portugus brasileiro sendo aceitvel a depender da preposio utilizada.
26
nova aceitaram 6% das relativas , aqueles da faixa etria Mdia 17%, Mais velha 54% e
Adultos 87% 5. Segundo Kenedy (2007:76), esta ascenso na aceitabilidade pode ser
relacionada ao crescimento da escolarizao dos indivduos em sociedades letradas
como a norte-americana, o que se confirma com os 87% de aceitao de Ppp registrados
entre os adultos. Logo, as relativas piedpiping so pouco aceitas pelos mais jovens e
passam a ser mais aceitas medida que cresce o contado com o mundo letrado. Por
outro lado, para as relativas genitivas, o Prepositional Stranding foi considerado
inaceitvel pela maioria dos falantes de todas as faixas etrias ao passo que o
Prepositional Piedpiping mostrou alto grau de aceitabilidade em genitivas. Assim, a
relativa padro preposicionada aceita somente quando h mais contato com a escola
ou quando este serve de ltimo Recuso para salvar a derivao do fracasso como no
caso das genitivas, como proposto por Kenedy (2007:78)
Alm desta pesquisa, Kenedy ainda apresenta outras pesquisas j feitas por
Labelle (1988; 1990 apud Kenedy, 2007) no francs do Canad e tambm no espanhol
com estudos de Prez-Leroux (1995 apud Kenedy, 2007). Os estudos de Labelle foram
feitos com crianas de 3 a 6 anos de idade e visaram estudar o movimento de pronomes
relativos na competncia lingustica de crianas em fase de aquisio. Assim, Labelle
investigou as estratgias que envolvem o Move F, por exemplo, relativas piedpiping e
relativas de sujeitos com pronome relativo. Nos dados de Labelle tambm so
apresentadas referncias a relativas preposicionadas como as relativas com funo de
objeto indireto e de funo oblqua. Os resultados desta pesquisa foram similares ao
estudo de MacDaniel, visto que as crianas no produziram nenhuma relativa
piedpiping e nenhuma relativa com stranding6 da preposio, sendo os casos de
cortadoras e resumptivas os predominantes com maiores ocorrncias de cortadoras.
Outro caso semelhante a estes foi o estudo de Prez-Leroux (1995), que investigou a
hiptese de que as relativas resumptivas so originadas de uma regra de movimento.
Seu estudo foi feito com crianas de 3 anos e 5 meses a 6 anos e 8 meses no estgio de
aquisio do espanhol atravs de um teste de fala induzida (assim como Labelle (1988)
e (1990) e MacDaniel (1998)). Prez-Leroux encontrou um resultado esperado de
acordo com a hiptese da antinaturalidade de relativas piedpiping j que no houve
5 Dados extrados da pesquisa de MacDaniel ET. AL. (1998) apud Kenedy (2007:76) 6 Stranding, neste caso,refere-se a relativas preposicionadas que no envolvem o movimento da preposio. Assim, de acordo com esta viso, esta seria o processo de relativizao mais econmico j que envolveria o movimento de menor quantidade de constituintes. Porm, de acordo com Kenedy (2005) apud Kenedy (2007) o stranding licenciado em portugus brasileiro em contextos restritos, dependendo dos traos da preposio.
27
nenhuma realizao deste tipo juntamente com nenhuma ocorrncia de stranding, tendo
maior nmero de relativa resumptivas e menos ocorrncias de relativas cortadoras.
Para defender a sua hiptese da antinaturalidade das relativas piedpiping,
Kenedy (2007) realiza vrios testes para atestar a antinaturalidade de relativas com
piedpiping preposicional, so eles: julgamento de gramaticalidade, leitura
automonitorada e julgamento de agramaticalidade com analfabetos.
No primeiro teste foram postas em evidncia relativas padro e cortadora em que
cada tipo de relativa aparecia para os sujeitos do teste em uma verso gramatical e
outras vezes em verso no gramatical7. Os sujeitos deste teste foram 20 brasileiros e 20
portugueses nativos do Brasil e de Portugal, respectivamente. Ambos os grupos, tinham
grau de escolaridade mdia, sendo, respectivamente, alunos do primeiro perodo da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da Universidade de Lisboa. Os sujeitos
tinham em mdia 20 anos de idade, sendo todos filhos de pais com escolaridade mdia
ou superior, residentes das capitais Rio de Janeiro e de Lisboa, respectivamente. Este
teste julgou a aceitabilidade de oraes relativas piedpiping e cortadoras, evidenciando
que brasileiros e portugueses tm um comportamento semelhante quanto aceitao das
cortadoras gramaticais e rejeio das cortadoras agramaticais juntamente com aceitao
de relativas piedpiping gramaticais e agramaticais. Isso corrobora a hiptese de Kenedy
sobre a no naturalidade das relativas padro uma vez que estas s seriam realizadas por
sujeitos com maior contato com a escolaridade.
Outro teste realizado foi de leitura automonitorada em que duas variveis foram
analisadas: o tempo de leitura e resposta dada a perguntas interpretativas formuladas na
tela do computador. Participaram deste experimento alunos de duas escolas pblicas, 20
de uma escola de Lisboa e outros 20 de Niteri no Rio de Janeiro com idades mdias de
14 anos, juntamente com 20 alunos da graduao do primeiro e ltimos perodos das
universidades j citadas no experimento anterior. As idades mdias variavam entre 19 e
25 anos. Este teste evidenciou mais uma vez similaridades entre os grupos, j que
ambos apresentaram certo estranhamento quando a relativa surge encaixada em uma
orao relativa (por exemplo: A tia no conhecia o senhor de quem o menino tinha
recebido o chocolate), ao passo que aceitaram com naturalidade as relativas piedpiping
7 Exemplos: Relativa PP gramatical : O petrleo um recurso natural de que todas as economias dependem; Relativa PP agramatical : O petrleo um recurso natural de qual todas as economias dependem; Relativa Cortadora gramatical : O petrleo um recurso natural que todas as economias dependem; Relativa Cortadora agramatical : O petrleo um recurso natural o qual todas as economias dependem. Retirados de Kenedy (2007:131).
28
em interrogativas (por exemplo : A tia olhou para o sobrinho : De quem o menino tinha
recebido o chocolate?). Alm disso, erros de reposta s perguntas interpretativas (neste
caso, por exemplo: A tia deu um chocolate para o menino?)8 se mostraram mais
evidentes nas perguntas que ensejavam repostas com encaixamento na relativizao
piedpiping do que nas interrogativas. Sendo que os erros com relao interpretao do
piedpiping nas relativas decrescem conforme aumenta a escolaridade em ambas as
nacionalidades. J os erros com relao s interrogativas se mantm estveis em todos
os grupos. Alm disso, o tempo de leitura dos participantes se mostrou maior para as
relativas do que para as interrogativas. Estes resultados mais uma vez corroboram a
hiptese de Kenedy da antinaturalidade das relativas piedpiping para a gramtica
subjacente dos sujeitos em questo.
O terceiro teste realizado por Kenedy (2007) foi o do julgamento de
gramaticalidade com analfabetos. Este teste visou observar se os sujeitos seriam capazes
de notar problemas relativos incompatibilidade entre gnero ou nmero do alvo da
relativizao e o pronome relativo utilizado em oraes compostas de relativas
piedpiping, ou se isto seria considerado por estes sujeitos como um composto nico e
no analisvel como prev a hiptese de Kenedy. Em outras palavras, a hiptese da
antinaturalidade das relativas piedpiping prev que estas relativas gramaticais ou
agramaticais sero consideradas aceitveis, no havendo diferenas entre elas. Deste
experimento, participaram oito pescadores residentes da cidade de Maric no Rio de
Janeiro com idade mdia de 55 anos de idade.
Este experimento consistia em uma tarefa simples em que o sujeito deveria ouvir
atravs de um fone de ouvido oraes relativas gramaticais ou agramaticais e julg-las
atravs do pressionamento do boto verde, se consideradas gramaticais, e do boto
vermelho, se consideradas agramaticais. As sentenas ouvidas eram relativas piedpiping
gramaticais e agramaticais que apresentavam incompatibilidade de nmero ou gnero,
como ilustrado em Kenedy (2007:170)
(5) Relativa piedpiping Gramatical
Ex.: A morte um assunto sobre o qual ningum gosta de falar.
(6) Relativa piedpiping Agramatical
Ex.: *A morte um assunto sobre as quais ningum gosta de falar.
8 Exemplos retirados de Kenedy (2007:150)
29
A hiptese de Kenedy (2007) consistia em afirmar que os analfabetos no
veriam diferena entre as relativas piedpiping gramaticais ou agramaticais e
considerariam ambos os tipos como aceitveis j que as relativas piedpiping no so
naturais.
Este estudo revelou que os analfabetos consideraram aceitveis tanto relativas
piedpiping agramaticais quanto gramaticais. Isto pode corresponder ao fato de que os
sujeitos reconheceram este tipo de relativa como relacionada fala correta. Mais uma
vez esta evidncia corrobora a hiptese de Kenedy j que os analfabetos no notaram
diferenas entre relativas piedpiping agramaticais e gramaticais, considerando-as
aceitveis. Isso mostra que eles no reconhecem esta possibilidade de relativizao
como conhecimento lingustico j que no reconhecem problemas de adequao de
gnero, trao categrico no Portugus do Brasil. Por outro lado, esta evidncia
demonstra que a experincia do falante aceita esta possibilidade tendo em vista um
conceito de correo da lngua fazendo com que se aceite esta possibilidade de
relativizao. Sendo assim, esta evidncia corrobora o uso artificial deste tipo de
relativizao no Portugus do Brasil, pois esta s passa a ser utilizada atravs do contato
com a escola ou outras formas de letramento.
Portanto, os resultados encontrados em Kenedy (2007) tanto de julgamento
imediato de gramaticalidade, com estudantes brasileiros e portugueses universitrios no
primeiro semestre da graduao, quanto de leitura automonitorada, com brasileiros e
portugueses em diferentes nveis de escolaridade, revelam que as relativas piedpiping
no fazem parte do conhecimento lingustico do falante. Estas comeam a integrar o
conhecimento deste aps certo contato com a escola e outras formas de letramento.
Sendo assim, relativas piedpiping gramaticais so mais produzidas e aceitas por falantes
que j possuem contato com a lngua escrita formal. No entanto, falantes no
escolarizados reconhecem as relativas piedpiping e as aceitam indiscriminadamente
uma vez que as identificam como marca de uma fala formal ou culta da lngua. Com
isso, no so sensveis incompatibilidade de gnero (trao categrico na fala) quando
estas se encontram em relativas piedpiping em que o referente e o relativo no
concordam em gnero, o que as torna agramaticais, conforme Kenedy (2007). Esta
proposta corrobora o estudo de Tarallo (1993), uma vez que mostra mais uma evidncia
de que as relativas padro esto cedendo lugar para outras variantes de oraes relativas.
Com isso, embora as interpretaes de Tarallo e Kenedy sejam atravs de perspectivas
30
tericas diferentes, seus estudos revelam que as relativas padro so cada vez menos
usadas.
1.3 O uso varivel de relativas na comunidade de fala do Rio de Janeiro
Mollica (1977, 2003) investiga os fatores correlacionados ao uso da cpia nas
oraes relativas de falantes moradores da cidade do Rio de Janeiro.
Mollica (1977) investiga o apagamento da cpia lidando com a variao
ausncia ou presena da cpia em construes relativas considerando as funes
sintticas de: sujeito, objeto no preposicionado e objeto preposicionado. Este trabalho
tinha o objetivo de observar a apario de anfora pronominal correferente aos termos
relativizados, com vistas a saber sua frequncia e probabilidade, alm de conhecer os
fatores condicionadores de seu uso. Neste estudo foi analisada a fala de quatro
estudantes do projeto Mobral9. Estes sujeitos da pesquisa foram escolhidos
aleatoriamente e no foram observadas as diferenas de sexo, idade ou profisso, sendo
que todos tinham nvel baixo de escolaridade. Os dados foram obtidos atravs da
gravao e transcrio de sete entrevistas para cada informante, com durao de uma
hora aproximadamente para cada entrevista.
Atravs desta pesquisa foi obtido um total de 1299 oraes relativas em que a
maioria destas (1195 equivalente a 92% das oraes relativas encontradas) composta
de oraes em que h o apagamento da cpia. Este fato leva concluso de que este
fenmeno mostra-se pouco varivel mesmo nas classes pouco escolarizadas, conforme
Mollica (1977:66). Apesar disso, neste estudo, foram observadas relativas de 7) sujeito
e 8) objeto no preposicionados, em suas (a) variantes padro e (b) variantes copiadoras
assim como as variantes de 9) objeto preposicionado sendo somente as variantes (a)
cortadoras e (b) copiadoras consideradas, conforme nos exemplos a seguir.10
Exemplos:
7.(a) O menino que estuda aprende.
7.(b) O menino que ele estuda aprende.
8.(a) O livro que eu comprei bom
9 Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetizao) 10 A variante padro em oraes relativas de objeto preposicionado no foram utilizadas neste estudo uma vez que no h estrutura que apresente a cpia e a preposio deslocada,segundo Mollica(1977:29). Os exemplos a seguir constam em Mollica (1977:26, 27, 28)
31
8.(b) O livro que eu comprei ele bom.
9.(a) Os filmes que gostamos so muitos
9.(b) Os filmes que gostamos deles so muitos
Estes dados foram listados e analisados separadamente de acordo com critrios
lingusticos, formando-se trs conjuntos de dados diferentes: as relativas de sujeito, de
objeto no preposicionado e de objeto preposicionado. Estas foram analisadas de acordo
com a natureza do referente, seu grau de determinao (carter mais ou menos
especfico deste), e o trao mais ou menos coletivo, alm da distncia do referente. E,
em ltima anlise, foram analisadas juntas, formando todas, um s conjunto de dados a
fim de confirmar as hipteses de Mollica (1977).
As hipteses de Mollica (1977) apontavam para alguns fatores condicionadores
da cpia dentre eles o trao humano. Este se mostrou um dos favorecedores da presena
da cpia. Desta forma, a cpia aparecia se o antecedente da orao relativa fosse um
elemento assinalado positivamente para o trao humano uma vez que, segundo Mollica
(1977), esta uma das condies para que o antecedente seja pronominalizado. Alm
da natureza do referente, o grau de determinao do sintagma nominal antecedente
tambm desempenha um papel decisivo no favorecimento ou no da cpia. Desta forma,
se um nome antecedente no est especificado, este favorece o uso da cpia. Mollica
(1977:38) define o trao +especificado dos antecedentes para casos em que estes
compem um sintagma nominal juntamente com artigos definidos, pronomes
demonstrativos e pronomes possessivos, como no exemplo (10). Por outro lado,
antecedentes adjungidos de artigos indefinidos, pronomes indefinidos ou vocbulos com
noo indeterminada eram considerados menos especficos, conforme o exemplo (11):
(10) Sairu agora procurando vestido pro casamento da
filha que vai cas agora; (+especificado)
(11) Tem uma casa do outro lado, n, que vende toalha;
(-especificado)11
Desta maneira, uma das hipteses de Mollica (1977) era que a cpia apareceria
nos casos em que o antecedente no fosse especificado, uma vez que esta teria a funo
11 Exemplos extrados de Mollica (1977: 37)
32
de especificar o elemento nominal SN antecedente ao qual dada uma atribuio
qualquer. Ora, era de esperar seu aparecimento mais provvel em sentenas cujo
antecedente justamente fosse indefinido. (Mollica, 1977, p.38). Por isso, um dos
critrios para o aparecimento da cpia a indefinio do referente, uma vez que a
funo da cpia de auxiliar na comunicao atravs da especificao do antecedente.
Alm do mais, Mollica (1981) afirma tambm que a probabilidade da cpia aparecer em
contextos cujo antecedente definido menor, j que a cpia nesse caso seria
redundante.
Outro critrio observado tambm foi com relao ao trao coletividade do
antecedente. Mollica (1977) observou que a cpia tambm ocorria em alguns casos nos
quais os antecedentes eram no especificados. Alguns sintagmas individualizam seus
antecedentes em contraposio a outros que mantinham seus antecedentes
indiscriminados. Neste ltimo caso a cpia era menos favorecida uma vez que no havia
interesse de esclarecer o termo relativizado. Desta forma, outro critrio includo em
sua analise foi o trao mais coletivo (que se caracteriza pela presena da idia ou do
morfema de plural no sintagma nominal antecedente, ilustrado no exemplo (12) abaixo)
ou menos coletivo (caracterizado pela noo no coletiva e pela marca gramatical de
nmero singular, exemplificado em (13)), conforme Mollica (1977:40)
(12)Tem gente que sai at choranu;(+coletiva)
(13)Tem uma moa que mora l em casa, n? (-coletiva)12
Desta forma, o trao mais coletivo desfavorece a cpia visto que no h interesse
do falante em restringir ou limitar o antecedente quando este expressa idia coletiva.
Alm disso, outra possvel interpretao sugerida por Mollica (1977) e Mollica (1981)
que falantes teriam dvida quanto a qual cpia usar, visto que h vrias possibilidades
disponveis na lngua (ex: (15) e (16)). Isto faria com que o falante optasse por uma
forma em que no haveria dvidas como em (14) :
(14) um pessoal que eu falo.
(15) um pessoal que eu falo com eles.
(16) um pessoal que eu falo com ele.13
12 Exemplos extrados de Mollica(1977: 39) 13 Exemplos extrados de Mollica(1977: 77)
33
Logo, pelo fato de existirem possibilidades diferentes de correferncia como em
(15) e (16), o falante optaria por uma variante que no oferecesse dvidas quanto
forma do pronome, utilizando-se assim a variante (14).
O ltimo critrio utilizado na anlise da cpia em construes relativas realizado
por Mollica (1977) a distncia que de fato rene vrios aspectos da elocuo,
considerando-se o encaixamento estrutural do fenmeno, como prope Mollica
(1977:40). Este critrio definido atravs da presena ou ausncia de elementos entre o
relativizador e o antecedente ou aps o relativizador. Logo, foram definidas como
distantes sentenas que possuem pausas, pronomes possessivos e demonstrativos
pospostos ao nome antecedente, advrbios ou expresses de lugar, apostos, expresses
de funo conotativa e /ou sentena encaixada entre S1 e S2, conforme proposto por
Mollica (1977: 41), enquanto que so prximas ou com distancia 0 as sentenas que
no possuem elementos entre estas. Os exemplos (17) e (18) a seguir, ilustram as
situaes acima descritas sobre o critrio da distncia , respectivamente.
(17) Tem um santo que o pessoal tem muita f com ele; (distancia 0)
(18) Tenho uma amiga uma madame,n, que ela muito amiga
minha; (distancia 1) 14
Portanto, um dos grupos de fatores de Mollica (1977) consistia na distncia do
relativizador, em que quanto maior a distncia mais favorecida era a cpia nas
construes relativas. Mollica (1977) e Mollica (1981) ressaltam que a distncia um
fator forte para o condicionamento do uso da cpia uma vez que tem duas funes
distintas. Uma das funes estaria ligada inteno que o falante tem em enfatizar o
referente. A outra se deve ao fato de que, no fosse a cpia, seria necessrio que o
interlocutor retivesse a informao sobre o referente por muito tempo na memria.
Desta forma, a cpia teria o papel de recuperar o referente quando este aparece distante
do relativizador.
Sendo assim, os resultados de Mollica (1977) e Mollica (1981) evidenciam que o
apagamento da cpia nas oraes relativas est condicionado a fatores lingusticos como
o trao -humano, definido ou especificado, coletivo, do referente, juntamente com o fato
14 Exemplos extrados de Mollica(1977: 43)
34
de o relativizador e o referente na orao principal estarem prximos. Portanto, a cpia,
por se tratar de elemento especificador de um sintagma nominal antecedente, aparece
com mais frequncia quando este se encontra em ambiente lingustico que contenha
trao semntico pronominalizvel (ou seja, trao +humano), e tem que ser indefinido
para que a cpia o referencialize, uma vez que, se este j possui referncia positiva, a
cpia simplesmente enfatiza esta referencialidade, sendo menos frequente. Porm, se o
antecedente no especificado, a cpia atribui esta referncia ao termo caso necessite
de referncia. Alm disso, precisa expressar noo de singular para facilitar sua
distino em um conjunto juntamente com o fato de estar acompanhado de elemento
que o enfatize, conforme Mollica (1977: 78).
Outro estudo de grande importncia para o estudo de oraes relativas foi o
trabalho de Mollica (2003). Neste estudo foram analisadas construes com estratgias
de relativizao em tempo real de falantes, moradores da cidade do Rio de Janeiro, a
partir dos sete anos de idade, considerando um intervalo de vinte anos entre as amostras
estudadas (Amostra Censo 80(C), Amostra Censo 00(I) e Amostra Censo 00(C), do
acervo do PEUL/UFRJ). Com base nestas amostras dois estudos foram realizados: um
estudo de painel15 e um estudo de tendncia16. Observaram-se, ento, os mecanismos de
referncia advindos das relaes entre sentenas, estudando-se o uso da anfora
pronominal do SN antecedente, quando em funo de sujeito, complemento
preposicionado e complemento no preposicionado (Mollica,2003:129). Alm disso,
foram controlados os efeitos de escolaridade, sexo, idade, alm de traos como a
animacidade do referente do pronome relativo e a funo sinttica, alm da distncia
entre o SN referente e o relativizador.
Os resultados do estudo de painel demonstram que a ocorrncia do pronome
cpia maior nos casos em que h elementos entre o referente e o pronome relativo,
assim como o trao distncia tambm um trao favorecedor da utilizao do pronome
cpia. Isto se deve ao fato de que a ocorrncia deste propiciaria o esclarecimento da
mensagem no s por desambiguizar a orao, mas tambm por recuperar o referente,
como pode ser evidenciado no exemplo abaixo:
15 Estudo em que se comparam amostras diferentes de indivduos gravadas com espao temporal entre elas. No caso desta amostra foi gravada com a distncia de aproximadamente vinte anos entre as gravaes. 16 Estudo no qual h a comparao entre amostras aleatrias de uma mesma comunidade de fala em diferentes momentos de tempo estratificadas de acordo com os mesmos critrios scio-culturais, de acordo com Labov (2004)
35
(19) O professor de matemtica era o melhor da minha escola que eu
estudei na 8 srie.17
Desta forma, como props Mollica (1977) e Mollica (2003) a anfora
pronominal tem a funo de recuperar o referente fazendo com que no haja reteno
desta informao na memria.
No que diz respeito ao trao animacidade, houve maior uso de anfora quando
os referentes eram humanos, corroborando a tendncia universal de maior nmero de
anforas com este tipo de antecedente. Com respeito varivel funo sinttica na
Amostra 00(I), a anfora aparece mais na posio de sujeito, diferentemente da amostra
80(I), em que h anfora na posio de sujeito e de objeto indireto. Alm disso, Mollica
(2003) ressalta que a distribuio de anfora na fala dos participantes da Amostra 00(I)
sugere que a variao esteja se concentrando no locus sinttico de sujeito. Quanto
escolaridade, esta no se apresenta como um fator atuante na utilizao da anfora,
apesar de haver um maior uso destas por falantes da Amostra 80(I) e dos universitrios
da Amostra 00 (I). Contudo, ao se cruzarem estes dados com outras variveis, percebe-
se que falantes mais escolarizados apresentam maior uso de anforas quando os
referentes so humanos e esto distantes dos relativos, no sendo esta estigmatizada, j
que esclarece o referente. Sendo assim, os resultados de Mollica (2003) demonstram
que a anfora favorecida em casos em que o referente humano, animado e quando h
uma distncia entre o SN antecedente e o pronome relativo situado na fronteira entre as
sentenas. Porm, dentre estes, o fator mais atuante a distncia, j que, nestes casos, o
pronome cpia se faz necessrio para a desambiguizao do referente. Por outro lado, a
escolaridade ajuda a constatar que a variante cortadora est sendo preferida pelos
falantes medida que o nvel escolar aumenta.
Estes resultados indicam um encaixamento dos fenmenos da variao na
estrutura social, alm da avaliao que o falante faz, uma vez que, dependendo da
distncia do referente, a relativa copiadora pode ser ou no estigmatizada. Isto , no h
estigma se a cpia se faz necessria para retomar ou desambiguizar o referente, sendo
estigmatizada se o referente se encontra prximo do relativizador, porm esta independe
da escolaridade, como afirma Mollica (2003):
17 Exemplos extrados de Mollica (2003:132)
36
Confirmo ento o que Corra (1998) havia
assinalado: a escolaridade contribui para a reduo de
anforas; a menor distncia entre o referente e o relativo
tambm o faz. Nos casos de maior distncia, a ocorrncia
da anfora menos estigmatizada, passando a constituir-se
num recurso de retomada do elemento referido com vistas
a melhor esclarecer de quem ou do que est se
falando. Assim, est claro que a varivel distncia atua
independentemente da escolaridade, estabelecendo uma
tenso entre ambos os fatores, uma vez que um age no
sentido de pressionar a reduo e o outro favorece a
utilizao da anfora. (MOLLICA, 2003, p.133)
Logo, como afirma Mollica (2003) com base em Corra (1998), as variveis
escolaridade e distncia do referente pressionam o sistema de formas diferentes j que,
enquanto a distncia favorece a utilizao do pronome cpia, os graus mais altos de
escolaridade tendem a reduzir seu uso. Apesar deste encaixamento na estrutura social,
em que indivduos com maior escolaridade tendem a reduzir a utilizao do pronome
resumptivo, a avaliao do falante perante esta variante pode ser estigmatizada ou no
de acordo com a distncia da relativa. Em outras palavras, a anfora pronominal neste
tipo de relativa pode ser considerada aceitvel pelos falantes, dependendo da distncia
do referente, visto que quando o relativizador se distancia do referente, h a necessidade
da desambiguizao, ento a anfora pronominal usada pelos falantes em geral, no
sendo estigmatizada. Alm disso, os dados encontrados por Mollica (2003) sugerem
uma alterao quanto ao uso do pronome cpia. Este tem deixado de aparecer em
construes com objeto indireto, passando a estar cada vez mais relacionado s relativas
de sujeito e apresentando alta funcionalidade, uma vez que retomam e esclarecem o
referente. Ainda, o estudo revela que a relativa cortadora a mais usada no estudo de
painel. Sendo assim, a mudana lingustica detectada por Mollica (2003) caminha em
direo variante cortadora. Enquanto isso a variante copiadora amplamente usada
para desambiguizar o referente que se encontra distante do relativizador, principalmente
na fala dos mais escolarizados e, principalmente, na posio de sujeito. (cf. Mollica
2003:132).
37
Com relao ao estudo de Tendncia, Mollica (2003) ressalta que o uso da
anfora em relao animacidade, distncia e funo em ambas as amostras (Amostra
80 (C) e Amostra 00 (C)) equilibrado, sendo a alta escolaridade correlacionada ao
baixo uso de cpia. Este trabalho observa o fato de referentes humanos e distantes
favorecerem o emprego da anfora pronominal. J com relao varivel funo, os
dados revelaram que h certa instabilidade visto que sob a tica do sistema, o
encaixamento e a implementao do fenmeno no vem apresentando um quadro de
mudana e as modificaes observadas so sutis, posto que so extremamente
localizadas. (Mollica 2003:134) . Os resultados deste estudo ainda revelaram que h
poucos casos de cpia em funo de objeto indireto dativo18 ou adjunto adnominal19 em
ambas as amostras juntamente com o no uso do relativo cujo por cariocas at o nvel
mdio de escolarizao. Desta forma, estes resultados parecem reforar a afirmao que
o uso da cpia predomina na funo sinttica de sujeito, objeto indireto no dativo e do
adjunto adverbial, com maior concentrao nas relativas de sujeito. Alm disso,
Mollica (2003) observa predominncia da estratgia cortadora em ambas as pocas.
Os trabalhos referentes s oraes relativas discutidos nesta seo apresentam
diferentes propostas no que concerne origem desta estrutura como propem Tarallo
(1983) e Kato (1993), em que o primeiro afirma que somente as oraes relativas
padro so originadas atravs do movimento, enquanto Kato (1993) afirma que todas as
relativas so originadas via movimento. Alm disso, ressalta-se ainda a hiptese de
Kenedy (2007), que afirma que as oraes relativas so artificiais e somente so
incorporadas na fala por aqueles que tiveram um contato com a escola ou outras formas
de letramento, fato este que j havia sido previsto por Tarallo (1993) e Mollica (2003).
Sendo assim tanto Tarallo (1993) e Mollica (2003) quanto Kenedy (2007) afirmam que
as relativas padro em constituintes preposicionados so pouco utilizadas na fala do
Portugus Brasileiro. Outro aspecto importante neste captulo refere-se aos fatores que
Mollica (1977) aponta como sendo favorecedores da cpia, tais como: o trao +humano,
indefinido, individual e distante.
Nesta seo, viu-se a questo das oraes relativas especificamente no portugus
europeu e no portugus brasileiro. Os trabalhos sobre o PB servem de base para a
caracterizao do input recebido pelas crianas em fase de aquisio. Pode-se observar
atravs destes que a variante padro com constituintes preposicionados pouco
18 Exemplo: Essa a pessoa que eu mandei a carta / para/ pra ela, retirado de Mollica (2003:134) 19 Exemplo: Ela uma mulher que a vida dela marcada pelo sacrifcio retirado de Mollica (2003:134)
38
frequente, ao passo que a variante cortadora produzida amplamente neste mesmo
contexto, conforme os resultados de Tarallo (1993) e Mollica (2003). Alm do trabalho
de Mollica (2003) nos baseamos tambm em um levantamento da fala dos adultos da
amostra Censo (2000) realizado no presente trabalho. Este levantamento se baseia na
anlise de Mollica, mas acrescenta a distribuio das variantes em funo dos tipos de
relativas20, conforme poder ser constatado no captulo de anlise.
Sero abordados no prximo captulo aspectos relativos no s aquisio da
linguagem sob a tica dos Modelos baseados no Uso, mas tambm aspectos sobre a
aquisio de sintaxe, alm de serem discutidos aspectos mais especficos da aquisio
das oraes relativas.
20 Conforme ser descrito no captulo 3 pgina 70.
39
2. Sobre o Processo de Aquisio
A aquisio tem sido tratada de maneira diferente de acordo com a perspectiva
terica adotada. Algumas abordagens tericas enfatizam o carter inato da linguagem
enquanto outras enfocam seu carter emergente. Portanto, o objetivo deste captulo
no s apresentar a orientao terica adotada na presente dissertao, mas tambm
discorrer sobre aspectos especficos sobre a aquisio de sintaxe e a aquisio de
oraes relativas. Desta forma, sero apresentadas as propostas sobre aspectos relativos
aquisio e, especificamente, de aquisio da sintaxe nos Modelos baseados no Uso.
Alm disso, ser discutida tambm a questo da variabilidade do input juntamente com
as informaes presentes neste como a variao e a frequncia. Ainda sero expostos
estudos especficos sobre a aquisio de oraes relativas que revelam aspectos
especficos sobre as relativas infantis.
2.1. Aquisio nos Modelos baseados no Uso.
Diversos tratamentos tm sido dados ao tema da aquisio da linguagem em que
cada abordagem considera aspectos distintos da aquisio. Uma destas propostas
sustentada pelos Modelos baseados no Uso, propostas estas que fornecem suporte a esta
dissertao. A proposta dos Modelos baseados no Uso defende a hiptese de que a
gramtica emerge da interao entre os indivduos e assim as crianas aprenderiam com
os mais experientes a usar os recursos disponveis na lngua. As crianas aos poucos
aprenderiam a organizar sua gramtica em categorias e abstraes, segundo Tomasello
(2006), e ainda seriam atuantes na manuteno, propagao e produo da variao
(Roberts, 2007). Alm disso, outro aspecto importante para discusso sobre a aquisio
so as capacidades cognitivas dos falantes. As crianas esto em desenvolvimento como
seres humanos, portanto algumas de suas capacidades cognitivas assim como suas
capacidades lingusticas, esto tambm em desenvolvimento. Logo