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Psicologia Social e Imaginário

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Psicologia Social e Imaginário

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z ZagodoniEditora

Psicologia Social e Imaginário

Leituras Introdutórias

Sandra Maria Patrício VichiettiOrganizadora

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Copyright © 2012 by Sandra Maria Patrício Vichietti et al.

Todos os direitos desta edição reservados à Zagodoni Editora Ltda. Nenhu ma parte da obra poderá ser reproduzida ou transmitida, seja qual

for o meio, sem a permissão prévia da Editora.

Revisão: Arilene Teggi

Tradução (Cap. 2): Marta D. Claudino

Diagramação: Givaldo Fernandes

Capa: Michelle Z. Freitas

Editor: Adriano Zago

CIP-Brasil. Catalogação-na-FonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

P969

Psicologia social e imaginário : leituras introdutórias / Sandra Maria Patrício Vichietti, organizadora. - 1.ed. - São Paulo : Zagodoni, 2012.

190p. : 23 cm

ISBN 978-85-64250-38-3

1. Psicologia social. 2. Antropologia. I. Vichietti, Sandra Maria Patrício.

12-6737. CDD: 302 CDU: 316.6

[2012]Zagodoni Editora Ltda.Rua Brigadeiro Jordão, 84804210-000 – São Paulo – SPTel.: (11) 2334-6327contato@zagodonieditora.com.brwww.zagodonieditora.com.br

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Sobre os Autores

Sandra Maria Patrício Vichietti (Organizadora)Professora do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto

de Psicologia da USP. Mestre e doutora em Psicologia Social pelo Departamen-to de Psicologia Social e do Trabalho do IP-USP. Psicóloga pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Seus estudos concentram-se na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia Social e na Formação do Psicólogo, atuando principalmente nos seguintes temas: mitopoética, memória, imaginá-rio e paisagem da cidade, e suas relações com o ethos contemporâneo, com a estratificação psicossocial e com os processos de subjetivação e de construção dos vínculos sociais.

adriana conceição GuiMarãeS VeríSSiMo SerrãoProfessora associada com agregação no Departamento de Filosofia da Uni-

versidade de Lisboa, Portugal. Doutora com a tese A humanidade da razão. Lu-dwig Feuerbach e o projecto de uma antropologia integral. Mestre com a tese A razão estética. O conceito de alargamento do pensar na Crítica da Faculdade de Julgar de Kant. Traduziu para o português: Das Wesen des Christentums: A Essência do Cris-tianismo e Filosofia da Sensibilidade. Escritos (1839-1846), de Ludwig Feuerbach; ambas as traduções foram premiadas com menção honrosa do “Prêmio de Tra-dução Científica e Técnica em Língua Portuguesa” União Latina/JNICT (1995) e União Latina/FCT (2006). Atualmente concentra a investigação em duas áreas principais: a Filosofia da Sensibilidade e a Estética da Natureza, particularmen-te na temática da paisagem.

alberto FiliPe ribeiro de abreu araújoProfessor Catedrático do Instituto de Educação da Universidade do Minho,

Braga, Portugal. Doutor em Educação, na área de especialização em Filosofia da Educação. Coordena o Projeto de Investigação Educação e Imaginário incluído no Grupo de Investigação Pedagogia, Filosofia e História da Educação inscrito

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no Centro de Investigação em Educação (CIEd) do Instituto de Educação da Universidade do Minho. É autor de várias obras e artigos, em Portugal e no estrangeiro, nos domínios de investigação da Filosofia do Imaginário Educa-cional, da Filosofia da Educação e da História das Ideias Pedagógicas. Neste contexto, assinala-se todo o seu empenho na realização interdisciplinar dos Co-lóquios de Educação e Imaginário que têm oferecido grande possibilidade de intercâmbio acadêmico-científico nacional e internacional.

danielle Perin rocha PittaProfessora da Universidade Federal de Pernambuco (aposentada). Gradua-

ção em Sciences Sociales – Université de Grenoble III e doutora em Sciences Humaines – Université de Grenoble III (Langues et Lettres). Pós-doutora pela Université de Paris V, França, sobre métodos para a exploração do imaginário. Veio para o Brasil em 1949, quando ingressou como professora de antropologia na Universidade Federal de Pernambuco. Em 1975, criou o Núcleo Interdis-ciplinar de Estudos sobre o Imaginário, na Fundação Joaquim Nabuco, mas transferiu-o, em 1992, para o Programa de Pós-Graduação em Antropologia de sua universidade, que passou a sediar os congressos internacionais que coor-dena, cada dois anos, sobre teorias e modalidades do imaginário Esse núcleo e suas várias publicações têm sido referência para a criação de outros grupos de estudo e, sobretudo, um espaço que lhe possibilita uma constante ampliação de seu principal foco de conhecimento: simbolismo e mitos, complexidade cultural e arte, mitocrítica e mitanalise.

danilo SilVa GuiMarãeSDocente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, exercen-

do atividades de docência e pesquisa, em nível de Graduação e Pós-Graduação, em regime de dedicação exclusiva. Mestre e Doutor pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Assessor de agência de fomento à pesquisa e faz parte de conselho editorial de periódico científico internacional. Atua no Laboratório de Interação Verbal e Construção de Conhecimento (LIVCC USP). Desenvolve e orienta pesquisas na área da psicologia construtivista semiótica cultural, com ênfase em questões epistemológicas da relação subjetividade e cultura, dialogismo e desenvolvimento humano.

deniS doMeneGhetti badia Professor Assistente Doutor da Faculdade de Ciências e Letras – UNESP

de Araraquara. Professor do programa de pós-graduação em educação escolar (vinculado à Linha de Pesquisa Estudos Históricos, Filosóficos e Antropoló-gicos sobre a Escola e Cultura) e do Departamento de Ciências da Educação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (FCL-UNESP-CAr). Pós-doutor pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Dou-tor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Diretor do Centro Interdisciplinar de Pesquisas so-bre o Imaginário (CIPI-FCL-UNESP-CAr).

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7s o b r e o s a u t o r e s

Frederic MunnéProfessor Emérito da Universidade de Barcelona. Catedrático de Psicologia

Social. Áreas atuais de investigação: A complexidade como paradigma do co-nhecimento científico e do conhecimento cotidiano; implicações epistemológi-cas das teorias sobre o caos, os fractais, as catástrofes e a lógica difusa no estudo da interação social.

joSé carloS Sebe boM MeihyProfessor Titular (aposentado) do Departamento de História da Faculdade

de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Espe-cialista em Memória Oral. Trabalha com entrevistas sob a chave de “História do Tempo Presente”. Entre seus temas de pesquisa situam-se registros e análise do comportamento de brasileiros fora do Brasil. No esforço de favorecer revisões sobre a atividade i/emigratória de nossos patrícios tem publicado trabalhos so-bre a construção imaginária do Brasil. Além desses estudos, participações em debates teóricos projetam o Núcleo de Estudos em História Oral da USP como um dos pioneiros desse campo de estudos no Brasil.

laura VillareS de FreitaSProfessora doutora na Universidade de São Paulo, na graduação e pós-gra-

duação do Instituto de Psicologia. Psicóloga, com mestrado e doutorado em Psicologia Clínica pela USP. Especialização em Psicoterapia pela PUC-SP e pela Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. Membro da Comissão de Coorde-nação da Pós-Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do IPUSP e do Instituto C.G. Jung da SBPA-SP, onde é supervisora e coordena-dora de seminários e workshops no curso de formação de analistas. Trabalha também em consultório com psicoterapia e análise junguianas. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia do Desenvolvimento Humano e Psicoterapia, atuando principalmente nos seguintes temas: psicologia analíti-ca de Jung, psicologia da personalidade, grupos vivenciais, máscaras, psicote-rapia, recursos expressivos, psicologia analítica de Jung em contextos diversos. Coordena o Laboratório de Estudos da Personalidade no Instituto de Psicolo-gia da USP. Membro da International Association for Analytical Psychology (IAAP).

Maria cecília Sanchez teixeiraProfessora Associada (aposentada) da Faculdade de Educação da Universi-

dade de São Paulo. Doutora em educação e professora associada (aposentada) da Faculdade de Educação da USP, atuando na linha de pesquisa: Cultura, or-ganização e educação. Seus domínios de investigação, de escrita e de palestran-te são: Imaginário, Cultura e Educação, Pedagogia do imaginário e Gestão da escola. É autora, entre outros, dos livros: Antropologia, cotidiano e educação, Discurso pedagógico, mito e ideologia: o imaginário de Paulo Freire e de Anísio Teixeira e coautora com Alberto Filipe Araújo do livro: Gilbert Durand: imagi-nário e educação.

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Marta GouVeia de oliVeira roVaiCoordenadora do Núcleo de Estudos em História Oral (NEHO). Douto-

randa em História Social na Universidade de São Paulo. Editora Executiva das Revistas Oralidades (NEHO/USP) e História Agora – História do Tempo Pre-sente. Coautora do livro “Narrativas e Experiências: histórias orais de mulheres brasileiras”. Pesquisadora sobre a memória e as histórias de vida de homens e mulheres ligados à greve operária em Osasco, no ano de 1968; autora de artigos ligados a relações de gênero e memória operária.

MirteS Mirian aMoriM MacielProfessora Associada (aposentada) do Centro de Humanidades da Univer-

sidade Federal do Ceará. Pós-Doutorado – EHESS – Paris – Filosofia Política. Doutora pela Universidade de São Paulo em Filosofia Política. Mestre pela Uni-versité de Poitiers (França) em Filosofia Contemporânea. Graduação em Filo-sofia pela Universidade Estadual do Ceará. Professora de Filosofia na Univer-sidade Federal do Ceará – 1977-2008; Professora de Filosofia na Universidade Estadual do Ceará – 1968-1991.

Sueli daMerGianProfessora Associada do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho

do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Livre-Docência em Psicologia das Relações Humanas pela Universidade de São Paulo. Mestre e Doutorado em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo. Possui gra-duação em Pedagogia pela Universidade de São Paulo. Especialização em Psi-cologia Educacional pelo Centro de Especialização e Aperfeiçoamento da Fun-dação Santo André. Graduação em Psicologia pelo Instituto de Ensino Superior Senador Flaquer. A Psicologia das Relações Humanas constitui seu campo de pesquisa, centrado no problema da barbárie civilizatória, violência, crise do pensamento, dos relacionamentos, das instituições, ausência de modelos sau-dáveis de identificação. Promovendo uma intersecção entre a psicologia social e a psicanálise de orientação kleiniana privilegia o amor, o autoconhecimento, o pensamento e a ética como fundamentos de um novo humanismo.

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Agradecimentos

Agradecemos às senhoras Nalva e Rosângela, secretárias do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universi-

dade de São Paulo, não apenas pelo profissionalismo com que auxiliaram os trabalhos do Seminário “Psicologia Social e Imaginário”, mas principalmente pelos cuidados, facilitações e gentilezas com que envolveram todos os parti-cipantes do evento. Também agradecemos o apoio da FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo; do PROAP – Programa de Apoio à Pós-Graduação da CAPES – Coordenadoria de Aperfeiçoamento do Pes soal de Nível Superior; da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da Univer-sidade de São Paulo e do CRP – Conselho Regional de Psicologia da 6a Região – São Paulo.

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Sumário

Apresentação .....................................................................................................13Sandra Maria Patrício Vichietti

1 Impactos do Imaginário na Organização do Cotidiano.......................19Danielle Perin Rocha Pitta

2 A Explicação do Comportamento Humano Deve Ser o mais Simples Possível ou o mais Complexa Possível? ..................................27Frederic Munné

3 As tarefas da Psicologia Social no Mundo Contemporâneo ...............43Sandra Maria Patrício Vichietti

4 Pensar a Natureza e Trazer a Paisagem à Cidade ...............................61Adriana Veríssimo Serrão

5 Da Imaginação ao Imaginário Educacional. Perspectivas e Desafios .......................................................................................................73Alberto Filipe Araújo

6 O Papel da Imaginação Radical na Construção da Realidade Social Histórica ..........................................................................................95Mirtes Miriam Amorim

7 Imagem, Imaginação e Símbolo: a Psicologia Analítica em Diálogo com a Psicologia Social ............................................................103Laura Villares de Freitas

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8 Do Imaginário ao Real, da Fantasia à Realidade: um Convite à Transcendência .....................................................................................117Sueli Damergian

9 Imaginário e Violência na Escola: o Medo Nosso de Cada Dia ...................................................................................................125Maria Cecília Sanchez Teixeira

10 Prostitutas Brasileiras em Portugal: uma Odisseia Pós-Moderna? ..........................................................................................139José Carlos Sebe Bom Meihy

11 Desdobramentos de um Possível Diálogo entre Psicologia Cultural e Antropologia Americanista .................................................153Danilo Silva Guimarães

12 História Oral e Imaginário: o Núcleo de Estudos em História Oral (NEHO/USP) ...................................................................................169Marta Gouveia de Oliveira Rovai

13 A Hermenêutica da Escola de Grenoble ..............................................177Denis Domeneghetti Badia

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Apresentação

Podes modificar seja o que for. Até és capaz de converter uma planície áspera numa planta-ção de cedros. O que importa, porém, não é que construas cedros, mas que semeies sementes. E, em cada momento, a própria semente ou o que nascer da semente estará em equilíbrio no presente.

(Antoine Saint-Exupéry – Cidadela, capítulo CXIV)

Este livro nasceu de um seminário binacional realizado em maio de 2011 na Universidade de São Paulo, reunindo pesquisadores de algumas das mais

destacadas universidades brasileiras e portuguesas, que se dedicam a estudar os modos pelos quais nós, os homens, recriamos nossas vidas – nossos modos de ser, viver e conviver. Parte destes seminaristas converteu em capítulo suas falas, que estão aqui representadas. Pretende-se com esta obra alcançar públi-cos interessados pelas temáticas abordadas, transmitindo o registro dos pensa-mentos que ali se expressaram.

De pronto, direi que se trata de um trabalho animado pelo desejo de semear sementes de transdisciplinaridade, ou se preferirem, de grave indisciplina1. Porém, a imagem mais próxima de sua concepção não é a cena bucólica de um camponês curvado sobre a terra, semeando aquilo de que pretende vir a colher o alimento para si e para seus filhos, mas sim uma complexa operação de semeadura aérea, quando utilizada para o reflorestamento de áreas devastadas. Tal operação tem sido usada para promover a recuperação de florestas cuja degradação resultou, direta ou indiretamente, do progresso científico e tecnológico e da acumulação

1 Vale lembrar que, em sentido amplo, grave significa “pesada, poderosa, importante, séria”; o prefixo in expressa “negação ou privação” e a palavra disciplina indica “regime de ordem imposta ou livremente consentida”, “a relação de subordinação do aluno para com o mestre ou instrutor”, ou ainda, “doutrina, matéria de ensino, conjunto de conhecimentos que se professam em cada cadeira de um estabelecimen-to de ensino” (CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Lexikon, 3.ed., 2007). Para Michel Foucault, o termo “disciplina” está relacionado com o poder, quando se reporta às técnicas que resultam na docilização dos corpos e no individualismo; e com o saber, quando se reporta aos procedimentos de controle da produção dos discursos.

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capitalista; o inspirador é que faz isto mediante o emprego de conhecimentos acumulados em diversos campos científicos e de tecnologias ligadas ao agrone-gócio: em linhas gerais, emprega-se uma aeronave para o lançamento de uma mistura específica de sementes, com algum tipo de invólucro protetor e/ou nu-tritivo, sobre a área que se pretende reflorestar. Três detalhes técnicos permitem analogias bem interessantes para abordar o tema em pauta. Primeiro, a opera-ção fundamenta-se na esperança de germinação de apenas uma parte das semen-tes lançadas – evidentemente persegue-se o objetivo de reconverter em floresta a área semeada e há estimativas de sucesso com base em experiências correlatas anteriores; mas, de fato, aceita-se uma margem muito grande de perdas. Se-gundo, cuida-se com bondade de cada uma das sementes que serão lançadas à terra, buscando facilitar seu processo de implantação e germinação; levando em conta suas características particulares e específicas, adiciona-se peso a umas, pequenos paraquedas a outras, gel hidrofílico, nutrientes – há nisto um esforço para compensar os danos causados pela destruição das condições naturais de reprodução de cada espécie. Terceiro, o critério de escolha das espécies que serão semeadas é o respeito à composição natural da mata nativa – a ideia orienta-dora não é “inventar” uma floresta, e sim restaurar o equilíbrio que existia antes do processo de degradação...

Também a restauração das potencialidades adaptativas, vivas, do pen-samento, após a devastação resultante dos excessos cientificistas cometidos pela civilização ocidental, particularmente na modernidade, exige esperança de vitória, serenidade frente aos reveses e humilde confiança na força sábia da vida. Há algumas décadas, mesmo partindo de diferentes matrizes intelectuais e abordando diferentes temáticas, numerosos pensadores vêm apontando una-nimemente a necessidade de superarmos as estreitezas do paradigma ocidental moderno. Edgar Morin, por exemplo, reitera a exortação para avançarmos na direção de uma “reforma do pensamento”:

É preciso substituir um pensamento que separa por um pensamento que une, e essa ligação exige a substituição da causalidade unilinear e unidimensional por uma causalidade em círculo e multirreferencial, assim como a troca da rigidez da lógica clássica por uma dialógica capaz de conceber noções ao mesmo tempo complemen-tares e antagônicas; que o conhecimento da integração das partes num todo seja completado pelo reconhecimento da integração do todo no interior das partes.2

As análises feitas por este e muitos outros críticos da modernidade auxiliam no reconhecimento de alguns vieses do pensamento moderno: o cientificismo e suas pretensões de objetividade e formalismo; o regime das disciplinas com toda sorte de fragmentação e reducionismo; a lógica da identidade e o engen-dramento de paradoxos pragmáticos; o modelo do sujeito epistêmico e a des-

2 MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento complexo. Tradução de Juremir Machado da Silva, disponível no site do Laboratório Transdisciplinar de Estudos em Complexidade: <http://www.uesb.br/labtece> (acesso em 11/08/2011). Outras ilustrações célebres e atuais são Zygmunt Bauman, Jürgen Ha-bermas, Richard Sennett, Boaventura de Souza Santos, Augustin Berque, Jean-François Mattéi, Alasdair MacIntire e outros.

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qualificação dos aspectos imaginativos, simbólicos e emocionais da subjetivi-dade – vieses que engendram várias armadilhas: o constrangimento instrumen-tal da racionalidade, a tecnocracia insustentável, a destruição do ecossistema, o individualismo bárbaro...

Boaventura de Souza Santos, sociólogo português, após analisar alguns problemas contemporâneos que considera como sinais inequívocos de que o paradigma sociocultural da modernidade estaria mergulhado em uma crise fi-nal, faz um apelo à formulação de uma nova teoria da democracia e da emanci-pação social e à recuperação do pensamento utópico3; do “outro lado do mundo” (do lado de cá, no Peru), um outro sociólogo, Roberto Espinoza, aponta a ne-cessidade de mudar o foco e o alcance do nosso pensamento/ação para que se possa transpassar a (des)colonialidade e a desconstrução do poder, de todo tipo e âmbito de poder, mesmo daquele que vive dentro de nós4. Este livro, como o seminário que lhe deu origem, representa um esforço de colaboração nestas tarefas.

Nesta perspectiva, reúnem-se aqui treze capítulos que versam sobre alguns aspectos essenciais da experiência subjetiva privada, da vida social e comuni-tária, da mitopoética individual e coletiva, da configuração das paisagens e do imaginário. Sua composição procurou contemplar a pluralidade de concepções sobre esses temas – claro: dentro dos limites determinados, por um lado, pelas condições de fomento da produção do conhecimento no campo das Humani-dades, das quais dependem as possibilidades de convites e de encontros; por outro lado, pelas condições atuais de diálogo das subáreas da Psicologia, entre si e com as demais áreas envolvidas. O produto final reflete, portanto, uma mul-tiplicidade de fatores desfavoráveis e favoráveis; dentre os últimos, destacam-se o entusiasmo, a coragem intelectual e a consciência humilde demonstrada por seus autores.

Este livro não pretende construir cedros; antes, segue o modelo da semeadu-ra de florestas: nem as ideias e os ideais da organizadora, nem a homogeneida-de, nem mesmo a harmonia, foram critérios para a seleção dos trabalhos – são sementes de indisciplina grave, lançadas com a esperança de que germinem em sentimentos, pensamentos, ações e encontros em equilíbrio no presente...

Abrindo o volume, Danielle Perin Rocha Pitta problematiza a suposta oposição entre imaginário e realidade, argumentando que todos os aspectos da vida cotidiana organizam-se a partir das imagens míticas produzidas pela cultura a respeito do cosmos, de si, e do indivíduo que a compõe, ou seja, toda realidade – social, natural ou histórica – é obrigatoriamente imaginada, po-dendo inclinar-se numa direção de luta, morte e sofrimento ou na direção da

3 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. O social e o político na pós-modernidade (11.ed.). São Paulo: Cortez, 2006.

4 ESPINOZA, Roberto. (Des)colonialidade do poder: outros conhecimentos, outras revoluções. Democracia Viva; n. 31, abr-Jun/2006, p. 34-39. Diz ainda o autor: “(...) É fundamental mudar para um pensamento/ação mais integral e holístico do poder capitalista e da luta simultânea nas suas cinco dimensões centrais: trabalho (com a exploração e a ditadura da forma empresa); sexo (e a hegemonia da família patriarcal); autoridade (e o absolutismo da forma “Estado- Nação europeus”); natureza (e o desastre do produtivismo desenvolvimen-tista) e imaginários (e o controle da razão e a modernidade instrumental na subjetividade)”.

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pluralidade, da vida e do prazer, conforme os mitos que valorize e cultive. O segundo capítulo traz algumas reflexões de Frederic Munné, professor emérito da Universidade de Barcelona, sobre as implicações do paradigma da comple-xidade para a Psicologia Social do século XXI. Em seguida, há um ensaio sobre o escopo da Psicologia Social e suas tarefas no mundo contemporâneo, frente à expansão da civilização ocidental e ao acirramento do fenômeno da urbaniza-ção, quais sejam: em diálogo com os campos de saber que lhe são “adjacentes”, estudar como essa expansão condiciona a construção do imaginário, das pai-sagens e dos vínculos sociais nas coletividades humanas, e suas consequências para a vida e a experiência subjetiva das pessoas.

Nos dois capítulos seguintes, são enfocados alguns dos maiores desafios com os quais se defrontam as coletividades humanas atuais: Adriana Veríssimo Serrão tece considerações sobre a clivagem entre homem (ou cidade) e natureza (ou mundo agrícola) e a imperiosa necessidade de recuperar os espaços do habi-tar humano, hoje ameaçados (ou já degradados) pela expansão das megalópoles; e Alberto Filipe Araújo discute as relações entre as dinâmicas da imaginação e da ação, destacando que o imaginário social, em suas duas principais dimen-sões – a ideologia e a utopia – está implicado em todos os projetos e motiva-ções de manutenção ou de transformação da realidade social – assim, defende a necessidade de uma autêntica reforma da cultura, baseada numa pedagogia do imaginário que promova a formação de sujeitos mais diligentes no cultivo de suas próprias virtualidades, mais atentos e respeitosos quanto à alteridade, mais imaginativos, criativos e confiantes nas potencialidades do mundo – em uma palavra, mais plenamente humanizados.

Três capítulos são dedicados ao exame teórico de aspectos imaginários sub-jacentes à constituição da subjetividade, às relações de alteridade e à formação e manutenção dos vínculos sociais. Mirtes Miriam Amorim, partindo do pen-samento de Cornelius Castoriadis, enfatiza o papel da imaginação radical no sujeito e do imaginário social na sociedade como orientadores da ação humana e afirma a potencialidade das imagens resistentes de autonomia e liberdade virem a suplantar o imaginário conformista, individualista e aquiescente que grassa no mundo capitalista, possibilitando a construção de sociedades mais autônomas, livres e igualitárias; Laura Villares de Freitas, partindo da psicolo-gia analítica de C. G. Jung, destaca o papel que a imagem, o símbolo e a imagi-nação, operando nos âmbitos individual e coletivo, desempenham na constitui-ção da subjetividade; e Sueli Damergian, sustentada pelas concepções de Mela-nie Klein sobre o desenvolvimento humano, oferece um quadro compreensivo para a desumanização das interações sociais na atualidade, verdadeiro estado de barbárie civilizatória decorrente do aprisionamento do sujeito moderno em sua própria interioridade, vazia, fantasiosa e especular, e preconiza, no plano indi-vidual a transcendência, e no plano social a justiça e a disseminação de modelos amorosos de identificação como modo de superarmos tal panorama.

Três relatos de pesquisa ilustram a conjugação de elementos teóricos e em-píricos para o exame dos temas abordados no bloco anterior, respectivamente em âmbito local, geopolítico e intercultural: Maria Cecília Sanchez Teixeira re-lata os resultados de um estudo hermenêutico-simbólico sobre as imagens de

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violência, medo e solidariedade colhidas numa comunidade escolar por meio de entrevistas semidirigidas e do Teste do Simbolismo Animal, tendo como re-ferências a Teoria Geral do Imaginário de Gilbert Durand e os estudos sobre a violência, particularmente os de Michel Maffesoli e Roger Dadoun; José Carlos Sebe Bom Meihy, inscrevendo a concepção de imaginário de Édouard Glissant e a definição de imaginário radical de Cornelius Castoriadis no exame de narra-tivas de histórias orais de vida de prostitutas brasileiras em Portugal, encontra caminhos para a compreensão dos significados que subjazem às percepções dos cenários de vida e às representação do corpo da mulher; e Danilo Silva Guima-rães, mediante a análise de uma entrevista concedida pelo líder Ianomâmi Davi Kopenawa ao jornal Folha de São Paulo, defende a potencialidade dialógica entre o construtivismo semiótico-cultural e o perspectivismo ameríndio como recurso para ampliar a compreensão da noção de perspectiva e de suas implica-ções nas relações eu-outro-mundo.

Os dois capítulos finais abordam importantes temas metodológicos: Marta Rovai, reportando-se à atuação do Núcleo de Estudos em História Oral da USP, discute aspectos conceituais, operacionais e éticos concernentes ao trabalho com narrativas orais; e Denis Domeneghetti Badia apresenta uma síntese siste-mática das proposições e vetores hermenêuticos que caracterizam a Escola de Grenoble. Evidentemente, o bloco não se pretende (nem poderia ser) exaustivo, sequer abrangente, mas oferece referências introdutórias sobre o recolhimen-to e a interpretação de narrativas frequentemente implicadas nos estudos que focam ou tangenciam os temas da Paisagem, do Imaginário, da Experiência Subjetiva e dos Vínculos Intersubjetivos.

Esperamos que esta publicação contribua para iluminar o papel crucial exercido pelo imaginário nos fenômenos psicossociais que configuram e sus-tentam (logo, também podem transformar – quiçá para melhor) os modos hu-manos de ser, viver e conviver.

Sandra Maria Patrício VichiettiSão Paulo, outubro de 2012