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EMERSON DA CRUZ ROCHA
PROPAGANDA POLÍTICA E REVOLUÇÃO: A Experiência dos Cartazes Anarquistas Durante a Guerra Civil
Espanhola
CURITIBA
2006
1
EMERSON DA CRUZ ROCHA
PROPAGANDA POLÍTICA E REVOLUÇÃO: A Experiência dos Cartazes Anarquistas Durante a Guerra Civil
Espanhola
Monografia apresentada a disciplina de Estágio Supervisionado, oferecido pelo departamento de História da Universidade Federal do Paraná, setor de Ciências Humanas, Letras e Artes; como quesito parcial para a obtenção de Bacharel em História sob a orientação do Profº. Dr. José Roberto Braga Portella.
CURITIBA 2006
2
“O Trabalhador que compreender que sua força é a
solidariedade com seus iguais, que compreender a
burguesia e o Estado como parasitas, mesmo que não o
diga, é um anarquista”
Errico Malatesta
3
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO 04
HISTÓRIA DO MOVIMENTO ANARQUISTA NO CONTEXTO ESPANHOL 06
A GUERRA CIVIL, OS ANARQUISTAS E A PLURALIDADE POLÍTICA DA ESPANHA 18
OS CARTAZES: A GUERRA E AS RELAÇÕES POLÍTICAS 34
CONCLUSÃO 48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 50
4
INTRODUÇÃO
A Guerra Civil Espanhola sempre me chamou a atenção pelo que mais se conhece dela
mundialmente: Guernica. O quadro pintado por Pablo Picasso que reflete e simboliza a
intervenção nazista no conflito espanhol, é ao mesmo tempo muito simbólico e um tanto
reducionista caso seja interpretado isoladamente. Guernica se tornou o grande símbolo do
conflito, diminuindo a importância de outros fatores; enfim ele simplifica um conflito muito mais
complexo, que não se resume à intervenção de outras nações, sejam elas fascistas, comunistas ou
democráticas.
E foi com o intuito de aprofundar-se mais sobre este tema que surgiu o interesse, que
desencadeado culmina na presente monográfia. Bem verdade que o enfoque inicial não eram os
cartazes produzidos naquele período; muito menos a produção propagandística e a história do
movimento anarquista espanhol. A idéia inicial para desenvolver o estudo monográfico era a
participação brasileira em tal conflito.
Contudo, foi durante as pesquisas para este tema que me deparei com a grande quantidade
de material propagandístico iconográfico produzido pelos diferentes grupos envolvidos na guerra
civil espanhola. Percebi a grande potencialidade destes materiais e diante das dificuldades em
encontrar fontes para o desenvolvimento daquela idéia inicial, além da minha impossibilidade de
acrescentar algo que já não tivesse sido exposto no trabalho “Solidariedade Antifascista -
Brasileiros na guerra civil espanhola (1936-1939)” de Thaís Battibugli, resolvi então utilizar
estes materiais iconográficos para entender a guerra civil espanhola. O interesse surgido pela
imagem voltava a ela neste momento.
A iconografia dos cartazes estava definida como meio para a compreensão do período;
mas falta escolher sobre qual enfoque buscaríamos compreender este momento. Começou o
trabalho de contextualização do período. Logo percebi as dificuldades e as complexidades desta
guerra que envolveria muitas idéias além do fascismo ou do comunismo. A guerra logo passaria a
ser entendida como uma tentativa de revolução dos movimentos sociais.
Daí em diante as contradições de um movimento passariam a deter a minha atenção: a
rápida propagação de seus ideais, o número crescente de seus adeptos, sua participação efetiva no
início da guerra civil como principal representante da classe operária espanhola, seu apogeu
durante o conflito, as dificuldades imperativas do conflito e, enfim, a sua derrocada. Entender o
5
movimento anarquista espanhol, seu surgimento, evolução e declínio, logo passaria a ser meu
primeiro objetivo na presente monografia. Desdobrando-se então no primeiro capítulo deste.
Logo, entendido a evolução do pensamento e do movimento anarquista em solo espanhol,
tornava-se indispensável entender a relação deste movimento com os demais durante o período
aqui escolhido. Trabalho dos mais árduos, visto que a complexidade do pensamento anarquista e,
principalmente, as exigências da guerra civil e das disputas políticas na Espanha, tornavam as
relações entre os vários grupos momentâneos e duais em alguns casos.
Apesar destas dificuldades este objetivo foi buscado com grande satisfação e resultou no
segundo capítulo da monografia. Entender como o pensamento anarquista se adaptou aquele
período, diante da força do movimento conhecida no primeiro momento da pesquisa, tentando
manter suas idéias mais primordiais, mesmo entrando em conflito com outros, tornou-se um
exercício de compreensão da própria prática política entre vários movimentos e pensamentos
presentes durante os anos que antecederam a guerra civil e durante esta.
Desenvolvido estes dois objetivos ainda faltava dar a atenção merecida as imagens que
cativaram este trabalho. Os cartazes anarquistas então passaram a ser o alvo da minha atenção e
dedicação primária. Observados nos primeiros momentos da pesquisa a evolução dos
acontecimentos bélicos e políticos logo surgia um imperativo que deveria ser resolvido: como as
lideranças do movimento anarquista responsáveis pela produção propagandística, na tentativa de
realizarem os desejos que pareciam eminentes no início do conflito, reproduziram as
transformações ocorridas no equilíbrio das disputas políticas e refletiram sobre as disputas
bélicas?
Entender a produção imagética anarquista, através dos cartazes e interpreta-los a luz das
relações estabelecidas e da evolução do conflito, que coroou determinado grupo em detrimento
de outros, foi o objeto do último e derradeiro capítulo desta monografia. Capítulo que nós mostra
a importância da imagem para a reconstrução da história e a utilização de novos elementos para
abordar perspectivas historiográficas já a muito debatidas como a história política.
6
HISTÓRIA DO MOVIMENTO ANARQUISTA NO CONTEXTO ESPANHOL
Antes de relacionarmos o que é o ideário anarquista e o que foi tal ideário em solo
espanhol, algumas delimitações e esclarecimentos se fazem necessários. Não pretendo abordar o
anarquismo enquanto pensamento utópico de sociedade perfeita, até porque estas definições
seriam próprias daqueles que não conhecem minimamente a ideologia anarquista. Muito menos
enveredarei pelos caminhos de relacionar o anarquismo com a violência e o terrorismo, idéia tão
cara ao imaginário popular, em grande parte inflacionada pela ação de alguns poucos sujeitos
anarquistas que pouco contribuíam para o avanço do pensamento ácrata.
Entenderei o anarquismo neste trabalho, assim como Woodcock o faz com precisão, não
sendo necessárias outras palavras que as suas próprias:
“O anarquismo, apesar de suas múltiplas variações, será pensado como um sistema de pensamento social, visando a efetivação de alterações fundamentais na estrutura da sociedade e em especial a substituição do Estado autoritário por uma forma de livre cooperação entre indivíduos livres.”1
É evidente que o pensamento anarquista não se constitui historicamente como uma
ideologia uniforme e única, independente das especificidades locais e das influências que esta
submetida, mas pelo contrário, se esforça para responder as necessidades de cada ambiente e
tempo em que se insere, como ficará bem claro quando abordarmos o caso espanhol. Então como
poderíamos reunir de forma geral correntes que defendem a ação de indivíduos com a mínima
associação, como o anarquismo Individualista, com o Anarco-Comunismo, para dar um exemplo,
que baseasse na ajuda mútua de uma vasta rede de relações. Ou ainda, reunir os anarco-
Sindicalistas, que pensavam na formação de sindicatos revolucionários como a base para
mudanças sociais, com o anarquismo Pacifista, que como o próprio nome diz, proclama a não
resistência e a instauração de sociedades libertárias no seio da sociedade autoritária como forma
de propaganda pacífica?
Apesar das discordâncias em torno do método e da organização podemos afirmar que o
pensamento anarquista, independente da corrente, se caracteriza por se basear em arautos bem
definidos e claros para todos que assim se proclamam. Reconhecer toda a forma de autoridade
seja ela política ou cultural, como uma perversão do homem natural é sem dúvida a base do
pensamento anarquista.
1 WOODCOCK, George. O Anarquismo: História das Idéias e Movimentos Anarquistas. Lisboa: Editora Meridiano, 1962. p. 11.
7
Deve-se a esta característica a idéia de que o homem, pelo menos para os anarquistas,
desde Proudhon, primeiro teórico nominal da corrente, é um ser capaz de viver livre e em
concordância social. Assim, quem cria qualquer instituição que retire a vontade individual do
homem é inimigo da sociedade. O anarquista se vê então como o indivíduo regenerador que se
esforça por restabelecer na sociedade um equilíbrio natural2. Portanto, são os anarquistas seres
apolíticos por essência.
Não se busca, entretanto, a perfeição, porque a perfeição impediria o progresso. Progresso
que para os anarquistas não esta na continua acumulação de riqueza material ou de uma crescente
complexidade da vida, mas em uma moralização da sociedade pela abolição da autoridade, da
desigualdade e da exploração econômica3. Os anarquistas, mesmo a corrente sindicalista, prega
um regresso à vida simplificada e equilibrada.
Apesar de não associar a violência com o anarquismo, à destruição faz parte de seu
pensamento. Mesmo assim, à destruição é aceita como parte do mesmo processo eterno que
alternadamente traz a morte ou insufla vida nova no mundo da natureza e também na medida em
que acredita na capacidade dos homens para reconstruírem4. Destruir para construir das cinzas é
uma sentença presente no movimento anarquista; contudo, veremos adiante que a aceitação da
violência como meio principal é determinada pelas características locais e não como uma
premissa da ideologia anarquista.
Deixaremos então para enfatizar mais características do anarquismo onde iremos
aprofundar os nossos estudos: o anarquismo em solo espanhol. É neste local que o anarquismo
tem seu ápice histórico, no que tange a representatividade social e política. A República
Espanhola instaurada na década de 1930 é um momento dual para o pensamento anarquista,
porque da mesma forma que marca seu apogeu e um estado nunca antes experimentado pelo
pensamento libertário, é neste momento e território que demarca também o fim, enquanto
movimento representativo, desta corrente ideológica.
As especificidades do território espanhol propiciaram ao anarquismo o terreno mais
apropriado, quiçá menor apenas que a Rússia Czarista, para a propagação de suas idéias.
Rapidamente entre os operários de Barcelona, trabalhadores de Madri e entre os camponeses da
Andaluzia e de Aragão, do Levante e da Galiza5, as idéias libertárias ganharam adeptos assim que
2 WOODCOCK, George. Op. Cit.. p. 22. 3 WOODCOCK, George. Ibid. p. 29. 4 WOODCOCK, George. Ibid. p. 12. 5 WOODCOCK, George. Ibid. p. 369.
8
foram difundidas. Além disso, em território espanhol tais idéias adquiriram tal intensidade moral
que superou a doutrina social e política, tornando-se quase uma religião para seus adeptos.
O movimento anarquista histórico contava com quase um século quando eclodiu a guerra
civil em 1936, história extremamente curta se comparada a grande aceitação que alcançou entre
operários, intelectuais e trabalhadores rurais e urbanos de grande parte da Espanha. Em 1845
Ramón de la Sagra fundou o jornal El Porvenir que, apesar da rápida ação das autoridades em
suprimir tal período, pode ser considerado o primeiro jornal que reproduzia as idéias anarquista
não somente na Espanha, mas na Europa6. Ramón havia convivido com Proudhon na França e foi
dele que colheu as inspirações e idéias de liberdade e individualismo.
Este pequeno estopim das idéias libertárias em solo ibérico teve pouca influência entre a
classe trabalhadora, que mantiveram seus sindicatos de influência esquerdista, legalizados desde
1839, organizados com base nas idéias socialistas. Somente com outro discípulo de Proudhon, Pi
y Margall, é que o anarquismo se fundamenta minimamente como corrente de pensamento
ideológico. No livro La Reacción y la Revolución de sua autoria, publicado em 1854, é que as
idéias de Proudhon, algumas adequadas por Pi, são relacionadas e publicadas. Pi também
contribuiu para a disseminação da ideologia ao traduzir várias obras de Proudhon até a década de
70 daquele século. Tais traduções e o livro de Pi dão origem, ainda nos anos 60, ao movimento
Federalista, que também é influenciado pelo forte e sempre presente regionalismo espanhol.
Os Federalistas, formados basicamente por pequenos burgueses, aceitavam conquistar o
poder política para destruí-lo de cima, o que os diferenciava grandemente de outra corrente
libertária que na década de 60 começará a ser discutida na Espanha, uma corrente bem mais
extremista de influência bakuniana.
As idéias mais radicais de Bakunin auferirem adeptos entre os operários de Barcelona e de
Madri inicialmente. Na verdade tais idéias vão de encontro com a insatisfação e revoltas dos
trabalhadores de forma geral; como se observa nas greves de 1855 e as revoltas camponesas de
1861, além de várias outras atitudes de inconformidade social7. Tais episódios não tinham traços
de idéias anarquistas, mas já eram explosões minimamente organizadas de descontentamento.
Segundo alguns analistas a Revolução de 1868 marca, com efeito, o início do movimento
anarquista na Espanha8. Bakunin atento às manifestações de insatisfação do povo espanhol, nota
uma possibilidade de fundar uma Federação sob a sua égide, aumentando a sua força dentro da
6 COSTA, Caio T. O Que é Anarquismo. 4o Ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. p. 112. 7 WOODCOCK, George. Op. Cit... p. 371. 8 WOODCOCK, George. Ibid. p. 372.
9
I Internacional na sua disputa com Marx. Com essa finalidade organiza algumas missões
propagandísticas que deveriam difundir as idéias do anarquismo Coletivista.
Dentre os personagens que vão para a Espanha em 1868 destaca-se, graças ao seu
carisma, o Italiano Giuseppe Fanelli, que chegando em Barcelona encaminha-se para Madri
imediatamente, onde consegue o grande trunfo de sua missão. Ao se reunir com um grupo de
jovens tipógrafos Federalistas na capital espanhola deu início ao grupo que lideraria a formação
do movimento anarquista, sob a égide de Bakunin, em solo espanhol. Apesar de não falar
espanhol Fanelli consegue converter dezenas de operários com as idéias radicais desta corrente,
que pregava a posse coletiva, ou coletivização, e a formação de grandes agrupamentos. Este êxito
deve-se em grande parte a fermentação social e ao descontentamento com o Federalismo brando
e gradual de Pi9, ganhando adeptos rapidamente entre operários e jovens intelectuais Federalistas.
Rapidamente surgiram jornais em Barcelona e Madri, La Federación e Solidariedad,
respectivamente, que foram de importância primária para a difusão inicial das idéias. A fundação
da Federação da Internacional, em 1870, no solo espanhol já surge com mais de 15.000 membros
espalhados nas principais cidades em que o movimento surgiu, além de Andaluzia e Valencia.
Tal Federação deixa claro deste o início sua influência bakuniana. O sucesso da internacional que
via aumentar vertiginosamente seus filiados e, por conseguinte, a sua influência trouxe também a
repressão governamental.
Mesmo com a proibição da Internacional em solo espanhol em 1872 os membros não
cessaram seus esforços para espalhar as idéias. Dentre estes esforços destaca-se a presença de
Anselmo Lorenzo em Andaluzia convertendo pequenos agricultores e jornaleiros que seriam
muito importantes para a manutenção das idéias nesta região num futuro próximo10.
Em 1873, quando a Internacional já contava com mais de 50.000 membros, agora a
maioria da área rural do sul da Espanha, a instauração da República contribuiu ainda mais para o
seu fortalecimento. A ascensão do criador do Federalismo Pi y Margall à presidência, com planos
concretos de descentralização e avanços sociais, parece ser um progresso político para a esquerda
espanhola. Entretanto, a ação conservadora no norte e a impaciência dos Federalistas do sul,
fortemente influenciados pelas idéias da Internacional e com a ajuda de alguns de seus membros,
minariam as bases da sustentação do governo e sua imagem junto às camadas esquerdistas. A
ação do exército ao dominar a insurreição no sul é acompanhada do pedido de demissão do
presidente.
9 WOODCOCK, George. Op. Cit. p. 373. 10 WOODCOCK, George. Ibid. p. 376.
10
A Internacional enquanto órgão deixa de participar deste momento, o que invariavelmente
contribui para a derrota Federalista. Isto ocorre porque neste momento a Internacional já havia
aprovado uma menção que condenava todas as atividades políticas, numa clara intensificação da
influência bakuniana11. A participação de alguns filiados provocou alguns episódios violentos;
dentre estes se destaca a tentativa de revolução na cidade de Alcoy12. Tal episódio demonstra
ainda a falta de maturidade do movimento anarquista, sendo que a ação logo se desorganizou e
ficou apenas a função pedagógica desta mini-revolução, além é claro da violenta repressão
policial.
Após os incidentes em Alcoy e a retomada do poder pelos militares e carlistas, elementos
conservadores da política espanhola, a Internacional via o aumento de seu numerário na mesma
proporção que aumentará as perseguições contra seus dirigentes. Em 1874 organiza-se uma
grande operação militar para desbaratar a Federação da Internacional em solo espanhol. O
sucesso aparente desta ação força os anarquistas a tomar o caminho da clandestinidade, onde
iriam aprimorar a militância violenta.
Enquanto o movimento perdia espaço nas cidades, onde a supressão dos sindicatos foi um
golpe praticamente insuperável neste momento, nas zonas rurais o anarquismo camponês começa
a tomar ainda mais força. Ao contrário dos sindicatos que tinham nas reuniões a forma didática
para explorar e difundir as idéias, no campo o esforço era quase missionário. Grupos pequenos ou
indivíduos se espalhavam pelas aldeias disseminando as idéias libertárias. Estas ações, que se
concentraram em pequenos grupos, fortalecia as relações individuais, essência do anarquismo,
sem chamar a atenção das autoridades. È verdade que este movimento tornava-se quase
milenarista, avançando pouco nas propostas de movimentos mais amplos, mas era um
fortalecimento sutil e verdadeiro.
A tentativa de assassinar Afonso XII em 1878, empreendida por um jovem anarquista,
inaugura uma nova fase para o anarquismo espanhol mais violenta e reprimida13. Greves e
ataques no campo eram uma resposta às prisões e perseguições do exército e do governo, que, por
sua vez, aumentava a violência em proporções ainda maiores, mantendo assim a reciprocidade
violenta entre anarquistas e os órgãos oficiais14.
11 WOODCOCK, George. Op. Cit.. p. 376. 12 Em Alcoy o predomínio econômico era das indústrias de papel. Os funcionários de várias indústrias deste ramo começaram uma agitação com finalidades pontuais, mas a ação violenta da polícia despertou a ira dos trabalhadores que venceram a polícia mataram o prefeito além de alguns burgueses que não conseguiram fugir, desfilando, em seguida, com as cabeças dos inimigos nas ruas da cidade. 13 COSTA, Caio T. Op. Cit. p. 113. 14 WOODCOCK, George. Ibid. p. 379.
11
A legalização das organizações operárias em 1881, em parte uma tentativa de agrupar e
manipular os trabalhadores, afinal assim seria mais fácil controlar a massa, marca a ressurreição
da Internacional, sob o nome de Federação dos Trabalhadores da região Espanhola. Ao ressurgir
traz consigo as disputas entre sindicalistas e camponeses; os últimos adeptos de ações mais
violentas, graças ao fanatismo que havia se incorporado ao anarquismo camponês espanhol15.
A propaganda e algumas ações esporádicas de grupos mais radicais servia como
justificativa para ações violentas dos órgãos repressores. Na região sul da Espanha, em especial
em Andaluzia, a Federação se via obrigada a voltar para a clandestinidade para manter sua
existência contra a ação governamental. Já na Catalunha a linha ideológica defendida pelos
dirigentes da Federação , o Coletivismo Bakuniano, que ainda acreditava nas grandes formações
operárias, dirigida por uma elite convicta que deveria encaminhar a massa, começou a ser
questionado pelos adeptos do anarco-comunismo, inspirado das obras de kropotkine,
principalmente, que defendiam a criação de pequenos grupos, que deveriam se encarregar da
divulgação das idéias, pela propaganda e pela ação.
A disseminação das idéias de kropotkine foi tamanha que no final da década de 80 a
divisão entre os grupos já existia. Entretanto, apesar da formação de entidades diferentes para
estes grupos, a divisão sempre foi muito flexível. Não era raro que integrantes de um ou outro
grupo participassem de atividades do outro. Na verdade os grupos se completavam e
proporcionavam aprendizados diferentes, mas importantes, para seus membros: a ação e o debate
sindical, anarco-comunismo e coletivismo, respectivamente.
A última década do século XIX perpetuou e inflacionou a violência. O movimento
anarquista espanhol foi responsável por vários assassinatos e insurreições, sempre reprimidas
com mais violência pela Guarda Espanhola. Em 1893, a violência é tamanha que justifica a
criação da Brigada Social, força policial antianarquista. Rapidamente o regime militar vigente
neste período na Espanha utiliza-se dos atentados promovidos por anarquistas, ou não, para
justificar as perseguições contra todos os inimigos do regime. Muitos presos deste período
morreriam antes mesmo dos julgamentos, vitimados pelas violentas torturas16.
Não somente a força das ações violentas representavam o movimento anarquista espanhol.
A força das idéias exerceu forte influência sobre artistas e intelectuais. No mesmo ano das prisões
e dos atentados mais agudos surgia a La Revista Blanca, o mais importante periódico anarquista
15 WOODCOCK, George. Op. Cit. p. 380. 16 WOODCOCK, George. Ibid. p. 384.
12
que contaria com a participação de inúmeros intelectuais espanhóis e estrangeiros nas suas várias
edições17.
Apesar do aumento do número de ações por parte dos anarquistas, ainda não se
privilegiava a greve geral como instrumento revolucionário. Tal fato ocorre com o fortalecimento
dos sindicatos no início do século XX, graças à influência dos sindicatos coletivistas da França18.
Contudo, apesar desta percepção, as peculiaridades do território espanhol, principalmente em
regiões mais distantes dos grandes centros onde a pobreza e o individualismo das aldeias,
limitariam qualquer tentativa de greve geral mais prolongada e ampla. A Guarda continuou
desbaratando as tentativas isoladas.
A influência francesa também exerceria papel importante quando em 1908 os sindicatos
Libertários da Catalunha se reúnem para formar a Solidaridad Obrera. A greve geral chamada
em 1909 era a primeira grande ação desta organização, que acaba com confrontos violentos entre
operários e policiais. Tal confronto tem como saldo a morte de mais de 200 trabalhadores,
dezenas de Igrejas e Conventos incendiados e centenas de feridos de ambos os lados19. O saldo
político, contudo, foi positivo. A imagem negativa da repressão contribui para enfraquecer o
governo conservador e a ação unificada mostra para os demais sindicatos da Espanha a
possibilidade real de ações conjuntas. Assim, em 1910, se reúnem representantes de sindicatos,
não somente de influência anarquista, de toda a Espanha. Este grupo da um passo decisivo para a
unificação da ação sindical, funda-se na cidade de Sevilha a Confederación Nacional del
Trabajo, a CNT.
Forjada com o esforço de vários sindicatos, mas liderada desde o início pelos anarquistas
e considerada como um instrumento para a Revolução, formou-se entre uma complexa estrutura
federativa por região e não por atividade profissional. Poderíamos dizer que o anarquismo
espanhol se moderniza com a criação da CNT que apesar da complexividade e do grande
numerário que absorveria manteve apenas um funcionário remunerado, o que impedia a formação
de burocracia, tão castradora para o movimento libertário quando os órgãos oficiais.
Tamanha organização chama também a atenção das elites governantes que não se
demoram em torna-la ilegal em 1912; fato que não impede o seu fortalecimento para em 1914, de
volta a legalidade, ser encarada como melhor opção de organização trabalhista para grande parte
dos trabalhadores. Isto ocorre graças aos fracassos da central única socialista, a UGT20, e o
17 WOODCOCK, George. Op. Cit.. p. 384 18 BROUÉ. Pierre. A Revolução Espanhola: 1931-1939. São Paulo: Editora Perspectiva S.A., 1992. p. 25. 19 WOODCOCK, George. Ibid. p. 386. 20 Unión Geral de Trabajo - Central Sindical Socialista ou Social-democrata como era chamada pelos anarquistas.
13
descrédito de seus dirigentes, no âmbito interno; além da fecunda Revolução Russa, como fator
externo, que logo foi associado às inspirações revolucionárias da CNT.
Quando do congresso em Madri, no ano de 1919, a CNT contava com 700.000 filiados21.
Apesar do interesse inicial com a revolução Russa, a decepção foi rápida: motivada pelas
perseguições empreendidas contra anarquistas russos pelo governo comunista. Tal ruptura seria
decisiva e definitiva em solo espanhol, como veremos no próximo capítulo. Enquanto que em
várias regiões da Europa, principalmente na França, inspiração principal da CNT, anarquistas
filiavam-se ao Partido Comunista, a CNT espanhola se retira da III Internacional em 1922,
apenas 2 anos depois de seu ingresso.
A violência política, ora como vingança ora como opção de ação revolucionária,
permanece sendo um marco do anarquismo espanhol. Mesmo a maioria do grupo caracterizando-
se pela defesa de métodos não violentos, as atitudes dos mais radicais acabava por conceder a
todo o grupo uma imagem de violência que permanecia no imaginário popular.
Em 1923, após anos de duros confrontos e de pequenas conquistas, a ascensão de Primo
de Rivera ao poder marca um longo período de clandestinidade do movimento anarquista e um
período de menos confronto, tanto em número como em intensidade. Isto se deve às ações
governamentais, que, apesar de ser uma ditadura, procurou conciliar os conflitos garantindo
vantagens moderadas para a classe trabalhadora, sem retirar os benefícios das elites, o que servia
para a pacificação das massas. Apesar de não aceitar a ascensão de Rivera a CNT não teve forças
para realizar grandes movimentos grevistas, já que a UGT socialista era, pelo menos
inicialmente, simpática as idéias de sociedade ordenada e equilibrada de Rivera22.
Não tardou para que fossem dissolvidos os sindicatos federados e proibidos todos os
materiais propagandísticos da CNT, em 1924. A supressão foi menos violenta e mais eficaz que
as anteriores. A CNT, enquanto entidade de massa, deixa de existir durante a ditadura, apesar das
ações continuas de seus militantes mais radicais.
Esta militância radical na verdade nunca dependeu unicamente da CNT para suas ações,
tanto que em 1926 funda-se na França, já que muitos membros da CNT estavam exilados no além
Pirineus, a Federação Anarquista Ibérica - FAI, que ganha adeptos em solo espanhol
rapidamente. Era a primeira organização representativa puramente anarquista23, cuja função era
preparar a Revolução libertária.
21 WOODCOCK, George. Op. Cit.. p. 388. 22 WOODCOCK, George. Ibid. p. 393. 23 WOODCOCK, George. Ibid. p. 394.
14
A FAI conseguiu reunir ao mesmo tempo a elite do movimento anarquista espanhol, com
larga experiência e forte convicção ideológica, bem como indivíduos com comportamento social
duvidoso. Era, em resumo, a personificação de uma entidade pensada e idealizada por Bakunin:
uma elite militante que deveria encaminhar uma organização de massa, a CNT neste caso; e a
colaboração entre idealistas e os elementos marginais da sociedade, necessários para derrubar o
Estado.
Além do Estado rapidamente os anarquistas da FAI elegem outro inimigo: a Igreja. Esta
opção tem bem mais a ver com as características espanholas, que denota mais um traço
característico do movimento neste território, que com as idéias gerais do movimento. Era a
retaliação violenta por parte daqueles que encontravam nesta instituição a responsável pela
usurpação da bondade e da vontade de liberdade natural do homem. Não seria exagero afirmar
que o anarquismo na Espanha tomou o caráter de um movimento tardio de reforma24. O elemento
moral-religioso presente nas concepções anarquistas ganha contornos únicos na Espanha. Era o
sentimento de homens que haviam sido profundamente religiosos, que sentiam ter sido
abandonados e enganados25. Era a tentativa de emancipar a Espanha de um cristianismo
pervertido.
Um ano após a criação da FAI já foram organizados alguns comitês de ação para lutar
contra a ditadura. Neste período os líderes da FAI já representavam a grande maioria dos
dirigentes da clandestina, mas existente CNT. Tais comitês passariam a ajudar inclusive outros
grupos, como os republicanos, que também queriam o fim da ditadura. Esta ajuda, contudo, não
fora considerado uma traição, mas sim um trampolim para a realização de uma revolução
libertária. Com o fim da ditadura e a instauração da república, que legaliza a CNT, em 1930, que
já havia sucumbido aos ideais mais radicais de seus dirigentes, renasce uma instituição ainda
mais combativa.
A instauração de um regime republicano, com a participação inclusive de alguns
socialistas no governo, mais uma vez não significou a pacificação das ações sindicais e
camponesas. Pelo contrário, os anarquistas entendiam que era este o momento de utilizar o
trampolim e saltar para a revolução o mais rápido possível. Por sua vez, o governo republicano
não consegue contornar e muito menos resolver os incidentes provocados pelo movimento,
voltando a se utilizar da repressão como meio para manter a ordem social.
24 WOODCOCK, George. Op. Cit.. p. 396. 25 BRENAN, Gerald. The Spanish Labyrinth. London, 1943. CIT: WOODCOCK, George. Ibid. p. 396.
15
Ao sufocar com a mesma violência dos regimes anteriores todas as formas de ações dos
trabalhadores, em especial dos anarquistas, a imagem do governo entre esta classe é muito
prejudicada. No mesmo sentido aumenta a admiração e o prestígio da CNT, que apesar de muitos
dos seus membros não concordarem com as ações violentas, mantinha a sua combatividade
graças aos seus dirigentes mais radicais. Para tanto tais dirigentes não pouparam esforços,
expulsando ou calando politicamente os militantes mais moderados ou reformistas26.
Diante disto, este primeiro governo republicano não consegue desenvolver seu plano de
governo. Estas discussões e desacordos em relação à atuação do governo e o boicote patrocinado
pelos anarquistas, acarretam na derrota das eleições 1933 em favor da aliança de grupos de
direita. Este período marca um momento de menor ação da CNT, um momento de aparente
interiorização do movimento. Se por um lado, esta derrota eleitoral representou um retrocesso
para os programas sociais instaurados durante o Governo de Manuel Azanã, de outro, ela força,
devido à repressão empreendida pelo governo conservador iniciado no mesmo ano, os segmentos
da esquerda a uma última tentativa de união.
Esta aliança entre movimentos radicais e moderados da esquerda, contando com o apoio
inclusive dos sindicatos anarquistas, que apesar de não fazerem parte da chapa para o Governo,
neste momento, decidem votar. Tal aliança consegue vencer a “Comunhão Tradicionalista”,
colisão dos setores de direita, nas eleições de 1935. Esta vitória, que reconduz Azanã a chefia do
governo, dá nova vida aos movimentos de esquerda que enfim acreditam que suas reformas serão
aplicadas.
A vitória da Frente Popular, denominação dada a esta aliança de esquerda, significou a
anistia de muitos presos ou exilados políticos, além da reunificação em torno da CNT de alguns
grupos moderados que estavam afastados desde 1933. Tais fatos contribuem para o
fortalecimento do grupo sindical, que contava com aproximadamente 1,5 milhão de membros
neste momento27.
Mesmo com este momento propício para a união em torno de um ideal revolucionário, a
CNT não aceita uma aliança com a UGT e apesar da expectativa em torno da revolução quem
toma a dianteira é o exército, pegando em armas contra seu povo para estabelecer a ordem
conservadora. O início da Guerra Civil em 1936 deflagra um período, que iria até o começo de
1937, de muita influencia e atividade da CNT e da FAI. Não seria exagero afirmar que a derrota
do movimento golpista em muitas regiões da Catalunha, passando por Aragão, Madri até as
26 WOODCOCK, George. Op. Cit.. p. 400. 27 WOODCOCK, George. Ibid. p. 401.
16
Astúrias, foi causada pela ação rápida e eficiente da FAI, que afinal estava se preparando para
este momento desde a sua criação, e dos trabalhadores da CNT28. Muitas fábricas passaram a ser
administradas pelos sindicalistas da CNT e as terras foram coletivizadas nas principais zonas
rurais de Aragão e do Levante. A CNT e a FAI eram, pelo menos na Catalunha, elementos mais
fortes, neste primeiro momento, que o governo republicano.
Entretanto, esta experiência libertária teria vida curta graças às especificadas do
movimento anarquista e deste momento espanhol. A resistência dos anarquistas a disciplina e a
autoridade incapacitava-os para uma guerra prolongada, que é por natureza, segundo
autores como Woodcock, um processo totalitário29. O povo espanhol, que respondera
rapidamente e de forma apaixonada em um primeiro momento ao ataque dos conservadores,
perderia este impulso rapidamente, não conseguindo conservar o clamor inicial. Enfim, podemos
afirmar que o anarquismo não foi pensado para tempos de guerra30.
É verdade que alguns líderes anarquistas vendo as dificuldades em manter o impulso
inicial e prevendo as dificuldades que a revolução enfrentaria decidem aceitar a disciplina e
organização necessária ao momento, como Bonaventura Durutti, morto defendendo Madri no
final de 1936. Já alguns dirigentes decidem aderir ao governo e ao fazê-lo, porém, entram em
contradição com a própria natureza do movimento, já que iriam engrossar as instituições
governativas, que eram seus inimigos primários e naturais.
Tal paradoxo não persistiria por muito tempo, já que na primeira metade de 1937 as
fileiras anarquistas, mesmo com alguns de seus líderes pedindo o contrário, combatem os
comunistas do PSUC nas ruas de Barcelona como uma resposta ao assalto a central telefônica,
sob o controle dos anarquistas, promovida pelos comunistas. A partir deste episódio e do
aumento da influência soviética, a CNT deixaria, enquanto grupo organizador de massa, de
contar na cena espanhola31. O movimento comunista de influência stalinista era muito incipiente
na Espanha, mas com a ajuda da U.R.S.S este movimento passa a ser favorecido pelo governo.
A entrada da União Soviética no conflito marca para muitos anarquistas o fim da
Revolução32; a guerra continua, mas a revolução enquanto tal estava derrota para muitos grupos.
28 WOODCOCK, George. Op. Cit. p. 402. 29 WOODCOCK, George. Ibid. p. 405. 30 EIZENBERGER, Hans Magnus. O curto Verão da Anarquia. São Paulo, Companhia das Letras, 1987. p. 243. 31 WOODCOCK, George. Ibid. p. 406. 32 BROUÉ. Pierre. Op. Cit.. p. 103.
17
Apesar de juntas terem quase 2 milhões33 de afiliados no primeiro ano da Guerra Civil, a CNT e a
FAI recuam lentamente em todos os campos de atividade. A guerra se encaminharia cada vez
mais para as mãos dos peritos militares russos, acostumados a impor a disciplina e organização
em suas fileiras e com cada vez mais influência no governo republicano, até seu desfecho e a
derrota republicana em 1939. Perseguições, assassinatos, prisões e atentados passam a fazer parte
do arsenal de disputa entre os grupos até então unidos em torno da república. Apenas um ano
após a vitória eleitoral de 1936 chegava ao fim a Frente Popular. Disputa que começa incipiente,
escondida nas sombras dos campos de batalha, mas que logo ganha as cidades.
Apesar das experiências de coletivização da terra e da socialização de algumas indústrias
tenham, mesmo que por um pequeno período, sido realizadas com sucesso34, o que ficou desta
experiência do anarquismo espanhol foi à derrota militar e política que o grupo, apesar de ser
maior que seus principais concorrentes, anarquista sofrerá no momento e no território onde mais
se desenvolveu em toda a sua história enquanto movimento revolucionário. Perdera inicialmente
não para os grupos melhor equipados e preparados da direita conservadora espanhola apoiada
pelos regimes nazi-fascistas, mas para seus co-irmãos espanhóis, que enfrentaram as mesmas
dificuldades históricas, mas que conseguiram melhor articulação e sustentabilidade política,
também não muito duradoura, em um momento revolucionário.
33 Devemos lembrar que estes números devem ser interpretados com moderação e relembrar que nem todos os integrantes eram adeptos das idéias libertárias; além disto este momento deve ter incentivado a participação de vários membros da sociedade, independente de sua filiação política, que viram na CNT uma organização capaz de responder aos seus anceios de triunfo perante o golpe conservador. 34 WOODCOCK, George. Op. Cit. p. 411-412.
18
A GUERRA CIVIL, OS ANARQUISTAS E A PLURALIDADE
POLÍTICA DA ESPANHA
Assim como ocorre com qualquer pensamento filosófico e político em uma dada região, o
movimento anarquista espanhol foi sem dúvida influenciado pelas correntes políticas que
vigoraram na Espanha durante a guerra civil e antes deste fenômeno. Desta forma, para uma
melhor compreensão do movimento anarquista espanhol é necessário saber como foram às
relações estabelecidas com as demais correntes políticas contemporâneas e significantes em solo
espanhol. Devemos lembrar que analisar as relações de um grupo político como os anarquistas
com demais linhas políticas é sempre uma tarefa complicada, mesmo quando se trata de outras
linhas ideológicas de esquerda ou ditas revolucionárias, já que estas relações são momentâneas,
quando as particularidades do ambiente assim exigem, e não caracteriza, de forma alguma, uma
política duradoura do movimento pelas suas próprias características de repulsa a acordos que
inibam a iniciativa individual, como vimos no capítulo anterior.
Acho não ser necessário descrever as relações estabelecidas com os grupos que formaram
a Comunhão Tradicionalista35 nas eleições de 1936, já que o sentimento para com estes sempre
foi de repulsa e ódio em última instância. Já no tocante aos grupos que estabeleceram a Frente
Popular para as mesmas eleições as relações são mais duais e, portanto, merecem mais atenção.
Este grupo deveria representar os aliados eminentes quando da eclosão de uma guerra deflagrada
pelos tradicionais e maiores inimigos do pensamento esquerdista, isto é, as oligarquias
tradicionais e reacionárias.
Dentre este grupo de aliados eminentes escolhi para ressaltar as relações estabelecidas os
republicanos, socialistas e comunistas; é evidente que esta titulação é generalizante e não mostra
as fragmentações existentes nestes grupos em relação aos seus objetos e táticas políticas, mas as
características abordadas aqui serão aquelas que vigoraram com mais força intra-movimentos em
dados momentos e serão delimitadas quando oportuno. Também é necessário enfatizar que a
escolha destas três linhas ideológicas devesse a sua representatividade em solo espanhol quando
da deflagração da guerra civil e mesmo antes e durante este momento.
Os Republicanos dominados pelo pensamento liberal do século XX foram aqueles que
estabeleceram menor relação com os movimentos anarquistas dentre os membros da Frente
35 A Comunhão Tradicionalista agrupou os grupos mais conservadores da sociedade espanhola, isto é, a Igreja, os monarquistas e os militares, bem como o novo agente político Europeu da extrema direita, a Falange Espanhola que representava o socialismo nacionalista influenciado pelas correntes fascistas da Europa.
19
Popular e por isso merecem mesmo uma atenção menor. Sem dúvida, apesar de sua aliança com
socialistas moderados, postura que em grande parte da história do movimento socialista em solo
espanhol dominou o pensamento da corrente socialista, os republicanos não eram considerados
dignos de confiança pelas lideranças anarquistas, afinal o anarquismo, enquanto corrente política,
não acreditava que a burguesia deveria fazer a revolução ou que a revolução deveria ser feita pelo
estado, como pensavam os socialistas e mesmo os comunistas em dados momentos da guerra
civil. Pelo contrário, os anarquistas mantiveram as suas repulsas as formas organizativas
centralizadas do estado e com mais veemência resignavam-se perante o poder do capital.
Além disto os liberais não se configurarão como grupo dominante nem mesmo quando da
instauração da república. Estes homens caracterizados por Hugh Thomas como “Um grupo
ansioso de liberais e de classe média, homens honestos e inteligentes, eles e seus adeptos
odiavam a violência. Eram admiradores dos métodos agradáveis e democráticos dos países
Europeus e dos Estados Unidos”36, não foram ajudados pela modernização que ocorrerá no
restante da Europa. A Característica agro-rural de grande parte da Espanha mesmo na década de
30 do século XX, era mais propícia para a formação de grandes oligarquias rurais. Os núcleos
mais importantes para a burguesia liberal foram a capital Madri e as regiões mais desenvolvidas
da Catalunha e das regiões Bascas, onde a indústria era mais desenvolvida. Mas nestas regiões o
movimento anarquista era predominante, principalmente na Catalunha, entre o operariado; assim,
os liberais, muitos donos de fábricas ou pequenos burgueses, eram vistos pela massa operária
como os exploradores que deveriam ser retirados de cena para a efetiva coletivização das
fábricas, objetivo primário do movimento como veremos adiante.
Nos anos de ditadura de Primo Rivera, houve algumas ações conjuntas entre republicanos
e anarquistas mas, como vimos no capítulo anterior, estas ações eram muito mais uma estratégia
adotada pelos anarquistas de derrubada do estado, que uma aliança política. Durante o início da
República espanhola em 1931, o governo formado pela aliança entre socialistas e republicanos
não teve um tratamento diferenciado para o movimento libertário, pelo contrário, os anarquistas
comportavam-se tão hostilmente em relação ao governo como agira em relação aos governos de
direita de antes37. O levante anarquista ocorrido em janeiro de 1933 em Cádiz foi duramente
atacado, inclusive com ataques aéreos, pelo governo republicano e socialista, o que foi muito
negativo para estes partidos nas eleições de 1933.
36 THOMAS, Hugh. A Guerra Civil Espanhola. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, V.1, 1964. p. 16. 37 THOMAS, Hugh. Ibid. p. 19.
20
Portanto, a relação entre liberais e o movimento anarquista foi de hostilidade, não
havendo alianças diretas e efetivas em nenhum momento da história espanhola. As suas relações
com os anarquistas poderiam ser equiparadas a dos grupos conservadores que desferiram o golpe
de 1936. Durante a guerra civil os republicanos parecem ter perdido espaço para os novos aliados
dos socialistas; os comunistas ocupariam seu lugar no governo central e muitos se virão
obrigados ao exílio quando da torrente sindical contra a burguesia e os proprietários industriais.
Sem dúvida o grupo que sempre representou o rival revolucionário dos anarquistas foram
os discípulos de Marx, os socialistas. Em solo espanhol tal rivalidade não foi diferente do resto da
Europa, entretanto na Espanha, o que não ocorreu no resto da Europa, o anarquismo foi um
movimento de massa, capaz de sobrepor-se aos socialistas em número e influência no movimento
operário. Desta feita, é necessário retroceder algumas décadas antes da Guerra Civil para
entender as relações entre estes grupos quando da deflagração deste conflito.
A rivalidade existiu mesmo desde a criação dos movimentos, quando Bakunin e Marx
travaram seus enfrentamentos na I Internacional e na Espanha, mais que em qualquer outro país,
a influência bakuniana superaria a marxista. Não é exagero a afirmação de Eric Hobsbawn: “onde
quer que os movimentos marxistas e anarquistas coexistissem era como rivais, senão como
inimigos”38. Mesmo na última década do século XIX, quando o movimento anarquista espanhol
era muito insignificante perante os grupos socialistas, a rivalidade já existia. Contudo, nestes
primeiros momentos não podemos dizer que houve uma confrontação sistemática, os anarquistas,
sendo poucos em vista da grande propaganda socialista, preferiam retirar-se dos enfrentamentos
públicos39.
É com o fortalecimento dos sindicatos e das organizações trabalhistas no início do século
XX que a rivalidade exacerbar-se entre os grupos, pela disputa de liderança destas
organizações40. O fortalecimento destas organizações foi um esforço dos socialistas, enquanto
que os anarquistas ainda influenciados pela corrente Individualista mantinham-se aparentemente
inertes aos problemas proletários. Com o início da influência do anarquismo coletivista, como
vimos no capítulo anterior, que gerou nos anarquistas espanhóis uma atenção maior em relação às
organizações trabalhistas, passou-se a se discutir mais intensamente o tipo de organização dos
sindicatos.
38 HOBSBAWN, ERIC J.. Revolucionários: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 68. 39 ALONSO, Angeles B. Anarquistas, Republicanos y Socialistas em Astúrias (1890 – 1917); IN: HOFMANN, Bert (ed.). El Anarquismo Español e sus Contradiciones Culturales. Madri: Iberoamericana, 1995. p. 45. 40 ALONSO, Angeles B. Ibid. IN: HOFFMANN, Bert. Ibid. 1995. p. 46.
21
Aparentemente quando do surgimento da CNT em 1910, também descrita no capítulo
anterior, a influência de cada grupo estava definida e os anarquistas continuariam crescendo em
comparação com a UGT. Realmente a partir de então podemos identificar alianças entre estes
grupos apenas em momentos de crise profunda41, como no decorrer da guerra civil, quando os
anos anteriores de governo conservador tinham resultado em perseguições sangrentas contra
membros dos movimentos de esquerda, sendo eles anarquistas ou socialistas, e mesmo assim
eram temporárias e pouco profundas.
Este fortalecimento das centrais sindicais anarquistas devesse em parte também, segundo
Hobsbawn, ao posicionamento da esquerda marxista no início do século XX. Este grupo havia se
mantido, pelo menos até a metade da segunda década do século XX, na maioria dos países, à
margem do movimento revolucionário; sendo que a massa principal de marxistas fora
identificada com uma social-democracia de fato não-revolucionária, enquanto que o grosso da
esquerda revolucionária era anarco-sindicalista ou mais próxima dos anarquistas do que dos
marxistas42. Parece que esta característica da esquerda marxista ressaltada por Hobsbawn
permaneceu constante, se não em breves períodos, durante a história contemporânea dos
movimentos operários espanhóis.
Já o outro grupo presente na cena espanhola de 1936 era até este momento muito
acanhado. Na Espanha, o comunismo comparado ao anarquismo permaneceu insignificante até a
eclosão da guerra civil. Apesar da aproximação ocorrida nos anos 20 entre anarquistas e
comunistas, com o desdobramento que observamos no capítulo anterior, a relação destes grupos
na Espanha foi forjado no campo de batalha espanhol, com as conseqüências que veremos
adiante.
A pouca penetração do comunismo em território espanhol é motivada, segundo o mesmo
Hobsbawn, pela limitação e extremo sectarismo político da III Internacional, entre os anos de
1928 e 1934, que os imputou a capacidade de realizar alianças estratégicas43. Além disto o
Partido Comunista Espanhol foi fundado em 1921, quando os socialistas cortaram formalmente
os contatos com os bolcheviques russos. Formado por ex-socialistas e ex-anarquistas,
descontentes com a organização destas correntes, mantiveram-se isolados por muito tempo44.
41 Uma das oportunidades que houve colaboração foi durante a greve geral de 1917, quando a UGT e a CNT realizaram suas atividades conjuntamente. Mas as perseguições estabelecidas durante e após este ato determinariam a ruptura natural destes grupos. 42 HOBSBAWN, ERIC J.. Op. Cit. 1982. p. 71. 43 HOBSBAWN, ERIC J.. Ibid. 1982. p. 68. 44 THOMAS, Hugh. Op. Cit.. p. 41.
22
Realmente as relações entre os grupos esquerdistas na república variaram muito entre o
isolacionismo e alianças momentâneas. A afirmação de Woodcock de que “os socialistas, os
comunistas, os separatistas Catalães, e o exército, bem como os anarquistas, apoiaram a causa
republicana, embora prosseguindo apenas os seus próprios fins”45, é uma realidade das relações
políticas espanholas. A Aliança forjada em 1931 entre socialistas e republicanos, que os levou ao
governo, foi rompida, pelos socialistas, para as eleições de 1933. Esta ação constitui-se em uma
guinada a esquerda, numa tentativa de ganhar mais terreno junto à classe operária, já que as
repressões do governo contra as greves e os movimentos sindicais tinham fortalecido ainda mais
a CNT em detrimento das centrais sindicais socialistas, aliadas do governo. Sem dúvida o ataque
do governo às greves de 1931 e ao levante em Cádiz em 1933 foi decisivo para a eclosão de
violentos ódios entre a classe operária46.
O rompimento desta aliança e o boicote às eleições47 levado a cabo pelas centrais
sindicais anarquistas, resultaram na derrota dos partidos de esquerda ou de centro nas eleições de
33, onde poucos membros socialistas foram eleitos para o parlamento, desempenho acompanhado
pelos republicanos que começariam a perder a sua influência em território espanhol. A minoria
das cadeiras no parlamento determinou a substituição de Miguel Azana, socialista e primeiro
ministro desde 31, pelo conservador Lerroux.
A ascensão dos conservadores teve como resultado a perseguição ainda maior aos grupos
sindicais e aos partidos que não compunham a base do governo, o que determinou alianças para a
resistência. Em 1934 os comunistas, cada vez mais amedrontados pela ascensão de Hitler, foram
impulsionados a realizarem alianças com os partidos de esquerda contra aqueles partidos que
poderiam ajudar o nazismo. Vários enviados comunistas passaram a freqüentar a Espanha e
favorecidos pela recém guinada dos socialistas à esquerda, a aliança foi construída mais contra o
fascismo do que por programas comuns48.
No mesmo ano de 1934, uma aliança entre a UGT e a CNT nas Astúrias resultou em um
levante, bem organizado e preparado, e na organização da UHP – Unión de Hermanos
Proletários, único grupo fundado da união de socialistas, anarquistas e, em menor número,
comunistas. O êxito inicial de tal levante, obrigando o governo ao envio da Legião Estrangeira,
sob o comando do General Francisco Franco para esmagar os revoltosos, não foi o suficiente para
45 WOODCOCK, George. Op. Cit. p. 397. 46 THOMAS, Hugh. Op. Cit.. p. 63. 47 O Índice de Abstenção nas eleições de 1933 foi de mais de trinta por cento, segundo César Lorenzo, citado por EIZENBERGER, Hans Magnus. O curto Verão da Anarquia. São Paulo, Companhia das Letras, 1987, p. 106. 48 THOMAS, Hugh. Ibid. p. 95.
23
a construção de alianças efetivas. A revolta terminou ferozmente esmagada e assim terminara a
experiência única de aliança entre as vertentes revolucionárias e esquerdistas em solo espanhol.
A Frente Popular formada em 1936 e vitoriosa nas eleições de Fevereiro do mesmo ano
foi ao que tudo indica uma aliança apenas eleitoral, sem a convergência de programas políticos
entre os grupos para o período de governo. Nem mesmo a participação dos anarquistas nas
eleições, após serem liberados pela CNT para comparecerem as urnas, representou uma mudança
de atitude, já que em maio do mesmo ano quando da realização do Congresso da CNT foi
decidido pela intensificação das disputas contra a UGT e o governo49. Além disto à anistia
prometida, e concretizada depois da vitória eleitoral, pelo governo da Frente Popular foi um dos
fatores que levaram os anarquistas as urnas. O povo não deu seu voto aos políticos, mas aos
presos, afirma Banaventura Durruti50.
Desta forma temos estabelecido o prefácio das relações políticas dentro da esquerda
espanhola antes da eclosão da Guerra Civil, quando as relações se tornam mais intensas
inviabilizando a análise individual e fortalecendo a necessidade de entender as disputas e os fatos
no interior deste conflito. Não obstante, a guerra civil, segundo Hugh Thomas, foi:
“a culminância de cento e cinqüenta anos de apaixonadas disputas na Espanha(...). Afinal fora sobre as disputas ardorosas que o país foi construído. Não havia hábitos de organização, acordo ou articulação que fossem respeitados ou mesmo buscados pelos espanhóis. Na medida que existiam tradições comuns a toda a Espanha, estas eram de violentas disputas”51.
Visto que o golpe foi planejado e executado pelos grupos conservadores é inegável que a
resistência inicial, realizada na maioria das regiões por milícias de trabalhadores, visto que dentre
os militares poucos ficaram leais à república, dera-se em conjunto entre as principais forças
revolucionárias. O golpe planejado para durar alguns meses não contava com esta participação
popular decisiva para a manutenção de grande parte dos territórios que se mantiveram
republicanos.
O inicio de guerra demarca um período de aparente comprometimento entre os grupos.
Em várias regiões formou-se, já em julho, mês do golpe, comitês de milícias antifascistas que
contavam com representantes dos principais grupos que permaneceram lutando ao lado da
49 THOMAS, Hugh. Op. Cit.. pg. 136. 50 EIZENBERGER, Hans Magnus. Op. Cit. 1987. p. 106. 51 THOMAS, Hugh. Op. Cit.. p. 139-141.
24
república, ou melhor, contra o golpe. Entretanto, esta cooperação inicial ira se diluir rapidamente
pelas próprias exigências do conflito.
Já em agosto de 1936 o governo de Madri começa a tentativa de organizar as milícias.
Estas organizações paramilitares e populares, em grande parte formada pelos membros
anarquistas da FAI/CNT, foram decisivas para a vitória inicial em várias regiões da Espanha, em
especial da Catalunha. Todavia o desenvolvimento do conflito mostrava a necessidade de uma
organização mais disciplinada e uniforme. Muitos anarquistas, principalmente a base do
movimento, não pensavam desta forma, reiniciando assim as disputas contra o governo central,
dominado neste momento pelos socialistas.
As milícias populares eram para os anarquistas a antítese daquele órgão criado para
defender os privilégios de alguns: o exército. Tal instrumento impedia a liberdade individual dos
homens, tão essencial, segundo o pensamento anarquista, para o estabelecimento de uma
sociedade libertária. Assim, as milícias deveriam representar a liberdade dos homens e sua
vontade e consciência em defender estes ideais. Como afirma Errico Malatesta “é preciso contar
com a livre vontade dos outros, e a única coisa que podemos fazer é provocar a formação e a
manifestação desta vontade”52. Desta forma, forçar a disciplina era impedir a livre vontade dos
homens, afinal nas milícias todos sabem por que lutam53, não sendo necessário a disciplina.
Por outro lado os comunistas começavam a ganhar terreno nas relações políticas desta
nova Espanha dividida. Adeptos da organização militar apoiaram o governo na necessidade de
organizar as milícias ao mesmo tempo em que começavam a receber personagens ligados ao
Cominter de vários países europeus. Apenas um mês após o início do conflito começava a chegar
na Espanha grupos de italianos e alemães, conhecedores, devido às experiências em seus países,
das perseguições que um governo de direita levava a cabo contra os partidos de esquerda;
também franceses e belgas liderados pelos comunistas54.
No plano mundial, tão logo as primeiras notícias sobre a Espanha chegaram a europa, as
atitudes se dividiram. Visto que em sentido geral a guerra civil espanhola era o resultado da ação
das idéias e movimentos europeus na Espanha ao que tudo indicava seria impossível evitar que a
guerra civil se alastrasse para toda a Europa. O Comitê de não intervenção formado ainda em
1936 tinha como objetivo evitar que isto ocorre-se e permaneceu cerceando o quando foi
52 MALATESTA, Errico. Escritos Revolucionários. São Paulo: Novos Tempos, 1989. p. 23. 53 EIZENBERGER, Hans Magnus. Op. Cit. 1987. p. 234. 54 THOMAS, Hugh. Op. Cit.. p. 288.
25
possível, grande parte pela pressão inglesa, toda a ajuda aos grupos envolvidos. Contudo, estas
tentativas foram mais eficientes para conter a ajuda ao governo legal que aos golpistas.
A não-intervenção assumida pelo governo dos países democráticos da Europa fora
fundamental para o fortalecimento do comunismo em território espanhol. Stalin não desejava que
os conservadores de Franco aliados aos fascistas espanhóis, mais tarde aliados aos italianos e
alemães desta inspiração, dominassem mais um país Europeu; porém, desejava evitar que uma
vitória fomentada pelos comunistas desse a Espanha o caráter de primeiro país comunista da
Europa, o que seria assustador para as democracias, de quem Stalin esperava uma aliança contra
o fascismo. Assim, iniciava a ajuda soviética a república espanhola, para evitar a sua derrota, mas
não o suficiente para assegurar a sua vitória55.
Este período, apenas alguns meses após a heróica resistência popular, demarca sem
dúvida o início do fortalecimento do Partido Comunista na Espanha. Aliados aos socialistas
colaboram na escolha do novo primeiro ministro Largo Caballero, um dos diretores da UGT. Em
setembro de 1936 alguns anarquistas entram para o Governo Catalão e mais tarde naquele mesmo
ano, em novembro, entram para o governo de Madri, fato muito controverso para as bases do
movimento que tinha a luta política como a luta contra o governo56. Talvez o impacto não foi
maior porque os anarquistas tinham preocupações maiores neste período. As Brigadas
Internacionais compostas quase que exclusivamente de comunistas, que necessitavam de mais
contingente em vista de seu numerário diminuto na Espanha, começam a chegar no país. Desde
logo os anarquistas mostraram-se desconfiados, tentando inclusive impedir a sua entrada57, mas
desistiram, sem, no entanto, deixar de desconfiar de tais indivíduos. Os anarquistas não tinham o
menor interesse em atrair combatentes estrangeiros para o país: não havia necessidade de
contingente, pois os sindicatos anarquistas já recrutavam número suficiente58.
Junto com as Brigadas Internacionais chegavam em meados de outubro os primeiros
carregamentos de materiais bélicos soviéticos. No mesmo mês os anarquistas assinam uma
declaração de propósitos comuns com a UGT em Barcelona, cedendo alguns pontos em uma
região em que detinha ampla maioria sobre os movimentos operários. Foi uma vitória da UGT
sobre a poderosa central anarquista59.
55 THOMAS, Hugh. Op. Cit.. p. 317. 56 MALATESTA, Errico. Op. Cit. 1989. p. 32. 57 THOMAS, Hugh. Ibid. p. 364. 58 EIZENBERGER, Hans Magnus. Op. Cit. 1987. p. 233. 59 THOMAS, Hugh. Ibid. p. 370.
26
Enquanto as disputas e a nova configuração política da Espanha republicana ia se
formando, os golpista já auto-intitulados de nacionalistas, continuavam o plano de rápida vitória.
Para isto, Madri deveria ser conquistada ainda naquele ano. É então organizada a primeira grande
incursão nacionalista após o levante. Diante do cerco e da derrota aparente o Governo de Madri
decide transferir-se para Valencia e assim o fazem apesar das dificuldades impostas por alguns
membros anarquistas60.
A mudança de capital administrativa para Valencia trouxe mais conflitos entre os socialistas,
anarquistas e comunistas. Aquela cidade era comandada pela CNT e pelos membros mais
revolucionários da UGT numa aliança revolucionária, e a instauração do governo central,
liderado pelos socialistas mais reformistas, republicanos, em número decrescente, e os
comunistas que apoiavam um governo mais conservador que revolucionário, realizando alianças
inclusive com os republicanos liberais61, trouxe conflitos entre os grupos da Frante Popular. A
derrota das centrais sindicais nesta cidade aprofundava a crise entre os grupos62.
A saída do governo de Madri abre espaço para os comunistas que assumem a
administração e o comando propagandístico da defesa de Madri. As batalhas continuam nas
redondezas e nos subúrbios da cidade. Milícias anarquistas lutam ao lado do exército republicano
recém formado que contando com a ajuda das Brigadas Internacionais. A morte de um dos líderes
anarquistas, Bonaventura Durruti, durante estas batalhas marcou para muitos o fim da era clássica
do anarquismo Espanhol63.
A ida de Durruti e de sua coluna para Madri era uma tentativa do cômite central da CNT
em equilibrar a força do Quinto Regimento na capital, formado por comunistas e socialistas, mas
sob o comando dos primeiros, além da chegada das Brigadas Intenrnacionais. Mariano R
Vásquez, secretário da CNT neste momento, foi enfático na necessidade de Durriti se encaminhar
para a frente madrilenha: “Lá o Quinto Regimento está comandando todas as ações, e a chegada
das Brigadas Internacionais é eminente. O que teremos para contrapor? Você terá que colocar seu
prestígio e a força combativa de sua Coluna na balança, senão ficaremos politicamente para
trás”64. Podemos perceber que as lideranças anarquistas reconheciam a situação eminente, mas
suas tentativas de frear o avanço comunista não surtiram efeito.
60 Os anarquistas tentaram obrigar alguns ministros a voltar sob a mira de fuzis em uma estrada antes da entrada em Valencia. Os ministros conseguiram passar depois de arriscada manobra automobilística descrita por Hugh Thomas no livro já mencionado, página 10 do segundo volume. 61 THOMAS, Hugh. Op. Cit.. V.2. p. 62. 62 THOMAS, Hugh. Ibid.. V.2. p. 57-58. 63 THOMAS, Hugh. Op. Cit.. V.2. p. 19. 64 EIZENBERGER, Hans Magnus. Op. Cit. 1987. p. 262.
27
A partir deste episodio em Madri os anarquistas começam a perder terreno para os
comunistas, mesmo em Barcelona. Em 1937, novos carregamentos bélicos soviéticos chegam até
a Espanha, o que serve para aumentar o prestígio comunista, independente dos altos preços
cobrados e do quase esgotamento das reservas auríferas do país. Esta influência crescente da
ajuda soviética e os louros da resistência em Madri, organizada pelos comunistas, levam o
governo socialista a escolher o primeiro ministro comunista. Comerera se torna ministro do
abastecimento em meio à crise de alimento que irá acompanhar a república durante quase todo o
conflito65. Logo o ministro será responsabilizado pela falta de alimento e pelos altos preços,
estabelecendo profunda crise entre os grupos. Os Anarquistas rapidamente movimentaram seu
arsenal propagandístico contra o ministro.
Em Madri, já nos últimos meses de 1937, ao tempo que o cerco amenizava-se,
temporariamente, depois da heróica resistência de vários grupos, mas liderada pelos comunistas,
os anarquistas passariam a desconfiar ainda mais dos líderes comunistas das Brigadas
Internacionais, em grande parte pelo apoio a disciplina militar exaltada pelo governo e apoiada
por estes líderes. Neste período os comunistas já ocupavam os cargos chaves tanto em Madri
como em Barcelona, desde março de 1937 os comunistas tinham fortalecido seu domínio sobre a
administração e o exército constituindo-se em Madri e na Catalunha praticamente como o
verdadeiro poder Executivo do Estado; ou ainda mantinham relações próximas com líderes de
outros partidos, além do número de voluntários e as remessas de material russo, o que contribuía
para o novo estabelecimento de forças políticas na Espanha em favor dos bolcheviques.
Pela pressão comunista no governo, o crédito para as fábricas coletivizadas pelos
anarquistas no começo do conflito foi dificultado; alguns periódicos anarquistas de Madri são
fechados pelo governo sob a acusação de serem contra-revolucionários já que criticavam o
governo66. Já a partir de Abril de 1937 as facções passariam a se ver como inimigas declaradas
ocorrendo assassinatos de ambos os lados. Os grupos passaram, como mencionado no capítulo
anterior, a organizar-se contra mais este inimigo fortalecendo seus respectivos quartéis generais.
O incidente na central telefônica de Barcelona, também já descrita anterioriormente, deu
início a intensificação dos conflitos. Os grupos construíram barricadas e as armas escondidas para
o fim da guerra, a CNT de Madri guardava 5000 rifles em sua sede para fazer a revolução67,
foram requisitadas antes do tempo. Em Maio de 1937 Barcelona era uma praça de guerra dividida
65 Grandes partes das regiões produtoras caíram em mãos nacionalistas no início do conflito, ou foram conquistadas mais tarde agravando a falta de alimento das regiões mais industrializadas da República. 66 THOMAS, Hugh. Ibid.. V.2. p. 57. 67 THOMAS, Hugh. Op. Cit.. V.1. p. 320.
28
entre anarquistas, mesmo sem o apoio de muitos de seus líderes, e o governo de Barcelona que a
este momento era influenciado e guiado pelas lideranças comunistas. Os socialistas mantinham-
se quando não apoiavam o governo, afastados de tais disputas.
O extremismo de alguns anarquistas, apoiados pelos membros semi-trotskistas68 do
POUM, também perseguidos em busca de aliados, foi mais forte que o apelo dos líderes García
Oliver e Federico Montseny, ministros do governo central, que pediam a deposição das armas
pelos seus correligionários. Mais de quinhentos membros da CNT foram mortos e a FAI é
colocada na ilegalidade. A declaração de Oliver marca a impotência do movimento anarquista a
partir de então na revolução e na guerra: “Nós não podíamos fazer mais nada senão esperar pelo
desenrolar dos acontecimentos e adaptarmo-nos a eles da melhor maneira possível”69.
Maio de 1937 marca também a desvinculação dos anarquistas do governo; com a saída de
seus ministros, por escolha, mas sem dúvida como resultado da crescente influência comunista70,
os anarquistas dão mais um passo para o esquecimento. Em fins deste mesmo mês fatídico para
os movimentos anarquistas, como resultado da crise de Barcelona e pela pressão dos comunistas
contra o Primeiro-Ministro Largo Caballera, líder da UGT que permanecia aliada a CNT e assim
se manteve até o declínio desta última, tenta formar um gabinete composto exclusivamente destes
órgãos sindicais excluindo os comunistas. Tão logo os membros do PC espanhol souberam da
situação, estes que já haviam escolhido o seu novo Primeiro-Ministro Juan Negrín, protestaram
que a República precisava da ajuda soviética e assim não poderia excluir os comunistas do
governo71.
Mesmo não sendo um comunista, Negrín foi levado ao cargo de Primeiro-Ministro por
estes que acreditavam na sua capacidade administrativa e porque acreditavam que ele poderia ser
influenciado mais facilmente que Caballero. Realmente foi o que aconteceu, mesmo sendo um
socialista moderado, Negrín se via obrigado a aceitar as premissas soviéticas e comunistas,
mesmo quando não eram de seu grado, no intento último de vencer a guerra.
Sentindo-se fortes o suficiente para eliminar os opositores, como já o fizera na União
Soviética, os líderes dos comunistas na Espanha, muitos vindos da mãe-pátria soviética,
começaram tais tarefas durante o ano de 1937, tendo como alvo principal os semi-trotskistas do
POUM. Em 17 de dezembro de 1936 o Pravda de Moscou publica editorial afirmando que na
68 A nomeação de semi-trotskista é utilizada por Hugh Thomas durante toda a sua análise da Guerra Civil; como não houve um aprofundamento das influências deste grupo no presente trabalho utilizarei a denominação de H. Thomas. 69 EIZENBERGER, Hans Magnus. Op. Cit. 1987. p. 253. 70 THOMAS, Hugh. Op. Cit. V.2. p. 145. 71 THOMAS, Hugh. Ibid.. V.2. p. 140.
29
Catalunha a limpeza de anarco-sindicalistas e trotskistas já havia começado e seria executada
com a mesma energia que na União Soviética72.Toda a velha estrutura de criação de provas e de
acusações inverídicas dos soviéticos foi movimentado o que acabou por levar muitos líderes do
POUM a prisão ou a morte, sob o pretexto de tentativa de fuga. O governo de Negrín se via
impossibilitado de agir contrariamente a estes fatos, já que a situação no front estava cada vez
mais complicada aumentando a importância do material russo.
Rapidamente os anarquistas se tornariam o novo alvo, um tanto mais complexo pelo
número maior de adeptos e a influência, mesmo em declínio, que ainda detinham73. A tática foi
diferente. Os comunistas mantinham sua campanha contra a coletivização das terras, enquanto os
libertários continuavam favoráveis a sua aplicação geral. Como nenhum dos lados tinha força
para se sobrepor neste momento o impasse permaneceu. O debate sobre as vantagens relativas do
sistema de milícias ou o sistema de exército continuava, mesmo existindo um decreto de
dezembro de 1936 que extinguia as milícias, o que sem dúvida não ocorria quase um ano após o
decreto, a ser o ponto nevrálgico entre anarquistas e comunistas74.
A coletivização das terras e das indústrias era fato primário para o movimento anarquista.
Para Malatesta esta seria primária para o estabelecimento da nova sociedade, como explica na
seguinte afirmação:
“Abolição da propriedade privada da terra, das matérias-primas e dos instrumentos de trabalho, para que ninguém disponha de meio de viver pela exploração do trabalho alheio, e que todos, assegurados dos meios de produzir e de viver, sejam de fato independentes e possam associar-se livremente, uns aos outros, no interesse comum e conforme as simpatias pessoais.”75.
Concomitante as derrotas republicanas no norte, perdendo as Astúrias e a riqueza mineral
desta região, em agosto de 1937, os comunistas haviam dado início a complicadas negociações
para sua unificação com os socialistas. As cortes se reuniram novamente em outubro daquele ano,
em um período de aparente calmaria após as campanhas das Astúrias e de Aragão, ambas tendo
como resultado a derrota, em menor ou maior escala, da república. Os comunistas, bem mais
fortalecidos que em 1936, pediram a realização de novas eleições, pedido prontamente negado
por Negrín. Os comunistas aceitaram a negativa em grande parte porque as cadeiras nas cortês
72 EIZENBERGER, Hans Magnus. Op. Cit. 1987. p. 252. 73 ALMEIDA, Ângela Mendes de. Revolução e Guerra Civil na Espanha. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1987. p. 80. 74 THOMAS, Hugh. Op. Cit. V.2. p. 60. 75 MALATESTA, Errico. Op. Cit. 1989. p. 20.
30
neste momento eram apenas figurativas, sendo a influência que exerciam sobre os principais
líderes da republica bem mais efetiva.
O ano de 1938 começa com o inicio da ofensiva republicana sobre Terual e a conciliação
entre moderados e radicais da UGT. Este última fato representou uma vitória para os reformistas
apoiados pelos comunistas, já que a aliança se consolidava com bases moderadas76. Já a batalha
de Terual, que duraria dois meses, poderia sintetizar o esforço militar republicano: o início
promissor, com ganhos reais de territórios, mas que termina com derrotas maiores que a
pretensão republicana prévia no caso de vitória.
Esta derrota e os bombardeios cada vez mais freqüentes sobre as grandes cidades levaram
alguns ministros a pensar sobre uma possível negociação para alcançar a paz com Franco. Esta
idéia causou muitos protestos, principalmente entre comunistas e anarquistas, que juntos, mas
com objetivos diferentes, protestaram em março de 38 contra o ministro da defesa Prieto. Os
comunistas protestavam muito mais por ser Prieto um dos poucos anti-comunistas no governo já
os anarquistas protestavam porque não cabia outra coisa a fazer neste momento com o
movimento muito desarticulado e enfraquecido.
Prieto fora demitido em Abril ao mesmo tempo em que a Espanha republicana era
dividida em duas, após a perda de Vinaroz, e tudo parecia acabado. A CNT perdera tanto a sua
força que cederia finalmente as pressões do governo entregando as indústrias sobre o seu controle
para um planejamento econômico central e a coletivização da agricultura estaria liberada, desde
que fosse voluntária, o que também representava mais uma derrota que uma concessão aos
anarquistas, já que poucos camponeses aderiram a esta prática desde então já que se o fizessem
não contariam com o apoio do governo. As coletivizações deram espaço ao controle estatal
também nas indústrias controladas pela UGT, realizando-se o desejo dos bolcheviques espanhóis.
Não se discutindo o benefício de tal atitude para a produção econômica republicana, sem
dúvida representou uma derrota muito grande para os movimentos revolucionários, mas
principalmente para os anarquistas.
Mas naquele mesmo mês a reabertura da fronteira com a França, fechada desde meados de
1937 e que seria novamente fechada dois meses depois graças à pressão de não-intervenção da
Inglaterra, possibilitaria novos carregamentos de materiais russos e nova esperança para a
república. Diante desta nova esperança a república organiza o que seria a última grande batalha
da guerra civil. A Batalha do Elbro mostra qual era a situação de forças da república, além de ser
76 THOMAS, Hugh. Op. Cit. V.2. p. 229.
31
um avanço preterido pelos comunistas, dentre os 100 mil homens de deflagraram o ataque, a
grande maioria era comunista ou estava incorporado a batalhões liderados por estes77.
Nesta batalha, já em agosto de 38, a república perdera quase que completamente seu
comando aéreo e perdera 200 Km2 em seis semanas. Com a complicação da Batalha do Elbro, o
fechamento da fronteira com a França e as dificuldades em receber material por mar, em vista do
crescente número de torpedeamentos levados a cabo por submarinos italianos a serviço de
Franco, Negrín tinha como única esperança a deflagração de uma guerra geral, o que poderia
significar a ajuda da Inglaterra e da França. A resistência era defendida pelos comunistas no
governo.
Porém, em outubro de 1938, Stalin preocupado em ser envolvido na guerra européia que
se anunciava pretendia fazer acordos com a Inglaterra e França ou com a Alemanha caso as
democracias continuassem reticentes, pede então a retirada dos voluntários na República. A partir
deste momento os apelos da propaganda em favor da república começaram a diminuir da mesma
forma que o envio de material.
A desmobilização das Brigadas Internacionais e sua despedida da Espanha em 15 de
novembro de 1938, sobre solenidades e lágrimas na triste Barcelona de agora, tão diferente dos
anos anteriores quando da chegada dos primeiros voluntários, marca o pior momento da
República durante o conflito. Os alimentos faltavam em praticamente todas as regiões, a moeda
estava muito desvalorizada e os produtos importados não mais chegavam, em grande parte pelo
bloqueio nacionalista, mas também pelo descrédito da república. A decadência política dos
anarquistas e a perda de autoconfiança da CNT ante os comunistas também eram motivos da
desesperança e da situação crítica da república78.
A perda de força da CNT foi refletida na batalha da Catalunha, seu centro principal desde
os primórdios do anarquismo espanhol; na verdade não podemos nos referenciar a tal episódio
como uma batalha, já que a conquista nacionalista iniciada em fins de 1938 e concluída no
começo de 1939 foi muito rápida e apenas após duas semanas de batalhas as frentes republicanas
e boa parte da retaguarda tornavam-se numa só massa desordenada de fugitivos. Soldados,
republicanos, socialistas e anarquistas pensavam apenas em uma maneira de escapar para a
França79. A perda do espírito de resistência presente nos primeiros meses de confronto e que
77 THOMAS, Hugh. Ibid. V.2. p. 269. 78 THOMAS, Hugh. Op. Cit. V.2. p. 296. 79 THOMAS, Hugh. Op. Cit. V.2. p. 301.
32
tornariam as milícias anarquistas exemplos de empenho e coragem já não existia neste momento.
A política de resistência era na verdade, nesta altura, tão somente uma bandeira comunista.
A falta de qualquer acordo para a rendição fez com que Negrín sucumbisse à idéia
comunista de resistência. O movimento anarquista a esta altura estava desintegrado e cada
pequeno grupo agia sob suas bandeiras, convicções e fins80. Ainda assim alguns anarquistas de
Madri encontraram na idéia de alguns oficiais não comunistas da república uma chance de
golpear os comunistas, e assim o fizeram ao apoiar o plano de revolta contra o governo. Negrín
reorganizaria o exército para impedir a movimentação dos insatisfeitos com a resistência, contudo
tal manobra trouxera apenas alívio breve, já que o general Casado, principal articulador da
capitulação a Franco não desistia e continuava encontrando adeptos para sua causa.
De forma alguma Casado pode ser considerado um simpatizante das idéias de Franco,
apenas a esta altura os oficiais do exército republicano estavam cansados da guerra e das
péssimas condições de suas tropas; mas também estavam cansados do poder comunista sobre o
exército e a república. Os comunistas espanhóis aderiam ao jogo duplo de Stalin, publicamente
mantinham o apoio a idéia de resistência, mas nas reuniões do partido desejavam criar brechas
entre os republicanos, de forma a acelerar o fim da guerra e livrar Stalin de uma complicação
desagradável.81
A revolta de Casado em março de 1939 encontrou apoio entre todos os grupos que
formavam a Frente Popular em 36, menos os comunistas. Assim, a revolta, sendo contra a
política de resistência, foi uma ação dos últimos membros republicanos, socialistas e anarquistas
contra os únicos que haviam se fortalecido com a guerra: os comunistas. Fora à última e
derradeira união da Frente Popular contra as influências do exterior82, discurso exclamado por
Franco quando do levante em 1936. Fora também à única vitória destes grupos contra os
comunistas, que se refugiariam na França naquele mesmo mês. Assim acabava o poder dos
comunistas espanhóis tão grande durante o conflito83, mas que neste momento não contavam com
o principal alicerce de sua força: a ajuda de Stalin, mais preocupado com a situação européia que
com a já considerada perdida aventura espanhola, que afinal tinha sido bem lucrativa em termos
financeiros.
80 THOMAS, Hugh. Op. Cit. V.2. p. 317. 81 THOMAS, Hugh. Ibid. V.2. p. 322. 82 THOMAS, Hugh. Ibid. V.2. p. 325. 83 Em Madri ainda houve resistência dos comandantes comunistas, mas estes acabaram aceitando uma mediação, onde os líderes foram substituídos e os batalhões comunistas voltaram as suas posições sem os seus líderes.
33
Os vencedores deste segundo golpe contra o governo legalmente constituído, contudo,
não tinham objetivos e nem poderiam saborear a sua vitória. Sua única saída e pretensão eram a
capitulação a Franco em termos mais favoráveis, enquanto este reorganizava suas forças para o
desfecho final. Entretanto, Casado não conseguiu termos melhores do que Negrín e viu as últimas
tropas republicanas se desfazendo no final de março. Os nacionalistas entraram nos últimos
territórios republicanos quase sem disparar as suas armas e sendo ovacionados pelos secretos
apoiadores e oportunistas que não conseguiram fugir.
O fim da Guerra Civil encerra uma época na história das relações políticas entre os grupos
de esquerda na Espanha. Quase todos os atores do turbulento meio século estavam mortos ou no
exílio. Muitas instituições e ideais varridos. Os liberais da república postos a margem antes
mesmo do começo da guerra. Os grandes partidos da classe trabalhadora da Espanha se achavam
esmagados com todos os seus sonhos. Somente restava a fuga e o fim de um sonho espanhol.
34
OS CARTAZES: A GUERRA E AS RELAÇÕES POLÍTICAS
Neste ambiente de guerra e de profundas disputas políticas intra-república, os elementos
propagandísticos terão um papel importante. Todos os grupos envolvidos no conflito, tanto do
lado republicano como nacionalista, em menor ou maior escala, se utilizaram de diversos
subterfúgios para angariar apoio ou para manter e elevar a moral de seus defensores. Assim, o
rádio, a imprensa escrita e as imagens serão utilizados pelos líderes de cada grupo ou partido para
ressaltar suas idéias e objetivos, tentando, em última instância, garantir o apoio e a sobrevivência
de seu grupo neste ambiente beligerante.
Graças ao imediatismo que a imagem trás e na tentativa de superar os problemas da
interpretação dos textos escritos, visto que nem todos os mobilizados eram alfabetizados, os
cartazes parecem ter recebido atenção especial dos responsáveis pelos conteúdos
propagandísticos dos grupos. A produção deste material de propaganda, em especial, aborda
grande quantidade de elementos e temáticas. O grupo anarquista não será diferente dos demais
neste quesito. A sua produção de cartazes durante a guerra civil e os elementos presentes nestes
poderão nós dar uma idéia do momento vivido e das dificuldades e possíveis adaptações do
pensamento libertário nas distintas fases das disputas bélicas e políticas do referido período.
Os cartazes anarquistas serão aqui analisados mais como elemento de propaganda, que
tem como objetivo atingir o público de forma imediatista e mobilizadora. Como afirma João
Camillo Torres, em sua obra Propaganda Política: “o cartaz mantém os ânimos acesos”, e
continua mais adiante na mesma página, “Quanto ao cartaz, serve para animar e incentivar em
determinados momentos(...). Desperta também o interesse no seio da opinião pública”84.
A utilização de imagens como objetos de pesquisa vem ganhando espaço na historiografia
contemporânea. Novas metodologias vêm sendo desenvolvidas para a análise historiográfica de
fontes iconográficas, ultrapassando apenas a compreensão da História da Arte. Um dos trabalhos
recentes da historiografia brasileira que alia a análise de imagens e a propaganda política é o livro
de Maria Helena Capelato, Multidões em Cena. Tal trabalho insere-se, como frisa a própria
autora, em uma História política renovada, onde a análise dos imaginários e da cultura política
ganha destaque85. Seria um campo em que o estudo de idéias, imagens, símbolos, mitos, utopias
permite a conexão entre política e cultura.
84 TORRES, João Camillo de Oliveira. A Propaganda Política: Natureza e Limites. Rio de Janeiro:Revista Brasileira de Estudos Políticos, 1959. p. 39. 85 CAPELATO, Maria Helena R. Multidões em Cena: Propaganda Política no Varguismo e no Peronismo. Campinas: Papirus, 1998. p. 35.
35
Apesar de Maria H. Capelato ter como enfoque, no citado trabalho, a propaganda política
desenvolvida pelo Varguismo e Peronismo, a utilização de seus conceitos de propaganda política
e de análise de imagens e símbolos poderá ser transportado para as pretensões do presente
trabalho monográfico sobre os cartazes anarquistas no período revolucionário que foi a guerra
civil espanhola. Desta forma, a história política vem ganhando novas ferramentas para abordar
suas questões. Como já afirmava Marc Bloch: “seria uma grande ilusão imaginar que a cada
problema histórico corresponde um tipo único de documento, especializado para seu uso(...)”86.
Desta forma, mesmo não deixando os grandes manifestos de lado, a iconografia política pode e
deve ser utilizada para elucidar questões da história política.
Assim, podemos entender tais cartazes como uma propaganda política. Está propaganda,
como frisa Capelato, joga com os sentidos e com a imaginação utilizando diversos símbolos.
Atua sobre os instintos, suscitando reflexos. Além disto, a propaganda política vale-se de idéias e
conceitos, mas os transforma em imagens e símbolos. Os marcos da cultura são também
incorporados ao imaginário que é transmitido pelos meios de comunicação. 87
Ao compreendermos que a guerra civil foi um momento político revolucionário para os
grupos que dela tomaram parte, ou pelo menos para a maioria deles, é importante entender, como
Peter Burke em seu recente trabalho Testemunha Ocular: História e Imagens, que as imagens
foram utilizadas em vários momentos revolucionários para politizar, informar ou persuadir
pessoas comuns em sociedades pouco letradas88, como é a Espanha na década de 30 do último
século.
No mesmo trabalho, frisa P. Burke, que embora fontes escritas também ofereçam indícios
valiosos, as imagens constituem-se no melhor guia para o poder de representações visuais na vida
religiosa e política de culturas passadas89, o que impõe a necessidade de suas análises para a
percepção destas culturas no presente.
É necessário também enfatizar que a propaganda política sendo um instrumento pensado e
produzido pelas lideranças dos movimentos políticos muitas vezes não reflete os interesses da
base do movimento. A propaganda torna-se então uma maneira de convencer os próprios
membros do partido ou movimento em relação a uma idéia ou ação normalmente não aceita pela
maioria, que por sua vez encontra-se destituída de meios de exercer a sua influência e vontade
86 BLOCH, Marc. Apologie pour l´histoire ou métier dhistorien. IN: LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. IN: Enciclopédia Einaudi: Memória e História – Imprensa Nacional. p. 98. 87 CAPELATO, Maria Helena R. Ibid. 1998. p. 36-37. 88 BURKE, Peter. Testemunha Ocular: História e Imagens. Bauru: EDUSC, 2004. p. 182. 89 BURKE, Peter. Ibid. 2004. p. 17.
36
dentro do movimento.
Antes de realizar as análises mais detalhadas dos cartazes selecionados e escolhidas pelos
seus temas e relação com o presente trabalho e necessário mencionar brevemente o que se
observou durante e após a pesquisa destes materiais variados em temas e abordagens. Dentre
aqueles cartazes que não foram selecionado para a análise mais detalhada e que possuíam
referências confiáveis ou que identificavam claramente um dado período ou fenômeno, visto que
algumas destas fontes não identificavam claramente o período de produção e circulação, vale
ressaltar que a grande parte da produção de cartazes compreende o período de 1936 e 1937,
respectivamente, o inicio da guerra civil e o ano em que o movimento anarquista começa a
declinar definitivamente em solo espanhol.
Esta identificação ajuda-nos a observar que realmente os anarquistas perderam muito de
sua influência após o primeiro ano de conflito, como aponta os capítulos anteriores. A diminuição
dos elementos propagandístico e do apelo e incentivo que estes representam, como afirma J.
Camilo, mostra a medida em que o movimento anarquista perdia força e espaço político. O
decréscimo da produção, que é um reflexo enfim do próprio movimento e do entusiasmo
anarquista, é observada e aprofundado no ano de 1938, onde poucos cartazes foram encontrados
durante a pesquisa.
As grandes derrotas políticas e militares de 1938, como observado no capítulo anterior,
foram decisivas para a diminuição da propaganda anarquista neste período. Vale lembrar que
desde maio de 1937, quando vários fenômenos, referenciados também no capítulo anterior, vão
enfraquecer o movimento anarquista e a base política de seus líderes, o movimento perderá muito
de sua força e as perseguições comunistas muitas vezes obrigava a direção do movimento a ações
mais restritas. Isto levava a mudanças no próprio enfoque dos elementos propagandísticos como
veremos adiante.
Enfim, a perda da Catalunha no começo de 1939 parece ter sido decisiva e definitiva.
Nenhum cartaz foi encontrado do ano de 1939, nem cartazes com referências a fenômenos
ocorridos neste período e muitos menos cartazes com datas de publicação deste período. No que
tange a propaganda política, os anarquistas, enquanto movimento de massas, não existiam mais
no ano de 1939.
Contudo, esta análise geral, apesar de interessante e de valor para a conclusão deste
trabalho, ainda não é suficiente para compreendermos como o pensamento anarquista se re-
adaptou a este novo cenário espanhol. Assim, é evidente que estes fatores que influenciaram a
produção como um todo terão reflexo na produção individualizada, isto é, nos elementos
37
inseridos em cada cartaz. Os cartazes selecionados do período que compreende o início do
conflito até o final de 1936 terão elementos próprios do movimento anarquista e deste momento
de entusiasmo e necessidade de luta.
O primeiro destes cartazes é do início do conflito, aqui denominado Cartaz 01, e mostra as
milícias lutando com seus tradicionais macacões azul e o emblema ¡No pasarán! como título e
¡Gloria a las milicias del Pueblo! como sub-título. Vale ressaltar neste cartaz, além da tentativa de
animar os milicianos e a própria retaguarda, incentivando-os para a luta, a representação destas
organizações típicas do movimento operário espanhol no início do conflito: as milícias.
CARTAZ 01 Anónimo español (s. XX).¡No pasarán!: ¡Gloria a las milicias del Pueblo! : Julio,
1936,1936]. 1 cartel:il. col. y n.;44 x 33 cm.
Estas organizações tão discutidas durante o conflito, e principalmente após a ascensão
comunista e as tentativas de formar um exército disciplinado para a república, terão papel
decisivo no início do conflito como o principal opositor das tropas de Franco. Não se observam
elementos do exército tradicional, pelo contrário, o macacão azul, que se tornara uma espécie de
uniforme90, esta presente em toda a cena. O clássico boné militar de duas pontas já aparece neste
cartaz, mas as cores são elementos de diferenciação entre os grupos; rubro-negro para os
anarquistas, vermelho para comunistas e socialistas91 e azuis para os separatistas catalães,
reunidos sob o partido Esquerra Catalã92.
Observa-se então que pelas cores dos bonés militares presentes em primeiro plano
podemos observar a ação conjunta de anarquistas (o homem em posição de tiro aguaixado),
separatistas catalães (a mulher em primeiro plano) e de socialistas (o homem com uma pistola).
Desta forma o movimento anarquista simboliza e enfatiza a união presente nas milícias e a luta
conjunta empreendida por estas. Contudo, o desenvolvimento da guerra mostra que enquanto as
milícias anarquistas existiram elas tiveram ações individuais, tanto assim que na batalha pela
defesa de Madri a Coluna Durriti que contava apenas com os anarquistas, composta por
90 EIZENBERGER, Hans Magnus. Op. Cit. 1987. p. 232. 91 Apesar do boné vermelho também representar os Comunistas, neste cartaz muito provavelmente os anarquistas representam os socialistas, já que existia uma união entre os sindicatos operários desde outubro de 1936. Apesar dos primeiros voluntários comunistas chegarem também neste período estes preferiram a incorporação ao exército republicano ou as Brigadas Internacionais. 92 EIZENBERGER, Hans Magnus. Ibid. 1987. p. 232.
38
aproximadamente 3000 homens nesta operação, exigiu uma frente isolada para suas operações,
de modo que seus homens pudessem mostrar a sua bravura93.
As mulheres ao que parece realmente lutaram nas milícias, antes, porém da formação das
frentes, mais especialmente na defesa de algumas cidades, em especial na Catalunha e em
Madri94. O título do cartaz também chama a atenção, a exclamação ¡No pasarán! foi cunhada e
defendida inicialmente por Dolores Ibarruri Gómez, conhecida parlamentar comunista. Ao que
tudo indica os anarquista também se apropriaram desta exclamação, recebendo as influências do
até então limitado partido comunista espanhol.
Como último elemento de análise o homem sangrando em primeiro plano mostra,
principalmente para a retaguarda, o sacrifício das milícias e a não identificação dele com
nenhuma corrente política, já que o elemento de diferenciação, o boné, é ocultado, mostra a
intenção de mostrar que todos estão se sacrificando.
Os líderes anarquistas optaram neste cartaz por incentivar as milícias e forjar uma
aparente união ente as principais forças operárias muito mais que um grupo em especial. Esta
seria uma resposta as pressões pela militarização das milícias, já presente então antes das ações
comunistas neste sentido. Os anarquistas, que foram os grandes defensores das milícias e da
necessidade de manter esta organização de caráter popular e voluntário, fundamental no
pensamento anarquista, como vimos no capítulo anterior, para uma futura revolução, buscam
preservar e enaltecer este elemento combativo mais que ressaltar a ação de um determinado
grupo em detrimento de outros.
O cartaz seguinte a ser analisado, também do período inicial da Guerra, ainda do ano de
1936, denominado por questões metodológicas de Cartaz 02, exorta os camponeses anarquistas
para a liberdade. Tal cartaz mostra um camponês espanhol com uma foice na mão direita
entoando a expressão Libertat!, com a bandeira rubro negra e a sigla FAI como pano de fundo.
93 THOMAS, Hugh. Op. Cit. V.2. p. 17. 94 EIZENBERGER, Hans Magnus. Op. Cit. 1987. p. 231.
39
CARTAZ 02 Llibertat!,[1936], 2 h.:il. col. y n.;tamaño total de las h. 140 x 100 cm.
A foice que seria a representação soviética, era na Espanha um símbolo, assim como o
martelo, associado também às cores e bandeiras anarquistas e socialistas, igualmente, como
enfatiza George Orwell95, pelo menos neste período. Já a bandeira vermelha e preta, cortada em
diagonal, é um dos símbolos que mais representam o movimento anarquista espanhol e esta
presente em boa parte de seu material propagandístico como elemento caracterizador. Este
símbolo sugere a tentativa de unir o pensamento anarquista inicial com o pensamento atual,
influenciado pelo anarco-sindicalismo, segundo explica Woodcock:
“Nos tempos da Internacional os anarquistas, como outras seitas socialistas, adotaram a bandeira vermelha, inclinando-se mais tarde a substituí-la pela bandeira negra. A Bandeira bicolor simbolizava a tentativa de fundir o espírito do anarquista mais tardio com o apelo de massa da Internacional”96.
A bandeira é o símbolo que sintetiza todas as idéias e todo o ideário anarquista. Como
afirma Capelato, aqui também as idéias são transformadas em símbolos para a compreensão
geral. Apesar das diferenças existentes dentro do grupo todos se identificavam com a moral
anarquista, com os símbolos e os signos de suas organizações97.
Sem dúvida tal símbolo deve ser associado à intenção última que movimenta toda a
ideologia anarquista e que esta presente neste cartaz. A liberdade não deveria ficar restrita apenas
às cidades, mas pelo contrário, a coletivização deveria atingir também, e ao mesmo tempo que as
fábricas, a estrutura fundiária e modificar a vida dos camponeses. Então, associar o camponês a
todas as idéias de liberdade do movimento anarquista significa também reafirmar a intenção de
95 Orwell, George. Lutando na Espanha (Homage to Catalonia). www.geocities.com/projetoperiferia . Edição: Projeto Periferia. 2002. ,<acessado em agosto de 2005>. 96 WOODCOCK, George. Op. Cit. 403.
40
coletivizações profundas nas zonas rurais, que continuava sendo a região de maiores e profundas
contradições entre aqueles mais ricos e os mais pobres98.
Como vimos anteriormente à coletivização nunca fora vista com bons olhos pelo governo
republicano e muito menos entre os comunistas. Mas neste período podemos entender o cartaz
não como uma resposta às negativas do governo e sim uma maneira de persuadir os camponeses,
já que nem todos eram adeptos a coletivização99, e associar a liberdade destes com o movimento
anarquista e a FAI.
A FAI, por sua vez, que fora durante muito tempo difundida pelas forças conservadoras
como uma organização apenas criminosa, o que sem dúvida deixava para as lideranças
anarquistas à necessidade de associar as suas ações a uma intenção última, que neste cartaz seria
a liberdade daqueles mais pobres ligados ao campo. A não vinculação da CNT neste cartaz, o que
seria natural já que neste momento FAI e CNT já estavam unidas abertamente, mas tão somente
da FAI, visa também aumentar o prestígio e diminuir as desconfianças em torno deste antigo
braço armado das centrais sindicais anarquistas.
Desta forma, estes dois primeiros cartazes enfatizam aspectos próprios do pensamento
anarquista: as milícias, populares e revolucionárias, para a defesa e a coletivização agrária e
industrial, como forma de chegar a liberdade no campo e nas cidades. Assim, as milícias
populares tornavam-se o principal meio para se chegar à revolução, e a coletivização das terras e
fábricas o seu fim.
O próximo e último cartaz a ser analisado do ano de 1936, sendo, provavelmente,
publicado em outubro deste ano é o Cartaz 03. Este cartaz, que mostra dois braços fortes, um
empunhando a sigla UGT e outro, anatomicamente igual, empunhando a sigla CNT,
acompanhados da seguinte afirmação: a Unió és força, enfatiza a união entre estes dois grupos
sindicais realizada neste período.
97 ALONSO, Angeles B. Op. Cit. IN: HOFFMANN, Bert. Op. Cit. 1995. pg. 42. 98 VILAR, Pierre. A Guerra da Espanha. Paz e terra, Rio de Janeiro, 1986. p. 32. 99 EIZENBERGER, Hans Magnus. Op. Cit. 1987. p. 215.
41
CARTAZ 03 Unió és força: U.G.T., C.N.T.,[1936] 1 cartel:il. col. y n.;100 x 70 cm
Este cartaz é um reflexo do acordo entre as duas maiores centrais sindicais da Espanha, a
socialista UGT e a anarquista CNT, ocorrido em outubro de 1936 em Barcelona, que sela uma
declaração de propósitos comuns, onde os anarquistas cedem em alguns pontos, sendo
considerada uma vitória dos socialistas na opinião de alguns estudiosos como Hugh Thomas100.
A própria distribuição espacial dos elementos propagandísticos mostra a vitória da central
socialista. A sua sigla, UGT, exposta acima da sigla anarquista, CNT, em posição bem mais
central no cartaz não pode ser entendida como uma configuração apenas casual. Mesmo que tal
cartaz tenha sido produzido pelas duas centrais, a aceitação das lideranças anarquistas em
configurar o cartaz com esta distribuição espacial mostra que os acordos firmados entre estas
duas centrais sindicais eram mais favoráveis e permitia maior influência da central socialista.
Afinal, a posição central de um elemento propagandístico gráfico é a primeira a ser fitado pelo
observador.
Este cartaz constitui-se com um fato novo na propaganda libertária na Espanha, já que é a
primeira representação propagandistica de união clara entre as centrais sindicais no período da
guerra. Contudo, esta aliança entre estas forças foi realizada e celebrada pelas lideranças da CNT
não tendo alcance na massa dos movimentos, visto que nos incidentes de maio de 1937, na
própria capital da Catalunha, as lutas entre anarquistas e comunistas foram acompanhadas pelos
socialistas sem a defesa de um dos lados, preferindo o afastamento. Ao tempo em que as massas
anarquistas não atenderam os pedidos de seus líderes, que formavam o governo ao lado dos
socialistas, para a deposição das armas, mostrando que as alianças das principais lideranças ou as
reivindicações desta não atingiam a massa do movimento.
Assim, concluímos a análise dos cartazes que compõe o primeiro período da guerra.
Período em que os anarquistas defenderiam suas convicções e necessidades primárias
inicialmente, mas que acabariam formalizando acordos e perdendo espaço para a sua tradicional
concorrente revolucionária em território espanhol e no âmbito mundial, a ideologia socialista,
com as características já descritas nos capítulos anteriores.
Seguindo a análise observaremos um cartaz do período que se inicia no ano 1937, o
Cartaz 04, é emblemático e mostra, por trás da tentativa de enaltecer a ação libertária, a mudança
100 Ver nota número 57.
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significativa de enfoque. Este cartaz mostra um soldado arremessando uma granada de mão
contra um tanque blindado nacionalista, acompanhado da seguinte frase: Así combaten las
juventudes libertarias.
CARTAZ 04
Así combaten las juventudes libertarias,[1937].1 cartel:litografía;100 x 70 cm.
Fica notório então a tentativa de enaltecer a ação dos elementos anarquistas, sem dúvida
em resposta as críticas referentes à desorganização e covardia das colunas anarquista, como
observamos na seguinte declaração do brasileiro e comunista José Gay da Cunha: “Durante os
meses em que convivera com os anarquistas nos Pirineus, pude constatar que eles se revelaram
péssimos soldados e que a sua valentia era bastante discutível”101. Esta crítica realizada pelos
comunistas tinha como objetivo, baseado em alguns fracassos das milícias anarquistas, inclusive
na batalha de Madri102, enaltecer a necessidade de militarização.
Mas o que chama mais a atenção e o que torna este cartaz importante e muito
representativo é o uniforme daquele jovem libertário, seguindo o que diz o cartaz. Os macacões
azuis do início do conflito, enfatizados inclusive como símbolo das milícias no primeiro cartaz
aqui analisado, é substituído pelo uniforme militar. Assim, fica evidente a concordância das
lideranças anarquistas, alguns membros do próprio governo central desde novembro de 1936,
que havia escrito e divulgado decreto que extinguia as milícias em dezembro de 1936103, no que
tange a necessidade de militarizar as milícias.
Caia por terra uma das principais bandeiras anarquistas para a revolução: a formação de
revolucionários populares e livres, sem qualquer imposição de disciplina militar. A retirada deste
símbolo anarquista espanhol, a milícia, mostra o lacônico enfraquecimento das idéias anarquistas
101 CUNHA, José Gay da. Um brasileiro na Guerra Civil Espanhola. 2. Ed. São Paulo, Alfa-Omega, 1986. p. 209. 102 THOMAS, Hugh. Op. Cit. V.2. p. 17.
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e a tentativa de mostrar que um soldado anarquista poderia manter sua coragem, motivada por
seus ideais, mesmo sujeitando-se a disciplina militar. Mostra o espaçamento entre as opiniões das
lideranças anarquistas e o movimento de base, visto que as milícias continuariam agindo até
meados de 1937 e voltando com a desestruturação do movimento em 1939 na forma de grupos
armados e colunas104, mesmo sem o apoio de seus líderes e estando na ilegalidade, motivada por
suas próprias convicções e devendo obediência apenas a sua classe e ideologia, contribuindo
pouco para o desenvolvimento favorável da guerra.
A juventude libertária protestou contra tal decreto com a seguinte frase: “uma força de
choque que nada sabe dos gritos de liberdade, pão, justiça de carne para canhão”105. A base do
movimento continuou colocando em dúvida o abandono das milícias e a incorporação a Brigadas
mistas, geralmente lideradas por comunistas106. Entretanto, a militarização seguiu-se com a
concordância e o incentivo, através de propaganda como o referido cartaz, das lideranças
anarquistas que dominavam o arsenal propagandístico.
A falta das insígnias e dos símbolos da CNT/FAI também deixa claro a diminuição da
influência desta central sindical, que representava, no início da guerra, em suma, o próprio
movimento anarquista espanhol. CNT/FAI e anarquismo eram indissociáveis no início do
conflito, mas a ocupação de cargos governamentais de alguns líderes anarquistas parece ter
inspirado nestes uma tentativa de mudar, ou de pelo menos dissociar o pensamento libertário de
seu órgão sindical. Seria possível ser um militar e anarquista, pelo menos na opinião destas
lideranças.
Outro cartaz deste período, mais precisamente de Janeiro de 1937, o Cartaz 05, que apesar
de não fazer referência a nenhum episódio da guerra, mostra claramente o declínio do
pensamento anarquista ao deixar de pensar no futuro. Tal cartaz enfatiza e incentiva a
participação na sema da infância - Setmana de l´infant: del 1 al 7 de gener107 – a ser realizada
conjuntamente entre CNT e UGT, já que no cartaz as siglas aparecem juntas.
103 THOMAS, Hugh. Ibid. V.2. p. 60 104 CUNHA, José Gay da. Op. Cit.. p. 206. 105 MARTIN, Blásquez. CIT: THOMAS, Hugh. Ibid. V.2. p. 61. 106 THOMAS, Hugh. Op. Cit. V. 2. p. 61. 107 Gener é uma palavra Catalã que significa Eneiro em Espanhol e Janeiro em português.
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CARTAZ 05
Setmana de l´infant: del 1 al 7 de gener,[1937] 1 cartel:il. col. y n.;48 x 33 cm
Esta ação conjunta, aparentemente inofensiva, mostra que a CNT cedia cada vez mais
terreno para a central socialista. Ao realizar uma semana de infância conjunta a central anarquista
estava cedendo um espaço para a ação dos membros socialistas, em geral mais moderados e
menos revolucionários, como vimos no capítulo anterior. Desta forma a central sindical que havia
fundado escolas independentes ou patrocinado a criação das chamadas Escolas do povo, graças a
verba vinda de assaltos e seqüestros realizados pela FAI108, agora organizava semanas para o que
poderia ser a base futura do movimento em conjunto com os seus tradicionais concorrentes
políticos dentro da classe operária.
Neste cartaz fica então evidente o fortalecimento da UGT em detrimento do movimento
anarquista, já que a organização conjunta de tais eventos seria mesmo impensada antes da guerra.
Ao mesmo tempo não podemos entender que a dita guinada a esquerda da UGT fosse um
fenômeno que legitimasse as ações conjuntas destas duas centrais sindicais então revolucionárias,
já que o pensamento social-democrata dominou o movimento socialista na Espanha e a própria
juventude socialista havia se fundido a juventude comunista ainda em Abril de 1936, sendo mais
tarde dominada por esta última109.
A expressão profética da união destas juventudes socialista e comunistas, cunhada por
Araquistain editor do jornal Claridad, poderia ser perfeitamente adotada pelos anarquistas,
apenas substituindo o adjetivo político: “Perdemos a nossa juventude. Que será do Partido
Socialista da Espanha”110. A união das juventudes socialistas e comunistas é entendida pela
intenção muito difundida neste período das Frentes Populares incentivadas pelos comunistas de
108 EIZENBERGER, Hans Magnus. Op. Cit. 1987. p. 49. 109 THOMAS, Hugh. Ibid. V.2. p. 133 110 Declaração feita ao Sr. Henry Buckley e citada por THOMAS, Hugh. Op. Cit.. V.1. p.133.
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boa parte da Europa. As frentes populares deveriam ser ações conjuntas com os partidos social-
democratas e outras vertentes burguesas para vencer a extrema direita e, em seguida, desferir o
golpe revolucionário de dentro do sistema.111 Mas a perda da independência no trato da infância
anarquista, exposta no cartaz analisado, somente pode ser entendida por meio da decrescente
amplitude das forças libertárias em solo espanhol.
Passando então para o último grupo de cartazes a ser analisado, observamos a
desconfiguração definitiva das idéias anarquistas presentes e defendidas nos cartazes anteriores,
principalmente nos primeiros, e a tentativa de ressaltar aquilo que existia no passado e tão
somente lá. O primeiro cartaz que vamos analisar, datado de 1938 e denominado Cartaz 06, sem
o mês específico, já trás a preocupação em ressaltar o passado no seguinte texto ao enfatizar a
data do início da guerra civil: Aplastar al fascismo!: el 19 de julio de 1936 y siempre nuestro
común objetivo; os elementos gráficos presentes neste cartaz, um blindado rompendo uma frente,
para minha análise são menos importantes que a referida frase.
CARTAZ 06
Aplastar al fascismo!: el 19 de julio de 1936 y siempre nuestro común objetivo,[1938].1 cartel:il. col. y n.;100 x 70 cm
Ao enfatizar que afastar o fascismo era na data em que começou a guerra civil espanhola e
naquele momento o comum objetivo dos grupos aliados em torno da Frente Popular, os
anarquistas deixam para trás a sua semente e suas intenções revolucionárias de 1936. Desta
forma, a coletivização, a liberdade e o fim do governo para uma organização popular em todo o
manto social, idéias defendidas no começo da guerra, são substituídas pelo objetivo dos grupos
moderados ou daqueles que apoiavam uma ação menos revolucionária, isto é comunistas e social-
111 THOMAS, Hugh. Op. Cit. V.1. p. 115
46
democratas. De fato a revolução libertária estava derrotada muito antes do fim da guerra como
afirma P. Broué no capítulo anterior.
O cartaz pode ser entendido também como uma tentativa de responder as pressões
comunistas, que acusavam os grupos anarquistas de terem ações anti-revolucionárias112,
favorecendo o fascismo. Entendendo assim, as lideranças anarquistas, muito desgastadas neste
momento como o próprio movimento, tenta manifestar sua intenção de garantir a vitória contra o
fascismo, representado por Franco e seus aliados, sem, no entanto mencionar as intenções
revolucionárias presentes nas primeiras propagandas políticas, algumas analisadas no começo
deste capítulo.
Outro cartaz deste período mostra com mais ênfase a tentativa de resgatar e homenagear
um passado glorioso. Este cartaz é do final de 1938 aqui chamado de Cartaz 07, com a face de
Bonavendura Durruti estilizada em meio a uma coluna militarizada, com a seguinte frase:
Homenatje a Durruti: Plaça de Catalunya del 15 al 30 de Novembre de 1938: Exposició.
CARTAZ 07
Homenatje a Durruti: Plaça de Catalunya del 15 al 30 de Novembre de 1938 : Exposició,1938;48 x 27 cm
Assim, este elemento propagandístico não mais conclama a população para defender as
milícias ou os camponeses para lutarem por sua liberdade, apenas chama a população para prestar
a sua homenagem àquele que representou vários ideais do anarquismo espanhol e que havia
morrido combatendo por estes no começo do conflito, como vimos nos capítulos anteriores.
Este cartaz mostra com clareza qual era a situação do movimento anarquista já no último
período da guerra, apenas alguns meses antes da invasão da Catalunha, tradicional reduto
anarquista, pelas tropas de Franco no começo de 1939, e que vai se refletir naquela batalha. O
movimento já não tinha organização e nem força política para a defesa de seus ideais; não havia
condições mínimas para exortar a população, que a esta altura via na ajuda soviética a única
esperança, a realizar a sua revolução. Enfim, a direção do movimento não tinha motivos para
exaltar as realizações das milícias ou o sucesso das terras e indústrias coletivizadas, restava
apenas ressaltar aquilo que já estava no passado.
Seria o que Le Goff resume como o esforço das sociedades históricas em impor ao futuro,
voluntária ou involuntariamente, determinada imagem de si próprias113; homenageando um
112 BROUÉ, Pierre. Op. Cit. p. 92. 113 LE GOFF, Jacques. Op. Cit. p. 103
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personagem como Durruti que sempre representou os ideais anarquistas com paixão e afinco, as
lideranças do movimento anarquista pretendiam preservar para o futuro aquilo que o movimento
libertário representava no início do conflito e que já não existia.
Desta forma, realizar uma exposição para homenagear aquele que durante muitos anos
representou os ideais anarquistas para a população em geral, era, em última análise, a tentativa de
recuperar de alguma maneira o prestígio de outrora e relembrar os feitos do movimento à
população espanhola. Enfim, ressaltar e homenagear um personagem era representar algo que já
não existia mais; relembrar um passado de luta e de conquistas, que já a muito estava esquecido,
como o próprio Durruti, morto perante as dificuldades impostas pela batalha e, principalmente,
pelas disputas internas na Frente Popular.
CONCLUSÃO
Podemos então observar no presente trabalho monográfico a rápida evolução e
receptividade do pensamento anarquista em solo espanhol. Principalmente, o pensamento
anarquista baseado nas influências bakunianas. Os anarco-sindicalistas, que pensavam, em
resumo, na formação de sindicatos revolucionários como a base para mudanças sociais, tiveram
sua trajetória marcada pela rápida ascensão. Em menos de um século de propagação em solo
espanhol o movimento libertário chegaria nesta região ao seu ápice nos momentos que
antecederam a intervenção soviética e a ação comunista na guerra civil espanhol.
Durante o período inicial do conflito, que iria se arrastar de 1936 e 1939 levando a morte
centenas de milhares de espanhóis e de voluntários de várias nações, a CNT era a principal
organizadora da massa de operários e camponeses, seja na formação das milícias populares, seja
48
na ajuda social conferida aos mais pobre. A sua grande influência no início do conflito vai,
contudo, levar esta organização a um fracasso igualmente grande com o desenrolar do mesmo.
As relações estabelecidas entre os grupos que lutaram contra Franco e seus aliados
tiveram como resultado o enfraquecimento da resistência e da ação popular cativante dos
primeiros momentos da guerra. As coligações estabelecidas entre os grupos de esquerda não
foram alianças políticas com a convergência de programas e ideais, mas apenas alianças
esporádicas que defendiam ações momentâneas. Os acordos eram, em suma, uma resposta pouco
duradoura as ameaças mais eminentes.
As tentativas de centralização do poder e das ações nas mãos de um governo central
mostram que os socialistas, principal grupo no governo durante grande parte do período
conflituoso, exceto nos últimos meses do conflito quando comunistas ocupariam os principais
órgãos, estavam mesmo dispostos a perder tudo, até a revolução, menos a guerra. Ao que parece,
segundo a evolução dos elementos presentes na produção imagética dos cartazes anarquistas, os
líderes anarquistas também foram adeptos deste pensamento.
Sendo assim, observamos que os cartazes anarquistas aqui selecionados e a evolução dos
seus elementos mostram que o pensamento anarquista espanhol havia se organizado para a
realização de uma revolução libertária. A defesa das milícias populares tornava-se o principal
meio para se chegar à revolução e a coletivização das terras e fábricas o seu fim. O
estabelecimento de uma nova organização do manto social pareceu possível nos primeiros meses
do conflito.
Mas as exigências de uma guerra moderna, a disciplina e organização hierárquica, bem
como as premissas conflitantes entre os grupos organizados na Frente Popular para governar e
defender a Espanha livre do fascismo, mantiveram o sonho anarquista em seu estado irreal. As
tentativas de adaptações realizadas pelas lideranças do movimento anarquistas resultaram
também no seu enfraquecimento perante a massa trabalhadora que o sustentara até então.
Cada vez mais os cartazes mostram, mesmo que esteja presente a defesa do pensamento
anarquista e de seus preceitos, a diminuição e a perda da influência da CNT, tanto na resistência
bélica, como na organização da Espanha ainda republicana. As derrotas da CNT, expressas nos
cartazes, não são as derrotas bélicas para as forças franquistas, mas sim as derrotas políticas no
interior da república espanhola. Derrotas que foram as alianças com os socialistas da UGT ou a
aceitação por parte das lideranças em organizar militarmente as milícias. Derrota que se resume
em um dos cartazes analisados e na sua frase profética: plastar al fascismo!: el 19 de julio de
1936 y siempre nuestro común objetivo. Lembrando que os cartazes têm como função atingir o
49
público de forma imediatista e mobilizadora, a referida frase enaltece a necessidade de se deixar à
revolução libertária de lado para que não se perde-se a guerra, que a esta altura, passados dois
anos do início do conflito, estava já muito longe dos ideais revolucionários do pensamento
anarquista.
O último grupo de cartazes analisados mostram a desconfiguração definitiva das idéias
anarquistas presentes e defendidas nos cartazes anteriores, isto é, as milícias e a coletivização que
foram os pontos principais de discussão com os principais grupos da Frente Popular, e a tentativa
de ressaltar aquilo que existia no passado e tão somente lá. O movimento já não tinha
organização e nem força política para a defesa de seus ideais; não havia condições mínimas para
exortar a população a sua defesa.
A trajetória desta produção imagética do movimento anarquista selecionada e aqui
analisada reflete a trajetória do movimento em solo espanhol. Reflete as exigências e adaptações
do movimento perante as necessidades impostas pelo conflito e as disputas no centro do poder
republicano. Em suma, analisar a produção dos cartazes anarquistas nós mostra que o anarquismo
sucumbiu não pelas forças nacionalistas de Franco e de seus generais, mas pelas próprias
exigências de seu pensamento e ideário e a sua incapacidade de responder adequadamente, apesar
das tentativas, as pressões de grupos que haviam lutado ao seu lado no início do conflito.
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