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Lucimar Rosa Dias
Práticas educativas de combate ao racismo na Educação Infantil: experiências
compartilhadas
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desenho produzido por uma criança participante da pesquisa - 1997
�Nem tudo que se enfrenta pode ser
modificado, mas nada pode ser modificado se
não for enfrentado.�
James Baldwin
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Ao Fabiano, meu companheiro, fonte de amor e dedicação: luz no meu caminho;
Ao Fabiano, meu filho, fonte sem fim de alegria e amor,
À minha família nº 01- meus pais, irmão e irmãs, sobrinhos e sobrinhas e ao
sobrinho neto. Cada um ao seu jeito me ajuda sempre;
À minha família nº 02- meu sogro e sogra e cunhado(a), pelo apoio ;
Aos amigos e amigas porque estão sempre ao meu lado; em especial a Cidinha da
Silva, Ido Michels e Patricia Santana que tentataram cada a um a seu tempo
publicar o livro
Às pessoas do grupo TEZ - Trabalhos e Estudos Zumbi (MS), com as quais
aprendo que a força está no coletivo.
Dedico este livro.
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Às professoras Ana Lúcia E.F. Valente, Neusa M.M. de
Gusmão e ao professor Helio Santos, pessoas importantes nesse
processo, que me ofereceram conhecimento, segurança,
amabilidade e extremo companheirismo;
Obrigada.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................10
CAPÍTULO I .........................................................................................................18
O negro na educação: história que poucos contaram
CAPÍTULO II .........................................................................................................26
Uma proposta de combate ao racismo na Educação Infantil: recuos e
avanços
CAPÍTULO III ........................................................................................................65
Representações de negros e brancos no desenho infantil
CAPÍTULO IV ........................................................................................................91
Construção e busca de novos caminhos de reflexão e de intervenção: a
proposta de combate ao racismo gera novos trabalhos
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................118
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Prefácio
A publicação do livro de Lucimar Rosa Dias - Práticas educativas de
combate ao racismo na educação infantil: experiências compartilhadas �
originalmente apresentado como dissertação de mestrado ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da UFMS com o título Diversidade étnico-racial e educação infantil: três
escolas, um problema, várias respostas, não poderia deixar de despertar alegria e uma
sensação de vitória ante o resultado obtido, que pode ser tomado como importante
contribuição à luta da autora e minha, não apenas porque fui a responsável formal por sua
orientação. Como se sabe, a relação orientador-orientando é mais complexa do que se
possa imaginar, envolvendo uma grande carga de afetividade. Trata-se de uma relação em
que histórias de vida individual e coletivamente construídas se cruzam para contar uma
outra história partilhada, marcada por lembranças alegres, desafios superados,
expectativas de crescimento intelectual progressivo, decepções, tristezas e mágoas... Em
poucas linhas, permito-me contar o que vale a pena preservar na memória desse trajeto
que definiu as coordenadas, mas está escondido nas entrelinhas do texto que chega às
mãos do leitor.
Assim como outra orientanda que ingressou no curso de mestrado na mesma
época, Lucimar trouxe-me a oportunidade de enfocar uma temática tradicional e
teoricamente muito instigante no campo da antropologia: a diversidade cultural e os
mecanismos de construção da etnicidade. Porém, foi com o seu trabalho que pude
retomar um campo de estudo específico, privilegiado nos anos de minha formação
acadêmica, dando continuidade à linha de reflexão que herdei de meu orientador, João
Baptista Borges Pereira, um dos mais respeitados antropólogos no estudo da questão
racial do país. Como afirmei em outra ocasião, gosto de reivindicar para mim a posição
de sua maior seguidora, a despeito de ser ou não verdade. Lucimar não se coloca em
relação a mim do mesmo modo, mas não resta dúvida de que foi ela quem fez avançar
prática e teoricamente a proposta metodológica de combate ao racismo nas escolas que
elaborei no início da década de 1990. Ofereceu inúmeras contribuições para que o
esboço, o ensaio de uma proposta de intervenção fosse recebendo pinceladas criativas,
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capazes de potencializar a sua eficácia.
Lucimar, como a colega do mestrado, também partilhou, na mesma ocasião,
momentos de angústia em razão de meu afastamento, por quase dois anos, para um pós-
doutorado no exterior, em que pese ter contado com a competente co-orientação de Neusa
Maria Mendes de Gusmão, docente da UNICAMP, amiga antropóloga que se dispôs a
contribuir no desenvolvimento do trabalho. Desse contato resultou a utilização de
imagens contidas em desenhos de crianças, como fonte complementar da pesquisa, em
três escolas de Campo Grande/MS. Porém, essa angústia tomou contornos alarmantes em
razão do próprio campo de estudos escolhido: a questão do negro no Brasil. Lucimar
sofreu de forma mais dolorosa os efeitos de minha ausência, uma vez que a exigência
institucional de substituir a orientação desnorteou seus horizontes teóricos e afetivos,
mesmo porque o aliado fez-se inimigo e refletia-se no espelho...
Tomando de empréstimo as palavras de João Baptista Borges Pereira, ao prefaciar
um livro de minha autoria:
Todos os estudiosos do negro no Brasil estão familiarizados com as grandes
dificuldades que envolvem fazer pesquisa em área tão sensível. São dificuldades
que brotam de três ordens de fatores: a primeira está ligada a uma produção
intelectual acentuadamente descontínua que, através dos anos, vem mostrando
apenas algumas faces de uma realidade que cada vez se mostra mais complexa
(isto parece revelar, entre outras coisas, a falta de estímulo nos meios acadêmicos
para esse tipo de estudo). A segunda está presa a certas características da
realidade estudada: uma realidade escorregadia, ambígua, contraditória, que
costuma enredar sentimental e emocionalmente os que se aventuram a entendê-la.
Finalmente, a terceira está vinculada à crescente politização e ideologização do
tema, clima que condiciona, obrigatoriamente, em várias direções, às vezes
contraditórias, atitudes e comportamentos de camadas mais atuantes do grupo
racial. Seria difícil ao pesquisador permanecer indiferente a esse clima político-
ideológico. Diria, mesmo, ser isto impossível, e até mesmo indesejável ou
reprovável. Todavia, a identificação do estudioso com seu objeto, nesse plano,
não pode e nem deve significar o comprometimento de sua visão crítica e a perda
de controle de seus referenciais analítico-interpretativos ( In: O negro e a Igreja Católica).
Outras dificuldades ou desafios foram colocados à autora. Primeiramente, devem
ser consideradas as resistências que persistem no campo da educação em trabalhar o
diálogo com antropologia e mesmo em enfocar a questão educacional como um aspecto
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de dimensões mais amplas, que não se esgota e não se limita aos muros da escola. Sem
que meus orientandos possam escapar da influência dos procedimentos, da forma de
apresentação e análise antropológicas, esse desafio foi enfrentado.
Em decorrência disso, como as relações interétnicas vêm sendo historicamente
estudadas pela antropologia e o campo educacional tem se mostrado muito reticente no
trato das diferenças culturais e raciais, outra ordem de dificuldades se impôs: a
necessidade de certo domínio teórico do que foi produzido sobre a questão racial, por
alguém formada em pedagogia e experiência na educação infantil, mas que, ao mesmo
tempo, a capacitava para iluminar uma de suas faces pouco exploradas. Nessa
perspectiva, o trabalho de Lucimar se insere no movimento desencadeado por estudiosos
das relações interétnicas e principalmente militantes de grupos negros organizados no
país que, a partir da década de 1980, apontaram para a necessidade de se dar maior
atenção ao processo educativo que se desenvolve em várias instâncias da convivência
humana. Toma-se como pressuposto de que é no transcorrer desse processo que se
cristalizam concepções falsas sobre os negros, também internalizadas pelo grupo étnico,
dificultando a construção de uma identidade positiva, capaz de contrapor-se às
concepções negativas sobre o negro elaboradas historicamente pelos grupos brancos
dominantes.
Além disso, na condição de participante ativa do Grupo Trabalho e Estudos
Zumbi � TEZ -, do qual foi presidente, à autora se colocou o desafio pessoal de
�transcender� o pragmatismo da militância. A urgência do enfrentamento de discussões
teóricas evidenciou-se na medida que se afirma nos meios acadêmicos que, com a
politização da questão racial, os estudos mais diretamente engajados com os movimentos
sociais negros têm, em alguns casos, padecido de um certo distanciamento, necessário à
reflexão crítica.
Quando se tem a frente um texto organizado em formato de livro, nem sempre é
possível avaliar quantos obstáculos foram vencidos para que fosse elaborado. Nem
mesmo é possível dimensionar a extensão da luta, sobre a qual fiz referência no primeiro
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parágrafo. Como sugeri, essa luta não tem os limites demarcados porque extrapola os
objetivos de qualquer trabalho acadêmico, de qualquer contribuição particular e datada.
Lutar contra o racismo exige persistência, ainda por muito tempo, e força de todos
aqueles que quiserem ser aliados. Mas, relembrando o momento de defesa da dissertação,
quando obteve a nota máxima, não poderia deixar de considerar que Lucimar � ao que
tudo indica �filha� de Iansã, orixá guerreira do campo religioso afro-brasileiro � fez e faz
da condição de mulher e negra, como se reconhece e gosta de ser reconhecida, a espada
envergada por sua �mãe�. Sem abrir mão da militância, transformou-a, transformando-se
numa pesquisadora promissora, nessa luta em que ter domínio teórico e crítico da questão
racial pode fazer toda a diferença. Essa foi a sua maior vitória, que tive o privilégio de
presenciar.
Ana Lúcia Eduardo Farah Valente
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INTRODUÇÃO
A vida cotidiana é insuprimível. Não há sociedade sem
cotidianeidade, não há homem sem vida cotidiana. Enquanto
espaço - tempo de constituição, produção e reprodução do ser
social, a vida cotidiana é ineliminável.
José Paulo Neto
A História da Pesquisa
Uma pesquisa nunca começa no momento em que se entra para o curso de pós-
graduação. Há sempre uma história anterior, acontecimentos que nos fazem partir em
busca de sua compreensão. É essa vontade de buscar a apreensão do real que nos
transforma em pesquisadores. Somos, acima de tudo, aprendizes e decifradores dos
processos que vivemos diretamente ou que nos intrigam de alguma forma.
Em meu caso, os temas tratados neste trabalho, o racismo, a discriminação racial e
o preconceito na escola há muito fazem parte de minha vida. Quando criança, negra,
sofria a discriminação na escola sem compreendê-la, sem saber a que atribuir a rejeição
dos colegas de classe. Após os quinze anos, ao adquirir consciência de minha identidade
como negra, pude, ainda que intuitivamente, compreender como vivemos, tornando-me
preocupada e atenta.
Muitos anos já se passaram desde a �descoberta�, e o que era curiosidade e
preocupação individual tornou-se luta coletiva. Desde 1991 atuo no movimento negro,
por meio do grupo TEZ � Trabalhos e Estudos Zumbi, fundado em Campo Grande -MS a
18 de março de 1985. Portanto, minha pesquisa está �contaminada� pela visão da
militante, mas de uma militância que se dispôs a fazer uma reflexão mais sistemática
sobre sua própria forma de atuação e análise, e também �contaminada� porque acredita
no papel importante da militância, mesmo que esta esteja sempre voltada para a atividade
imediata. A militância, muitas vezes, põe na pauta das reflexões acadêmicas as
problemáticas vividas no cotidiano.
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É a partir dessa constatação que, da militante envolvida com o empírico, se
constrói a pesquisadora em busca da �suspensão� da cotidianeidade militante, para a
reconstrução reflexiva da totalidade concreta em que se insere esse cotidiano. É, pois, sob
essa perspectiva, que os fatos relatados abaixo têm sua importância neste trabalho de
pesquisa.
Tudo começou em 1993, numa escola comunitária do município de Campo
Grande. O professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Jorge
Manhães foi convidado por professoras de Educação Infantil para ajudá-las a propiciar
uma discussão com crianças de cinco a seis anos de idade sobre as diferenças étnico-
raciais entre as pessoas e como isso não deve ser fato de tratamento discriminatório.
As professoras sentiram necessidade de um trabalho desse tipo, porque tinham
em sala uma criança negra que estava sendo rejeitada pelas outras. Diante do convite, o
professor Manhães procurou a Prof.a Ana Lúcia E. F. Valente, também da UFMS e
pesquisadora da questão racial, para juntos discutirem uma forma de intervenção no caso.
Chegaram à conclusão de que não era possível nem proveitoso fazer uma palestra sobre o
assunto. Era necessário uma forma diferente de abordagem, uma metodologia que
incluísse elementos que chamassem a atenção, motivassem, fossem atrativos e de
interesse para as crianças e que, ao mesmo tempo, alcançassem o objetivo de
problematizar a questão das diferenças e da igualdade entre as pessoas. Queriam,
sobretudo, algo que sensibilizasse as crianças, algo que criasse um espaço de empatia
com a diferença.
Essas definições iniciais possibilitaram aos dois professores organizar alguns
instrumentos metodológicos, isto é, uma forma de abordagem para iniciar a discussão
sobre a questão racial com as crianças da Educação Infantil. Fui, em seguida, procurada
por Manhães para opinar sobre os procedimentos pensados por eles e, com minha
experiência de professora e militante, dei a metodologia, o encaminhamento pedagógico
necessário. Acrescentei ao trabalho: 1) a forma de apresentar às crianças as flores e os
animais de mesma espécie e cores diferentes; 2) a leitura do livro Menina bonita de laço
de fita, de Ana Maria Machado, que aborda o tema racial de forma bem-humorada e
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prazerosa, explicando qual a origem da cor da pele das pessoas e 3) o buquê de flores
humanas, que é um momento em que propomos às crianças uma teatralização de um
jardim. Combinamos que elas serão as flores desse jardim e pedimos que montem, com
seus próprios corpos, um jardim. Em seguida, discutimos essa atividade, procurando
estabelecer relações com as flores que elas viram antes. Esse diálogo geralmente chega ao
ponto que desejamos, em que as crianças concluem que os seres humanos também fazem
parte da natureza e, como todos os outros integrantes, possuem suas diferenças e
semelhanças, sem com isso serem inferiores ou superiores entre si.
A experiência inicial de aplicação da metodologia foi relatada por Ana Lúcia E. F.
Valente como Proposta Metodológica de Combate ao Racismo, publicada nos Cadernos
de Pesquisa nº 93 de maio de 1995. Já a metodologia da forma que foi encaminhada por
mim e acrescida de atividades desenvolvidas durante minha pesquisa foi publicada em
julho de 2001 no formato de cartilha organizada por Edna Rodrigues Arthuso do
Movimento de Luta Pró-Creches-MLPC como resultado do trabalho desenvolvido na
Creche Comunitária Caiçaras em Belo Horizonte - Minas Gerais que contou com minha
assessoria à distância.
A metodologia tem como pressuposto:
�(...) o reconhecimento da diferença, com o objetivo de inverter o processo que
tende a associar tal reconhecimento aos estereótipos negativos. Ou, em outras
palavras, o reconhecimento da diferença deve ser construído no sentido da
�valorização� e posterior �naturalização� dessa diferença, para que a igualdade
subjacente seja ressaltada�. (VALENTE, 1995:44).
A aplicação da metodologia, a fim de atender seu pressuposto, prevê a utilização
dos seguintes materiais: 1- flores da mesma espécie e cores diferentes; 2 - animais da
mesma espécie e cores diferentes; 3 - desenhos de pessoas negras e brancas feitos pelas
crianças antes e depois da atividade com as flores e os animais. É bom que a professora
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converse com as crianças durante a produção dos desenhos para identificar quem são as
pessoas que as crianças estão desenhando e qual a cor/raça de cada pessoa desenhada. Na
conversa é possível captar muito do que elas trazem de conceitos e preconceitos sobre a
temática em questão; 4 - Livro de Ana Maria Machado, Menina bonita do laço de fita.
�A adaptação dessa metodologia [o uso de desenhos] deu-se no sentido de
considerar que todas as crianças, independentemente de cor, são capazes de expressar,
por meio de desenhos, a ideologia racista que permeia as relações sociais no Brasil�.
(Valente, 1995:46). Os desenhos deverão ser realizados antes e depois do �diálogo
participativo�. E o trabalho é finalizado com a leitura do livro Menina bonita do laço de
fita.
A apresentação é feita em forma de surpresa: levam-se escondidos os bichos e as
flores, que são apresentados separadamente. Primeiro as flores, que devem estar
escondidas para que as crianças adivinhem o que está no embrulho e, depois, quais as
características das flores, tais como: tamanho, cores, tipo, etc. Exploram-se todas as
possibilidades e qualidades das flores que são da mesma espécie e cores diferentes, assim
também com os animais.
Essa proposta metodológica foi aplicada, de forma parcial, sem a utilização dos
desenhos, pelo professor Jorge Manhães e por mim, na sala de aula em que ocorria o
problema de discriminação. Os resultados foram positivos, mas apenas constatados,
empiricamente, por meio de diálogo estabelecido com as professoras e pais de alunos.
Depois do desenvolvimento dessa experiência, apliquei como multiplicadora essa mesma
metodologia em outras escolas que solicitaram palestras sobre o tema das diferenças
étnico-raciais para crianças de Educação Infantil. A recepção da metodologia, em todas
as escolas em que era aplicada, era muito boa tanto por parte dos professores como dos
alunos. As crianças debatiam a questão das diferenças raciais com entusiasmo e
sinceridade, possibilitando um diálogo franco e reflexivo sobre o assunto.
Já no programa de pós-graduação e com o objeto de estudo definido �
mecanismos metodológicos adotados pelas escolas para trabalharem as relações raciais
entre negros e brancos na Educação Infantil � fomos em busca dos dados. É possível
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desenvolver um trabalho rico e questionador em relação aos preconceitos manifestados.
Uma das constatações mais comuns dos que lutam contra o preconceito racial no Brasil é
a forma �velada� como ocorre: as pessoas têm, mas não assumem ou não sabem
identificá-lo, impedindo, muitas vezes, que se faça uma discussão. Segundo Sueli
Carneiro,
�A �genialidade� do racismo brasileiro reside exatamente nisso. Aqui se produziu a
forma mais sofisticada e perversa de racismo que existe no mundo, porque nosso
ordenamento jurídico assegurou uma igualdade formal, que dá a todos uma
suposta igualdade de direitos e oportunidades e liberou a sociedade para
discriminar impunemente (...). Ora, não havendo segregação legal, estaríamos no
paraíso racial. (�) O negro não chega a ser objeto de ódio dessa sociedade, é
apenas objeto de desprezo. Ainda nem chegamos nesse patamar de desenvolver
uma força poderosa como a provocada pelo ódio, e que causaria um confronto
entre negros e brancos. A possibilidade nem chegou a existir entre nós; foi
sufocada por essa engenharia da igualdade no plano legal e a exclusão absoluta no
plano das relações concretas, acobertadas pelo mito da democracia racial.�
A metodologia desenvolvida por mim e pelos professores Manhães e Valente está
afinada com esse momento importante que a sociedade vive e, em particular, com os
discriminados, pois contribui para que seja possível, pelo menos com as crianças,
estabelecer um diálogo aberto e franco sobre o assunto, além de possibilitar uma dica aos
professores que desejam iniciar o trabalho na escola e não sabem um caminho.
Um exemplo disso foi o trabalho desenvolvido por professoras da educação
infantil na mesma escola em que tudo começou, com especial destaque ao trabalho da
professora Ana Lúcia da Silva Sena. O trabalho tomava como referência a metodologia,
mas não se restringiu a ela. Construiu novas possibilidades.
Outro aspecto importante é que a metodologia, inicialmente pensada para ser
aplicada em salas com crianças pequenas, tem sido utilizada pela professora Nilda da
Silva Pereira, com adolescentes, tendo ótimos resultados. Essas novas propostas são
fundamentais para que possamos intervir em casos como o que ocorreu em uma das
experiências da aplicação. O aplicador perguntou: - �Por que vocês acham que o negro
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tem a pele desta cor? - Porque eles são feitos de porcaria! � respondeu impulsivamente
uma criança branca�. (Valente, 1995:48)
Esse é um pequeno mas ilustrativo exemplo de como a metodologia pode suscitar
questões bastante relevantes para a discussão prevista. Pois bem, diante da certeza de que
a metodologia era um instrumento promissor para colher dados sobre como se expressam
as relações entre negros e brancos na sala de aula, parti para a escolha das escolas. Para
isso, utilizei alguns critérios. Queríamos escolas que atendessem públicos diferentes,
tanto do ponto de vista pedagógico como do ponto de vista socioeconômico. O
fundamental era que as escolas quisessem discutir a questão étnico-racial com seus
alunos da Educação Infantil.
Com esses critérios, a primeira opção foi visitar as escolas que já haviam
solicitado palestras ou outra forma de discussão sobre o assunto, no que fui bem
sucedida, pois as duas escolas que visitei aceitaram trabalhar. Uma das escolas é a mesma
em que o trabalho surgiu. Outra já havia me convidado anteriormente para aplicar a
metodologia por ter tido conhecimento do trabalho, aceitando, de pronto, quando
apresentei o projeto de pesquisa. Já a terceira escola possui diferencial e, novamente aqui,
se apresenta a �contaminação� da militante: não havia nenhum trabalho anterior em
relação à discussão étnico-racial na Educação Infantil e nunca havia sido procurada para
falar sobre o assunto.
Por outro lado, me interessava muito possuir uma singularidade não encontrada
em nenhuma das outras, isto é, a presença de muitos alunos negros. Assim, interessava-
me saber como seria a aplicação da proposta em grupos cuja presença de crianças negras,
se não era a maioria, pelo menos tinha um número próximo da metade. Apliquei,
portanto, a proposta em três escolas com perfis diferentes, mas com algo em comum:
todas estavam interessadas em desenvolver algum trabalho relacionado à questão étnico-
racial. E as escolas foram intituladas de Escola A, Escola B e Escola C.
A Escola A, onde a metodologia foi aplicada pela primeira vez, é comunitária,
sem fins lucrativos, fica na parte central da cidade e atende a um público de classe média.
Possui maioria de alunos brancos e uma linha pedagógica intitulada pelos professores
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como progressista/construtivista. Contudo, durante a pesquisa, o grupo de professores
com o qual havia mantido o primeiro contato e estabelecido o trabalho, saiu dessa escola
e montou uma outra. Por isso, no segundo momento da pesquisa, em vez de retornar à
escola comunitária, passamos a investigar a nova escola montada pelos professores.
Dessa forma, o que modificou foi o caráter da escola: a primeira era comunitária e esta
passa a ser particular, mas também está na região central, atende a um público classe
média, possui maioria de alunos brancos e uma linha pedagógica
progressista/construtivista.
A Escola B é particular, fica na parte central da cidade e atende a um público de
classe média alta. Os alunos são, em sua maioria, brancos, e a linha pedagógica, segundo
a diretora, faz parte de uma concepção holística de educação que, de acordo com Pierre
Weil, é �um processo que se inspira nos métodos ativos, dirigindo-se à pessoa como um
todo, mantendo ou restabelecendo a harmonia entre o sentimento, a razão e a intuição.�
(1990:39)
A Escola C é estadual, fica na periferia da cidade, atende a um público
considerado classe baixa ou pobre. Entre seus alunos, muitos são negros. A escola não
possui uma linha norteadora do trabalho pedagógico que atinja a todos os professores.
Segundo a professora da Educação Infantil, sua concepção é eclética, isto é, caracteriza-
se pela utilização de diferentes teorias, mesmo que divergentes em alguns pontos.
Durante o ano de 1994 aplicamos a proposta nessas três escolas com o
acompanhamento da professora Valente e, depois, continuamos mantendo contatos com
as mesmas. Em 1995/1996 voltamos às mesmas escolas, porém as questões agora eram:
As escolas continuaram a trabalhar a questão racial com as crianças?
Caso tenham continuado, como foi o procedimento? Há alguma inovação na
proposta a que tiveram acesso? Criaram outras alternativas?
O que levou as escolas a continuarem ou abandonarem os trabalhos?
Diante dos trabalhos desenvolvidos, como as crianças responderam?
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De que forma o preconceito se manifesta nessa faixa etária?
Busquei responder a essas questões por intermédio da observação dos trabalhos
desenvolvidos pelas professoras, de como as crianças se relacionavam no recreio, em
brincadeiras em sala de aula, na realização de atividades propostas pelas professoras, em
aulas-passeio. Em entrevistas com professoras, coordenadoras e a direção, observamos,
também, o ambiente da escola em termos físicos, enfim, todos os aspectos que pudessem
fornecer dados para responder às questões levantadas. No que diz respeito aos
procedimentos, adotou-se a observação participante, considerada como característica das
abordagens antropológicas contemporâneas. Durante a pesquisa de campo, registramos
em diário, colhemos depoimentos por meio de entrevistas formais e informais com
diretores, professores e alunos.
O presente trabalho está organizado da seguinte maneira: primeiro traz uma
síntese analítica dos estudos relativos ao negro e a educação, pretendendo, assim, retratar
como e quais as preocupações atuais apresentadas nas pesquisas educacionais quando
tratam dessa questão. Apresenta a descrição das experiências realizadas a partir da
aplicação da metodologia, dá voz ao processo que ocorre em sala de aula, isto é, relata a
experiência de cada escola. E, ainda, são analisadas as manifestações do preconceito
racial pelas crianças por intermédio dos desenhos realizados por elas, buscando
interpretá-los à luz da antropologia, na medida em que pretende-se captar o significado
dos desenhos como manifestação cultural da hierarquia racial brasileira. Por fim, todo o
trabalho é retomado, os encaminhamentos que a experiência com a metodologia gestou, o
que foi possível responder e o que ainda é necessário buscar para dar conta da
complicada tarefa de inclusão da temática das relações raciais no Brasil dentro das
escolas.
Espero que este estudo, apesar do tempo decorrido entre sua feitura (1997) e a sua
publicação, o que lhe acarreta algumas defasagens, possa, mesmo assim, colaborar com
os muitos educadores e educadoras que desejam incluir no currículo escolar a temática
das relações étnicas no Brasil e não sabem como fazê-lo.
Aqui estão lançadas possibilidades. Só não se deve esquecer que o �caminho se
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faz ao caminhar�, que é preciso muito estudo e dedicação. Estão aí os ingredientes
fundamentais à receita!
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CAPÍTULO I
O NEGRO NA EDUCAÇÃO: HISTÓRIA QUE POUCOS CONTARAM
�A história não fala apenas do passado. Fala de um processo que se
desdobra do passado para o presente, com projeções para o futuro.
(...) História é a própria ação desenvolvida pelos homens�.
Ana Lúcia E. F. Valente.
Este capítulo objetiva dialogar com algumas produções acadêmicas que possuem
como objeto de estudo o negro e a educação. Vale lembrar que a distância entre a
produção da dissertação de mestrado e o livro, defasam sobremaneira o diálogo, visto
que, felizmente, cada ano tem sido um marco frutífero na produção de pesquisas que
buscam responder as inúmeras questões que são pertinentes a este tema. Mesmo assim,
considero que o diálogo aqui travado com as produções não envelheceu, pois o racismo e
a discriminação são questões ainda não superadas em nossa sociedade.
Dentre os estudos produzidos sobre o negro, Regina Pahim Pinto faz uma análise
dos realizados e da preocupação destes em relação à educação. O levantamento
bibliográfico realizado pela autora baseou-se em estudos produzidos em São Paulo tanto
por negros como por brancos, de cunho científico ou militante. Sua preocupação era a de
identificar como a educação de negros era abordada nesses estudos. De acordo com sua
pesquisa, o que se constatou é que a questão educacional aparece sempre embasando uma
análise mais geral da situação do negro, sem privilégio do recorte educacional.
Acrescenta também que, mesmo em trabalhos realizados por educadores e pesquisadores
em educação, não tem havido essa preocupação. (Pinto, 1983).
Para a autora, falta uma análise mais apurada de como o segmento negro vivencia
a escola, quais os significados que atribui a ela ou como é sua trajetória nesse espaço
social. Segundo ela, onde foi possível identificar a preocupação em relação à educação
esta se deu via dois aspectos fundamentais: a) a influência da educação como ascensão do
negro e b) a influência da educação na situação econômica sobre a situação educacional.
Portanto, a educação abordada somente enquanto fator de mobilidade e integração do
negro na sociedade. A crítica da autora serve como alerta para os pesquisadores da área
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educacional interessados em dar conta da questão étnico-racial presente na escola. Nessa
linha, Florestan Fernandes (1978) destaca duas posturas da família negra em relação ao
processo educacional escolar. A primeira revela a família negra sem condições mínimas
materiais e organizacionais que pudessem garantir o acesso de seus filhos à educação.
Segundo o autor, famílias nessa situação muitas vezes possuíam ambições educacionais,
mas preferiam abafá-las a fim de evitar as barreiras sociais que seus filhos teriam de
enfrentar. Já num segundo momento, quando famílias negras possuíam algumas
condições mínimas, materiais e organizacionais, a educação escolar dos filhos passa a ser
vista como a grande meta a ser alcançada, como o caminho para a ascensão social e
integração ao mundo branco. �Numa sociedade em que o preconceito de cor se confunde com
o preconceito de classe, a instrução tem caráter utilitário. Reflete um desejo de sair da classe
proletária e assim destruir o preconceito que pesa sobre o negro� (Fernandes, 1978:11).
De modo geral, todos os estudiosos que abordaram o significado da educação no
âmbito familiar caminham por esses dois enfoques abordados por Fernandes. A crítica de
Regina Pahim Pinto se mantém no sentido de que tais abordagens aparecem para ilustrar
outros estudos e não se trata de estudos preocupados especificamente com a temática do
negro e a educação. Apesar da ausência de um recorte educacional nos estudos
produzidos, a educação é uma questão recorrente em todas as manifestações que tratam
dos negros, o que tornou possível para a autora identificar alguns fatores que influenciam
na sua trajetória escolar. Ela os classificou como extra-escolares e intra-escolares. Na
categoria de extra-escolares estariam a situação socioeconômica da maior parte da
população negra e as imagens sobre o negro vigentes na sociedade. Como fatores intra-
escolares, a valorização do �mundo branco� em detrimento de outras representações da
sociedade; a escola como lugar onde muitas crianças tomam consciência dos problemas
raciais; a situação de minoria do segmento negro dentro do espaço escolar; o despreparo
do professor para lidar com a diversidade étnico-racial do alunado; o preconceito do
professor considerado pelo aluno como modelo e detentor de uma forte relação afetiva
com este.
Ivone Martim Oliveira (1993), ao discutir os processos envolvidos na elaboração
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de identidade do aluno, reflete, em particular, sobre como a criança negra �se vê e se
avalia� a partir de enunciações dela própria e das enunciações dos colegas no processo de
interação na escola. Sua conclusão é de que há
�Uma complexidade de aspectos intervindo nas interações estabelecidas e
interlocuções produzidas entre estas crianças [as negras] e as outras da classe, bem
como na própria definição do que era/deveria ser uma menina �preta� e de seu
lugar na escala de valores construída entre e pelo grupo de
alunos�(Oliveira,1983:138. Grifo nosso)
Segundo Oliveira, os aspectos que ressaltam dessa complexa interlocução são a
situação socioeconômica e a identidade de gênero. Essas reflexões corroboram nossa
afirmativa de que aspectos do universo tido como escolar são reflexos do que se produz
nas relações sociais, fora da escola. Isso não quer dizer que não devamos fazer algumas
diferenciações do tipo de interação entre brancos e negros que ocorre na escola, pois esse
é um espaço que possui suas particularidades e por isso produzirá ao segmento negro da
sociedade um determinado tipo de vivência só encontrado ali.
Dos aspectos apontados por Pinto, três, em particular, nos chamam a atenção: a
questão da formação do professor, a forte relação afetiva que se estabelece entre aluno-
professor e o fato de que muitas vezes é na escola que a criança toma consciência dos
problemas raciais.
De modo geral, as organizações negras vêem a educação escolar como um locus
importante para o tratamento da questão racial. Contudo, as reivindicações giram em
torno de resgatar a história e a cultura do negro assim como eliminar as imagens
negativas desse segmento nos livros didáticos. Em relação a essa última reivindicação,
presente no ideário dos setores do Movimento Negro, pelo tempo que essa crítica tem
sido feita, já teria sido possível que uma mudança radical ocorresse na produção desses
livros, o que não aconteceu. Porém, é importante registrar que muitas publicações já
absorveram essa crítica e procuram dar conta dessa pluralidade étnico-racial que faz parte
da sociedade brasileira.
Quanto às duas primeiras reivindicações que pretendem recuperar uma
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especificidade negra, na cultura e na história, como forma de estimular a auto-estima da
criança negra, considero fundamental que problematizemos e mantenhamos uma postura
de alerta para que a reivindicação de caráter emancipatório não se transforme em mais
uma armadilha. Estudiosos da questão racial como a própria Pinto e também Valente
(1994), têm questionado essa postura. Uma das alegações colocadas pelos autores e que
consideramos extremamente pertinente é de que, ao reivindicar o ensino da História da
África, por exemplo, setores do Movimento Negro não têm deixado claro de que África
se está falando. Ou, quando se procura introduzir na escola uma �cultura negra�, corre-se
o risco de reforçar o que já é tratado como exótico, diferente, dificultando ainda mais a
construção de uma imagem do negro como sujeito da história e não, apenas, um adorno
da mesma.
Pinto fala também do impasse que se coloca a um trabalho que procura reforçar
uma identidade etnicamente diferente, sem comprometer a identidade brasileira. Isto é, a
defesa do ser diferente pode servir aos conservadores que desejam que esse diferente
possa afirmar políticas que inferiorizem determinadas populações. A autora não se coloca
contra a argumentação das diferenças, mas alerta para o modo como ela pode ser
apropriada a despeito do que pensa e deseja o Movimento Negro.
Já Valente alerta para a discussão, de setores do Movimento, sobre a busca da
auto-estima do negro por meio da valorização de uma cultura particular. Para a autora,
definir na contemporaneidade essa particularidade da cultura não é nem apropriado, nem
uma boa estratégia, pois expressões da cultura antes consideradas de exclusividade negra
são hoje largamente compartilhadas por outros segmentos étnicos-raciais da sociedade
brasileira, tais como o candomblé, a capoeira e o samba. Na sua visão, esse é um aspecto
contraditório do problema, uma vez que serve para reforçar o mito da democracia racial
pois, ao serem compartilhados por todos e ao mesmo tempo, esses traços culturais
deixam de ser �coisa de negro�, no sentido pejorativo, para serem �coisas nossas�,
deixando, portanto, cada vez mais, de serem passíveis de discriminação, na medida em
que pertencem a todos.
O que se pode verificar, analisando a produção sistemática nessa perspectiva, são
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ações possíveis em sala de aula, a partir da 1a série, retratadas em manuais. Ou podemos,
também, obter dados em dissertações de mestrado e teses de doutorado que tratam de
vários aspectos que envolvem a relação ensino-aprendizagem. Mas esses trabalhos
sempre enfocam o que o professor pensa ou como vivencia a discriminação em relação
aos seus alunos negros; o professor negro diante de seus alunos ou os alunos negros e
brancos em interação.
Os trabalhos que buscam articular a vertente educação e raça começaram a ser
produzidos com maior ênfase a partir de meados da década de 80. Em nosso
levantamento bibliográfico, encontramos um trabalho realizado por Leite (1975) que,
embora trate dessa relação, apresenta uma abordagem quantitativa.
Um dos trabalhos de maior repercussão nessa linha foi o de Luiz Alberto de
Oliveira Gonçalves (1985) que, dentre as várias conclusões a que chegou, aponta o
silêncio dos educadores diante da discriminação sofrida pelas crianças negras na escola.
Para ele, essa atitude dos educadores só será modificada na medida em que a escola
considere a cultura negra como tema importante a ser introduzido na escola. Ainda na
década de 80, surgiram trabalhos como o de Ana Célia da Silva (1987), denunciando
estereótipos e preconceitos em relação ao negro nos livros didáticos. Esse trabalho tem
particular importância pois solidifica uma questão já apontada por muitos que trabalham
com a questão racial desde a década de 50 e mostra que ainda, nesse momento, são
produzidos livros com tais conteúdos.
Outra pesquisa importante e reveladora do que existe dentro da escola é o trabalho
de Vera Moreira Figueira (1990). A autora buscou demonstrar a existência do
preconceito na escola, relacionando alunos, professores e livros como formadores e
sustentadores de um ciclo inculcador-reprodutor do preconceito. A pesquisa revela
algumas manifestações do preconceito racial na escola. Ao propor que alunos
escolhessem entre fotos de crianças de diferentes etnias/raças que queriam para seu
melhor amigo, a escolha recaía sempre em uma criança branca, e quando lhes era
solicitado que escolhessem alguém feio, a escolha sempre recaía em uma criança negra.
Pesquisas assim nos libertam para novos trabalhos que não mais perguntem se
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existe preconceito racial na escola. Podemos, agora, partir dessa premissa para outras
investigações a fim de avançarmos nessa discussão.
A década de 90 começa promissora. Luiz Cláudio Barcelos (1991) demonstra a
articulação existente entre o índice de freqüência, permanência e evasão escolar com as
raças, possibilitando uma leitura na qual a raça e a classe se articulam e não há o
determinismo econômico, apesar de este ser parte importante a ser considerada.
Rachel de Oliveira (1992) também faz um trabalho investigativo das
manifestações de preconceito racial na escola, mas articula essa investigação com um
trabalho de avaliação de intervenções realizadas no ensino, via Estado, na década de 80,
concluindo, como Barcelos, que as relações raciais que ocorrem na escola têm
significativa importância no nível de escolaridade das crianças negras e vão além da
questão de classe.
Constatado que as relações raciais na escola, como na sociedade, não são a
democracia racial apregoada, Consuelo Dores Silva (1993) vai a campo investigar como
essa interação entre os racialmente diferenciados interfere na construção da identidade
étnica e na auto-representação dos alunos não-brancos. Apesar da categoria não-brancos
incluir outros além dos negros, Silva trabalha apenas com crianças negras e conclui que
existe uma ambigüidade por parte dessas crianças em aceitar o próprio corpo e, por
conseguinte, em se aceitar como negras, gerando muitas reações, tais como timidez,
melancolia, depressão e agressividade, interferindo no processo de educação das mesmas.
Constatou, também, que apesar de a maioria das crianças investigadas ter
introjetado o preconceito antinegro, há uma minoria construindo uma auto-representação
positiva. Além disso, é de suma importância a afirmação da autora de que o fato de
discutir sobre o assunto, durante sua pesquisa com as crianças, suscitou, mesmo entre as
que já havia introjetado o preconceito, reações de contrariedade em relação à
discriminação racial, reforçando nossa premissa de que o diálogo sobre o assunto tende a
obter resultados positivos.
Outra contribuição importante nos estudos atuais é o trabalho de Nilma Lino
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Gomes (1994). Diferentemente de Silva, que trata da construção da identidade dos alunos
e suas conseqüências, Gomes vai desvendar a construção da identidade étnica das
professoras negras e a influência desse processo na relação pedagógica estabelecida entre
elas e seus alunos, ou seja, faz uma articulação entre raça, educação e gênero. Os
depoimentos coletados por Gomes mostraram:
�A difícil trajetória da mulher negra em nossa sociedade que rompe com o �lugar�
a ela destinado pelo racismo. Este atua de tal forma junto à construção da
identidade racial dessa mulher que negar a existência do preconceito e da
discriminação racial torna-se uma estratégia adotada por muitas para sobreviverem
em meio a tantos conflitos� ( 1994:269).
O trabalho de Silva e de Gomes se complementam e nos permitem ter uma visão
de como a discriminação racial afeta a todos os componentes do processo educativo.
Apontam para a necessidade de que os cursos formadores de professores,
independentemente de sua origem, têm de incluir reflexões sobre a diversidade étnico-
racial da população com a qual eles irão trabalhar.
Contudo, em meio a essa produção atual sobre raça e educação, são raras as que
tratam do assunto envolvendo a Educação Infantil. Em geral, os estudos estão tratando do
trabalho realizado a partir da 1a série. Pudemos, em nosso levantamento, identificar uma
pesquisa que trata especificamente da questão racial e crianças da Educação Infantil.
Nesse trabalho foram realizadas diversas atividades que forneciam dados sobre a auto-
imagem e a auto-estima da criança e em especial da criança negra.
Eliete Aparecida de Godoy (1996) constatou, em sua pesquisa, que as crianças na
faixa etária de 05 a 06 anos, ao realizar identificações ou descrições, referem-se à cor da
pele de maneira mais marcante que as outras características. Também foi possível captar
que, já nessa idade, as crianças negras se sentem desconfortáveis quando necessitam
verbalizar ou assumir sua condição étnico-racial. Elas já demonstram interiorização da
ideologia negativa em relação às diferenças étnicas e procuram se assemelhar fisicamente
ao branco. Essas atitudes foram observadas, apesar de a autora fazer uma ressalva de que
na relação entre as crianças, não havia nenhuma discriminação perceptível. O que nos
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indica que o racismo, para existir e se perpetuar, prescinde de manifestações explícitas e
agressivas.
Na segunda metade da década de 90 surgiram alguns trabalhos que abordam a
questão do negro e educação bastante importantes. Destaco Cidadania em preto e
branco: rediscutindo as relações raciais de Maria Aparecida Silva Bento (1999), a
produção dos cadernos do NEN - Núcleo de Estudos do Negro de Florianópolis/SC e Do
Silêncio do lar ao silêncio escolar, de Eliane Cavalleiro, dentre outros, que parecem aliar
de forma mais explícita a constatação de como o racismo opera na escola e o anúncio de
possibilidades de desconstruí-lo.
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CAPÍTULO II
UMA PROPOSTA DE COMBATE AO RACISMO NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: RECUOS E AVANÇOS
�A idéia de igualdade social e política substantiva dos indivíduos não
é e nem poderia ser tese científica, nem filosófica. Ela é uma
significância imaginária social, e, mais exatamente uma idéia que
envolve a instituição da sociedade enquanto comunidade política�.
Cornelius Castoriadis
Este capítulo descreve as experiências realizadas nas três escolas, escolhidas
segundo critérios já mencionados. Descrevemos a escola, detalhando o espaço das salas
de aula da pré-escola, como são decoradas, a distribuição dos móveis e o número de
alunos em cada sala. Em seguida, buscamos situar a escola e seu projeto pedagógico.
Para isso, as informações foram retiradas da análise de documentos como Regimento
Interno, Ata de Fundação, Estatuto e entrevistas com diretores, quando foi possível.
Selecionamos em todas as escolas três itens básicos que dessem conta do projeto
pedagógico das mesmas:
1) Filosofia da escola � presente em todas as escolas, variando o lugar de
apresentação. Há escolas em que consta do Regimento, em outras está em documentos
não oficiais, mas está exposta na escola. Através de observação foi possível constatar que
as escolas, principalmente estaduais e municipais, possuem o que chamam de �sua
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filosofia�, entendida como uma diretriz, um princípio norteador da ação pedagógica.
2) Objetivos da educação pré-escolar: - este item também foi encontrado em
todas as escolas, ocupando parte importante do projeto pedagógico, já que é através dos
objetivos que se podem averiguar as pretensões no ensino da pré-escola. Os objetivos da
Educação pré-escolar permitem, assim, que se percebam as motivações desses projetos e,
através de suas formulações, que se verifiquem, também, os consensos e dissensos do
projeto da escola.
3) Teóricos ou postura educacional: - este item nem sempre estava formulado
explicitamente em todas as escolas, contudo, foi possível obtê-lo através de entrevistas ou
da leitura mais atenta de seus documentos.
Estabelecemos, ainda, um perfil socioeconômico dos alunos de cada escola,
através de consultas às fichas de matrículas e questionários, tomando como referência o
grau de escolaridade dos pais, a profissão exercida por eles e a mensalidade da escola,
quando existente. Além disso, consideramos para esse perfil socioeconômico a renda
mensal da família, estabelecendo um paralelo com o salário mínimo vigente na época.
I � ESCOLA PARTICULAR A
a) Contexto
A escola A é privada, fundada por um grupo de oito professoras e localiza-se em
bairro residencial e central da cidade. Possui Educação Pré-escolar com crianças de dois
anos a seis, e Ensino de 1o Grau de 1a a 4a série.
São oito salas de aula e uma sala de artes. Quatro delas destinadas às crianças de
pré-escola. Para diferenciar as salas de Educação Pré-escolar, de acordo com a idade de
seus alunos, utiliza-se da terminologia �nível�, diferentemente da maioria das escolas
particulares que trabalham com as terminologias jardim I (crianças entre 2-3 anos),
jardim II (crianças entre 3-4 anos), pré-alfabetização (crianças entre 4-6 anos), ou com a
terminologia pré, CA � Classe de Alfabetização. Nessa escola o nível I corresponde a
crianças de 2-3 anos, o nível II crianças de 3-4 anos, o nível III crianças de 4-5 anos e o
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nível IV crianças de 5-6 anos.
A distribuição dos espaços em todas as salas é, de certa forma, padronizada.
Todas possuem espaço denominado na escola como �casinha�, que é o espaço da
brincadeira, da dramatização, com vários recursos como roupas, bonecas, carrinhos e
outros objetos comuns a uma casa.
Há o espaço denominado �cantinho do livro�, onde existem vários livros
indicados ao nível de ensino da sala. Outro espaço diferenciado na sala é o espaço dos
jogos. Nele existem vários jogos confeccionados pelo professor ou adquiridos em lojas.
Todos possuem o objetivo de contribuir com o processo de alfabetização das crianças,
estimulando-as com vários desafios ligados à leitura, contagem, etc. Nas salas de
Educação Pré-escolar, a decoração torna o ambiente alfabetizador rico, com muitos
cartazes portadores de textos, calendários, além de atividades produzidas pelos próprios
alunos. Nas duas salas de aula de pré-escola onde a pesquisa se realizou, apesar de não
haver nenhuma criança negra, nos cartazes decorativos há sempre alguém dessa raça.
Além das �minibibliotecas� das salas de aula, a escola possui uma biblioteca
central e também uma brinquedoteca, cujos brinquedos e jogos são utilizados por todos
da escola. Existe, também, um pátio com parque, uma piscina e uma quadra de esportes.
Na educação Pré-escolar, assim como no 1o Grau, os alunos têm aula de artes, uma vez
por semana, durante uma hora. Consideramos os dados apenas das salas de aula da pré-
escola que fizeram parte do nosso universo de pesquisa, acreditando serem suficientes
para nos dar indicativos do perfil da clientela da escola, pois muitos dos pais que
possuem filhos na pré-escola têm outros filhos de 1a a 4a série.
Pela observação das fichas de matrícula e questionários, foi possível constatar que
os pais dos alunos da pré-escola da Escola Particular A exercem, em sua maior parte,
profissões qualificadas que exigem formação de 3o grau. Essa qualificação profissional
também é encontrada, embora em menor quantidade, ao se analisarem as profissões
exercidas pelas mães. Isso sugere que a Escola Particular A recebe, em suas salas de
Educação Pré-escolar, crianças de nível socioeconômico médio. Além dos indicadores de
escolaridade e profissionalização dos pais, o valor da mensalidade permite fazer tal
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inferência. Para obter o rendimento médio das famílias e melhor embasar nossa
argumentação, foram utilizados dados obtidos através de questionários respondidos pelos
pais.
Essa escola foi montada como uma sociedade, por um grupo de professoras. São,
ao todo, sete sócias que, além de serem donas, também trabalham na escola: uma como
diretora, outra como coordenadora pedagógica e as outras cinco como professoras. Além
das professoras-sócias, a escola tem mais três professoras que são somente funcionárias
da escola. Como a escola é pequena, dispõe somente de três funcionários: duas pessoas
encarregadas da limpeza e um secretário que executa os trabalhos administrativos
relacionados ao aluno, atendimento aos pais, etc.
Na Educação Pré-escolar, atuam quatro professoras que lecionam para as
seguintes faixas etárias: dois a três anos � professoras-funcionárias � duas professoras,
uma com curso de Pedagogia completo, outra cursando Letras; quatro a cinco anos �
professora-sócia � que atua nos dois períodos � formada em Filosofia com especialização
em Filosofia da Educação; cinco a seis anos � professora-sócia � que atua nos dois
períodos � formada em Pedagogia;
Na Escola Particular A encontramos o Regimento Interno como documento
disponível para levantar dados que nos apontassem o tipo de educação desenvolvida pela
escola. Nele procuramos os itens filosofia da escola, objetivos da Educação Pré-escolar,
bem como os teóricos ou a postura educacional da escola.
b) A Filosofia da Escola particular A deve fomentar uma
�-ação educativa centrada no próprio aluno, permitindo-lhe o acesso ao
conhecimento historicamente acumulado produzido pela humanidade, de
forma crítica, respeitando o seu nível de desenvolvimento e contribuindo
para que avance no processo de construção, para que possa transformar-se
e transformar;
-relação afetiva de respeito, valorização e compreensão contribuirão para
o avanço do educando no processo de ensino-aprendizagem;
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-interação constante entre família e escola permitirá a participação dos
pais e educadores na formação dos alunos�.
Esses princípios não dão conta de revelar uma filosofia de fato, mas já articulam
um princípio mais objetivo em relação à educação. Primeiro, porque prevê o acesso do
aluno ao conhecimento historicamente produzido pelo homem, e depois, a transformação
do conhecimento pelo próprio sujeito. Além disso, vincula essa aquisição a um sujeito
satisfeito, respeitado em sua particularidade e ligado ao contexto, apontando a família
como o elo entre o dentro e o fora da escola. Essa �filosofia� vai se revelar coerente com
o item � Objetivos da educação pré-escolar, constantes no Regimento Interno da
escola:
� � propiciar condições aos educandos para que se tornem autônomos,
críticos, criativos, capazes de compreender e transformar a realidade em
busca de uma sociedade mais justa;
propiciar um ambiente educativo de forma a estimular o educando à
pesquisa para que possa adquirir conhecimentos científicos e assim
construir as suas estruturas de inteligência;
criar condições para que os alunos possam se sentir aceitos,
compreendidos e assim possam se expressar de diversas formas.�
Tanto a filosofia quanto os objetivos revelam a intenção de dar à escola um
caráter de local, de espaço de aquisição de conhecimentos, enfatizando a busca de
mudanças que os objetivos deixam mais claro: que a escola proporcione a busca de uma
sociedade mais justa. Essa retomada marcante do papel da escola como fonte de
conhecimento não é por acaso. Segundo suas professoras, a escola não é construtivista
piagetiana, mas sócio-interacionista, isto é, filia-se à concepção de educação embasada,
principalmente, em Vygostky, que considera que o professor tem o papel de intervenção
na educação do aluno, provocando avanços no seu conhecimento que não ocorreriam
espontaneamente.
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Ao analisar a concepção construtivista de escola, poderia ser dito que uma
conseqüência advinda da interpretação da concepção piagetiana, de que é a criança que
constrói seu próprio conhecimento, causou, em muitas escolas, o abandono do papel do
professor e da própria escola como transmissores de conhecimentos. Muitos passaram a
considerar o professor apenas um estimulador do conhecimento que o aluno iria
construir, limitando em muito o que era possível aprender na escola. A Escola Particular
A, procurando romper com essa concepção de educação, enfatiza a aquisição do
conhecimento pelo educando já na Educação Pré-escolar que, em geral, é considerada um
espaço de preparação para a série, sem conteúdos específicos.
Contudo, apesar de ser unânime na fala das professoras, a filiação à corrente
sócio-interacionista ligada à concepção marxista, junta-se à concepção piagetiana que
advém do estruturalismo. Nos objetivos da escola pretende-se estimular um ambiente
educativo onde o educando possa adquirir suas estruturas de inteligência. E �estruturas de
inteligência� é vocabulário piagetiano. Além disso, vai exatamente de encontro à
concepção de interferência sócio-interacionista. Para Vygostky, o ensino deve se adiantar
ao desenvolvimento, ou seja, não se deve esperar a construção de estruturas para oferecer
um determinado conhecimento, mas, ao contrário, oferecê-lo a fim de propiciar que o
desenvolvimento ocorra.
c) Teóricos e/ou postura educacional que norteia o trabalho da escola
O depoimento da diretora da escola revela o estágio em que se encontra essa
questão da definição da linha teórica, no âmbito da Escola Particular A:
�... A gente na verdade vem crescendo nesse sentido. A gente vem estudando até
(...). Inclusive é um tema de discussão do grupo. Sempre aparece esse tipo de
discussão: ...porque a gente... tem... Na verdade, as pessoas falam que a gente é
construtivista nessa linha construtivista, mas a gente não se define somente
construtivista (...). A gente respeita a construção do conhecimento das crianças,
mas existem outras linhas que também interferem e a gente trabalha. Então,
fechado a gente não tem, nós somos, seguimos a linha tal, a gente tem se
identificado muito com os estudos do Vygotsky (...) e também temos algumas
coisas, por exemplo, em relação ao desenvolvimento da escrita, nós não podemos
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negar que a gente tem tudo de Emília Ferreiro, que é a questão de identificar os
níveis (...) e outras coisas que a gente verifica até de Piaget. Então, quer dizer,
definido a gente não tem, esta aqui, uma só (...)�.
Verifica-se, a partir desses dados, que mesmo as escolas que querem recuperar o
papel essencialmente de ensino, têm dificuldades pois, como disse Klein (1996), são
muito fortes alguns discursos entre educadores e, em especial, o de que a criança é quem
constrói seu próprio conhecimento. No Regimento Interno a escola expressa que um dos
seus objetivos é: �desenvolver um ensino intencional e sistematizado e garantir o acesso
aos bens culturais acumulados pela humanidade�. Essa intenção clara de ensinar, de
assumir um papel de direcionador do conhecimento que deve ser adquirido, está por
vezes permeado de contradições, como é possível perceber nas falas da diretora: �a gente
respeita a construção do conhecimento da criança�.
Há contradição, também, no objetivo da escola explícito em seu estatuto:
�estimular o educando à pesquisa para que possa adquirir os conhecimentos científicos
e assim construir as suas estruturas de inteligência�. (grifo nosso) Mesmo com tais
contradições, a Escola Particular A realiza em seu quotidiano um trabalho bastante
sistematizado, sendo possível inferir que suas contradições estão na elaboração escrita de
seus documentos, mais do que em sua execução.
É no trabalho desenvolvido no cotidiano da escola que percebemos como essas
educadoras possuem um trabalho sistematizado, imbuído da intenção clara em manter a
escola como espaço privilegiado de conhecimentos. Essa busca de transmitir
conhecimento sistemático, elaborado pela humanidade, de permitir o acesso e garantir
criticidade ao recebê-lo, pode dar um caráter promissor à discussão sobre a questão racial
que a escola trabalha com seus alunos, pois faz dessa discussão conteúdo a ser adquirido,
permitindo identificar sua importância através do conhecimento que a discussão
possibilita.
A EXPERIÊNCIA DESENVOLVIDA
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Antes de começarmos o trabalho em sala de aula, conversamos com a diretora da
escola e com a professora da sala de aula sobre o trabalho e seus objetivos, já que no
contato anterior, quando fomos oferecê-lo, não havíamos explicitado os detalhes da
atividade. Depois fomos conversar com as crianças, pois iríamos filmar e queríamos
prepará-las para receber a filmagem com a maior naturalidade possível.
Essa escola, em nossa avaliação, poderia receber esse tipo de interferência sem
alterar significativamente nosso trabalho, porque os alunos estavam acostumados a
receberem visitas e serem filmados, uma vez que se divulgam muito as atividades
realizadas ali. Outro fator que ajudaria a �naturalidade� é o fato de as crianças já nos
conhecerem, pois trabalhávamos nessa mesma escola.
No dia da aplicação da proposta, apresentamos às crianças as duas pessoas que
nos acompanhavam: a professora Ana Lúcia E. F. Valente, nossa orientadora, e o câmera.
A primeira faria o trabalho de observação da aplicação da experiência e, por isso, sentou-
se ao fundo da sala, retirando-se do círculo que as crianças haviam formado. O câmera
também se posicionou em um canto da sala e, na roda, junto com os alunos, ficamos a
professora titular e eu.
As crianças sabiam que íamos discutir sobre os seres humanos e suas diferenças,
pois a aplicação da proposta foi incluída no trabalho da professora que estava tratando
sobre esse tema. Faz parte da metodologia da escola enriquecer seus trabalhos
convidando pessoas para falarem dos assuntos que estão sendo estudados. É nesse
contexto que se insere a aplicação da metodologia.
Nosso objetivo, ao aplicar a proposta, era de captar de que forma o preconceito
racial se manifesta em crianças nessa faixa etária; quais as possibilidades que a proposta
abre para discussão de tal tema e quais os encaminhamentos possíveis de serem
realizados a partir da aplicação. Como objetivo do trabalho queríamos favorecer a
compreensão da diversidade étnico-racial da população brasileira e de como esse fato não
justifica o tratamento desigual entre as pessoas.
Como estávamos tratando com crianças, e seguindo as orientações da proposta,
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era necessário criar um clima de empatia, atrativo. Decidimos que começaríamos
instigando as crianças a adivinharem. Apresentamos inicialmente três embrulhos, cada
um continha uma rosa diferente. Havia rosa vermelha, branca e cor-de-rosa. A cada
embrulho mostrado solicitava-se que as crianças adivinhassem o que continha. O
primeiro embrulho demorou mais tempo para ser descoberto, já o segundo foi rápido,
pois perceberam que em todos havia rosas. O �clima� de surpresa ficou por conta de
adivinhar a cor da rosa escondida.
Toda vez que acertavam a cor da rosa, tirávamos o papel e conversávamos sobre
aquela rosa. Perguntamos para que servia a rosa cor-de-rosa. Eles davam várias
alternativas: para enfeitar a casa, para dar para as mães, para colocar no caixão, para
plantar, dar de presente, enfeitar casamentos, dar ao (a) namorado (a), pôr no cabelo, etc.
E assim fizemos com a rosa vermelha e com a rosa branca. Concluímos com eles
que, mesmo mudando a cor da rosa, �as funções� dela continuavam as mesmas. Era
possível enfeitar a casa, dar para a mãe ou colocar em caixão qualquer uma delas. Eles
concordaram, com cara de como é que podíamos estar questionando algo tão óbvio como
este!
Após o trabalho, colocamos as rosas dentro de um vaso e dissemos que havia
outra surpresa para eles, mas só mostraríamos se também adivinhassem o que era. Desta
vez tínhamos dentro de uma caixa de sapato três pintinhos, um branco, um preto e um
marrom. Esse momento foi mais demorado. Todos queriam falar ao mesmo tempo e
ninguém estava acertando. Sugerimos a eles que fizessem bastante silêncio. Ao fazerem
silêncio, ouviram os pintinhos piando e gritaram alegremente o que continha na caixa.
Dissemos que só lhes seriam mostrados quando acertassem as cores dos pintinhos.
Cada vez que acertavam, retirávamos o pintinho da caixa. A sala de aula virou uma
�bagunça�, todos queriam pegá-los. Foi necessário voltá-los para a caixa e combinar com
os alunos que deixaríamos os pintinhos andarem livremente pelo círculo e depois
poderiam tocá-los um pouco.
Combinação feita, soltamos os pintinhos na sala. O pintinho preto fez cocô,
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muitas crianças riram e a professora titular comentou: �Esse fez alguma coisa diferente�.
O comentário fez nossa orientadora ficar em estado de alerta, preocupada com a
lembrança de uma frase racista, bastante popular no Brasil. Mas caso essa observação
tivesse esse caráter, não seria observado pelas crianças que estavam muito envolvidas
com os animais que foram indistintamente apreciados por todos. Depois de passada a
euforia, utilizamos os pintinhos da mesma forma que as flores. Perguntamos se o marrom
tinha penas, se o branco tinha, se o preto tinha. Se todos tinham olhos, se todos faziam
cocô, se todos piavam, se todos comiam. Os alunos iam respondendo com aquele mesmo
jeito das flores: - �É claro que todos possuem isso�. Perguntávamos então, o que havia de
diferente neles, já que podiam fazer e servir para as mesmas coisas. E respondiam que era
�só a cor�.
Nesse momento passávamos para a terceira etapa da proposta, quando entraríamos
especificamente na diferença das cores entre as pessoas. Para introduzir o tema dizíamos
que a próxima �surpresa� estava na sala, mas ninguém havia trazido, ela estava entre nós.
Nessa etapa, notei uma certa dificuldade para concluírem que éramos nós mesmos essa
�surpresa�. Mas logo iniciamos uma conversa sobre porque éramos a surpresa. Algumas
crianças disseram que era porque as pessoas também possuem cores diferentes.
Perguntamos, então, se ali na sala havia pessoas de cores diferentes. De início, as crianças
não reconheceram ninguém como negro. Após muita insistência de nossa parte, dizendo-
lhes - �Olhem com atenção. Vocês não estão vendo ninguém que seja negro aqui na
sala?�
Sendo instigados, disseram que eu e o câmera éramos �morenos e não negros�.
Não se referiram à professora Ana em nenhum momento. A partir disso, discutimos um
pouco a relação entre brancos e negros. Se possuíam amigos que eram de cores diferentes
da sua, se conheciam pessoas que eram negras. Uma das crianças respondeu
enfaticamente: - �Eu não tenho amigo negro!� Outra reagiu ao tom empregado e
perguntou: - �Mas você é racista?� Discutimos, então, o que é ser racista. Depois
concluímos que a maioria das crianças presente não tinha amigos negros, mas conhecia
pessoas negras. Lembraram-se de uma senhora que trabalhava na escola e de seu filho.
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Esses dados sugerem que as crianças têm percepção da diferença. No entanto, faz
sentido, para eles, a presença física da diferença. A ausência de crianças negras na sala e
a ausência do conflito parece ter �neutralizado� possíveis manifestações de preconceito,
apesar de ser um dado considerável o fato de negarem à pesquisadora e ao câmera a
condição de negro, e preferirem classificá-los como morenos. Isso demonstra que já
existe, de forma consciente ou não, a rejeição ao negro.
Para finalizarmos a atividade, lemos o livro Menina bonita do laço de fita, de Ana
Maria Machado, que conta a história de um coelho branco que quer ficar negro. Esse
coelho conhece uma menina negra e pede a ela que lhe diga como conseguir isso. A
menina que não sabe como se nasce ou fica negro, contava-lhe várias maneiras, que estão
presentes nos ditos populares, como tomar muito café, chupar jabuticaba, pintar-se de
preto. O coelho ia tentando cada uma dessas receitas e frustrava-se sempre. Um dia ele
resolve perguntar à mãe da menina, que lhe conta que, para ser negro, é preciso descender
de um negro. Diante disso, o coelho resolve não mais se tornar negro, mas ter filhos
negros e, para isso, casa-se com uma coelhinha negra, tendo vários filhos de cores
diversas e entre eles uma coelhinha negra. Ele convida a menina negra para ser madrinha
da coelhinha negra. Lemos e conversamos sobre o fato de como as pessoas nascem com
cores diferentes e a que isso se deve, e encerramos o trabalho.
É importante considerarmos o fato de as crianças só perceberem que havia negros
na sala após insistirmos. Isso nos leva a pensar que elas consideram aquilo que possui
significado mais imediato para elas e, ainda, o que, no processo de identidade, é sempre
constrativo e relacional - eu/outro. Por isso, num primeiro momento, elas buscaram, para
responder à questão se havia negros na sala, os seus pares, isto é, entre as crianças,
meninos e meninas, e disseram: não há negros. Mas, ao insistirmos dizendo que havia
mais pessoas na sala, então elas �descobrem� os negros adultos presentes. Mesmo assim,
apenas quem possuía uma função significativa para elas foi considerado: nós, que
substituímos de certa forma a função da professora, e o câmera que as filmava. E a
orientadora, por sua vez, ganhou invisibilidade na medida em que exercia uma função, no
contexto, que não lhes dizia respeito, desprovida de significado para eles, reforçando,
assim, o caráter relacional da construção da identidade.
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Após a aplicação da proposta, a professora solicitou que os alunos desenhassem
pessoas brancas e negras que eles conhecessem.
II � A ESCOLA PARTICULAR B
a) Contexto
A Escola Particular B, uma escola de ensino de Pré-escolar ao 2o Grau, funciona
em sede própria, construída especialmente para esse fim, em um bairro central.
Suas dependências são bastante confortáveis. Todo espaço é arejado, iluminado e
decorado. Há quadros por todo o ambiente, assim como vasos de argila, fotografias de
alunos em atividades e muitas plantas. A arte tem presença marcante na decoração da
escola, principalmente no corredor de entrada, biblioteca e sala de direção. Há duas
quadras de esporte, sala para coordenação, uma biblioteca, um anfiteatro, parque para as
crianças da pré-escola e dezoito salas de aula.
Há quatro turmas de Educação Pré-escolar, sendo que duas turmas ficam numa
mesma sala. Todas funcionam no período matutino com um total de trinta e duas crianças
na faixa etária de quatro a seis anos, divididas de acordo com a idade. Para diferenciar as
salas, utiliza-se a terminologia mais comum nas escolas particulares ao se referirem à
Educação Pré-escolar: Maternal � crianças de dois a três anos; Jardim I � crianças de três
a quatro anos; Jardim II � crianças de quatro a cinco anos; Jardim III � crianças de cinco
a seis anos.
Apesar dessas divisões, os dois primeiros grupos estudam numa mesma sala de
aula e, segundo a secretária-administrativa da escola, isso ocorreu devido ao pequeno
número de crianças matriculadas nesses níveis, embora cada nível possua um trabalho
adequado ao seu desenvolvimento.
As salas de aula de Educação Pré-escolar não possuem decoração diferenciada das
outras séries. São salas, como já foi dito, bem arejadas, iluminadas e quase sem nenhum
material decorativo, à exceção de algumas atividades realizadas pelas crianças. Não há
decoração, o que nas outras escolas chamamos ambiente alfabetizador, isto é, materiais
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portadores de textos ou números usados como referências para as crianças em seu
processo de estudos. Também não existem espaços como a casa de boneca ou casinha
como se costuma chamar nas escolas, bibliotecas em sala, estantes de jogos ou painéis
decorativos.
Nessa escola cada turma da Educação Pré-escolar possui duas professoras, a de
Educação Física e a professora de sala de aula. A escola possui três professoras e uma
auxiliar que trabalha com a professora que tem duas turmas em uma mesma sala de
aula.As professoras possuem o terceiro grau completo, duas possuem o curso de
Pedagogia e uma o de Educação Física; a auxiliar possui o 2o grau � magistério. A
direção da escola é exercida por uma de suas sócias, formada em Filosofia. Há um
coordenador para cada grau de ensino.
A Escola Particular B recebe uma clientela de Educação Pré-escolar de nível
socioeconômico médio a alto. Infelizmente, nessa escola não foi possível fazer uso do
questionário devido a problemas administrativos. Porém, utilizamos-nos de dados
retirados das fichas de matrícula dos alunos e o valor da mensalidade desse nível de
ensino para caracterizar a clientela dos pais dos alunos da pré-escola, o tipo de profissão
exercida por eles e concluímos que as profissões, tanto dos pais como das mães, em geral,
exigem o 3o Grau completo. É relevante o número de mães que não trabalham fora de
casa.
A observação das profissões dos pais e mães e o valor da mensalidade ganha força
para referendar nosso argumento de que essa escola recebe uma clientela para Educação
Pré-escolar com nível socioeconômico de médio a alto. O valor da mensalidade
corresponde a 158,92% do salário mínimo e isso serve como indicativo de quem poderia
assumir uma educação com esse custo.
Em relação aos funcionários que atuam na escola, há uma secretária-
administrativa com o 3o grau completo, dois auxiliares-administrativos com 2o grau, uma
bibliotecária com 2o grau, três faxineiras com o 1
o grau incompleto e um guarda com o 1o
grau incompleto.
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Encontramos documentos disponíveis para consulta e observação dos itens já
colocados na análise das outras escolas (filosofia, objetivos da Pré-escola e postura
educacional): o Regimento Interno e a ata de fundação da escola. Nessa ata encontramos
com maior clareza indicativos dos pressupostos que orientam o trabalho pedagógico. Na
Ata estão, de forma sintetizada, os objetivos da escola, o tipo de criança que pretende
formar, bem como a concepção de mundo que perpassa a atuação da escola. A riqueza de
informações contida na ata fizeram-nos transcrevê-la integralmente, apenas substituindo
o nome da escola pelo fictício, usado para designá-la, e considerá-la o manifesto da
filosofia da escola, apesar de não encontrar isso explicitamente escrito.
b) Filosofia
A ata de fundação
�Promover o desenvolvimento do indivíduo como ser global tomado em sua
totalidade viva. Isso pressupõe o respeito à pessoa, às tendências, opções, desejos,
a maneira de ser, à maturação do indivíduo e as diferentes etapas de seu
desenvolvimento. Busca-se o desenvolvimento harmonioso do indivíduo (e da
sociedade) baseado no cuidado com a saúde física, mental e espiritual.
Constituem-se também como fins da educação a ser ministrada: o preparo do
indivíduo e da sociedade para o domínio dos recursos científicos e tecnológicos
que lhe permitem conhecer, compreender, dominar, preservar o meio concreto em
que vive; o conhecimento dos grandes processos sociais do mundo moderno; a
compreensão da noção de sujeito social e a importância da participação
socioeconômica e política visando o bem comum. É objetivo primordial da Escola
B a valorização da comunicação concebida ao nível dos seres e a solicitação de
reconhecimento pelos outros exige a realização de críticas positivas que
contribuem para o crescimento das relações e que a reflexão do grupo passe à
realização. A preocupação com a expressão sob todas as formas constitui objetivo
da escola através de diversas técnicas de expressão e jogos de desbloqueamento
escrito, gráfico e gestual. A comunicação e a expressão serão autênticas na medida
que houver um clima distentido de confiança quase lúdica em que o prazer tem seu
lugar e no qual cada um sente que poderá, à sua medida e, em função do que é,
viver. É objetivo da escola o desenvolvimento do pensamento lógico e a vivência
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do método científico, procurando-se desenvolver sempre o hábito da leitura,
pesquisa e de abertura de espírito, invenção e iniciativa, e a noção da
universalidade das leis científicas e matemáticas. A Escola B preocupa-se com a
mentalização positiva, que permitirá ao educando o desenvolvimento de atitudes
mentais positivas, a identificação com abundância, alegria, felicidade,
autoconfiança e autodomínio. Além disso a formação necessária ao
desenvolvimento das potencialidades do educando deve visar o preparo para o
exercício consciente da cidadania e a sondagem de aptidões através da iniciação
para o trabalho. Em suma, a Escola B procura facilitar o desenvolvimento da
capacidade de aprender encarando-se a relação professor-aluno como co-
participação num processo de descoberta; compreender a realidade do aluno sem
violentá-lo em nome de teorias cuja utilidade só deve ser a de facilitar a nossa
aproximação e o entendimento da criança, tornar as crianças, os jovens
harmonicamente equilibrados, concentrados, felizes, tranqüilos e criativos...�
(grifos nossos).
Essa ata, publicada para fundamentar a criação oficial da escola, foi assinada por
todos os sócios, bem como pelos convidados à cerimônia de fundação.
Não encontramos, nos documentos disponíveis (Regimento Interno e Ata), a
expressão filosofia da escola como nas outras. Foi possível, apenas, identificar os
objetivos gerais e específicos da Educação Pré-escolar, bem como sua postura
educacional.
- Os Objetivos Gerais da Educação Pré-ecolar, registrados em Regimento
Interno da escola são:
� facilitar o desenvolvimento da capacidade de aprender encarando-se a
relação professor-aluno como co-participação num processo de descoberta;
compreender a realidade do aluno sem violentá-lo em nome de teorias cuja
utilidade só deve ser a de facilitar a nossa aproximação e entendimento da criança;
tornar as crianças harmonicamente equilibradas, plenamente concentradas,
felizes, tranqüilas e criativas�.
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Os Objetivos Específicos da Educação Pré-escolar, registrados em
Regimento Interno da escola, são:
�a psicomotricidade é objetivo específico da Educação Pré-escolar, visa
vivenciar estímulos sensoriais para discriminar as partes do próprio corpo e
exercer um controle sobre elas. Implica percepção e controle do corpo, equilíbrio,
lateralidade, independência dos membros em relação ao tronco e entre si, controle
muscular, controle de respiração. Procurar vivenciar através de percepção do
próprio corpo em relação aos objetos, a organização espacial e temporal.
Vivências que levem à aquisição dos pré-requisitos necessários para a
aprendizagem da leitura e escrita;
o desenvolvimento de estruturas infralógicas ou espaço-temporais é objetivo
específico da Educação Pré-escolar; procurar vivenciar e estabelecer relações de
deslocamento de objetos e pessoas estruturando as noções de espaço e tempo num
todo contínuo;
o desenvolvimento de estruturas lingüísticas é objetivo da Educação Pré-
escolar, visa desenvolver a capacidade expressiva e comunicação, preparando a
criança para utilização da linguagem escrita;
o desenvolvimento de atividades artísticas constitui objetivo específico da
Educação Pré-escolar. Visa-se favorecer a expressão dos sentimentos, interesses,
pensamentos da criança bem como demonstrar o conhecimento que ela tem do
ambiente. Através da educação Artística a criança se auto-confere, descobre seus
próprios poderes e potencialidades; adquirindo gradativamente o sentido de
integração, conscientização e incorporação do seu �eu� ao meio, tem oportunidade
de crítica, contato com materiais e desenvolvimento do espírito criador�.
Os objetivos gerais, apesar de estarem mais claros e precisos que os objetivos
específicos, não possibilitam o entendimento da postura educacional adotado pela escola.
Contudo, é possível perceber que não há influência da teoria piagetiana ou sócio-
interacionista, pois não constatamos a presença da linguagem própria dessas teorias em
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seus objetivos.
É possível apreender que a Escola Particular B atribui à Educação Pré-escolar um
papel importante para a aprendizagem, porém seu enfoque parece estar centrado no
indivíduo, ao dar ênfase na aquisição de noção espaço-temporal e do próprio corpo. Em
nenhum momento, nos objetivos, o sujeito foi lembrado como integrante de uma
sociedade. A Educação Pré-escolar, de acordo com seus objetivos, não se propõe a
articular o sujeito com a sociedade que o cerca; quer garantir tranqüilidade e harmonia
num plano estritamente individual.
Esses objetivos contradizem a Ata que aponta, também, como finalidade da
educação �a compreensão de sujeito social e a importância da participação
socioeconômica e política visando o bem comum�. Essa perspectiva não está
contemplada nos objetivos da Educação Pré-escolar.
Não há na Escola Particular B um processo sobre a postura educacional a ser
seguida. Enquanto a direção afirma que a escola se norteia pela visão holística do ser
humano, os professores não sabem nem o que significa holismo.
c) Teóricos e/ou postura educacional que norteia o trabalho na escola
Segundo Büttner: �... o Holismo é um novo paradigma colocado para o final do
século XX. Ele questiona as verdades científicas da racionalidade.� (1995:05) Para a
diretora da escola, uma visão holística na educação é aquela que �... entende o ser
humano de uma forma global, sem fragmentação. Está preocupada com as energias
positivas que devem estar presentes no processo educativo para garantir ao aluno uma
visão geral do mundo�. Já os professores, ao serem indagados sobre qual método ou
pressuposto pedagógico que norteia seu trabalho, responderam ser o eclético ou ludo-
genético.
Apesar da divergência entre a fala dos professores e da direção, é possível
perceber que a escola realmente não sedimenta seu trabalho pedagógico na teoria
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piagetiana ou no sócio-interacionismo. Parece-nos que a postura holística de educação
revive a postura escolanovista que valorizava o indivíduo e não os sujeitos nas relações
com os outros como objeto principal do trabalho educativo. É expressão do discurso
liberal perpassando uma idéia inovadora de educação. Nessa perspectiva educacional está
ausente a politização possível no processo educacional, pois harmonia e tranqüilidade
nem sempre podem ser propulsoras das transformações necessárias para garantir o bem
comum a todos numa sociedade.
Contudo, a análise realizada a partir da concepção histórica vê, em situações
limites, as possibilidades que a contradição pode gerar. Nesse sentido, a leitura que
fazemos do processo que a escola desenvolve acerca da discussão das diferenças raciais é
otimista, pois apontaremos em que medida um contexto, como o demonstrado, pode
contribuir para modificações de uma realidade social.
A EXPERIÊNCIA DESENVOLVIDA:
A experiência foi realizada nessa sala pela segunda vez, com algumas diferenças
em relação à primeira. Nessa escola, as crianças da pré-escola (dos vários níveis)
conheciam parte da proposta, pois a mesma foi utilizada no ano anterior, quando à
convite da escola, falamos para todos os alunos da Pré-escola à 4a série sobre a questão
racial. Nessa segunda ocasião usamos alguns momentos previstos na proposta. Não foi
possível gravar a experiência. Apenas a professora-orientadora da pesquisa estava
presente para colaborar na observação da atividade.
Tivemos procedimento parecido com o da primeira experiência. Conversamos
anteriormente com a professora e marcamos o dia da atividade. Nessa escola as crianças
não estavam discutindo sobre os seres humanos ou tema similar. O trabalho pedagógico
na Escola Particular B tem por objetivo que as crianças, ao terminarem a pré-escola,
estejam alfabetizadas. Por isso, centra-se nesse objetivo, sem trabalhar com temas
específicos. Seu objeto é sempre a descoberta do processo da escrita e da leitura através
de histórias e do estudo das letras e suas junções.
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Essa classe possuía oito meninos e três meninas. Fizemos uma roda da qual
faziam parte as crianças, a professora e nós. A orientadora mais uma vez foi ignorada
pelas crianças. Elas a viam, mas desconsideravam-na.
Pelo fato de já conhecerem a parte da proposta em que se apresentam as flores e
os animais, fizemos uma recordação sobre o trabalho que haviam conhecido. Perguntei-
lhes se lembravam da outra vez em que estivemos na escola e o que fizemos. Ficamos
impressionadas com a memória do grupo. Lembravam-se de tudo e com detalhes.
Segundo Ferreira (1996:23) �A criança memoriza o que faz sentido para ela�. Como foi
rica em detalhes essa atividade de relembrar, concluímos que a proposta parece estar no
caminho certo, pois proporciona momentos significativos de discussões para as crianças.
Contaram a proposta por etapas, lembraram-se que havíamos mostrado flores que
tinham cores diferentes, mas serviam para a mesma coisa, depois que havíamos levado
pintinhos que também tinham cores diferentes, e que tínhamos contado uma história,
relatando o seu conteúdo. Ao relembrarem, faziam de forma animada, demonstrando que
a atividade havia sido bastante significativa para eles e também muito prazerosa.
Lembraram, também, que havíamos discutido sobre as diferenças de cores entre as
pessoas. Essa parte do relato nos interessava muito, pois uma das crianças presentes havia
se manifestado, da outra vez, categoricamente contra negros e índios. Essa criança dizia
que não gostava nem de um nem de outro.
Nesse dia, ao relatarem as atividades, muitas crianças se posicionaram sobre as
diferenças de cores entre as pessoas. Muitas afirmaram, inclusive o menino que havia se
manifestado anteriormente contrário aos negros e índios, que os negros são melhores que
os brancos em algumas coisas. Perguntados em quais coisas, responderam que negros
eram melhores que os brancos em alguns esportes, corrida, basquete e futebol. A questão
do esporte mereceu um tratamento �minucioso� pelas crianças, sobretudo pelos meninos,
já que as três meninas da sala mal falaram ao longo de toda a atividade.
Ante a consideração dessa �superioridade� negra, perguntamos-lhes, então, se
consideravam as pessoas diferentes, visto que atribuíam aos negros maior capacidade em
determinados esportes. Responderam de forma ambígua, pois afirmavam que existiam
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diferenças, contudo não souberam explicar o porquê. Ou seja, as crianças percebem a
diferença entre as pessoas, mas não sabem explicar o motivo. Uma criança falou, por
exemplo, que o branco saía melhor em fotografia, que o negro não devia pegar muito sol,
pois ficaria mais negro. E quando indagado se isso era ruim, como resposta ela disse que
a mãe dessa pessoa não a iria reconhecer caso ficasse mais negro.
Questionados, então, se as pessoas não eram iguais, disseram que, mesmo tendo
cores diferentes, as pessoas são iguais. Perguntamos-lhes se consideravam negros e
brancos capazes de fazer as mesmas coisas, de pensar com a mesma inteligência, etc. e
todos concordaram que sim, que negros e brancos são capazes de fazer as mesmas coisas.
Então buscamos problematizar o que haviam afirmado em relação aos negros. Dissemos-
lhes: - �Bem, se negros e brancos são capazes de fazer as mesmas coisas, os brancos
também podem ser bons nesses esportes que vocês disseram que os negros são melhores,
não é? O que acham?� Responderam que sim, que as pessoas são iguais, mas negros são
mesmo melhores que brancos em alguns esportes, citando o futebol como exemplo.
Essa postura, que para os mais desavisados pode parecer a comprovação clara de
que as crianças não possuem preconceito em relação ao negro, para nós foi forte
indicação de que havia no grupo um consenso sobre o lugar na sociedade que os negros
devem ocupar. É importante relembrar que, nessa sala, não existia nenhuma criança negra
e que essa escola atendia uma clientela de classe média alta. Sabemos que o preconceito
racial está presente na sociedade e que a �elite� o reproduz e sustenta. Considerando que
essas crianças pertencem a essa classe social, pareceu-nos necessário evidenciar que a
postura apresentada revelava em sua essência o preconceito.
A fim de identificá-lo, fizemos a seguinte pergunta à sala: - �Se todas as pessoas
são iguais, quem da sala gostaria de dançar com uma pessoa negra?� Meninos e
meninas da sala reagiram igualmente, surgiram, em seus rostos, risos, trejeitos de desdém
e muitos verbalizaram com sonoro �Não! Um aluno, inclusive, disse que branco deve
dançar com branco e negro com negro, devem casar sem misturas, a não ser por uma
questão de gosto.
Nesse momento a professora titular se posiciona espontaneamente, visivelmente
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espantada com a reação dos alunos, perguntou-lhes por que não, já que gostavam tanto de
abraçar o porteiro da escola que é negro. Pensamos que as crianças não haviam percebido
que o �amigo� porteiro era negro. Uns disseram ser uma questão de gosto, outros que não
queriam ter filhos �marrons�. Alguns, ainda, abriram uma possibilidade: aceitariam isso
caso a pessoa fosse �muito� amiga.
A situação coloca em evidência algo bastante conhecido nos estudos sobre as
relações inter-étnicas no País: embora se negue a existência de diferenças entre as
pessoas, a não ser a indiscutível diferença de cor, e seja reafirmada a igualdade entre as
pessoas, quando se atinge o terreno da proximidade física, do contato mais íntimo,
surgem manifestações de desconforto, de desagrado, de preconceito. As idéias de
proximidade voltam a aparecer. Proximidade que garante a relação e, por isso, a
consciência da diferença, mas que torna evidente o conflito do conhecido e do familiar.
Exemplo, o caso do porteiro negro e a possibilidade de dançarem com alguém negro que
conhecem.
Isso porque, no imaginário social, o negro ainda está associado ao que é sujo e
ruim. Dançar com o negro significaria tocá-lo, compartilhar seu corpo. Compartilhar
exatamente o que o Ego Branco, a ideologia racista, impõe ao negro, isto é, negar seu
próprio corpo como forma de ser aceito socialmente. Para Jurandir Freire (1984) a
ideologia racista constitui-se em violência constante para os negros oprimidos. Baseia-se
no princípio que faz com que o negro encarne o corpo e os ideais de Ego do sujeito
branco e por isso recuse, negue e anule a presença do corpo negro. Para Freire �O
fetichismo em que se assenta a ideologia racial faz parte do predicado branco, da
brancura, o �sujeito universal e essencial�, e do sujeito branco um �predicado
contingente e particular� (1984:106)
Essa idéia da brancura como o belo, o bom, o justo, a razão está presente não só
no imaginário dos brancos, mas foi incorporada pela população negra. Por isso, não nos
espanta que crianças com tão pouca idade já saibam selecionar seus pares a partir de
critérios étnicos-raciais. E, ao que parece, Lamartine não foi convincente ao propor que
como �a cor não pega� ele podia querer o amor da mulata. Nossas crianças brancas, da
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classe média alta, continuam preferindo não se arriscar ao contato mais íntimo com os
negros a fim de não correrem o risco de, por ventura, tornarem-se negras.
Fizemos opção de não problematizar o que era dito, justamente para não inibir as
manifestações, a fim de percebermos as possibilidades do �diálogo participativo� que a
proposta faz emergir. Ouvimos as argumentações dos alunos, mas não contra-
argumentamos. A conversa durou muito tempo e pareceu-nos adequado encerrá-la, pois
as crianças demonstravam cansaço.
Essa experiência, apesar de condução diferente da primeira, confirma nossa
hipótese de que a manifestação do preconceito racial na escola aparece de formas
diversas, nem sempre agressiva, mas com alto teor violento, pois nega ao outro, nesse
caso o negro, compartilhar como um igual a vida da escola. Quando perguntamos sobre
dançar, o fizemos porque essa atividade envolve o contato corporal e porque é muito
comum, nas escolas, em datas comemorativas, organizarem-se apresentações em que as
crianças fazem pares, ocasião em que as crianças negras são violentamente rejeitadas.
Nessa sala não há nenhuma criança negra. Mas se houvesse, e nada fosse feito em
relação à discussão étnico-racial, podemos prever por quais constrangimentos passaria.
ESCOLA ESTADUAL C:
a) Contexto:
A Escola Estadual C é pública e o prédio que a abriga é parte do convento da
Congregação �Irmãzinhas de Jesus Adolescente� que, através de convênio com a
Secretaria de Educação do Estado, cedeu o espaço físico necessário à instalação da
escola. Em contrapartida, recebe do Estado o necessário para a manutenção da escola,
que funciona desde 1974.
Na escola funciona apenas o 1º Grau, com as seguintes turmas distribuídas nos
períodos matutino e vespertino: três turmas de primeiras séries, três de segundas, duas de
terceiras, uma de quarta, duas de quintas e duas turmas de Pré-escolar que funcionam na
mesma sala de aula.
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A Escola possui como normatizadores de sua atuação dois documentos básicos, o
Regimento e o Estatuto. Através deles é possível apreender quais as regras que
disciplinam o trabalho tanto pedagógico quanto administrativo. Em nossa análise,
detivemos-nos às questões pedagógicas, já que ao nosso objeto de pesquisa interessa
como o projeto pedagógico da escola ou suas diretrizes educacionais contribuem para a
discussão da questão racial.
A sala de aula da pré-escola se diferencia das outras no que se relaciona à mobília.
Ela possui mesas e cadeiras pequenas, adequadas ao tamanho das crianças, propiciando
que trabalhem sempre juntas, dividindo materiais como lápis-de-cor, lápis de escrever,
borracha, bem como outros materiais cedidos para a pré-escola. Além disso, a sala possui
espaços físicos como um canto onde foi montada uma �casinha� e um canto onde há uma
estante com diversos brinquedos, desde carrinhos a jogos de montar. É de praxe que as
salas de Educação Pré-escolar possuam banheiro. Essa sala não tem, mas há um banheiro
perto da sala, exclusivo das crianças da pré-escola.
A sala possui, ainda, o que costumamos chamar de ambiente alfabetizador, isto é,
a sala inclui em sua decoração recursos como cartazes com letras, números que podem
ser auxiliares para as crianças em seu processo de alfabetização. Além desses cartazes
portadores de texto, a professora fez um grande painel decorativo com vários anjinhos
negros e brancos sentados em nuvens. Antes do nosso contato para desenvolver o
trabalho, a decoração da sala tinha um quadro só com crianças loiras de olhos azuis, o
que já demonstra uma modificação na postura da professora.
O prédio é antigo, limpo e conservado. Não há luxo em suas dependências. Tudo
é muito simples. Há muitas plantas por todo o pátio, pois a escola fica em um bairro que
possui muitas características de zona rural, pouco povoado, com muitas chácaras ao seu
redor, sem asfalto e com muitas casas de madeira. No bairro há água encanada, luz
elétrica e uma recente linha de ônibus. É dividido em muitas vilas e possui uma, em
particular, que consideramos importante, a Comunidade Negra de São Benedito, fundada
por uma negra ex-escrava, chamada por todos de Tia Eva. Ela recebeu sua carta de
alforria em 1887, aos 49 anos e, desde então, quis viver sua liberdade em outras terras.
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Foi essa vontade que a fez sair de Mineiros /Goiás, terra em que nasceu, para se dirigir a
Mato Grosso.
Tia Eva chegou nessa localidade em 1905. Mulher dinâmica e prestativa, tornou-
se bastante conhecida pela redondeza. Foi parteira, benzedeira, curandeira. Trabalhou
também como cozinheira e lavadeira pelas casas mais abastadas do lugar. Por volta de
1910, requereu uma área de terra, de oito hectares, que lhe custou oitenta e cinco réis,
conforme se conta. É nessas terras que hoje se localiza a Comunidade Negra da Igrejinha
de São Benedito, com 31 famílias. Essa Comunidade guarda seus laços de descendência
com Tia Eva por conta de uma promessa feita por ela a São Benedito, santo de sua
devoção, do qual trouxe uma imagem, quando de sua viagem para o Mato Grosso, que até
hoje está na Comunidade.
Ela prometeu ao santo que, se uma ferida que tinha na perna fosse curada,
construiria uma igreja e faria, anualmente, uma festa em sua homenagem. Tia Eva
alcançou a graça e, por isso, começou a realizar a festa a partir de 1912 na Comunidade.
A igreja prometida foi construída em 1918 e seus descendentes mantêm a tradição da
festa até os tempos de hoje. A festa se realiza durante nove dias no mês de maio. A
comunidade participa de missas, reza de terços e de bailes. Ela, por certo, vem se
transformando de acordo com seu momento histórico. São Benedito é o laço religioso que
liga as pessoas, mas a lembrança de Tia Eva é o elo que os une como grupo de uma
mesma origem. Sua memória na festa ganha cada vez mais força.
Neusa Gusmão e Ana Lúcia Valente, ao relatarem a história dessa comunidade e
de outra chamada Campinho, fornecem-nos elementos para a compreensão do que
significam acontecimentos como esse para as comunidades negras.
�O que temos na história de Tia Eva e Vovó Antonica é a revelação de um espaço
partilhado que, exatamente por isso, se constitui enquanto realidade, persiste e
resiste no tempo e no espaço (...) A Festa de São Benedito, tanto em Campo
Grande, na vila dos negros, como em Campinho, é um tesouro do passado, cuja
função, a um só tempo mágica e concreta, é manter o grupo enquanto grupo, não
qualquer grupo, mas enquanto grupo de negros. A festa como tradição recupera a
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memória, recupera a história e �une sentimentos diversos� formando a
coletividade.� (1991:27-34)
Citar essa comunidade, entre várias que compõem o bairro, é importante porque
muitos dos alunos que moram na comunidade e comungam dessa mesma raiz histórica
freqüentam a Escola Estadual C, e também porque o trabalho que a professora da sala de
Educação Pré-escolar desenvolveu foi uma tentativa de articular a escola à história dessa
comunidade de onde vêm muitos de seus alunos e sua origem racial.
A clientela dessa escola é composta por alunos pobres e, como já foi dito, é uma
comunidade de características rurais, com muitas casas de madeira. Além disso, a própria
história de uma de suas vilas retrata bem a que segmento da sociedade a escola atende.
Há duas turmas de Educação Pré-escolar. A turma do matutino tem 23 alunos e a do
vespertino 22; todos residem no bairro ou em suas proximidades. Podemos afirmar,
empiricamente, que pobres e negros compõem a sua clientela. Contudo, como estamos
nos debruçando no estudo da Educação Pré-escolar, apresentaremos alguns dados que
foram obtidos a respeito dessa clientela, através da consulta em fichas de matrícula,
certidões de nascimento e questionários. No questionário pudemos obter o grau de
escolaridade e a profissão exercida pelo pai e pela mãe, bem como a renda familiar.
Concluímos que esses alunos, em geral, são filhos de pessoas que exercem
profissões consideradas pelo mercado como profissões não-qualificadas, isto é, profissões
que não requerem grau elevado de instrução para sua execução. Nesse universo
encontramos as seguintes profissões declaradas: um comerciante, um gráfico, um
mecânico, um mestre de obras, um zelador, um pintor, um armador, um carpinteiro, um
eletricista, quatro pedreiros e um construtor. Quanto às mães, encontramos uma chefe de
escritório, uma telefonista, uma secretária, uma auxiliar de enfermagem, uma feirante e
uma doméstica.
No questionário aplicado, a maior parte dos que responderam ao quesito
escolaridade disseram ter cursado apenas o 1o grau, sendo grande o número de pais que
não o completou. Esse fato explica, de certa forma, por que eles têm profissões pouco
qualificadas, confirmando nossa hipótese inicial de que a clientela dessa comunidade é
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uma comunidade de baixo poder aquisitivo. Contribui também para nossa afirmativa o
fato de que a escola não exige pagamento de mensalidade, apenas pede-se aos pais que
possam para contribuir com R$ 2,00 ( dois reais ).
Mesmo que a totalidade dos pais não tenha respondido ao questionário, é possível
inferir que realmente se trata de uma comunidade pobre. O fato de alguns pais não
responderem pode ser atribuído, também, ao baixo grau de escolaridade,
impossibilitando-lhes até mesmo de responderem, por escrito, as questões.
Quanto aos funcionários da escola, alguns moram na própria localidade,
principalmente os que trabalham nos serviços de limpeza e merenda. Os professores, em
sua maioria, não residem no bairro, mas atuam há muitos anos na escola.
Em relação às professoras que iniciaram na Pré-escola, em 1996, ambas possuíam
o terceiro grau completo: a professora do matutino, o curso de Educação Artística, e a
professora do vespertino, o curso de Pedagogia. Porém, a professora do período
vespertino, devido a problemas de saúde, teve que ser substituída por outra professora
que possui o curso de magistério em nível de 2o grau, que já pertencia ao quadro
funcional da escola e que já atuou na Pré-escola.
B) Filosofia
No caso da Escola Estadual C, essa �filosofia� resume-se à formação da
concepção de homem que deve direcionar o trabalho da Escola. Isto é, a Escola Estadual
C
�Entende o homem como ser de relações que reflete sobre si mesmo e sobre a
realidade, levanta hipóteses, desafia e procura soluções. É um ser constante de
ser mais, descobre-se inacabado, capaz de criar, criticar, transformar, comunicar
em comunhão com outros que também procuram educar-se�.
Essa �filosofia� contida na abertura do Regimento da Escola aprovado pelo
Conselho Estadual da Educação em 1992, não pode ser considerada, de fato, uma
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Filosofia no sentido acadêmico da palavra, pois não constitui nenhum conjunto de
estudos ou considerações que tendem a reunir uma ordem determinada de conhecimentos,
mas revela apenas uma compreensão de homem.
Os Objetivos da Educação Pré-Escolar, registrados em Estatuto são:
�- propiciar às crianças atividades que as preparem para a aprendizagem subseqüente;
atuar numa perspectiva construtivista, tendo em vista socializar experiências;
exploração sensorial;
desenvolvimento da personalidade humana;
enriquecimento de vocabulário;
criatividade como elemento de auto-expressão;
dar condições para compreender a função social da leitura;
respeitar e expandir o desenvolvimento cognitivo;
criar atitudes e hábitos de higiene;
socialização�.
Segundo um dos objetivos apontados pela Escola C, a concepção educacional que
norteia seu trabalho é a perspectiva construtivista. No entanto, essa escola é fruto da
divulgação pouco elaborada de matrizes diferentes, levando-a a considerar possível
unificar teorias diferentes em uma mesma proposta educacional.
A teoria piagetiana é a base da concepção construtivista aplicada à educação,
apesar de ele mesmo não ter se preocupado em dar aos seus estudos uma direção
pedagógica. Contudo, seus estudos centravam-se na criança, pois a pretensão da
epistemologia genética era retornar às fontes, ir à gênese dos conhecimentos, seguir sua
evolução, conhecer todas as fases nas suas diversas variedades. A criança era a fonte das
pesquisas piagetianas pelo fato de ter como preocupação central, em seus estudos, o
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processo de construção das estruturas que originam novos conhecimentos.
Além de Piaget, essa perspectiva construtivista, presente nas escolas, tem por base
o trabalho de Emilia Ferreiro que, a partir das concepções piagetianas de construção de
estruturas como base para novos conhecimentos, desenvolveu um arcabouço de
conhecimentos referentes à linguagem escrita. Esse arcabouço de conhecimentos em
relação à escrita das crianças teve uma enorme influência em todo o Brasil, dando maior
destaque à concepção construtivista na educação, ocasionando, em muitos casos, a
compreensão de que uma escola �construtivista� seria uma escola que trabalhasse com os
níveis de aquisição da escrita, segundo Emilia Ferreiro. Sem dúvida foi com Ferreiro que
a �concepção construtivista� se popularizou e tomou conta de muitos programas de
Educação. Portanto, são consideradas, de forma geral, escolas construtivistas, aquelas que
embasam seu trabalho pedagógico nas concepções de Ferreiro para aquisição da
linguagem escrita e nas de Kamii para a construção do número.
Além dessas questões, há um senso comum, entre os educadores, de que uma
escola construtivista é aquela que trabalha com o conhecimento vindo da criança e que é
ela quem constrói seu próprio conhecimento, tendo o professor apenas o papel de
estimulador dessa construção, numa relação mais democrática, podendo a criança
expressar sua opinião sem riscos de punição. Esse panorama é fruto da disseminação
desses pressupostos teóricos, principalmente através de cursos de treinamento realizados
pelas Secretarias de Educação, bem como dos cursos que qualificam os professores para
atuarem na Educação Pré-escolar, que muitas vezes carecem do aprofundamento teórico
necessário para a compreensão, de fato, do que esse arcabouço teórico propõe, gerando
algumas distorções ou unificando em um mesmo trabalho matrizes teóricas que não se
associam.
O Estatuto da Escola Estadual C é o único, dentre as escolas pesquisadas,
explícito em sua adesão à perspectiva construtivista e que contém bibliografia, elaborada
pela direção, coordenação pedagógica, professores e demais funcionários. Quanto aos
teóricos que embasaram sua redação, podemos dividi-los em dois grupos: teóricos que
falam do fazer pedagógico e outros que tratam da concepção filosófica de educação.
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Nesses grupos, os teóricos são de matrizes diferentes, se misturam e nem sempre
possuem convergências. Há teóricos de base humanista, estruturalista e marxista. Por
exemplo: estão presentes Demerval Savianni, Constance Kamii e Pedro Demo. A junção
desses teóricos denuncia a carência de esclarecimento dos que elaboraram o Estatuto e
muito da influência dos cursos de �atualização� realizados pelas agências de Educação
que muitas vezes trata de forma superficial o conhecimento.
A perspectiva construtivista se popularizou no Brasil na década de 80, quando as
idéias do campo da epistemologia genética de Piaget foram introduzidas nas escolas.
Klein, apesar de não discutir exatamente a problemática do construtivismo, discute
muitas falas e posturas presentes nos educadores que aderem a determinadas perspectivas
sem muita reflexão. Sua crítica e preocupação está na verificação de que muitas escolas
fazem uma adesão a crítica, a princípios que não sabem exatamente o que significam e
retiram idéias de um conjunto teórico sem o conteúdo equivalente. Parece ser o caso da
Escola Estadual C em relação à Educação Pré-escolar, pois o que se constata é que sua
perspectiva educacional não se realiza na prática pedagógica.
Klein diz que há:
�... princípios disseminados por todo universo escolar brasileiro, repetidos ad
nauseam para um conjunto de alfabetizadores que apresentam marcadas
diferenças, quantitativas e qualitativas, das referências teóricas necessárias para
uma rigorosa e profunda compreensão do seu conteúdo, que acabam virando
chavões, lugares-comuns. Aliás, com o perdão do trocadilho, viraram mesmo
chaves com as quais qualquer pessoa, mesmo sem compreender o conteúdo da
frase, abre, pelo mero exercício da expressão, as portas de ingresso ao universo
dos iniciados nas novas concepções pedagógicas. (...) Esses princípios recuperam,
na verdade, encaminhamentos bastante característicos da Escola Nova, travestidos,
agora, de prática revolucionária...� ( 1992:18-26)
Essa discussão de Klein se aplica ao caso da Escola Estadual C. Quando
descrevermos e analisarmos o cotidiano dessa escola, demonstrando o resultado da
confusão entre teoria e prática pedagógica que ocorre na sala de Educação Pré-escolar, a
afirmação da autora será melhor compreendida. Vale lembrar que o Estatuto embasa o
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trabalho da escola toda, porém como já foi mencionado, nossa análise se deterá ao
trabalho da Educação Pré-escolar. O Estatuto e a fala dos educadores revelam uma
�modernidade� que não se constata em sua prática. Por outro lado, essa confusão de
princípios norteadores da educação abre espaço para que o trabalho da Educação Pré-
escolar comporte atividades como o da discussão sobre a questão racial na sala de aula.
Atribuímos esse espaço, onde o novo se incorpora ao velho, à busca desses
educadores que, envolvidos no discurso presente de mudança na educação, querem mas
não sabem exatamente como promover tais mudanças, pois não possuem base teórica
para dar corpo ao discurso que, como Klein já disse, está �travestido de prática
revolucionária�. E o que está travestido pode encobrir a mudança, mas também pode
gestar o novo em sua própria contradição.
A EXPERIÊNCIA DESENVOLVIDA:
Procedemos como nas escolas anteriores. Um dia antes, confirmamos com a
professora nossa presença e executamos a proposta. A experiência foi realizada em
setembro de 1994.
Algumas crianças haviam faltado, anunciou a professora, mas, pela primeira vez,
tínhamos a presença de crianças negras em sala. Estavam presentes quatorze crianças.
Entre elas, segundo uma perspectiva mais radical, mais �militante�, oito crianças eram
negras (incluindo os chamados pardos). Em termos de traços fenotípicos, quatro eram
marcadamente negras.
As crianças sentaram-se em círculo, juntamente conosco e a professora titular. A
orientadora se fez presente para registrar suas observações sobre a atividade e foi notada
pelas crianças, que demonstraram certa curiosidade, mas apenas a olharam. Desta vez
tínhamos um gravador como instrumento auxiliar. Iniciamos o trabalho como na Escola
A, apresentando as �surpresas�: primeiro as flores. E as crianças participaram animadas
da brincadeira de adivinhar. Logo que acertaram, passamos a discutir sobre suas possíveis
utilizações. Percebemos que elas possuíam com as flores uma relação bastante diferente
das crianças das outras escolas. Enquanto as outras crianças encontraram uma diversidade
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maior para utilização das flores como enfeitar o cabelo, a casa, dar para o(a)
namorado(a), estas citaram, como possibilidades, utilizar as flores para enfeitar a casa e
plantar na horta.
Apesar de nossa insistência, não surgiram outras indicações de como utilizar as
flores, levando-nos a concluir que a experiência das crianças pobres com as flores são
essas e que, mais uma vez, é possível perceber que a classe define para as crianças a
construção de muitos conceitos. Isso aconteceu com os pintinhos também. Enquanto nas
outras escolas eles despertaram uma enorme euforia, todos queriam tocá-los, estas
crianças demonstraram simpatia pelos mesmos, mas nenhuma curiosidade. Os pintinhos
passearam pela roda sem serem perturbados: eles eram para elas algo familiar. Quando
fomos trabalhar com os pintinhos sobre suas igualdades e semelhanças, surgiu um
diálogo bastante ilustrativo do que temos afirmado sobre a construção social do negro.
Vejamos:
Pesq. �- Vou mostrar outro para vocês. Não o deixem fugir! Se ele fugir vocês
o peguem, está bem?�
Criança � �Tá�.
Pesq. � �Vou mostrar outro!�
Pesq. � �De que cor é esse?�
Criança � �Branco�.
Criança � �Amarelo�.
Criança � �Amarelo e branco�.
Pesq. � �Amarelo e branco�
Criança � �Vermelho!�
Criança � �Preto e branco!�
Pesq. � �Ué... mas vocês falaram que aquele lá era preto!�
Criança � �Preto�
Pesq. � �E agora, este aqui, de que cor é?
Criança � �Marrom e preto�.
Criança � �Marrom e branco�.
Pesq. � �Marrom?�
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Criança � �E um pouquinho preto!�
Pesq. � �E um pouquinho preto? Qual é o preto dos três?�
Criança � �O mais feio�.
Uma das crianças disse que os pintinhos, por fora, eram diferentes mas, por
dentro, eram todos iguais. Isso gerou muita discussão, uma menina e um menino do
grupo não concordaram com a afirmativa. A menina disse que a cor do sangue dos
pintinhos era diferente, pois cada pessoa tinha o sangue da cor da sua pele.
Reproduziremos parte desse diálogo:
Criança 1 � �É tudo igual, porque todo sangue é vermelho�.
Criança 2 � �Não é não! Eu não sou dessa cor e o meu sangue é dessa cor�.
Pesq. � �Todo sangue é vermelho?�
Crianças � �É�
Criança 2 � �Não, cada um é de uma cor e outro é de outra cor!�
Pesq. � �Nós não entramos num acordo ainda. Depois nós vamos descobrir.
Será que vai poder furar o dedo e ver que cor é o sangue? Vai poder?
Crianças � �Vai�.
Pesq. � �Quem já machucou aqui?�
Criança 4 � �Eu�
Pesq. para criança 2 � �Você já se machucou? De que cor saiu o sangue?�
Criança 2 � �Saiu branco�.
Pesq. � �Saiu branco?�
A pesquisadora então pergunta ao menino negro que concordava com a afirmativa
da colega de que cada pessoa tem o sangue de acordo com sua cor de pele:
Pesq. � �E você, já se machucou? De que cor saiu seu sangue?�
Criança 5 � �Saiu preto�.
A maioria das crianças voltou a discordar, contando experiências que tiveram,
onde foi possível ver a cor do sangue das pessoas. Contaram casos de machucados dos
pais, seus próprios e concluíram que todas as pessoas, independente da cor, possuíam
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sangue vermelho. Resolvemos, então, verificar se a criança 2 e a 5 haviam mudado de
opinião diante das argumentações de seus colegas. Perguntamos-lhes - �E então, o que
você acha disso, você acha que seus colegas têm razão, todo sangue é vermelho?� A
criança 2 responde com um categórico �não�, reafirmando sua opinião perante o grupo: -
�Quem é branco tem o sangue branco, quem é negro tem o sangue negro�.
Perguntamos novamente para outras crianças, que respondem, com exemplos, que o
sangue é vermelho:
Pesq. � �O que você acha RAF.? Todo sangue é vermelho ou não?
Criança 6 � �O meu sangue é vermelho!�
Criança 7 � �O meu também�.
Pesq. � �Você é de que cor?�
Criança 6 � �Moreno�
Continuamos essa conversa por um bom tempo, pois chamou muito a atenção das
crianças. Fomos, ao longo dela, procurando encaminhar para a discussão de que todas as
pessoas possuíam características semelhantes e diferentes. Perguntamos sobre o que as
pessoas tinham de diferente.
Foi muito interessante porque, nessa escola, a questão da cor para as crianças era
apenas uma das tantas diferenças que apontaram. Assim como observaram mais
semelhanças e diferenças entre as flores e os pintinhos, a questão da cor entre as pessoas
foi também observada. Além das cores, apontaram como diferentes os cabelos, os olhos,
o nariz, as orelhas, etc. Esse fato nos parece genuinamente interessante, pois exatamente
na escola em que há a presença de crianças negras, como parte do cotidiano, a diferença
de cor seja mais uma entre as tantas que são observadas por elas. Ao que parece, as outras
diferenças são observadas exatamente para corroborarem que existem diferenças e, já que
a cor não é uma marca gritante entre elas, faz-se necessário demarcar por outras o que as
faz diferentes.
Diante dessa observação, começamos a questionar se essas tantas diferenças
apontadas por elas tornavam algumas pessoas melhores que as outras, e se isso ocorresse,
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o que causava essa desigualdade. Novamente o preconceito entre branco e preto aparece,
sem que soubessem explicar o porquê. A pesquisadora pergunta se as pessoas podem
fazer o que quiserem, independente da cor. Muitas crianças respondem que sim, mas ao
fundo ouvimos um não. A pesquisadora, pergunta sem se dirigir à criança
especificamente:
Pesq. � �Não?�
Novamente muitas crianças respondem que podem, mas continua a se ouvir o não.
Como a intenção do trabalho é explicar as opiniões sobre as diferenças étnico-raciais,
fizemos uma nova questão para observarmos como a criança que estava dizendo não se
posicionaria e qual seria a reação das outras:
Pesq. � �Vocês acham que, dependendo da cor, uma pessoa é melhor que a
outra?�
Criança 7 � �Eu acho que é uma cor igual de outros�.
Pesq. � �Eu estou perguntando o seguinte: se a cor, por exemplo, a D. é de
uma cor. De que cor a D. é?�
Crianças � �Branca�
Pesq. � �E a P. é de outra cor. De cor a P. é?�
Crianças � �Morena�
Pesq. � �Que cor você é, P. ?�
P. - �Morena�
Pesq. � �Isso. As duas têm cores diferentes e são meninas. O fato de as duas
terem cores diferentes torna uma melhor que a outra? Tem uma cor que é
melhor que a outra nas pessoas?�
Criança 1 � �Branco...�
Pesq. � �Você acha que é o branco. Por quê?
Criança 1 � �Porque eu acho o branco bonito�.
Pesq. � �Então você acha que tem uma cor nas pessoas que é melhor que
outra?�
Criança 1 � �Faz a gente é... melhor!�
Pesq. � �Por quê?�
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Criança 1 � �... a P.�
Pesq. � �Que cor é da P.?�
Criança 1 � �Morena�
Pesq. � �Qual a diferença entre vocês?�
Criança 1 � �Eu prá ela. Ela é morena e eu sou branca�
Pesq. � �E isso muda alguma coisa entre vocês?�
Criança 1 � �Muda. Eu sou uma cor e ela é outra�.
A partir desse diálogo podemos observar que a questão da diferença entre a cor
das pessoas e a relação de inferioridade x superioridade, ou melhor x pior está presente,
mesmo quando, ao nível da verbalização, não seja possível explicá-la, como no caso da
criança 1 que argumenta existir uma diferença para melhor em relação ao branco.
Primeiro ela diz que o branco é mais bonito e depois tenta dizer que ser
branco é melhor, ou pelo menos, ela se sente melhor sendo branca. Tenta dizer isso e,
quando é questionada se existe uma cor melhor, explicita a oposição entre ela e a menina
P., que é �morena�. É também recorrente a negação da cor preta ou negra da criança P.
Tanto ela, que é nitidamente negra ou preta, quanto a outra criança branca, ao definir sua
cor, diz a palavra �morena�. Apenas os militantes e pessoas mais habituadas e atentas às
discussões étnico-raciais é que utilizam a palavra negra, indicando a clara diferença entre
o que existe na população e o desejo da sociedade civil organizada que trata desse
assunto. Há um longo caminho a ser percorrido para que se supere a idéia, tão arraigada
no imaginário de negros e brancos, de que a palavra negro é ofensiva. A palavra �preta�,
apesar de marcar com clareza e determinação a diferença entre negros e brancos, possui
menor carga pejorativa entre as pessoas. A palavra preto para designar alguém da raça
negra surge com maior �naturalidade� entre as crianças.
Essa relação entre identificação e �naturalidade� é facilmente perceptível. No
próximo diálogo que iremos reproduzir, provocado a partir da leitura do livro Menina
bonita do laço de fita, terceira parte da proposta, verificamos que as crianças negras e
brancas identificam o sujeito negro como preto e só modificam essa identificação
�natural�, quando são questionadas.
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Apresentamos o livro explorando sua capa, que é bastante sugestiva:
Pesq. � �Olhem a menina na capa do livro, ela tem laço de fita no cabelo?�
Crianças � �Tem, ela está com um coelhinho!�
Pesq. � �Isso mesmo!�
Crianças � �É. E ele tem olhos vermelhos�.
Pesq. � �Tem�
Crianças � �Tem a boca vermelha�.
Pesq. - �E qual é a cor dele?�
Crianças � �Branco�
Pesq. � �Ele é branco. E a menina?�
Grupo 1 de crianças � �Morena�. (a maioria das crianças disse isso)
Grupo 2 de crianças � �Preta�. ( um no bem menor)
Grupo 3 de crianças � �Negra�. (três ou quatro)
Pesq. � Ela é mesmo �Morena?�
Crianças � �Negra�.
Todas as crianças, ao serem questionadas por nós, mudam de idéia em relação à
etnia da menina do livro, atribuindo a ela a cor negra. Mas essa mudança não se constitui
mudança de pensamento, elas apenas se adequaram ao questionamento da pesquisadora,
pois, espertas como são, já perceberam que nós, sempre que nos (pesquisadores da
temática) referimos aos pretos ou morenos (para eles), falamos a palavra negro. Por isso
continuamos a explorar as características da menina, a fim de verificar se o
reconhecimento dela seria como negra, morena ou preta, quando não fossem
questionadas em suas respostas.
A discussão sobre a escolha do termo que designará o sujeito não é mero exercício
de palavras, pois nessa escolha estão refletidos os símbolos construídos pela sociedade.
Como nos diz Souza
Nas sociedades de classes multirraciais e racistas como o Brasil, a raça exerce
funções simbólicas (valorativas e estratificadoras). A categoria racial possibilita a
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distribuição dos indivíduos em diferentes posições na estrutura de classe conforme
pertençam ou estejam mais próximos dos padrões raciais da classe/raça dominante.
( 1983:233)
Portanto, as palavras que definirão o sujeito não são meras palavras, mas nelas
estão embutidas formas de tratar e pensar o Outro. Assim, a busca por diferenciar-se do
que não é querido, do que não traz consigo a marca do que é bom, já é intensa na mais
tenra idade, como percebemos no diálogo abaixo:
Pesq. � �Quem aqui é parecido com a menina bonita do laço de fita?�
Criança 1 � �Ela aqui é. Eu não sou.�
É novamente a criança branca participando. Essa criança quase monopoliza todo o
trabalho, é sempre a partir dela que as discussões surgem. Diferentemente das outras, ela
se sente inteiramente à vontade para se posicionar. Fala com segurança, mesmo quando
não sabe explicar bem o que está pensando, dirige-se às outras com total liberdade e até
um certo ar de dominação.
Essa criança quer se auto-afirmar perante o grupo. Garantir seu espaço,
justamente marcando a diferença entre ela e os outros: os �outros� negros. Sua
preocupação é sempre a de não se confundir com estes, e o alvo de diferenciação é a cor.
Não é o primeiro momento do trabalho que ela de forma autônoma, define a cor das
crianças da sala, buscando marcar uma diferença entre ela e as outras crianças. Outras
crianças brancas da sala limitavam-se a concordar com ela, muitas vezes balançando a
cabeça quando ela falava. Apesar de suas inteferências ou de sua monopolização
continuamos a explorar a capa do livro, falamos da ilustradora, da autora, do lugar onde a
menina está, o que parece estar fazendo, como se veste, etc.:
Pesq. � �De que cor é o cabelo dela?�
Crianças (todas) � �Preto�.
Pesq. � �E as pernas?�
Crianças (algumas) � �Preta�
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Pesq. � �Pretas?�
Crianças � �Morenas�
Uma criança � �Negra�
Pesq. � �E os braços�
Crianças � �Pretos�
Pesq. � �Pretos?�
Uma criança � �Negros�
Pesq. � �Ela é alegre ou triste?�
Crianças � �Alegre�
A história começa dizendo que a menina era linda. Perguntamos às crianças se
achavam a menina bonita. Apenas algumas crianças responderam que sim, outras não
responderam. Perguntamos, novamente, quem achava a menina bonita. Muitas crianças
levantaram a mão, mas havia um grupo ainda que não havia se manifestado.
Perguntamos, então, quem achava a menina feia. Algumas crianças levantaram a mão.
Perguntamos para uma delas por quê. Ela respondeu:
- �Porque ela é preta�.
Pesq. � �Ah!�
Outra criança � �Porque ela é preta�
Pesq. � �Você acha ela feia também? Quem mais acha ela feia?�
Pesq. � �Você acha? Por que você acha ela feia?�
Criança 9 � �Porque ela é negra�.
Pesq. � �Foi você quem levantou a mão? Você acha ela bonita ou feia?�
Criança 10 � �Foi. Acho ela feia�.
Pesq. � �Por quê?�
Criança 10 � �Porque ela é preta�.
Criança 11 � �Eu não acho ela feia�.
Pesq. � �Quem? Você? Por que você não acha ela feia?�
Antes que essa criança respondesse por que não achava a menina feia, a criança 1
interrompe e diz: - �Tia, fica melhor se você falasse: - quem não gosta dela ficar de
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pé�.
Pesq. � �Quem não gosta? Mas eu perguntei quem acha ela feia. Você acha
melhor perguntar quem não gosta?�
Criança 1 � �Não, eu falei assim, quem não gosta dela como ela é, da cor
preta, é prá ficar de pé�.
Pesq. � �Vocês ouviram o que ela falou? Fala mais alto para o pessoal, para
todo mundo ouvir. Bem alto!�
Criança 1 � �É que ela é dessa cor né? E quem não gosta é prá ficar de pé!�
Pesq. � �Vocês entenderam?�
Crianças � �Entendemos�
Pesq. � �Quem não gosta da menina bonita do laço de fita, porque ela é dessa
cor, fica de pé�.
Ninguém ficou de pé.
Criança 1 � �Agora, ninguém gosta�.
Pesq. � �É. As pessoas acham ela feia, mas não falaram que não gostam�.
A criança 1 parece ter esquecido que sua proposta era para que ficassem de pé os
que não gostavam da menina. Ela conclui que, como ninguém ficou de pé, ninguém
gostava. Sua proposta buscou legitimar o seu sentimento, pois diz: �agora, ninguém
gosta�. Ou seja, todos concordam comigo, ignorando o resultado que foi frontalmente
diferente do que ela havia proposto.
Essas crianças compartilham a mesma realidade socioeconômica. Não há uma
disparidade marcante entre elas. É possível observar isso através das roupas que usam,
das experiências que relatam, do vocabulário que utilizam. Contudo, mais uma vez foi
possível notar que, mesmo num espaço onde economicamente negros e brancos estão em
situação de igualdade, ser branco faz o sujeito portador desta cor arrogar vantagens sobre
os negros.
O preconceito racial, socialmente construído, revela-se independente da situação
econômica das pessoas, porém permeada por ela. Há um pressuposto por parte dos
brancos de que eles são melhores; há desde cedo uma introjeção dessa premissa nos
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negros. E, certamente, essa premissa está intrinsecamente ligada ao lugar que os brancos
ocuparam e ocupam na hierarquia econômica brasileira, isto é, mesmo os brancos pobres
se beneficiam do poder que a elite branca em sua memória desfruta.
No diálogo que se desenvolveu, as crianças negras ficaram visivelmente
constrangidas e incomodadas, mas em nenhum momento se posicionaram contrárias ao
que a colega colocava, à exceção do menino negro que, para se contrapor ao que a
menina dizia em relação ao seu sangue, afirmou que ele tinha sangue preto, porque era
preto. Portanto, mesmo concordando com ela, contrapunha-se à hegemonia branca
estabelecida naquele momento. Nenhuma outra criança enfrentou a fala da menina que
achava negro não era bonito, ou fizeram um enfrentamento dizendo que não gostavam de
branco. Enquanto observávamos a aprovação das crianças brancas em relação ao que a
menina falava, as crianças negras se mantinham quietas, como que se sentissem
incapazes de enfrentar esse discurso. É como se, tão pequenas, já estivessem acostumadas
a esse tipo de fala.
O desenvolvimento da proposta denunciou a existência do conflito racial. E mais,
mostrou claramente que há espaço para se trabalhar, e que esse trabalho se faz urgente.
Se a questão racial não começar a fazer parte das discussões do cotidiano escolar,
enquanto as crianças são capazes de expressar suas opiniões sem censura, para que
juntos, no diálogo, possamos problematizar suas concepções e, ao mesmo tempo,
criarmos formas de instrumentalizar as crianças negras para enfrentarem essa situação,
nossa busca por uma educação igualitária e democrática estará capenga, vacilante.
Para encerrar essa experiência, transcrevemos o último trecho do nosso diálogo,
ilustrativo do ponto de vista de que é necessário criar novos parâmetros, novas lentes para
apresentá-las às crianças. É só desconstruindo um valor que se constroem novos. Pelas
falas dessas crianças podemos verificar que não há uma explicação lógica, racional para o
preconceito racial, mas uma sensação, isto é, algo que está presente no indivíduo, mas
que não se sabe como. Pensando em se tratar de crianças de apenas 05 a 06 anos de idade,
podemos inferir que muitas outras sensações podem ser construídas a partir de uma
interferência adequada.
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Pesq. � �E então as pessoas negras também são bonitas? O que vocês
acham?�
Algumas crianças � �As pretas também�.
Pesq. � �E as brancas?�
Crianças � �Também�
Criança � �Eu não gosto tanto de... é de moreno, e de... como é mesmo?�
Crianças � �Pretos�
Crianças 1 � �É de... preto� (penso que ela queria utilizar a palavra negro, mas
não se lembrou).
Pesq. � �Por que não?�
Criança 1 � �Porque não�.
Pesq. � �Quem mais não gosta tanto?�
Criança 11 � �Eu�
Pesq. � �Porque é moreno, assim, não gosto�.
Acreditamos que a proposta metodológica de combate ao preconceito racial é de
extrema importância na medida em que serve aos educadores interessados nessa
discussão como ponto de partida. Pudemos observar, em nossas aplicações, que os
professores gostariam de trabalhar temas como esses, mas sentem-se despreparados, já
que as escolas formadoras ainda não abordam tais temas e, portanto, não lhes fornecem
nenhum suporte.
Muitos estados já incluem nos estudos de treinamento dos professores temas
como esses, importantes para serem trabalhados, mas nem todos os cursos fornecem um
caminho a ser seguido, deixando, em muitos casos, o professor angustiado, pois sabe que
é necessário trabalhar a questão e não sabe como.
Vimos também que a proposta, longe de ser o fim de um trabalho, é tão somente
um ponto de partida para tornar presente a discussão sobre as diferenças e igualdades
entre as pessoas, uma vez que essas manifestações já estão no cotidiano escolar. Falta
apenas a problematização dos fatos gerados pelo reconhecimento de que somos pessoas
portadoras de diferenças e que é preciso reconstruir novos conceitos e valores sobre o
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significado de tais diferenças.
O problema não é a diferença inerente ao ser humano, mas quando ela passa a ser
tomada como sinônimo de inferioridade e desigualdades. A proposta, portanto, gera
inúmeros dados e questionamentos para que os interessados em problematizar essa
questão possam continuar seu trabalho ao longo do processo de ensino-aprendizagem. Há
estados reconhecendo o tema do preconceito racial e sua importância não apenas para o
segmento negro da população, mas para toda a sociedade brasileira. Sabemos que, numa
sociedade marcada pela desigualdade, a construção de projetos de intervenção não se faz
sem resistências.
Além das falas das crianças, como vimos, reveladoras e instigantes, os desenhos
são também manifestações ricas do que têm a dizer nossas crianças sobre o assunto. Por
isso reservamos um capítulo apenas para a análise dos desenhos realizados pelas crianças
que passaram pela experiência da proposta, a fim de não perdermos a riqueza que elas
têm a nos dizer através deles.
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CAPÍTULO III
REPRESENTAÇÕES DE NEGROS E BRANCOS NO DESENHO INFANTIL
�Numa sociedade multirracial, e sem dúvida, racista, a ideologia
se manifesta subjetivamente nas imagens desenhadas,
representando o espaço da vivência.�
Neusa Gusmão
Aqui serão apresentados desenhos realizados pelas crianças durante a pesquisa,
nos quais buscamos suas representações em relação ao negro e ao branco. Faremos uma
análise preliminar em relação ao que revelam seus conteúdos. Buscamos suporte na
sociologia e no olhar antropológico de Neusa Gusmão que realizou atividade parecida
com a que será apresentada.
Descobrir o que pensam os alunos, ou como se expressam sobre a questão étnico-
racial não foi tarefa fácil. Primeiro, pelo próprio preconceito que cerca o assunto e,
segundo, porque nem sempre esses sentimentos estão formulados num grau que seja
possível verbalizá-los. As crianças na faixa etária dos 05 aos 06 anos não possuem muitas
restrições sociais em dizer o que pensam a respeito das coisas e das pessoas, no caso, das
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pessoas negras. Podem pensar coisas a respeito e não conseguirem expressá-las na fala.
Compreendendo essa �limitação� presente nas crianças da idade com a qual escolhemos
trabalhar, fez-se necessária a escolha de outros instrumentos que pudessem nos dar
elementos para conhecer o que pensam os diferentes grupos de alunos envolvidos nos
trabalhos sobre a questão étnico-racial e como e o que expressavam a partir do momento
em que são confrontados com o assunto.
Dos instrumentos por nós utilizados nesta pesquisa, os desenhos mereceram
bastante destaque. Eles foram usados em dois momentos durante o trabalho de
investigação. Nem sempre participamos diretamente da execução da tarefa, e algumas
foram dirigidas pelas professoras, sob nossa orientação. O primeiro momento em que o
desenho foi realizado ocorreu antes de qualquer atividade sobre a questão étnico-racial ter
sido trabalhada com as crianças. Solicitávamos que os professores pedissem às crianças
que desenhassem pessoas negras e brancas que elas conhecessem.
No segundo momento, após o trabalho pedagógico desenvolvido, elas também
desenharam pessoas brancas e negras conhecidas. Nossa intenção ao solicitar os desenhos
em dois momentos diferentes era de verificar se havia mudanças nas representações das
crianças depois de terem discutido, debatido o assunto da questão étnico-racial e de que
tipo eram essas mudanças.
Antes de nossas explicações sobre o trabalho, especificamente, são necessárias
algumas considerações sobre o desenho infantil como instrumento de análise. Apesar de
ser recurso relativamente novo entre os pesquisadores, é uma prática em franca ascensão
nas pesquisas educacionais que lidam com as crianças.
Neusa Gusmão, entre outros, trabalhou com desenhos infantis a fim de captar a
imagem que alunos negros de uma comunidade rural faziam de si mesmos e do Outro.
Sua base teórica para o trabalho esteve centrada em Collier. Para Gusmão, os desenhos
podem expressar �sentimentos em relação ao vivido, permitindo associar significados do
que é e do que poderá ser a relação entre negros e brancos como experiência concreta,
representação e expectativa� (1993:53)
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Já Márcia Aparecida Gobbi (s/d), ao trabalhar com desenhos, buscou identificar as
relações de gênero de meninos e meninas da periferia paulistana. Tanto Gusmão como
Gobbi concordam que o desenho infantil traz como conteúdo dados da realidade das
crianças, mesmo partindo de pressupostos teóricos que, de certa forma, diferenciam suas
análises. Lowenfel (1977) estabelece alguns pontos básicos de como os adultos deveriam
se comportar frente a um desenho infantil, preocupado que estava, com a relação
pais/filhos. Outro teórico, o francês Luquet (1969), apontou posturas para os educadores
adotarem diante de desenhos infantis. Já Mèredieu (1974) reivindica na escola o espaço
do �desenho pelo desenho�, sem caráter ilustrativo de outras áreas do conhecimento,
prática bastante comum em todos os níveis de escolaridade. Widlöcher caracteriza as
fases do desenho infantil que vão das garatujas ao realismo visual, sendo que cada fase
indica o estágio do desenvolvimento sócio-cognitivo da criança.
Verificamos que os estudiosos do desenho infantil possuem caminhos teóricos
diferentes para atribuir funções aos desenhos ou de como esses devam ser interpretados e
considerados por pais/mães e educadores(as). Apesar das diferenças de tratamento desse
recurso pelos autores que se dedicaram ao estudo dos desenhos infantis, há consenso
entre os mesmos de que o desenho reflete o que a criança possui como dado da realidade.
Em muitos casos, essa realidade pode não ser exatamente o real, mas o desenho se
constitui uma representação do mesmo. Tal representação estará, é claro, influenciada
pelo contexto de quem desenha, a forma como dá sentido à vida. Portanto, o desenho tem
a ver com as relações que o sujeito estabeleceu com os outros. Estará o desenho
permeado pelas influências advindas das significações da classe social à qual pertence e
qual a posição de classe e/ou status que nela ocupa; como é a família, com todos os seus
valores morais, religiosos; a sociedade à qual pertence e onde se situa nessa sociedade.
Sueli Ferreira (1996), ao estudar a constituição social do desenho infantil, coloca
uma questão fundamental para nós que iremos analisar desenhos e buscar neles
representações étnico-raciais. Segundo a autora, a criança não desenha o que vê, sua
representação gráfica reflete significações construídas em suas interações sociais e o
modo como aquilo foi registrado e significado por ela.
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Para Ferreira, que se baseia em Vygotsky, a representação gráfica realizada pela
criança encontra sua completude, no sentido da representação do real, quando a criança
utiliza a palavra. É através da palavra que ela amplia o significado do que representou
pois compartilha com o �Outro� todas as particularidades da representação gráfica que
não se explicita aos olhos do �Outro� sem a colaboração da palavra do autor.
Pela palavra, a subjetividade implícita no desenho nos dá caminho de análise do
que a criança representou. Apesar de concordarmos com Ferreira de que a subjetividade
pode se explicitar através da palavra do autor sobre o seu desenho, pensamos que
podemos também apreender muitas informações que em sua subjetividade gráfica dêem
significado a uma expressão do sujeito, mas diz respeito à construção social a que está
submetido.
Gusmão, já citada, exercitou essa perspectiva na análise dos desenhos produzidos
pelas crianças de uma comunidade rural negra, tomando como critério o espaço ocupado
por negros e brancos nos desenhos; a representação do sujeito negro e do sujeito branco
em atitudes positivas ou negativas; a situação de oposição de um em relação ao outro (se
estavam no mesmo plano, se brincavam, e, se estavam juntos, como era a representação,
etc.). O trabalho de análise de Gusmão foi exaustivo e resultou em informações bastante
consistentes em relação ao grupo estudado que, nos parece, só foi possível pelo
conhecimento que a autora possui da realidade daquela localidade e dos seus integrantes.
Trata-se de uma perspectiva que supera as limitações das análises psicologizantes,
ressaltando o olhar antropológico da autora.
Esse fato nos leva a pensar que a utilização de desenhos em situações de
investigação como propusemos a analisar, qual seja, de através das representações
gráficas de brancos e negros realizadas por crianças pré-escolares captar a percepção
destas em relação a esses segmentos, só pode ser efetuada com êxito se os partícipes
dessa atividade estiverem devidamente contextualizados. É preciso possuir informações
sobre a situação socioeconômica e cultural da comunidade à qual pertencem os
produtores das representações gráficas a serem analisadas, tal como fizemos no capítulo
anterior.
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REALIDADES MÚLTIPLAS. UM FATO. MUITOS MODOS DE DIZÊ-LO.
Todas as escolas receberam as mesmas orientações para executarem atividade de
produção de desenho. As professoras proporiam que seus alunos desenhassem pessoas
negras e brancas que conheciam. E, apesar desse tipo de atividade em relação à pessoas
não ser uma atividade costumeira dentro das salas de educação Pré-escolar, as crianças,
nesse nível, estão acostumadas a representar graficamente vários temas.
O desenho ocupa um espaço importante dentro nesse nível escolar. Está presente
semanalmente, quando não todos os dias. Isso ocorre porque, em geral, essas crianças de
05 a 06 anos, inclusive nas escolas particulares, não dominam o processo de escrita,
mesmo que haja um trabalho intenso, em algumas escolas, para que seus alunos saiam
desse nível escolar lendo e escrevendo alfabeticamente. Assim, uma forma de
representação gráfica utilizada pelas professoras nesse processo é o desenho.
O desenho, nesse nível, possui basicamente duas funções: uma de lazer, quando a
professora propicia momentos em que os alunos podem expressar-se livremente
desenhando o que quiserem e como quiserem; a outra podemos chamá-la de auxiliar e,
nesse caso, o desenho funciona como um registro daquilo que a professora pretende que o
aluno aprenda. Ela solicita que o aluno desenhe, por exemplo, a sua família, ao estudar
sobre família, ou que desenhe sobre o conto de fadas lido pela professora, e assim por
diante.
O fato é que a ação de desenhar faz parte do cotidiano escolar das crianças em
idade pré-escolar, numa intensidade muito grande, por isso não pareceu a nenhuma
criança um absurdo quando a professora solicitou que desenhassem pessoas brancas e
negras que conhecessem. Nas três escolas, o contexto a partir do qual as professoras
partiram para fazer tal solicitação foi diferente, pois são diferentes seus referenciais
teórico-metodológicos. Participamos, diretamente, apenas em uma escola nesse momento
da pesquisa. Nas duas outras, as professoras dirigiram o trabalho e depois relataram, uma
por escrito, outra oralmente, como tinha sido o processo.
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Ao se trabalhar com pesquisas dentro de escolas é preciso que se tenha
mobilidade de ações, pois essas microssociedades têm formas particulares de
funcionamento, diferenciando-se muito entre si. Procuramos sempre adaptar-nos como
pesquisadoras à forma que funcionava cada escola, para podermos obter o máximo de
informações necessárias à pesquisa, contando sempre com a simpatia de todos da escola.
É por isso que nosso trabalho não se propõe a ser comparativo no tocante a opções
pedagógicas das escolas. Nem nos interessou fazer uma comparação exaustiva e
aprofundada entre os trabalhos desenvolvidos, mas, sim, uma discussão preliminar a
partir de três realidades que possuem elementos de uma mesma totalidade e que se
diferenciam pelos seus contextos. Espera-se aprofundamento maior no futuro quando,
sem a premência do tempo, possamos avançar na problematização e análise dos desenhos
infantis.
Na Escola A quem dirigiu a atividade foi a professora da sala, sem a nossa
presença. Segundo relato seu, ela seguiu nossas instruções. Pediu simplesmente que as
crianças desenhassem pessoas negras e brancas que conhecessem. Vale ressaltar que esse
grupo de alunos estava realizando seus trabalhos a partir do tema �Pessoas�.
A seguir, apresentaremos o bloco I ( desenhos de nº 01 ao nº 07 ) realizados por
esse grupo de alunos, que possuem idade de 05/06 anos, estudam numa escola que atende
alunos da classe média, na sua maioria filhos de funcionários públicos estaduais e que
moram em várias localidades da cidade.
DESENHO 1 � Escola A
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Observação: legenda do que está escrito no desenho da esquerda- negra: Maria- trabalha na escola Desenho da direita - Branca �Débora (a criança que desenhou)
Esse desenho é representativo da maioria dos realizados na Escola A. As crianças,
ao desenharem pessoas negras, representaram a Maria, funcionária da escola que cuida do
portão na entrada e saída dos alunos. A questão do próximo e do distante se coloca nesse
caso. Nessa escola, a figura negra aparece, na maior parte dos casos, representada pela
Maria, pessoa de forte influência entre os alunos da escola: ela é amada e temida pelas
crianças. Em contrapartida, a figura branca é, muitas vezes, a representação de si mesmo
ou do seu igual (outra criança branca), remetendo a pessoa negra a um espaço próximo ao
seu (no caso da Maria), isto é, de alguém conhecido, mas nitidamente diferente.
DESENHO 2 � Escola A
legenda- desenho da esquerda �Maria negra�
desenho da direita � �Elisa- a criança - branca�
Assim, quando não é a Maria que aparece como figura negra, aparece o filho dela
ou outro personagem sem relação afetiva direta com eles; ou a vizinha que mora em
frente da casa; ou ainda o amigo do pai de quem não se lembra o nome, como pode-se ver
nos desenhos nº 03, 04 e 05 seguintes.
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DESENHO 3 � Escola A
legenda � desenho da esquerda: �Eu - a criança - branco�
desenho da direita � �Junior filho da Maria- negro�
DESENHO 4 � Escola A
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legenda- desenho da esquerda- �vizinha da frente da minha casa- negra�
desenho da direita �� minha prima Helena � branca�
DESENHO 5 � Escola A
legenda- desenho da esquerda ��meu pai- branco�
desenho da direita � � amigo do meu pai, não sei o nome dele�
Há uma distância enorme entre o grau de proximidade e a significância entre o
negro e o branco representados. Minha mãe, meu pai e eu mesmo somos brancos,
enquanto ela, a Maria, a vizinha, o amigo de, o filho de são negros. Há uma distância
explícita entre o �meu mundo� e o �mundo deles�.
DESENHO 6 � Escola A
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legenda � desenho da esquerda � �minha mãe- branca� / desenho da direita- � Maria � negra�
Outro dado que nos chamou a atenção nesses desenhos foi a representação quase
estática das pessoas. Elas estão lado a lado, mas sem nenhum movimento ou contexto que
as cercam, como se não mantivessem quaisquer relações. Há total indefinição do lugar
que ocupam e se existe relação entre elas. Parecem ocupar os mesmos espaços, mas uma
não interage com a outra.
Algumas representações estão separadas graficamente, mas há uma �separação�
implícita quando o desenho representa a minha irmã, minha mãe, meu amigo e a
empregada lá de casa.
DESENHO 7 � Escola A
Legenda- desenhos de cima para baixo da esquerda para a direita
Nº 01- �minha irmã- branca�
Nº 02- �minha mãe- branca�
N º03-�branco- um amigo do meu Marco�
Nº04-�negra- a empregada lá de casa�
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Esses desenhos revelam o que a sociedade procurou esconder com o discurso da
�democracia racial�. São desenhos realizados por crianças de uma escola particular e,
portanto, pertencentes a uma classe social que pode pagar os estudos dos filhos. Assim,
os desenhos revelam a percepção de desigualdade social cujo cerne envolve uma
desigualdade racial. Como nos diz Valente:
�A questão do preconceito que envolve negros e brancos não é só um problema de
�raça� ou �cor�. É também um problema de classe. O negro vive então obrigado a
ter uma consciência dupla: uma diante do branco e de si mesmo como membro de
outra �raça� ou grupo étnico, que implica uma diferenciação social específica; e
outra como membro de uma classe social ante os membros de outras classes�
(Valente, 1994:15):
O bloco II (desenhos de nº 08 ao nº 22 ) reforça as idéias presentes na análise dos
primeiros produzidos na Escola B, ou seja, no contexto de uma escola em que é marcante
a presença de crianças em melhores condições financeiras que as crianças da Escola A.
Aqui a questão de raça e de classe se desvela com maior nitidez.
Enquanto na Escola A a proximidade com os trabalhadores negros da escola era o
dado de maior relevância e referência para as crianças desenharem pessoas negras, na B a
referência muda profundamente. Apesar de haver também nesta escola B uma pessoa
negra que cuida do portão, o grau de proximidade entre elas e as crianças é menor do que
no caso da Escola A. O porteiro da escola aparece em apenas alguns desenhos.
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DESENHO 8 � Escola B
legenda: desenho da esquerda � Tião � porteiro da escola�
desenho da direita � Melissa � a criança
Deixando claro que as crianças desenham o que possui significância para elas, na
maioria dos desenhos produzidos nessa escola os negros aparecem praticando esporte,
jogando, especialmente, futebol. Essas representações são bastante reveladoras de como
os negros ainda continuam ocupando espaços de entretenimento ou de serviços para as
classes sociais mais abastadas. O espaço concedido aos negros, o �seu lugar� está bem
definido no imaginário coletivo da sociedade, mesmo de crianças tão pequenas, como
podemos observar nos desenhos nº 09 e 10.
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DESENHO 9 � Escola B
Jogando futebol � Edílson e Claudio
DESENHO 10 � Escola B
Legenda : A criança � branca- (Fábio) desenhou o Chupe- negro � aparentemente um garçom
Veremos nos desenhos realizados na Escola C, que, de fato, qualquer tentativa de
discutir a diversidade étnica na sociedade brasileira precisa ter claro que �O racismo
brasileiro (...) na sua estratégia e nas suas táticas age sem demonstrar a sua rigidez, não
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aparece à luz, é ambíguo, meloso, pegajoso, mas altamente eficiente em seus objetivos�
(Moura, 1994:160). Na Escola C, a própria produção dos alunos já nos revela o que as
desigualdades raciais e sociais estão produzindo.
DESENHO 11 � Escola C
legenda- ambos são alunos da sala Anderson � negro e Dessany � branca ( ela é negra, sabe que é,
mas quis desenhar-se como branca)
Em que pese a riqueza dos desenhos da escola C no tocante à representação da
problemática étnico-racial, o aprimoramento dos mesmos em relação às escolas A e B
deixa a desejar. Enquanto nos desenhos destas escolas a questão espacial, das formas
humanas e cores utilizadas demonstram o desenvolvimento das capacidades motoras,
sensoriais, etc. apontando para o amadurecimento infantil, percebemos que na Escola C a
maior parte dos alunos encontra-se na fase inicial desse desenvolvimento. Vale lembrar
que as crianças das três escolas encontram-se na mesma faixa etária. Porém, quando
olhamos o desenho 12 e o desenho 13, percebemos que falta às crianças da escola C
habilidades no desenvolvimento do grafismo já atingidas pelas crianças da escola A e B,
mantendo, assim, a imbricação de raça e classe no Brasil que, ao mesmo tempo em que
penaliza o negro por sua herança identitária, penaliza-o, também, por sua condição de
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pobre. Comparem-se os três desenhos seguintes, um de cada escola:
DESENHO 12 � Escola B DESENHO 13 � Escola A
legenda: Salvador � jogador de futebol (negro) homem negro- ele (a criança) branco
André � a criança (branca)
Contudo, no que se refere ao conteúdo revelado nos desenhos, algumas
particularidades aparecem e nos indicam novos dados para análise. Enquanto nas outras
escolas na maioria das vezes apareciam apenas dois personagens, um negro e um branco,
na Escola C, onde há a presença de crianças negras e brancas, os desenhos revelam um
espaço de convivência. Os desenhos são povoados por vários personagens. Há sempre
mais de uma pessoa, ora mais negros, ora mais brancos.
Na escola C, os próprios pares, seus colegas são mais retratados tanto entre
brancos quanto entre negros. Desse modo, para representar uma pessoa, seja negra ou
branca, as crianças buscaram �modelos� entre si. Isso parece modificar a relação de como
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o outro é visto. A presença do adulto � meu pai, minha mãe � é minimizada. Os colegas
de sala são a referência do próximo e presente, tanto negro como branco. A possibilidade
de identificação positiva é maior, pois a relação de identidade entre os pares é mais
igualitária. Mesmo assim, o viés do preconceito, do ser negado e negar-se enquanto negro
emerge cristalinamente.
DESENHO 14 � Escola C
A criança desenhou- Eu, Lucimar como negra/ A professora Márcia, como branca e ela Jane
Aline- branca
DESENHO 15 � Escola C
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A criança desenhou Reinaldo, negro e Edinilda, negra � ambos amigos da escola e seu primo como
branco
DESENHO 16 � Escola C
Priscila é a autora do desenho, ela é negra � Desenhou Enadessa, negra, Dessany- negra (nesse
caso Dessany está sendo olhada por outros e aparece como realmente é não como desejaria ser). Daina,
branca.
O desenho nº 16, acima, foi produzido por uma menina negra � definida como tal
pelas características fenotípicas de seus cabelos crespos e a cor da pele escura � que
encontrou enorme dificuldades em classificar os seus colegas em relação à �cor�. Todos
os colegas classificados por ela como negros eram brancos e os brancos eram negros. À
primeira vista, parece uma simples troca, mas ao percebermos que ela havia se
desenhado, perguntamos qual era a sua cor e a resposta foi: � �branca�.
Essa resposta só causa espécie para aqueles que se encontram distanciados da
discussão sobre a questão étnico-racial na sociedade brasileira. Trata-se de um debate a
ser cada vez mais problematizado, mas, em razão da estranheza que causa, exige que
encontremos mecanismos denunciadores que impulsionem mudanças para essa situação
de perpetuamento do racismo e de sua introjeção. Essa criança está buscando, ao negar-se
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como negra, negar toda a carga social e racial negativa à qual seu grupo está submetido.
Assim como houve desenhos que buscaram a negação da pessoa negra, outros
valorizavam a figura da pesquisadora, identificada como negra, demonstrando que os
referenciais positivos de negritude são agudamente percebidos pelo grupo.
DESENHOS 17 - Escola C
Igor, branco e Rafael, negro , a professora branca e eu como negra.
DESENHOS 18 � Escola C
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Várias crianças escolheram a mim (Lucimar) novamente como referência de pessoa negra.
Muitos alunos buscaram representar a professora da sala e a pesquisadora,
indicando sua percepção de que o adulto de maior relevância como referencial, nessa
escola, é aquele que participa diretamente do seu processo escolar.
DESENHO 19 � Escola C
Novamente eu e a professora aparecemos como referência Magda como branca e eu como negra
Em nenhum desenho, nessa escola, as crianças buscaram �modelos� fora das
paredes da sala de aula. Os desenhos dessas crianças mais pobres parecem indicar,
utilizando as palavras de Moura (1994:157) que:
�... os segmentos não-brancos através de um processo alienador interiorizam os
valores brancos das classes dominantes que os colocam como sendo inferiores,
num trabalho subliminar cujo resultado foi conseguir que essas populações
queiram fugir do seu ser, da sua concretude étnica, refugiando-se numa
identidade simbólica deformada�.
Como exemplo do que Moura diz, temos o desenho abaixo. A criança desenha a
pesquisadora, diz saber que ela é negra, mas a desenha branca e, em seguida, denomina a
pessoa (criança) que está retratada como negra, como sendo branca.
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DESENHO 20 e 21 � Escola C
No desenho da esquerda apareço como referência, mas com a observação da criança de que apesar
saber que sou negra me desenhou como branca, essa inversão de identidade racial não ocorreu com a
professora Magda sendo branca foi desenhada como tal. Já no desenho da direita estou negra.
O que os desenhos também revelam, por outro lado, é que há uma intensa busca
por parte das crianças para compreender, codificar e interagir com a realidade étnico-
racial percebida por elas, e que os modelos positivos são captados e rapidamente
absorvidos como possibilidades de representar a si mesmas e ao outro de um modo que se
distancia do discurso desvalorizador da identidade negra.
DESENHO 22 � Escola C
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Novamente um desenho de Dessany. Rafael, negro. Lucimar, negra. Dessany, branca. Professora
Magda, branca
A Escola C tem uma importância muito particular e faz parte de um universo, se
não exclusivo, ao menos de maior interesse na medida em que, como vimos no capítulo
anterior, ali estão presentes crianças negras e brancas. Mesmo que a discussão da
problemática étnico-racial não diga respeito apenas aos negros, tudo indica que
justamente porque a identidade se constrói enquanto relação, em escolas onde houver a
presença de brancos e negros deverá ser conferido maior tempo à análise e intervenção
nesses espaços.
O trabalho realizado nessas condições certamente irá exigir alto grau de
comprometimento dos educadores na discussão da questão racial, porque, como se
percebe, a convivência de negros e brancos explicita os conflitos, a desigualdade, a
discriminação, e reclama por ações. E, no quadro das transformações mundiais, essas
ações tornam-se ainda mais urgentes. Afinal, como afirma Valente:
�A transformação da sociedade exige uma luta árdua em várias frentes (...) O que
queremos salientar é que, em momentos de crise econômica aguda, a tendência de
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crescimento de problemas raciais é maior. São esses os ventos que sopram na
direção de um imenso debate sobre o racismo no mundo. O Brasil, que de uma
forma ou de outra sempre reflete as influências internacionais, deve participar
dessa discussão. Por isso, ainda temos muito o que conversar� ( 1994:82-84)
Conversar e realizar ações para que a situação retratada no desenho 23, a seguir,
em que claramente as crianças negras estão afastadas das crianças brancas, isto é, cada
grupo brinca com os �seus�, seja cada vez mais uma situação do passado e que a do
desenho 24, em que duas crianças, uma negra outra branca, brincam juntas seja o futuro
concretizado.
DESENHO 23 � Escola B
DESENHO 24 � Escola A
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Os desenhos produzidos pelas crianças nas três escolas levantam algumas
questões que mereceriam ser exploradas em outra oportunidade. Eles sugerem que as
crianças têm percepção da diferença. No entanto, parece fazer sentido, para elas, a
presença física. A ausência de crianças negras e, em conseqüência disso, a ausência do
conflito explícito parece �neutralizar� possíveis manifestações de preconceito. Mas as
manifestações emergem com força desde que o �lugar� do negro e o imaginário a ele
associado seja lembrado. Como no caso em que a criança da escola A, ao ser solicitada
que explique por que não dançaria festa junina com uma criança negra, responde: -
�porque eu tenho que pegar nela.�
As crianças também têm uma particular percepção de sua identidade etária e
parecem excluir os adultos de seu grupo, do que �somos nós�. Assim, para as crianças, a
questão da identidade deve estar relacionada com as noções de próximo, conhecido e
familiar e seus pares de oposição. A idéia de proximidade � aquela que garante a relação
e, por isso, a consciência da diferença, torna evidente o conflito � de conhecido e familiar
- é o caso do porteiro negro e Maria que estão presentes em vários desenhos.
Também o processo de aquisição da escrita e leitura deve ser considerado como
fato importante ao se pensar nas intervenções escolares pois pode-se aventar a
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possibilidade de que, nessa faixa etária, as crianças, parafraseando Neusa Gusmão, �elas
sabem� sem que tenha sido consolidada a compreensão dos fatos e situações que as
cercam. Se isso é verdade, a alfabetização pode possibilitar a sistematização desses
fragmentos e, caso sigam o ideário dominante, especialmente aquele referente aos negros,
este tende a ser cristalizado. A aquisição da leitura e escrita pode ser um veículo
importante de falsas idéias e noções, reafirmando a impressão de que é antes desse
processo que as propostas de interferência devem ser desenvolvidas, ou seja, Educação
Infantil é um locus privilegiado para isso.
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CAPÍTULO IV
CONSTRUÇÃO E BUSCA DE NOVOS CAMINHOS DE REFLEXÃO E DE
INTERVENÇÃO: A PROPOSTA METODOLÓGICA DE COMBATE AO
RACISMO GERA NOVOS TRABALHOS
Neste último capítulo iremos nos ocupar com a descrição e a análise dos novos
trabalhos sobre as diferenças raciais, já em sua segunda fase. Após a experiência
desenvolvida em 1994, voltamos em 1996 a contatar as professoras das escolas A, B e C
na Educação Infantil. Entrevistamos as mesmas a fim de coletarmos dados sobre a
continuidade do trabalho, observarmos as aulas e o desdobramento destas.
A Escola Particular A estava, no momento de nossas observações, desenvolvendo
trabalhos sobre os índios Kadwéu; na Escola Particular B constatamos que os trabalhos
de abordagem da questão racial continuaram, porém sempre relacionados às datas
comemorativas; e na Escola Estadual C a abordagem dessa temática continuou
relacionada aos negros e incluiu o estudo da História de Tia Eva, fundadora da
comunidade negra vizinha da escola.
Na Escola A, o trabalho acompanhado por nós no nível IV, com crianças de cinco
anos, não abordava a questão da diferença racial tratando do negro. Estudava-se um
grupo social indígena. Enfocava-se a diversidade étnico-racial humana, questão que, para
nós, é fundamental. Se nossa busca inicial era analisar situações em que a escola
proporcionasse aos educandos aportes para que possam estabelecer novos valores numa
sociedade multirracial, isso inclui discussões que vão além do enfoque de diferenças
raciais a partir dos negros e, sobretudo, implica proporcionar às crianças a possibilidade
de se conceber uma sociedade multirracial.
Nesse nível da Educação Pré-escolar, além de uma civilização antiga, os alunos
também estudam uma �civilização atual�. Os objetivos desses estudos estão na fala da
professora:
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�... aqui na escola, a gente procura proporcionar para a criança vários tipos de
realidades, levando conhecimentos que estão aí, existem. É, na verdade, a escola
que tem que proporcionar o acesso a eles. Só o contato do mundo deles não é
suficiente. É preciso sistematizar esse conhecimento. Então nós estudamos uma
civilização antiga. O nível IV vai estudar sobre os Incas no segundo semestre e
também estudamos uma civilização atual (...) porque dá para você fazer um
paralelo de como era antes e como é hoje. No estudo da civilização antiga você só
pode estudar como era. Agora na atual, no caso da dos índios é uma coisa que está
aqui presente. Mas índios é muito abrangente e se ficamos na abrangência,
ficamos na superficialidade. Então saímos da abrangência, estudando uma nação.
Assim temos condições de aprofundar realmente em uma, pois cada grupo tem
seus costumes. Por exemplo, se eu falar que todos os índios pintam o rosto, estou
falando uma meia verdade, pois cada um pinta de um jeito, vou falar de todos os
tipos? Acabo não falando, vou ficar na superficialidade, então escolhemos uma
tribo os Kadwéu; já o nível III (crianças de 04 anos) vai trabalhar com os Terena,
vai estudar sobre eles�. ( Entrevista realizada em 18.04.96)
Antes de propor esse estudo, a professora fez um levantamento bibliográfico para
apoiar seu trabalho, verificou junto às instituições, como a seção FUNAI-MS, onde
conseguir materiais relativos ao assunto e fez contatos extra-escolares com pessoas que
pudessem auxiliá-la.
Há um princípio entre os educadores dessa escola, surgido a partir das reflexões
da proposta de combate ao racismo implementada por nossa pesquisa, de que é preciso,
entre os vários conhecimentos que os educadores obtêm através da escola, incluir o
conhecimento e a reflexão sobre a diversidade racial da sociedade brasileira. Segundo
uma das professoras:
�a sociedade é composta por diferentes raças, principalmente a sociedade
brasileira. Um dos objetivos [dos trabalhos desenvolvidos] foi mostrar que o Brasil
é composto de várias raças, pessoas de várias cores, cada um dentro da sua raça
está contribuindo para o país...Perguntamos a eles por que negros e índios em
geral são pobres. Íamos levantando com as crianças, elas não tinham uma resposta
certa e a gente acabava falando. Olha é por isto e isto. Na pré-escola a gente tem
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de fazer isto, a gente tem que achar palavras, a gente tem que achar a linguagem
certa para que as crianças entendam...� ( Entrevista realizada em 17.04.96 )
O estudo sobre os Kadwéu foi introduzido da seguinte forma: a professora
apresentou aos alunos, que estavam sentados em roda, três figuras de mulheres: uma
negra, uma branca e uma indígena da nação Kadwéu. Perguntou, então, aos alunos, quais
eram as diferenças entre elas. Eles encontraram várias: cada uma era de uma raça
(falaram com normalidade sobre todas as raças) vestiam roupas diferentes, tinham
cabelos diferentes. Duas estavam de colar e uma não, os colares eram diferentes, etc. A
questão da diferença racial entrou como mais um elemento nesse conjunto de diferenças.
Não houve nenhuma demonstração de valorização de uma raça sobre outra, nesse
período.
Essa professora, que trabalha pela manhã com uma turma também de nível IV,
relatou-nos que a reação de um menino, nessa sala, não foi positiva, quando ela mostrou
as figuras e pediu que levantassem as diferenças.
�... Ele comentou que o branco era bonito, que o índio e o negro não eram bonitos,
então algumas crianças tentaram argumentar o contrário com ele. Eu falei a
respeito de que cada um tinha a sua beleza. Que a beleza não é única, mas tinham
beleza. Outras crianças que já tinham estudado sobre etnias (estudo realizado no
nível III) me ajudaram nessa defesa�. ( Entrevista realizada em 18.04.96 )
Como estávamos no período da tarde em sala, uma das crianças olhou para nós e
para a figura da mulher negra e disse: - �Essa parece com você!� Alguns alunos se
identificaram com as raças apresentadas e identificaram os colegas da sala. Não havia
nesse grupo nenhuma criança negra, nem indígena, contudo, algumas foram consideradas
na �brincadeira� como indígenas. Após a identificação das diferenças entre as figuras
apresentadas, a professora centrou seus comentários na figura indígena. Perguntou aos
alunos como estava o rosto dela, que tipo de roupa ela usava, se alguém conhecia ou já
tinha visto um índio.
Várias crianças colocaram suas impressões sobre os índios, muitas apresentaram
idéias estereotipadas, inclusive fazendo aquela brincadeira de bater na boca, que
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usualmente é atribuída a uma forma de o índio se comunicar. Isso parece principalmente
em desenhos infantis de televisão. Como estão numa fase em que a fantasia é algo forte,
uma das crianças disse já ter encontrado muitos índios no mato e que eles não usavam
roupas e caçavam bicho com arco e flecha. Apenas uma disse ter relação de parentesco
com índios. Segundo ela, um tio seu era índio, mas deixou de sê-lo pois agora ele morava
na cidade. A professora estimulava os alunos a falarem tudo o que sabiam sobre os
índios, problematizando o que eles iam dizendo, propondo reflexões: - �Será que ainda
é assim? Será que todos são iguais? Como será que vivem hoje?� Duas crianças
comentaram a questão da pobreza dos índios que vivem na cidade. Disseram que eles
eram pobres, vestiam roupas pobres e que suas casas não eram de tijolos, mas sim de
barro.
Após esse tempo de discussão a professora mostrou um mapa do Brasil, dizendo
que havia índios em vários locais, apontando-os no mapa, e que eles iriam estudar sobre
um grupo que morava no nosso Estado, mostrando o mapa do Mato Grosso do Sul.
Depois ela propôs que desenhassem o que quisessem sobre os índios. No desenho das
crianças predominou a oca, um índio ou índia como personagem, e arcos e flechas.
Poucas desenharam animais e nenhuma desenhou os índios num espaço urbano,
possibilidade levantada por algumas crianças na discussão sobre o assunto.
Esse foi o início do trabalho que se desenvolveu em inúmeras atividades para
atingir os objetivos que a professora explanou em sua entrevista, isto é, o de oferecer
elementos para que as crianças pudessem conhecer uma forma de organização social
contemporânea. Para tanto, ela proporcionou às crianças momentos de leitura de artigos
de revistas, de jornais, de livros que tratassem dos índios Kadwéu. Todas essas leituras
eram realizadas no �momento da roda�, sempre acompanhadas de discussões para que as
crianças colocassem seus pareceres sobre o assunto do qual tratava a matéria.
Uma reação interessante ocorreu quando a professora leu um artigo da Revista
Escola (abril/1996) que trazia uma reportagem sobre os índios Kadwéu e que falava que
esses índios, em sua aldeia, comemoravam o dia do índio. A matéria questiona o porquê
disso já que eles eram índios que viviam afastados da zona urbana. Muitas crianças
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disseram que era absurdo, pois o dia do índio foi criado pelo branco e em uma aldeia
indígena todo dia deveria ser dia do índio.
Além dos momentos de leitura sobre o tema, a professora realizou entrevistas com
representantes dos Kadwéu, visitas a museus da cidade, onde as crianças puderam
conhecer as manifestações artísticas dessa nação, bem como tomar contato com a
realidade concreta desse segmento que não vive isolado da sociedade urbana �branca�.
Foi através das entrevistas com os representantes que as crianças puderam saber que
existe intercâmbio comercial entre os Kadwéu que vivem na aldeia e a cidade. Os
representantes relataram às crianças que produzem objetos de artesanato e os vendem na
cidade; informaram, também, que são as mulheres e as crianças as responsáveis pela
produção artesanal, os homens trazem para a cidade os produtos e, na aldeia, eles cuidam
da roça.
As atividades dessa escola são sistematizadas e ela possui objetivos claros de
transmissão de conhecimentos. Há planejamentos diários das atividades que serão
desenvolvidas em sala de aula. Situações no espaço da escola possibilitam que crianças
de diversas origens raciais se interessem e questionem realidades de diferentes segmentos
raciais da sociedade que nem sempre lhe dizem respeito diretamente ou fazem parte do
seu cotidiano.
Estudos como esse colaboram para a compreensão da existência e singularidade
dos seres humanos, mas, sobretudo, resgatam a idéia de que a sociedade é composta de
variados sujeitos e que todos participam da construção material e cultural dessa
sociedade. A desmistificação da imagem do índio foi a questão mais importante que o
trabalho realizou e, exatamente nesse ponto, estabeleceu uma interface com o trabalho
realizado na questão do negro. Como o sujeito negro, o indígena também foi
historicamente estigmatizado e sofre, ainda hoje, sob o capitalismo excludente, a
discriminação de uma sociedade que marginaliza seus membros e não se propõe à
formação de uma sociedade democrática.
Na Escola A, aparentemente, a professora tem claro o que deseja ao abordar cada
assunto, possui uma visão que caminha para a criticidade, mesmo que tenha concentrado
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o seu trabalho nas produções culturais dos Kadwéu, alegando, em entrevista, que
pretendia começar da questão mais geral para ir para a mais específica a fim de
aprofundar o conhecimento. Há, no entanto, muito por fazer para que se cumpra um dos
objetivos da Educação Pré-escolar dessa escola, constante do Estatuto, que diz que se
deve �propiciar condições aos educandos para que se tornem seres humanos autônomos,
críticos, criativos e capazes de compreender e transformar a realidade em busca de uma
sociedade mais justa�.
Não é possível formarmos cidadãos que desejem uma sociedade mais justa se
esses cidadãos não conhecem as implicações existentes nas relações sociais que formam
nossa sociedade atual. E isto se dará através do conhecimento de todos os aspectos
sociais. No caso do trabalho com os indígenas, a discussão, que inclusive foi alentada por
algumas crianças, de que os índios eram pobres, foi secundarizada no trabalho da
professora que priorizou o conhecimento das manifestações artísticas desse segmento
social. Desse modo, questões fundamentais para a compreensão da situação atual do
indígena, de forma geral, e dos Kadwéu, de modo específico, não foram tratadas com a
devida ênfase.
O princípio do qual parte a professora, ao iniciar o trabalho, é correto, pois
pretende com um grupo de crianças de cinco anos explorar um segmento social
específico para que, a partir dos conhecimentos adquiridos nesse estudo, os alunos
possam ter elementos para autonomamente conhecer outros. Contudo, se a questão
socioeconômica é secundarizada em sua importância em função de outras, apesar de se
pretender a realização de um trabalho crítico, corre-se o risco de não se oferecerem
elementos para os educandos se apropriarem do conhecimento socialmente construído.
Além disso, impede-os de poderem construir novos valores em relação a segmentos
específicos da sociedade. O risco maior é de continuar a transmitir conhecimentos de
forma alienada e folclorizada.
Já a Escola B acredita que a educação deve oportunizar o desenvolvimento do
indivíduo como ser global e respeitá-lo em suas opções, tendências, desejos e maneira de
ser. É com essa concepção que a Pré-escola continuou a abordar com seus alunos o tema
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das diferenças raciais. O trabalho ocorre na Escola B sempre associado às datas
consideradas comemorativas: no que se refere à �questão negra�, ao 13 de maio, ou, há
alguns anos, ao 20 de novembro.
A discussão mais específica com relação aos negros e uma visão mais crítica das
diferenças e igualdades raciais passou a ocorrer a partir de 1994, quando trabalhava na
Escola uma coordenadora cultural, antropóloga, que conhecia o grupo TEZ � Trabalhos e
Estudos Zumbi. Foi através de palestras desenvolvidas pelos militantes do grupo que a
escola começou a discutir as diferenças raciais com todos os seus alunos e, em especial,
com os alunos da Educação Pré-escolar com os quais foi desenvolvida a proposta.
Apesar de a primeira experiência ter sido bem recebida pela professora, a
discussão não foi incorporada ao trabalho pedagógico da Educação Pré-escolar. Nesse
segundo momento, quando retornamos à escola a fim de verificarmos os desdobramentos
da nossa proposta, constatamos que nenhuma inovação havia sido introduzida e nem
mesmo houve continuidade da proposta. Não temos elementos que nos permitam dizer
exatamente por que isso ocorreu, mas algumas hipóteses podem ser levantadas. A
primeira é de que a escola não possui como princípio claro em seu projeto pedagógico a
importância de realizar trabalhos contínuos sobre a questão racial e nem como esses
devem ser realizados. Outra hipótese é que se a professora, enquanto agente direta nessa
relação de ensino, não tiver suporte teórico, nem estiver sensibilizada para desenvolver
tais atividades, estas também não irão ocorrer. Isso nos remete mais uma vez à formação
do educador, questão fundamental para que se possa avançar em trabalhos desse tipo.
Apesar da disponibilidade da professora em abrir espaço para trabalhos desse tipo, não há
de sua parte condições suficientes para desenvolver, por si, trabalhos ligados ao tema.
Como vimos, trata-se de uma escola de classe média alta, sem a presença de
crianças negras nas salas de aula Pré-escolar. Portanto, não se pode descartar a idéia de
que os seus responsáveis não se sintam particularmente implicados na problemática
racial. Esquecem-se, desse modo, que seus alunos terão uma visão parcial da sociedade
em que vivem e das relações desiguais que ali são estabelecidas. Quem sabe seja porque,
como integrantes da classe hegemônica, sintam-se �protegidos� dos efeitos das
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contradições, das transformações imbricadas nas relações étnico-raciais...
Na escola C, acredita-se, de acordo com depoimentos das professoras e conforme
está registrado em seu Regimento Interno, que a Educação Pré-escolar deva desenvolver
a coordenação motora, a lateralidade, a socialização. Quanto à aquisição da leitura e da
escrita, pensa-se que isso é responsabilidade da professora a partir da 1a série. Isso
demonstra uma concepção de educação fragmentada que desconsidera tanto os avanços
das pesquisas realizadas nessa área como as relações sociais que o indivíduo estabelece
além do espaço escolar.
A Escola C tem duas salas de Pré-escolar. Inicialmente, pretendíamos observar o
trabalho realizado nas duas que funcionam em períodos diferentes, uma no matutino e
outra no vespertino. Porém, a professora que foi entrevistada e daria seqüência ao
trabalho se licenciou por problemas de saúde, não sendo possível retomar o trabalho com
a professora que a substituiu, inviabilizando a observação do período vespertino. A
atenção centrou-se, então, na sala do período matutino. Mas utilizamos, quando
necessário, os depoimentos da professora do período vespertino por entender que eles são
importantes para esclarecer a intenção pedagógica da escola sobre esse tema.
A sala da manhã tinha 23 alunos matriculados, sendo 20 com freqüência diária, e
três que faltavam muito às aulas. Desses 23 alunos pudemos classificar, em termos
raciais, a partir das características fenotípicas, cinco crianças negras, uma de ascendência
indígena, outra de origem oriental.
No entanto, apesar da presença dessas duas crianças, de origem indígena e
oriental, a única diferença racial percebida pelas crianças era a existência de pessoas
brancas e negras. Para elas tanto a criança com traços orientais como a com traços
indígenas eram brancas. Já a professora percebia a ascendência da criança indígena, mas
ao classificar o grupo para nós, disse que a incluía no grupo dos alunos brancos pois ele
não se identificava como índio ou descendente e nem as crianças da sala o viam como tal.
Essa postura da professora revelou sua busca inicial de compreensão da identidade racial
de seus alunos além dos caracteres físicos. É importante o propósito da professora em
discutir o que entendemos como o encontro da criança negra com sua identidade racial,
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proporcionando situações para que a criança se aceite e seja aceita como elemento negro
dentro de um grupo.
A professora realizou atividades que discutiam a identificação da criança com seu
grupo étnico-racial, segundo ela, por ter tido contato anterior com a discussão sobre as
diferenças raciais, através de nossa pesquisa. Desde então, inclui em seu trabalho
pedagógico a discussão racial. A cada ano ela introduz a discussão de uma forma
diferente. Uma das atividades desenvolvidas consistia em recortar, em revistas diversas,
figura que pudesse ser a auto-representação das crianças. Ou seja, elas deveriam recortar
figuras das revistas que pudessem ser consideradas elas mesmas. O enunciado dado pela
professora foi - �Você vai recortar uma figura da revista que se pareça com você�.
Nessa atividade, duas meninas negras, ao recortarem figuras que as auto-
representassem, recortaram de mulheres adultas. Até aqui nenhum problema, visto que a
maioria dos personagens femininos nas revistas são adultos. Porém, além disso,
escolheram figuras de mulheres adultas, brancas e com cabelos lisos. Ambas as figuras
eram de pessoas bastante diferentes das meninas, fenômeno não encontrado entre as
outras crianças da sala, que buscavam nos personagens recortados características iguais
às suas, mesmo com a dificuldade já citada da pouca variedade de imagens.
Indaguei da criança S. quais características ela possuía que mais se pareciam com
a mulher da figura recortada por ela. Respondeu prontamente que era o cabelo. A criança
S. possui cabelo pixaim, todo trançadinho e a mulher que recortou possui cabelos lisos.
Perguntamos-lhe se havia mais coisas na figura que se pareciam muito com ela. Disse
que não. ( S. é uma criança muito tímida ).
Após a conversa que tive com S., procuramos nas mesmas revistas um
personagem que, em nossa opinião, se aproximasse mais dessa menina e encontramos um
muito parecido: era criança, menina, negra e com o cabelo pixaim trançado. Retomamos
então a conversa com S: - �Olhe bem essa figura. O que pensa? Ela se parece com
você?� S. concordou. Então perguntamos, mostrando as duas figuras: - �Qual das duas
se parece mais com você?� Ela nos respondeu: - �As duas�.
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Demos a conversa por encerrada e iniciamos um diálogo com R. que também é
negra. Com essa criança, mais interessada em aproximar-se, imaginamos que seria mais
fácil estabelecer o diálogo. Ao ser indagada sobre quais características da figura que
havia recortado eram parecidas com ela, também respondeu que era o cabelo, talvez
influenciada pela resposta da colega. Quando fizemos a mesma pergunta, mostrando-lhe
a figura da mulher branca e da criança negra, qual das duas mais se parecia com ela, não
respondeu, deu um sorriso e foi sentar-se.
É perceptível que as duas meninas procuram negar sua condição de negras. Ao se
refletirem como mulheres brancas de cabelos lisos, buscam a aceitação desse modelo de
beleza que é o ideologicamente valorizado. Portanto, o objetivo da professora em
possibilitar que as crianças se reconheçam em outro é uma atividade importante para a
construção da identidade e da auto-estima. Do ponto de vista pedagógico, porém, a
condução da atividade possui alguns problemas, principalmente quando se tem uma sala
de aula com crianças de várias raças.
Um dos problemas é que, apesar de as revistas estarem aumentando o número de
pessoas que aparecem representando as diversas raças existentes no Brasil, a quantidade
de pessoas negras ou amarelas, em seus anúncios, é muito pequena. Ainda predominam,
nas publicidades, pessoas brancas, do sexo masculino e adultas.
Exemplares da Revista VEJA compunham a maior parte do material disponível na
sala de aula para esse tipo de atividade. Para exemplificar o que dissemos, tomamos o no
29 de 17 de julho de 1996. Nessa revista havia 212 personagens que ilustravam notícias
ou anúncios comerciais. 104 personagens eram adultos masculinos, e destes, 88 eram
brancos e 16 eram negros. Os negros em três momentos ilustravam situações negativas ou
de humor tais como: um negro sendo preso, dois ao lado de um cadáver e outro fazendo
palhaçadas. Três personagens pertenciam a outras raças. Entre os personagens brancos
não encontramos nenhuma ilustração que pudesse ser considerada negativa. Já entre os
personagens femininos 72 eram mulheres adultas brancas, 12 mulheres adultas negras e
nenhuma outra raça. A quantidade de personagens infantis foi baixíssima, apenas 21.
Destes, 07 eram meninos brancos, 09 meninas brancas, 03 meninos negros e 02 meninas
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negras. Também aqui vamos encontrar negros retratados de forma negativa e nenhuma
criança de outra raça.
Esse levantamento serve para ilustrar que, numa atividade onde se pretende que a
criança se represente com figuras já prontas, devem-se tomar certos cuidados. Uma
atividade que parece simples ao olhos do professor pouco atento torna-se bastante difícil
para as crianças, já que não existe à sua disposição a variedade necessária de figuras que
possa representá-la a contento. Para que trabalhos desse tipo possam alcançar seus
objetivos é imprescindível que seja programado, e requer da professora uma seleção
prévia de materiais que possam contemplar a classe com a possibilidade de escolha que
corresponda à diversidade étnica ali presente. Isso não quer dizer que dentre os materiais
previamente selecionados a professora deixará de colocar aqueles que possam conflitar as
crianças na construção de sua identidade.
Outra atividade desenvolvida tratou da Festa de São Benedito, provavelmente
uma das mais antigas festas realizadas no município de Campo Grande, ocorrendo há
setenta e cinco anos consecutivos. Atualmente não possui grande inserção na comunidade
em geral. Segundo o Sr. Michel, bisneto de Tia Eva e um dos realizadores atuais da festa,
na década de 60 a festa era um grande acontecimento do qual participavam pessoas de
todo o município. Apesar de possuir caráter religioso e a escola ser vizinha da
comunidade e ser dirigida por religiosas, muitas delas negras, a instituição não está
envolvida com a festa. Não há nenhum trabalho na escola que procure resgatar essa
memória histórica do bairro e da própria cidade, à exceção do que a professora da Pré-
escola realiza. Segundo ela, seu trabalho tem dois objetivos principais: �resgatar a
memória dessa festa para que as crianças negras que são da comunidade se sintam
importantes, e também falar sobre isso para que as outras crianças compreendam que
todos são iguais, que todo mundo é importante�.
O trabalho começou com a professora falando sobre a festa. Perguntou quem já
tinha ouvido falar da Festa de São Benedito. Ela comentou rapidamente sobre a festa,
mostrando às crianças um cartaz de propaganda do mesmo que havia na sala. Comunicou
às crianças que iriam fazer uma visita à comunidade onde fica a igreja e conversariam
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com o Sr. Michel., que como já dissemos, é o atual organizador. As crianças foram ao
passeio numa atitude recreativa e não de estudos, como tudo que se passa em sala, nada
mais sistematizado ou elaborado com planejamento prévio.
Quando as crianças chegaram à comunidade encontraram o Sr. Michel. Ele já
havia sido contatado pela professora para esperar as crianças nesse dia. A conversa não
foi organizada previamente com a crianças e ficou centrada nas perguntas da professora
para o Sr. Michel. Ele contou da Tia Eva, de onde ela veio, como veio e por que se faz a
festa do santo todos os anos. Durante a conversa, ele abordou a questão da cor da Tia Eva
dizendo que ela tinha sido escrava e era negra, mas que a diferença de cor não mudava
nada nas pessoas pois todos somos filhos de Deus. Remeteu, assim, a questão para o
plano divino.
Depois foram ver a igreja. Lá viram a imagem de S. Benedito trazida na viagem
por Tia Eva. Essa parte da aula-passeio interessou bastante às crianças. Descobriram-se,
entre as crianças negras da sala, alguns descendentes de Tia Eva. Após conhecerem a
igrejinha, despediram-se do Sr. Michel e voltaram para escola.
Como estavam todos cansados do �passeio�, descansaram um pouco e logo a
professora encaminhou a próxima atividade, que consistia em representar através de
desenho o passeio que fizeram. Para encaminhar essa atividade a professora retomou a
história de Tia Eva. Poucas crianças lembravam detalhes da história. O que mais
gravaram foi o fato de Tia Eva ter sido escrava e não ex-escrava, ter vindo para Campo
Grande de carro de boi com duas filhas e ter uma ferida na perna. Algumas crianças, ao
desenharem, retrataram Tia Eva e o Sr. Michel como negros, mas muitas não tiveram
essa preocupação e a professora não interveio nessa atividade. Em conversa com ela
sobre isso, demonstrou não estar atenta a esse tipo de representação: - �Não reparei�,
disse-nos.
No segundo dia, a professora abordou a discussão propriamente dita das
diferenças raciais entre as crianças. Notamos que ela estava um pouco ansiosa com essa
atividade, o que demonstra que mesmo quem quer abordar o assunto necessita de
preparação e segurança. As crianças estavam sentadas em suas carteiras, agrupadas de
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três em três ou, quando isso não era possível, de duas em duas. Ela iniciou o trabalho
recordando a história da Tia Eva e sua descendência, pois na conversa com o bisneto de
Tia Eva descobriu-se que Eva era filha de negros com índios.
A professora desenhou no quadro os personagens da história. Desenhou Tia Eva,
as filhas e o bisneto. Ao desenhá-los perguntava - �Como devo desenhar o cabelo?
Como é o cabelo de Tia Eva? E a cor da pele dela?� Relembrou a condição de escrava
de Tia Eva e perguntou novamente �qual era a cor da pele de Tia Eva.� Algumas
crianças responderam � preta; outras - negra. Então a professora perguntou o que seu
Michel havia dito sobre as pessoas. Todos se lembraram e responderam que todos eram
iguais. Ela perguntou: - �Por quê?� E as crianças responderam: - �Porque somos todos
filhos de Deus�. A professora reafirma a resposta das crianças: - �Isso mesmo, nós
somos todos filhos de Deus, então não há diferenças entre nós não é mesmo?� Todos
concordaram.
A partir desse diálogo, a professora usou como exemplo duas meninas, uma negra
e outra branca que estavam sentadas na mesma mesa de trabalho. - �Tem diferença
entre a S. e a A.?� Todos responderam: - �Não!� E ela perguntou: - �Por quê?� E todos
responderam: - �Porque somos filhos de Deus�. A professora continuou: - �A S. é
morena (esta é uma das crianças negras da sala) e A. é mais clara um pouco (esta criança
é branca), mas tem diferenças entre elas?� Todos responderam: - �Não!� A professora
perguntou: - �tem diferença de inteligência?� Alunos: - �Não!� A professora pergunta
para a menina negra qual a profissão que ela quer ter, ela responde: - �Médica�. A
professora sorri, sem esconder sua admiração e diz: - �Puxa! Médica!� E pergunta
novamente: - �O que é preciso para ser médica?� Algumas crianças respondem: - �Ser
muito inteligente�. A professora pergunta: - �A S. é inteligente?� Todos: - �É�. A
professora: - �Ela vai ser médica?� Todos: - �Vai�.
A professora segue perguntando às outras crianças qual a profissão que querem ter
e depois para todos, se a criança irá conseguir e o que é necessário para atingir o objetivo
referente a profissão que pretende ter. Após várias perguntas sobre a profissão pretendida
pelos alunos e a inteligência dos mesmos, observamos que as respostas das crianças,
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independente da pergunta feita, são sempre positivas pois o diálogo estabelecido não é
participativo, não propicia o conflito de idéias e sua expressão. É uma conversa
mecânica, na qual as crianças sabem exatamente o que a professora quer ouvir.
Depois disso, a professora pergunta: - �Qual a única diferença entre nós?� As
crianças respondem: - �A cor da pele�. A professora: - �Mas todo mundo é
inteligente? Pode trabalhar? Tem coração? Tem boca?� As crianças responderam
sempre afirmativamente às perguntas. A professora finaliza a conversa com a seguinte
afirmação -�Nós somos todos iguais nas obrigações, nos direitos e nos deveres, né?� E
todos respondem: - �Né!�
Após essa conversa a professora explica de forma muito rápida que as crianças
deverão recortar das revistas figuras de pessoas de todas as raças, de todas as cores,
fazendo coisas diferentes, trabalhando, passeando, etc. Ficamos perto das mesas de
trabalho das meninas, divisão �natural� do grupo. Havia apenas um menino nesse grupo e
duas meninas negras. Observei a atividade das duas meninas negras. Enquanto R.
entendeu e procurou retratar todas as raças em seu trabalho, S. parecia não ter
compreendido a atividade, tinha sua atenção voltada para figuras grandes sem nenhum
vínculo com a questão das raças das pessoas. Expliquei-lhe novamente a atividade,
mesmo assim não se mostrou mais atenta ao objetivo da atividade. Solicitei que R.
dissesse a qual raça as pessoas das figuras recortadas representavam, R. identificou todas.
S. também soube definir a raça de todas as figuras que havia recortado, não havia negros.
Indaguei-lhe por que não havia recortado, disse que não sabia.
Um menino negro do outro grupo de trabalho veio para essa mesa, estávamos
tentando ajudar o menino da nossa mesa a descobrir qual era a sua raça. D., uma menina
branca de nossa mesa, começou a identificar as pessoas da mesa pela raça. D. identificou
o menino como negro, ele se identificou como �moreno�, assim como uma menina
branca, que também se identificou como �morena�. Então perguntei ao menino: - �Você
e A. se dizem morenos, D. disse que você é negro, o que pensa, você é moreno ou é
negro?�. Ele disse: - �Sou negro-moreno�.
Enquanto observávamos e intervínhamos nas atividades com esse grupo, a
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professora auxiliava o outro em que, como o das meninas, algumas crianças estavam
mais preocupadas em retratar as pessoas em várias atividades do que as cores/raças.
Quando todas as crianças terminaram seus trabalhos a professora encerrou a atividade.
A análise dessas atividades nos aponta que é fundamental aos educadores
compreender a identidade racial não de forma abstrata, como essência do indivíduo. As
características aparentes são parte da identidade, sim, mas elas não são suficientes para se
constituírem numa identificação do sujeito com seu grupo racial. Isso dependerá da
construção histórica que promove/promoveu o grupo social ao qual o sujeito pertence,
bem como do seu processo particular de contato e construção com essa história. Porém,
não podemos menosprezar a importância das características fenotípicas como parte
determinante da identidade e dos problemas, ou não, que as crianças irão enfrentar no
estabelecimento das relações sociais. Nesse contexto, o sujeito negro ganha relevância
pois, no universo escolar, é ele que se destaca como sujeito racialmente diferente e, por
isso, sofre as conseqüências das contradições históricas negativas relativas ao seu grupo
étnico-racial.
As crianças negras são as que mais sofrem, no processo escolar, o preconceito e a
discriminação, advindos dessa construção a respeito do negro. Sofrem insultos ligados às
características do seu corpo - os cabelos, os lábios, o corpo de modo geral - que são
fontes das rejeições, como no caso que deu origem a esta pesquisa, citado na introdução.
E esse processo causa prejuízo à criança negra quando a impede de construir sua
identidade positivamente. Freire diz que:
�A identidade do sujeito depende, em grande medida, da relação que ele cria com
o corpo. A imagem ou enunciado identificatório que o sujeito tem de si estão
baseados na experiência de dor, prazer e desprazer que o corpo obriga-lhe a sentir
e a pensar (...) A discriminação de que seu corpo é objeto não dá tréguas à
humilhação sofrida pelo sujeito negro que abdica de seus direitos humanos�.
(1983:107-108 )
Esse processo ocorre não apenas porque a cor do sujeito ou suas características se
destacam das de outros sujeitos, mas porque o processo que o negro viveu na sociedade
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produziu um sujeito negro. A questão da cor está ligada às representações estereotipadas
que se tem do negro e estas são conseqüência das relações sociais em que o sujeito negro
vive/viveu. Recorro novamente a Souza para esclarecer como o preconceito em relação
ao negro foi se constituindo nas relações sociais:
�Lutando muitas vezes, cotra a maré da dominação, o negro foi, aos poucos,
conquistando espaços que o integravam à ordem social competitiva e lhe
permitiam classificar-se no sistema vigente de classes sociais. (�) E como
naquela sociedade, o cidadão era o branco, os serviços respeitáveis eram os
�serviços-de-branco�, ser bem tratado era ser tratado como o branco. Foi com a
disposição de ser gente que o negro organizou-se para a ascensão , o que
equivale a dizer: foi com a principal determinação de assemelhar-se ao branco -
ainda que tendo que deixar de ser negro � que negro � que o negro buscou, via
ascensão social, tornar-se gente.� (1983: 21)
A compreensão de que o processo de identidade do sujeito depende do processo
de interação que se estabelece entre o sujeito em particular e os outros, fundada em
relações mais amplas ocorridas no interior das relações, possibilita que, de um lado, o
professor compreenda que sua intenção em modificar o resultado da discriminação e do
preconceito não pode estar descolada de intenções maiores no que diz respeito à
sociedade, isto é, não podemos imaginar a eliminação da discriminação racial apenas
como um processo particular, isolado, como se fosse possível eliminá-la pela mudança
comportamental de alguns, sem questionar as questões estruturais da sociedade que
validam o preconceito e dão vida ao mesmo.
As atividades realizadas nos estudos sobre as diferenças raciais da população
brasileira ocorridas na Escola C deixam um vácuo devido às suas concepções históricas,
isto é, devido à não compreensão do funcionamento da sociedade de classes, capitalista e
excludente. A questão da discriminação racial que ocorre no interior da escola não será
resolvida e nem minimizada se não estiver articulada com mudanças estruturais da
sociedade. Portanto, é necessário articular a discussão da questão de raça com a de classe.
No entanto, não vemos possibilidades de resolução dessa problemática, apenas sua
minimização.
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Uma professora sensível, mas sem conteúdo teórico-político, pode sedimentar o
sentimento, já corrente entre muitos indivíduos negros, de imobilidade. Sentimento este
advindo da ideologia da democracia racial, inexistente no Brasil, mas proclamada a fim
de solidificar e impedir a organização desse segmento como um segmento de classe,
transparecendo sempre que essa é uma questão unicamente das relações entre pessoas,
consubstanciando um processo que é social. Desta maneira, poderá ser encontrada:
�a alienação do negro (...) pois que ele se vê a partir dos termos em que é
concebido pelo branco. É por isso que as tentativas de auto-redefinição do negro
são muitas vezes malogradas, utópicas. Como ele parte de um fundamento
errôneo, das coordenadas oferecidas pela consciência de dominação do branco, o
negro não pode conceber-se corretamente. A não ser que ele abandone as
premissas de que parte quando procurou branquear-se ou realizar os atributos
superiores afirmados pelo branco � a sua luta poderá ser uma sucessão de
frustrações sem saída para que ele ultrapasse as barreiras estreitas em que é
colocado, nesse processo de mistificação das consciências, é preciso restabelecer
as bases do problema, partindo dos fundamentos reais da produção da consciência.
Nesses termos, o negro deverá ver-se, antes de tudo, a partir da posição social que
ocupa no sistema social e de como a sua negritude foi gerada com o sistema de
classes, em que se produziu sua consciência�. (Ianni, 1972:235,236 � grifo nosso)
Percebe-se, na sala de aula da Escola C, um espontaneismo no processo
educativo. Não existem planos de aula, diários e nenhuma exigência por parte da
coordenação e direção da escola para que estes sejam realizados. Apesar de haver
objetivos claramente definidos em estatuto e proposta curricular para a Pré-escola
elaborada pela Secretaria de Educação do Estado-MS, que define planos de unidade e um
currículo mínimo para a Pré-escola, estes não são seguidos pela professora.
Há por parte da coordenação e da direção, ao nosso ver, um descompromisso em
termos pedagógicos no que diz respeito à Educação Pré-escolar. Existem cobranças ao
nível administrativo, tais como falta do professor e horários de chegada e saída, mas,
efetivamente, o que diz respeito ao processo de ensino/aprendizagem, o que ocorre em
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110
sala é responsabilidade total do professor. Nesse caso, a Educação Pré-escolar, para a
direção da escola, cumpre uma função preparatória para o ingresso no ensino de 1o Grau,
ou seja, na escola �de verdade�.
O comportamento das meninas negras, nas duas atividades descritas, demonstra
que há que se desenvolverem atividades no ambiente escolar que lidem com a questão do
auto-conceito, entendido como �configuração organizada de percepções de si mesmo,
admissíveis à consciência, como produto da interação social (...) [que] se desenvolve e se
altera no intercâmbio das inter-relações humanas�. (Pavan, 1993:100) Em razão disso, a
escola �tem um papel fundamental na construção e reconstrução do auto-conceito, isto é,
ela simplesmente não fornece o conhecimento acadêmico [mas] ela [também] transmite
através das relações que lá ocorrem, elementos que interferem na vida pessoal do aluno e
na própria aprendizagem�. (Pavan, 1993:100)
Nessa perspectiva é que se pode defender a inclusão, nos currículos escolares, de
questões como a discussão étnico-racial, oportunizando que as crianças negras,
juntamente com outras, possam reconhecer-se como sujeitos sociais que compõem a
variedade multirracial da sociedade em que vivem. Mas essa defesa esbarra na maneira
como essa diversidade pode ser tratada, considerando as imagens negativas cristalizadas.
A perspectiva teórica de compreensão dessa temática será decisiva para o
encaminhamento da discussão. Essa discussão poderia ser introduzida na escola, em
todos os níveis, cada um abordando aspectos que, de certa maneira, já estão presentes no
currículo sob outras formas. Poder-se-ia tratar do assunto explicitamente quando, a partir
da 5a série, se discute a formação do povo brasileiro, ou quando, em séries anteriores e
posteriores, o professor trabalha conteúdos da história em que aparecem índios, negros,
portugueses, holandeses, franceses.
O que parece faltar aos professores, quando abordam esses temas, é a visão de que
falar de diferenças entre esses povos é dar oportunidade aos alunos para identificar as
contribuições de cada segmento racial. Abordar as diferenças raciais é abordar a
diversidade entre as pessoas na forma de pensar, de viver, mas também é revelar a
capacidade que todos têm de contribuir para a construção de uma sociedade. No caso de
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negros e índios do Brasil, que sofrem essa relação de dominação-subordinação, a escola
comprometida politicamente com mudanças estruturais deve possibilitar a apreensão da
importância social desses segmentos e suas contribuições para a sociedade brasileira no
campo da produção material, no qual essas raças foram fundamentais. Isso é o que
realmente conta numa sociedade capitalista e esse fato tem sido ideologicamente negado
pela classe dirigente, até para explicar a situação de marginalidade em que vivem esses
segmentos atualmente. Sem esse aporte, os trabalhos que discutirem a questão racial
serão sempre parciais.
Trabalhar com as diferenças raciais na escola com a perspectiva de constituir uma
conceituação positiva da diferença pode parecer fácil e corriqueiro. Mas não é bem assim.
O que estamos propondo é que a questão racial seja tratada pedagogicamente e sem
preconceitos, considerando o contexto no qual os profissionais da educação são oriundos
de uma sociedade de classes, preconceituosa e claramente excludente e que, por isso, os
cursos não abordam tais temas como se não fossem merecedores de importância
pedagógica e, conseqüentemente, passíveis de discussões. A formação do professor,
portanto, deve ser um quesito básico nas reivindicações dos movimentos organizados que
lidam com a questão racial, pois:
�um professor sensível a essas questões, formado para percebê-las será muito mais
receptivo, muito mais aberto às denúncias sobre as mesmas, e às sugestões para
revertê-las. Essa compreensão e adesão por parte do professor é imprescindível na
medida em que pesquisas já demonstraram que inovações importantes no campo
da educação fracassaram por falta de apoio. E para que ele desenvolva essa
sensibilidade, para que esteja pelo menos aberto a debater o tema é preciso que ele
não só tenha sido alertado para o mesmo, como também tenha recebido um
mínimo de informações que possam fundamentar suas atitudes e suas iniciativas
nesse campo� (Pinto, s/d:20)
A preocupação e inserção desses quesitos na formação do profissional da
educação só se realizarão no confronto de idéias entre o movimento organizado na
sociedade civil e o Estado, gestor das políticas. Pois é bom lembrar que a desvalorização
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de negros e índios, principalmente, é resultado da relação de dominação-subordinação e
que só se modificará com a luta política.
No trabalho realizado pela professora da Escola C, foi possível constatar
problemas que advêm de algo essencial para professor: sua competência, entendendo essa
palavra como a articulação entre o político e o técnico. O fato de a professora estar
atuando há mais de cinco anos na sala de Pré-escolar, nesse bairro, e ainda estar disposta
a intervir na questão das diferenças raciais, presentes no cotidiano escolar, não foram
suficientes para que sua atividade fosse sistematizada. A começar pela ausência de um
planejamento prévio, organizador de suas aulas. Ao ser indagada sobre seu planejamento,
disse não o ter feito e comentou, com naturalidade, que seu caderno de planejamentos
estava atrasadíssimo.
A ausência se preparo prévio da aula prejudicou sobremaneira a atividade, uma
vez que a intenção da professora era, através do resgate da história da Comunidade,
propiciar às crianças um referencial positivo de realizações do povo negro e discutir com
elas as diferenças raciais. A motivação pelo conhecimento da história da comunidade
deveria ter sido maior e melhor elaborada. As crianças deveriam estar realmente
envolvidas no estudo dessa história, o que não ocorreu. A condução da professora não
abordou questões que poderiam enriquecer a atividade. O diálogo estabelecido com as
crianças foi muito rápido e direcionado. Esse era o momento de ouvir as crianças,
motivá-las para que expressassem o que pensam a respeito dos vários tipos raciais
existentes, oportunizar a manifestação de opiniões divergentes. Da forma como foi
conduzido não produziu reflexão e, dificilmente, levaria as crianças que possuem
posturas discriminatórias a pensar sobre possíveis mudanças no seu próprio
comportamento.
O trabalho sobre as diferenças raciais na escola e, principalmente, no nível Pré-
escolar, tem uma importância fundamental. Esta é a fase na qual as crianças estão
ampliando seu círculo de convivência e seu contato com o mundo, e a questão racial deve
ser problematizada para que elas percebam as diferenças existentes entre as pessoas como
riqueza, possibilidade de existência. É o momento de construção de valores. Esses
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problemas, como já apontei, são de ordem didático-pedagógica, ou seja, são reflexo do
preparo do educador na condução de suas atividades em sala de aula. Assim, as crianças
não tiveram oportunidade de discutir, coube-lhes simplesmente o papel de concordar com
argumentos usados por adultos, o da professora e do descendente de Tia Eva, de que as
pessoas eram iguais porque todos eram filhos de Deus.
Não houve problematização das diferenças e essa certamente é uma das questões
mais cruciais deste trabalho. É na postura dialética de apontar as diferenças e ressaltar a
igualdade que os educadores sentem-se inseguros. Receosos de não acentuar as
diferenças, os professores tendem a desconsiderá-las ou minimizá-las. Dar ênfase às
diferenças, para eles, é algo que pode ser usado justamente para reforçar o argumento que
se pretende eliminar, qual seja, o de que as diferenças justificam a inferiorização de
qualquer grupo e, no caso específico, o grupo racial negro. Por isso constatamos, nesses
trabalhos, uma ênfase grande na questão do que nos torna iguais, mas uma discussão
superficial sobre nossas diferenças como riqueza humana.
Essa dificuldade ocorre não apenas porque esse é um assunto delicado, mas
porque o imaginário social está impregnado do preconceito que considera, de fato, as
diferenças motivo de inferiorização, principalmente as diferenças raciais, e fica muito
difícil romper esse imaginário e tratar as diferenças humanas como vantagens para todos.
Somos produtos dessa sociedade que sempre tratou o pobre como ser humano de
segunda categoria, menos humano. O negro, pelas relações que se estabelecem, constitui-
se em sinônimo de pobre, portanto, passível de ser excluído. O depoimento de uma das
professoras dessa escola é esclarecedor quanto à associação imediata entre pobre e negro.
Indagada se já havia trabalhado em uma escola onde era possível ver tantas crianças
negras, ela respondeu:
�Eu nunca tinha reparado neste ponto (risos). Juro (risos)! Nunca me dei conta,
porque na outra escola em que eu trabalhava em Três Lagoas, não era diferente. A
primeira vez que dei aulas, as crianças eram pobres, então havia muitas de cor.
Mas eu nunca me deparei com isto reparando, analisando, nunca!�
A falta de preparo do professor para enfrentar a questão da pluralidade racial no
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ambiente escolar gera o que já foi chamado por Gonçalves de �ritual pedagógico a favor
da discriminação racial�. Um silêncio que se manifesta, às vezes, pela negação de que o
preconceito e a discriminação existam e, por ignorá-los, mesmo que estejam
imediatamente visíveis. Um professor que não percebe a composição racial de sua sala-
de-aula jamais conseguirá tratar das diferenças raciais existentes na sociedade e pouco
contribuirá para que a discriminação que alguns segmentos sofrem possa ser
problematizada no ambiente escolar, possibilitando aos seus alunos a apreensão da
sociedade em que vive. Negando a visibilidade do problema, esse professor produzirá um
trabalho sempre alienado, sem contato com o real.
No trabalho descrito, a professora, em um dado momento, aborda a questão das
diferenças da seguinte forma: - �Qual a única diferença entre nós?� E todos os alunos
respondem: - �A cor da pele�. É possível perceber duas questões importantes nesse
pequeno trecho do diálogo. As crianças sabem o que a professora quer abordar e a
professora não sabe como abordar a questão das diferenças raciais. Por conseguinte, não
chegará à problematização de que tais diferenças não são relevantes, nem justificáveis
para que um grupo humano desvalorize outro por suas características físicas e culturais.
Não é verdade que a única diferença entre nós seja a cor da pele. Os seres
humanos possuem inúmeras diferenças entre si e seria muito interessante se pudéssemos,
com as crianças, descobrir quão infinitas elas são. Essa descoberta minimizaria a
supervaloração que é dada a algumas delas como cor da pele, tipo de cabelo ou formato
dos olhos, como fatores inferiorizantes de um povo.
Deve-se analisar uma outra situação ocorrida durante o diálogo na Escola C: se o
trabalho se propõe a discutir diferenças raciais para contribuir com a construção de
relações raciais menos conflituosas. Para isso o educador precisa estar despido do seu
próprio preconceito. É possível que isso possua uma dimensão pessoal, subjetiva, mas
também a dimensão adquirida através da competência técnica, ou seja, o professor deve
ser preparado para promover tal atividade para que esta resulte em trabalho proveitoso.
Quando, durante o diálogo, a professora discute a existência de diferenças entre
uma menina negra e uma branca, ela pergunta: - �Tem diferença entre S. e A.?� Todos
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alunos respondem: - �Não�. E ela pergunta novamente: - �Por quê?� E todos
respondem: - �Porque somos filhos de Deus�. Em seguida, a professora diz que S. é
morena e A. é um pouco mais clara que S., mas insiste perguntando se existem
diferenças de inteligência, de órgãos como boca, coração, entre as crianças. Elas
continuam dizendo que não. Ao final dessa parte do diálogo, a professora pergunta qual a
única diferença existente entre as pessoas, e as crianças respondem que é a cor da pele.
A professora, mesmo sem formação para esse trabalho, intuitivamente, parte do
que nos torna iguais, no caso, ela utiliza uma referência cristã - somos todos filhos de
Deus, e depois parte para questões mais objetivas como a capacidade de pensar do ser
humano e os órgãos que possuímos.
Podemos questionar o referencial do qual ela parte para trabalhar a questão da
igualdade entre nós, contudo não podemos deixar de aprovar essa perspectiva, mesmo
que intuitiva da professora, que percebe a necessidade de primeiro humanizar a todos, ou
seja, ela resgata o que temos de igual, de singular como espécie, para depois apontar
nossas diferenças. A professora não se equivocou ao escolher essa perspectiva, pois
sempre que se trabalha com a questão das diferenças é fundamental que se preserve a
idéia de que nessa discussão é necessário conciliar a dimensão de pluralidade com a
universalidade que nos caracteriza como humanos (Kramer:1993).
Isso é que irá garantir que não se correrá o risco de, ao trabalhar as diferenças,
reforçar o que as teorias racistas fizeram, ou seja, apontar as diferenças existentes entre os
povos como motivo para desvalorizá-los. Ao contrário, nosso desafio está em garantir a
igualdade e preservar as diferenças, como diz Kramer: �Garantir a igualdade e
assegurar as diferenças � eis, ao meu ver, uma das questões mais cruciais da
escola...� (1993:66)
Não é, de fato, uma discussão fácil e por isso a ausência de formação do educador
nessa questão é algo muito sério. Ser sensível para a importância de trabalhos que
enfoquem as diferenças raciais existentes na sociedade e, por conseguinte, na escola, não
é suficiente para respaldar um trabalho eficaz na perspectiva de sua superação.
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Quando a professora se refere à criança negra, como morena, ela não sai do senso
comum, no caso, a idéia preconceituosa de que é necessário �amenizar� o peso da palavra
negro. Ao invés de a professora ousar dizer negro, para problematizar com a própria
criança e com a sala como um todo, oferecendo-lhes novos referenciais de identidade, ela
se retrai. Nesse momento é o seu próprio preconceito que se manifesta, não
necessariamente de forma consciente, mas fruto do imaginário presente nas relações
sociais. É assim, às vezes sutilmente, que o preconceito se manifesta na escola,
denunciando o despreparo mesmo de quem é interessado e pretende abordar tais assuntos.
Não estamos defendendo a postura ingênua, que acredita que a formação por si
mesma possa garantir que os educadores terão uma ação político-pedagógica, mas
pressupomos que:
�... o ensino, em seu aspecto objetivo de realidade histórica e em seu aspecto
subjetivo de concreto pensado, tal como construído no universo do saber
didático, não poderá ser tratado de forma congelada. Ele deve ser apreendido em
seu movimento de prática social que se articula, por correspondência e
contradição, com outras práticas sociais na formação social brasileira�. (Oliveira,
1993:134)
Ou seja, o ensino é dinâmico, produz sempre novos saberes a partir de questões
que nem sempre se articulam dentro da escola, mas nos movimentos que estão fora dela.
Deve-se, por isso, ressaltar a importância de trabalhos como esses que analisamos já
estarem ocorrendo no interior da escola, mesmo que em precariedade. Há muito se fala da
importância do processo educacional no resgate da auto-estima da criança negra, questão
que vem motivando pesquisadores que trabalham na articulação raça e educação.
Através de suas pesquisas, eles denunciam e comprovam os prejuízos
educacionais para as crianças negras advindo do preconceito racial. Contudo, pouca coisa
dessas pesquisas tem se transformado em trabalhos pedagógicos que efetivamente se
realizam nas escolas. São, por isso, de extrema importância as realizações até aqui
constatadas, pois é só a partir do realizado que podemos avançar, repensar e propor novas
formas que possam cada vez mais corresponder à análise da realidade concreta. Sem a
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ousadia desses educadores jamais poderíamos acreditar que o novo está sempre sendo
gestado nas velhas estruturas. É por isso que vemos com otimismo as atividades
realizadas na Educação Pré-escolar nas três escolas com especial atenção à Escola C, pois
lida diretamente com crianças que pertencem a um segmento excluído da sociedade
enquanto classe e enquanto raça.
Tem valor cada atividade promovida nessa sala a fim de resgatar a identidade
racial dessas crianças, para confrontá-las e suscitar-lhes a tomada de consciência de si
mesmas, possibilitando-lhes a aquisição de um aporte fundamental na busca de
transformação da estrutura que as exclui e, além disso, a percepção de que somos sujeitos
da história e que há possibilidades de modificar a sociedade e gestar novas estruturas
dentro das velhas.
Pelos trabalhos que pudemos observar, foi possível concluir que as escolas que
possuem projetos educacionais mais elaborados no sentido de transmitir, de fato, o
conhecimento historicamente acumulado, reelaborado e construído pela humanidade,
possuem, também, uma possibilidade maior de trabalhar a questão das diferenças raciais
com maior grau de sistematização. Fazendo desse assunto mais um conteúdo a ser
trabalhado pedagogicamente, garantindo-lhe estatuto de conhecimento, essas escolas
contribuem para que os professores rompam com o caráter, por vezes folclórico, presente
nas discussões sobre diferenças raciais e suas contribuições para a humanidade,
demandando deles estudos sobre a temática.
O caso específico da Escola A é significativo porque elege um grupo social para
ser conhecido, isto é, para que os alunos se apropriem do que esse segmento da sociedade
foi e é capaz de acumular e produzir, permitindo que a criança compreenda, desde
pequena, o que é a diversidade social e, ao mesmo tempo, a luta que se realiza entre os
segmentos que a compõem.
Se estabelecermos uma relação desse trabalho com o realizado na Escola C,
podemos dizer que na Escola A o trabalho é sistematizado e a metodologia utilizada
possibilita que a criança avance em suas reflexões, pois problematiza suas convicções e
estimula sua busca por mais conhecimento sobre o tema tratado, seja ele qual for. Falta,
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ainda, ao projeto pedagógico da escola, aprimorar a discussão sociopolítica, dar maior
ênfase às relações de produção da sobrevivência entre os sujeitos. Isso não invalida a
importância do trabalho desenvolvido, principalmente em relação às atividades que
observamos. Ao final, foi possível constatar que as crianças modificaram sua imagem de
índio, isto é, as concepções corriqueiras que o grupo possuía em relação a esse segmento
da população. As idéias de que todos os índios moram no mato, que vivem da caça e da
pesca, que são agressivos, que não mantêm contato com as pessoas da cidade, em relação
aos Kadwéu, foram dissipadas. Sabiam que os indígenas desse grupo não viviam nus em
suas aldeias, que estudavam, comercializavam seus produtos e havia diferenças em seu
cotidiano em relação a eles e deles em relação a outros grupos indígenas, mas que
compartilham do mesmo tempo social.
Esse trabalho foge do folclorizado, embora necessite de muito aprimoramento.
Encontra-se na diretriz correta, qual seja, a de buscar fontes científicas sobre o assunto
tratado e também atualizar seu conteúdo com entrevistas e pessoas pertencentes aos
próprios segmentos estudados. Esse tipo de trabalho dá ao estudo das diferenças um
caráter de apropriação de conhecimento sobre a humanidade.
Não consideramos que haja apenas uma questão racional no trabalho que lida com
temas como esse das diferenças, ou mesmo no processo educativo. Cremos que as
emoções, os sentimentos estejam presentes e se revelem nesses estudos, assim como em
todo o processo educativo. Contudo, essa relação afetiva que se estabelece no processo de
ensino-aprendizagem tem que estar mediada pelo conhecimento científico, para que os
educadores que se propõem a trabalhar com o tema, não necessitem da visão
�espiritualizada� como ocorreu na Escola C, em que a professora recorre à igualdade
divina entre as pessoas, mas se apóiem em fatos. Essa referência divina, muitas vezes
utilizada pelos educadores, reforça a idéia equivocada de que o preconceito e a
discriminação é uma questão individual, de quem não tem �bom coração�, dificultando a
compreensão de que o preconceito e a discriminação são construções históricas e,
portanto, passíveis de mudanças.
A contradição, a luta entre as classes deve ser exposta. A referência que nos
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mobiliza deve ser a de romper com essa sociedade na forma como está estruturada, pois
utiliza as diferenças fenotípicas e culturais entre os indivíduos para perpetuar o status
quo de uma minoria. A discussão raça e classe constrói a consciência de classe em si dos
segmentos oprimidos.
É claro que cada nível escolar pede o seu modo particular, o seu tempo certo de
abordagem, perante essa realidade passível de mudança e que, obviamente, enfrentará
oposição. Mas é no espaço possível das contradições que queremos e devemos atuar. Os
produtores da ciência fazem suas opções, já que ela não é neutra. Nesse caso, ao
escolhermos a discriminação e o preconceito racial como objetos de nossa pesquisa em
educação fizemos uma clara opção de desvendar as interdições existentes no processo
educativo, que está claramente articulado entre raça e classe, não sendo possível falar de
uma sem abordar a outra.
De acordo com estudos realizados em 1997, pelos pesquisadores Wania
Sant�Anna, historiadora e Marcelo Paixão, economista da Federação dos Órgãos para a
Assistência Social e Educacional (FASE), a qualidade de vida dos negros no Brasil ocupa
a 120a posição, ao lado dos países considerados de baixo desenvolvimento humano,
enquanto que ao analisar a média da população brasileira, isto é, negros e brancos,
pulamos para 63ª posição. A título de explicar isso, enquanto a perspectiva de vida dos
brancos é de 65 anos, entre os negros esse índice cai para 59 anos.
Resgatamos, portanto, o depoimento de uma das professoras da Escola A, que ao
falar do que se deve fazer na Pré-escola, exprime o que devemos fazer durante toda a
escolaridade de nossos alunos:
�Pré-escola tem de fazer isto, a gente tem que achar palavras, a gente tem
que achar a linguagem certa para que as crianças entendam... a realidade social.�
Nós temos, de fato, que achar a linguagem certa, indubitavelmente temos o que
fazer: transformar a realidade. Não podemos nos considerar bons educadores se
continuarmos negando que o racismo está dentro da escola desde os primeiros momentos
em que as crianças chegam, porque, a escola é parte dessa realidade social que a
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professora se refere.
Precisamos de fato atuar sobre essa realidade e criar condições para que nossas
crianças negras aprendam a se amar, a gostar de si mesmas, a valorização a história de
luta e resistência do seu povo e também criar condições para que as crianças brancas
aprendam o racismo praticado por eles deve ser algo banido das relações porque destrói a
própria humanidade.
Nossas crianças, sim, de todos e todas as educadoras brasileiras que acreditam no
papel fundamental que a educação exerce sobre as pessoas, precisam aprender na escola
que a valorização do ser humano ocorre principalmente a partir do respeito às diferenças.
Ajudá-las a construir está idéia é o nosso dever. Esta é a nossa tarefa.
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