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7/31/2019 Qorpo Santo - As Relacoes Naturais
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AS RELAES NATURAIS
comdia em quatro atos
7/31/2019 Qorpo Santo - As Relacoes Naturais
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PERSONAGENS:1
ImpertinenteConsoladoraInterpreta, 16 anos.JliaMarca mulheres da vida.MildonaUm indivduoTruquetruqueMariposaInesperto, criado.MalherbeRapazes.
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ATO PRIMEIRO
Cena Primeira
J estava admirado; e consultando a mimmesmo, j me parecia grande felicidade paraesta freguesia o no dobrarem os sinos. . . Epara eu mesmo no ouvir os tristes sons dofnebre bronze! Estava querendo sair a pas
seio; fazer uma visita; e j que a minha ingratae nojenta imaginao tirou-me um jantar, pretendia ao menos conversar com quem m'ohavia oferecido Entretanto no sei se o farei!No sei porm o que me inspirou continuarno mais improfcuo trabalho! Vou levantar-me; continu-lo; e talvez escrever em ummorto: talvez nesse por quem agora os ecosque inspiram pranto e dor despertam2 noscoraes dos que os ouvem, a orao pelaalma desse a cujos dias Deus ps termo coma sua Onipotente voz ou vontade!E ser esta a comdia em 4 atos, a que denominarei As Relaes Naturais.
(Levanta-se-se; aproxima-se de uma mesa;pega uma pena; molha em tinta; e comea a
escrecever.)
So hoje 14 de maio de 1866. Vivo na cidade de Porto Alegre, capital da Provncia deS. Pedro do Sul; e para muitos, Impriodo Brasil... J se v pois que isto umaverdadeira comdia! (Atirando com a pena,grita:) Leve o diabo esta vida de escritor! melhor ser comediante! Estou s a escrever,a escrever; e sem nada ler; sem nada ver( it d ) P d d t d
IMPERTINENTE
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JOS JOAQUIM DE CAMPOS LEO QORPO-SANTO
alguma bela gozando, estou aqui me incomodando! Levem-me trinta milhes de diabos
para o Cu da pureza, se eu pegar mais empena antes de ter. .. Sim! Sim! Antes de ternumerosas moas com quem passe agradavelmente as horas que eu quiser. (Mais brabo'1
ainda.) Irra! Irra! Com todos os diabos! Vivoqual burro de carga a trabalhar! A trabalhar!Sempre a me incomodar! E sem nada gozar!No quero mais! No quero mais! E no quero
mais! J disse! J disse! E hei de cumpri-lo!Cumpri-lo! Sim! Sim! Est dito! Aqui escrito(pondo a mo na testa); est feito; e dentrodo peito! (Pondo a mo neste.) Vou portantovestir-me, e sair para depois rir-me; e concluireste meu til trabalho! (Caminha de um paraoutro lado; coa a cabea; resmunga: tomatabaco ou rap; e sai da sala para um quarto;veste-se; e sai o mais jocosamente que pos
svel.) Estava (ao aparecer) eu j ficandoansiado de tanto escrever, e por no ver apessoa que ontem me dirigiu as mais afetuosaspalavras! (Ao sair, encontra uma mulher ricamente vestida, chamada Consoladora.)
Cena Segunda
Onde vai, meu caro Sr.? No lhe preveni eude que hoje teria em seu palcio a mais beladas damas de So. . .
Ora, ora, Sra. No v que eu j estou aborrecido das mulheres! ( parte:) precisodizer-lhe o contrrio do que penso! Como asra. se abalana ainda a falar em damas na
minha presena!? S se so damas de folgar. . . So?
(mostrando-se indignada, e batendo um p noassoalho) Brbaro! Cruel! No vives apedir uma mulher jovem, formosa, asseada ebela para tua companhia?! Pensas que ignoroo que pensas; o que fazes!? No vs; nosabes; no conheces que sou mgica!? Atre
vido! No te lembras que ainda ontem ouanteontem olhaste4 para mim e achaste5 que
CONSOLADORA
IMPERTINENTE
CONSOLADORA
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AS RELAES NATURAIS
eu era no Cu o mais lindo, o mais belo emais agradvel planeta que l habitava? No
me pediste6
que eu guiasse teus passos; tuasaes; tuas palavras, Audaz!7 Pensas que euno sei que ias atrs de mulheres! Para quequeres mulher!? No vives to bem, no comes, no bebes, no dormes to descansado?!
(virando-se para o pblico) J se viu quesarna glica me atormenta! Cruzes! (Benzen-do-a.) Cruzes! Eu te desconjuro!8
J disse: o Sr. no sai daqui! (Pega umacadeira e pe perto da porta de sair.)
Senhora,0 se continua deste modo, fique certaque me mato! preciso ter juzo! Ao contrrio, nem serei eu, nem a Sra. minha!
Ah! (levantando-se) Sim: quer ir! Pois v;
mas h de ir sem casaca! (Avana-se a ele, etira-lhe a casaca; ficando ele de sobrecasaca).
Ah! Ainda deixa-me a sobrecasaca! Pois ireicom ela (Faz uma cortesia a ela e quer sair.)
Sim! Ficou ainda vestido! Pois h de ir semchapu. (Avana-se a ele para o tirar; e de
pois de alguns saltos, consegue jaz-lo; fica-lhe
um bon de forma piramidal. Olha, e diz-)Este homem o diabo! Tiro-lhe as calas. . .(Vai dirigir-se para tal fim; ele agarra comuma mo em cada perna; e sai aos pulosdizendo): Se s planeta, eu sou cometa!
(muito triste) E no foi o tal cometa brilhar noutro hemisfrio! Nunca mais atendo speties de amparo, guia, ou proteo a mais
cometa algum.
Cena Terceira
(Entra ele com uma menina de 16 anos aquem conhecemos por Interpreta pelo brao.)
(para ela, ao transpor a porta") Cuidado!
No se pise nestes tapetes, que j esto umtanto velhos! (Para o pblico, andando para
IMPERTINENTE
CONSOLADORA
IMPERTINENTE
IMPERTINENTE
CONSOLADORA
CONSOLADORA
CONSOLADORA
IMPERTINENTE
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JOS JOAQUIM DE CAMPOS LEO QORPO-SANTO
a frente:) J se v que a escolha que fiz hoje,e que pretendo fazer de uma em cada ms,
a. . . (Para ela.) Digo? Digo? Se quiser, pode dizer!
uma das melhores que se podia encontrarnos maiores rebanhos desta. . .
Pois chama rebanho s famlias que habitamesta cidade!?
Pois o que mais triste que um grande rebanho de ovelhas merinas!?
Eu sempre considerei de outro modo: sempreentendo que a mulher como o homem umente que deve ser por todos respeitado, comoa segunda primorosa obra do Criador; e queassim no sendo, s milhares de males e transtornos se observaro na marcha geral da humanidade!
H! H! H!13 A menina est no mundo dalua! Ainda cr nas caraminholas que lhe encaixam na cabea, de seu av torto, visto quesegundo as ltimas participaes espirituaisque tivemos, o direito h muito que morto!
( parte) Em que ca eu, acompanhandoeste mono! Isto um monte de carne, semlei, sem moral, sem religio! Mas ainda tempo! Quando menos pensar, desapareo de suapresena, como a escurido ao brilhar da lua!No me logras, velho enjoado!
(para ela) Minha queridinha! Temos aquium quarto cheio de roupa! (Apontando) li
um outro repleto de comestveis! Acol umguarda-loua; naquele canto a cozinha.
(aproximando-se; olha; e nada v; voltando-se para ele) Sabes que mais? Eu nunca mesustentei de palavras, e muito menos de mentiras! (Sai.)
IMPERTINENTE (querendo peg-la) Meu anjo! Minhadeusa! Aonde vai! Venha c!
INTERPRETA
IMPERTINENTE
IMPERTINENTE12
INTERPRETA
IMPERTINENTE
INTERPRETA
IMPERTINENTE
INTERPRETA
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AS RELAES NATURAIS
J lhe disse: vou-me embora; e aqui noentro mais; o Sr. enganou-me: quis enganar-
me; mas enganou-se a si prprio! (Sai)
14
(voltando-se) a trigsima, vigsima edcima vez15 que me prega estes cares! Diabo!Diabo! e Diabo!
INTERPRETA
IMPERTINENTE
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ATO SEGUNDO
Cena Primeira
(batendo em uma porta) Estar ou noem casa? A porta est fechada10, no vejo(vigia no buraco da chave) se por dentrose por fora que est a chave; o caso (ciando com a cabea), e verdadeiro, que a Sra.D. Gertrudes Guiomar da Costa Cabral Mota
e Melo, se est s escuras! Sem dvida aesta hora, noite de teatro, noite de retreta,noite de novena, no possvel deixar deter ido a alguns destes divertimentos: se Igreja, j se sabe por devoo! Se ao Templo, por orao!17 E finalmente, se... nodigo (Caminhando para o centro). Para quehei de mostrar (abrindo os braos) que sou
um grande dialeta, retrico, filsofo! Etc. Etc.Pode ser que ficassem depois com inveja; eem vez de alimento para eu continuar a brilharcom o meu grande talento a todo o momento,darem-me envenenamento! Com o qual eu,muito contra a minha vontade e vontade santssima! possa ir fazer a viagem. . . eterna aofundo de algum dos maiores infernos que lpor baixo da terra devem existir! Ainda se memetessem aqui, e eu sair l no ponto opostoonde habitam os nossos. . . tobm no sei seso nossos, ou se so s meus! (Para o pblico:) Como chamam estes cujos ps tm assolas dos sapatos, se no andam de botas, voltadas para a sala dos nossos? Hein? Anfbios,no! Isto cousa que anda no mar, e em terra!Hermafroditos! no; isto tobm outra cou
sa, o que macho e fmea! Cabrito no .
TRUQUETRUQUE
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AS RELAES NATURAIS
No me posso lembrar. Enfim dizia eu quese l fosse habitar quando entre na terra com
esses cujos ps esto virados para os nossos,que teria muito prazer; mas como de suporque a minha habitao por envenenamento18
seja a mais completa e trivial destruio declaro que no aceito, que no quero; queno concordo!
Cena Segunda
Abre-se de repente uma porta; aparecem porela, e por diversas outras, trs ou quatro mulheres, umas em saias, outras com os cabelosdesgrenhados; ps no cho, etc.
(para um indivduo)19 Que quer o Sr.aqui?
(puxando-o por um brao) O que faz?
Quem o mandou c?
No sabe que sempre foi um homem honestoquanto a. . . e que ns somos todas prostitutas!? um tolo! Safe-se daqui para fora,Sr. maroto, Seno, olhe (mostrando-lhe o punho) havemos de esmurr-lo com esta mode pilo!
Minhas santinhas; (com muita humildade)minhas santinhas, eu queria dormir com vocsesta noite.
(dando uma grande gargalhada) Ah! ah!ah!20
(para outra) No queres ver, Mana, o
desaforo, a petulncia deste estrdio!? Quererpassar conosco a noite, quando ns sabemosque ele conde e tem filhos carnais!
Ah! ah! ah! Se fossem s os carnais era nada(batendo no ombro da que primeiro fala) os espirituais que ; que no tm conta.
Ele j est esquecido que os discpulos o
fizeram padre eterno; c que por isso no devetocar em carne.
UMA DELAS
OUTRA
OUTRA
OUTRA
ELE
ELAS
UMA
OUTRA
OUTRA
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JOS JOAQUIM DE CAMPOS LEO QORPO-SANTO
TODAS
ELE
(apontando com o mostrador)21 J, seumaroto, rua! seno. . .
Isto o diabo! Estas mulheres chamam-mecom o esprito quando estou em casa; e quando saio rua, com as palavras, com as moscom os dedos, com a cabea, com os olhos,e se as encontro fora, ento at com seusremexidos! Mas se lhes venho casa, istoque se v! Cruzes! (Cuspindo em todas elas.)Abrenncio! Eu as desconjuro para nunca
mais as ver! No olharei mais para estas tigras'(Sai.)
Cena Terceira
UMA DELAS
OUTRA
OUTRA
OUTRA
UMA DELAS
TODAS
(olhando-se) Ora; ora; ainda agora quereparo! Estou quase em fraldas de camisa!Vejam este maluco como me ps tobem maluca!
(alisando os cabelos) E eu com os cabelos todos desgrenhados! Se ele cair em vir coutra vez, hei de enforc-lo com uma destastranas, e pendur-lo no vcuo deste salo.
E que bonito ele h de ficar, mana, se quallontra aqui o pusermos! Havemos de ench-lode livros; ser... um centro! Como um
sol que dardejar seus raios para todos oscantos desta casa, como o verdadeiro espalhapara todos os cantos do hemisfrio que alumia!
Mas isto dar muita importncia a esse Judas, faz-lo centro de tudo.
O que tem? Esse diabo j o tem sido de luz
espiritual, agora que o seja tobm de luzmaterial!
Sabem o que mais? Vamos vestirmo-nose prmo-nos-2 s janelas espera de vermosos nossos namorados!
Apoiado! No percamos nossos costumes porcausa de um maluco! Vamos! Vamos! (Entram todas para os quartos d'onde23saram.)
AS PRIMEIRAS
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AS RELAES NATURAIS
Cena Quarta
Centrando toda cheia de dengosidade, pegando os vestidos como quem quer danar, ecomete outros numerosos atos, que indicam a
pregoeira gaiata da presente poca) Aindah cinco minutos, era esta sala um teatro demoas quase nuas! Acompanhadas de certoindivduo de meia idade, que parece mais umvelho bem doente, que um homem so, valente e cheio de. . . certa cousa. . . certa fora
que eu no quero dizer, porque no todecente como convm a to ilustre assembleia!(Olhando para diversos lados.) Onde estoestas meninas? Jlia! Jlia!
Sra.? Sra.?
Vem c, menina! Chama as tuas Irms!
Ora, Mame; eu ainda no estou vestida!Entra, chama uma das tuas Irms!
Est bom,24 Mame; eu j vou.
Muito custa a25 criar filhas! Ainda mais26
acomodar; muito mais-7 casar; e ainda pioratur-las!25 Pilham-se moas, e o que querem
namorar!(entrando -e sacudindo os vestidos) Acabava eu agora mesmo. . .
J sei; acabas de. . . Basta; no prossigas!Tu s, eu sei o qu!
(pondo as mos)29 Por piedade, minha
querida Me! No faa de mim o menor maujuzo! Sabe que sempre fui uma de suas melhores filhas, obediente e respeitosa, e maisque tudo amorosa!
(irm de Jlia, entrando mui ligeiramente, oujazendo alguns passos de dana at chegarperto da Me; ao chegar, ajoelha-se, pega-lhena mo e beija-a) Minha mais que todas
as mulheres, Querida Me! Eis-me prostrada
JLIA
MARIPOSA
JLIA
MARIPOSA
JLIA
MARIPOSA
JLIA
MARIPOSA
JLIA
MARCA
VELHA MARIPOSA
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JOS JOAQUIM DE CAMPOS LEO QORPO-SANTO
MARIPOSA
MARCA
MARCA
MARIPOSA
ELES
MARIPOSA
TODOS
a seus ps, para pedir-lhe perdo de quantospecados hei cometido, ou guisados hei comido! Perdoa, Mamezinha, perdoa, sim?
Sim; sim. Est perdoada; pode levantar-se.Mas no torne a cair em outra! Eu conheoseus crimes.
(levantando-se) Sim; sim. Quanto soufeliz! A minha querida me quanto boa!Ainda pela quinta vez quis perdoar suamais desobediente, cruel, ou mesmo tirana
filha!Eu no sei deles. Vossa Merc bem sabe quemoro sozinha no meu quarto; a mana queh de saber!
Onde esto? No me diz? Ainda no me vieram tomar a bno, sendo entretanto mais deoito horas! (Entram os outros filhos.)
(estendendo as mos)Me.
Sua bno, minha
(fazendo sinal com a mo) Deus abenoea todos, que eu o fao em particular a cadaum. Sim, meninas, so horas de missa; vamoscobrir nossos vus, e sigamos a orar ao Senhor por ns e por nossos avs!
Prontos a obedec-la, a segui-la. (Saemtodos.)
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ATO TERCEIRO
Cena Primeira
(criado) Por mais que arrume (atirandocom uma bota para um lado; com um livro
para outro; com uma bandeja no cho; comum espanador para um canto; e assim com tudo o mais que se achava arrumado), sempreencontro esta sala, este quarto, ou como o quiserem chamar. . . cmara, dormitrio, ou nosei que mais desarrumado! Nada, nada,isto no pode continuar assim! Ou hei de deixar de ser criado desta casa, ou as cousas hode conservar-se nos lugares em que eu arrumo!So honras que a ningum eu cedo... O queporm mais notvel que alm de me norespeitarem, nem obedecerem no pagam-
me tobm nem a quinta parte dos salrioscomigo contratados! Mas nada me ho deficar a dever! Quando retirar-me, hei de levaro dobro do que houver licitamente ganho, afim de que paguem-me os prmios, pois noestou resolvido a perd-los!
Cena Segunda
(amo muito espantado, entrando) Que isto, Judas? Enlouqueceste30, Inesperto? Ondeest tua Ama?
Qual enlouqueci. . . Todos os dias arrumoesta casa; e em todos os dias nela acho quearrumar; e ainda pergunta-me por minha ama,mulher feia, velha e m! Se h de ainda ir
ver as moas, este tagarela, isto todos osdias... Ainda mais mol,31 mais ruim, que
INESPERTO
MALHERBE
INESPERTO
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JOS JOAQUIM DE CAMPOS LEO QORPO-SANTO
este meu amo (para o amo, dando com amo): V-se embora daqui para fora, seno
o matam, seu Judeu Errante! Este diabo est hoje com o demo nas tri
pas! . . . O' Judas, dize-me: o que comeste32
hoje? Bebeste33 vinho? champanha, vinagre,gua-forte? Que diabo tens tu hoje? Estsbbado?
Qual bbado, nem [meio] bbado: nunca
estive eu em meu to perfeito estado de juzoou de mais completa sade!
(Entrando) Ih!. . . que espalhafato fez oJudeu hoje! (Querendo arrumar tudo; para omarido:) Senhor, tome juzo; despea essemaldito, que no faz seno o que est vendo!O Sr. parece-me cego. Embalde (metendo osdedos nos olhos do marido) tem dois foges
nesta cara; tu no enxergas. .. Tu, teu criado, e tuas filhas, no so entes
da espcie humana. So malditas feras queaqui habitam para flagelar-me! (Para ambos:)Fora daqui! Se demoram pego em tudo isto(agarrando as mesas) e penduro quais rosrios nas cabeas de vocs dois!. . .
(para o criado) Sabes o que convm fazer: safarmo-nos!-34O homem hoje est resolutoa matar, ou mostrar-nos que Senhor destacasa.
Diz bem, minh'ama; vamos ns saindo emboa paz! (Enfia o brao na ama.) melhor velha, feia, m, que nenhuma! (Abanandocom a mo.) Adeus, Sr. estrdio! Adeus, at
mais ver! (Saem.)
Cena Terceira
(s) Estes diabos tm tentado devorar-mepor todos os modos! Mas eu os hei de prno estado o mais deplorvel que se pode imaginar! Deixemos, deixemos; eles para c hode vir (dando alguns passeios, coando abarba, compondo o cabelo etc.)
MALHERBE
INESPERTO
MARIPOSA
MALHERBE
MARIPOSA
INESPERTO
MALHERBE
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AS RELAES NATURAIS
MILDONA
O CRIADO
MALHERBE
(entrando) Que saudades eu tinha de meuquerido Pai!Ah! s tu, minha querida Mildona? Quanto doce vermos feitos de nossos trabalhos delongos anos!35 Um abrao, minha estimadssima, minha mesmo queridssima filha!O Sr. no reparou bem; eu no sou a suaencantadora filha; mas a jovem a quem o Sr.em vez de amizade, sempre h confessado
tributar amor!Ah! onde estava eu!? Sonhava; pensava emti; via, e no te enxergava! Sim, sois minha;s minha; e sers sempre minha por todos ossculos dos sculos, Amm! (Saem.)
Cena Quarta
(entrando, p-ante-p) Amolei tudo! Nopensem que faro espadas, facas, punhais oulanas! Mas os amveis que desprezando todosos direitos dos cidados brasileiros matavame roubavam a seu belo prazer! O1 tal meuamo entendia que cada botina que comprava,e que calava, era uma mulher que condenavaao matadouro dos seus desejos! E a tal minhaama procedia do mesmo modo quanto ao cha-
les30que a cobria; dizia (pegando, e pondoum chales.) isto masculino, est portantorelacionado com um homem; novo; e porisso, assim como eu me cubro com ele, to-bm h de me cobrir esta noite um bom moo!E assim que no havia Pai, nem filho; Meou filha que pudesse, nem por cinco minutos,ter descanso e tranquilidade em suas habita
es!(entrando de bengala) Ah! ainda estsaqui! Toma! (D-lhe com a bengala at quesai disparando por uma das portas, gritando:)No quero mais servi-lo! No quero! No quero! j disse.
Cena Quinta
(A 'moa [Mildona] sai do quarto; e entraapressadamente na sala; para o amigo:)
MALHERBE
MILDONA
ELE
7/31/2019 Qorpo Santo - As Relacoes Naturais
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JOS JOAQUIM DE CAMPOS LEO QORPO-SANTO
Que isto, que isto, Sr.? Que isto. .!Entrou aqui algum ladro! Algum assassino!O Sr., de bengala, gritando e dando pancada!
(muito terno) No cousa alguma, menina; foi apenas uma lio que quis dar a estemariola, que tem o ttulo de meu criado: quisfazer-se de amo! Agora porm que j lecionei,podemos gozar tranquilos de uma existnciafeliz! (Do dons ou trs passeios pela sala, e
sentam-se em um sof; conversam sobre vriascousas; ouvem baver; levanta-se a moa; vai porta, e foge espavorida entra assim para umdos quartos. Levanta-se ele cheio de espanto;chega tobm porta, d um grito de dor,diz:) So eles! So eles! So eles! (Cai desfalecido, e assim termina o segundo ato. Milhares de luzes descem e ocupam o espao docenrio.)
MALHERBE
7/31/2019 Qorpo Santo - As Relacoes Naturais
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ATO QUARTO
Cena Primeira
Tudo corre; tudo grita (mulher; filhos; marido; criado, que por um dia foi amo do amo).
Incndio! Incndio! Incndio! Venham bombas! Venha gua! (E um labirinto, que ningum se entende, 'mas o fogo, a fumaa que
se observa, no passa, ou o incndio no real,mas aparente).Pegam em barris d'gua, em canecas e outrosvasos; e todos atiram gua para o ar; chegauma bomba pequena, e com ela tobm atiramgua, por espao de alguns minutos; mas oincndio parece lavrar com mais fora at quese extingue ou desaparece.
(depois de todos tranquilos) Sempre adesordem nas casas sem ordem! Sempre asperdas; os desgostos; os incmodos de todasas espcies! Santo Deus! por que no crucificais aqueles que desrespeitam vossos santospreceitos!? Mas, que digo? Se continuo, estasmulheres so capazes de pendurar-me naquela travessa, e aqui deixarem-me exposto,
por no querer acompanh-las em seus modosde pensar e de julgar! O melhor retirar-me!Vou descansar por alguns minutos. (Sai.)
Cena Segunda
(umas para as outras) Preparemo-nospara pregar um susto neste mariola! J que
ele no quer obedecer aos nossos chamadosespirituais e aos das outras mulheres; j que
ELAS
MALHERBE
7/31/2019 Qorpo Santo - As Relacoes Naturais
18/22
JOS JOAQUIM DE CAMPOS LEO QORPO-SANTO
preguioso, vaidoso, ou orgulhoso; ao menospreguemos-lhe um susto!
Apoiado! Apoiadssimo! Ou ele h de serobediente s Leis, ou havemos de enforc-lo,ainda que seja s por alguns momentos e divertimento! Deixemos ele vir37.(Preparam uma corda; e tudo o mais que as
pode auxiliar para tal fim; conversam sobreos resultados >e consequncias de sua empresa,e o que faro depois; entretanto entra o criadocom ele em figura forte de papelo, abraado
para poder acompanh-lo; e esta a 3 Cena.)Cumprimentam-se todos muito alegremente; econversam.
(para o criado)38 Ora muito bem! J se vquanto bom viver conforme as relaes
naturais. Eu gosto de mingau de araruta oude sagu, por exemplo como; e porque estrelacionado com certo jovem a quem amo; eleaqui me aparece, e eu o gozo! J se v poisque, vivendo conforme elas, em duplicata!
verdade, mana; eu, como a comida de quemais gosto coco; e porque este se relacionacom certo amigo de meu Pai, ele aqui tambm
vir, e o meu prazer no ser s de paladar,mas tambm aquele que provm do amar!
Pois eu, como o que mais aprecio chocolate,beb-lo-ei, beb-lo-ei; e por idnticas razesgozarei dele e de quem no quero dizer! Maso diabo que assim ficam sem cousa alguma!
Pois eu, como gosto muito do meu criado, e
ele mel de abelha, j se sabe o que eu dehoje em diante hei de sempre comer ou beber!(Para o marido de papelo:) E o Sr., Sr.Tralho'9, que no quis acompanhar-nos nasrelaes naturais, importando-se sempre comdireitos; no vendo que o prprio direito autoriza, dizendo que cada um pode viver comoquiser e com quem quiser; h de ficar aquipendurado para eterna glria das mulheres, e
TODAS
UMA DELAS
OUTRA
OUTRA
MARIPOSA
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AS RELAES NATURAIS
INESPERTO
ELAS
INESPERTO
MARIPOSA
INESPERTO
ELAS
TODAS
INESPERTO
exemplo final dos homens malcriados! Contamos (para o criado) com teu auxlio.
No precisamos ter trabalho, porque ele estdormindo, com certa flor que lhe dei a cheirar!
Oh! ento melhor! Venham as cordas! (Parao criado:) V uma escada; trepa l; sobe naquela trave; leva esta corda, que ns c oamarremos pelo pescoo, e depois tu o sungas.
Sim; mas como diabo h de ser! Ah! precisoa Sra. pegar nele para no cair.. .
Eu seguro!
(pega a escada, pe em lugar prprio, sobe,levando a corda, e depois desce. parte.) Estas mulheres no vem que no sepode ainda andar com as relaes naturais;
que se umas querem, outras no querem; quese umas podem, outras no podem; que. . .enfim, so o diabo! Mas elas agora vo conhecer que eu sou homem, e que por isso mesmohei de defender e amparar aqueles a quem elasquiserem crucificar! (Amarra a corda ao pescoo da figura; e diz:) Est bem atada! Agoravou sung-lo! (Sobe a escada, monta na trave,e puxando:) Pesa como o diabo! No ter dez
arrobas? Mas quinze eu juro que pesa! Irra!(Puxando.) Irra! Arriba! Agora, agora jest seguro!
(umas para as outras) H de ficar pendurado! Ah! ah! ah! H de, h de! (Balem
palmas.) Que triunfo! Viva! Viva! Agora,maninha; j enforcamos este, havemos deenforcar tobm, certo grilo; e andar com as
relaes vontade dos coraes! Apoiado! Apoiado! Enforquemos tudo quanto
autoridade que nos quer estorvar de gozar,como se estivssemos em uma paraso terreal!
(depois de haver prendido o corpo da figurana trave) Pois no! No v que meu amohavia de ser enforcado, para as Sras. fazerem
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quando quisessem! Boas! L vai bala! Relaes, metralha. (Arranca um brao, atira nu
ma delas.) Ah! traidor! (Encolhe-se.)
L vai um estilhao. Toma relao! (Atiraoutro brao noutra).
Brbaro! Louco!
Mais outro! (Arranca a cabea, ou o chapu,
e atira em outra, dizendo:) Querem mais!? Sequiserem, venham buscar c em cima, que euvou juntar-me ao meu muito respeitvel amo.(Levanta-se em cima da trave, -e sai ou desa
parece .)
(uma para as outras a enxugarem os olhos) Que tirano! Que cruel! Que brbaro! Queassassino! De modo que assim sendo, se pode
ainda hoje fazer. . . Cantemos todas;1
No nos meteremosMais com relaes;Maridos procuremos;Pois temos coraes!
2
A nenhum mais tentaremosDestruir seus sentimentos!A um s ns serviremos,P'ra no ter duros tormentos!3
Com nenhum nos contentarmos,Ou a todos no querermos;
E assim querer matar-nos,Pondo todos quase enfermos.
4
Tenhamos pois juzo!Cada qual com seu esposo! Se no, no h paraso!Tudo inferno! nenhum gozo!
JOS JOAQUIM DE CAMPOS LEO QORPO-SANTO
INESPERTO
JLIA
INESPERTO
ELAS
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AS RELAES NATURAIS
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Para comermos;
Para bebermos,No precisamosDe certos dramas!
6De andar,Sempre a matar,Os coraes
Com as relaes!7
Os que s querem(Que desesperem!)Por relaesSo veros ladres!
8
Basta o trabalho,Certo, no falho;Para vivermos;E mil gozos termos.
Fim do 4 ato, e da comdia escrita em 14 de maio de1866, por Jos Joaquim de Campos Leo, Qorpo-Santo,em a cidade de Porto Alegre, sala n 21, no Beco do
Rosrio.
NOTAS
1. No texto: Impertinente, Consoladora e outros Completamos arelao das personagens.
2. despertem?3 . Assim no texto.4. No texto: olhastes.5. No texto: achastes.6. No texto: pedistes.7. Assim no texto.8. Assim no texto. O mesmo que esconjuro.9. Assim no texto.
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10. Regncia hoje desusada, encontradia nos clssicos, dentre osquais Vieira.
11 . transpor a porta figura no texto depois de brao.12. Daqui at ao fim da cena no aparecem os nomes das personagens, mas apenas Ele e Ela.
13. Est: H! h! h! Nossa leitura interpreta a interjeio comoindicativa de admirao.
14. Na fala de Interpreta, antes desta, j consta a mesma rubrica.15 . Assim no texto.16. No texto: feichada.
17. Assim no texto.18. Assim no texto.19. para um indivduo est no fim da rubrica anterior.20. Est Ha, ha, ha.21 . O mesmo que dedo indicador.22. Est vestirmos-nos e pormos-nos.23 . Assim no texto.24. Assim no texto.25. Custa a criar regncia tachada de incorreta pelos puristas,
mas encontradia em bons escritores.26. Est: a acomodar.27. Est: a casar.28. Est: a atur-las.29 . Assim no texto.30 . No texto: enlouquecestes.
3 1 . No texto: mol, lusismo prosdico, por mole.32. No texto: comestes.33 . No texto: bebestes.34 . No texto: sajar-nos.3 5 . Parece faltar algo a esta fala.36. Por xale.37. Sintaxe corrente na linguagem coloquial brasileira, foi adotada
por Q.-S. em outras peas.
38. Est assim no texto: Ora muito bem! j se v (Uma delas parao criado) . . . etc.
39. Tralho ou taralho = intrometido, metedio.