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LIBERTAS CLINICA ESCOLA
Psicossomática e Análise Bioenergética:
um diálogo em expansão
FABIANA RIBEIRO MONTEIRO
Recife - PE 2007
LIBERTAS CLINICA ESCOLA
Psicossomática e Análise Bioenergética:
um diálogo em expansão
Monografia apresentada ao Libertas
Clinica Escola para fins conclusivos do curso
de Especialização Clínica em Análise Bioenergética
pela aluna Fabiana Ribeiro Monteiro, mat. 2004.1-09.
Recife - PE 2006
“No corpo estão inscritas todas as regras, todas as normas e todos os valores de uma sociedade específica, por ser ele o meio de contato primário do indivíduo com o ambiente que o cerca”.
(J. DAOLIO – Da cultura do corpo.)
Sumário
Introdução..............................................................................................10
Capitulo I
Psicossomática: aspectos históricos e o debate contemporâneo....12
Capítulo II
Mente, Corpo e Psicoterapia.................................................................21
Capítulo III
Análise Bioenergética e Psicossomática..............................................26
Considerações Finais.............................................................................30
Referências Bibliográficas.....................................................................32
Introdução
As possíveis relações entre a atividade mental, aquilo que a tradição
filosófica chama de espírito, e o órgão do corpo humano responsável por essa
atividade, ou seja, o cérebro, têm sido objeto de reflexões e intensas discussões
desde a Antiguidade. O corpo, visto como um dos possíveis locais de acesso à
história do sujeito, traz em si uma série de funcionamentos que marcam o
campo dos fatos universais, como o fato de que os corpos respiram (Gibier,
1995). Por outro lado, o corpo também traz em si marcas que se referem a
história singulares, invisíveis, delineados no processo de formação dos
mecanismos de defesa, constituindo aquilo que Reich denominou de couraça
muscular.
No presente trabalho apresentaremos esse diálogo entre as marcas do
corpo e a subjetividade humana; a interface entre a Psicossomática e a Análise
Bioenergética – abordagem psicoterapêutica de influência reichiana criada por
Alexander Lowen. Encontramos nessa tímida discussão uma rica prosa que nos
leva a um redefinição do tratamento das doenças ditas psicossomáticas.
O fato de um paciente num atendimento médico obter um diagnóstico de
ordem apenas “funcional” supõe que seu mal está no corpo e como tal deve ser
atendido. Os placebos e diagnósticos inofensivos como amebíase, alergia, leve
anemia, entre outros, tranqüilizam o paciente e auxiliam os médicos, enquanto
preservam suas crenças, sua posição e seu status. Essa é uma concepção
tradicional e cartesiana do adoecimento humano.
Numa perspectiva holística de corpo humano, ou seja, mente e corpo se
influenciando mutuamente, a doença é vista como um sinal de desequilíbrio da
estrutura biospsicossocial do sujeito; algo no organismo extrapolou a mínima
variabilidade constante de nossa homeostase; algo está sendo comunicado num
significante que traduz muito além da lesão daquele determinado órgão – o
corpo alarma por auxílio. Somente uma escuta mais afinada a essa compreensão
oferece a possibilidade de uma intervenção mais integrada às necessidades
deste adoecimento.
Os capítulos que seguem contarão este percurso de uma audição mais
apurada ao sofrimento humano. No primeiro capítulo é descrito um breve
relato histórico das principais escolas de influência e concepções que formaram
o discurso atual da Psicossomática.
No segundo capítulo apresentamos o desenvolvimento da atuação da
Psicoterapia, especialmente da Psicoterapia Corporal, no processo da
construção da visão psicossomática do adoecimento humano; a influência dos
desvelamento das emoções como um instrumento fundamental na intervenção
e compreensão dos diagnósticos somáticos.
O terceiro capítulo, por sua vez, se dedica a descrição da abordagem
psicoterapêutica, a Análise Bioenergética, focalizando na relação com a
proposta da concepção atual da Psicossomática.
Nas Considerações Finais apresentamos os principais aspectos
despertados da discussão que este trabalho permitiu acessar bem como os
possíveis desdobramentos da contribuição da abordagem terapêutica em
questão.
Capitulo I
Psicossomática: aspectos históricos e
o debate contemporâneo
Capítulo I
Psicossomática: aspectos históricos
e o debate contemporâneo
“O corpo é o inconsciente visível”
Wilhelm Reich
Cada sociedade, cada cultura, age sobre o corpo determinando-o.
Surgem, então, os “modelos”: padrões de beleza, de sensualidade, de saúde, de
postura que dão “segurança” às pessoas que elas tenham “moldes” para se
construírem como homens e mulheres. Ao longo do tempo, esses modelos
produziram a história corporal. Assim, para conhecer os sentidos construídos
para o corpo humano no presente, e na construção da Psicossomática, é preciso
passar pela História e ver os diferentes modelos que determinaram como foram
tratados o corpo, a sexualidade, os gêneros. Tentaremos demonstrar de forma
breve esta premissa investigativa.
Nas civilizações grega e romana, o corpo era valorizado pela sua saúde e
capacidade atlética. A moral quanto ao corpo e ao sexo apenas estabelecia
algumas normas de conduta para evitar os excessos, que significavam a falta de
controle do indivíduo sobre si mesmo, prescrevendo o “bom uso” dos prazeres
(bebida, comida e sexo). Estes, porém, eram considerados apenas para os
cidadãos, ou seja, para os homens livres, estando excluídos tanto os escravos
quanto as mulheres. A estas cabia cumprir suas funções: a obediência e a
fidelidade aos seus pais e maridos e a reprodução. Os prazeres eram do
domínio masculino, não do feminino (Cerchiari, 2000).
Caminhando mais adiante, observamos na Europa da Baixa Idade Média
uma nova percepção de corpo. Este passa a ser “proibido”. A Igreja prega a
supremacia da alma. O bem desta deve prevalecer acima dos desejos e prazeres
da carne. O corpo torna-se culpado, perverso, necessitando ser
dominado/purificado através da punição. Por isso as “técnicas coercitivas”
sobre o corpo, como os castigos e execuções públicas, as condenações pelo
Tribunal do Santo Ofício (a Santa Inquisição), o auto-flagelo.
Posteriormente, a ligação corpo-alma será explorada por Descartes ao
fazer da glândula pineal a porta pela qual a alma (sopro divino) ligava-se ao
corpo e podia penetrar nos “espíritos animais” (componentes da corrente
sanguínea e do ar) que deslizavam desde o cérebro, pelos nervos, a todos os
músculos e órgãos, preenchendo todos os canais e cavidades por onde circula o
sangue. Explicação bizarra, mesmo para sua época, mas suficiente para manter
o corpo comparável a uma máquina qualquer, que realizava trabalho
consumindo o calor produzido pelo coração, distinta do espírito. Mente e corpo
são duas substâncias distintas e nada que está no espírito pode derivar-se do
corpo – as sensações são enganosas, crivando a possibilidade de interação da
glândula pineal com setas mortíferas.
Assunto tão antigo quanto à própria humanidade, uma vez que a relação
entre corpo e espírito foi e continua a ser assunto tão controvertido e fecundo, a
relação soma-psyche, é o pressuposto funcional ao qual a Psicossomática se
funda. Voltemos um pouco novamente para falar também do caminho do
espírito.
Este passou por transformações conceituais ao longo dos séculos. De
acordo com Volich (2000), a alma para Platão, seria desencarnada composta de
três elementos. A alma inferior, nutritiva, e a média, a das paixões, localizadas no
abdômen e no tórax. A alma superior, relacionada com a inteligência e com o
conhecimento, estava localizada no cérebro. A perturbação, a loucura,
apareceria quando a alma superior não mais conseguisse controlar as outras
duas. Essa visão dualista reconhecia, também, que a loucura não seria apenas
de origem corporal, mas divina.
Aristóteles (384 – 322 a. C. ) retomou a concepção tripartite de Platão. Ele
considerava a existência de uma alma vegetativa (constitutiva das plantas), uma
sensitivo-motora (essência dos animais) e uma pensante e racional, atributo
exclusivo do ser humano. A alma estaria ligada ao corpo físico e toda doença
física teria também uma expressão anímica. O adoecer seria provocado pela
perversão dos humores, sob efeito das paixões que nascem do duplo
movimento da alma e do corpo (Volich, 2000, p. 23). O restabelecimento do
doente ocorreria por meio da catarse visando tanto à purgação do corpo como a
purificação da alma.
Anos depois, em 400 a.C., na Grécia, Hipócrates pesquisou sobre as
características de personalidade e hábitos de vida de seus pacientes, pois
acreditava que as doenças estavam ligadas a fatores emocionais. Hipócrates,
consagrado como “Pai da Medicina”, considerava as doenças como um
“desequilíbrio nos humores corporais” decorrente do temperamento, do estilo
de vida do paciente e das influências do meio. Foi ele quem considerou o
cérebro como o órgão do pensamento e escreveu que as doenças mentais
tinham causas naturais, e não causas mágicas ou espirituais como se pensava na
época. Seu interesse por temas psicológicos levaram-no a descrever e classificar
quadros melancólicos, maníacos, paranóicos e também a concomitância de
sintomas mentais e físicos, como delírios em tuberculose e estados confusionais
seguidos de hemorragia.
Neste direcionamento, parece então que os caminhos das histórias do
corpo e da alma começam se cruzar. Séculos mais tarde, um psiquiatra alemão,
J. C. Heinroth, pela primeira vez utilizou, em 1818, ao fazer referência a insônia
e a influência das paixões na tuberculose, epilepsia e cancro, o termo
Psicossomática (Mello Filho, 1992). No século XIX, a denominação
psicossomática foi retomada devido ao desenvolvimento da Psicanálise e do
Modelo Freudiano, iniciando, desta forma, sua estruturação.
Embora concluído que todas as doenças sempre foram de ordem
Psicossomática, Mello Filho (1992) explica que a evolução do termo ocorreu em
fases. A primeira, denominada de fase inicial ou Psicanalítica, sob a influência
das teorias psicanalíticas, teve seu interesse voltado para os estudos da origem
inconsciente das doenças, das teorias da regressão e dos ganhos secundários da
doença. A segunda, também chamada de fase intermediária, influenciada pelo
modelo Behaviorista, valorizou as pesquisas tanto em homens como em
animais, deixando assim grande legado aos estudos do stress. A terceira fase,
denominada de atual ou multidisciplinar, valoriza o social, a interação e
interconexão entre os profissionais das várias áreas da saúde.
O percurso da intermediação soma – psíquico não se define com
tranqüilidade entre tais áreas. Vejamos a seguir algumas das principais escolas
de influência na construção da constituição dos transtornos psicossomáticos:
a) O Movimento Psicanalítico
Freud, em 1895, em seus estudos sobre a histeria, já abordava a
componente somática do sintoma de um ponto de vista econômico e
conceitualizava o fenômeno de conexão, a que atribui o sentido de expressão
simbólica do conflito (Dias 1976, citado por Cardoso, 1995). Desta maneira,
Freud introduziu a expressão complacência somática para se referir à “escolha da
neurose histérica e a escolha do órgão ou do aparelho corporal sobre o qual se
dá a conversão” em que o corpo ou um órgão específico facilitaria a expressão
simbólica do conflito inconsciente.
Ao questionar a determinação do sintoma, no caso Dora, por exemplo,
Freud (1905) levanta a polêmica questão referente à origem dos sintomas
histéricos, ou seja, se seriam de origem psíquica ou somática. Para ele, no
entanto, a questão da origem dos sintomas histéricos, não está em escolher entre
a origem psíquica e a somática, uma vez que “todo sintoma histérico requer a
participação de ambos. Não pode ocorrer sem a presença de uma certa complacência
somática fornecida por algum processo normal ou patológico no interior de um órgão do
corpo ou com ele relacionado”. (Freud, 1905, Vol. VII, p. 47-48). Portanto, para
Freud, é esta complacência somática que proporciona aos processos psíquicos
inconscientes uma saída no corporal.
Desta forma as psiconeuroses possuem sintomas que provêm do
recalcado num processo de insucesso do recalcamento e de retorno do
recalcado. Ou seja, o “conflito intrapsíquico e as tentativas para sua elaboração
tomariam o lugar central, com existência de fantasma e neurose de transfert” (Cardoso,
1995, p.9). Enquanto que nas neuroses atuais (neurastenia, neurose de angústia
e hipocondria) não há mediação psíquica e a patologia reflete, diretamente, uma
economia sexual perturbada, conseqüência de um excesso ou insuficiência de
descarga. Assim, o movimento das teorias psicanalíticas não pode ignorar as
íntimas relações entre o funcionamento psíquico e orgânico, e tampouco suas
repercussões.
b) A Escola Psicossomática Americana
Na América, o interesse pela Psicossomática surge por volta dos anos 30,
consolidando-se em meados deste século com F. Alexander e Dunbar da Escola
de Chicago. Estes autores consideram que os transtornos psicossomáticos
seriam “conseqüência de estados de tensão crônica, relativa à expressão inadequada de
determinadas vivências, que seriam derivadas para o corpo”. (Cardoso, 1995, p.10).
Defendem ainda a questão da especificidade da doença psicossomática numa
visão psicogenética. De acordo com a hipótese da especificidade, as diferentes
doenças psicossomáticas corresponderiam diferentes ‘fatores psicológicos’, que
para Dunbar seriam os tipos de personalidade e para Alexander os conflitos ou
‘situações de vida significantes’.
Alexander (1989, p.37), analisando o conceito Freudiano de histeria
conversiva em Psicossomática faz uma distinção entre Sintoma Conversivo e
Neurose Vegetativa. Para ele, o Sintoma Conversivo é “uma expressão simbólica
de um conteúdo psicológico emocionalmente definido”, cuja finalidade é “expressar e
aliviar tensões emocionais”, através dos sistemas neuromuscular voluntário ou
perceptivo. Já a Neurose Vegetativa é uma resposta fisiológica dos órgãos
vegetativos a estados que podem ser ou não constantes. Para este autor, apenas
no campo das inervações voluntárias pode haver a expressão simbólica do
conteúdo psicológico, enquanto que é pouco provável que nos órgãos internos
haja expressão simbólica. Para explicar este funcionamento, Alexander cria a
noção de “neurose orgânica”, que abrange todos os “distúrbios funcionais” dos
órgãos vegetativos, causados por impulsos nervosos, originados por processos
emocionais “que ocorrem em algum lugar nas áreas cortical e subcortical do cérebro”
(Alexander, 1989, p.37).
Desta maneira, a tensão emocional proveniente de conflitos vivenciados
ou afetos específicos reprimidos estimulariam a função de órgãos específicos,
verificando-se, a partir daí, uma espécie de “estase anormal de energia”, pelo
aumento ou persistência da produção dos concomitantes fisiológicos das
emoções, perturbadora do seu funcionamento normal, isto é, o que em um
primeiro momento “se traduziria por uma alteração da função” posteriormente se
constituiria em “uma transformação orgânica”, ou seja, “passaria de sintoma
funcional a sintoma orgânico” (Cardoso, 1995). Estas teorias imprimiriam à
Psicossomática marcas que influenciaram a maneira de pensar de algumas
gerações de terapeutas.
Há ainda o desenvolvimento de um conceito de que há uma
predisposição para determinadas doenças conforme o tipo de personalidade.
Foi através da aplicação de “métodos modernos de diagnóstico psicodinâmico”
(Alexander, 1989, p.59) que se explorou este campo fértil e se desenvolveu uma
noção de perfil de personalidade, enquanto fator pré-mórbido determinante no
aparecimento de certas doenças psicossomáticas. A pesquisa e a clínica
psicossomática deveriam então se orientar para a investigação dos mecanismos
individuais que transformam a doença orgânica, e qualquer doença, em único
recurso possível para a superação de um impasse da história do sujeito ou de
uma constelação conflitual impossível de ser elaborada ou superada de outra
forma.
c) Escola Psicossomática de Paris
De acordo com Dias (1992), esta escola se diferencia substancialmente da
escola psicossomática americana por enfatizar uma “escuta analítica” em
detrimento de um escuta “o sujeito via órgão”. Os investigadores franceses
observaram, desta forma que, ocorria a formulação de uma gigantesca
negatividade simbólica, aonde o pensamento operatório, a precariedade onírica
e a ausência de fantasia se impunham como esfinges aos decifradores do
enigma psicossomático.
Marty e M’Uzan (1983, citado por Silva e Caldeira, 1992, p.113) a partir
dos estudos realizados por Fain e David, sobre a vida onírica e aplicados à seus
pacientes, perceberam que estes tinham uma forma peculiar de pensar e de
lidar com suas emoções. A esta forma de pensamento, estes autores
denominaram de “pensamento operatório”. Portanto, o conceito de “pensamento
operatório” surgiu nos últimos anos como conseqüência do desenvolvimento da
escola francesa e americana, para designar a forma de pensar e de lidar com
emoções de pacientes definidos como psicossomáticos. Esta forma peculiar de
pensamento seria para eles um pensamento consciente que se organizaria por
causa da “falha do pré-consciente”, acarretando assim impossibilidade de
comunicação entre o consciente e o inconsciente. Como conseqüência, os
sujeitos que apresentavam esse estilo peculiar de pensamento teriam uma
pobreza fantasmática e uma precária vida onírica. Portanto, a capacidade
simbólica e o valor de sublimação seriam quase inexistentes acarretando um
prejuízo considerável da capacidade de produção, quer científica quer artística,
desses sujeitos.
d) As Vertentes Psiconeurofisiológicas
Posteriomente, Walter Cannon, fisiologista notável criou o termo
homeostase, ampliando-o tanto a parâmetros emocionais quanto a físicos.
Através de suas pesquisas com animais percebeu que, quando estes eram
submetidos a estímulos desequilibradores de sua homeostase, se preparavam
para a luta ou fuga, apresentando alterações somáticas e que estas alterações
eram desencadeadas “por descargas adrenérgicas da medula da supra-renal e de
noradrenalina em fibras pós-ganglionares” (Rodrigues e Gasparini, 1992, p.99).
Partindo destas descobertas, Cannon teorizou em 1934 a relação entre emoções
e alterações fisiológicas e hormonais, enquanto função adaptativa do organismo
às solicitações ou agressões externas (Cardoso, 1995, p.15).
A doença psicossomática, portanto, é um resíduo filogenético das
respostas habituais de um organismo em face das situações encontradas nas
suas relações com o ambiente. A descompensação desse mecanismo provocaria
o desenvolvimento da doença (Volich, 2000). Partindo da fisiologia, Hans Selye
descreveu em 1936 a Síndrome Geral da Adaptação como sendo um conjunto
de reações fisiológicas não especificas que visa a preparar o organismo para
defender-se das agressões. Essa síndrome comporta três fases: alarme diante da
ameaça, resistência a ela e o esgotamento. A doença resulta tanto da
incapacidade do organismo em desencadear essas reações de defesa como da
persistência dessas reações além do necessário.
Outra visão seria a de H. Wolff que, ao questionar a noção da
especificidade do conflito da personalidade, defendeu a idéia de uma
especificidade de uma resposta funcional do indivíduo a certas situações da
vida. De acordo com Volich (2000), é a significação de uma situação que pode
ser específica, sendo a resposta por ela suscitada no nível físico e ao nível do
corpo (p. 101). As reações corporais a essas situações podem ser adaptativas,
protetoras, defensivas ou ofensivas. Partindo da noção de estresse ligada a
eventos da vida, Wolff investigou as implicações das atitudes corporais no nível
fisiológico, sustentando que as pessoas que passaram por situações de vida
difíceis de serem suportadas tem um risco maior de adoecer que aquelas que
não passaram por tais dificuldades.
Capitulo II
Corpo, Mente e Psicoterapia
Capitulo II
Corpo, Mente e Psicoterapia
“O organismo tem algumas razões que a razão tem que utilizar”
Antonio Damásio
O adoecer humano, como descrito anteriormente, possue um desconforto
afetivo/emocional que, em muitos casos, necessita ser observado em
profundidade. As psicoterapias tratam o sofrimento emocional do ser humano.
A psicoterapia denominada corporal, especialmente, considera o corpo e a
mente como uma unidade que deve ser tratada como tal, uma vez que nossas
emoções se expressam ou se retém através do nosso corpo. Podemos conter
emoções até encontrar uma forma adequada para a sua expressão, isso faz parte
do nosso amadurecimento, ou seríamos impulsivos e intolerantes como os
bebês (Ballone, 2000). Mas se a emoção não encontrar uma forma de expressão
que nos alivie, ela vai impedir o movimento da vida, gerando o sofrimento
emocional e tolhendo o nosso desenvolvimento. A expressão vai possibilitar o
processamento do incidente, integrando esta experiência às demais na memória
do indivíduo.
Tal premissa tem referência através da contribuição da medicina chinesa
que descobriu que um tipo de energia vital flui em nosso corpo, acompanhando
os processos fisiológicos e emocionais. As doenças envolveriam perturbações
neste fluxo de energia. Os chineses mapearam os caminhos da circulação de
energia elo corpo, os meridianos, e identificaram os pontos onde pode ocorrer
perturbações na distribuição dessa energia.
No ano de 2698 a.C., por exemplo, o imperador chinês Hoong-Ti criou
um tipo de ginástica curativa que continha exercícios respiratórios e exercícios
para evitar a obstrução de órgãos (Lindeman, 1970, p. 177). Há a ocorrência
também que Galeno (130 a 199 d.C.) conseguiu através de uma ginástica
planificada do tronco e dos pulmões corrigir o tórax deformado de um rapaz
até chegar á condições normais. O que se pretendia era basicamente curar os
indivíduos que fossem portadores de alguma doença ou deformidade. Nessa
época notava-se uma preocupação com o tratamento e os cuidados com o
organismo lesado e também com a manutenção das condições normais já
existentes em organismos sãos. Na fase de transição entre o Renascimento e a
fase de Industrialização o uso de recursos físicos passa a ter influência no
mundo ocidental.
A psicoterapia, contudo, somente veio a ser utilizada como recurso
(ainda com muitas incertezas de sua eficácia) décadas antes de Freud. A
tentativa se constituía em desenvolver uma compreensão integrada das raízes
psicofísicas da neurose, a sua relação com distorções do nosso potencial
humano e a habilidade de manifestar as qualidades e dádivas que trazemos
conosco quando nascemos por meio da técnica do discurso da associação livre
(Trotta, 1999). Devido a herança cartesiana, o corpo é reduzido, desinfocado; o
psicoterapeuta não pode tocar o corpo; trabalhar o corpo é visto como atuação
do psicoterapeuta, o corpo pode ser no máximo simbolizado.
O resgate ao trabalho/psicoterapia corporal foi feito através de W. Reich
quando desenvolveu o embasamento, por meio de numerosas pesquisas
descritas em seu livro Biopatia do Câncer (1930), acerca da descoberta de uma
energia orgônica. De acordo com Volich (2000), Reich criticava a tendência
psicanalítica de “psicologizar o fisiológico” ao aplicar indiscriminadamente
interpretações psicológicas aos processos somáticos.
Para Reich, em nosso organismo, há um fluxo interno de energia
orgônica que acompanha nossas funções emocionais e fisiológicas. O fenômeno
do encouraçamento, que surge com o objetivo defensivo de conter emoções e
impulsos sentidos como ameaçadores, tem como resultado uma contenção
desse fluxo de energia. Isso faz surgir no organismo regiões com déficit de
energia, bloqueios hiperorgonóticos. Esses bloqueios predispõem ao
desenvolvimento das doenças. Os mecanismos emocionais e energéticos
funcionam, portanto, como elo de ligação entre os processos psíquicos e os
processos anatômico-fisiológicos.
Segundo Reich (1989), o sintoma é uma tentativa de descarga parcial e de
ligação da libido estásica. A resistência ao trabalho analítico manifesta-se não
apenas como uma resistência à associação livre do paciente, mas também
através do corpo e de sua estrutura muscular. A couraça do caráter é o
mecanismo que retém toda a energia libidinal do indivíduo. A couraça de
caracter é funcionalmente equivalente a hipertonia muscular. A energia da vida
sexual, mas também a cólera e a angústia, pode ser contida por tensões
musculares crônicas. O objetivo da terapia deveria não apenas tornar o paciente
consciente de sua sexualidade reprimida, mas torná-lo capaz de potência
orgástica, ou seja, capaz de descarregar completamente a energia sexual
acumulada. a técnica da vegetoterapia busca intervir diretamente no nível
muscular, liberando as tensões estásicas.
Ainda de acordo com Reich (1989), da mesma forma que o soma
influencia a psique pode influenciar o soma. Entretanto, não se pode ampliar o
campo psíquico a ponto de tornar válidas suas leis para o soma. Reich conclui
que a psique é determinada pela qualidade e o soma pela quantidade. “A
qualidade de uma atitude psíquica depende da quantidade de excitação
somática da qual provém” (p.226). A energia biológica, governa tanto o
psíquico como o somático, constituindo uma unidade funcional (identidade
psicossomática).
O termo Psicossomática foi inicialmente empregado para designar
doenças orgânicas que seriam produzidas por uma causa psicológica.
Atualmente, porém o termo psicossomática é entendido como designação para
mecanismos psicoemocionais e corporais simultâneos e interatuantes. Podemos
contar ainda com o campo de investigação das neurociências que já
demonstram que o sistema nervoso central funciona como regulador e
integrador de nossas funções psicoemocionais, energéticas e anatômico-
fisiológicos. È nesta visão que Reich sinaliza a característica dinâmica e
integrada da soma e do psiquismo; eles adoecem em conjunto, sem relação
causa e efeito.
Capítulo III
Análise Bioenergética e Psicossomática
Capítulo III
Análise Bioenergética e Psicossomática
“O ser humano é o seu corpo”
(Alexander Lowen)
O trabalho de Reich sobre a "couraça muscular" foi desdobrado por
Alexander Lowen e John Pierrakos, considerados os primeiros discípulos neo-
reichianos. Ambos estudaram diretamente com Reich antes de trabalhar em
colaboração. Por volta de 1950, desenvolveram uma técnica que denominaram
"bioenergética", termo reichiano que significa energia biológica. Lowen e Pierrakos
acabaram seguindo caminhos diferenciados apesar de terem mantido as
mesmas bases e conceitos do mestre.
Lowen continuou com o trabalho da bioenergética, que acabou se
transformando numa abordagem muito conhecida e reconhecida de trabalho
psicocorporal. Um dos principais conceitos da bioenergética é o grounding,
termo em inglês que significa "enraizamento", ou, em bom português, "pôr os
pés no chão", "incorporar-se", "equilibrar-se", "cair na real", "estar em si e
consigo mesmo" (Trotta, 1999). No princípio, grounding significava o
movimento energético da cabeça em direção aos pés, como forma de
incorporação e autoconhecimento.
Lowen partia do princípio reichiano de que os caracteres neuróticos,
durante o ciclo do desenvolvimento, fixam-se energeticamente em algum
ponto-chave do corpo, interrompendo o fluxo da energia. Esses pontos são
chamados de anéis, e o bloqueio de energia ocorre desde muito cedo, durante
os primeiros três meses, quando o bebê aprende a se defender principalmente
com os olhos, evitando o contato ruim com o ambiente. O bloqueio, portanto, se
estabelece nos olhos. Mais tarde, na época do desenvolvimento da sexualidade,
a interrupção do fluxo de energia se dá na pélvis.
O objetivo da Análise Bioenergética é desbloquear essa circulação, que
em geral vem carregada das repressões, de tal forma que ao longo da relação
terapêutica a pessoa se dá conta de sua história, de seus traumas e dificuldades,
restaurando um fluxo melhor e mais dinâmico. Cada um dos caracteres, de
acordo com Lowen, acaba se fixando em algum dos anéis: ocular, oral, peitoral,
visceral e pélvico, dependendo da fase do desenvolvimento em que o trauma
ocorre e da formação deste.
No setting bioenergético, terapeuta e cliente podem trabalhar de pé, para
que o cliente explore sua energia nas chamadas "posições de stress", que
estimulam os bloqueios a ganhar força e serem expressos. Dessa forma, é
possível localizar com mais facilidade os bloqueios e restaurar ou reparar o
fluxo psicoenergético. Os terapeutas bioenergéticos usam também o chamado
stool ou "banquinho", em que o cliente deita de costas para alongar e estimular
a musculatura paravertebral e o músculo diafragmático, que controlam
movimento, sensação e respiração.
Descontraindo a repressão físico-emocional incorporada nas costas e na
respiração, libera-se tanto o corpo físico quanto o "corpo subjetivo", para que o
processo psicoterapêutico se realize. O setting também pode ocorrer no divã,
onde há a possibilidade de exploração de descarga ou contenção energética. O
paciente se deita e, com a coluna apoiada, braços e pernas ficam livres para ser
usados em movimentos de agressão ou acolhimento, explorando a expressão
dos sentimentos através do corpo.
Escrevendo sobre suas experiências pessoais e a dos seus pacientes,
Lowen chegou a uma conclusão: a vida de um indivíduo é a vida do seu corpo. Mais
que isso, criou uma teoria da personalidade, baseada em fatores energéticos
(Freitas, 2005). È ele quem define:
“Bioenergética é um modo de entender a personalidade, em termos do corpo e de seus processos energéticos. Esses processos, a produção de energia através da respiração e do metabolismo e a descarga de energia no movimento e expressão dos sentimentos, são as funções básicas da vida (...) A tese fundamenta da bioenergética é que corpo e mente são funcionalmente idênticos, isto é, o que ocorre na mente reflete o que ocorrendo no corpo e vice-versa (Lowen, 1985, p.11).”
A energia está envolvida em todos os fenômenos que caracterizam os
seres vivos – movimento, calor, respiração e demais funções que mantém a
vida. No caso, das pessoas, também os sentimentos e pensamentos dependem
dessa energia, que se extinguiria se o suprimento de alimentos e de oxigênio
fosse insuficiente.
A terapia bioenergética, também denominada de Análise Bioenergética, é
conduzida a partir de três informações básicas: história de vida do paciente
(etiologia), postura corporal e padrão de comportamento. A história de vida diz
respeito à forma como a criança estruturou suas defesas (caráter) na sua relação
com seus pais; muitos dos seus sentimentos foram bloqueados, como forma de
se adaptar as condições familiares.
O padrão corporal, somado aos papéis desempenhados, que se repetem
ao longo da vida, são sintetizados no comportamento com o qual a pessoa
funciona no mundo. Sinais corporais presentes, por exemplo, nos olhos, posição
da cabeça, ombros, braços, diafragma, pelve, pernas e pés, além de outros,
como nível de energia, volume e nuances de voz do paciente, dão informações
fundamentais para que o terapeuta possa direcionar o tratamento (Lowen,
1977). È fundamental, portanto, para o analista bioenergético, além do domínio
da teoria da personalidade, que o possibilita enfrentar problemas como a
resistência e a transferência, uma sensibilidade para o nível corporal, de modo a
ler sua linguagem com precisão.
A grande divergência da terapia bionergética com a técnica psicanalítica
é que esta ignora o corpo, na tentativa de ajudar o paciente a superar seus
conflitos emocionais. Quando se pode aliar o conhecimento, adquirido a partir
das informações advindas da análise de sua condição, com a expressão dos
sentimentos, tem – se a experiência tornada compreensão, que permite
modificar os padrões estruturados de comportamento.
Ao longo da última década, cientistas de várias especialidades
estudaram as diversas funções do cérebro humano, detalhadamente. As
descobertas, nos campos da neurologia e da neurofisiologia, tem possibilitado
uma maior compreensão do que se deve entender por saúde. Modificou-se,
paulatinamente, a visão dualista corpo / mente, fruto da influência cartesiana
na filosofia ocidental, em favor da visão do homem como ser integrado. No
entanto, faz-se necessário, ainda modificar o pensamento, no que se refere a
divisão das doenças do “cérebro” e da “mente”, arquivando-se a histórica
rivalidade entre médicos e psicólogos. Esta aliás, é a tendência atual em
Psicossomática no que se refere aos tratamentos: a integração de profissionais
de formações distintas, cuidando do paciente nos seus aspectos bio-psico-
sociais.
Considerações Finais
A medicina psicossomática parte dos estudos de Freud sobre o sintoma
histérico em seus aspectos físicos e psíquicos. A expressão psíquica de Freud
sobre o sintoma histérico baseia-se numa função dupla: rejeita um desejo que
cria a culpa de modo a diluí-lo da percepção e proporciona uma espécie de
gratificação corporal (Freitas, 2005). Quando esse mecanismo falha, a pessoa usa
o deslocamento ou a modificação.
Tal premissa analítica tende a descartar a interpretação biológica em
favor da interpretação da doença como uma linguagem biológica em favor da
interpretação da doença como uma linguagem que permite à pessoa comunicar
seu conflito. A vertente simbólica dos significados e significantes procura
eliminar a redução ao fator sexual como única explicação para as doenças sem
causa orgânica definida. A mente (a alma, o espírito, o inconsciente) figura
como recurso instrumental para preencher a lacuna metodológica do
encadeamento causal, que permitiria a Freud unir neurologia e psicologia.
Quando introduz o conceito de pulsão do qual corpo e mente são
manifestações, Freud pretende resolver a dicotomia mente-corpo dada a sua
natureza transcendente a um e outro, embora libidinosa. Segue-se desse
conceito que a distinção mente-corpo poderia ser um artifício intelectual e
instrumental para fins de atuação e intervenção, servindo à possibilidade de
inserção do corpo (não necessariamente material) na atividade psicanalítica
(Silgemman, 1999).
È nesta lacuna “material” que a proposta da Análise Bioenergética torna-
se viável e relevante. Permite a este corpo a expressão de seus conteúdos
reprimidos não mais pelo meio do adoecimento, e sim de sua espontaneidade.
A Análise Bioenergética torna-se, portanto, um instrumento bastante coerente
com a proposta atual do tratamento dos transtornos psicossomáticos.
Fazer com que o paciente seja levado a desenvolver uma consciência de
si, implica numa consciência do corpo; lugar em que habitam sangue, fluídos,
músculos, mas também, emoções, sentimentos, energia, vida. Esse corpo precisa
ser estimulado a sinalizar as necessidades outrora escondidas, reprimidas, da
história desse sujeito que sem essa oportunidade vai caminhando sem perceber
o potencial de pulsão de vida que possue dentro de si.
Honremos a possibilidade de uma abordagem psicoterapêutica
proporcionar esse encontro com a vida pulsante dentro de cada um de nós; que
essa esperança vença diante da pulsidade destrutiva que temos aos nos
mutilarmos na ignorância de uma patologia; que através desse encontro com o
prazer e a criatividade de nossos corpos possamos recorrer a tal sabedoria a fim
de lutarmos melhor pela conquista diária de nós mesmos: de nossa saúde.
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