Prova de Recuperação Gênero e Sexualidade 2014b (1)

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Disciplina: ANT Gnero e SexualidadesProfessora: Dra Miriam Pillar Grossi

Estagirios Docentes: Mauricio Gomes (PPGICH/UFSC) e Virginia Nunes (PPGAS/ UFSC)

Semestre 2014.1 4 crditos

Sextas-Feiras de 14h20 s 18hs

Sala 330 CFH UFSC

PROVA DE RECUPERAO

NOME: Vitor de Amorin Gomes RochoCurso: Antropologia

Numero de matricula: 13106252A1 ) Quais so as principais definies e discusses tericas sobre os conceitos de Gnero e Sexualidade na antropologia feminista clssica e nas discusses contemporneas? Dialogue com os textos de GROSSI, SCOTT, MEAD, HERITIER, STRATHERN, SEGATO e CORREA. A2) O que entendestes sobre os conceitos de dispositivo da sexualidade proposto por Michel Foucault e sobre as hierarquias da sexualidade e os pnicos morais desenvolvidos por Gayle Rubin? Como te posicionais frente s reflexes apresentadas em aula a respeito de sexualidades consideradas desviantes em nossa sociedade como a prostituio, pornografia e pegao em espaos homoerticos? Dialogue com as apresentaes e textos de Camilo Braz e Marie Hlne Bourcier e com a bibliografia recomendada no curso.A3) Feminilidades e masculinidades so vividas de forma diferente segundo tempo e lugar. Porque uma feminista lsbica como Monique WITTIG afirma que lsbicas no so mulheres? O que so masculinidades hegemnicas e subalternas na viso de autores como CONNEL E VALE DE ALMEIDA? Como a temtica da masculinidade apropriada e vivida por homens trans?B) H uma matriz terica comum as analises tericas e lutas polticas contra as Violncias contra as mulheres e homo-lesbo-transfobicas? Conte o que aprendestes sobre a historia da Lei Maria da Penha e sobre como as violncias de gnero so tratadas na sociedade brasileira a partir de exemplos da Marcha das Vadias e do Concurso de Cartazes contra a Homo-lesbo-transfobia em dialogo com SCHULMAN, BORRILLO, GREGORI, GROSSI, MACHADO ou SEGATO. RESPOSTAS

A1) Essa pergunta necessita de um apanhado histrico amplo e que est diretamente relacionado luta polticas das mulheres e LGBTs. No bero dos estudos sobre sexo e relaes sociais podemos referenciar o livro Sexo e Temperamento de Margareth Mead publicado em 1935 e que coloca a categoria temperamento e que podemos de forma rpida assimilar gnero como construda e referenciada socialmente aos diferentes sexos. E hoje, falar em estudos de gnero est na continuidade, ou ento ampliao, do que se inicia como estudos da condio feminina e que tem por excelncia as discusses acerca da mulher em relao ao homem e com discusses sobre a sexualidade feminina. Pensando nesse contexto histrico, podemos ressaltar que a plula anticoncepcional passa a ser comercializada, a virgindade enquanto valor essencial das mulheres para o casamento comea a ser amplamente questionada, e se comea a pensar mais coletivamente, no Ocidente, que o sexo poderia ser fonte de prazer e no apenas destinado reproduo da espcie humana. Entre os inmeros movimentos sociais que despontam neste perodo, dois nos interessam particularmente, o movimento feminista e o movimento gay, porque ambos vo questionar as relaes afetivo-sexuais no mbito das relaes ntimas do espao privado (Grossi, 1998). Esse apanhado histrico se faz necessrio para compreendermos tambm a ruptura conceitual que acontece a partir dos anos 70/80 entre as categorias sexo e gnero, alm das diferenas dentro do prprio movimento de mulheres e feminista. Em sua origem, temos a categoria sexo como construtora dos discursos sobre subordinao da mulher e que se apoia em conceitos como explorao e patriarcado como explicaes para essa subalternidade. Destaca-se nesse momento o pioneiro texto de Joan Scott (Gnero: uma categoria til para anlise histrica) em que faz um apanhado dessa mudana por ela considerada poltica e no somente etimolgica do termo sexo para gnero. Segundo a autora em seu clebre artigo, apesar de sua crtica sobre como o uso do termo gnero viria academicamente diluir um pouco o feminismo ela ressalta o fato de como as cincias sociais preferem o termo gnero como categoria e no sexo, o qual o primeiro teria mais legitimidade acadmica e o ultimo mais poltico/feminista - ela tambm nos coloca: O uso do gnero coloca a nfase sobre todo um sistema de relaes que pode incluir o sexo, mas que no diretamente determinado pelo sexo nem determina diretamente a sexualidade (Scott, 1995). Com isso, nos afirmando que o termo gnero como categoria de anlise histrica est exclusivamente ligado as concepes/discursos sociais acerca do sexo, talvez pelo seu vis foucaultiano entendendo o gnero como um saber sobre as diferenas sexuais. Outra pensadora muito importante nos estudos sobre a mulher foi a sociloga brasileira Heleieth Saffioti e que iniciou os estudos sobre a condio feminina no Brasil com seus estudos sobre explorao e condio feminina. Saffioti, at os ltimos anos de sua vida, foi insistente em sua crtica categoria gnero ressaltando seus riscos de uso e seu apreo pelo uso do termo patriarcado, ou pela retomada de seu uso nas anlises sobre a mulher. Segundo ela: Assim, se gnero um conceito til, rico e vasto, sua ambiguidade deveria ser entendida como uma ferramenta para maquiar exatamente aquilo que interessa ao feminismo: o patriarcado, como um fato inegvel para o qual no cabem as imensas crticas que surgiram (SAFFIOTI, 2004). Em anlises atuais do gnero, posso citar a Australiana Raewyn Connell em que baseia-se a noo de gnero com a noo de corporalidade e visa descontruir a noo fechada de gnero como mera diferenciao resultante das diferenas biolgicas. Entender Connel comear a questionar o binarismo em que as relaes de gnero so conformadas hoje, entender que no h um padro binrio (macho versus fmea) que dita as relaes de gnero, mas sim que existem corporalidades distintas que conformam gneros. Em seu artigo sobre masculinidades hegemnicas a autora deixa isso explicitado ao colocar em ordem hierrquica diferentes modelos de masculinidade, o que nos mostra que o padro de ser masculino varia entre diferentes corpos (entre masculinidades hegemnicas e subordinadas). Seguindo um pouco esse pensamento, a sociloga francesa Marie-Hlne Bourcier vem nos contar de como o gnero uma categoria identitria de luta poltica, para ela o gnero desconstri uma normativa dos corpos engendrados pelo sexo e coloca as vivncias em um patamar de experimentaes, modificaes e em uma multiplicidade de gneros. Ao discutir a disforia de gnero trazida pelo CID (cdigo internacional de doenas) para patologizar as identidades Trans* a autora brinca dizendo que prefere uma euforia dos gneros elucidando o quanto o gnero torna-se hoje consensual e mltiplo. Frente a essas conceituaes, h hoje no contexto mundial diversas correntes tericas feministas e de mulheres que disputam nos contextos sociais e acadmicos o conceito mulher e gnero. Sem dvida, cada conceito que pude lembrar aqui est intimamente relacionado com uma poca e um lugar de enunciao de cada autora, tender esse conceito para uma anlise global, universal e no-interseccional , sem dvidas, um erro analtico-prtico grande.Referncias:GROSSI, Miriam P.. Identidade de Gnero e Sexualidade. Antropologia em Primeira

Mo, n. 24, PPGAS/UFSC, Florianpolis, 1998 (revisado em 2010).SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gnero, patriarcado, violncia. 1ed. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 2004, 151p.B) Professora, essa uma pergunta bem ampla e que em seu incio pode conter um duplo entendimento, vou tentar escrever como vejo esse dicotomia nos movimentos em que participo hoje. Em meu primeiro entendimento, a pergunta se faz atravs de um questionamento sobre uma possvel existncia de uma matriz terica compartilhada entre as lutas de mulheres/feministas/LGBTs hoje, em incio: NO! H hoje uma prpria defasagem terica entre ativistas e adeptos dos movimentos, uma defasagem de conhecimento histrico das lutas desses movimentos. Entretanto, h uma disputa muito grande entre as concepes tericas das ativistas e militantes, no sentido de que hoje as lutas dos movimentos sociais baseiam-se em suas finalidades e no em suas tticas e meios de alcana-las. Percebo isso em duas realidades, a primeira no movimento feminista e onde h uma pluralidade de feminismos compondo uma mesma ao conjunta (vide Marcha das Vadias), onde feministas materialistas reivindicam sobre a explorao, transfeministas sobre gnero/nome social/identidade, feministas radicais sobre separatismo/uso da categoria macho e do feminismo lsbico com pautas de sexualidades e direitos sobre o corpo.

No meu segundo entendimento sobre o incio dessa pergunta, entendo como se haveria uma agenda poltica compartilhada em que esses movimentos se baseiam. E nisso, acho que sim e com influncia de uma matriz feminista! H no histrico do movimento de mulheres e no movimentos feministas fases (que chamamos tambm de ondas do feminismo) em que diferentes pautas estavam em discusso e hoje h uma agenda centralizada em temas como: Aborto, direitos sobre sexualidade e violncia domstica. Havendo hoje uma confluncia dos movimentos nas aes polticas, o movimento LGBT hoje se pauta, em sua centralidade, na criminalizao da homofobia. A princpio, pode parecer que no h uma agenda em comum, entretanto se fizermos uma anlise sobre o que seria essa luta pela criminalizao (PLC 122) e seu histrico com sua origem no prprio termo descrito por Daniel Borrillo -, veremos uma enorme conexo com o que hoje chamamos de Lei Maria da Penha. Em sua essncia, a criminalizao da homofobia tem sua construo calcada nos estudos de violncia contra a mulher e interseccionam-se em categorias como direitos sexuais, agresso, corpo e criminalizao. Uma parte muito importante sobre essa agenda est relacionado Laicicidade do estado frente as questes de sexualidade. Quando Borrillo nos fala de que se a sexualidade no deve ser assimilada ao estado se faz uma crtica aqui ao prprio conceito de homoafetividade. Quais seriam os sujeitos inteligveis do estado Por que no falar em homopromiscuidade A resposta estaria talvez no que o estava colocaria como aceitvel, em uma poltica clara de higienizao dos corpos e da sexualidade, nessa pauta h tambm um compartilhamento entre os movimentos.

Na questo da Marcha das Vadias relevante seu carter de denncia e articulao com a realidade vivida pelas mulheres hoje em um cenrio quase mundial. Desde sua origem at hoje ela busca essa articulao e regionalizao da luta em cada estado e pas, hoje no Brasil ela se d principalmente pela articulao entre direitos sexuais, reprodutivos e contra o machismo.

J o Concurso de Cartazes articula uma importante dupla: combate as opresses e escola. Nesse contexto importante refletirmos de como a escola hoje funciona como uma (re)produtora de ideologias e nesse sentido a interferncia nessa cadeia de ensino fundamental para a discusso acerca das violncias. Podemos retomar um pouco aqui o que Teresa de Lauretis vem nos dizer como tecnologias de gnero, ou seja, estruturas e mecanismos que alm de reproduzir a opresso, as criam. Nesse contexto, o Concurso de Cartazes uma pea fundamental na luta antiopresso e reflete em uma luta insistente e histrica por um outro modelo de educao e sua consequente democratizao.A3) (Sobrou um pouco de tempo da resolvi responder um pouco dessa) Quando Monique Wittig em sua celebre frase (...) as lsbicas no so mulheres ela nos remonta a uma disputa e debate histrico sobre o sujeito do feminismo. Ao afirmar essa frase ela aponta no contexto francs da poca ao que remetia a luta das mulheres, que em sua viso haveria um apagamento das questes lsbicas. Logo, as lsbicas no so mulheres pois suas disputas, vivncias e resistncias estavam distante das realidades das mulheres heterossexuais do movimento de mulheres francs. importante colocar aqui que, apesar dessa frase, Wittig no fala que lsbicas no sofrem as opresses que mulheres sofrem ou que em seu sentido vivencial as lsbicas no podem se sentir/identificar como mulheres e isso um erro de muitas anlises sobre sua fala.

H hoje no relato de Homens Trans* uma busca quase incessante pela masculinidade, essa vivncia d-se atravs do uso de hormnios, modificaes corporais, modificao de documentos etc. Quando analisamos o contexto das masculinidades desejadas por homens Trans* vemos fortemente um padro da masculinidade hegemnica, por um masculino verdadeiro. clssico aparecer nas pginas de facebook de transmasculinidades fotos de homens malhados, com msculos ou em busca deles, com sua namorada ao lado e fotos que mostram a ausncia de atributos considerados femininos (fotos das cirurgias que fizeram geralmente mastectomia masculinizadora). Eu, como viado, vejo que h uma heterossexualidade colocada eles e isso decisivo em processos judiciais e psicolgicos para atestarem sua transexualidade. Entretanto h um risco forte de assimilarem cdigos machistas e homofbicos e talvez essa discusso j esteja bem presente em suas discusses, pelo menos nos coletivos de homens Trans* em que eu participo.