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PRÁTICAS SOCIAIS DE LEITURA E ESCRITA E SUAS IMPLICAÇÕES NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM Danielle do Carmo Monteiro Correia de Souza Denise Sandra Fritzen Monica Cristina Silvano Reynaldo Maria Ângela Arruda Fachini IESF - Instituto de Ensino Superior da Funlec Neste trabalho nos dispomos a pesquisar sobre as práticas sociais de leitura e escrita e suas implicações no processo de ensino e de aprendizagem, pois acreditamos que durante a fase de alfabetização o contato com textos de circulação social é imprescindível, uma vez que não basta apenas codificar e decodificar símbolos, é preciso saber ler as entrelinhas, ser criativo e propositivo. Porém, só chegaremos a este patamar quando conseguirmos tornar a escola um espaço mais democrático e eficiente. Parafraseando Soares (2005, p. 34), as escolas têm a obrigação de desenvolver habilidades de alfabetismo que torne as crianças capazes de responder a demandas em situações da vida cotidiana, tais como: no trabalho, dirigindo na cidade, comprando em supermercados etc. Sendo assim, nossos objetivos gerais procuram identificar as concepções de alfabetização e letramento utilizadas pela professora e identificar a prática social da escrita e da leitura, nas atividades propostas por ela, pois acreditamos que a concepção da professora em relação a alfabetização e letramento é determinante no processo de ensino e de aprendizagem. Ela só irá trabalhar com atividades que contemplem as práticas sociais de leitura e escrita se estiver convencida de que dessa forma a alfabetização é possível e eficaz. Desse modo, procuramos nos pautar em objetivos específicos para realizar a revisão bibliográfica referente ao tema abordado, acompanhar o planejamento da professora regente, coletar e analisar textos utilizados em sala de aula, no processo de alfabetização, além de relacionar as principais causas da ineficiência na alfabetização. Toda a pesquisa está embasada em autores voltados à pesquisa: Soares (1998, 2005), Tfouni (2005), Kleiman (1995) e Demo (1991, 1996), pois entendem a alfabetização como uma fase decisiva no processo de ensino e de aprendizagem. Demo (1991, p. 42) afirma que uma ação educativa precisa acontecer no sentido de “[...] provocar, desafiar, estimular, ajudar o sujeito a estabelecer uma relação pertinente com o objeto, que corresponda, em

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PRÁTICAS SOCIAIS DE LEITURA E ESCRITA E SUAS IMPLICAÇÕES NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

Danielle do Carmo Monteiro Correia de Souza

Denise Sandra Fritzen Monica Cristina Silvano Reynaldo

Maria Ângela Arruda Fachini IESF - Instituto de Ensino Superior da Funlec

Neste trabalho nos dispomos a pesquisar sobre as práticas sociais de leitura e

escrita e suas implicações no processo de ensino e de aprendizagem, pois acreditamos que

durante a fase de alfabetização o contato com textos de circulação social é imprescindível,

uma vez que não basta apenas codificar e decodificar símbolos, é preciso saber ler as

entrelinhas, ser criativo e propositivo. Porém, só chegaremos a este patamar quando

conseguirmos tornar a escola um espaço mais democrático e eficiente. Parafraseando Soares

(2005, p. 34), as escolas têm a obrigação de desenvolver habilidades de alfabetismo que torne

as crianças capazes de responder a demandas em situações da vida cotidiana, tais como: no

trabalho, dirigindo na cidade, comprando em supermercados etc.

Sendo assim, nossos objetivos gerais procuram identificar as concepções de

alfabetização e letramento utilizadas pela professora e identificar a prática social da escrita e

da leitura, nas atividades propostas por ela, pois acreditamos que a concepção da professora

em relação a alfabetização e letramento é determinante no processo de ensino e de

aprendizagem. Ela só irá trabalhar com atividades que contemplem as práticas sociais de

leitura e escrita se estiver convencida de que dessa forma a alfabetização é possível e eficaz.

Desse modo, procuramos nos pautar em objetivos específicos para realizar a

revisão bibliográfica referente ao tema abordado, acompanhar o planejamento da professora

regente, coletar e analisar textos utilizados em sala de aula, no processo de alfabetização, além

de relacionar as principais causas da ineficiência na alfabetização.

Toda a pesquisa está embasada em autores voltados à pesquisa: Soares (1998,

2005), Tfouni (2005), Kleiman (1995) e Demo (1991, 1996), pois entendem a alfabetização

como uma fase decisiva no processo de ensino e de aprendizagem. Demo (1991, p. 42) afirma

que uma ação educativa precisa acontecer no sentido de “[...] provocar, desafiar, estimular,

ajudar o sujeito a estabelecer uma relação pertinente com o objeto, que corresponda, em

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algum nível, à satisfação de uma necessidade sua, mesmo que essa necessidade não estivesse

tão consciente no início”.

Acreditamos que a pesquisa desenvolvida possui relevância no sentido de

evidenciar as principais causas da ineficiência no processo de alfabetização, no que se refere à

sala pesquisada, uma vez que este material estará disponível para apreciação, tanto pelo corpo

docente da escola, como pela comunidade acadêmica, oportunizando, assim, estudos e ações

concretas por parte dos órgãos competentes. Além de, é claro, tentar responder a tantas

indagações que nos fazemos diariamente diante de tantas queixas e reclamações em relação ao

processo de ensino e aprendizagem nas classes de alfabetização.

Buscamos nos fundamentar no conceito de pesquisa científica defendida por Gil

(1987, p. 42), que afirma “[...] a pesquisa explicativa tem como preocupação central

identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos”.

Optamos por essa metodologia científica porque toda a pesquisa tem como

preocupação central identificar os fatores que determinam ou que contribuem para a

ocorrência de resultados negativos no que se refere ao processo de alfabetização e letramento.

Discutir alfabetização implica em considerar a compreensão e finalidade desse

tema nesse momento histórico. Trata de listar as finalidades, abordando e analisando as

propostas pedagógicas que influenciaram e ainda influenciam o propósito da alfabetização.

Segundo Tfouni (2005, p. 09) a maioria das escolas trabalha a “[...] alfabetização

referente à aquisição da escrita enquanto aprendizagem de habilidades para leitura, escrita e as

chamadas práticas de linguagem. Isso é levado a efeito, em geral, por meio do processo de

escolarização e, portanto, da instrução formal”.

Como diz a autora, o processo de alfabetização escolar passa, em muitos casos,

pela simples decodificação de códigos escritos e registrados em diferentes suportes. O que se

faz importante ressaltar é que essa é a concepção de alfabetização da maioria das escolas, que

encaram esse processo com um olhar simplista.

E por não representar, para essa maioria, uma fase decisiva e fundamental da

escolarização, a alfabetização geralmente é realizada por pessoas despreparadas e sem

formação específica.

Soares (2005) nos faz refletir nessas questões que levam ao fracasso. O professor

deve estar atento ao conceito de alfabetização e à natureza e condicionantes desse processo,

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enxergando o porquê desses resultados. Ela nos mostra como este conceito é posto como algo

deturpado até os dias atuais e por isso ele não se dá da maneira como deveria. Coloca-nos

também a questão da natureza do processo de alfabetização, em que até hoje se privilegiam

alguns métodos em detrimento de outros (por não saber o que realmente se quer trabalhar), o

que também contribui para os altos índices de reprovação. E, por fim, a autora nos fala sobre

os condicionantes do processo de alfabetização, que pouco se entende sobre eles e por isso

pouco se fala deles no contexto escolar.

Perdeu-se a noção de como alfabetizar, deturpou-se a forma de alfabetização, pela

crença de que métodos e teorias trabalham separadamente. Antigamente só trabalhavam

métodos prontos e não havia uma reflexão teórica. Hoje, o que acontece é o contrário: têm-se

belas teorias e não se criam métodos adequados para aplicá-las. O que nós, professores, temos

de nos atentar é para a falta de fundamentação teórica em nosso fazer pedagógico. Precisamos

saber que para mudar a realidade atual, diminuir e até mesmo sanar, a longo prazo, esse

fracasso será necessário compreendermos que a alfabetização não é só o processo de ler e

escrever, mas é saber interpretar o que se leu, é compreender as entrelinhas, é saber expor

seus pensamentos.

Os professores precisam reconstruir a prática dentro das perspectivas acima

citadas. Devemos estudar e nos apropriar do conhecimento, sabendo distinguir o que vai ao

encontro da nossa realidade e nos programar para atender nossos alunos levando em

consideração o seu conhecimento prévio, o meio onde estão inseridos, para poder dar-lhes a

oportunidade de se manifestarem, expressarem suas idéias e ideais. Enfim, dar subsídios para

que se apropriem do conhecimento historicamente elaborado. E é por isso que devemos estar

constantemente em busca do conhecimento, para alcançar ferramentas capazes de auxiliar

nosso fazer pedagógico, mudando nossa prática, pois o nosso papel é ser mediador do

processo que fará dos alunos seres reflexivos, críticos, construtores e reconstrutores de seu

próprio conhecimento.

O que Soares (2005) nos propõe é que façamos uso da lingüística de forma

sistematizada, pois esta nos proporciona a base para trabalhar fonema/grafema com a criança,

o que geralmente não ocorre na educação atual e por isso não se tem conseguido alfabetizar.

Para tanto, Soares (2005) nos remete à necessidade de reinventarmos a alfabetização sem que

seja de forma retrógrada. Precisamos fazer uso das teorias criando métodos diferenciados para

que sejam trabalhadas com sucesso, ocorrendo de forma satisfatória a aprendizagem do

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sistema de escrita, insistindo na especificidade da alfabetização como aprendizado do sistema

alfabético/ortográfico e suas relações com o sistema fonológico.

A pesquisa desenvolvida fundamentou-se em teorias que apóiam a alfabetização

como um processo importante, que possibilita ao educando ir além de conhecer os códigos

historicamente construídos. Estar alfabetizado, nessa perspectiva, envolve também o domínio

da linguagem e a multiplicidade de funções da língua, onde produzir escrita não é apenas

escrever. Para tal, é preciso pensar sobre a escrita, sobre o que ela realmente representa, é

apropriar-se de aspectos essenciais nas práticas ligadas à escrita, é apropriar-se dela como

objeto de conhecimento.

Parafraseando Tfouni (2005), o desenvolvimento do ser humano vai sendo

determinado por meio dos tempos pelas suas descobertas, invenções, criações de vários tipos,

e também por necessidades que vão se definindo em função das mudanças de vida, geradas

por aquelas descobertas, invenções e outras ações humanas. O fato é que a inventividade

humana construiu o mundo que temos hoje com todos os acertos e erros, vantagens e

desvantagens, certezas e incertezas.

Todos têm direito de ter acesso a esses conhecimentos acumulados historicamente

e de conhecer os contextos em que foram produzidos. O conhecimento da linguagem escrita,

nesse sentido, é fundamental.

A autora defende aqui a questão de não negligenciarmos informações aos nossos

alunos, observando que as criações da humanidade precisam ser do conhecimento de todos e

principalmente do alcance de todos. Ao encararmos a alfabetização sob outra ótica, não

podemos deixar de lado tudo que foi construído historicamente. Os códigos escritos precisam

ser adquiridos, porém sob outra perspectiva.

Os suportes em que a escrita é realizada foram sendo ampliados e transformados

com o passar dos tempos, e hoje temos a escrita em papéis, livros, em faixas de tecido,

madeira, na televisão, nas legendas de filmes, em embalagens, etiquetas, composições

artísticas, e, mais recentemente, nas telas dos computadores, nos marcando de várias maneiras

e com várias finalidades. Ganhou um peso significante (principalmente jurídico), nas

sociedades que a utilizam que, em grande parte das situações sociais que vivemos, a nossa

palavra, a nossa voz, não é suficiente, é necessário escrever e assinar. Tornou-se também um

marcador e separador social forte: os analfabetos e os alfabetizados, gerando preconceitos e

afastando milhões de pessoas de uma participação cidadã no espaço social.

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Nas reflexões de Soares (2005, p. 22) podemos perceber claramente a questão da

situação econômica em relação ao processo de alfabetização: “[...] a escola valoriza a língua

escrita e censura a língua oral espontânea que se afaste muito dela”, o que sem dúvida

dificulta o processo de ensino e aprendizagem, que, segundo a autora, caracteriza-se com seus

preconceitos lingüísticos e culturais que afetam o processo de alfabetização, levando ao

fracasso escolar das crianças das classes populares.

A escola precisa desenvolver e assumir sua responsabilidade política, pois esta

necessita desenvolver a alfabetização como forma de pensamento, processo de construção do

saber e meio de conquista de poder político.

A complexidade da sociedade moderna exige conceitos também complexos para

descrever e entender seus aspectos relevantes. O conceito de letramento surge então para

explicar o impacto da escrita e leitura em todas as esferas de atividades e não somente nas

atividades escolares.

Kleiman (1995), em suas publicações, afirma que letramento não é um método, é

uma prática que envolve um conjunto de atividades visando a um desenvolvimento de

estratégias ativas de compreensão da escrita e da leitura.

O letramento está associado aos muitos conhecimentos que se desenvolveram, a

partir da escrita e com a escrita, como grandes campos de saber. Estes conhecimentos se

organizam de modos diferentes, com textualidades heterogêneas e estão associados a

conteúdos diversos.

A noção de letramento está associada ao papel que a linguagem escrita tem na

nossa sociedade. Logo, o processo de letramento não se dá somente na escola. Os espaços que

freqüentamos, os objetos e livros a que temos acesso, as pessoas com quem convivemos

também são agências e agentes de letramento.

Alfabetização é um conceito mais específico que diz respeito à aprendizagem da

língua escrita como uma nova linguagem, diferente da linguagem oral, mas a ela associada,

isto é, à aprendizagem da escrita como uma nova forma de discurso.

Tfouni (2005), afirma que a alfabetização, por muitas vezes, está sendo mal

entendida:

Há duas formas segundo as quais comumente se entende a alfabetização: ou como um processo de aquisição individual de habilidades requeridas para a leitura e escrita, ou como um processo de representação de objetos diversos, de naturezas diferentes. O mal entendido que parece estar na base da primeira perspectiva é que a

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alfabetização é algo que chega a um fim, e pode, portanto, ser descrita sob a forma de objetivos instrucionais. Como processo que é parece-me antes que o que caracteriza a alfabetização é a sua incompletude.

Embora a escola também não seja o único espaço alfabetizador, o processo de

alfabetização é trabalhado de um modo sistemático. Nesse lugar social é que podemos

compreender e ampliar o nosso conhecimento sobre o mundo da escrita, e não só sobre a

escrita, propriamente. Nesse ponto cruzamos alfabetização e letramento.

Letramento e alfabetização precisam estar associados, pois um complementa e dá

sentido à outra, uma vez que não basta apenas codificar e decodificar, é preciso estabelecer

relações sociais, interpretar e transformar.

Segundo Soares (2005, p. 32):

Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, lingüísticas e psicolingüísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se dá simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização.

Do ponto de vista das autoras em questão, entretanto, podemos dizer que, hoje,

alfabetizar distanciando as crianças do mundo letrado, isto é, dando ênfase à língua como um

sistema, e não à língua como um bem cultural, como uma linguagem social, é sonegar

informações importantes às crianças, que são decisivas para a sua entrada no mundo letrado.

Por muito tempo, as práticas escolares objetivaram apenas a codificação e

decodificação sem a preocupação com o entendimento, com a interpretação do que era lido ou

escrito. A criança não era estimulada a produzir seus próprios textos ou ler por prazer. Tudo

era feito pela imposição, não havia relação afetiva e prazerosa com o livro de histórias, a

escrita estava muito distante das funções comunicativas e expressivas dos atos de ler e

escrever.

A escola, por sua vez, cumpre, ou pelo menos pensa que cumpre, seu papel de

informar os educandos sobre a funcionalidade da escrita. Nesse aspecto seria interessante que

a escola legitimasse seu papel como mediadora desse processo de alfabetização, colocando o

educando em contato direto com os textos que circulam em nossa sociedade e possuem, por

sua vez, uma função definida e principalmente real.

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Tfouni (2005) ressalta uma preocupação com os sentidos que vêm sendo

atribuídos à palavra letramento nos tempos atuais. Em muitas publicações ela é usada como

sinônimo de alfabetização, descaracterizando sua verdadeira abrangência. A autora ressalta

que essas contradições acerca do significado real e específico da palavra letramento têm raízes

em traduções feitas da língua inglesa, que é citada descuidadamente, por muitos, sob o rótulo

de literacy, que abrange uma variedade de definições e visões.

Segundo a autora, está aí uma das causas do mal-entendido sobre letramento,

reduzindo-o a algumas traduções da literatura inglesa, principalmente norte-americana, que

entre outras perspectivas denomina letramento unicamente para a aquisição da leitura/escrita,

considerando-se aí, portanto, a aquisição da escrita como código, do ponto de vista do

indivíduo que aprende. A autora ressalta que é daí que se estabelece uma relação sobre

literacy, escolarização, ensino formal, e aprendizado de habilidades específicas, como

aprender o alfabeto. Nesses termos, letramento se confunde com alfabetização.

Um estudo mais aprofundado na história da educação demonstra que o marco

dessas superposições foram, com certeza, os modismos, que levaram grandes propostas à

ruína total. Assim que novas tendências foram aparecendo e se firmando, a classe de

educadores, em sua maioria, adotava novas posturas sem ao menos conhecê-las ou estudá-las

em sua totalidade. Apenas seguindo algumas interpretações, era posto em prática algo

desconhecido e sem validade científica.

Se afirmarmos que a alfabetização é algo que não tem um ponto final, então

dizemos que ela tem um continuum, e, ainda, poderíamos dizer que este é o letramento. Com

isso, acordamos que os dois processos andam de mãos dadas. Não queremos estabelecer uma

ordem, ou seqüência, o que pretendemos é ressaltar que o educador deve fazer uso do

conhecimento nato de mundo que o educando possui e sua relação com a língua escrita, assim

o educador poderá alfabetizar letrando.

Baseados nessas considerações, podemos afirmar que aprender a ler e a escrever,

nesse contexto, demanda conhecer não só vários assuntos, mas saber registrá-los de formas

socialmente legitimadas e valorizadas. A prática corrente tem sido uma preocupação intensa

com a mecânica da escrita, isto é, com a análise da língua e com o desenho e soletração das

palavras, principalmente nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

Soares (2005, p. 47), exemplifica que uma criança mesmo antes de estar em

contato com a escolarização (que não saiba ainda ler e escrever), mas tem contato com livros,

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revistas, com histórias lidas por pessoas alfabetizadas, presencia a prática de leitura, ou de

escrita, e a partir daí também se interessa por ler, mesmo que seja só encenação, criando seus

próprios textos “lidos”, ela também pode ser considerada letrada. E ainda há casos de

indivíduos com variados níveis de escolarização e alfabetização que apresentam níveis

baixíssimos de letramento, alguns “quase” nenhum. Esses são capazes de ler e escrever,

contudo, não possuem habilidades para práticas que envolvem a leitura e a escrita: não lêem

revistas, jornais, informativos, manuais de instrução, livros diversos, receita do médico, bulas

de remédios, ou seja, apresentam grandes dificuldades para interpretar textos lidos, como

também podem não ser capazes de sequer escrever uma carta ou bilhete.

Sendo assim, esta pesquisa analisa algumas das dificuldades encontradas durante

o processo de alfabetização na 1ª série do Ensino Fundamental. Para tanto, foi necessário um

suporte teórico que subsidiasse nossa sistematização e análise dos dados coletados. É

importante salientar que usamos a nomenclatura série e não ano, pois durante o período de

pesquisa ainda estava em vigor tal nomenclatura.

O processo de investigação, pautou-se na coleta de dados fidedignos para

podermos responder a todas as indagações pertinentes ao nosso projeto de pesquisa. Para

tanto, utilizamos uma série de instrumentos que nos viabilizaram uma aproximação mais clara

e objetiva em relação ao nosso objeto de estudo.

Assim, ao iniciar o processo de investigação, procuramos primeiramente uma

fundamentação teórica quanto à metodologia científica, pois precisávamos de um suporte

teórico que orientasse a natureza da investigação a ser realizada. Descobrimos em Gil (1987)

uma metodologia científica que vai ao encontro dos nossos propósitos, pois entendemos ser

de fundamental importância identificar os fatores que determinam a atual situação da

alfabetização. Dessa forma, podemos verificar que, segundo Gil, (1987) a pesquisa explicativa

busca identificar os fatores que possibilitam a ocorrência dos fenômenos e assim, proceder

uma análise mais precisa. Posto isso, optamos por realizar uma pesquisa explicativa, uma vez

que nossa preocupação central é a identificação das concepções de alfabetização e letramento

e as práticas sociais de leitura e escrita utilizadas pela professora. O que, sem dúvida, trará à

tona vários fatores que contribuem ou que dificultam o processo de ensino e de aprendizagem

na fase de alfabetização.

Para realizar nossa pesquisa, escolhemos uma escola de grande porte, da Rede

Municipal de Ensino, localizada na periferia da cidade de Campo Grande – MS. Nos

momentos de observação, acompanhamos de perto as dificuldades, anseios e queixas dos

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professores em relação ao processo de alfabetização das crianças da 1ª série do Ensino

Fundamental e as conseqüências desse processo nas séries subseqüentes.

Tivemos como procedimentos de pesquisa a observação da sala, acompanhamento

do planejamento da professora, entrevista e aplicação de questionário com a professora,

alunos, pais, orientadora, supervisora e o presidente da Associação de Pais e Mestres - APM.

Também foi realizada a análise documental do Projeto Político Pedagógico da escola.

Vale lembrar que essa escola funciona nos três períodos, possui 32 salas de aula,

atendendo a uma clientela que vai desde a Educação Infantil até a 8º série do Ensino

Fundamental, além do Programa de Aceleração que atende a jovens e adultos, totalizando

2.027 alunos, que estão distribuídos nos períodos matutino, vespertino e noturno.

A comunidade atendida por essa escola possui, em sua maioria, alunos que não

residem em casa própria ou são moradores de áreas não regularizadas. Por isso as mudanças

de bairro e, conseqüentemente, de escola são constantes. Conforme pudemos observar no

Projeto Político Pedagógico – PPP da escola,

[...] um grande número de alunos e suas respectivas famílias são contemplados por vários programas e/ou benefícios sociais, onde nota-se uma relevante carência financeira, que afeta diretamente os aspectos cognitivo, psicológico e motor das crianças. Sendo que a maioria destes alunos são oriundos de lares desestruturados, muitas vezes vítimas de maus tratos ou abuso sexual, convivendo rotineiramente com as mais variadas situações de violência. (PPP, 2006, p. 19)

A análise do PPP se deu de maneira um tanto conturbada: foi difícil de ser

encontrado, pois existe somente uma cópia na escola, que não fica ao alcance dos professores,

No entanto, contamos com a colaboração de uma das supervisoras que prontamente nos

auxiliou na localização do referido documento.

De posse desse documento, foi possível observar que o Projeto Político

Pedagógico é bem redigido e fundamenta-se em princípios que promovem uma educação

cidadã, possuindo em seus pressupostos a descrição de um modelo de escola onde “[...] o

conhecimento não é apenas o acúmulo de informações, ele acontece quando existe uma

interação efetiva entre o aluno e o conteúdo a ser desenvolvido.” (PPP, 2006, p.12)

Além de procurar suprir algumas das necessidades básicas dessas crianças e

adolescentes, a escola prioriza em seu Projeto Político Pedagógico um professor que possua

um perfil caracterizado pela responsabilidade em ensinar e que busca ressignificar o sentido

da educação, ou seja, um profissional disposto a desenvolver a cidadania por meio da escola.

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Observamos uma sala da primeira série do período matutino, que funciona no

horário das 7 h às 11h 10 min, com 32 alunos. Permanecemos na sala durante o mês de

novembro de 2006, onde geralmente fazíamos nossa observação durante dois dias da semana.

Entendemos que nossa presença diária poderia influenciar muito na rotina das aulas e este não

era o nosso objetivo. A análise dos documentos foi realizada em três dias, e as entrevistas e

conversas informais eram feitas sempre que tínhamos a oportunidade de conversar com as

pessoas envolvidas na pesquisa. Dessa forma sentimos que as respostas eram mais

espontâneas e as pessoas se sentiam menos apreensivas.

Observarmos que a disposição da sala é feita em fileiras, e que esta forma de

fileiras, mantém-se até o final da aula, onde os alunos desenvolvem suas atividades, ora

copiadas do quadro, ora mimeografadas.

Os textos trabalhados pela professora são geralmente curtos e retirados de

cartilhas ou do caderno de planejamento de anos anteriores. E são passados aos alunos

mediante folhas mimeografadas ou transcritos no quadro negro. A exploração dos textos é

feita por meio de interpretação oral e escrita, com perguntas objetivas de múltipla escolha e

dissertativas. Observamos que durante nossa pesquisa não encontramos na sala nenhum texto

de circulação social, que pudesse estar sendo usado no processo de alfabetização. Em nenhum

momento as crianças tiveram a oportunidade de trabalhar com receitas, cartas, notícias,

parlendas, ou quaisquer outros textos de circulação social.

A maioria dos alunos produz pequenos textos, que seguem os padrões

estabelecidos nos textos trabalhados pela professora, porém com muitos erros gramaticais e

sem enredo, tornando-os desinteressantes e sem coerência. Percebemos que a professora não

consegue acompanhar as produções de todos. As dúvidas e questionamentos dos alunos são

constantes e em grande número. Sem contar que existem ainda aqueles que não conseguem

escrever nenhuma palavra sem a ajuda da professora ou de um colega mais capaz naquele

momento.

Tivemos também a oportunidade de, durante duas semanas, num período de duas

horas por semana, acompanhar o planejamento da professora, que é feito na sala dos

professores com algumas outras profissionais de turmas de primeira série, o que ocorre

geralmente quinzenalmente. Verificamos que estas não trocam muitas idéias e não discutem

as dificuldades de cada uma, pois a conversa se restringe a comentários e reclamações sobre

indisciplina e dificuldades de aprendizagem. Não existe troca de experiências e busca de

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soluções para os problemas encontrados. Cada professora acaba fazendo o seu planejamento

de forma individual.

A supervisora escolar procura acompanhar o planejamento, dando sugestões e

discutindo o andamento de cada turma, mas também não questiona a metodologia adotada

pelas professoras. Cada uma escolhe e faz uso daquela metodologia na qual acredita.

Com a intenção de conhecermos um pouco mais sobre as concepções das pessoas

envolvidas no processo, utilizamos uma entrevista por meio de questionário. De posse desses

questionários, já respondidos, observamos que a formação da supervisora que atende a sala

pesquisada é Pedagogia e Especialização em Supervisão Escolar, além de estar cursando pós-

graduação em Alfabetização. Em suas respostas, deixou claro que na sua opinião a

alfabetização é o processo de aquisição das técnicas que possibilitam escrever e ler (codificar

e decodificar mensagens escritas).

A orientadora entrevistada é formada em Pedagogia e Psicologia. Segundo as

respostas obtidas no questionário, ela acredita que alfabetização é “realizar uma aprendizagem

no indivíduo onde ele aprende a ler e a escrever e também interpretar”. Acredita, ainda, que

cada pessoa tem o seu tempo para ser alfabetizada, mas também diz que a alfabetização é um

processo contínuo e que pode levar anos

A professora da sala é formada em Pedagogia, e no questionário respondido

conceituou alfabetização como “a prática de decifrar códigos, ler, escrever, interpretar,

produzir transmitir com domínio o conhecimento através da mensagem oral (clareza),

coerência textual, fazer relações, construir conhecimento, expressar idéias, compreender o que

lê, interpretar a leitura e a escrita e registrar seus pensamentos através da escrita”. Pensa que

não existe um tempo determinado para acontecer a alfabetização, depende muito de cada

criança, do conhecimento prévio que já traz de casa e do desenvolvimento na sala de aula.

Afirma que a alfabetização acontece naturalmente, no decorrer das atividades propostas.

Acredita que o profissional, para trabalhar com alfabetização, deve ser crítico, espontâneo,

compreensivo e propor desafios, ser organizado, acolhedor, entre outras.

Outro aspecto observado durante a trajetória de nossa pesquisa foi em relação aos

pais dos alunos no que tange à promoção e acesso de seus filhos ao mundo letrado. Para tanto,

realizamos entrevistas com dez pais de alunos da turma pesquisada. Sendo sete mulheres

(mães e avós), com idades entre dezenove e sessenta e dois anos e três homens (pais e avôs),

com idades entre vinte e cinco e setenta anos, que responderam sem cerimônia que seus filhos

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não possuem acesso a materiais escritos, tais como: revistas, livros, gibis e outros, e muito

menos freqüentam teatro, cinema ou qualquer outra forma de divulgação da cultura.

Afirmaram que o único meio de comunicação e informação a que têm acesso é a televisão e o

rádio e que não têm o hábito de ler para seus filhos. Alguns se dizem analfabetos e outros

alegam que saem cedo de casa para o trabalho e à noite retornam cansados e muitas vezes as

crianças já estão até dormindo, sendo que as tarefas de casa, geralmente, são feitas pelas

crianças sem o acompanhamento dos pais, e que os irmãos mais velhos ou amigos mais

próximos são as pessoas que costumam ajudar.

O presidente da Associação de Pais e Mestres (APM), nos relatou que a

comunidade também é bastante carente no aspecto cultural, e que a escola procura favorecer

aos seus alunos e pais, promovendo palestras e cursos nos finais de semana, por meio do

Projeto Escola Viva, que oferece atividades diversificadas para a comunidade.

Buscamos analisar e discutir as observações realizadas durante a trajetória da

pesquisa, fundamentando nossas considerações, embasadas em autores como: Soares (1998,

2005), Tfouni (2005), Kleiman (1995) e Demo (1991, 1996), para que, assim, possamos

discutir o que foi observado, de maneira responsável e, sobretudo, apresentando reflexões

seguras.

Procuramos defender a especificidade da alfabetização e sua importância na escola ao

lado do letramento. Faz-se necessário, nesse aspecto, chamar a atenção para o acesso da

criança ao mundo da escrita num sentido amplo, ou seja, o processo de alfabetização,

considerando seus aspectos sociais.

Destacamos, também, o fato de as atividades serem, em sua maioria, retiradas de

cartilhas, apresentando textos pouco significativos, o que de certa forma desmotiva as

crianças, pois estas demonstravam não estarem interagindo com as atividades propostas,

constantemente se dispersando com conversas ou brincadeiras de qualquer natureza.

Nesta idade de 07 e 08 anos em que os alunos se encontram, é de fundamental

importância que a professora faça uso de jogos, parlendas, cantigas, adivinhas e outras

atividades que chamem a atenção das crianças e sejam interessantes para elas, pois assim

terão maior satisfação em participar e realizar as atividades propostas, o que, certamente,

tornará a aprendizagem mais significativa e eficaz.

Analisando as atividades trabalhadas em sala de aula, tais como: cópia de textos

sem exploração contextualizada, escrita de palavras que começam com determinada família

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silábica, ditado de palavras aleatórias, além de produções de textos descontextualizados, sem

discussão ou comentários antes de iniciar a produção, fica claro que são exemplos de

atividades que pouco favorecem o processo de alfabetização no qual acreditamos. Não

atribuem a esse processo uma orientação compreensiva, holística, inovadora e transformadora.

No entanto, evidenciam as concepções de alfabetização que a professora da escola pesquisada

possui.

Constatamos que nas respostas ao questionário aplicado, a professora deixou claro

que, para ela, “alfabetização é decifrar códigos, ler, escrever, interpretar, produzir, transmitir

com domínio o conhecimento através da mensagem oral...”.

Dessa forma, foi possível compreendermos algumas lacunas desse processo, no

qual saber decodificar é o principal objetivo do trabalho realizado pela professora. De acordo

com nossa fundamentação teórica, para fazer com que as crianças participem de atividades de

leitura e escrita, a escola precisa criar pontes entre as práticas de leitura e da escrita da casa,

da escola, e da comunidade, oferecendo aos alunos um contexto e um sentido, um propósito e

uma finalidade significativa e relevante, estimulando a utilização de estratégias similares às

usadas pelos sujeitos alfabetizados fora do âmbito escolar, para compreender e aprender a

partir de um texto escrito ou para exprimir e comunicar idéias por escrito, como meio de os

alunos apreenderem na escola os usos sociais e culturais da língua escrita e suas estratégias de

utilização autônoma e crítica.

O que precisamos ter claro é que a alfabetização precisa ser significativa,

envolvente, os alunos precisam sentir-se como parte integrante do processo, onde seu

cotidiano, suas histórias e idéias sejam valorizadas e incorporadas nas atividades realizadas. É

isso que, infelizmente, não ocorre na sala pesquisada, pois os alunos não têm a oportunidade

de discutir, estabelecer relações com sua história de vida, porque os textos trabalhados não

são contextualizados.

A alfabetização deve ser um processo de construção de hipóteses sobre o

funcionamento do sistema alfabético de escrita. Para aprender a ler e escrever, o aluno precisa

participar de situações que provoquem a necessidade de refletir, transformando informações

em conhecimento próprio e enfrentando desafios. É utilizando textos reais, como listas,

poemas, bilhetes, receitas, contos, piadas etc., que os alunos podem aprender muito sobre a

escrita.

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No entanto, os textos de cartilha utilizados pela professora, em sua maioria, não

possuem função social. São textos com simples agrupamento de frases que não condizem com

o cotidiano dos alunos. Ao invés de instigar a reflexão e o estabelecimento de relações por

parte dos alunos, estes precisam direcionar sua atenção no intuito de imaginar situações que

geralmente não fazem parte da sua realidade.

Dessa forma, observamos que o processo realizado na sala pesquisada se restringe

apenas a um dos aspectos pertinentes à alfabetização, deixando de lado as reflexões que

deveriam ser feitas acerca da leitura e da escrita. Sendo que estas só constituem significado se

inseridas em um contexto social. Parafraseando Soares (1998), ressaltamos que este processo

não pode se desvincular, mas sim acontecer de maneira simultânea.

Constatamos também que tanto a orientadora como a supervisora, que participam

do processo de alfabetização, pouco contribuem para que este tome caminhos mais

significativos e contextualizados. A supervisora, no momento do planejamento, não interfere

na prática da professora de sala. Ajuda com sugestões de atividades. No entanto, não

argumenta sobre a importância da aplicação dessas atividades de maneira significativa e,

sobretudo, pautadas em um planejamento coerente com o desenvolvimento cognitivo de seus

alunos. Além disso, não questiona o tipo de atividades que a professora costuma usar, apenas

quer ver o resultado final, sem debater o caminho que está sendo percorrido.

Outro aspecto relevante é o planejamento que não pode ser um ato isolado, onde a

professora senta na sala dos professores e, de posse de alguns livros e cartilhas, define o que

será trabalhado durante a semana ou quinzena. Precisa de maior envolvimento, discussão com

toda a equipe técnica, para que, assim, possa expressar suas dúvidas e angústias, em busca de

soluções. Porém, essa prática não vem ocorrendo com a professora pesquisada. Não

presenciamos nenhum momento de reflexão e debate com outros professores e nem com a

equipe técnica.

O debate, a reflexão e a troca de idéias e experiências são elementos

importantíssimos para o momento do planejamento, pois além de integrar a equipe em busca

dos mesmos objetivos, permite a socialização de saberes, o aprimoramento e a apropriação de

fundamentações teóricas que sejam colocadas em discussão e análise.

Percebemos que a orientadora limita seu trabalho à resolução de questões

disciplinares e de freqüência. E em razão disso se envolve pouco com as questões

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pedagógicas. Sendo assim, a professora fica, na maioria das vezes, trabalhando apenas em

cima de suas concepções e se distancia das atuais discussões sobre alfabetização.

A orientadora tem um papel importante a ser desempenhado no processo de

alfabetização: junto com a professora, poderia identificar os problemas de aprendizagem e

conduzir os alunos aos profissionais competentes, oferecidos pelo Poder Público, a fim de

minimizar ou até mesmo sanar problemas oftalmológicos, psicológicos e outros.

Acreditamos que, tanto a supervisora como a orientadora, deveriam buscar

caminhos mais eficazes de contribuição para o trabalho da professora. A Rede Municipal de

Ensino proporciona vários momentos de estudos (cursos específicos, palestras, seminários,

encontros em pólos para formação continuada) que são instrumentos de reflexão e deveriam

servir como referencial para o trabalho da professora.

Outro fator relevante desta pesquisa é com relação à contribuição dos pais no

processo em questão, pois percebemos que eles não encaram a fase da alfabetização como

uma fase determinante na vida dos filhos. Diante das respostas obtidas durante a entrevista

que mantivemos com alguns pais, estes não pareceram suficientemente preocupados e

engajados no que diz respeito ao processo de alfabetização em que seus filhos se encontram,

pois afirmaram que dificilmente acompanham tal processo, o que pode desfavorecer a

aprendizagem, porque o interesse demonstrado pelos pais, em relação às tarefas de casa ou no

questionamento em relação às atividades realizadas, ou não na escola, muitas vezes serve

como estímulo para as crianças, pois estas precisam se sentir observadas ou até mesmo

cobradas, para que assim possam se sentir mais responsáveis e dedicadas.

Podemos perceber, então, que as experiências das pessoas com a leitura e a escrita

variam muito conforme a classe social a que pertencem. Em certas famílias, a leitura e a

escrita fazem parte da vida cotidiana: jornais e cartas são lidos e comentados, bilhetes e listas

de compras são escritos, cheques são preenchidos. Na maioria das famílias pobres, como é o

caso das famílias pesquisadas, os atos de leitura e escrita são raros ou mesmo inexistentes,

seja porque as pessoas não aprenderam a ler, seja porque as suas condições de vida e trabalho

não exigem o uso da língua escrita.

Quando o ensino das primeiras letras é muito dissociado dos usos da leitura na

vida social, muitas vezes o aluno conclui que se aprende a ler e escrever para passar de ano e

para copiar os exercícios dados pela professora. No entanto, se a alfabetização for conduzida

de forma a demonstrar que a leitura e a escrita têm função aqui e agora, e não apenas num

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futuro distante, é provável que o indivíduo se sinta mais motivado para o esforço que a

aprendizagem exige.

Partindo desse pressuposto é que acreditamos que seria de maior interesse para as

crianças se as atividades propusessem escrita para destinatários reais, contendo um objetivo e

uma finalidade específica, sempre envolvidas por momentos de socialização, onde poderiam

conversar com os colegas e comparar suas hipóteses, revisando e aprimorando o que

escrevem.

Esses momentos precisam contar com situações conflituosas, desafiadoras, para

que, com os erros e acertos, as crianças procurem desvendar de maneira significativa esse

mundo letrado, a fim de fazerem uso da língua de acordo com suas aplicações sociais.

Ressaltamos que durante a observação da conduta da aula, podemos observar que

a professora somente leu para os alunos textos retirados de cartilhas que não traziam em seu

conteúdo nenhuma função social. No entanto, acreditamos que a professora deveria fazer

leituras orais de diferentes tipologias textuais, para, assim, facilitar as trocas entre os alunos e

provocar reflexões, pois a professora que lê para a turma “acorda” as histórias que dormem

nos livros. Os alunos recontam essas histórias, aprendendo a perceber as diferenças entre

língua falada e escrita.

Esse trabalho é importantíssimo para a formação de leitores. Mas as crianças não

devem ficar limitadas às narrativas literárias, pela voz da professora, podem e devem entrar

em contato com notícias do jornal, cartas, cartões postais, documentos, anúncios, enfim, os

diversos tipos de impressos que circulam no meio em que vivem.

Exercícios escritos, cartas e bilhetes para os pais, convites, murais, cartazes e

jornais são alguns tipos de escritos com estruturas textuais diferentes, tradicionalmente

presentes na cultura escolar. Quando aparece ou é criada a ocasião para usar determinado tipo

de texto, a professora alfabetizadora, ou das séries iniciais, pode servir de escriba: ela ouve as

idéias dos alunos, comenta, incentiva a participação de todos e escreve o texto, diante da

turma, chamando a atenção para o fato de que aquilo que se diz (a língua oral) não é

exatamente igual ao que se escreve (a língua escrita). Assim se faz a transição da oralidade

para a escrita.

Uma maneira prática e eficaz de trabalhar a leitura é por meio das rodas de leitura,

que são encontros, dentro ou fora das salas de aula, em que um leitor-guia seleciona e lê em

voz alta um texto, que pode ser um conto, parlendas, adivinhas, poemas, fábulas, ou outra

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tipologia textual que seja apreciada pelo público em questão. É importante que estas leituras

sejam feitas por diferentes leitores, não somente pelo professor, mas também pelos próprios

alunos.

Geralmente a criança convive socialmente com diversas formas de leitura e

escrita, o que contraria ensiná-las apenas a codificar e decodificar aleatoriamente, sem dar

sentido à função da leitura e escrita.

Para proporcionar uma alfabetização mais prazerosa e eficaz é de suma

importância que o professor tenha claro a necessidade dos espaços de leitura, sendo que não

adianta somente variar a tipologia textual, é interessante que a criança possa descobrir

diferentes espaços de leitura, pois assim poderá assimilar conhecimentos e fazer reflexões em

contato com diferentes situações e momentos.

É inadmissível que as crianças passem todo um período de aula dentro de uma

sala superlotada, onde mal conseguem se mexer, apenas ouvindo as orientações da professora

e copiando atividades da lousa. O espaço físico da escola precisa ser aproveitado: o pátio, a

biblioteca e outros espaços podem e devem ser usados. A roda de leitura, por exemplo, fica

muito mais gostosa e interessante quando feita fora das quatro paredes da sala de aula.

Entendemos que os problemas encontrados no processo de alfabetização não

podem ser atribuídos única e exclusivamente à professora, pois a falta de incentivo dos pais, o

acesso restrito a materiais do mundo letrado por parte das crianças, e a falta de interação e

apoio por parte da equipe técnica da escola são fatores que desfavorecem o êxito desse

processo.

Percebemos assim, que a escola como um todo precisa caminhar unida, pois não

basta apenas ter um Projeto Político Pedagógico, é necessário que este seja do conhecimento

de todos, para que dessa forma possa ser discutido e analisado de maneira crítica, em busca de

objetivos comuns. Para tanto, a fundamentação teórica torna-se imprescindível, uma vez que

só podemos discutir métodos e conceitos se estivermos teoricamente embasados para defender

nossa prática pedagógica e/ou propor mudanças, ou tecer críticas em relação a determinados

métodos ou concepções.

Esta pesquisa buscou desvendar alguns aspectos específicos sobre o ensino da

escrita e da leitura, na primeira série do Ensino Fundamental, na escola anteriormente

mencionada, traduzindo uma idéia sobre como esse ensino vem ocorrendo, e a discussão

sobre as práticas sociais dessa alfabetização.

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Nossa observação constatou que a escola, como um todo, precisa redimensionar

suas concepções da língua escrita e ampliar suas reflexões sobre o significado da

aprendizagem, proporcionando momentos de interação entre toda a equipe técnica e

pedagógica, para que, assim, possam buscar, juntos, soluções para os problemas mais

recorrentes, melhorando a qualidade do processo de ensino e de aprendizagem.

Gostaríamos de propor que essa instituição abra espaços de leitura variados, para

criar um “ambiente lingüístico/alfabetizador”. Esse ambiente pode comportar a sala de aula,

corredores, pátios escolares, bibliotecas, ou seja, todo e qualquer local que possa ser

aproveitado, porque onde quer que os textos existam, também existem espaços de leitura.

Parece óbvio dizer que os espaços de leitura acompanham a presença dos escritos

na sociedade. Entretanto, não basta que existam materiais escritos em diversos lugares se

esses materiais não se tornam observáveis como objeto de interesse e façam sentido para os

alunos. Nesse caso, faz diferença o trabalho do professor: esse profissional precisaria

trabalhar com a tarefa de criar um motivo para que os aprendizes olhassem com outros olhos

coisas (suportes/ textos) aparentemente “naturais”, que fazem parte do cotidiano da escola e

da sociedade.

Quando apresentamos reflexões sobre o funcionamento do mundo da escrita no

espaço escolar, estamos propondo uma intervenção que envolva a descoberta, a convivência e

a identificação de suportes e a compreensão do modo como circulam e como são classificados

os textos, atividades estas que podem ser desenvolvidas paralelamente ao trabalho de

construção do sentido dos textos e da decodificação. Essas são práticas que trabalham não só

a leitura em si, mas também o que a antecede, e o que pode prolongá-la, numa visão das

condições sociais que determinam a leitura e a escrita.

Não estamos aqui sugerindo mudanças instantâneas no processo de ensino da

professora em questão, pois a introdução de novos usos também é decorrente de outras

questões que extrapolam os aspectos específicos da leitura. Não somente ela, mas toda a

escola deverá preocupar-se em introduzir materiais que respondam a alguns desafios inerentes

às inovações pedagógicas, com foco na interdisciplinaridade, em novas metodologias – como

a de trabalho com projetos, em conteúdos próprios da contemporaneidade, respondendo a uma

necessidade de contextualização das aprendizagens.

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Com essas inovações os materiais de leitura serão reordenados no âmbito das

necessidades pedagógicas gerais. Algumas dessas necessidades também vão interferir nas

práticas culturais de leitura e escrita na escola.

Saber ler, escrever, interpretar e ainda fazer o uso correto dessas habilidades é

fundamental. Temos de saber fazer a leitura crítica de tudo o que nos rodeia (a leitura de

mundo) e exercer realmente o papel de cidadão.

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CONCLUSÃO

Concluímos que, como educadores, é necessário repensar a nossa prática

pedagógica, alicerçando nossa trajetória em bases teóricas sólidas, que nos dêem suporte para

realizarmos uma atividade docente significativa, encarando os vários aspectos da

alfabetização.

Para o educador se tornar um “professor-letrador” é necessário, primeiramente,

obter informações a respeito do tema letramento, as suas dimensões e, sobretudo, a sua

aplicação. Esta última é desenvolvida por meio de pesquisa e investigação, que geram

subsídios e suportes.

Sabemos que o processo pode ser lento, mas é preciso mudar. E para isso a

formação e as concepções das pessoas envolvidas no processo de alfabetização precisam ser

colocadas em questão, para que, por intermédio de fundamentações teóricas e profundas

reflexões, possam encontrar possibilidades de mudança em busca de uma educação de melhor

qualidade.

Uma primeira mudança nesse aspecto é a de não esperar que as crianças saibam ler

ou escrever para que tenham acesso aos conteúdos dos textos. A professora deve assumir, ela

mesma, o papel de leitora e escritora, mediando o aspecto da decodificação, para que os

alunos tenham acesso aos diferentes aspectos da significação. Os textos também podem ser

lidos ou escritos por alunos que “já sabem ler e escrever”, da mesma turma ou de outras

turmas, alterando os papéis e posições de quem pode ler e escrever para o outro.

Diversificando-se, assim, o uso da modalidade oral e escrita em contrapartida a uma prática

de leitura silenciosa e individual, priorizada em outras situações e momentos das aulas.

Esta prática não partirá do princípio da verificação de competências de leitura e

escrita, ou seja, para avaliá-las, mas como uma prática que visa favorecer e democratizar o

acesso a conteúdos e gêneros.

Nesse primeiro momento, propomos que não haja a preocupação com pré-

requisitos para a leitura ou escrita. Essa lógica de pré-requisitos excluiu os alunos, por muito

tempo, do acesso a textos plenos de sentidos e a usos mais elaborados da leitura e escrita. Na

leitura e escrita feita nesse sentido, prioriza-se o uso social, o sentido e a entrada no mundo da

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escrita, ou seja, na cultura do escrito, pois formar crianças letradas é dar-lhes instrumentos

para obter informações, atualizar-se, conhecer o ponto de vista de pessoas próximas ou

distantes, e ainda viver as emoções e aventuras narradas pelos autores de obras literárias.

Com essa análise, nota-se a importância de determinados procedimentos que

facilitem esse processo de mudança, além de tentarmos compartilhar com a escola e sobretudo

com a professora, idéias que provoquem uma inquietação em sua prática docente, pois, como

já mencionamos anteriormente, após realizarmos a pesquisa, sentimo-nos cúmplices desse

processo, e dessa forma procuraremos, a partir desta pesquisa, contribuir para que as crianças

observadas possam ter acesso a melhores condições de aprendizagem.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TFOUNI, Leda Verdiani. Letramento e Alfabetização. São Paulo: Cortez, 2005.