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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 3
CAPÍTULO 1
DEFININDO O PONTO DE VISTA ....................................................................... 14
RESUMO .................................................................................................................... 14
1.1 MARCO TEÓRICO: O CONTEXTO DO OBJETO E O PROCESSO EXPLICATIVO .......... 14
1.2 MARCO CONCEITUAL: DO CONCEITO DE SUSTENTABILIDADE À ECOLOGIA
URBANA ............................................................................................................ 29
1.3 MÉTODO DE ANÁLISE: AS LINHAS GERAIS DA DIALÓGICA INVESTIGATIVA ........ 31
CAPÍTULO 2
A CIDADE COMO ORGANIZAÇÃO ................................................................... 36
RESUMO .................................................................................................................... 36
2.1 ORGANIZAÇÃO VIVA E ECO-ORGANIZAÇÃO ..................................................... 36
2.2 OS SISTEMAS ACÊNTRICOS, CÊNTRICOS E POLICÊNTRICOS .............................. 38
2.3 UM MACROCONCEITO DA URBANIZAÇÃO ........................................................ 47
2.4 AS SOCIEDADES URBANAS ENQUANTO ORGANIZAÇÃO.................................... 53
CAPÍTULO 3
A URBANIZAÇÃO ECOLÓGICA ......................................................................... 55
RESUMO .................................................................................................................... 55
3.1 A SUSTENTABILIDADE NO DEBATE ECONÔMICO .............................................. 55
3.2 SUSTENTABILIDADE: ATRIBUTOS E IMPLICAÇÕES ............................................. 59
3.3 CAPACIDADE DE SUPORTE COMO MEDIDA DE SUSTENTABILIDADE ................. 66
3.4 RECORTANDO TECNOECOSSISTEMAS HUMANOS .............................................. 70
Sumário
3.5 CONCEBENDO A URBANIZAÇÃO ECOLÓGICA ................................................... 74
CAPÍTULO 4
PARA INVESTIGAR A SUSTENTABILIDADE URBANA ............................... 87
RESUMO .................................................................................................................... 87
4.1 MÉTODOS DE MEDIDA DE SUSTENTABILIDADE ................................................ 87
4.2 LIMITAÇÕES DOS INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE .................................. 93
4.3. AVALIAÇÃO DE MÉTODOS SELECIONADOS ...................................................... 98
4.4 A PEGADA ECOLÓGICA E SEU CÁLCULO ........................................................ 102
4.5 REAVALIANDO A PEGADA ECOLÓGICA E OUTROS MÉTODOS ......................... 105
CAPÍTULO 5
A URBANIZAÇÃO NA ECOLOGIA URBANA ................................................. 111
5.1 A ECOLOGIA URBANA: PRESSUPOSTOS E OBJETIVOS ...................................... 111
5.2 CONTRIBUIÇÕES DA ECOLOGIA URBANA À COMPREENSÃO DA URBANIZAÇÃO
......................................................................................................................113
5.3 APLICANDO O MACROCONCEITO DE URBANIZAÇÃO ...................................... 126
5.4 ABORDAGENS METODOLÓGICAS E INDICADORES .......................................... 129
5.5 ANÁLISE DE IMPACTOS AMBIENTAIS DA URBANIZAÇÃO ................................ 143
5.6 CONTRIBUIÇÕES DA ECOLOGIA URBANA PARA O PLANEJAMENTO E GESTÃO
URBANA E REGIONAL .................................................................................... 145
CONCLUSÕES........................................................................................................ 148
REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 158
INTRODUÇÃO
A questão central pela qual este trabalho se desdobra é: Como analisar a
urbanização sob o ponto de vista de sua sustentabilidade ambiental? A perspectiva
deste estudo é, então, apresentar uma abordagem que possa ser utilizada na avaliação
de políticas ambientais urbanas, através de uma revisão do conceito de
sustentabilidade aplicada à urbanização. Os métodos científicos que trabalham com a
totalidade dinâmica da urbanização foram considerados mais adequados à abordagem
desta avaliação, contrariamente às iniciativas fragmentadas, disciplinares e redutoras,
ou àquelas que concebem a cidade apenas como objeto físico, ou mesmo àquelas que,
por outro lado, abordam a cidade como um meio para o processo de acumulação, ou
como sendo apenas seu resultado.
O Capítulo 1 procura situar a problemática da urbanização, inicialmente
considerando-a inscrita no fenômeno circular de economias de aglomeração. As
abordagens desta natureza em geral ignoram, ou se sobrepõem aos processos sociais e
naturais, que também determinam o processo de urbanização. Diante dessa
problemática, introduz-se o debate sobre a sustentabilidade ecológica da urbanização,
a luz de paradigmas associados à teoria da complexidade, com o objetivo de construir
uma leitura da totalidade desses processos e encaminhar a busca de respostas à
questão central.
Nesta leitura, o ponto de vista do autor se define por sua posição em um
contexto socioambiental. Ademais, tal leitura não pode ser confundida com o
processo em questão e isso exigiu uma construção teórica a partir de concepções
também próprias, buscando se despir de pressupostos ideológicos e, ao mesmo
tempo, de uma suposta neutralidade científica. Assim, a posição do narrador ou
intérprete é evidenciada com a intenção de procurar não falar pelos outros, nem
tampouco mascarar a diferença entre realidade e linguagem. O ponto de vista é mais
que uma perspectiva intelectual, é também, neste caso, uma procura por um
posicionamento para a análise, orientada por afirmações teóricas. Esse é o fruto de
reflexões sobre explicações sobre a questão em foco, que se desenvolve por um
discurso argumentativo.
Introdução
Este trabalho é uma invenção, um trabalho de criação, onde a imaginação tem
um papel central. Trata-se de uma leitura, portanto está implícito que há outras
leituras, parcialmente complementares, concorrentes, ou antagônicas.
O desenvolvimento deste estudo sobre tema assaz complexo induziu a
digressões sob o ponto de vista da teoria do conhecimento e ao encontro de uma
espécie de dilema do conhecimento analítico, que busca a última (ou primeira)
instância explicativa de fatos, fenômenos ou processos, ou a prova cabal sobre esses
fatos. Isso passou a ser interpretado como uma espécie de redução que congela, ou
que engessa o espaço e o tempo dos acontecimentos. A matemática realiza isso para a
física, a semente para a vida e o indivíduo para a sociedade, contudo, a perenidade
não é redutível apenas a fórmulas, como uma múmia que aguarda um milagre. A
perenidade é viva e criativa e as teorias têm vida e morte (KUHN, 2003).
A partir dessa concepção, o mote da insustentabilidade desponta também como
um achado da escritura e do ato de escrever. Assim, tratar da urbanização é descolar a
noção de cidade de seu suporte material como ambiente construído, como trabalho
morto e cristalizado de nossos ancestrais. Ela – a cidade (como objeto, ou ambiente
construído) – é um resultado, mas é também um meio. Enquanto resultado, isso é
visto por Harvey (1997) como o produto do processo de acumulação capitalista e
como sua última instância explicativa. Contudo, há processos e processos de
urbanização que a história das cidades revela. A história remota ou a recente mostra,
por exemplo, que as cidades na Grécia Antiga, pautadas por um tamanho
populacional, eram mais sustentáveis que as dos países socialistas autoritários, ou
capitalistas supostamente democráticos e isso nos faz supor que seja possível levantar
suspeitas dessa relação causa-efeito entre modo de produção e sustentabilidade
urbana, pois, na prática, isso vai para além de uma leitura de geografia econômica,
constituindo-se, também, como um problema cultural bastante abrangente relativo ao
modo como as sociedades constroem e vivem em suas cidades e à relação entre o
ambiente natural e o ambiente construído. Enquanto meio, a cidade pode ser vista
como meio de produção, por suas infraestruturas abertas aos agentes econômicos, à
sociedade em geral e aos indivíduos. Esses meios são bens públicos, equipamentos e
serviços acessíveis ou relativamente inacessíveis que permitem ou possibilitam a
produção do conjunto ou dos conjuntos urbanos.
Introdução
Por sua abrangência, a definição de cultura mencionada acima aparece
frequentemente em textos como um termo que reúne muitos aspectos e por isto
termina, muitas vezes, por não dizer muito. Aqui, cultura é o patrimônio
informacional de uma sociedade, portanto, se constitui como linguagem e se forma
por conta da linguagem, está associada à memória e a identidade social não genética,
é constituída por saberes, costumes, regras e normas de uma sociedade, mas o que
efetivamente a caracteriza são as diferenças próprias de traços sociais comuns, ou a
presença de traços exclusivos, segundo uma interpretação da acepção de Morin
(2005, p.272). Contudo, a cultura tem um componente psíquico nos indivíduos que é
introjetada por meio da educação, ou da repressão social ou institucional, que é
compreendido, por exemplo, com o conceito de superego em Freud.
Como nossa aventura privilegia a criação, não nos obrigamos a colocar muitas
citações no texto como uma forma de legitimação. Entretanto, ao colocá-las, nos
apoiamos nos argumentos de Bourdier (2010), quando se trata da relação entre
linguagem e poder. Buscamos, dessa forma, nos pautar na forma e procedimentos por
trabalhos filosóficos e científicos. Assim, consideramos importante desenvolver o
texto por argumentos não contraditórios, pois se partindo do indeterminado tudo
(todas as explicações religiosas), ou nada (nenhuma determinação científica) pode se
afirmar. Nesse caso, tenho objetivos a cumprir e respostas tangíveis a oferecer pelo
menos a uma questão sobre um fato reconhecível.
Há, hoje, um reconhecimento de que as cidades são o centro da depleção da
natureza, mas esse fato foi negligenciado. O movimento ambientalista nasce
conservacionista, quando os biólogos dominavam a cena das políticas públicas
ambientais, indicando a criação de parques e santuários ecológicos, quando estes se
multiplicaram como uma forma de defesa da diversidade biológica, da conservação
de espécies, dos recursos naturais e, mais recentemente, dos serviços ambientais.
Contudo, tal abordagem não analisa os impactos do crescimento econômico e a
sustentabilidade global em um cenário de recursos planetários finitos. Nessa linha
surgem os defensores do Crescimento Zero e de uma Ecologia Profunda (CAPRA,
1996) que negam o crescimento como forma de satisfazer necessidades e,
especialmente, por comprometer a sustentabilidade ecológica e a sobrevivência das
espécies, inclusive a humana. Emerge, por reação, o movimento socioambientalista
que assinala a interdependência entre os termos (social e ambiental) e a necessidade
Introdução
de conferir outra orientação ao crescimento econômico. Assim, esse crescimento
deveria ser orientado pela ideia de um desenvolvimento sustentável, cuja definição é
complexa, por exemplo, dado ser necessário reconhecer a pressão social quase
universal por, ao menos, condições mínimas de sobrevivência, que se traduzem
inevitavelmente em crescimento econômico, advindos de problemas sociais e
culturais como má distribuição de riquezas, desperdícios e escassez concomitantes,
pouco uso de recursos renováveis e baixo reconhecimento da importância dos
serviços ambientais.
A princípio, esse estudo considerou os argumentos do socioambientalismo
como mais consistentes. Nesta linha, o debate sobre a questão das políticas públicas
urbanas ambientais toma importância, demandando a construção de indicadores para
avaliação de ações públicas urbanas e ambientais. Isto é examinado neste estudo,
contudo o exame da visão ecológica de sustentabilidade nos fez repensar sobre os
argumentos em defesa do crescimento, do não crescimento, ou crescimento
circunstanciado sob a visão socioambiental em uma discussão que é desenvolvida nos
Capítulos 3 e 4.
O Capítulo 2 dispõe sobre a discussão da organização urbana, como resultado
de processos, relativamente independentes, todavia imbricados. Por isto, foi
necessário refletir antes, sobre como se configuram as sociedades na natureza, do
ponto de vista de suas organizações, para uma compreensão mais genérica da
organização humana em sua estrutura, colhendo com isto algumas orientações
consideradas importantes para a análise, por exemplo, identificando aspectos que são
desconsiderados normalmente nas abordagens disciplinares, como os limites de
resposta de uma organização hierárquica rígida, ou anárquica, quando da ausência de
um controle central. Entretanto, esta aproximação a sociedades vivas revela também,
tanto as virtudes da anarquia como aquelas advindas da integração realizada por
estruturas organizacionais hierárquicas.
A partir desta imersão que permite muitas digressões, identificam-se e
discutem-se os processos determinantes da urbanização, contendo cada um deles,
internamente, suas complementaridades e contradições em contextos de interações
sociais, como alianças e conflitos, gerando ações concretas cujos resultados a cidade
reflete. Assim, a construção teórica se revela como uma forma de discutir e desvendar
sistematicamente a urbanização que, embora se inspirando em conceitos abstratos de
Introdução
organização, criados na observação de sociedades animais, possibilitam uma visão da
organização societária em sistemas em rede, o que leva a introdução ao problema da
manutenção e da sustentabilidade. Identificam-se assim objetivos e estratégias gerais
nas sociedades vivas, embora não se apresente ainda as relações entre as espécies e o
ambiente, o que é tema do Capítulo 3.
Este exame teórico da cidade levou a concepção da urbanização como
resultado de quatro processos. Primeiro como resultado do processo econômico, seja
este determinado por um processo de acumulação capitalista, seja por uma economia
de estado. Segundo, a cidade é também resultado de um processo social. Terceiro, ela
é resultado de processos políticos e da ação de políticas públicas, tanto atuando
diretamente sobre este território, como por políticas mais abrangentes de
ordenamento territorial, ou mesmo quando há uma inação do Estado nesta ordenação.
Isto se verifica, por exemplo, quando não reconhece a urbanização informal como
problema sistêmico, o que se associa à pré-conceitos ideológicos trazidos pela
história social e que se instituem e se fazem presente em normas institucionais
estatais, gerando paradigmas técnicos e culturais explicativos desta negligência do
estado. Contudo, há um quarto processo, o ambiente urbano proporciona novas
interações sociais e por isto surgem novos comportamentos e valores (como a
emergência da uma cultura laica), tendo deste modo um caráter ativo, o ambiente
retroage sobre a sociedade, por exemplo, gerando identidades sociais e individuais,
ou problemas postos pela própria dimensão e disposição urbana.
Além disto, a cidade é também um resultado de interações destes processos,
sendo difícil sua abordagem via uma análise convencional, que ora privilegia um
aspecto, ora outro, ora um processo, ora o objeto cidade. Assim, não se pressupõe a
sobredeterminação, ou primazia de nenhum destes processos sobre os demais. Por
isto também não bastaria definir um marco teórico (ou seja, uma explicação
metódica, um ponto de vista) por uma hierarquia de pressupostos e conceitos
ordinariamente encadeados, desde que estamos trabalhando com processos
simultâneos codetermidados. Contudo, o trabalho intelectual como qualquer outro
pode ser encarado como um trabalho criativo, todos eles têm suas regras, suas
técnicas, mas a criação tem seu momento, surgindo em geral quando o autor, imerso
nas idéias do trabalho, faz brotar uma concepção inovadora.
Introdução
Seja como um ambiente passivo seja como uma estrutura ativa por sua própria
arquitetura, a cidade forma um corpo organizado e integrado, mas também contendo
desorganização e desintegração em uma ordem instável, auto-organizativa como a
vida, que tem uma relação de troca com o ambiente. Ademais, a cidade se dispõe em
redes internas, mas também está inserida em redes de cidades até o nível planetário,
se inscrevendo também em processos ambientais planetários. Portanto, esta
organização social viva de comunidades ecológicas urbanas, apesar de ser um
ambiente artificial humano abriga comunidades de várias espécies, criando e se
recriando, sendo parte e fazendo parte ativa dos sistemas vivos. Como o que nos
interessa ao final, é a relação de um suposto ecossistema urbano com outros
ecossistemas, por este caminho começamos nossa aventura, buscando a compreensão
deste tipo artificial de organização viva.
Considerando o objetivo central do estudo – apresentar uma abordagem da
sustentabilidade aplicada à urbanização, chegou-se a conclusão de que seria
necessário compreender a sustentabilidade do ponto de vista ecológico, contudo isto
não foi possível senão por uma revisão bibliográfica do conceito de sustentabilidade
(e suas formas de aferição aplicada, inclusive, aos processos de urbanização). Noutras
palavras, foi preciso perceber como o processo de urbanização se relaciona com os
processos bióticos e abióticos da biosfera.
No contexto desta tentativa de associar os processos das atividades antrópicas
aos processos bióticos e abióticos, introduziu-se a questão tecnológica que não deixa
de ser um processo antrópico, mas isto é interpretado sob um aspecto duplo. Primeiro
como elemento de reorganização sistêmica interna de produção antrópica e segundo
sob o significado da relação dos tecnoecossistemas humanos com o ambiente. Por
este duplo viés, os limites de crescimento são analisados, o objetivo de acumulação e
as emergências tecnológicas para maior eficiência na produção, revelando que não há
solução de retorno a modos de produção anteriores, mesmo no caso de desastres
gerais.
Nos capítulos anteriores, examinamos a urbanização como uma associação de
processos políticos, sociais, econômicos, procurando compreendê-los como enfoques
de um mesmo processo de um sistema complexo. Entretanto, a acepção de
sustentabilidade segundo as abordagens das ciências sociais não é suficiente ou
compatível com os conhecimentos sobre processos biogeofísicos desenvolvidos por
Introdução
ciências naturais e biológicas, mas por outro lado estas não compreendem as
determinações sociais sobre a natureza. De um lado, as relações naturais são
percebidas melhor, assim como os efeitos das atividades antrópicas, mas não se sabe
por que e o que fazer para mudar a relação da sociedade com a natureza. Os
pesquisadores de ciências naturais não compreendem os processos sociais de modo a
poder propor diretrizes políticas para uma civilização ecológica. De outro lado, as
disciplinas sociais explicam por que esta relação se dá, mas isto de forma
fragmentada, não se compreendendo bem o problema da sustentabilidade na natureza
para incorporar indicadores robustos para nortear as ações das políticas públicas
urbanas. Assim, os indicadores são, no máximo, medidas de insustentabilidade e as
ações ficam limitadas ao empirismo, em face às limitações da compreensão dos
processos naturais e seus efeitos retroativos sobre as atividades antrópicas. Todavia,
foram identificados alguns consensos, entre estes grupos de pesquisadores. Conceber
a urbanização ecológica é também conceber modos de produção ecológicos, como
processos de adaptação, o que inclui mudanças de orientação.
No Capítulo 4 apresentamos o passo seguinte deste estudo para investigar a
sustentabilidade urbana. Com este propósito, as abordagens e os métodos para medir
sustentabilidade foram inicialmente identificados, caracterizados e analisados. Isto é
aprofundado para os métodos considerados mais consistentes e pertinentes à
sustentabilidade urbana segundo especialistas. Ademais aqueles métodos passíveis de
serem aplicados aos territórios urbanos foram reavaliados, segundo o marco teórico e
conceitual definidos nos dois capítulos anteriores.
Pelo exposto, o passo seguinte a esta análise crítica poderia ser a seleção de um
método de medida da sustentabilidade (ou da insustentabilidade urbana) e a aplicação
do mesmo. Entretanto, como concebemos tal sustentabilidade como resultante de
mais de um processo, isto exige a aplicação de mais de um método, com possíveis
ajustes. Isto em face de que não bastaria definir um estado de sustentabilidade, mas o
comportamento das pressões e respostas não apenas do ambiente, mas aquelas da
esfera antrópica, que o planejamento e monitoramento de ações demandam.
Na ciência, os indicadores são utilizados para mensurar, representar ou
comparar fenômenos ou objetos de investigação. O fenômeno, ou fato observável de
interesse neste caso é a urbanização e o objeto em foco pode ser também a cidade,
contudo isto objetiva servir a observação e talvez ao controle e reversão da
Introdução
insustentabilidade urbana, que se associa a um desenvolvimento que tem um caráter,
sobretudo, qualitativo - o desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento desse
modo é compreendido como melhoria da qualidade de vida, condições de vida ou
bem estar social. Nesta perspectiva o risco de subjetivação é maior e substantivar tal
sustentabilidade é fundamental e isto é realizado com o conceito de capacidade de
suporte.
Nesta linha da substantivação da sustentabilidade, a urbanização sustentável
pode ser abordada com a observação das relações entre a sociedade urbana e a
natureza, mas isto deve incorporar dimensões humanas da sustentabilidade, como a
saúde. Considerando o planejamento e gestão de políticas de sustentabilidade urbana,
a educação a criação de capital social vêm se traduzindo em critérios para medir o
desenvolvimento sustentável. Como já colocado, o desenvolvimento sustentável é
aquele que satisfaz as necessidades das gerações presentes sem comprometer os
recursos naturais (o que compreende serviços ambientais) necessários às gerações
futuras, onde a margem para subjetivação esta em conceber necessidades.
Há uma compreensão, bastante aceita hoje, de que este desenvolvimento
sustentável inclui mais de uma dimensão. Isto se traduz nas abordagens de
indicadores. Considerar apenas o resultado líquido das políticas e atividades humanas
sobre a natureza não deixa de ser importante, contudo isto é insuficiente para se
tomar decisões, desenvolver e monitorar ações no sentido desejado. Por isto, nas
abordagens mais aceitas se considera: ou apenas a dimensão ambiental, ou a
dimensão ambiental e social da sustentabilidade, ou ainda a dimensão ecológica,
social, econômica e institucional.
Segundo a compreensão da urbanização desenvolvida neste trabalho,
identificaram-se quatro processos determinantes e interdependentes: ambientais,
sociais, econômicos e políticos (aos quais alguns ainda acrescentam a dimensão
institucional). A dimensão ambiental da sustentabilidade se apresenta como condição.
Esta sobredetermina os processos sociais, contudo a natureza é passiva e reflexiva de
perturbações por ações antrópicas, portanto aparecendo também como resultado
destas. O ambiente e a sociedade definem, em síntese, um processo de mútua
determinação.
Verificou-se o problema de se utilizar os termos: ambiental e ecológico como
supostamente equivalentes. A ausência desta distinção parece se associar a carência
Introdução
de conhecimento dos processos ecológicos. O ambiente, ou meio ambiente, se refere,
ou a ecosfera (uma generalidade indistinta que a tudo envolve no planeta), ou a um
meio físico particular. Os processos ecológicos têm um caráter específico referente a
comunidades de populações de organismos associados em teias tróficas que ocupam
espaços físicos e interagem com a ciclagem de compostos orgânicos e inorgânicos,
tais como a água, o dióxido de carbono e os compostos de oxigênio, nitrogênio e
enxofre. Assim, o ambiente é uma condição e um meio, passivo e ativo, reflexivo e
pulsante, onde a urbanização é parte e faz parte, constituindo-se como
tecnoecossistemas.
A sustentabilidade na natureza se associa à manutenção e renovação dos
recursos naturais e são fenômenos dinâmicos complexos, inscritos dentro de ciclos
naturais tanto orgânicos, quanto inorgânicos. A vida e a terra como conhecemos,
hoje, são o resultado dos ciclos naturais astrofísicos, biogeoquímicos e da
diversidade, interdependência e equilíbrio pulsante dos ecossistemas. Em face à
complexidade da sustentabilidade na natureza, esta não pode ser inteiramente
reduzida às disciplinas do conhecimento, pois o comportamento do conjunto das
partes depende da interação das mesmas, portanto a sustentabilidade é melhor
abordada pela transdisciplinaridade. A transdisciplinaridade é o entrelaçamento de
disciplinas na explicação de fenômenos ou questões (ZIMMERER & BASSETT,
2003). Contudo, no isolamento de variáveis na investigação e nas ações práticas
podem ser setorialmente definidas, onde a redução disciplinar é importante, contudo
os efeitos cruzados demandam a observação transdisciplinar para prognósticos mais
refinados.
Para este trabalho até este momento, foram utilizados três sistematizações
críticas do estado da arte de abordagens do desenvolvimento sustentável e seus
indicadores, além do estudo específico, sobre aquelas mais aceitas por especialistas.
Examinamos e definimos em linhas gerais, o que constituiria uma urbanização
ecológica no Capítulo 3. No Capítulo 4 investigamos métodos para medir a
sustentabilidade urbana, o que potencialmente poderiam orientar políticas públicas
para a sustentabilidade urbana. Observou-se que tais métodos foram desenvolvidos
segundo concepções distintas de sustentabilidade, contudo, mais de um método
poderia ser aplicado aos ambientes urbanos, considerando aspectos ou dimensões
diversas da sustentabilidade.
Introdução
O passo seguinte neste estudo dado no Capítulo 5 foi identificar os resultados
das pesquisas em ecologia urbana para compreender em mais detalhe, os efeitos dos
padrões de uso e ocupação do solo urbano, do transporte e infraestruturas urbanas,
sobre os serviços ambientais e ciclos naturais. Reciprocamente, foi também
necessário compreender os efeitos retroativos do ambiente sobre a organização
urbana e sua sustentabilidade. Estas tarefas são necessárias mesmo que não sejam
questões resolvidas, em face às permanentes mudanças recíprocas entre ambiente e
sociedade.
A sociedade urbana e industrial já ocupa, diretamente, com os ambientes
construídos e, indiretamente, através da artificialização da natureza em fazendas
agropecuárias, uma porção significativa da biosfera, com efeitos locais, regionais e
globais sobre o clima, ciclos geoquímicos e serviços ambientais, tais como a
purificação da água, regimes fluviais e biodiversidade.
As cidades são o centro da depleção da natureza, cujo processo pode ser
observado na urbanização, com a identificação de padrões de uso e ocupação do solo
com seus atributos, efeitos e tendências. Tais padrões, tanto atuam como causas de
perturbações sobre os ecossistemas e processos geofísicos e geoquímicos, como, em
retorno, estes se tornam efeito de mudanças destes processos naturais que
condicionam a urbanização.
A constatação de que as cidades constituem sistemas abertos, funcionando em
rede e em constante processo de reorganização, faz com que a moderna teoria da
complexidade ofereça um método de análise adequado.
As leituras articuladas de dimensões sociais e ambientais são pouco comuns.
Como explicação abrangente, identificou-se, por exemplo, o artigo de COBLENG
(2011a) que trata do papel dos serviços ambientais ou ecológicos no planejamento
urbano.
O objetivo principal da ciência nascente da ecologia urbana é poder definir
possibilidades de condições futuras às populações e comunidades partícipes de
ecossistemas urbanos, ou estados possíveis para fenômenos ambientais associados a
nutrientes, ciclos de compostos orgânicos e inorgânicos e serviços ambientais,
podendo servir para a definição de limites para o crescimento urbano. A definição de
um ecossistema urbano é um conceito básico, que coloca a sociedade como um
subsistema do mesmo, como uma população que domina um território, mas divide
CAPÍTULO 1
DEFININDO O PONTO DE VISTA
Resumo
Este primeiro capítulo procura situar a problemática da urbanização,
considerando, especialmente, as suas explicações teóricas como fenômenos
econômicos circulares, que ignoram e se sobrepõem a outros processos sociais e
naturais. Diante dessa problemática, introduz-se o debate sobre a sustentabilidade
ecológica da urbanização, a luz de paradigmas associados à teoria da complexidade,
com o objetivo de construir uma leitura da totalidade desses processos e encaminhar a
busca de respostas à questão central – como avaliar a urbanização sob o ponto de
vista de sua sustentabilidade ou insustentabilidade ambiental?
1.1 Marco teórico: o contexto do objeto e o processo explicativo
A dificuldade com o chamado modernismo e a cidade não era sua visão
totalizante, mas seu hábito persistente de privilegiar coisas e formas espaciais
acima de processos sociais. O antídoto de tal determinação espacial não é
abandonar todo o debate sobre a cidade (ou até a possibilidade de Utopia)
como um todo, como a crítica pós-modernista o faz, mas retornar ao nível do
processo de urbanização, como sendo fundamental a construção das coisas
que as contém (HARVEY, 1997, p. 419).
O efeito (desta dificuldade) nas análises ecológico-ambientais (das
cidades) tem sido a fuga de compreensões integradas do processo de
urbanização (HARVEY, 1997, p. 426-427).
Há uma série de questões ambientais centrais a serem pensadas, considerando a
rápida urbanização global. Uma dificuldade, segundo Harvey (1997), é que o termo
ambiente significa coisas diferentes para pessoas diferentes, por suas posições
ideológicas, políticas e disciplinares. Assim, as definições de prioridades a serem
consideradas também diferem, por consequência desses diversos entendimentos.
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
Cita-se como as agendas ambientais internacionais são definidas, sobretudo, por
países capitalistas dominantes, onde questões como saneamento básico passam para
um segundo plano (HARVEY, 1997). Contudo, mesmo que assim não fosse, a
velocidade da urbanização, no mundo em desenvolvimento, coloca sérios desafios
aos governos, inclusive por suas consequências ambientais. São alegações comuns
que as condições de vida e ambientais urbanas se agravaram inusitadamente, em
termos globais, desde a Revolução Industrial, atenuadas desde a segunda grande
guerra nos países centrais, mas agravadas nos países periféricos, especialmente,
naqueles em crescimento rápido.
Confirma tais colocações, a argumentação de Celso Furtado (1974) em O Mito
do Desenvolvimento. Em suma, o desenvolvimento não seria para todos, portanto,
isto se estende ao viver em um ambiente urbano saudável. Para Furtado (1974), assim
como Harvey (1997), o que determina as condições urbanas ambientais é um
processo global de acumulação capitalista, onde os excedentes são massivamente
transferidos aos países centrais, inviabilizando uma acumulação própria e a
construção das infraestruturas sanitárias urbanas nos países periféricos. Contudo, a
acumulação capitalista periférica própria é, hoje, significativa, sendo assim,
deveríamos considerar ademais o desafio da urbanização sustentável, cuja
compreensão é recente na ciência, associada a um crescimento urbano inusitado em
ambientes de baixa capacidade de planejamento e gestão governamental, além dos
tradicionais condicionamentos ideológicos que orientam as prioridades nas políticas
públicas.
Assim, essa acumulação se dá em todos os níveis, desde o local, ao regional, ao
nacional e internacional, através de uma rede de cidades. Tal rede se apresenta cada
vez mais integrada e multipolarizada como revela Castells (2000), o que é decifrado
empiricamente por Krugman (2002), levando a síntese que o Prof. Ronaldo Ramirez
faz sobre a qual fazemos uma releitura: o capitalismo global não depende mais de
pessoas, grupos, governos, Estados ou nações específicas. Ele se move como uma
superestrutura que apenas a coordenação de ações de um governo internacional, uma
superestrutura correspondente, lhe pode suportar, como uma mão invisível de ajuste
sobre uma anarquia geral na produção.
Diante desse impasse político, Harvey (1997) observa que há uma
fragmentação das lutas em movimentos anticapitalistas, inclusive, de direita.
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
Recomenda, assim, uma desejável unificação das lutas para o socialismo, mas
reconhece que, por conta das diferenças espaciais e temporais, o sistema capitalista
pode responder aos ataques fragmentados. Advoga a busca da raiz de classe comum
aos movimentos anticapitalistas, inclusive, ambientalistas.
Duvidamos da possibilidade de que o encontro dessa raiz de classe comum dê
conta de uma mudança a um pós-capitalismo, uma vez que a classe trabalhadora é,
em si, fragmentada pela própria divisão do trabalho, por interesses conflitantes e por
contradições que nascem em sua elite na própria ascensão ao poder, o que faz
produzir a reconstituição (institucional) de valores elitistas, pelos quais o capitalismo
se alimenta e se recupera.
Sob a visão da complexidade, tal esperança é reducionista, de modo que não
bastaria buscar uma raiz comum ou mesmo interesses, necessidades e desafios
ambientais comuns, fazendo com que essa totalidade necessariamente arraste, a
trancos e barrancas, às mudanças. O que ficou para nossa leitura de Harvey (1997) foi
a dissolução de alguns mitos comuns nas abordagens sobre a cidade.
O primeiro mito se constitui no conceber a cidade, antiecológica por natureza,
sem a compreensão da urbanização antiecológica, capitalista anárquica (o que é mais
evidente), todavia, a urbanização socialista, em geral, compreende mal as relações
socioambientais, considerando tais questões como uma alienação dispersiva para a
luta de classes ou, no máximo, uma prioridade secundária. Entretanto, a questão
ambiental agrega no nível de complexidade as questões antrópicas, não as nega. A
partir disso todos os problemas de planejamento e gestão se apresentam como desafio
não só a fim de conceber uma relação socioambiental saudável, mas também de
construí-la através de políticas públicas. Esse desafio se apresenta, sobretudo, aos
países em desenvolvimento, por conta da pouca tradição em planejamento, por
possuírem Estados menos estruturados com baixa capacidade de coordenar ações.
Isso por estarem imersos em rápido crescimento, ao mesmo tempo em que abrigam
sociedades ativas cuja organização tem evoluído consideravelmente. Contudo, esse
também é um grande desafio aos países com contingente expressivo de baixa renda,
recursos naturais escassos e serviços precários, organização incipiente e
politicamente problemática. A coordenação (co-ordem-ação), como palavra
aglutinada, ordenação de ações conjuntas, sintetiza o que será explorado adiante na
visão da cidade como organização.
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
O segundo mito comum apresentado é considerar que intervenções físicas
resolvem o problema ambiental urbano. Pensando no tráfego de pessoas e veículos, a
construção de vias expressas na cidade gera acessibilidade e, por consequência como
assinala Jacob (2000), mais tráfego, mais demanda por veículos individuais até uma
mais rápida congestão no sistema, mais construção de vias, mais acessibilidade, mais
tráfego... Na habitação, a urbanização caminha pari passo com a acumulação, pois as
pessoas migram, sobretudo, para lugares que estão possibilitando emprego e renda. O
déficit habitacional, as inadequações habitacionais e a demanda demográfica por
moradias não se resolvem apenas nas ações de provisão e correção de inadequações.
Há necessidade de ações preventivas, considerando acesso ao solo urbano e sua
infraestrutura, como também de ações ordenadoras no território, que vão muito além
de contextos urbanos, se associando às formas como se dão os investimentos e os
consequentes fluxos populacionais em rede.
O terceiro mito, colocado por Harvey (1997), é pensar que o caminho seria o
da transcendência dos problemas materiais. Ora, não é possível negar a necessidade
da construção de valores que sirvam de orientação ao comportamento social,
inclusive, porque isso tem importância igual ou superior às leis, tanto que estas
últimas, para se consolidarem, são condicionadas aos valores socialmente aceitos,
aquilo que lhes dá ressonância, incorporação social, legitimidade. Contudo, é de certa
forma fácil mostrar que as doutrinas morais e mesmo as filosofias de conduta, a ética,
não são suficientes para resolver o problema do consumismo, pois, mais do que
possuir os objetos de consumo induzidos por um desejo cultuado pela mídia
capitalista, o consumo é uma identidade construída, uma representação do que se
quer ser, ou do que se é para os outros, uma afirmação de individualidade, uma
reprodução de valores do supérfluo, do descartável, do efêmero, contudo prazeroso.
A resolução dessa equação entre necessidade de reconhecimento e encontro
satisfatório de um papel social está além da pauta das doutrinas morais e filosofias de
conduta, pois esbarram na questão do inconsciente, como se este pudesse ser
controlado, no lugar de ser melhor conduzido.
O quarto mito a dissecar considera que a criação de recursos e meios para
enfrentar os problemas urbanos supostamente depende da prévia resolução do
crescimento populacional, do desenvolvimento econômico e tecnológico. Esse é um
mito do sistema, por excelência. O crescimento populacional não é causa original dos
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
problemas urbanos, é o efeito de um excedente alimentar advindo do próprio
crescimento urbano e econômico capitalista. A população pode ser considerada um
problema, mas esta pode também ser considerada um recurso, capital humano. É a
capacidade do sistema que vai definir seu caráter. Contudo, se isso é fruto de uma
anarquia, é possível pensar em termos de organização, mas não apenas como uma
causa de problemas. Além disso, o desenvolvimento econômico é tanto causa quanto
efeito, solução e problema, mas, em suma, a contabilidade desse processo
compromete cada vez mais o ambiente e a saúde das pessoas. Assim, dar outro
sentido, corretivo, ao desenvolvimento, é uma tendência notória, uma posição
progressista, ou reformista. Esse desenvolvimento, na prática, seja capitalista, seja
socialista, demanda crescimento e a crença, ou aposta, é que o desenvolvimento
tecnológico possa resolver o desafio ambiental que impõe limites planetários ao
crescimento. No capitalismo, a competição obriga ao crescimento; no socialismo, o
acesso das populações a bens e serviços induz ao mesmo. Assim, o crescimento
parece ser além de inevitável, muito desejado, todavia, a condução do modelo de
desenvolvimento tem de ser outro, uma vez que não é qualquer desenvolvimento
tecnológico que proverá as condições socioambientais necessárias, mas uma política
de desenvolvimento tecnológico voltada para um desenvolvimento socioeconômico
orientado para a sustentabilidade. Existem condições sistêmicas para essa condução?
O quinto mito considera que os problemas sociais serão sanados com a total
liberdade das forças descentralizadas do mercado. Considera-se, portanto, que o caos
tenha seus padrões de formação, definidos por motivações comuns que conduzem o
comportamento organizativo de um sistema a partir de interações de seus elementos,
por exemplo, na interação dos agentes econômicos, todos eles possuídos de valores
que reproduzem objetivos e metas de acumulação. Entretanto, isso não impede a
abordagem dos problemas que demandam uma ação coletiva, em benefício de cada
agente, do conjunto destes e do sistema que, por extensão, pode ou não beneficiar a
sociedade, dentro de um sistema de valores, onde tudo quanto possível será orientado
apenas por interesses privados. A liberdade de mercado choca-se assim,
frequentemente, com interesses sociais mais gerais. Exemplificar é trivial, mas é
interessante colocar que, quando bens e serviços não podem ser valorados em moeda,
não podem ser negociados. Quais são, então, os limites dos instrumentos econômicos
para viabilização de políticas ambientais? Tudo que onera a produção é transferido
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
aos preços e, portanto, a sociedade é, ao final, quem paga a conta para alguns terem a
liberdade de se favorecerem com perturbações ambientais. A possibilidade de fixação
de preços pelo Estado, no capitalismo, é insustentável. No socialismo, há essa
possibilidade, mas esse controle pode ter outros efeitos como no caso comum de
escassez. Existe em todos os casos um custo em trabalho social que as pessoas não
estão obrigadas, ou não se obrigam a pagar, pelo trabalho da natureza.
O sétimo mito revisto considera que as forças da globalização (ou expansão do
capital internacional sobre fronteiras nacionais) são fortes o suficiente para impedir
qualquer autonomia local, ou iniciativa que possa mudar a trajetória do processo de
urbanização. Ou seja, não há o que fazer, porque todos são impotentes diante do Deus
Mercúrio. Contudo, a China mostra que é bastante “dourar a pílula” com seus
projetos de cidades, supostamente sustentáveis, ou menos insustentáveis, construídas
por grandes empresas capitalistas suecas. O movimento de cidades sustentáveis, nos
Estados Unidos, partiu de iniciativas locais de prefeitos, em face da negligência de
instâncias superiores e essas já são algumas centenas.
O oitavo mito é que as comunidades (em geral, locais), agindo de modo
solidário, podem prover a estabilidade e o poder necessário à gestão urbana,
facilitando a resolução dos problemas e podendo chegar até a substituir o poder
público, assumindo o controle da gestão. A trajetória da experiência das organizações
não governamentais ilustra essa crença. Algumas organizações de direito privado
podem ter cumprido melhor os papéis públicos quando a própria legislação e a
organização pública impediam seu bom desempenho. Contudo, não é possível
contornar a necessária existência de uma política pública que conduza a bom termo
esses agentes.
Com a concepção de um nono mito, Harvey (1997) questiona o estado forte
como capaz de tratar satisfatoriamente nossas cidades problemáticas e desintegradas,
com sua autoridade e controle centralizador, com seu aparato (moral, político,
comunitário, religioso e militar) que deveria ser reafirmado, salvaguardando-se
qualquer limitação à liberdade de mercado. Esse mito é um desdobramento do quinto,
um recurso pela força, pela liberdade de acumular excedentes do trabalho. Embora o
poder político seja sempre oriundo de coalizão de forças políticas (HUME, 1973), a
posição oligarca e a corporativa desagradam a “gregos e troianos”, por isso é instável,
gera deseconomias, crises cíclica e, finalmente, mudanças estruturais.
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
O décimo e último mito surpreende por vir de quem o identificou. Esse mito
reza que qualquer transformação radical nas relações sociais em áreas urbanizadas
originaria em algum tipo de revolução política (seja comunitária, religiosa, socialista,
comunista, autoritária ou fascista) não terá sucesso, mesmo se propondo a uma ordem
social que permita o florescimento de relações sociais desejáveis de fraternidade,
igualdade, liberdade ou felicidade, a não exploração do trabalho, ou o respeito aos
limites dos processos da natureza. O questionamento que se faz aqui, em suma, é da
efetividade das mudanças sociais estruturais como marco efetivo de mudanças nas
relações sociais. É certo que mudanças radicais realizam bem menos do que propõem
os discursos de seus protagonistas, todavia é difícil não reconhecer mudanças nas
relações sociais, via revolução. É interessante notar que elas carregam suas
contradições e suas dificuldades e desafios como uma aposta em um jogo onde está
em questão toda a organização social, mas é impossível negar os cortes, as
descontinuidades, embora algumas relações possam ser reconstituídas com
contrarevoluções exitosas. A questão ambiental guarda tanto potencial revolucionário
quanto reformista, mas ainda hoje perde sua capacidade transformadora dentro das
disputas sociais por poder. Contudo, a sobrevivência da espécie torna-se cada vez
mais evidente em face às mudanças climáticas e, o que não coloca Harvey (1997):
será que a questão ambiental não contém latente, um elemento social transformador e
revolucionário? Essa indagação põe em cheque os modos ou sistemas de produção
por questionar não apenas sobre as relações sociais, mas também as relações
socioambientais, uma emergência inusitada na história. A urbanização está imersa
nessa história e é um importante resultado da mesma.
A síntese sobre a releitura dos mitos reunidos e comentados por Harvey (1997)
permite a identificação de formas de compreender a urbanização, suas contraposições
e complementaridades. A cidade precisa ser entendida enquanto resultado de
processos e não como um objeto, embora isto também seja necessário observar para
compreender os efeitos retroativos da cidade sobre a sociedade. Assim, a cidade
como processo e ou objeto ativo são modos de ver cabíveis e isto explica a
insuficiência da engenharia e do planejamento físico dar conta da urbanização. Por
outro lado, essa dupla natureza material e processual explica porque as doutrinas e
filosofias de conduta (morais ou éticas) que se consubstanciam em leis e normais, não
dão conta da complexidade em foco. A abordagem da cidade ou da urbanização sob o
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
ponto de vista político-institucional chega a indicar mudanças políticas e
institucionais necessárias de caráter estrutural ou incremental, todavia focalizam
apenas estas dimensões da questão socioambiental urbana. O aspecto da capacidade
de geração de recursos tecnológicos, embora tenha importância insofismável,
depende de uma política pública e privada, e não pode ser politicamente neutra, assim
como o crescimento populacional e econômico.
As insuficiências explicativas advindas da redução a aspectos, dimensões ou
disciplinas (mesmo que algumas destas sejam mais determinantes na urbanização e
no seu controle), se estendem ainda à liberdade das forças de mercado, à
globalização, às comunidades e organizações da sociedade civil, ao poder integrador,
reorganizativo e coercitivo do Estado. Portanto, para reconhecer a urbanização é
preciso uma abordagem que dê conta da complexidade, da abertura a inferências
externas, de fatos imprevistos internos que atuam de modo parcialmente
independente.
Para essa tarefa interminável, importa mais considerar uma abordagem da
complexidade do que por onde iniciar a análise. Assim, escolhe-se contextualizar
como se segue.
A Urbanização Brasileira
A análise da urbanização no contexto brasileiro que segue, vê a cidade
enquanto processo de urbanização. A consolidação da cidade foi possível pela
captura do excedente alimentar que permitiu que pessoas vivessem aglomeradas, não
exercendo necessariamente atividades direta ou indiretamente associadas à produção
de alimentos. Assim, se estabeleceu a divisão entre cidade e campo, definindo uma
divisão social e ecológica do trabalho. Além disso, a cidade é a sede do poder,
portanto "a produção do excedente alimentar é uma condição necessária, mas não
suficiente para o surgimento da cidade", como coloca Singer (2002). Assim, a criação
de instituições é fundamental para assegurar "a transferência do mais-produto do
campo à cidade" (SINGER, 2002).
A abordagem da pegada ecológica dá uma medida à dominação pelas
implorações das cidades. Na medida em que a cidade cresce, ela cria as condições
para a sua reprodução, gerando o desenvolvimento das forças produtivas no campo.
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
O financiamento à produção rural e à produção de máquinas, equipamentos e o
desenvolvimento de técnicas agrícolas e pecuárias são atividades urbanas.
As sociedades urbanas estratificadas em classes sociais podem ter origem em
conquistas como em torno de uma fortaleza, ou a partir de evolução social interna por
ter sediado um mercado, ou por ter sido a junção de rotas de rebanhos e mercadores,
como assinalou o Prof. Manuel Corrêa de Andrade, em sua obra Formação da Rede
Urbano do Nordeste.
Para Singer (2002), o crescimento da população das comunidades rurais e
urbanas e as dificuldades de produção e reprodução das condições de vida e trabalho
dos indivíduos fomentaram e fomentam o questionamento da ordem social
estabelecida, resultando no surgimento de outras ordens sociais para o
desenvolvimento das forças produtivas, combate a proliferação da fome e epidemias.
Tais ordenamentos sociais se definem, fundamentalmente, nas relações de produção.
O crescimento da cidade se associa a divisão do trabalho, tanto no nível intraurbano,
como entre cidades, dando origem a redes hierarquizadas, hoje, globalmente
integradas.
Apesar da cidade atual ser predominantemente definida pelo modo de produção
capitalista, este sistema não é único, observa-se que as cidades conservam outros
modos de produção com seus conflitos e alianças intraclasses e interclasses. O
processo de urbanização, em uma sociedade como a nossa, não se define apenas por
aspectos demográficos e ecológicos, como também não pode ser entendido como um
processo autônomo, mas sim como um processo de acumulação, advindo de uma
industrialização tardia que tende, ou tendia até recentemente, a superconcentração
análoga a uma megaencefalia a partir de São Paulo e algumas capitais nacionais
como colocou Milton Santos em sua obra A Urbanização Brasileira (1993).
O processo brasileiro de urbanização apresenta, ainda, outros aspectos políticos
e econômicos determinantes, tais como: a capacidade limitada de investimento dos
entes federativos nas cidades, especialmente as prefeituras; a descentralização e
alocação dos recursos, privilegiando cidades pequenas em detrimento dos fluxos
populacionais para cidades médias e grandes; a distribuição de recursos em
detrimento do investimento em infraestrutura e habitação, especialmente necessário
em cidades médias e grandes, e a descontinuidade na distribuição do tamanho de
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
cidades, ou seja, o País apresenta redes de cidades com grande número de cidades
pequenas e poucas cidades médias (IPEA, 2001).
O estudo das migrações tem importância no planejamento das cidades, por ser
um efeito importante das decisões de alocação de investimentos, sendo assim, é um
dos determinantes das condições ambientais. Desse modo, compreender as migrações
é decisivo para ações planejadas. A abordagem das migrações pode ser apenas
empírica, contudo, isso não oferece explicações causais para a percepção de possíveis
mudanças no rumo da urbanização em face de que as populações migram em busca
de trabalho e oportunidades não só porque as cidades maiores oferecem mais
oportunidades, mas porque seus lugares de origem não oferecem, ou deixaram de
oferecer, e os dados da migração podem sinalizar a inversão de tendências.
Identificam-se ainda alguns fatores determinantes das migrações: a maior acumulação
capitalista nas cidades centrais e empobrecimento relativo das demais e de seus
territórios; a introdução das relações capitalistas, expropriação e concentração de
terras para o agronegócio; o desemprego estrutural no campo resultante do tipo de
modernização da agricultura e pecuária; a ação de forças de atração da cidade por
suas oportunidades.
Desse modo, os fatores de mudança e os fatores de estagnação se associam nas
políticas regionais. As políticas de desenvolvimento regional, especialmente no
Nordeste brasileiro, buscaram resolver o fluxo migratório dirigido ao Sudeste,
fomentando a industrialização, ao mesmo tempo em que também incrementaram o
fluxo de regiões estagnadas, especialmente do minifúndio para as capitais
nordestinas.
A análise histórica do panorama urbano latino americano revela uma divisão
tardia do trabalho entre campo e cidade, pois nos dois primeiros séculos a produção
foi extremamente especializada em ouro, prata e açúcar, embora tenha havido, no
século XVIII, alguma diversificação, tanto na América espanhola, quanto na lusitana.
O sistema colonial monopolista desenvolveu apenas o setor de exportação e o
excedente era apropriado pela Coroa e seus prepostos (soldados, funcionários,
sacerdotes e mercadores), não tendo havido uma divisão de trabalho mais
característica da divisão entre cidade e campo, visto que a cidade não provia ao
campo os meios para o seu desenvolvimento, nem a si mesma, por uma diversificação
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
que propiciasse sua emancipação do campo, o que, por sinal, era política e
institucionalmente reprimido.
Essa herança de um Estado que funciona apenas para uma elite está ainda
presente entre nós, sob formas mais sutis. O recente crescimento acelerado de nossas
metrópoles evidencia isso na negligência do planejamento eficaz para equacionar a
questão das migrações com suas conseqüências para as condições habitacionais e
infraestruturais urbanas. A marginalização e segregação espacial da população
geraram também a crítica antiurbana. Esta focaliza os efeitos desse tipo de
urbanização no lugar dos processos circulares de causas e efeitos, imputando a
responsabilidade dos problemas urbanos: ou na população pela explosão urbana e
demográfica, ou na industrialização por supostamente empregar menos mão de obra.
Essas críticas associaram-se a argumentos em defesa do controle urbano e
populacional e à defesa de tecnologias intermediárias ou, supostamente, alternativas.
Participam de tal crítica tanto elementos da direita como da esquerda.
Sobre o crescimento desmesurado de São Paulo, por exemplo, ficou evidente o
agravamento em números absolutos do déficit habitacional, a carência de infra-
estrutura básica no saneamento. No transporte, houve a saturação das vias de trânsito,
faltavam vagas nas escolas e leitos nos hospitais, além da má qualidade do
atendimento que se observava. Segundo a direita, a responsabilidade era dos pobres
que não paravam de se reproduzirem e de migrarem para a cidade grande; segundo a
esquerda, apontava-se para a anarquia da produção no capitalismo como causa do
gigantismo problemático das metrópoles. Ambas as argumentações antiurbanas não
se davam conta de que não há uma necessária relação entre o aumento da
aglomeração e os problemas urbanos, como entre o aumento da população e a
expansão da economia metropolitana.
Como já observado desde a Revolução Industrial por historiadores, a
industrialização, tanto quebra ou limita a agricultura tradicional como concentra terra
no campo. Esta cria oportunidades na cidade, gerando tanto a expulsão quanto a
atração de populações do meio rural, concentrando populações nas cidades, o que
força a desvalorização do trabalho, mas ainda assim finda por oferecer melhores
salários que o campo.
No Brasil, esse processo acelerado de urbanização e industrialização se
desencadeia com a Revolução de 1930, quando políticos e militares oriundos de
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
Estados periféricos se levantam especialmente contra a oligarquia rural cafeeira e
fomentam a industrialização e a criação de benefícios sociais ao proletariado urbano,
atraindo parcela crescente do proletariado rural para as cidades, gerando, assim, um
exército de reserva de trabalhadores nas cidades. Além do mais, isso se deu com a
abolição da autonomia total dos Estados federados, a unificação dos mercados, a
paulatina perda de poder das oligarquias locais sobre as populações rurais, além do
desenvolvimento da autonomia institucional do Estado e criação de sua capacidade de
planejamento materializada na geração de estoques reguladores de preços das
principais commodities, na construção de ferrovias e rodovias nacionais, redes de
telecomunicações etc. Ademais, a melhor oferta de serviços na cidade gerou
diminuição da mortalidade, acelerando o crescimento demográfico, o que também
chegou posteriormente ao campo, levando a uma escassez de disponibilidade de terra
e às migrações continuadas.
A concentração de capital associada à metropolização se manifesta de duas
formas principais: a) concentração de atividades em firmas cada vez maiores ou mais
dominantes por vantagens financeiras, comerciais e produtivas; b) concentração em
locais estratégicos para transporte e comunicações, existência de serviços industriais,
localização de fornecedores e compradores.
A concentração espacial cria vantagens multiplicativas gerando, por
consequência, um crescimento circular endógeno, concentrando mercado e
infraestrutura que não dão conta desse crescimento. Assim, associado às vantagens da
aglomeração, surgem as desvantagens, agravadas pelas dificuldades de planejamento,
em um cenário onde as decisões de localização são descentralizadas e a capacidade
de investimento e intervenção física e regulatória do Estado são limitadas.
Acrescenta-se a problemática da cidade grande a aposta errônea no transporte
individual e o suposto alto custo de investimentos em transporte público
metropolitano, contudo, é errôneo pressupor que a economia de uma cidade, como
São Paulo, está se tornando inviável, diz-se que há antes um atraso na adoção de
medidas (ou uma má escolha de medidas) do que uma escassez de recursos para
financiar a mesma.
A demanda por serviços na economia capitalista é definida pela demanda
solvável (variando com a renda) e não é função (apenas) do aumento da população.
Em certos casos, o avanço tecnológico da telefonia permitiu a geração de uma
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
demanda solvável popular, o que continua difícil para muitos outros serviços. Como
não seria possível nem deter, nem planejar o crescimento no longo prazo, as carências
se tornam crônicas na metrópole paulistana. Segundo o argumento antiurbano,
haveria um agravamento da diferença entre a capacidade de absorção de mão de obra
e sua oferta crescente por migração, supostamente gerando desemprego e
subemprego. Entretanto, o fluxo migratório para a Grande São Paulo se explica, ou se
explicou, por sua maior demanda por trabalho e as estatísticas revelaram a
manutenção do nível de emprego, contrariamente a cidades como Recife nas décadas
de 60, 70 e 80.
Por outro lado, admite-se que o tipo de desemprego típico de economias de
industrialização tardia, como a do Brasil, resulte da insuficiência da acumulação que
permitiria incorporar à produção mulheres, jovens ou outros migrantes do campo, ou
seja, a força de trabalho que se tornou disponível nas capitais por fatores de atração
das mesmas e aqueles associados às mudanças nas áreas rurais e pequenas cidades.
Assim, a problemática das metrópoles resultaria da concentração de atividades que
tem limites econômicos e ambientais e não por excesso de população. Por outro lado,
não havia dados que permitam definir o grau ótimo de aglomeração em termos
estritamente econômicos, embora isto deva existir em termos socioambientais que ao
final se refletem nas ditas externalidades. A crítica anticapitalista aponta, como cerne
do problema, o modo descentralizado, independente e guiado pelo autointeresse na
tomada de decisões por agentes econômicos, sendo esse processo inerente ao
capitalismo. No caso de Estados pouco capazes de planejamento e provisão de
infraestrutura, isso resulta em superaglomerações urbanas com suas insuficiências em
serviços, na congestão de demandas por manutenção, em deseconomias geradas pelo
conjunto dos agentes econômicos e na socialização do custo das externalidades.
Em síntese, a urbanização brasileira recente é marcada por rápido crescimento
econômico e populacional sem infraestrutura urbana suficiente, porém, a expansão
econômica só recentemente tem correspondido melhor a oportunidades de trabalho,
em face à desconcentração espacial do investimento.
Ainda, de modo incipiente, conclui-se com essa identificação de fatores gerais
que definem o urbano brasileiro permite verificar que as relações entre sociedade e
ambiente são recíprocas, ou seja, produzem-se ambientes construídos que criam, num
momento posterior, seus produtores e os limites conjuntos destes em um processo
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
circular entre agentes e meio que define a sustentabilidade do sistema urbano. Os
limites desse tipo de crescimento econômico e urbano estreitam o horizonte de sua
sustentabilidade.
Por outro lado, verificamos que a urbanização se insere em uma política
econômica nacional, se associa fortemente a geopolíticas nacionais e internacionais e
se estrutura por rede de cidades.
A Urbanização em Rede
As cidades não são ilhas econômicas, não são autosuficientes. Há dois fluxos
de trocas: um ascendente de alimentos e matérias primas que passam,
frequentemente, da cidade menor para a maior e de produtos e serviços da cidade
maior para a menor, pois há atividades que só se justificam na cidade maior, pelo
tamanho do mercado, existência de infraestrutura, serviços industriais e fornecedores.
As cidades menores funcionam como entrepostos dos fluxos ascendentes e
descendentes de bens e serviços, mas todas existem porque exportam bens ou
serviços, em outras palavras, contém atividades exportadoras e uma acumulação
interna, participando da rede de acumulação geral das grandes cidades até as
internacionais dominantes.
A cidade grande também pode ter seu território rural próprio para suprimentos
alimentares e obter matérias primas sem passar por cidades menores. As cidades
maiores podem vir a atrofiar, ou estagnar a economia das menores.
As redes urbanas estão em constante transformação em função da alocação dos
investimentos e do compartilhamento dos excedentes entre os núcleos ou economias
urbanas. Tal dinâmica é uma questão central no planejamento regional e nacional.
Isso é relevante porque, deixando isso ao livre jogo de mercado, a tendência geral é a
decadência de algumas e a congestão de outras. Como crescer é uma questão também
importante do ponto de vista ambiental.
As partes fundamentais da economia em foco são: as atividades exportadoras
de bens e serviços e as atividades de manutenção. As atividades exportadoras dão
sentido à existência das cidades. A capacidade de exportar (onde o setor industrial
tem papel central) e a capacidade de importar (definida no tamanho do mercado
urbano) são capacidades interativas e acumulativas, pois são os excedentes das
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
exportações e a circulação de gastos no mercado urbano próprio que lhes
proporcionam o crescimento. Contudo, dado os desequilíbrios da acumulação em
países de industrialização tardia apenas algumas cidades grandes proporcionam
serviços básicos planejados para "atender" sua população. Tal concentração,
entretanto, gera uma demanda externa à cidade e a consequente saturação dos
serviços. Sendo assim, é impossível compreender a cidade sem situá-la em sua rede
urbana e sua função ou funções nessa rede, seja pelo que produz e exporta, por sua
localização comercial estratégica, pela diversidade de serviços que oferece, pelas
instituições que abriga, pela história e cultura que desenvolve, pelo tamanho de seu
mercado ou pela infraestrutura urbana que conta.
Esse tema traz a definição da vocação urbana ou metropolitana que pode ser
traduzida como as vantagens comparativas das economias urbanas para a produção de
bens ou serviços para suas próprias regiões ou país, em função de sua localização,
atributos naturais, sua história, sua cultura e desejo político de seus governantes.
Dentro de uma suposta abordagem racional da vocação urbana (cuja forma de
identificação não se discute), no planejamento de Estado haveria espaço para se
superar obstáculos e dificuldades locais que o mercado não estaria apto a vencer, por
suas reconhecidas falhas. A questão é que esta racionalidade de planejamento
carrega, também, as suas contradições, primeiro enquanto racionalidade mesma, para
tratar com sistemas complexos como a urbanização (o que será devidamente
caracterizado adiante, neste trabalho), segundo porque o planejamento de Estado é
apenas um dos componentes do processo de urbanização (parte do componente
controle/descontrole) que mantém relações complementares, concorrentes e
antagônicas com os processos sociais (de emancipação/sujeição) e econômicos (de
acumulação/desperdício), os quais também determinam a urbanização e que serão
abordados do Capítulo 3.
A questão da vocação urbana não é apenas identificá-la em função do
crescimento, o que reproduz a lógica de mercado, mas como identificar as aspirações
emancipatórias da sociedade e, ademais, quais as implicações dessas escolhas sobre o
meio ambiente. As áreas metropolitanas das regiões menos desenvolvidas do País
apresentam, em geral, uma especialização meramente comercial que decorre do seu
próprio atraso. Para saber as vocações urbanas, ainda seria preciso traçar projeções
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
das implicações regionais mais extensas. Normalmente, as regiões metropolitanas
têm mais de uma vocação, que podem ser exploradas no planejamento.
Na revisão crítica de textos teóricos sobre a cidade, identificam-se
coincidências que não são ideológicas. Por exemplo, há certo consenso de que a
cidade é, em primeira instância, um efeito de um processo econômico de urbanização,
assim há uma hegemonia disciplinar explicativa da cidade, sob a qual outras
disciplinas, como a sociologia urbana, a política urbana, o planejamento urbano e
regional e a geografia pautam suas análises e investigações, como se suas afirmações
devessem estar sobredeterminadas por variáveis de outra natureza. Nessa linha de
raciocínio, no máximo haveria momentos ou circunstancias onde toda a ordem
econômica institucional estaria em risco por razões eminentemente políticas e sociais,
contudo, em situações normais que não de crise, a normalidade seria essa hegemonia.
No entanto, na prática, a implementação de políticas econômicas é resultado de
decisões políticas, assim como as políticas econômicas de urbanização e isso também
depende da capacidade da sociedade organizada inferir nessas decisões, ou das
reações sociais aos efeitos das mesmas.
O cruzamento de disciplinas também vinha reafirmando esse primado da
economia, com o desenvolvimento da economia urbana, a geografia econômica e
estudos econômicos de projetos urbanos estruturadores com fortes inferências sobre
propostas físicas. Entretanto, com a emergência das questões ambientais, o mundo
analítico linear, positivista, perde sua capacidade explicativa, seu status científico. A
sustentabilidade ambiental comporta aspectos múltiplos, sociais e naturais, que não
podem ser traduzidos em moeda. Exige, inclusive, outra compreensão de ciência
renascida na física recente, na biologia, na filosofia do conhecimento e na
matemática. A limitação disciplinar, que não é apenas da economia e tem origem na
redução analítica que leva ao enclausuramento disciplinar, pode ser exemplificada
por conceitos aparentemente simples, como sustentabilidade e desenvolvimento
sustentável e essa acepção do conhecimento é desenvolvida na seção que se segue.
1.2 Marco conceitual: do conceito de sustentabilidade à ecologia urbana
O objetivo desta seção é introduzir a reflexão para uma compreensão da
sustentabilidade urbana do ponto de vista teórico. Em resumo, isso associa uma visão
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
de conjunto das relações dos ecossistemas e serviços ambientais coligados com
sistemas urbanos. Algumas destas relações têm validade mais geral e até global,
enquanto outras são função dos contextos sociais e ambientes próprios. Considerando
a diversidade dos contextos socioambientais urbanos, pode haver várias respostas às
questões seguintes: Seria possível traçar padrões gerais para a sustentabilidade
urbana? O quanto à sustentabilidade ambiental do Planeta depende do êxito da
sustentabilidade ambiental urbana? Essas são questões relevantes, que situam as
cidades como nós de redes de cidades e como centros da "irradiação" da depleção
antrópica da natureza. Todavia, essa última questão só pode ser respondida sob a
compreensão do que seja sustentabilidade. Contextualizar tais respostas a um país ou
região em desenvolvimento já cumpriria um papel adequado de pesquisa e, em
qualquer caso, isso seria fundamental para uma definição teórica de sustentabilidade
urbana. Tais países estão entre os 12 a 15 mais poluidores (VEIGA, 2010).
A definição de sustentabilidade se associa a idéia de continuidade e resiliência
de sistemas. No caso de sistemas abertos, como a cidade e os ecossistemas, a
sustentabilidade se dá através de processos recorrentes, retroativos e reorganizativos
que lhes permitem a continuidade por autorreconstituição. Desse modo, as noções de
limite temporal e físico lhe são sempre intrínsecas. Pode-se falar do que seja mais ou
menos sustentável no tempo, mas não de uma sustentabilidade sem limites. Assim
como o tempo, a sustentabilidade é uma relação e não uma grandeza, uma medida
comparativa de durabilidade e resiliência, ou seja, a capacidade de um sistema de
absorver e se recompor de um impacto ou série de impactos.
Na literatura sobre sustentabilidade urbana, econômica e mesmo ambiental,
diz-se que a condição fundamental para a sustentabilidade é por limites ao
crescimento econômico e urbano. Noutras palavras, isto é por limites ao uso de
recursos naturais não renováveis e a degradação ambiental de modo a não
comprometer estes recursos às gerações futuras, o que se associa à definição de
desenvolvimento sustentável. Tal desenvolvimento seria aquele que satisfaz as
necessidades das gerações presentes sem comprometer os recursos naturais e os
serviços ambientais necessários às gerações futuras (ONU, 1987).
A partir do exame teórico da questão da sustentabilidade urbana, procede a
verificação empírica do quadro teórico resultante deste exame, considerando a cidade
em rede e como complexidade auto-organizada. Isso pode indicar formas inovadoras
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
de atuar e monitorar ações urbanas. A revisão de indicadores de sustentabilidade para
essa verificação e monitoramento é apresentada no Capítulo 3.
No caso de políticas que protagonizem de modo proativo, a sustentabilidade,
esse estado pulsante, cujos limites são dados pela natureza e que as cidades devem
observar, contém múltiplos aspectos, dimensões e escalas, sobre os quais os
indicadores disciplinares medem a insustentabilidade sob aspectos selecionados que,
se compatibilizados, permitiriam um diálogo interdisciplinar. Por tal
interdependência disciplinar, mesmo que se possa inferir que algumas disciplinas
seriam de importância mais central que outras na formulação das ações, na
governança dessas ações outras poderiam ser mais relevantes. Nesse contexto, a
gestão planejada urbana e regional tem um lugar assegurado. Entre os seus papéis,
cabe o monitoramento da qualidade ambiental das cidades, sobre o qual os objetivos
deste estudo se desdobram.
1.3 Método de análise: as linhas gerais da dialógica investigativa
A dialógica significa "diálogo lógico circular" entre disciplinas do
conhecimento. Um termo cunhado por Morin para descrever a abordagem
transdisciplinar. Esta seção objetiva resumir leituras desse autor em filosofia da
ciência, primeiro apresentando sua crítica a tradição cartesiana redutora e analítica
convencional por sua insuficiência para tratar sistemas abertos; segundo, revelando a
importância da teoria da complexidade no tratamento desses sistemas.
O desenvolvimento disciplinar das ciências não traz apenas as vantagens do
conhecimento das partes para a compreensão de um todo organizado, surgem,
também, os inconvenientes da superespecialização, quais sejam: o enclausuramento
ou fragmentação do saber; a desconexão entre as ciências da natureza e as ditas
ciências humanas; a exclusão do espírito científico e da cultura na produção das
ciências ditas duras. Por outro lado, as ciências do homem ainda têm dificuldades de
associar os seres humanos dotados de desejo e consciência enquanto seres biológicos
vivos; as ciências antropossociais adquirem, desse modo, todos os vícios da
especialização disciplinar sem a vantagem da construção de um todo organizado.
No próprio grupo de ciências humanas, os conceitos nascem e morrem sem o
cotejo de relações interdisciplinares. Essa fragmentação leva a dificuldades de
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
difusão e ao enclausuramento das informações em bancos de dados e bibliotecas
deixando de serem mediadas pela comunicação social. Entretanto, esta produção está
disponível para a manipulação utilitarista de estados ou empresas em primeiro lugar
e, ao que parece, por último, para benefício público. Tal tendência conduz ademais a
um neo-obscurantismo, onde os especialistas são míopes e ignorantes de outros
saberes senão os de seus campos, e os leigos renunciam ao saber e a reflexão sobre o
mundo e a vida, delegando aos cientistas essa reflexão que, por sua vez, não tem nem
meios, nem tempo para tanto, ou seja, uma situação paradoxal – onde o
desenvolvimento do conhecimento leva a inconsciência dos cientistas e a resignação
à ignorância dos não cientistas. Os cientistas produzem um poder sem qualquer
controle sobre o uso manipulatório, ou destrutivo do conhecimento.
Em resumo, a intensidade do progresso do conhecimento científico é inédita e
paralela ao progresso da ignorância. O progresso dos aspectos benéficos da ciência
tem sido paralelo ao progresso dos aspectos nocivos. A evolução dos poderes da
ciência caminha pari passu à impotência dos cientistas sobre esses poderes e a
responsabilidade dessa situação é, também, dos cientistas.
Atravessamos uma era em que os desenvolvimentos científicos estão, cada vez
mais, sujeitos a interretroações estreitas e múltiplas.
A técnica produzida pelas ciências transforma a sociedade, mas também,
retroativamente, a sociedade tecnológica transforma a própria ciência. Os
interesses econômicos, capitalistas e de Estado desempenham um papel ativo
nesse circuito de acordo com suas finalidades, seus programas, suas
subvenções. A instituição científica mantém as coações técno-burocráticas
próprias dos grandes aparelhos econômicos, ou estatais, mas nem o Estado,
nem o capital são guiados pelo espírito científico, contudo utilizam os poderes
que a investigação científica lhes proporciona (MORIN, 2008).
A experimentação constitui uma manipulação que depende do
desenvolvimento técnico, que desenvolve a ciência, que faz desenvolver a técnica,
inclusive, para novas formas de manipulação ou experimentação.
As relações de interdependência unem a ciência, a técnica, a ação do Estado e a
sociedade. A investigação científica não faz nada mais que responder as demandas
das subvenções, por isso a ciência não se conhece, ou não se reconhece, como um
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
todo e não tem uma resposta para a sua própria natureza. O conhecimento científico é
um conhecimento que não se conhece, pois a ciência não controla sua estrutura de
pensamento. A evidência disso se encontra no diagnóstico da crise na filosofia do
saber, reduzida como foi às suas próprias técnicas ou métodos. Outra evidência é a
carência na construção de uma nova autoconsciência da ciência e seus protagonistas
que faria emergir o espírito científico. Este vai para além da concepção de uma
evolução por ampliação da capacidade explicativa do saber incorporando os saberes
anteriores, devendo compreender dicotomias, contradições, incertezas e emergências,
mas, sobretudo, novas visões integradas de mundo que permitam sua transformação
de modo mais consequente.
A disjunção do método cartesiano explica tal alienação. A questão do sujeito
foi remetida a filosofia e a moral, cuja abordagem é encarada como uma tarefa
externa ao trabalho científico. Por isso, o cientista encontrou-se desarmado para
pensar sua ciência. A questão – o que é a ciência? – é uma dessas questões que não
tem resposta científica. Por esse motivo, tal reflexão se impõe como uma política e
disciplina aos cientistas sob pena de todo o saber quantificável e utilizável se tornar,
sobretudo, estéreo e venenoso.
A ciência natural não tem meios para conhecer-se como realidade social; a
ciência antropossocial não tem meios para conceber-se no seu enraizamento
biofísico; a ciência não tem os meios para conceber seu papel social e sua natureza
própria na sociedade (MORIN, 2008).
A ciência não é a realidade. A primeira é uma compreensão, uma tradução da
segunda, em uma linguagem humana, uma interpretação ou uma aproximação da
realidade. Os estudos de filósofos importantes do conhecimento revelam tanto pontos
antagônicos, quanto pressupostos questionáveis, assim como crenças não científicas
escondidas como as partes submersas dos icebergs. Além disso, as teorias científicas
são mortais, mutáveis, ou instáveis, contrariamente às teorias religiosas que são mais
estáveis. Um paradigma - princípio maior que governa uma visão de mundo - pode
desabar dando lugar a um novo paradigma.
Por outro lado, o progresso científico tem levantado mais perguntas que
respostas, criado mais incertezas que certezas, leis universais tornaram-se
simplificações grosseiras diante da profusão das descobertas sobre as complexidades
irredutíveis a fórmulas. O próprio futuro é revisto com possibilidades múltiplas, onde
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
o todo tem poderes autorregulatórios, mas as partes mantêm certa independência
dentro da subordinação do todo, tornando-o, assim, relativamente subordinado as
partes, como em um organismo. A organização e a desorganização, a ordem e a
desordem, a entrofia e a negentropia, a morte dos indivíduos e a estabilidade da vida
das espécies coexistem como necessidade mútua no mundo físico e biológico.
Contudo, há um lado libertador na incerteza, a libertação do sonho ingênuo de
nossas certezas e nossos dogmas, apresentando tanto uma medida assombrosa de
nossa ignorância, quanto às perspectivas grandiosas, inovadoras e fascinantes da
realidade, que tem se revelado sempre mais além de nossa compreensão, exigindo a
transposição de nossas certezas.
O esboço da revolução do pensamento em que estamos imersos é, então, assim
descrito: a complexidade não pode ser traduzida a alguns princípios simples; a
simplificação filha do método cartesiano é aplicada sobre os fenômenos por
separação e redução, a separação, isola os fenômenos uns dos outros, dos seus
ambientes e de seus observadores, assim como as disciplinas isolam a ciência na
sociedade; a redução afasta a diversidade para determinar o comportamento dos
fenômenos sobre situações controladas, assim sendo possível traduzi-los em medidas
e expressões matemáticas, compreendendo a natureza por essas expressões e
medidas, e não no contexto da totalidade diversa e múltipla em que se manifesta.
Assim, a formalização matemática é útil e redutora.
Sobre a Antiga e a Nova Transdisciplinaridade
A história da ciência revela que as disciplinas se comunicam. A
interdisciplinaridade é fato comum, porém, as disciplinas seguem afirmando e
reforçando suas soberanias territoriais e suas fronteiras, no lugar de demoli-las.
Do mesmo modo, se reconhece que, nas ciências, o desenvolvimento da
transdisciplinaridade se manifesta como consenso no uso de métodos, postulados
implícitos como o da objetividade, na eliminação da subjetividade, na utilização da
matemática e na adoção de certas formalidades procedimentais.
Assim, a ciência se tornou ciência porque se tornou transdisciplinar e a história
informa sobre grandes unificações por grandes nomes na física e na filosofia da
Capítulo 1 – Definindo o Ponto de Vista
ciência com o pragmatismo, o positivismo e o empirismo e em visões de mundo
como no marxismo, com o freudismo e o darwinismo.
Todavia, os princípios reducionistas da ciência tradicional levaram à
unidimensionalizações do real, via abstração e formalização, enclausurando a ciência
às suas disciplinas.
A separação do sujeito do objeto é um reflexo do paradigma mais geral de
distanciamento do observador (do contexto real) associada à redução (por
explicações abstratas e formais).
Por isso, a nova transdisciplinaridade exige: que se possa distinguir, contrapor
e separar o conhecimento por disciplinas, contudo sem operar a redução; é preciso, ao
mesmo tempo, separar e associar, conceber os níveis de emergência da realidade sem
reluzi-los a unidades elementares ou a leis gerais. Considerando que existem três
grandes domínios científicos, quais sejam o físico, o biológico e o antropossocial, a
tarefa da construção científica deveria medrar, ou provir da comunicação: no
movimento de enraizamento do domínio antropossocial no domínio biológico, sem
redução do primeiro ao segundo, mas reconhecendo os níveis de emergência e
independência; no movimento de enraizamento do domínio biológico no domínio
físico, sem reduzir o humano e a vida a interações físico-químicas; na operação do
movimento inverso de enraizamento do físico e biológico no antropossocial,
reconhecendo o domínio físico e biológico como produtos culturais e históricos
(MORIN, 2008). A proposta de Morin não é operar uma nova mega-redução, mas a
promoção da comunicação transdisciplinar com base num pensamento complexo.
Aproveitando o gancho dessa última frase, pode-se concluir que a tarefa
estratégica para nosso caso deve seguir, primeiro reunindo as abordagens das
dimensões ou processos da urbanização do ponto de vista ecológico, econômico,
social e político e, posteriormente, articulando uma análise conjunta dessas
abordagens
CAPÍTULO 2
A CIDADE COMO ORGANIZAÇÃO
Resumo
A ideia guia deste capítulo é discutir a organização urbana como o resultado de
processos, relativamente independentes, mas imbricados. Por isso, foi necessário
refletir antes sobre como se configuram as sociedades na natureza, do ponto de vista
de suas organizações, para uma compreensão mais genérica da organização humana
em sua estrutura, colhendo, com isso, algumas orientações consideradas importantes
para a análise, por exemplo, identificando aspectos que são desconsiderados
normalmente nas abordagens disciplinares, como os limites de resposta de uma
organização hierárquica rígida, ou de uma anárquica – quando da ausência de um
controle central. Entretanto, essa aproximação de sociedades vivas revela tanto as
virtudes da anarquia quanto da integração realizada por estruturas organizacionais
hierárquicas.
2.1 Organização Viva e Eco-organização
Para além do estudo do planeta como astro físico, a ecologia estuda a relação
de dois termos relativos à biosfera, o estudo dos biótipos (ou biotas) ou meio físico
que mantém e é em parte mantido por biocenoses (ou seja, as relações entre espécies
vivas que povoam os biótopos). As relações entre os seres vivos e as suas ações são
condicionadas pelos ciclos e limites do meio físico, mas estes retroagem sobre este
meio gerando sistemas, unidades organizadas e dinâmicas capazes de se reorganizar –
os ecossistemas.
O caráter físico age sobre o caráter vivo que retroage sobre o caráter físico e a
continuidade desse processo leva a diversidade de espécies, que fortalece a
estabilidade física e viva, formando a terceira dimensão organizativa da vida, além da
espécie e do indivíduo – a eco-organização. Essa acepção revela que a vida não se
restringe a células de moléculas, tecidos de células, órgãos e sistemas de órgãos,
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
organismos, populações de espécies, comunidades de espécies, ecossistemas,
paisagens de ecossistemas e biomas evolutivos. Ela é também eco-organização, a
organização da organização de biomas (ODUM, 2007). Desse modo, haveria uma
dimensão planetária da vida, proposta por Lovelock.
Tal concepção de sistema planetário (MORIN, 2008a, p.105-106) – a ecosfera -
forma uma unidade complexa, que produz extraordinária diversidade e fatos
emergentes (ou seja, características novas aos seres – ou emergencias), como
resultado de interações coletivas. Há também fagias, conflitos, predações,
egocentrismos, genocentrismos, sociocentrismos e isso consegue se autoregular
espontaneamente, acentricamente, ligado pela necessidade.
Antagonismo e complementaridade não se excluem, formando uma
causalidade retroativa ou cíclica, por exemplo, entre animais e plantas se estabelece o
ciclo do oxigênio/gás carbônico. Outro exemplo é: a presa e o predador geram uma
regulação populacional mútua de espécíes, pois apesar de existir um evidente
antagonismo nesta relação, a redução da população da presa pelo predador finda por
reduzir a população de predadores. A solidariedade grupal pode levar também ao
egoísmo grupal, o parasitismo à simbiose, as servidões às parcerias, as explorações
mútuas às trocas. As relações dos organismos com o meio físico não se dão apenas
por trocas de modo direto.
A Ligação da Eco-organização com a Ordem cósmica
O dia e a noite são o anel cósmico que gera ventos e correntes e que é
incorporado ao ciclo oxigênio/gás carbônico. Este último se liga ao ciclo alimentar
em uma cadeia hierárquica de organização e desagregação (de plantas, aos
mamíferos, aos necrófagos e aos parasitas, retornando às plantas) – um anel
autoadaptativo e por consequência, eco-organizador. Um ciclo cósmico gera muitos
anéis eco-organizadores por ciclos tróficos que se organizam e se desorganizam, em
uma escala de tempo bem mais lenta que a vida dos indivíduos. Portanto, a morte faz
parte do ciclo da vida, fazendo parte do ciclo trófico da vida, compreendendo uma
história e uma evolução.
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
A Ecoevolução Criadora
A capacidade de adaptação se expressa na aptidão para construir novas
estabilidades organizativas, na capacidade para reorganizar-se de outros modos sob o
efeito de fatores desorganizantes na biota ou na biocenose. O objetivo é tido como
um estado de equilíbrio – o clímax, quando flora e fauna alcançam um estado dito de
maturidade, rompido por uma perturbação desorganizadora, porém determinando
fenômenos de rejuvenescimento, que podem ser interpretados como evolutivos,
conduzindo a um novo clímax. Assim, sob o fio de milênios, em um planeta
geologicamente mutante, a vida (a eco-organização) se submeteu a uma ecoevolução.
A evolução, como conceito, concebe a mutação genética de espécies, contudo, a
ecoevolução a englobaria, devendo explicar a evolução dos ecossistemas, como uma
natureza de segunda ordem. A própria evolução das espécies seria condicionada por
mudanças na biota e na biocenose, no conjunto ecossistêmico.
Supostamente, então, há um aprendizado adquirido, mas não uma memória
central desse processo, em face ao acentrismo, ou policentrismo característico do
processo, tratado a seguir.
2.2 Os Sistemas Acêntricos, Cêntricos e Policêntricos
A análise do trabalho dos matemáticos Petitot e Rosenstiehl (1974) teve grande
influência em campos que vão da biologia à psicanálise, independente dos
posicionamentos ideológicos contemporâneos tradicionais. Neste artigo, estes autores
defendem as organizações acêntricas sob o ponto de vista da eficiência sistêmica, a
linguagem do acentrismo pela qual se estabelece a dispersão do centro de comando e
controle no seio de uma organização.
Utilizando a teoria matemática dos grafos, esses autores demonstram que há
um aumento da eficiência das decisões em sistemas acêntricos, comparada à de
sistemas hierárquicos ou cêntricos, à medida que aumentam os elementos em um
sistema acêntricos ou seja, com o aumento de autômatos finitos (indivíduos de uma
sociedade organizada capazes de tomar decisões), por suas interações e troca de
informações.
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
Observou-se que o aumento dos primeiros autômatos artificiais projetados a
partir de sistema hierárquico de comando e controle levava a um congestionamento
de informações. Por isso, passou-se a pensar em um centro de processamento
acêntrico como o cérebro humano que realiza inúmeras operações em paralelo com
outros centros locais que tomam decisões autônomas, restando a esse processo uma
coordenação. Além disso, concluiu-se que todo esforço atual em desenvolver
sistemas hierárquicos de controle social levam a um congestionamento dos serviços
de manutenção e atualização de informações, assim como os mecanismos e a própria
ideia de controle social estatal conduzem a uma rejeição social como a um intruso
antissocial.
Os sistemas acêntricos são concebidos em referência a teoria dos algoritmos,
como uma rede de autômatos finitos. Com tal concepção, utilizaram-se dois
teoremas, cuja demonstração, abstrata e montada com pressupostos matemáticos
revelam que se podem encontrar relações comuns a todos os elementos de um
conjunto de atores ativos, partindo-se de relações particulares de vizinhança. Por
outro lado, podem-se desenvolver totalitarismos a partir de regras sociais que visam
assegurar a soberania da coletividade e a lealdade aos indivíduos (teorema da
indecisão coletiva). Isso se expressa como se segue: a) se em uma sociedade,
qualquer par de indivíduos tem exatamente um amigo em comum, existirá um amigo
de todos os outros e; b) uma sociedade que impõe axiomas de soberania da
coletividade e lealdade aos indivíduos como regras de decisão coletiva passa a ser
uma sociedade ditatorial, na medida em que identifica toda decisão coletiva às
preferências individuais de parte de seus membros, escolha feita de uma vez por
todas.
Com isso, se busca revelar que as relações das partes podem levar a um
consenso geral do todo e a uma harmonia, e as regras para uma suposta harmonia
seriam intrinsecamente tirânicas. Contudo, o que está implícito nessa capacidade
emergente das partes é a comunicação.
Fluidez e Acentrismo
A coesão e a estabilidade de uma sociedade dependem de fluxos de
informações, todavia a regulação desse fluxo não é assegurada sempre por um
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
modelo hierárquico. A estrutura da organização hierárquica pode ser representada por
um grafo de ramificação como a bacia de um rio. A centralização estrita seria uma
sociedade militar tradicional, na qual um chefe domina uma esfera de subordinados
equivalentes (substituíveis), garantindo o metabolismo (a regulação) do grupo, de
cima para baixo, independente de decisões na esfera dos subordinados. Geram-se,
assim, gradientes de poder a partir dos chefes.
Os gradientes de poder, no modelo de ramificações hierárquicas, são descritos
como segue: cada indivíduo regula seu comportamento em função de seus superiores
imediatos, ignorando seus vizinhos de mesmo nível, ou seus semelhantes; nos
sistemas hierárquicos, os canais de comunicação são pré-estabelecidos e pré-existem
aos indivíduos que se integram a um lugar funcional preciso; os indivíduos são
intercambiáveis no mesmo nível e as ligações dos mesmos às suas funções são
duplas, nas esferas de mesmo nível e entre níveis pelo chefe.
No extremo oposto, situam-se as sociedades acêntricas, ou fluidas, nos quais:
cada indivíduo regula seu comportamento por vizinhos ocasionais que são seus
semelhantes; a relação de vizinhança é fluida e não há uma rede ou padrão pré-
existente para os indivíduos; todos os indivíduos são intercambiáveis; a regulação que
assegura a estabilidade do sistema exige certa densidade estatística de indivíduos,
uma massa crítica.
No caso da sociedade humana, os autores Petitot e Rosenstiehl (1974) alegam
que há uma rejeição a hierarquia rígida nas organizações, contudo reconhecem a
sociedade como sendo, em parte estruturada segundo hierarquias, em parte por
instâncias nebulosas, nuvens acêntricas.
A concepção dessas instâncias nebulosas, cujo comportamento é análogo ao de
uma nuvem de abelhas, é descrito como um sistema acêntrico de tomada de decisões,
no qual, a cada instante, os seus membros regulam suas ações pela ação dos vizinhos,
formando uma rede dinâmica de indivíduos em trajetórias caóticas, entretanto
alcançando um objetivo comum - manter-se inserido nas nuvens de modo
relativamente equidistante. Outro exemplo é a construção complexa de um cupinzeiro
sem um arquiteto ou engenheiro de obra, através de decisões acêntricas.
Vale ressalvar que tanto na sociedade de cupins como na de formigas e na de
abelhas, há centralizações de funções importantes, especialmente na reprodução,
assim deverá ser possível identificar algumas estruturas sociais de divisão de
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
trabalho. De fato confirmamos essa hipótese na leitura da Dra. Gordon (2002), ao
explicar que as formigas, assim como as abelhas, definem uma divisão de trabalho
entre as operárias, de caráter circunstancial. As espécies de formigas colhedoras
exercem funções especializadas, podendo, conforme a necessidade da coletividade,
dedicar-se à coleta, à silagem, à distribuição de alimentos, aos cuidados com ovos,
larvas e pupas, à dieta especial para o desenvolvimento da rainha e zangões, à
construção, à faxina e ao patrulhamento.
O caráter circunstancial das funções se dá segundo condições ambientais, por
exemplo, quando há mais oferta de alimentos mais formigas se dedicam à coleta de
folhas. Em tempo chuvoso, os reparos na construção demandam mais operárias em
um processo de ajustamento contínuo. Contudo, o mais admirado (desde a
antiguidade humana) é que esse ajustamento se realiza sem comando central ou
hierárquico. Estudos recentes revelam que não há a designação central ou hierárquica
de quais e quantas formigas devem assumir tarefas específicas conforme a
necessidade coletiva. A rainha não define o que as operárias devem fazer, ela é
criada, põe ovos, é alimentada e cuidada pelas operárias. Assim, a relação é funcional
específica e central, mas não hierárquica, portanto, a alocação de tarefas se dá por
decisões simples de indivíduos que não têm nem capacidade mental, nem memória
para avaliar as necessidades gerais da colônia.
Comportamentos simples podem definir padrões de grupos, como se revela na
Física, Biologia e Ciências Sociais, assim a professora Gordon buscou explicar a
alocação de tarefas em formigueiros, primeiro definindo o comportamento das
colônias, depois, como esta alocação é produzida.
O que parece resumir esse comportamento é uma lógica de estoque de
recursos. Confirmou-se experimentalmente que, quando eram criadas dificuldades à
colheita, havia uma retração no contingente de formigas coletoras. Isso foi explicado
pela maior taxa de redução no estoque de alimentos para a realização dessa atividade,
fazendo com que parte das formigas coletoras ou passassem a realizar trabalhos de
manutenção, ou ficassem inativas no aguardo do "recrutamento" interno nas camadas
externas do formigueiro. Observou-se, porém, uma tendência geral de mudanças de
atividades que se dá de atividades mais internas do formigueiro, exercidas por
formigas mais jovens, para atividades mais externas. Estas últimas tarefas
(patrulhamento e extrativismo) requerem cerca de 25% da população, portanto 75%
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
se dedica à manutenção, construção e ampliação da colônia. Há, ainda, um exército
de reserva de operárias, que funciona como um estoque de recurso de trabalho para
exercer qualquer atividade, sendo que, uma vez que assumem uma tarefa, seguem o
fluxo geral de mudanças para atividades externas. Em síntese, as alocações de
atividades são interdependentes e seguem uma estratégia do interior ao exterior por
idade dos indivíduos, objetivando a manutenção de estoque de recursos.
Além disso, o comportamento das colônias de formigas varia com a idade das
colônias na alocação de atividades. A idade da colônia torna mais eficiente as
estratégias coletivas em face de perturbações experimentalmente testadas, o que não
pode ser explicado como fruto da experiência adquirida das mais velhas em face do
curto tempo de vida das formigas, mas como algo relativo à organização coletiva,
dado pelo maior número de indivíduos que contam as colônias mais antigas.
O interesse na organização de sociedade de insetos associa-se à compreensão
de sistemas complexos, como sociedades humanas e ecossistemas, como se constata
adiante. O primeiro modelo explicativo do comportamento de grupo, definido a partir
de decisões locais de indivíduos (no caso formigas), utilizado pela Dra. Gordon
(2002), considerava apenas as interações dos indivíduos como uma rede neural que, a
partir de informações binárias, gera comportamentos complexos de grupo. Aplicando
um modelo matemático as decisões de alocação de tarefas, verificou-se que ele se
ajustava às observações empíricas, ou seja, quando havia uma perturbação em uma
atividade, gerava um ajustamento geral da organização, como os movimentos de
cardumes de peixes associado ao ataque de um predador. Contudo, essa primeira
modelagem não explicava o que fazia as formigas tomarem decisões levando em
conta o ambiente. O segundo modelo utilizado considerava, como fator determinante
das decisões, uma avaliação individual de desempenho (sucesso/insucesso) na
realização de tarefas, transmitida de indivíduo a indivíduo e que gerava um efeito em
cadeia. Isso explicou porque as dificuldades experimentais impostas à atividade de
coleta levaram a perda excessiva de água das formigas coletoras, o que induziu a
ociosidade destas no formigueiro. Qualquer que seja a explicação desse
comportamento, o segundo modelo parece assinalar que isso seria mais que uma
simples reação, seria o resultado de uma avaliação individual simples.
Esse segundo modelo explicou, também, porque formigueiros mais velhos e
que, por isso, têm população maior, ajustam melhor a alocação de tarefas por conta
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
da dotação em número de indivíduos, que proporciona um número maior de
interações e decisões mais complexas e melhores, por exemplo, restabelecendo mais
rapidamente o contingente de coletoras após uma perturbação. Isso parece confirmar
uma lei da dialética marxista - a passagem da quantidade à qualidade, uma condição a
uma resposta mais sofisticada, que pode levar a emergências (como novos traços
culturais) tratadas na teoria da complexidade.
Como as sociedades humanas não são de modo algum, apenas hierárquicas,
nem tampouco apenas fluidas, elas combinam estruturalmente estes dois modelos,
admitindo esses dois tipos de regulação ou metabolismo. Os indivíduos dependem
hierarquicamente de centros de decisão, formando com esses centros, espaços de
submissão sob uma ordem autocrática (o caráter coercitivo do Estado), contudo
formam, também, em vários níveis, "nuvens" de interações aleatórias acêntricas de
indivíduos, resultando desde comportamentos de massa até organizações não
governamentais, agremiações, associações temáticas, relações de vizinhança, ou
redes à distância. A estabilidade do sistema hierárquico dependeria da interdição de
alguns circuitos, assim cada nuvem deve estar separada de modo a não se chocar com
outras de outros níveis. A estabilidade desses espaços de eventos é assegurada pela
ideologia e mantida pela repressão
A organização acêntrica (de modo idealizado) opera a partir de uma
distribuição de tarefas expedidas no instante de decisões associadas que se reagrupam
como uma totalidade de resultados parciais.
Na Teoria dos Sistemas Acêntricos, o grafo geral que representa os sistemas
acêntricos se caracteriza por: não poder ser representado como grafo de ramificação,
pois toma a forma de rede; as linhas de informação são de duplo sentido entre os
indivíduos; e os indivíduos são intercambiáveis.
As implicações para o planejamento de sistemas são que todas as linhas de
informação devem conservar seu duplo sentido, tanto no mesmo nível como entre
níveis, o que a teoria da complexidade aplicada à gestão de organizações tem buscado
valorizar (BARBOSA & CRISPIM, 2012; BAUER, 2012; CORRÊA et. al., 2011;
STORR et. al., 2011). A relativização das estruturas dos canais de comunicação e os
papéis funcionais são recomendados através, por exemplo, da valorização do trabalho
em equipe, o que também vem ao encontro do reconhecimento dos resultados
positivos advindos de características de organizações acêntricas.
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
A Multiplicação dos Problemas na Gestão Cêntrica
Os modelos teóricos que tratam dos sistemas acêntricos também os abordam
como problema de comunicação no nível logístico das organizações, explicando
como se resolve o problema da coordenação sem coordenadores, sem centralização
de informações em sociedades animais. A ordem pode, portanto, se instalar no seio
de uma coletividade numerosa de indivíduos de memória limitada, contrariamente à
crença geral de que a ausência de um sistema central leva à desordem. O formigueiro
é uma construção sem arquiteto, sem engenheiro de obra e sem um projeto geral,
realizado por operárias que não têm capacidade de conceber as necessidades
coletivas. Isso não se constitui apenas como capacidade herdada, as decisões são
realizadas a partir de interações locais de indivíduos.
Por outro lado, um sistema hierárquico não é capaz de resumir as atividades
locais acentricamente determinadas em uma memória central, desde que são
qualitativamente definidas em termos locais. Seja qual for a tentativa de
hierarquização operada sobre um sistema natural acêntrico, as qualidades serão
sempre dispersas e locais, o que, na teoria da complexidade, pode ser interpretado
como a autonomia relativa das partes do todo.
Como então entender a gestão de sistemas hierárquicos por essa visão?
Primeiro, a gestão de um sistema será tanto mais congestionada, quanto mais
centralizada. Assim, a coordenação na gestão seria tanto mais eficaz e reprodutível,
em qualquer espaço do sistema, quanto mais esta conte com decisões
descentralizadas de indivíduos na construção, manutenção, ou reorganização do
sistema. Desse modo um sistema pode ser supostamente resumido a decisões
descentralizadas de indivíduos, que em conjunto podem atuar para uma estabilidade
geral.
Policentrismo e a Resolução de Problemas
Uma das lições das sociedades de insetos é a capacidade local de resolução de
problemas. Quando se tem de administrar uma rede de serviços, por exemplo, nas
redes de infraestrutura urbana, os problemas de manutenção se multiplicam por metro
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
linear de rede, obrigando a descentralização das ações. A incapacidade de capilarizar
essa manutenção vai determinar a congestão de demandas e o mau funcionamento
dos sistemas. Os dados empíricos poderão evidenciar essa suposição por categorias
de tamanho de rede hierárquica.
Os componentes do motor eco-organizador também são inspiradores para as
organizações humanas quanto à diversidade, complexidade e estabilidade da
organização acêntrica, sendo esses atributos função do número de interações
acêntrica de dupla via entre os membros da organização.
A Organização Acêntrica e Policêntrica
O nosso centro de comando e controle, nosso cérebro, é fruto de um processo
de especialização celular, não tão centralizado quanto se imaginava outrora, pois
trabalha em paralelo com outros centros de controle que detém relativa autonomia,
em um trabalho de coordenação. O admirável é que células em processos
espontâneos de interações anárquicas (que não dispunham previamente de um
programa) venham a engendrar centros hierárquicos de comando e controle. Isso
porque esse anarquismo é organizado nas partes, a partir de princípios das interações,
comunicações e trocas, ao encontrar limiares de interações e ambientes propícios a
esse desenvolvimento, condições estas possivelmente descontínuas e mutantes.
A hierarquia é, normalmente, associada à dominação e a uma estrutura
escalonada de poder, mas se estabelece como emergência da anarquia (acêntrica e
policêntrica). Os exemplos na natureza revelam que a hierarquia é mais a exceção
que a regra, nasce como necessidade de emergência de um todo, para estabilidade
coletiva e dos indivíduos, os integrando, regulando, promovendo, alimentando, se
constituindo como metabolismo autônomo de manutenção, na condução coletiva.
A hierarquia nas sociedades prescinde da anarquia, do fortuito do sexo nos
indivíduos, do cadinho cultural, onde encontra aí, à primeira vista, seus limites de
comando e controle. Contudo, a anarquia na ponta das organizações vivas
potencializa o controle, processo este descrito como se segue.
Supondo uma rede de abastecimento d´água ou esgotos urbanos projetada e
construída para distribuir água ou recolher resíduos. Em ambos os casos se utiliza a
gravidade dispondo as redes com diferenças de potencial, a cota superior no início da
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
rede de distribuição, no sentido inverso do fluxo, localizando as pontas da rede em
cotas inferiores. A engenharia do projeto de redes desenvolvida no século XIX
(MORIN, 2011), resultou em economia construtiva e operacional com maior
cobertura de área de rede. Contudo, os problemas de manutenção aumentam
exponencialmente em função de comprimento linear destas redes. Cada metro linear
que transporta certo volume líquido é susceptível a entupimentos, transbordamentos,
desgastes, recalques no solo, vazamentos, inundações, contaminações,
congestionando os órgãos centralizados de comando e controle com demandas por
manutenção.
O cérebro animal, particularmente o humano, resolve essas funções de
comando e controle coordenando, em paralelo, centros de decisões específicas no
próprio cérebro, tolerando decisões autônomas desses centros, por vezes ativando
vários centros, simultaneamente, como um trabalho colegiado. Na coordenação, o
trabalho em equipe e o diálogo formam a orientação administrativa moderna, por
influência da teoria do caos e da complexidade (BARBOSA & CRISPIM, 2012;
BAUER, 2012; CORRÊA et. al., 2011; STORR et. al., 2011). Além do cérebro, há
centros relativamente autônomos de comando e controle, o vago e o simpático, os
sistemas glandulares, que não atuam apenas seguido determinações da consciência,
suas ações e reações são relativamente autônomas, podendo ser antagônicas ao desejo
consciente ou inconsciente. O colapso nervoso pode se associa a uma superexcitação
cerebral ou ao estresse, o que corresponde a uma congestão, uma paralisia, uma
incapacidade de resposta.
Rosenstiehl e Petitot (op. cit.) perceberam o acentrismo em sociedades de
insetos e a sociedade humana com a dupla característica, hierárquica e acêntrica.
Contudo, a análise de Morin (2008b) sobre a organização viva, vai além
argumentando que essas características são mutuamente determinadas. No nosso caso
nossas linguagens construíram a concepção hierárquica inicialmente simples, por
ideias intuitivas de comando e controle baseadas em dominação/subordinação sobre
uma estrutura vertical de poder. Contudo, como informa Hume (1973), todo poder só
se constitui por apoio político e não pela própria força, a força é consequência desses
apoios.
Pelo exposto, conclui-se que a centralidade não é suficiente a gestão de
nenhum sistema. Há de se contar com a descentralização, a autonomização e até com
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
a anarquia (não no sentido de desordem, mas no encontro de soluções locais por
agentes locais), embora essa capacidade seja algo a ser socialmente construída.
Comunicação e Compartilhamento como Meio de Auto-organização
A ecocomunicação é constituída, primeiro, entre congêneres, especialmente,
em sociedades de animais. Estas dispõem de signos, sinais e aparelhos emissores e
captadores e computacionais nos indivíduos e, por vezes, de linguagens fechadas. A
regra geral é a não comunicabilidade entre esses sistemas de comunicação como
medida de segurança, para as presas não é desejável que o predador compreenda suas
mensagens, ou sinais e vice-versa.
Apesar desse fechamento comunicacional entre presa e predador, estes mantêm
intensa comunicação, posto que não seja necessário entender o conteúdo da
mensagem para se ter informação da presença, da proximidade, da categoria do
emissor do sinal, podendo ser estabelecido assim um jogo de astúcia, um aprendizado
e estratégias podem ser desenvolvidas, como coalizões sofisticadas. Assim, a
ecocomunicação se dá também entre antagonistas.
No universo, os sinais podem ser tanto ruídos como informação, dependendo
da leitura informacional dos receptores e sua computação, estes podem se tornar
comunicação e gerar diversidade, como na sociedade humana e no trabalho científico.
A regulagem, ou o metabolismo dos ecossistemas é efeito e causa do papel de
indivíduos que pautam suas ações por seus vizinhos congêneres e antagonistas que,
por sua vez, se regulam sucessivamente na cadeia alimentar ascendente e descendente
no ciclo trófico inscrito em um anel eco-organizador.
2.3 Um Macroconceito da Urbanização
A noção de macroconceito emerge da concepção da mútua e da
multicausalidade. Suponhamos que a um fenômeno dinâmico complexo seja
oferecida uma explicação dentro de uma concepção linear de causa/efeito. Esse
processo observável (um fenômeno) compreende ainda circuitos de causa/efeito,
sobre o qual, em um segundo momento, o efeito retroage sobre o fenômeno em uma
causalidade circular. O fenômeno seria explicado, no mínimo, por um processo
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
circular, que pode ser tanto positivo como negativo, definindo um crescimento ou
decrescimento, ou ainda a manutenção e estabilidade.
Figura 2.1 – O Circuito Causa-Efeito
Fonte: Figura elaborada pelo autor.
Essa seria a forma mais elementar de representar uma causalidade circular –
por um macroconceito, ou conjunto de conceitos. Esses termos não definem, entre si,
relações de precedência, determinação, derivação, pré-condição, pois as relações
estabelecem uma determinação circular. Por isso um estado pode ser causa de um
efeito em um momento e ser afetado por esse efeito em outro momento.
Na prática, quando um fenômeno é definido por vários circuitos concomitantes,
fica impossível reduzir sua explicação a uma causalidade linear hierárquica. Contudo,
nas organizações complexas vivas, como na sociedade humana, a causa original de
um fato pode não ser a mais determinante e as determinações podem surgir do
próprio processo de desenvolvimento organizacional, como uma emergência do
contexto, como na autonomia do todo de suas partes. Causas anteriores podem,
entretanto, continuar a serem atuantes, latentes, subordinadas e re-emergirem. Isso
como na relação entre organismos e células que guardam dependência e
independência mútua.
A sociedade urbana é resultado de três lógicas ou processos simultâneos
(MORIN, 2008b, p. 280): uma lógica de Estado por poder de comando e controle,
portanto um processo político; uma lógica social em busca de emancipação de
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
indivíduos e coletividades; uma lógica econômica dominantemente acumulativa,
resultando num processo de urbanização.
Pelo exposto e a partir de uma interpretação dessas três lógicas concebeu-se um
macroconceito organizacional como segue.
Esse primeiro macroconceito poderia ser utilizado na análise da urbanização,
mas, para isso, será também importante desenvolver (além da definição dos termos
que dão nome aos processos) a noção de auto-organização. Fica implícito que o
processo de urbanização não é apenas resultado do processo de produção
acumulativa, pode ter sido induzido e conduzido por políticas públicas. A
urbanização também é resultado da ação do Estado como objeto de regulação,
considerando que ele não pode ser inteiramente reduzido a um aparelho ideológico do
processo de acumulação.
Figura 2.2 Visão dos Processos da Urbanização
Fonte: Figura elaborada pelo autor.
Há, ainda, os processos sociais emergentes do próprio ambiente urbano que
definem a urbanização. Os movimentos sociais urbanos são, sobretudo,
emancipatórios (conceito que pode ser interpretado como necessidade
organizacional). Tais processos, ambíguos entre si, carregam, internamente,
complementaridades (em ações sinérgicas, mutuamente amplificadoras como nos
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
movimentos harmônicos), concorrências (em ações paralelas, mas independentes) e
antagônicos (em contradições inerentes a qualquer organização hierárquica). Por
isso, a acumulação desperdiça no afã "eficiente" da acumular, a regulação gera o
germe de sua desregulação, na medida em que não dá conta do controle, mas que
conecta integrando e possibilitando emergências criativas de instâncias subordinadas
de baixo para cima, promovendo a complexidade, a estabilidade e a reorganização
societária, assim como regulando o que não pode dispensar inclusive – a coerção,
assim coibindo ou inibindo o processo das emergências e gerando oposições.
Restaria inserir a interação desses processos sobre a acepção da determinação
mútua dentro de um ambiente, considerando as motivações ideológicas de
emancipação/sujeição, relações de produção de acumulação/desperdício e relações de
regulação/desregulação (exercida por aparelhos de Estado), como componentes
interativos da urbanização. São os paradigmas desses sistemas de ideias os motores
dos processos.
Figura 2.3 – 1 Modelo Ecológico dos Processos da Urbanização
Fonte: Figura elaborada pelo autor.
O Estado se instrumentaliza (suficientemente ou não) para regular ou gerir a
urbanização. Isso se dá na promoção e coerção social e a resposta social
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
correspondente será positiva (aceitação), obediência necessária (sujeição),
negligência (rejeição passiva), ou ainda manifestação antagônica. O tipo de réplica do
Estado às reações da sociedade irá depender de seus modos operacionais enquanto
organização e objetivos políticos (coletivistas ou corporativistas). Contudo, sua
estrutura institucional e operacional reflete seus propósitos políticos, muitas vezes
como heranças vivas de um passado cultural.
Do lado da sociedade, a análise histórica revela nos movimentos sociais o
desejo de libertação relativa ao trabalho, ou de uma libertação pelo trabalho por
melhores condições de vida. Há ainda o desejo de libertação: a) da coerção dos
costumes que não mais se justifiquem como necessidade social, ou que nunca se
justificaram, pois que seriam parasitismos intrassociais1; b) a estabilidade como
garantia de acesso a bens e serviços socialmente reconhecidos como básicos,
inclusive, os ambientais. Isso gera ação coletiva, reivindicação a regulação e,
questionamentos do modo de produção dominante. Contudo, há também o desejo de
riqueza como resolução individual dos problemas básicos e como objetivo de poder,
acumulação de poder, o desejo de ser admirado por toda entourage das
representações de poder, de ser importante por ser rico, ou por comungar valores
dessa representação, de pertencer a uma elite importante que comanda, desfrutando
de seus privilégios. Assim, tanto a emancipação, quanto a sujeição hierárquica
funcional podem ser explicadas por razões altruístas como por egoístas estratégicas.
É comum a ambiguidade como revela a cooptação. Os outros não são
necessariamente alter ego (semelhantes), podem ser complementares (parceiros),
concorrentes (rivais ou congêneres), ou antagonistas (inimigos) no processo de
realização do desejo.
O conjunto dos indivíduos como agentes externos e internos ao Estado e a
organização policêntrica da produção é apenas parte da sociedade, mesmo que esteja
organizado (de modo policêntrico ou cêntrico), isso não cobriria a sociedade como
organização. Tampouco, o recurso argumentativo de representar por essas esferas de
processos (econômicos, socioambientais e estatais) exauriria os processos de
urbanização, em face às emergências do todo que não pertencem às partes. O inverso
1 O movimento feminista (com o feminismo da diferença) apresenta, inclusive, uma perspectiva nova sobre oque deve ser o desejo coletivo, que vinha sendo formulado quase exclusivamente por homens.
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
pode também ser verdadeiro em face às liberdades das partes, que podem se tornar
emergências, moldando o todo.
Quanto ao processo de acumulação já discutido, requer crescimento, privilegia
a quantidade à qualidade que, no entanto leva a qualidade, a eficiência privada à
eficácia sistêmica, gerando desperdícios. A acumulação propõe a abundância,
gerando a carência, promete a satisfação, gerando a insatisfação. Para o processo de
acumulação capitalista, a cidade é seu domínio, seu território central resultante, onde
seus agentes defendem uma liberdade que se orienta aos mesmos, segundo a ideia de
regulação, ao final, acêntrica do mercado, como sendo suficiente a regulação social.
Uma dupla estrutura se revela hierárquica (na medida em que se definem objetivos
inquestionáveis ou definitivos, na medida em que subordina ideologicamente a
sociedade e o Estado, entretanto se sujeitando às contradições e as consequências da
superacumulação (uma espécie de congestionamento na produção). Por outro lado,
essa estrutura que se revela acêntrica na medida em que as decisões dos agentes
econômicos são autônomas permite uma regulação emergente como num enxame de
abelhas, uma autoregulagem que, em momentos de crise, gera emergências que
permitem a continuidade organizacional definida pelos mesmos propósitos.
Seria essa autorregulação acêntrica o cerne do problema como apontam os
marxistas e estruturalistas – a anarquia na produção que torna o espaço urbano seu
reflexo? Ou seria sua incapacidade de conceber outra regulação que não o mercado?
Ou seria simplesmente a motivação central de acumular sem limites. O mercado é
emancipatório e milenar como revela Sen (2000), mas também é opressivo,
espacialmente segregador, discriminador e excludente. Sua regulação se insere,
também, em um circuito social e estatal, em um ciclo trófico, ou seja, em uma cadeia
alimentar ascendente e descendente e em um ciclo cósmico simples de dias e noites.
Sua expansão automática, livre e sem limites é autolimitante, problemática,
insustentável e dará margem a outras emergências organizativas.
Ao final, restaria examinar as relações entre sociedade e mercado. Em suma,
pode-se colocar que: para a sociedade, o mercado tem sido lugar de oportunidades,
meio de emancipação, desde os primórdios das civilizações, mas também um
mecanismo social de sujeição.
O mercado pode ser descrito como um jogo de ganhadores e perdedores, que
vem envolvendo mais e mais a organização social, contudo este só responde,
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
explicitamente, por si mesmo. Para o mercado, os perdedores são um problema do
Estado. O mercado inibe a regulação, mas as suas crises são um problema resolvido
pelo Estado, então o Estado é problema de quem? É um problema de todos, tanto
como processo político, como organizativo.
A limitação desse primeiro modelo é considerar a urbanização como um efeito
entre outros e não como um processo de uma organização viva de uma espécie, que
constitui um ecossistema de características próprias com suas determinações mútuas
entre sociedade e ambiente.
Tabela 2.1 – Processos de Urbanização, Agentes Principais e suas Motivações
Individuais e Coletivas
Forças
Motrizes
Processo de Urbanização
Acumulação
/Desperdício
Emancipação
/SujeiçãoRegulação/Coerção
Agente
Principal
Empresariado
/Estado
Sociedade
Organizada/
Indivíduos
Estado
Motivação
Individual
Lucros/Altos
salários
Obter/
ProporcionarPoder
Motivação
Coletiva
Domínio do
MercadoQualidade de Vida Soberania
Fonte: Tabela elaborada pelo autor.
2.4 As Sociedades Urbanas enquanto Organização
Na natureza, há a organização viva das células, de células de um mesmo ovo
formando seres policelulares e a associação de seres formando sociedades. Até pouco
tempo não se reconhecia sociedades de animais senão a humana. Além disso, as
sociedades vivas permitem leituras não apenas genéticas, mas também
organizacionais. Animais dotados de sistema nervoso central, movimento e sistema
Capítulo 2 – A Cidade como Organização
reprodutor sexuado geram complexidade e autonomia a uma sociedade e essas
características são reconhecidas como estratégias organizacionais. Assim,
individualidade e coletividade não são termos opostos, ao contrário, a organização
fomenta a individualidade e a realização das individualidades exige o
desenvolvimento coletivo. Essa via de mão dupla gera, por comunicação e
associação, identidades próprias a um todo organizado e organizador com qualidades
próprias.
O vínculo entre indivíduo e sociedade é mais frouxo que os elos entre células e
animais, pois no primeiro caso há autonomia, no segundo há leis genéticas mais
estritas. Essa liberdade fez, espontaneamente, surgir, por comunicação e associação, o
desenvolvimento de linguagens e culturas transmissíveis por crenças, normas,
costumes, saberes e artes, até a criação dos Estados como organizações necessárias à
reorganização social.
CAPÍTULO 3
A URBANIZAÇÃO ECOLÓGICA
Resumo
Considerando o objetivo central do estudo – apresentar uma abordagem da
sustentabilidade aplicada à urbanização, vimos que seria necessário compreender a
sustentabilidade do ponto de vista ecológico, contudo isto não foi possível senão por
uma revisão bibliográfica do conceito de sustentabilidade, ou suas formas de aferição
aplicada, inclusive, aos processos de urbanização. Noutras palavras, seria preciso
estabelecer como o processo de urbanização se relaciona com os processos bióticos e
abióticos da ecosfera.
No contexto desta tentativa de associar os processos das atividades antrópicas
aos processos bióticos e abióticos, introduzimos a questão tecnológica que não deixa
de ser um processo antrópico, mas isto é interpretado aqui sob um duplo aspecto.
Primeiro como elemento de reorganização sistêmica interna de produção antrópica e
segundo sob o significado da relação dos tecnoecossistemas humanos com o
ambiente. Por este duplo viés, os limites de crescimento são analisados, o objetivo de
acumulação e as emergências tecnológicas para maior eficiência na produção,
revelando que não há solução de retorno a modos de produção anteriores, mesmo no
caso de desastres gerais.
3.1 A Sustentabilidade no Debate Econômico
A discussão do conceito de sustentabilidade realizada por Veiga (2010) serviu
de referência inicial a esta revisão. Essa discussão talvez seja considerada por
cientistas das ciências naturais como em princípio tendenciosa, ou antropocêntrica,
desde que realizada por um cientista social, um economista ecológico. Contudo, este
foi apenas o caminho percorrido para se chegar a um conceito mais amplo de
sustentabilidade ambiental, o que demanda um percurso de retorno - uma
interpretação social e econômica do mesmo.
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
Até a década de 70, sustentabilidade era um termo técnico associado ao
conceito de resiliência, significando a capacidade de um sistema natural de manter-se
em funcionamento sob e após perturbações externas. Resiliência é um conceito que
tem origem na Física e determina a capacidade regenerativa de alguns materiais de
voltarem ao seu estado original após sofrerem deformação por forças externas, não
chegando ao limite de ruptura, a exemplo de uma mola. Contudo, há limites para a
resiliência, dado pela frenquência, tempo e magnitude das solicitações. O defeso na
pesca é uma medida de proteção da capacidade regenerativa, a resiliência ou a
sustentabilidade dos cardumes. Contudo, a resistência a um impacto pode ser uma
medida de sustentabilidade, o impacto pode ser de uma magnitude que não dê chance
a possibilidade de recuperação de uma população, como aquele que leve a extinção.
A noção de sustentabilidade se afastou da noção de equilíbrio ecossistêmico,
para ser mais recentemente associada à noção de resiliência, que segundo o físico
Albert Lazlo Barabási teórico da real-world network theory (da teoria das redes no
mundo real) inclui também o atributo de robustez (o que não exclui resistência) como
capacidade ecossistêmica de reorganização, além da estabilidade que se associa a
capacidade dinâmica de voltar a um estado inicial após deformação por fatores
externos.
Na década de 1980, o termo é empregado para qualificar o desenvolvimento e,
mesmo após a Conferência das Nações Unidas – Rio 92 houve reações políticas ao
movimento ambientalista e aos intelectuais que concebiam e advogavam o
desenvolvimento sustentável, tanto da direita - reagindo como se isso fora uma
restrição à liberdade do empreendedorismo, como da esquerda - considerando isso
como um desvio dos objetivos sociais e econômicos mais prioritários na luta de
classes, ou preocupações sobre meros efeitos negativos do capitalismo. Segundo
Veiga (2010) para Schopenhauer, as verdades passam por um ciclo de três fases: são
primeiro, ridicularizadas, depois combatidas e finalmente aceitas como evidentes
(quando não, sacralizadas). Veiga coloca que a sustentabilidade completou este ciclo
em apenas três décadas.
Por outro lado, a insustentabilidade segue sendo dominante, o que faz levantar
três perguntas fundamentais. O crescimento econômico pode ser compatibilizado
com a sustentabilidade ambiental? Será que a prosperidade identificada ao
desenvolvimento pode ser posta em marcha sem crescimento econômico? Será
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
possível estabelecer relações entre desenvolvimento e crescimento sem contemplar
suas implicações negativas sobre o meio ambiente?
Observam-se, hoje, múltiplas formas de compreender, ou enfocar o
desenvolvimento sustentável, inclusive, tais compreensões estão implícitas em muitas
metodologias de abordagem com seus respectivos indicadores. Contudo, apesar das
divergências, estas estão unidas em diversas frentes na busca de redução da
insustentabilidade, por exemplo, no desenvolvimento e difusão de biocombustíveis,
no uso de energia elétrica para o transporte individual, no desenvolvimento da
agricultura orgânica, na redução e reuso dos resíduos sólidos, na educação ambiental,
apesar disto, não se pode excluir a inocuidade de algumas destas ações sobre o
ambiente ou a sociedade. De qualquer forma, em conjunto estas iniciativas
potencializam resultados positivos em face da diversidade dos impactos negativos das
atividades antrópicas sobre o ambiente. Sob esta acepção de robustez, a
sustentabilidade ecossistêmica pode prescindir da existência de indivíduos e até
espécies, o que é abordado tanto pela teoria darwiniana como pela teoria da
complexidade moderna.
O debate sobre o desenvolvimento sustentável e a abordagem da
sustentabilidade levou economistas e ambientalistas a se dividirem em três correntes:
a convencional, a ecológica e a corrente da busca de uma terceira via. A primeira
argumenta que a partir de certo patamar de crescimento de renda se desenvolveria
uma melhoria da qualidade ambiental como exigência das sociedades à medida que
se tornam mais afluentes. Em oposição, a corrente da economia ecológica demonstra
que o crescimento não tem se traduzido em bem estar correspondente e sim em
degradação ambiental, defendendo que para haver sustentabilidade deve-se buscar
um estado estacionário, onde haja melhoria de qualidade de vida sem expansão do
subsistema econômico da organização socioambiental, ou seja, uma prosperidade sem
crescimento, contudo contemplando a possibilidade daqueles países que precisam
crescer o fazerem sob formas ambientalmente amigáveis, ou menos danosas,
considerando os serviços ambientais e os ecossistemas. As críticas conservadoras a
esta corrente anticrescimento apontam para a não resposta a um mundo real cuja
população e o capital continuam a crescer. A réplica de seu principal teórico (Herman
E. Daly) exigiu a reconceituação do conceito de estado estacionário, como um estado
de crescimento estável (steady state growth) da biologia, que não se refere a
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
mudanças qualitativas, nem quantitativas, ponto pouco explorado segundo Veiga
(2010). A corrente anticrescimento foi atacada de todos os lados, da direita por
incompatibilidade destas idéias com o capitalismo que prescinde do crescimento
econômico e, da esquerda, por seu caráter supostamente antidistributiva e por sua
impossibilidade prática.
Diante da impraticabilidade de um lado e, de outro lado, diante da
inconsistência do argumento do limiar de renda que levaria ao financiamento da
sustentabilidade, outros economistas e ambientalistas trilharam o caminho de uma
alternativa - em suma, isto seria a busca do crescimento econômico por uma
ecoeficiência que tornasse a produção de bens e serviços cada vez mais intensiva em
energia e menos em matéria, possibilitando o reuso dos recursos e uso de recursos
renováveis.
Este descolamento (decoupling), conceito também oriundo da física, permitiria
a resolução do dilema entre crescer ou não crescer, polemica travada entre
"conservadores" e "ecologistas tradicionais". O problema é que o desenvolvimento da
economia da energia gera diversificação crescimento e um consumo que acaba por
comprometer os estoques de recursos naturais. O livro do Banco Mundial lançado em
2009, Prosperity without Growth? se defende este argumento, o que reforça a tese
dos economistas ecológicos.
É difícil imaginar, por enquanto, de que maneira os chamados emergentes
poderão sair da inferioridade tecnológica em que se encontram. Isso “certamente”
fará com que, entre eles, a transição a economia de baixo carbono seja muito mais
difícil e lenta segundo Veiga (VEIGA, 2010). Todavia, como a infraestrutura dos
emergentes ainda está em construção, optar por soluções mais sustentáveis, deveria
ser mais fácil, não fossem as injunções políticas e o reacionarismo tecnológico dos
engenheiros.
O que espanta é o uso superficial com que os economistas incorporam
conceitos da física, para supostamente conferir cientificidade a uma ciência tão
recalcada por valores de fundo ideológico. Agora, abusam da inexorabilidade da
entropia como se a negentropia não pudesse ser seu par necessário no mundo cósmico
e biológico.
De qualquer modo, as preocupações com a insustentabilidade de atividades
antrópicas permanecem e uma economia verde prospera. Como a Conferência das
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD 2012 ou Rio+20), cujos
resultados reafirmam colocações centrais deste livro como a imbricação das
dimensões da sustentabilidade e a relevância da governança e do planejamento do uso
do solo (urbano e rural).
O que não se percebe no debate dos economistas (sejam estes defensores do
crescimento incondicional, do anticrescimento, ou de um crescimento ecoeficiente) é
a discussão sobre os níveis de atividade adequados em termos ecológicos. O que
desloca a questão para a observação da natureza e de seus processos. O que nos cabe
é buscar reconhecer os limites da urbanização, segundo os parâmetros naturais de
sustentabilidade.
3.2 Sustentabilidade: atributos e implicações
Retomando o conceito da sustentabilidade e sua definição como vimos se
associa a idéia de continuidade e resiliência de ecossistemas. No caso de sistemas
abertos, como é o caso das cidades e de ecossistemas naturais, a sustentabilidade se
dá por meio de processos recorrentes e retroativos de reorganização que lhes
permitem a continuidade por autorreconstituição. Estes processos são verificados em
qualquer sistema vivo, comportando limites temporais e físicos intrínsecos. Pode-se
falar do que seja mais ou menos sustentável no tempo, mas não de uma
sustentabilidade sem limites. Assim, como o tempo, a sustentabilidade é uma relação
e não uma grandeza, uma medida comparativa de durabilidade, contudo enquanto
resiliência, a sustentabilidade tem limite temporal e físico, ou seja, há também limite
para a capacidade de um sistema absorver e responder a um impacto ou série de
impactos, voltando o seu estado original.
Assim, a condição fundamental para a sustentabilidade está em se por limites
ao crescimento econômico e urbano, se estes processos transpuserem os limites
naturais. Noutras palavras, isto se realizaria com a definição e observação de limites
no uso de recursos naturais não renováveis de modo a não comprometer os recursos
naturais às gerações futuras, o que se associa aos objetivos do desenvolvimento
sustentável.
Aqui vale repetir aquilo já dito no Capítulo 1 sobre o desenvolvimento
sustentável: nada mais justo e ético, além de cientificamente plausível, mesmo sem
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
demonstrações quantitativas, em face à extensão das transformações impostas por
atividades antrópicas à biosfera durante séculos, especialmente após a revolução
industrial. Contudo, será que a agricultura extensiva que devastou milhões de
hectares de florestas desde sua disseminação multimilenar não significou um
caminho sem volta de mudanças para os serviços geoambientais? Esta questão nos
faz pensar se é possível manter ciclos naturais que sustentam o clima terrestre do
modo que o conhecemos hoje, ou se é possível uma adaptação passiva. Ademais,
admitir ser capaz de mudar o clima global induz a considerar em que sentido, em
quanto tempo, com que alcance e com quais meios seria possível uma adaptação
corretiva? Contudo, a atitude das sociedades e sistemas econômicos dominantes para
com os ambientes tem sido ainda de negligência, preservacionista, ou
conservacionista. A compreensão da sustentabilidade é em grande parte passiva,
pressupondo que seria suficiente manter um conjunto de condições dadas.
Entretanto, para além de ações necessárias de preservação, conservação,
recuperação, mitigação, ou adaptação, raramente se admite que as condições de
sustentabilidade em sistemas naturais complexos e dinâmicos exigem a
autoreorganização (MORIN, 2008). Em tal processo, mesmo que lento, embora por
vezes superando expectativas, a sustentabilidade é apoiada na manutenção da
biodiversidade, na interdependência e em um equilíbrio dinâmico entre ecossistemas
e ambientes. No limite, tais fatores de resiliência induzem a ideia de regulação
artificial da natureza, que devem se tornar cada vez mais necessária, mesmo que
segmentada. Por outro lado, isto não poderia ser visto como algo a ser fabricado, algo
mecânico, pautado, mas como algo a ser propiciado, estimulado, fecundado e
cultivado, como no manejo florestal. Este é um pensamento de terceira via,
dissociado da concepção de crescimento conservador e do anticrescimento, podendo
compreender a busca de um crescimento ambientalmente sustentável, especialmente
em face à demanda da grande maioria da população mundial (VEIGA, 2010 p.21-27).
Voltando a analogia com o manejo florestal, isto nos abre duas digressões em
nossa linha de raciocínio. Primeiro, pelo fato de que tal manejo impõe um limite à
competição natural, resultando numa melhor absorção de CO2 para os conjuntos
florestais manejados, como se fora uma ação coletiva exercida por um "agente
externo", o homem. Segundo, este fato tem enorme significado filosófico, pois, existe
um pressuposto comum de que o equilíbrio natural seja o ótimo por excelência, o
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
divino, o melhor e, com isto emerge a ideia de que a natureza é sábia, que deveria ser
respeitada e que diante de nossa ignorância sobre sua complexidade e impotência de
controle sobre suas forças, nos resta apenas aceitar, conviver melhor, harmonizar,
adaptar-se tendo que admitir, contraditoriamente, que a lei da selva, a ferocidade, a
violência indiferente da catástrofe natural, a morte e os males de toda sorte são
também parte da natureza como o pior, o torpe, o falho, o indeterminado, o
imponderável. Portanto, caberia explicar este lado da natureza por razões não míticas,
como na relação circular ou recursiva entre organização e desorganização, numa
relação de mútua alimentação.
Ironicamente, talvez nesta retroalimentação, encontrem-se uma oportunidade
latente, emergente, como aquilo que não tem fim específico, no sentido de finalidade
e que por isto faz perecer razões finitas. Paradoxalmente, o que desagrega,
desorganiza não é o que domina no universo, o saldo universal é um aumento de
galáxias, assim pode-se dizer que este não tende dominantemente a desorganização,
mas a autocriação, ou a uma ampliação de sua organização. Portanto, considerar a
entropia como a inexorabilidade da morte de nosso universo é não reconhecê-lo por
um modo mais recente, embora isto deva ser admitido apenas como possibilidade.
Mas, o que isto tem haver com nossos pressupostos?
Se a natureza se recria se reorganizando, a sustentabilidade não pode ser
reduzida apenas a normas, a parâmetros de indicadores a perseguir (mesmos que estes
não sejam antropocêntricos como em geral o são, objetivando preservar estoques de
recursos naturais (VEIGA, 2010) ou manter a qualidade do ambiente para o bem estar
social etc.). Sob esta acepção, o conceito em questão parece se aproximar melhor da
ideia de um jogo cujas regras são frutos de trocas, cujos movimentos são lentos, mas
ocasionalmente bruscos e devastadores. Uma permanente reinvenção desta relação de
troca nos parece ser uma chave importante para uma compreensão de sustentabilidade
e esta "simbiose" envolve uma evolução. Este é inclusive o mote da concepção sueca
de cidade sustentável, a "symbiocity". Por isto, a noção de equilíbrio dinâmico se
ajusta melhor aos sistemas abertos que pretendemos tratar. (Ver sobre "symbiocity"
em http://www.symbiocity.org/en/Concept/).
Considerando estes atributos da sustentabilidade na natureza diz-se que: a
manutenção e renovação dos recursos naturais são fenômenos dinâmicos complexos,
inscritos dentro de ciclos naturais tanto orgânicos, quanto inorgânicos; a vida e a terra
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
como conhecemos, hoje, são o resultado dos ciclos naturais astrofísicos,
biogeoquímicos e ainda da diversidade, interdependência e equilíbrio dinâmico de
ecossistemas que lhe conferem sua resiliência e; em face à complexidade da
sustentabilidade na natureza, esta é irredutível a disciplinas isoladas do
conhecimento.
A sustentabilidade na natureza deveria ser abordada pela transdisciplinaridade,
já que comporta múltiplas dimensões. A transdisciplinaridade é o entrelaçamento de
disciplinas na explicação de fenômenos ou questões (ZIMMERER & BASSETT,
2003).
Assim se vê a reconstrução, ou requalificação das cidades em bases
sustentáveis não apenas como uma adaptação passiva as mudanças climáticas.
Embora esta adaptação seja necessária, isto deverá ser insuficiente em face à
necessidade de ações para criação de um ambiente menos hostil. Por isto, se imagina
que inferir positiva e conscientemente nos ciclos biogeofísico-químicos seria um
caminho mais profícuo. Neste sentido, a questão dos limites para o crescimento nos
parece ser então, mais pertinente às cidades (particularmente as grandes e ao modelo
de crescimento das demais) do que a economia, desde que um crescimento dirigido à
melhoria da qualidade de bens e serviços (baseados numa reestruturação dos
ambientes) pode significar bastante espaço ao crescimento econômico,
contrariamente ao crescimento populacional e urbano. A requalificação ambiental
necessária da produção deve representar crescimento econômico, seja para uma
adaptação passiva aos ambientes, ainda mais se ela tiver caráter ativo, recriando
ambientes. Isto não questionaria os limites do crescimento econômico, mas o
circunstanciaria. Como as cidades estão se ajustando a uma requalificação ambiental,
ou ativamente propiciando uma nova economia de baixo carbono? Pelo exposto
algumas deveriam crescer, ou não crescer e talvez algumas devessem até decrescer,
mas este decrescimento ocorre mais por outras razões, que levam a crises de ciclo
curto dos negócios, de médio de Knutsen, ou longo de Kondratiev, o que são
oportunidades para a reindustrialização limpa e solidária.
O que sustenta este argumento é ainda o pensar as cidades em redes e uma
desconcentração de investimentos promovendo o crescimento no sentido da
sustentabilidade ambiental. Entre as dificuldades para isto identifica-se a
incapacidade dos estados periféricos de reconhecerem o problema, de se organizarem
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
para criar as infraestruturas e a gestão ambiental necessárias, orientarem-se na
direção de um crescimento ambientalmente adequado de modo a suplantar o
crescimento predatório. Vale salientar que grande parte dos impactos ambientais
negativos nas grandes cidades se dá simplesmente por uma concentração espacial dos
investimentos, em detrimento de outras cidades e suas redes, especialmente nos
países ditos emergentes (SINGER, 2002)
As questões consequentes desta visão não seriam apenas: como mitigar a
emissão de gases causadores do efeito estufa; ou como se adaptar a um clima global
cada vez mais aquecido; mas, sobretudo, como atuar na contracorrente de tendências
globais em direção a um planeta cada vez mais inóspito.
Esta obra de ficção cientifica cada vez mais necessária, pode parecer fantasia,
especialmente, para aqueles que consideram que os fenômenos das mudanças
climáticas independem das ações antrópicas, definidos que são, também, por
atividades solares. Entretanto, o argumento da necessidade de tal tarefa, pode ser
factível no nível microclimático nas cidades e em suas regiões.
Ora, se a cidade é o centro da depleção da natureza, além de ser o centro
irradiador destas práticas no território rural, requalificar ambientalmente a cidade é
fundamental. O que esta requalificação significa, não deve ser uma resposta
homogênea em função da diversidade das condições físicas urbanas e
socioambientais como já assinalamos, mas deve envolver a produção de bens e
serviços, a infra-estrutura, o mercado, o capital social e uma reorientação estrutural
da produção.
A requalificação das cidades deve reunir condições para "puxar", pelo menos
de modo significativo, tal processo. As experiências de adaptação das cidades
apontam para uma série de diretrizes de ações consensuais: como na construção de
novos sistemas de transporte públicos, utilizando recursos renováveis para resolver
uma causa importante de poluição atmosférica; na gestão adequada de resíduos
sólidos das mais diversas origens; na construção e uso das edificações, assim como
nas suas infraestruturas segundo especificações ambientais; na arborização urbana,
criação de áreas verdes integradas e fomento ao aumento da biodiversidade de
espécies autóctones da flora e fauna na cidade; na agricultura urbana; assim como nas
intervenções em áreas habitacionais carentes de interesse social; na recuperação de
centros históricos (BEATLEY, 2009).
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
A revisão bibliográfica sobre cidades sustentáveis conduziu ao exame de uma
série de abordagens metodológicas com objetivos teóricos e pragmáticos (JACOBI,
1997; VEIGA, 2010; UNITED NATIONS HUMAN SETTLEMENT
PROGRAMME, 2009; UNITED NATIONS DIVISION FOR SUSTAINABLE
DEVELOPMENT /EGM/ISD, 2005; WACKERNAGEL, 2011) e a experiência sueca
de Symbiocities na China. Estas abordagens pressupõem que ao se controlar os
impactos ambientais negativos se estaria promovendo a sustentabilidade urbana em
termos ambientais. Assim focaliza-se, por exemplo, a qualidade do ar com a queima
de combustíveis fósseis no transporte; os recursos hídricos e as descargas de esgotos,
ou mesmo tomando medidas ativas de recuperação, promovendo o plantio de árvores
nativas, contando com a capacidade regenerativa dos ecossistemas e assim
supostamente gerando sustentabilidade.
Este tratamento da questão se assemelha a conduta médica diante da doença
humana que mesmo quando atuando sobre as causas dos males na saúde, conta com a
capacidade regenerativa dos pacientes. Neste sentido, o desejável é que os pacientes
voltem a uma vida normal sem sequelas, o que muitas vezes não é possível. Assim, a
normalidade desejável é a restauração de um estado original, um equilíbrio dinâmico,
pulsante entre limites, a homeorese (que será explicada na p.71), contudo repetitivo,
cíclico, como uma máquina funcionando regularmente. Esta também é uma visão
comum quando se pensa em sustentabilidade. Por isso, mesmo resgatando a ideia de
máquina colocada acima, um sistema organizado que a partir de insumos do ambiente
externo transforma e produz algo novo e que ademais compreende processos cíclicos
nesta transformação não pode ser visto como análogo a uma máquina mecânica, ela é
orgânica. O simples fato de se contar com a capacidade regenerativa da natureza, por
exemplo, na medicina, revela a consciência desta capacidade dos organismos vivos.
Três digressões podem ser realizadas a partir deste ponto. A primeira, mais
evidente, seria o reconhecimento da necessidade de compreender o sistema urbano
como organização social, isto demanda não só a compreensão da organização viva,
como também a noção de sistema neste contexto, o que teoria da complexidade
desenvolve superando o "sistemismo" abstrato (que formaliza matematicamente e
abandona a história), vindo a constituir a vanguarda na gestão de organizações como
já referida. A segunda linha de desenvolvimento, bem mais complexa, diz respeito
ao fato de que os processos de sustentabilidade dos organismos vivos não são,
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
exclusivamente, homeostáticos. Desse modo, pode-se perceber não só que há uma
evolução temporal dos organismos, deste o nascimento à morte, mas também a
evolução de cada espécie e a coevolução destas, definida na interação entre espécies e
seus meios físicos. Neste sentido, caberia responder como se dá a evolução da
sociedade urbanizada e sua determinação sobre a evolução de outras espécies e seus
ambientes. A terceira linha diz respeito à possibilidade advinda da capacidade da
sociedade urbana de recriar os ambientes artificiais em que vivem e controlar, ou até
dirigir, os impactos destes ambientes artificiais sobre o ambiente maior em que se
inserem, no sentido da sustentabilidade global. Assim, a construção da cidade
sustentável pode ser entendida não apenas com um processo de recuperação
ambiental, mas como geração ativa de novos ambientes artificiais, desenvolvidos
para produzir resultados ambientalmente positivos. Contudo, estes mesmos novos
ambientes deveriam aprimorar as defesas sobre o aumento da probabilidade de
ocorrência de desastres naturais e assim serem desenhados ou guiados também para
tal propósito.
Este exame teórico-conceitual da questão da sustentabilidade urbana deve
possibilitar o trabalho empírico de pesquisa na verificação de um quadro teórico,
contudo é importante que nesta tarefa se considere a cidade em sua rede, como uma
complexidade auto-organizada. Tal teste deve ser desenhado de modo a possibilitar
ao menos o monitoramente, ou avaliação da insustentabilidade, revelando a
pertinência da concepção de sustentabilidade utilizada, explicando e avaliando
melhor as ações das políticas urbanas e ambientais. Para isto é preciso substantivar a
sustentabilidade, de modo a se ter de fato uma base consistente de sustentabilidade
urbana para avaliar nossas ações, do contrário se terá apenas resultados sobre ações
de controle da insustentabilidade de nossas atividades, sem um objetivo de fato. No
caso de políticas que protagonizem de modo proativo a sustentabilidade, esta carência
conceitual se reflete em metas difusas. Mesmo que alguns indicadores apenas possam
nos oferecer uma medida de insustentabilidade, isto já permitiria diálogos
interdisciplinares e com territórios mais amplos.
O estudo recente de economistas renomados recomenda que os aspectos
sociais, econômicos e ambientais da sustentabilidade deveriam ser tratados
independentemente (STIGLITZ; SEN; FITOUSS, 2009). No entanto, mesmo
havendo necessidade de interpretações disciplinares independentes da
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
sustentabilidade, deve-se considerar que a sustentabilidade é antes de tudo ambiental,
que a variável comum universal é a energia, devendo ser esta a base comum para um
diálogo transdisciplinar necessário para se lidar como um sistema complexo e aberto.
Em sistemas complexos e abertos, o todo não pode ser reduzido às suas partes,
assim as partes não podem explicar o todo e isto constitui o limite do pensamento
científico analítico. Além disto, mesmo que se possa inferir que algumas disciplinas
sejam mais importantes, mais determinantes, ou mais centrais que outras na
formulação de políticas; para as ações de programa afins, para a elaboração e
execução de projetos e para a governança geral das ações, certamente, seriam outras
as mais relevantes. Portanto, há de haver distinção nos enfoques disciplinares mais
também um fio condutor e comunicador, uma base comum que dê coerência as ações
e a suas avaliações.
No contexto do planejamento, a gestão planejada urbana e regional tem um
lugar assegurado no debate da sustentabilidade e entre os papéis desta, cabe o
monitoramento da qualidade ambiental das cidades. Este conceito (deste autor) que
significa a gestão pública ou privada guiada por instrumentos de planejamento,
desenvolvidos a partir da própria gestão de caráter auto-organizativo, seja por
medidas incrementais ou mudanças estruturais.
No exame sobre indicadores de sustentabilidade, observamos que estes foram
desenvolvidos a partir de diversos vieses disciplinares, guiados por preocupações
antropocêntricas, ou ideológicas e definidos pelo afã empírico de encontrar uma
medida que seja de aplicação abrangente, de compreensão fácil e passível de uso a
indivíduos, coletividades residentes, cidades, regiões, países, a exemplo da Pegada
Ecológica. Apresentamos este estudo sobre indicadores no Capítulo 4, após o exame
da compreensão de sustentabilidade por alguns ecólogos.
3.3 Capacidade de Suporte como Medida de Sustentabilidade
Outro modo de conceber e de medir sustentabilidade foi proposto por Odum e
Barrett (ODUM & BARRETT, 2007), baseado no conceito de capacidade de
suporte. Este conceito se define pela relação entre a produção de biomassa (P) sobre
a manutenção respiratória (R), ou alimentação, tanto em organismos, populações,
comunidades, ou ecossistemas. Quando R é igual a P, tem-se a capacidade de suporte
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
máxima, ou K = P/R = 1, ou seja, a quantidade máxima de biomassa que pode ser
sustentada por um organismo, população, ou comunidades de seres em um
ecossistema. Como esta relação pode ser expressa por uma curva sinótica (em forma
de S) de crescimento populacional na representação cartesiana (onde o eixo das
abscissas representa valores de R e o das ordenadas de P), a capacidade de suporte
ótima seria o ponto que marca a mudança de concavidade, ou ponto de inflexão no
trecho ascendente da curva, onde K é menor que um (K < 1), ou seja, a produção de
biomassa pode crescer, mas a um custo maior de energia para respiração. Este ponto
de inflexão da curva também corresponde ao rendimento máximo de um ecossistema.
O intervalo entre a produção ótima e a produção máxima expressa os momentos
quando o incremento de produção de biomassa ou população gera aumentos
proporcionalmente maiores na entrada de energia para a respiração ou alimentação,
ou seja, quando o rendimento das máquinas vivas ou comunidades de espécies é
paulatinamente decrescente.
Observou-se que muitas populações (no sentido ecológico) apresentam uma
capacidade de suporte próxima à ótima. Isto é atribuído à regulação populacional da
cadeia alimentar nos ecossistemas, o que constitui uma espécie de margem de
segurança até o limiar máximo de crescimento (onde K = 1). A capacidade de suporte
pode ser interpretada como uma margem de segurança para os casos de eventos
destabilizantes como secas e inundações, que podem comprometer as fontes de
recursos, ou seja, isto opera como uma prevenção ou proteção natural à fome, à
doença e ao extermínio Portanto, como a resiliência significa capacidade
regenerativa dos organismos a impactos ambientais negativos, sua medida poderia ser
expressa como uma taxa da capacidade de suporte
As vantagens desta concepção de sustentabilidade são, por exemplo: a) poder
utilizar como medida unidades de energia, que é uma base universal; b) ter por
referência o comportamento de sistemas naturais; c) poder ser transposta para medir
sistemas artificiais antrópicos, fazendo R (respiração no ecossistema) corresponder a
I (energia utilizada por um sistema qualquer), permitindo avaliar o desempenho de
sistemas artificiais e compará-los ao desempenho dos sistemas naturais que os
sustentam.
A capacidade de suporte pode servir ao cálculo da resiliência ou da capacidade
regenerativa dos organismos a impactos ambientais. Uma medida de resiliência pode
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
ser expressa com o tempo de recuperação a um estado original, após os efeitos de
uma perturbação externa.
Figura 3.1 – Hipótese da Sustentabilidade como Capacidade de Suporte
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de ODUM, 2007.
Ainda em referência a resiliência, a capacidade de suporte pode servir aocálculo da resistência de um sistema, que poderia ser dado tanto pela energianecessária a uma deformação, quanto pela amplitude máxima da deformaçãoexperimentada, ou seja, quando um impacto passa a modificar a capacidade desuporte e quanto este altera esta capacidade.
Figura 3.2 – Rendimento Máximo: capacidade de suporte ótima e
sustentabilidade
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de ODUM, 2007.
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
A taxa de mudança da capacidade de suporte de um organismo, ou sistema,
também é indicadora de tendência. Há, ainda, a variável importante da mudança
tecnológica que modifica o rendimento dos sistemas produtivos artificiais,
funcionando como fator multiplicador positivo na relação P sobre R, o que eleva o
valor da produção P no ponto ótimo, sendo possível sustentar uma população maior
por unidade de energia de entrada, podendo ser definido como um parâmetro da
capacidade de suporte para uma medida de ecoeficiência.
Outra concepção de sustentabilidade é apresentada sob a forma de um tripé de
dimensões quais sejam: a dimensão econômica, social e ambiental. As dificuldades
desta concepção são: primeiro, supor a independência destas dimensões na
determinação da sustentabilidade, quando esta independência é apenas disciplinar e
artificial; segundo, há um abandono de uma visão da totalidade, seja no marco
teórico, seja no modelo integrador; terceiro tal suposição de independência denota
uma posição de exclusão mútua destas dimensões. Na realidade as dimensões sociais
e econômicas estão imersas na dimensão ambiental que compreende ciclos
geofísicoquímicos e processos biológicos independentes em escalas espaciais e
temporais diversas, que sobredeterminam as dimensões antrópicas, fato que é
negligenciado nas dimensões sociais e econômicas. Além disto, os critérios de
avaliação desta sustentabilidade multidimensional com pesos relativos dependem do
consenso sobre valores, ou seja, da possibilidade de ajustes e compromissos entre
decisores. Por exemplo, as deseconomias crescentes de escala podem apresentar
limiares máximos de rendimento, com valores superiores aos processos naturais de
produção ótima de biomassa, pois não se paga pelos serviços ambientais, o que leva
os ambientes ao estresse. O caso da pesca é exemplar, o custo dos fatores é da ordem
de dez vezes menor do que arca o ambiente para prover o peixe em termos de
energia. A natureza pode em parte compensar a predação com uma maior taxa de
natalidade, mas isto não tem sido suficiente e o resultado líquido tem sido a queda da
biodiversidade, ou seja, o desaparecimento de espécies, além da diminuição da
população de muitas outras. Portanto, não são os parâmetros de produção que tem
que ser compatibilizados, mas antes, os parâmetros naturais têm que ser observados.
Há uma sobredeterminação da dimensão ambiental sobre a dimensão econômica e
social com relação à sustentabilidade.
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
Em sua eloquente epistemologia ambiental, Herique Leff (2010) manifesta suas
defesas contra a teoria dos sistemas e ao utilitarismo no desenvolvimento dos
indicadores, argumentando que a questão ambiental exige um esforço de
autocompreensão da ciência, tanto em suas bases enquanto conhecimento, quanto
sobre seus propósitos políticos. Contudo, não é possível negar a necessidade de uma
emergência organizativa humana e de respostas científicas e tecnológicas a uma
noosfera errática e problemática, independente de utilizações ideológicas. Ademais,
estes vieses filosóficos da teoria crítica desempenham bem o papel na desconstrução
do capitalismo, mas em geral apontam vagos caminhos abstratos na construção de
uma ordem que, por fim, torna-se abstrata. A teoria da complexidade incorpora a
teoria dos sistemas enquanto modelo de interpretar a realidade, mas todo modelo
deve ser refinado na prática da verificação empírica, quando deixa de ser apenas uma
abstração idealista. Por outro lado, não se valer de modelos pode abrir perspectivas,
mas isso pode levar a digressões intermináveis e dificuldade de reconhecimento de
processos objetivos comuns, suas qualidades, alcance e dimensões, por exemplo, as
funções transcendentes (tratadas no item a seguir) dos sistemas vivos. Neste sentido,
a ecologia deve se tornar uma base para a ciência como o é, hoje, a matemática.
Temos que nos reportar a ela, em seus termos, se quisermos ser sustentáveis.
3.4 Recortando Tecnoecossistemas Humanos
Para examinar os tecnoecossistemas, devemos primeiro conceituar os
ecossistemas. Estes são definidos pela conjunção de comunidades (populações de
organismos) que vivem em cadeias alimentares ascendentes e descendentes. Tais
cadeias ou redes tróficas compreendem produtores (que transformam energia solar
em biomassa por fotossíntese) até predadores no topo de cadeias ascendentes,
associadas às cadeias descendentes que fazem retornar os nutrientes aos organismos
produtores. Isto com o trabalho de decompositores e parasitas que se manifestam em
toda a extensão destas estruturas alimentares, formando biocenoses que desenvolvem
e mantêm relações próprias com o ambiente onde vivem – biogeocenoses.
Os ecossistemas se encontram: a) numa hierarquia de sistemas, compreendendo
comunidades de populações de espécies, organismos policelulares, sistemas de
órgãos, órgãos, tecidos e células (incluindo organismos unicelulares); b) estão
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
compreendidos em paisagens como numa bacia hidrográfica, que por sua vez
formam biomas regionais e estes últimos a ecosfera.
Os níveis da organização da ecosfera (bioma, paisagem, ecossistema,
comunidade, população, organismo, sistema de órgãos, órgão, tecido e célula)
experimentam funções comuns, ditas transcendentes, quais sejam: comportamento,
desenvolvimento, diversidade, energética, evolução, integração e regulação. A
operação destas funções pode se dar do mesmo modo em todos os níveis, caso da
energética, ou de modos diversos, caso da evolução. Até o nível de organismo, a
evolução ocorre por mutação genética e, nos níveis superiores de organização, por
coevolução, interações com o ambiente e seleção natural. A regulação, ou
metabolismo nos organismos (e subsistemas vivos de nível inferior), se dá seja por
controles e limites exatos, seja isto por processos físico-químicos, ou por controles
genéticos, hormonais ou neurais, que definem os seus estados de equilíbrio – a
homeostase, enquanto acima do nível de organismo os controles não são exatos, tidos
como equilíbrios pulsantes, ou oscilantes – a homeorese.
Não obstante, observam-se propriedades emergentes como uma consequência
da organização vida à medida que se passa de um nível hierárquico a outro mais
abrangente, por exemplo, passando-se de organismo para população emergem novas
propriedades. Por isto estes níveis não podem ser reduzidos as suas partes, nem muito
menos explicados por estas, mas observam-se também propriedades coletivas,
aquelas que podem ser deduzidas de valores de suas partes componentes, como a taxa
de natalidade de uma população.
Segundo Odum e Barrett (op. cit. p.7), a hierarquia dita integrativa na
organização viva permite uma evolução mais rápida a partir de seus componentes do
que sistemas não hierárquicos com o mesmo número de elementos, sendo assim ainda
mais resilientes. As interações das partes destes sistemas hierárquicos integrativos
podem teoricamente interagir e reorganizarem-se para atingir um nível mais alto de
complexidade.
Nesta passagem a um nível superior de complexidade, alguns atributos do
sistema superior se tornam mais complexos, outros mais simples. De modo geral, o
resultado das oscilações pulsantes dos subsistemas vivos é uma redução da amplitude
das oscilações do sistema, por exemplo, as comunidades de um ecossistema lhe
conferem maior estabilidade em termos de produção de biomassa, os indivíduos
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
morrem a espécie perdura. Um estudo que recorte um nível da organização viva,
neste caso o tecnossistema urbano deve compreender pelo menos, o exame do
subsistema abaixo e do suprassistema acima do urbano ou da urbanização.
A observação dos subsistemas urbanos leva a necessidade de se colocar a
questão intraurbana, ou melhor, os processos que definem a cidade internamente, as
forças que definem a produção dos espaços intraurbanos. A urbanização intraurbana e
seus padrões de resultados levam as propriedades emergentes e coletivas aos sistemas
urbanos, advindas de suas configurações e interações. No nível superior, há as
relações entre áreas urbanas com seus territórios rurais e naturais. Contudo, isto ainda
não seria suficiente para o exame da sustentabilidade urbana, desde que as cidades
operam em rede sobre um território natural. As redes de cidades com suas conexões e
territórios, constituem tecnoecossistemas (pois abrigam comunidades vivas num
espaço específico), se sobrepondo aos sistemas naturais, formando ilhas ou manchas
na paisagem em bacias hidrográficas - unidades básicas dos ecossistemas naturais.
Estas relações são basicamente: a) diretas, dos ambientes construídos com
bacias hidrográficas, estuários e com a atmosfera e; b) indiretas, dos
agroecossistemas com bacias hidrográficas e com a atmosfera. Estas relações inferem
nos ciclos biogeoquímicos, particularmente, no ciclo hidrológico e na ciclagem do
carbono.
Os ciclos biogeoquímicos são caminhos circulares de elementos e compostos
inorgânicos essenciais à vida que circulam do ambiente aos organismos, voltando ao
ambiente, definindo a chamada ciclagem de nutrientes. Há também ciclos de
compostos não essenciais à vida e aqueles nocivos à vida. Cada ciclo de nutriente
compreende um estoque reservatório de grandes quantidades (com movimento lento
associado a processos geológicos e geofísicos) e um estoque menor (com movimento
rápido associado aos processos orgânicos). Quanto à natureza estes ciclos podem
envolver gazes, líquidos, ou sólidos sedimentares.
Na ciclagem do nitrogênio se incluem as plantas em associações com micro-
organismos, sendo seu óxido um componente fundamental do desenvolvimento das
mesmas. O que vem ocorrendo a nível global são os efeitos negativos do excesso no
estoque de nitrogênio, "excesso de coisa boa", que se torna disponível na queima de
combustíveis fósseis, no uso de fertilizantes na agricultura, na produção de esgotos
humanos e resíduos de animais na pecuária. Isto tem efeitos negativos na
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
biodiversidade da flora, poucas plantas se adaptam ao excesso de nutrientes, abre-se
por outro lado à porta para espécies oportunistas e exóticas, para doenças humanas
por excesso de nitrato na água, caso da contaminação por meio de fossas individuais
sobre os lençóis freáticos de Natal – RN, fonte principal de abastecimento d’água da
cidade. No caso da ciclagem do fósforo, também importante componente do
desenvolvimento das plantas, há uma tendência de escassez. A poluição aérea nos
transportes e indústria também interfere na ciclagem do enxofre que provocam chuva
ácida, comprometendo os solos e a vida lacustre e o óxido de nitrogênio na atmosfera
gera o smog fotoquímico, que permite a entrada de raios ultravioleta, prejudicial aos
olhos e aos pulmões. A queima de combustíveis fósseis também interfere
negativamente na ciclagem do carbono como é mais conhecido, determinando uma
presença excessiva de dióxido de carbono na atmosfera que associado ao aumento da
presença de outros gases como metano têm efeito exponencial sobre o aquecimento
global – efeito estufa.
O ciclo hidrológico tem especial importância também por ser o principal
veículo de ciclagem de nutrientes para os organismos produtores. Por este meio
também são carreados os elementos nocivos aos ecossistemas. Além disso, a água é
componente essencial dos organismos, tanto por sua quantidade como por sua
qualidade. Na ecologia, o conceito de descontinuidade fluvial explica a alteração do
regime de inundações periódicas por canalização de rios, construção de barragens e
poluição crescente sobre o pulso natural das inundações e a isto se associa às
alterações no regime de precipitações. As áreas urbanas impermeabilizam os solos,
minimizam a vegetação, ocupam planícies de inundação, poluem e aterram os
estuários, destroem ou comprometem os ecossistemas ribeirinhos e estuarinos (por
sinal os mais produtivos), alteram a oscilação das marés e potencializam as
inundações sem controle.
A Figura 3.3, apresentada no final deste capítulo, constitui um esforço de
sistematizar as relações dos tecnoecossistemas urbanos e agropecuários com
suprassistemas naturais. Fica claro onde se originam os problemas ambientes
advindos das atividades antrópicas acima descritos e o que precisa ser transformado
ou desenvolvido.
Segundo as colocações de Odum (ODUM & BARRETT, 2007), a urbanização
se apresenta como um processo parasitário que envolve toda a civilização. Portanto,
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
é preciso gerar uma urbanização que: retroalimente por recompensa com o reuso de
insumos; que promova a economia da ecoeficiência, considerando a capacidade de
suporte ótima de populações e comunidades; compatibilize crescimento e
decrescimento, distribuição social e espacial de benefícios; gere diversidade e
estabilidade (ODUM & BARRETT, 2007).
Os indicativos de como esta ecologia política se consubstanciariam em termos
urbanos e em redes urbanas seriam: na descentralização eficiente de serviços intra e
interurbanos, na limitação e reorientação do crescimento de algumas cidades, na
indução ao decrescimento de outras, na requalificação de espaços e sistemas
intraurbanos, na promoção da economia da ecoeficiência, inferindo positiva e
ativamente sobre os ciclos biogeoquímicos.
3.5 Concebendo a Urbanização Ecológica
Os organismos e comunidades de organismos dependem de um conjunto de
condições para se desenvolverem e se reproduzirem. Esta dependência se manifesta
segundo fatores e limites de tolerância aos quais os seres vivos são submetidos e
quando tais limites são transpostos pode haver estresse, uma reação de recuperação,
uma possível adaptação (fisiológica ou genética), ou uma perturbação permanente.
As condições referidas definem ritmos, como relógios biológicos que marcam
o ciclo dos dias, fases lunares, estações. O solo, por exemplo, que contém macro e
micronutrientes para as plantas e animais, é a principal condição para os ecossistemas
terrestres e sua qualidade é indicadora de qualidade ambiental. O deslocamento, a
erosão e a ocupação natural ou humana do solo podem ser fatores limitantes ou
condicionadores importantes para a vida.
Há uma série de outros fatores ou condições físicas limitantes como o fogo,
gases atmosféricos, a temperatura, a umidade do ar, a precipitação, a água, as
enchentes periódicas, o gelo, os ventos, a luz e outras radiações, que combinados
geram condições físicas e ambientais específicas. As atividades humanas
condicionam o ambiente gerando com frequência um estresse nos ecossistemas sobre
os quais incidem mais diretamente. As perturbações crônicas, ou estresses
antropogênicos crônicos (aqueles persistentes e continuados) especialmente por
lançamento de substâncias químicas novas em ambientes sobre os quais os
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
organismos não têm história de adaptação são fatores limitantes de população,
patogênicas para humanos.
Capacidade de Suporte e População
A ecologia que trata de populações de espécies trabalha com índices de
densidade de indivíduos no espaço, com produção de biomassa por população ou por
indivíduo, índices de natalidade e mortalidade, distribuição etária de população e com
populações de espécies vis-à-vis suas relações tróficas, utilizando uma série de
métodos e técnicas. Particularmente importante para o estudo da urbanização
sustentável é o uso de taxa implícita de crescimento natural que serve de base ao
cálculo da capacidade de suporte de uma população, produção de biomassa de uma
comunidade, ou ecossistema. Quando o crescimento populacional é ilimitado, por
exemplo, uma espécie migra para uma área com abundância de alimentos e sem
predadores ou poucos fatores limitantes deste crescimento. A taxa de crescimento
ilimitada é expressa por:
r = (Nt/N0)1 - 1
onde:
r é a taxa de crescimento;
Nt é a população ao final de um período de tempo;
No é a população no início do mesmo período de tempo;
t é o período de tempo considerado.
Além disto, esta taxa de crescimento ilimitada depende da distribuição etária.
Nestas condições a taxa de crescimento específica adquire um valor máximo,
potencial biótico ou reprodutivo, ainda chamada taxa implícita de crescimento
natural. A diferença entre o potencial biótico e a taxa de crescimento efetivamente
registrada é definida como resistência ambiental. Por isto, a expressão do cálculo da
população é subtraída um termo que representa esta resistência ambiental.
Nt = N0 (1 + it) – (r/K) N02
onde:
K é a capacidade de suporte máxima, ou tamanho potencial máximo de uma
população.
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
O desenvolvimento de uma população pode se dar com mais ou menos
resistência ambiental e, portanto isto se apresenta situado entre duas curvas, uma
exponencial que traduz um rápido crescimento sem fatores limitantes e uma curva
logística em forma de S, uma sigmóide, que representa um crescimento populacional
mais lento na presença de fatores limitantes (Figura 3.1, p.68). Observa-se ainda que
o crescimento exponencial encontra também limites, como a escassez de recursos no
ambiente.
O valor de K pode ser um número, o tamanho de uma população, mas este
também pode ser traduzido em volume de biomassa, ou em unidades de energia como
quilocalorias, ou por um índice definido pela relação entre a produção de biomassa
por sua respiração (P/R), ou ainda na produção de biomassa por quantidade de
nutrientes ingeridos ou processados (P/N).
Na aplicação do conceito de capacidade de suporte a urbanização, pode-se
dizer que as cidades de início conseguem atender as exigências de grandes volumes
externos de energia, alimentos e água, experimentam posteriormente dificuldades de
atender seus cidadãos com seus serviços, em face dos custos crescentes de
manutenção e da crescente deseconomia de escala, sua população deverá alcançar um
máximo, declinar e oscilar (Figura 3.1, p.68). Esta última se comportará tanto mais
segundo uma curva de crescimento exponencial sem fatores limitantes, quanto os
recursos forem disponíveis e não houver a retroalimentação negativa do planejamento
do uso da terra.
Apesar de ter-se apresentado acima, uma forma consistente de abordar
ecossistemas naturais e artificiais, necessita-se ainda definir suas diferenças e
relações. As capacidades de suporte dos tecnoecossistemas ultrapassam as
capacidades de suporte dos ecossistemas naturais de várias maneiras: a) ocupando as
paisagens sem consideração as relações ecossistêmicas, por exemplo, obstaculando
importantes corredores ecológicos (desconectando subpopulações que ocupam
manchas nas paisagens); estressando as comunidades com poluentes; interferindo nas
ciclagens naturais e com isto gerando escassez ou excesso de nutrientes.
O papel do desenvolvimento tecnológico é crucial neste processo,
especialmente quando associado aos objetivos de maximização de benefícios sob
uma visão de curto prazo. Este desenvolvimento tenta reverter as deseconomias de
escala, elevando o rendimento na produção de saída de um sistema por unidade de
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
energia de entrada, ou produtividade total. Assim, isto funciona como uma
perturbação crônica, por exemplo, na pesca a capacidade de suporte ótima da
atividade tende a ser a capacidade de suporte máxima dos pescados. Além deste
limiar, o desenvolvimento tecnológico irá viabilizar a sobrepesca (pesca excessiva),
colocando em risco de extinção de muitas espécies. O mecanismo automático de
regulação de preço no mercado (com a alta de preço por escassez do produto)
também constitui, até certa medida, um estímulo a sobrepesca.
Sem fatores limitantes a capacidade de suporte econômica pode até ultrapassar
a capacidade máxima de espécies, comunidades e ecossistemas. Os
tecnoecossistemas se desenvolveram para muito além do extrativismo de espécies
selecionadas, estendendo capacidades de suporte, como é o caso dos transgênicos e
defensivos agrícolas, mas igualmente gerando mais estresse a outras espécies e
reduzindo a biodiversidade.
Biodiversidade e Produtividade
Arrisca-se sugerir que os humanos, em seus esforços para aumentar a
produtividade para sustentar o crescente número de pessoas e animais domésticos
(que por sua vez excretam enormes quantidades de nutrientes no ambiente), estão
causando uma eutrofização em escala mundial que é a maior ameaça à diversidade da
ecosfera, à resiliência e à estabilidade – a síndrome de "excesso de coisa boa". O
aspecto dessa perturbação – o enfoque no enriquecimento global por nitratos, que é
dado no primeiro volume da série Issues in Ecology, editado pela Ecological Society
of America (ESA, 1997) foi apropriado (ODUM e BARRETT, 2007 p. 323).
O trabalho de Odum (ODUM e BARRETT, 2007 p. 323) esclarece as relações
entre produtividade e biodiversidade. Em ambientes com baixo teor de nutrientes,
pode haver a redução da produtividade primária, ou o aumento da dominância de
algumas espécies, ou a redução da diversidade nas comunidades. Em ambientes com
alto teor de nutrientes, essa perda é ainda mais relevante quando subsídios de
nutrientes são adicionados ao solo em quantidades significativas para as comunidades
naturais, como fertilizantes e lodo de esgotos.
A redundância de espécies que realizam funções semelhantes nas teias tróficas
de comunidades reforça a sustentabilidade das comunidades. A diversidade biológica
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
é também de fundamental importância para a sobrevivência humana. Essa
diversidade se apresenta na natureza tanto como diferenças entre as espécies, quanto
nas variações de grupo e entre indivíduos. Os recursos genéticos incluem espécies
selvagens e domesticadas. Espécies selvagens podem ser fundamentais à
sobrevivência daquelas que têm valor comercial. A prevenção de doenças e o
tratamento das mesmas dependem da diversidade, além disto, os ecossistemas
dependem da diversidade para se adaptarem às mudanças de toda sorte.
O planejamento regional pode compensar a redução da biodiversidade local,
que se associa a ocupação rural e urbana do solo. A concepção de ocupação ecológica
pode ser resumida a uma sobreposição de redes artificiais sobre as naturais sem
obstacular seu funcionamento, no que a ecologia da paisagem é fundamental. Este
entremeado complexo de relações e fluxos demanda pesquisas e monitoramentos,
devendo considerar também atributos físicos como planícies de inundação, dinâmicas
de estuários.
Indicadores de biodiversidade são utilizados para avaliar ações de
planejamento urbano e regional na Nova Zelândia, sendo o conjunto de suas políticas,
consideradas um modelo internacional. A engenharia ambiental sul coreana de
recuperação de rios, inclusive aqueles que fazem interface com áreas urbanas, tem
que se valer da ecologia de paisagens e do planejamento urbano e regional.
O Desenvolvimento dos Ecossistemas
O desenvolvimento dos ecossistemas é tecnicamente chamado de sucessão
ecológica. Isto compreende fases determinadas por fatores internos, ou sucessão
autogênica, e por fatores externos, ou sucessão alogênica. Estas sucessões
compreendem também estágios no tempo, ou seja, sucessão primária e secundária,
com espécies dominantes diferentes até um clímax, quando a capacidade de suporte
flutua em torno de uma média, quando em grosso modo o valor de P (produção de
biomassa) se identifica ao de R (respiração).
Este desenvolvimento ecossistêmico tem características comuns à dos
organismos por apresentar fases de crescimento rápido e maturidade, contudo a
principal característica comum é sua capacidade de auto-organização, baseado na
teoria de Prigogine do não equilíbrio termodinâmico. A partir de condições iniciais de
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
desorganização se estabelecem espontaneamente estruturas organizativas com
padrões de comportamento tanto no mundo biológico quanto no físico (PRIGOGINE,
1996). Como há o sentido termodinâmico da energia da ordem ao caos, há também o
sentido inverso do caos à ordem. A sinergia das espécies e comunidades situadas nos
espaços geográficos opera uma auto-organização a partir de um fluxo de energia em
rede que se estrutura, desenvolve-se e mantém-se. Esta emergência do todo pelas
partes, apesar da necessária perda de energia sob a forma de calor em suas operações,
produz agregações reprodutivas de complexidade crescente, por isto produzindo um
desequilíbrio termodinâmico.
Além disso, os níveis da auto-organização viva também desenvolvem
estratégias próprias, por vezes, aparentemente contraditórias, como parte das
estratégias de auto-organização de suas partes, como aquelas das espécies relativas às
comunidades ou ecossistemas. Por exemplo, o tecnoecossistema humano como um
todo, capitalista ou socialista (na medida em que advoga uma melhor distribuição dos
frutos do trabalho social, acarreta necessariamente em crescimento da produção), isto
objetiva perpetuar o estágio de crescimento, gerando um padrão melhor de vida por
acesso a bens e serviços. Segundo Odum (ODUM e BARRETT, 2007 p. 368), a
estratégia básica dos ecossistemas e sistemas de nível superior na organização vital se
pauta, em resumo, por proteção máxima, no lugar da produção máxima com o
máximo de rendimento, contrariamente ao que é objetivado por tecnoecossistemas
humanos. Esta nossa conduta é uma aposta na possibilidade irrestrita de provisão e
acesso universal a grandes populações de bens e serviços sob padrões muitas vezes
insustentáveis. Contrariamente, a estratégia a partir dos sistemas de comunidades e
acima destas, considerando um fluxo de energia disponível, o que importa é como
melhor utilizá-lo e isto se realiza sofisticando e aumentando o nível de complexidade
da organização. A estabilidade do pulso do ecossistema é maior que aquelas das
espécies, populações e comunidades que abriga. Além disto, é também maior sua
resistência e resiliência a perturbações, portanto também sua sustentabilidade, em
equilíbrio dinâmico no tempo.
A interpretação mais precisa da distinção entre estratégia humana e aquelas dos
conjuntos vivos não pode separar os humanos como não sendo natureza. Além disso,
não somos apenas parasitas na medida em que estamos apenas degradando a biosfera
e gerando uma noosfera (uma biosfera artificial). De predador de topo de cadeia a
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
agricultor, formou-se uma enorme capacidade de viver ocupando menos espaço. Isto
significou uma grande otimização no uso do fluxo de energia disponível, que
possibilitou nossas cidades. Os efeitos autodestrutivos deste desenvolvimento se
tornaram nítidos na medida do desenvolvimento do conhecimento da natureza e de
nós mesmos e da capacidade vital de autoreorganização. A população de humanos
que deve alcançar seu máximo ainda neste século em função dos recursos naturais
vitais disponíveis no planeta e por razão das dificuldades organizacionais inerentes a
dimensão populacional e aos sistemas de serviços podem ser vistas também como
oportunidades para emergências postas as supraestruturas organizações globais.
A lei da rede reza que o custo de manutenção - C, para sustentar uma rede de
serviços com um número N de usuários, varia aproximadamente em função do
quadrado da cobertura da rede, segundo Patten & Jørgensen (1995), ou seja:
C = N(N – 1)/2 = (N2 – N)/2
Conforme esta informação os custos de manutenção com o crescimento dos
serviços é tão significativa que merece verificação empírica. Nas máquinas, isto varia
com a vida útil como em redes de serviços, mas na vida há outras capacidades.
Contudo, sociedades de insetos comprovam isto, pois nos formigueiros mais de dois
terços da população de formigas está envolvida com manutenção (Gordon, 2002).
Nas organizações humanas (em face ao constante aumento da produtividade no
trabalho), as atividades de manutenção devem envolver uma significativa parcela da
força de trabalho com tratos culturais na agricultura, a manutenção dentro das
indústrias e nos serviços. Supondo que isto se comprove, a descentralização seria
fundamental no planejamento e gestão, especialmente, de paisagens e territórios. Isto
para proporcionar maior diversidade de cultivos consorciados com o máximo de
insumos sem efeitos nocivos, cultivando e preservando florestas, lagos, córregos,
margens de estradas, brejos, marismas e praias, permitindo suas trocas seus caminhos
naturais. Este planejamento pode ser alcançado de forma acêntrica ou espontânea na
sociedade humana? Talvez sim, embora isto deva levar mais tempo, tempo este quiçá
indisponível. Ademais, combinamos em nossa organização centrismo e acentrismo,
ou organizações hierárquicas e fluidas e um desenvolvimento de duplo viés poderá
ser a chave de uma hierarquia integrativa mais sustentável, combinando capacitação
local com transparência hierárquica.
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
Nos elementos deste planejamento tomam relevância os ambientes protetores
de suporte vital (ecossistemas maduros), os ambientes produtivos também de suporte
vital (ecossistemas em crescimento), os ambientes de assimilação de resíduos
(ecossistemas dissipativos) e os ambientes urbano-industriais (tecnoecossistemas).
Como se fala no desenvolvimento da economia de baixo carbono pode-se tão
bem falar da economia da restauração (no que a Corea do Sul avança), como também
na economia da descentralização.
Em conjunto, a paisagem forma um mosaico que é composto por três
elementos principais: as matrizes; as manchas e os corredores. As matrizes são áreas
maiores que podem conter diversos tipos de ecossistemas com a vegetação e os usos
do solo, formadas por manchas e corredores. As manchas são áreas relativamente
homogêneas de vegetação ou uso, sendo qualificadas como de alta ou baixa qualidade
em função de sua vegetação, por exemplo, por conter nutrientes protéicos. Um
corredor de paisagem é uma conexão física entre manchas que permite a migração de
espécies como parte de ciclos reprodutivos, controle de pragas, erosão hídrica e
eólica do solo, podendo ser também meio para efeitos nocivos como a transmissão de
doenças, propagação de incêndios e exposição de animais à predação. Estes
corredores são classificados em cinco tipos básicos com funções, formas, estrutura e
tamanhos diversos.
A sustentabilidade da paisagem é associada à disponibilidade e manutenção de
recursos do capital natural. Este capital se constitui como meio na provisão de
benefícios proporcionados pelos ecossistemas e ciclos naturais, tais como: a produção
de madeiras e outros itens de atividades extrativistas, a purificação da água, a
ciclagem de nutrientes, a polinização das culturas, a renovação e preservação da
fertilidade do solo, a influência parcial na estabilidade do clima, a manutenção da
biodiversidade, o controle natural de pragas etc.
A perspectiva ecológica de gestão da paisagem tem sido marcada com a
tendência: de tratar o manejo de resíduos com uso de tecnologias de conservação
natural dos solos; de trabalhar com policulturas com baixa entrada de insumos
industriais; de desenvolver agroflorestas; de utilizar o controle ecológico de pragas e
o gerenciamento integrado da paisagem rural com a urbana.
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
Os Tecnoecossistemas Urbano-industriais
O que mais caracterizou os tecnoecossistemas foi a velocidade e a desordem do
crescimento desde a revolução industrial e isto vem comprometendo a possibilidade
de manutenção de suas infraestruturas. Além disso, a desconsideração dos efeitos
comprometedores da capacidade de suporte dos ecossistemas e das ciclagens naturais
faz com que muitos dos nossos ecossistemas sejam considerados por ecologistas, a
exemplo Eugene Odum, como ecossistemas parasitários. Qualquer sistema que cresça
deste modo não só alcançaria mais rapidamente sua capacidade de suporte como
arriscaria as bases de sua sustentabilidade ambiental.
Focalizado a cidade, o planejamento compartilhado da urbanização,
promovendo uma divisão coordenada de responsabilidades, deve possibilitar ações
sob uma visão para além dos problemas internos da cidade, incorporando a ecologia
da paisagem e a ecologia regional como uma necessidade crucial para um devir da
civilização com melhor qualidade e maior sustentabilidade.
Sobre este mesmo tema, salienta-se que a recuperação da qualidade das cidades
se associa a ampliação das perspectivas do planejamento urbano permitindo
incorporar a dimensão externa da ecologia da paisagem e da região, no sentido da
correção do caráter ambientalmente predatório da urbanização. Sob esta
compreensão, ressaltam-se como sendo de particular relevância as relações das
cidades com as bacias hidrográficas regionais.
A mútua determinação da natureza sobre a cultura e vice-versa possibilita,
como se observa, oportunidades para uma economia da conservação, mas seria de
especial interesse desenvolver uma economia da recuperação ambiental.
As últimas afirmações acima são respaldadas por consenso de especialistas
(MEADOWS et. al., 1972), desde décadas, quando consideravam o progresso
tecnológico como necessário e até vital, entretanto associado a mudanças sociais,
econômicas e políticas na direção de uma civilização menos insustentável, num
planeta finito em recursos. Neste sentido, recomenda-se a redução (ou negativação)
das taxas de crescimento populacional e urbano, para conter o estresse imposto aos
ecossistemas de suporte à vida, o que deve exigir uma mudança nos negócios para
reverter à tendência futura cada vez mais ambientalmente indesejável e socialmente
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
desigual. A cooperação a todos os níveis e a educação ambiental é fundamental para a
inversão das tendências, contudo teme-se que isto venha tarde demais.
Esta necessidade de cooperação é evidenciada, quando se avalia projetos de
engenharia ambiental, pois estes têm mais sucesso quando realizam a sinergia de: a)
interesses públicos (o que vai além dos interesses estatais); b) participação de entes
estatais locais, estaduais, regionais e federais; c) instituições de ensino e pesquisa; d)
interesses comerciais.
O Paradigma da Pulsação Revisado
Para compreender as relações entre as dimensões da sustentabilidade, quando
tratada por diversas disciplinas para explicar processos de natureza relativamente
independentes, é preciso primeiro, considerar que tanto o ambiente como a sociedade
pulsam em função, inclusive, de seu estágio de juventude ou maturidade. Segundo, é
preciso utilizar abordagens que possam dar conta dos efeitos de processos
simultâneos sobre o ambiente, basicamente os políticos e sociais (o que compreende
os econômicos) em interação com processos naturais cíclicos. Isto ajudaria a
explicação do futuro de uma população pulsante (inclusive humana) que haja atingido
a maturidade sob o efeito de ações antrópicas.
Entre as indicações encontradas na literatura identificamos a panarquia, uma
teoria de planejamento para transcender os limites de escala e disciplina na análise de
fenômenos determinados por processos múltiplos e concomitantes (HOLLING &
GANDERSON, 2002). Contudo, observa-se também que esta abordagem de modelo
numérico parece consistente em relação a cidades e florestas, embora menos
aplicável a fenômenos em escala maior como grandes países e oceanos. De saída, esta
abordagem levanta dúvidas, por seu sistemismos (uma aplicação fechada e redutora
da teoria dos sistemas que negligência a história), mas não deixa de ter mérito nos
objetivos.
A urbanização ecológica constitui o maior desafio posto a humanidade neste
século, pois somos uma civilização urbana, tendendo a uma integração global maior e
mais complexa. Os caminhos para isto são diversos na escala espacial e temporal,
envolvendo desde a reorganização local a políticas globais.
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
Os resultados de nossas ações da depleção da natureza estão na mídia, às ações
fragmentadas de correção não se sabe ao certo sobre seus resultados em face aos
diversos pressupostos de sustentabilidade e das dificuldades de medir algo assaz
complexo, mas isto faz parte de nosso aprendizado, faz parte de nosso desafio de
reorganização coletiva.
Há diversas formas de compreender e atuar sobre a questão acima exposta, o
que nos leva a considerar como trabalho mais consequente o desenvolvimento de
uma maior consciência dos efeitos das nossas ações sobre os mecanismos naturais e
as possibilidades de ações socioambientais sinérgicas reorganizadoras do ambiente.
Quanto a este trabalho, nos dirigimos então para examinar os indicadores de
sustentabilidade, no Capítulo 4, na perspectiva de um exame empírico sobre a
urbanização, compreendida enquanto causa e efeito dos processos citados.
Por outro lado, não basta ter, desenvolver ou adotar um (ou mais de um) bom
instrumento ou método de medida de sustentabilidade, mas também verificar como:
os processos sociais (motivados e condicionados sob o binômio
emancipação/sujeição), junto com os processos econômicos (objetivando acumulação
e gerando desperdícios) e os processos estatais (objetivando poder e controle,
contudo se deparando com descontroles estruturais, advindos também das próprias
estratégias de controle adotadas) se relacionam e determinam a urbanização e o
ambiente. Esta síntese é realizada no Capítulo 5.
Capítulo 3 – A Urbanização Ecológica
Figura 3.3 – Suprassistemas e Tecnoecossistemas Urbanos e Agropecuários
Fonte: Elaborado pelo autor a partir de ODUM, 2007.
CAPÍTULO 4
PARA INVESTIGAR A SUSTENTABILIDADE URBANA
Resumo
Neste capítulo apresentamos o passo seguinte desse estudo para investigar a
sustentabilidade urbana. Com este propósito, abordagens e métodos para medir
sustentabilidade foram inicialmente identificados, caracterizados e analisados. Isto é
aprofundado para os métodos considerados mais pertinentes à sustentabilidade urbana
e mais consistentes segundo especialistas. Ademais, aqueles métodos passíveis de
serem aplicados aos territórios urbanos foram reavaliados, segundo o marco teórico e
conceitual definido nos Capítulos 2 e 3.
Pelo exposto, o passo seguinte a esta análise crítica poderia ser a seleção de um
método de medida da sustentabilidade (ou da insustentabilidade urbana) e a aplicação
o mesmo. Entretanto, como concebemos tal sustentabilidade como resultante de mais
de um processo, isto exige a aplicação de mais de um método, ou métodos
integrativos com possíveis ajustes. Isto em face de que não bastaria definir um estado
de sustentabilidade, mas o comportamento das pressões e respostas tanto sociais na
esfera antrópica, como do ambiente, em circuitos de mútua-causalidade, que o
planejamento e monitoramento de ações demandam.
4.1 Métodos de Medida de Sustentabilidade
Para este trabalho, foram utilizadas três sistematizações (VEIGA, 2010;
BELLEN, 2006; ECKHARDT, 2011) que levantam criticamente o estado da arte de
abordagens do desenvolvimento sustentável com seus indicadores, além de um estudo
específico sobre dentre estas, quais mais aceitas por especialistas. Em um segundo
momento, abordagens específicas utilizadas em ecologia urbana foram examinadas.
Entre estes métodos, a Pegada Ecológica tem se destacado por uma série de
características, adiante colocadas, mas há outros métodos de medição de
sustentabilidade como: os Princípios de Bellagio (IISD, 2000), que são basicamente
normativos, ou seja definem objetivos desejáveis; os métodos que reúnem grandes
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
coleções de indicadores entre os quais se destaca o Painel de Sustentabilidade
(Dashboard of Sustainability); os métodos de viés econômico como a Poupança
Genuína (WB, 2006) que têm o demérito de precificar (atribuir valor em moeda a
indicadores) e com isto pressupor a substituição entre capital natural, produtivo e
humano.
Recentemente, três importantes economistas produziram um documento da
Comissão de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas recomendando, para
avaliações da sustentabilidade, o uso de indicadores para as dimensões da mesma de
modo independente (STIGLITZ-SEN-FITOUSSI, 2009), com base em dificuldades
advindas da compatibilização e agregação dos indicadores.
O trabalho de Bellen (BELLEN, 2006) sobre indicadores de sustentabilidade
tem por mérito um levantamento abrangente sobre múltiplas compreensões de
sustentabilidade e consequentes abordagens de indicadores. Foram identificados
cerca de dezoito destas abordagens, segundo citações em artigos científicos e uma
pesquisa realizada por este autor junto a especialistas de várias esferas de atividades
para a definição de uma hierarquização por importância destas. De posse deste
resultado, o trabalho realizou uma análise comparativa das três abordagens melhor
classificadas, quais sejam: o método da pegada ecológica; o painel de
sustentabilidade e o barômetro de sustentabilidade.
A sistematização realizada por Bellen das compreensões de sustentabilidade
apresenta o quadro originalmente elaborado por Pearce em 1993 (Quadro 1) e resume
as tendências ainda atuais do ambientalismo, acrescentando uma visão mais ampla e
detalhada do que aquela trazida por Veiga (2010).
Citando uma série de autores entre os quais Dahl, Daly, Bossel, Hardi e Zdan,
Barg e Rutherford, Bellen discute as idéias de sustentabilidade e desenvolvimento
sustentável. Um dos pressupostos que gera polêmica sobre o desenvolvimento
sustentável é que qualquer desenvolvimento implica em alguma forma de degradação
do meio ambiente. É possível como aventamos, que se desenvolva uma economia da
recuperação onde inclusive o crescimento venha a significar o inverso da degradação
do ambiente. Por isto é possível dissociar crescimento de desenvolvimento e de
degradação, embora limites existam sempre do ponto de vista ecológico, há modelos
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
e modelos de crescimento e isto tem que ser, ademais, sócio-geograficamente
contextualizado (FARLEY, 2009).
Observa-se também que o conceito de sustantabilidade é um conceito
complexo que tem sofrido constantes mudanças e, como dito, isso é portador de
diversas dimensões. Segundo Sachs (2009), este envolve a dimensão social,
econômica, ecológica, geográfica e cultural, contudo as três primeiras são
amplamente aceitas e empregadas.
Na perspectiva econômica, a polêmica teórica gira em torno da economia de
escala, ou do desencontro entre escala de produção e sustentabilidade. Outros
discutem a sustentabilidade a partir da contabilidade ambiental, ou da
responsabilização, ou dos instrumentos econômicos de controle. Outro ponto
importante neste campo se relaciona com a substituição, ou não substituição de
capital natural por outros tipos de capital e as dificuldades de precificação de certos
recursos naturais como a biodiversidade ou a extinção de espécies.
A perspectiva social da sustentabilidade se associa, sobretudo, a qualidade de
vida ou as condições de vida das populações humanas, como acesso a serviços
básicos de saúde, saneamento, educação e distribuição de riquezas.
A perspectiva ambiental da sustentabilidade se centra em preocupações sobre
os impactos das atividades humanas sobre o ambiente. A produção primária (das
plantas) constitui o capital natural sobre o qual se assenta as atividades humanas.
Na perspectiva geográfica e cultural, a diretriz da sustentabilidade aponta para
uma melhor distribuição espacial dos assentamentos humanos e atividades
econômicas. Isto deve se expressar numa configuração rural-urbana que proteja a
biodiversidade e que garanta melhores condições e qualidade de vida às pessoas.
A sustentabilidade é uma escolha social e, em resumo, a discussão sobre o
desenvolvimento sustentável gera na sociedade uma perspectiva de longo prazo e a
faz reconhecer seu lugar na biosfera entre outras espécies.
Quanto às funções dos indicadores, segundo Tunstall (1994), estes deveriam
propiciar a avaliação de condições e revelar tendências, inclusive em relação a metas
e objetivos, permitir comparações entre lugares e situações, prover informações sobre
limiares e antecipam condições e estados futuros.
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
Embora os termos metas e objetivos sejam por vezes identificáveis, de maneira
geral os objetivos são usualmente condições qualitativas desejáveis, enquanto as
metas são medidas quantitativas do estado das condições.
Seleção de Indicadores de Sustentabilidade Urbana
A seleção de indicadores de sustentabilidade urbana, no caso em foco, pode ser
realizada a partir dos objetivos ou da hipótese de pesquisa, mas como indicado no
Capítulo 3, deveria cobrir primeiramente a dimensão ambiental, em seguida a social e
econômica, em terceiro a institucional e cultural, associadas à dimensão política.
Indicadores de biodiversidade e população são usualmente utilizados como
medida da dimensão ambiental, contudo isto exige levantamentos de dados diretos
específicos e continuados, assim, alternativamente, dados sobre a qualidade do solo,
água e ar e atributos da cobertura vegetal podem servir de proxy a medidas diretas de
biodiversidade. Para uma observação remota, a qualidade da água e a cobertura
vegetal podem encontrar bases disponíveis, o que exige uma caracterização apoiada
em reconhecimentos locais de vegetações típicas e exames laboratoriais da qualidade
da água. Manchas de vegetações e corredores ecológicos são objetos de análise, além
de espécies em áreas urbanas.
A ideia por traz desta escolha se associa ao fato de que a biodiversidade se
relaciona fortemente a sustentabilidade dos ecossistemas e a qualidade da água
aparece como fator causal importante, muitas vezes fundamental na sustentabilidade
e estabilidade dos ecossistemas e sua biodiversidade. O foco na qualidade da água
potencializa a abrangência da análise para generalizações consistentes com as
ferramentas de geoprocessamento de imagens.
A seleção de indicadores de sustentabilidade social deveria incorporar
indicadores de saúde, longevidade, mortalidade infantil, população e estrutura etária.
Estas informações poderiam apoiar análises sobre a capacidade de suporte das
cidades.
A seleção de indicadores de sustentabilidade econômica deveria se centrar no
encontro da escala econômica ótima para verificação de sua compatibilidade com a
escala ecológica ótima dos ecossistemas, onde tanto o desenvolvimento tecnológico
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
quanto o mercado influenciam. Este desenvolvimento deveria proporcionar a redução
do custo marginal na escala ecológica ótima, menor uso de energia na produção e na
utilização dos produtos, uma redução paulatina de resíduos e previsão de logística
reversa. O encontro desta escala ótima se associa a capacidade de suporte ótima. O
tamanho da cidade grega era regulado pela capacidade de suporte do sistema
agropecuário disponível, atingindo-se este tamanho fundavam-se outras cidades. Este
tamanho se associava a valores sociais comunitários, especialmente, o não
anonimato. Alguns urbanistas apontam o não anonimato, a identidade, a densidade e
heterogeneidade adequadas como fatores fundamentais a vida urbana. Os limiares
populacionais urbanos saudáveis se manifestam em função da capacidade de suporte
do ambiente e dos meios tecnológicos disponíveis. Estes são ainda pulsantes, ou seja,
limiares não rígidos, oscilantes.
A pegada ecológica urbana em rede poderia ser um instrumento valioso e
praticável. Esta abordagem da sustentabilidade incorpora o conceito de capacidade de
suporte (o transformando numa medida de área) e relaciona o consumo urbano ao uso
de recursos e serviços ambientais, uma espécie de resultado líquido das economias
urbanas sobre a natureza. Esta abordagem será objeto de análise crítica, segundo
inclusive a visão de outros autores (Veiga e Bellen), para uma síntese conclusiva.
Quanto às dimensões políticas, institucionais e culturais, observou-se que na
Austrália (BEATLEY, 2009) tem-se utilizado como indicadores: o número de
iniciativas urbanas de ação coletiva na área ambiental; o número de projetos estatais e
privados e; o número de organizações da sociedade civil afins. Em síntese, estes
indicadores buscam medir o capital social e não seus efeitos na área ambiental
urbana. A dificuldade com estes indicadores é que estes não permitem por si, uma
explicação de como a organização política e institucional pode gerar uma ação
coletiva e se esta ação é eficaz. A teoria da ciência política pode neste ponto
contribuir, especialmente, sob os fatores que determinam os pontos da agenda
ambiental, os apoios ou posição dos atores políticos para a implementação desta
agenda e a existência de arcabouço legal adequado e a competência da estrutura
institucional para realizá-la.
Os indicadores das outras dimensões da sustentabilidade, especialmente, a
ambiental, poderia balizar esta análise, contudo restaria ironicamente um projeto de
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
civilização. Mesmo que isto seja um processo incremental, que se faça prescindir de
um projeto fechado, diretrizes gerais norteadores seriam irrefutáveis, desde que
formamos organizações tanto fluidas quanto hierárquicas. Que motivações
individuais e hierárquicas propiciariam a sinergia para esta hierarquia integrada
necessária? Quais as qualidades inerentes à sustentabilidade se associam a qualidade
de vida?
Quadro 4.1 – Dimensões do Ambientalismo
Tecnocentrismo Ecocentrismo
Cornucopiana Adaptativa Comunalista Ecologia Profunda
Rótulo
Ambien-
tal
Exploração de
recursos
orientada pelo
crescimento
Conservacionista
de recursos via
gerencial.
Preservacio-
nista
Preservacio-
nista Radical
Tipo de
Econo-
mia
Economia
Antiverde de
Livre Mercado
Economia verde e
mercado verde
conduzida por
instrumentos
econômicos.
Economia verde
profunda, ou
"steady-state" por
regulação
macroeconômica.
Economia verde
muito profunda com
forte regulação no
uso de recursos.
Estraté-
gia de
Gestão
Objetivo de
Maximização de
Escala, Lucro e
Crescimento.
Considera que o
livre mercado
com o
desenvolvi-
mento
tecnológico
deve eliminar às
restrições à
escassez e
limites
ambientais.
Admite algum
controle de escala e
se pauta pela
norma da
manutenção do
capital constante.
Advoga o
crescimento nulo
tanto para a
economia como para
a população humana.
Tem como
perspectiva a saúde
da ecosfera, sob a
hipótese de Gaia.
Levanta a
necessidade (por
vezes, imperativa
como interpretação
literal da hipótese de
Gaia) de redução de
escala de produção e
decrescimento da
população.
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
Quadro 4.1 – Dimensões do Ambientalismo (continuação)
Ética
Os direitos
individuais
definem o valor,
sobretudo
instrumental da
natureza.
Concebe a
equidade como
intra e intergeracio-
nal, contudo,
considera a
natureza como um
valor instrumental.
Considera o valor
intrínseco dos
ecossistemas como
primários e suas
funções, serviços e
usos como
secundário.
Desenvolve a
Bioética, onde o
valor intrínseco da
natureza se traduz
como direitos das
espécies.
Grau de
Sustenta-
bilidade
Sustentabili-
dade muito fraca
Sustentabili-
dade fraca
Sustentabili-
dade forte
Sustentabili-
dade muito forte
Fonte: BELLEN, 2006.
4.2 Limitações dos Indicadores de Sustentabilidade
Os indicadores devem ser simples para serem práticos, mas não tão simples ao
ponto de não representarem ou revelarem suficientemente a realidade. Por outro lado,
agregar demasiadamente os indicadores pode anular a percepção de efeitos mútuos.
Trabalhar com indicadores em demasia complica a análise e dificulta a síntese.
Assim, selecionar aqueles indicadores fundamentais seria o procedimento mais
recomendável.
Observa-se que a maioria dos indicadores de sustentabilidade carece de um
sistema teórico conceitual que represente a totalidade, não são sistemáticos e não
refletem a interação sociedade-natureza, por causa do recorte ou redução disciplinar
de origem (BOSSEL, 1999). Por isto, estes não são capazes de revelar: a taxa de
mudança dos ecossistemas sobre ações determinadas para melhor contribuir para o
desenvolvimento sustentável. A análise de conjunto do complexo problema urbano
teria que isto permitir.
Há ainda dificuldades entre os objetivos desejados e o estado percebido da
realidade, ou entre razões utilitaristas antropocêntricas e a percepção da natureza
como a de uma espécie entre outras. Há questões de imprecisão de medida, "ruídos"
de informações do passado e do presente, assim como dos próprios processos naturais
quando não apresentam limites exatos em estados pulsantes. Podem-se identificar
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
resultados líquidos da relação sociedade-natureza, mas em tempo real isto se torna de
difícil percepção quando os efeitos são retardados. Além disto, há processos internos
aos ambientes construídos onde participam processos externos e vice-versa.
Pelo exposto pergunta-se como seria possível realizar uma pesquisa disciplinar
isolada, que possa contribuir para a compreensão da totalidade da urbanização em
termos de sua sustentabilidade? O critério da compatibilidade dos indicadores
selecionados com outras disciplinas seria fundamental, assim a base energética da
capacidade de suporte volta a se justificar, mas como estabelecer estas correlações? É
possível que a análise fatorial possa ser utilizada nesta tarefa, verificando correlações
lineares entre variáveis ou indicadores com uma base comum, contudo, será que o
modelo multilinear permitiria esta verificação? Contudo, mesmo que a análise fatorial
não seja adequada outro instrumento matemático, o que poderia? Portanto, o
importante de início é conceber as bases do diálogo transdisciplinar, definindo o que
é preciso informar e ser informado para o desenvolvimento disciplinar e para a
percepção de propriedades gerais dos ecossistemas urbanos. Por exemplo, economias
de escala crescentes ou decrescente de sistemas urbanos poderiam ser expressas como
ganhos ou perdas físicas de energia, ou recursos, segundo diversas abordagens, isto
poderiam indicar como rendimentos na produção de bens e serviços se relacionam
com a capacidade de suporte de ecossistemas.
Sistemas de Indicadores e Desenvolvimento Sustentável
A abordagem da OECD de 1993 oferece um mecanismo para monitoramento
do progresso ambiental aos países membros. O sistema tem por modelo três termos
básicos: pressão (das atividades antrópicas sobre o ambiente), estado (indica a
qualidade do ambiente, ou a qualidade e quantidade de um recurso ou serviço
ambiental) e resposta (seria a resposta social relativa às mudanças ambientais).
Portanto, os objetivos seriam políticos.
Ademais, a especificidades locais ou regionais podem condicionar o foco ou a
ênfase na análise, o que se refletem no afinamento dos métodos, embora não se deva
perder de vista a compatibilidade com indicadores aplicados a outros territórios, para
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
efeitos comparativos e generalizações mais abrangentes. O que indica a necessidade
de uma tradução comum por indicadores mais agregados.
Um sistema que focaliza o fluxo de materiais e energia consumida (TMC –
total material consumption) e as entradas de energia e matéria num sistema humano
(TMI – total material input) apresenta a vantagem de se verificar a ligação do
consumo com impactos ambientais e tem sido utilizada em países europeus desde
1995.
O fluxo de energia e materiais é importante, mas há outros aspectos
importantes da sustentabilidadade como a biodiversidade. Isto gerou em 1995, um
indicador composto de biodiversidade para policy-makers do WRI – World
Resources Institute. Este consiste em vinte e dois indicadores com aplicação nacional
e internacional, carecendo, entretanto de dados de gestão e economia para a tomada
de decisões específicas de proteção ambiental.
Sob a dimensão econômica a ONU lançou em 1993 uma versão de um modelo
de Contabilidade Integrada Ambiental e Econômica. Tais sistemas de contabilidade
são considerados relevantes por oferecer informações para políticas de planejamento.
Outra abordagem que aperfeiçoa esta linha contábil é o Sistema Integrado Ambiental
e Econômico de Contabilidade (Seea). Entre seus objetivos aparece a contabilidade
do patrimônio natural e mais recentemente a contabilidade do fluxo de matéria e
energia. O Banco Mundial incorpora isto a um sistema de contabilidade de recursos
ambientais (o MEP – Monitoring Environmental Progress) com medidas para
recursos humanos (investimento em saúde, educação e capacitação). Há também o
Isew (Indicador of Sustainable Economic Wellfare) e seu desenvolvimento o GPI
(Genuine Progress Indicator), desenvolvido por Daly e Cobb em 1989, que é uma
abordagem considerada bastante completa envolvendo muitos aspectos do bem-estar,
inclusive, danos ambientais.
Para uma medida de sustentabilidade humana, a privação humana ao acesso a
serviços básicos gerou o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), um índice
composto de indicadores sociais de renda, educação e longevidade, que foi
desenvolvido pela Organização das Nações Unidas e que se serve para definir níveis
e limiares de pobreza.
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
Restaria, segundo a análise de Bellen (2006), desenvolverem-se sistemas que
tanto tratassem melhor o capital social junto com a dimensão institucional de
desenvolvimento sustentável, cruzando dimensões deste desenvolvimento. Contudo,
como já colocado, esta necessidade de cruzamento é indiretamente negada no
relatório apresentado em 2009 por renomados economistas em trabalho encomendado
pela CDS (Comissão de Desenvolvimento Sustentável) também da ONU. Isto sob o
argumento de que a agregação os indicadores não é muitas vezes possível, fazendo
ainda diluir a relevância destes, especialmente à medida que o número de indicadores
utilizados aumenta. Aponta-se assim para uma maior seletividade de indicadores.
Não obstante, antes do lançamento do referido relatório, a CDS/ONU viesse (e talvez
ainda venha) alimentando dados a um sistema que integra as dimensões ambiental,
social e econômica do desenvolvimento sustentável, qual seja o sistema DSR (driving
force, state e response). De qualquer modo o referido relatório não indica uma
metodologia de análise e decisão.
O trabalho de Bellen testa a aceitação de métodos por especialistas de vários
setores, o governamental, o não governamental, o privado e o de ensino e pesquisa.
Este hierarquiza a importância de uma série de sistemas de indicadores no total de
vinte e quatro. Observou-se um percentual elevado de não respostas na pesquisa, o
que não é estatisticamente considerado e coloca em dúvida a generalização dos
resultados. Contudo, para um tratamento que trate indistintamente os respondentes
como especialistas, os resultados podem ser considerados com a ressalva de que o
setor privado não se fez representar. Os resultados deste trabalho aparecem a seguir.
Tabela 4.1 - Indicações de Melhor Método para Avaliação de Sustentabilidade
# MétodoEscopo
DimensionalInd. % Ac.
1Ecological Footprint Method
(EFM)
Ecológico,
Econômico e
Geográfico
11 13,9% 13,9%
2 Dashboard of Sustainability (DS)Ambiental, Social e
Econômico10 12,7% 26,6%
3 Barometer of Sustainability (BS) Ambiental e Social 7 8,9% 35,4%
4 Human Development Index (HDI) Socioeconômico 5 6,3% 41,8%
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
Tabela 4.1 - Indicações de Melhor Método... (continuação)
# MétodoEscopo
DimensionalInd. % Ac.
5 Pressure, State, Response (PSR)Econômico,
Ecológico e Social5 6,3% 48,1%
6Driving Force, State, Response
(DSR)
Econômico,
Ecológico e Social5 6,3% 54,4%
7 Global Report Initiative (DSR)Econômico,
Ecológico e Social4 5,1% 59,5%
8 Genuine Progress Indicator (GPI) Econômico e Social 4 5,1% 64,6%
9
Interagency Working Group on
Sustainable Development
(IWGSD)
NI 4 5,1% 69,6%
10 European Indices Project (EIP) NI 3 3,8% 73,4%
11 System Basic Orientator (SOB) NI 3 3,8% 77,2%
12Environmental Sustainability
Index (ESI)NI 3 3,8% 81,0%
13 Compass of Sustainability (CS) NI 2 2,5% 83,5%
14 Policy Performace Indicator (PPI) Institucional 2 2,5% 86,1%
15Driving, Pressure, State, Impact,
Response (DSIR)
Econômico,
Ecológico e Social2 2,5% 88,6%
16 Weath of Nations (WN) NI 1 1,3% 89,9%
17 Four Capitals Model (4KM) NI 1 1,3% 91,1%
18 Material Input per Service (Mips) NI 1 1,3% 92,4%
19
National Round Table on the
Environment and Economy
(NRTEE)
NI 1 1,3% 93,7%
20 Environment Space (EnSp) NI 1 1,3% 94,9%
21
System of Integrating
Environment and Economic
Account (Sieea)
NI 1 1,3% 96,2%
22 Human Environment Index (HEI) NI 1 1,3% 97,5%
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
Tabela 4.1 - Indicações de Melhor Método... (continuação)
# MétodoEscopo
DimensionalInd. % Ac.
23 Swedish Model (SM) NI 1 1,3% 98,7%
24Evaluation of Capital Creation
Options (Ecco)NI 1 1,3% 100,0%
TOTAL 79 100,0%
Legenda: NI - Não identificado; Ind. - Nº de Indicações; Ac. - Acumulado.
Fonte: Adap. de BELLEN, 2007, p.97.
4.3. Avaliação de Métodos Selecionados
Avaliação do Método da Pegada Ecológica (Ecological Footprint)
O método se fundamenta no conceito de capacidade de carga e, a pressão das
atividades antrópicas é associada ao consumo e não a população, o que permite uma
distribuição sócio-espacial desta pressão.
Esta abordagem é criticada por considerar as atividades agropastoris apenas
como produtores de serviços ambientais na produção de oxigênio, não considerando
fatores de degradação como no uso de pesticidas, perda de solos, redução da
biodiversidade entre outros.
A apropriação humana da natureza gera como citado acima, uma série de
formas de depleção, entre estas a contaminação do solo, da água e outras maneiras de
poluir que não são contabilizadas pelo método da pegada ecológica.
Segundo, Bellen este método ainda não computava suficientemente o
comprometimento dos ambientes marinhos, considerados pouco responsáveis pelos
serviços ambientais o que não corresponde à realidade, desde que, por exemplo, os
estuários são os ambientes mais bioprodutivos e estas áreas são muito danificadas. A
julgar por estas informações haveria uma subestimativa da produção das áreas
marinhas e do seu uso humano e em decorrência uma subestimativa da pressão
humana na pegada ecológica.
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
Aponta-se também como crítica ao método, que a pegada ecológica considera
níveis médios de produtividade relativamente altos, por dados disponíveis em
estatísticas nacionais, o que gera resultados otimistas, novamente um fator de
subestimação da pegada real. A resposta dos autores do método é que estes dados
podem ser melhor definidos com dados locais ou regionais usando o método.
A abordagem pode ser aplicada tanto a produtos como a serviços, ou seja, a
bens materiais ou imateriais, o que constitui uma vantagem importante.
O método utiliza cinco tipos de territórios e muitos tipos de uso do solo, além
de produtos e serviços, contudo não considera efeitos cruzados de perturbações sobre
os ambientes ou ecossistemas, o que novamente deve enviesar as medidas no sentido
de subestimativas.
Alguns territórios têm avaliação limitada ou subestimada como áreas
bioprodutoras ou produtoras de serviços ambientais, tais como áreas lacustres,
florestas intocadas, desertos e capas polares. Os desertos têm efeito sobre o clima dos
oceanos, em face da suspensão de partículas e as calotas polares tanto abrigam
significativa produção de biomassa, como participam de modo determinante do clima
global. Assim, perturbações sobre as calotas teriam efeito continental e global, a
exemplo do aquecimento sobre o nível dos oceanos e a água em suspensão na
atmosfera sobre o regime de precipitações. Portanto, os resultados globais do cálculo
da pegada ecologia tendem a serem subestimados.
No caso de áreas urbanas, não são considerados os ecossistemas próprios e os
impactos da poluição sobre os cursos d’água e estuários, assim como as ocupações de
áreas de inundação de rios e a impermeabilização do solo. Assim, o resultado das
estimativas da pegada ecológica das áreas urbanas, por um lado não considera os
serviços dos ecossistemas urbanos, por exemplo, aqueles prestados por infraestruturas
urbanas verdes, por outro tende a uma subestimação dos efeitos da poluição e
impermeabilização do solo, pois apenas considera a substituição de área produtiva
agrícola por área urbana não produtiva de serviços ambientais.
O cálculo da pegada ecológica não é considerado simples, porém seus
resultados são claros e compreensíveis desde o nível individual ao global. Como
permite recortes espaciais, este método é particularmente útil como avaliação de
medida da sustentabilidade urbana, intraurbana e institucional.
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
A abordagem tende a indicar que a menor autosuficiência de cidades e
economias regionais e nacionais, ou que o maior comércio internacional significa
menor sustentabilidade, quando isto não é uma relação necessariamente causal. Os
limites do crescimento, a produtividade e a tecnologia de produção são os fatores
efetivamente determinantes no comprometimento dos recursos e serviços ambientais.
As tecnologias sustentáveis dependem de políticas que envolvem mudanças
sistêmicas no longo prazo. Aponta-se para a produção de qualidade e não para a
produção em quantidade, enquanto o desafio é a produção em quantidade e
qualidade, considerando limites de recursos naturais, serviços ambientais e
recuperação de resíduos.
Ao final, o método da pegada ecológica tende a apresentar, em alguns casos,
medidas otimistas de sustentabilidade, contudo o modelo de cálculo pode ser afinado
e tem evoluído na consideração de pontos não considerados ou que merecem melhor
consideração.
A pegada ecológica mantém a vantagem de trabalhar com uma medida
universal de fluxo de energia, embora persista o problema da substituição entre
serviços e recursos ambientais reduzidos a medidas de área. Segundo o método, a
produção de serviços ambientais expressos em hectares globais de uma região é
subtraída do consumo de recursos e serviços ambientais em hectares globais. Com
isto, pressupõe-se uma substituição generalizada de recursos e serviços naturais
independentemente de seus tipos e naturezas, quando isto na realidade nem sempre é
possível, ou melhor, quase sempre não o é, em face às suas especificidades. Deste
modo, a redução da capacidade de suporte a uma unidade de área apresenta-se como
um problema semelhante à precificação de recursos e serviços naturais, um problema
de unidade comum para a agregação de indicadores.
Avaliação do Método – Painel de Sustentabilidade (Dashbourd of Sustainability)
Em geral, esta abordagem utiliza a dimensão ambiental, social e econômica da
sustentabilidade e vários indicadores para cada uma destas dimensões. O método
oferece uma ferramenta visual original de monitoramento da sustentabilidade, como
um painel de mostradores de um veículo, revelando o desempenho das referidas
dimensões, com sinais de alerta em pontos críticos. Dimensões outras como
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
desempenho político e institucional podem ser agregadas ao Painel. As dimensões
tratadas têm o mesmo peso no cálculo do resultado final, o que é um problema
conceitual, desde que a natureza é uma pré-condição para a sustentabilidade
econômica e social.
Na pesquisa de Bellen, observou-se boa aceitação do método por parte de
técnicos e políticos e este despertou interesse por ser aplicável a áreas urbanas e
regiões. As versões mais recentes do método objetivaram permitir a definição de
tendências, o que demandou a disponibilidade e compatibilidade de informações.
Esta abordagem metodológica considera as interações entre o sistema humano
e os ecossistemas, contudo o cálculo na agregação dos indicadores nas dimensões
consideradas não é explicitado, nem o algoritmo gerador do índice de
sustentabilidade resultante da interação destas dimensões. A abundância de
indicadores utilizados tende a criar as dificuldades de acesso, confiabilidade e
neutralização mútua de fatores determinantes.
Os critérios para seleção de indicadores recomendados são: relevância política,
simplicidade, validade, disponibilidade temporal e qualitativa, capacidade efetiva de
síntese, sensibilidade a mudanças e confiabilidade.
Este método é disponibilizado como programa na internet e constitui-se como
um sistema aberto e interativo. Os temas a que se referem os indicadores utilizados
no Painel de Sustentabilidade (Dashboard of Sustainability) são segundo as
dimensões:
Dimensão Ecológica: mudança climática; depleção da camada de ozônio;
qualidade do ar; agricultura; florestas; desertificação; urbanização; zona costeira;
pesca; qualidade e quantidade de água;
Dimensão Social: índice de pobreza; igualdade de gênero; padrão nutricional;
saúde; mortalidade; condições sanitárias; água potável; nível educacional;
alfabetização; moradia; violência; população;
Dimensão Econômica: desempenho econômico; comércio; estado financeiro;
consumo de materiais; consumo de energia; geração e gestão do lixo; transporte;
Dimensão Institucional: implementação estratégica do desenvolvimento
sustentável; cooperação internacional; acesso a informação; infraestrutura de
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
comunicação; ciência e tecnologia; desastres naturais (preparo e resposta);
monitoramento do desenvolvimento sustentável.
Avaliação do Método Barômetro de Sustentabilidade (Barometer of
Sustainability)
O método trabalha com duas dimensões de bem-estar: a ambiental e a social,
atribuindo-lhes pesos iguais no cálculo da sustentabilidade. Além disso, o método não
leva em conta os efeitos combinados das dimensões consideradas e é muito sujeito a
julgamentos de valor.
O bem-estar ecológico é definido por indicadores relativos à água, a terra, ao
ar, à biodiversidade e ao uso de recursos naturais. O bem-estar social é medido por
indicadores relativos à saúde, educação, renda, desemprego, pobreza, crime e
negócios, além do individual.
É possível atribuir pesos aos indicadores, como também limiares que
funcionam como veto a alguma ação ou alternativa, contudo as dimensões (social e
ambiental) do bem-estar são tratadas por valores equivalentes. Assim, a
sustentabilidade é compreendida como resultado do bem-estar social e ambiental.
O método pressupõe julgamento de valor em várias de suas etapas, o que é um
ponto negativo, contudo, pode ser sensível à valoração de grupos, o que permite
identificar suas convergências e conflitos. Ademais, o barômetro de sustentabilidade
permite a definição de tendências, ou relações-chave no sistema observado, além de
oferecer uma ferramenta visual dos resultados de fácil leitura.
4.4 A Pegada Ecológica e seu Cálculo
Esta abordagem da sustentabilidade pode ser definida como uma medida da
pressão humana sobre a capacidade de suporte dos ecossistemas ou manutenção dos
serviços ambientais expressa em medida de área - hectares globais.
A pegada ecológica calcula a demanda agregada por recursos ou serviços
ambientais, onde quer que esta demanda se localize e a apresenta como uma área
média global necessária a manter uma atividade humana específica. Esta quantidade é
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
expressa em unidades de hectares globais e esta unidade é definida como a área
bioprodutiva mundial média de produção de serviços ambientais.
As contribuições da pressão da agricultura e das pastagens sobre os ambientes
naturais, assim como a pressão sobre áreas florestais e pesqueiras são avaliadas
calculando-se o quanto em área global média seria necessário para compensar a perda
de biodiversidade e a capacidade regenerativa dos ciclos naturais ecológicos
sustentados por serviços ambientais e ecossistemas. Noutras palavras, o quanto
estamos comprometendo estes serviços em termos de áreas tomadas destes
ecossistemas para nossos propósitos. Naturalmente, a agricultura e as pastagens e as
florestas artificiais produzem serviços ambientais como oxigênio, captura de dióxido
de carbono e biomassa, sendo isto computado em termos relativos às áreas naturais
segundo médias globais, contudo, isto resulta num déficit de serviços, o que é
descontado do superávit médio das áreas naturais remanescentes e expresso em
hectares globais por ano e tipo de uso do solo.
A emissão de gases por consumo de petróleo, por exemplo, é traduzida em
hectares globais de serviços ambientais necessários a absorver tal volume de gases
emitidos. As áreas construídas ou urbanas e de lagos artificiais de hidroelétricas são
traduzidas em áreas tomadas às áreas agrícolas.
Os objetivos da Pegada Ecológica são: prover um cálculo cientificamente
robusto e transparente da demanda ou pressão colocada pelas nações sobre a
capacidade regenerativa da biosfera; construir um método confiável e consistente que
permita análises comparadas da demanda das nações sobre a capacidade regenerativa
global; produzir informações de forma a serem utilizadas para o desenvolvimento de
políticas e estratégias para se viver dentro dos limites biogeofísicos naturais; gerar
uma base de dados que possa ser utilizada na análise de recortes subnacionais,
regionais, estaduais, empresariais, de cadeias produtivas, institucionais e até
individuais da pegada ecológica.
Quanto à abrangência, o método contabilizou até 2009, a pegada ecológica de
240 países, territórios e regiões. No período de 1961 a 2006, os dados de 126 países
foram sistematicamente levantados.
O cálculo simplificado da Pegada Ecológica consiste no somatório das
quantidades dos itens de consumo divididas pela produtividade observada na
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
produção destes bens e serviços consumidos. Por exemplo, supondo que o consumo
de farinha de trigo no Recife tenha sido de 10.000 toneladas (t) no ano em 2009 e que
a produtividade média mundial desta farinha seja 0,1 ou 1/10 toneladas por hectare
(t/ha). A pegada ecológica da população do Recife naquele ano com o consumo de
farinha de trigo seria então 100.000 ha, enquanto medida per capita isto seria
100.000/1.500.000 (população aproximada do Recife em 2009), ou 0,0067 hectares
per capita. Este cálculo teria que ser repetido para cada item de consumo, somando-se
depois os resultados.
O cálculo do consumo anual per capita de cerca de setecentos itens são
divididos em duas categorias: o Consumo Endossomático e o Exossomático. O
primeiro tipo, o endossomático, inclui alimentos de origem vegetal, transformados
em área agrícola e alimentos de origem animal, reduzidos à área de pasto. O segundo
tipo, o exossomático, inclui o consumo de combustíveis fósseis, o consumo de
madeira e papel, o consumo de energia elétrica, o consumo de área construída como
perda de área agrícola. A mineração e a construção são atividades calculadas como
subtração de áreas naturais bioprodutivas.
A forma mais básica de calcular a Pegada Ecológica (PE) é como se segue:
PEanual = Danual / Pranual
onde:
PEanual é a Pegada Ecológica anual;
Danual é a demanda anual (expressa em quantidade ou moeda) de um bem ou
serviço e;
Pranual é a produtividade anual (quantidade ou valor anual produzido do mesmo
bem ou serviço por hectare (ha).
A forma completa de calcular a Pegada Ecológica (PE) é a seguinte:
PE = (DN / PrN) x Fp x Feq
onde:
DN é a produção doméstica anual de um bem ou serviço e;
PrN é a produtividade média nacional anual em quantidade anual produzida do
mesmo bem ou serviço por hectare.
Fd - o fator de produção (que é a razão da produtividade local sobre a
produtividade global para o mesmo tipo de uso do solo) e;
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
Feq – o fator equivalente que é a área ofertada ou demandada de biocapacidade
produtiva do tipo de uso do solo observado, expressa em área global média
biologicamente produtiva, ou HE - hectares globais.
O método da pegada rastreia a demanda das atividades humanas por seis tipos
principais de uso do solo: agricultura; pastagens; áreas florestais (artificiais e
naturais); áreas de pesca; consumo de resíduos fósseis; áreas construídas.
4.5 Reavaliando a Pegada Ecológica e Outros Métodos
A Avaliação da Pegada Ecológica
Por expressar a biocapacidade numa unidade de área, a pegada pode comparar
tipos de uso do solo, considerando recortes, desde os indivíduos até aos países ou
continentes, conduto esta agregação é por vezes insuficiente ou omissa. A demanda
pela produção de recursos e assimilação de resíduos é traduzida em hectares globais
dividindo-se a quantidade total de um recurso consumido pela produtividade
(produção por hectare por ano). Contudo, uma área pode ser utilizada para mais de
uma cultura. Isto poderia acarretar uma sobre-estimativa média por uso do solo. Por
isso, respondeu-se a tal crítica, para o caso de culturas que ocupam a mesma área em
um ano, dividindo a área por cultura pelo número de culturas para não se sobrepor a
quantidade de área.
A biocapacidade é uma medida agregada da quantidade de área de solo
disponível, ponderada pela produtividade de serviços ambientais na área observada.
Isto representa a habilidade da biosfera de produzir culturas agrícolas, pasto, madeira
ou pescados, assim como de absorver dióxido de carbono, incluindo o quanto desta
capacidade regenerativa é ocupada com área construída.
Em suma, esta medida avalia a habilidade dos tipos de uso do solo acima
citados para prover serviços ambientais. O que é expresso como se segue:
BC = A x Fd x Feq
onde:
BC é a biocapacidade de uma determinada área observada por tipo de uso do
solo em hectares globais;
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
A é a área observada em hectares;
Fd é o fator de produção (que é a razão da produtividade de serviços
ambientais do tipo de solo observado sobre a produtividade global de serviços
ambientais), apresentados na Tabela 4.2;
Feq é o fator equivalente que é a área ofertada ou demandada de biocapacidade
produtiva do tipo de uso do solo observado expressa em área global média
biologicamente produtiva, ou HE - hectares globais, apresentados na Tabela 4.3.
Apesar dos deméritos, a pegada ecológica revela que os países ricos e
industrializados são os grandes vilões ambientais e ecológicos.
Tabela 4.2 – Fator de Produção (Fd) Global e em Alguns Países, 2006
Local Agricultura Florestas Pastagens Pesca
Média Global 1 1 1 1
Média Nacional -- -- -- --
Argélia 0,6 0,4 0,7 0,9
Alemanha 2,1 4,1 2,2 3,0
Hungria 1,4 2,6 1,9 0,0
Japão 1,5 1,4 2,2 0,8
Jordânia 1,0 1,5 0,4 0,7
Nova Zelância 1,9 2,0 2,5 1,0
Zambia 0,5 0,2 1,5 0,0
Fonte: Ecological Footprint Atlas, 2009 p. 13.
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
Tabela 4.3 – Fator de Equivalência (Feq), 2006
Tipo de Uso do SoloFator de Equivalência (Feq) em
hectares globais por hectare
Agricultura 2,39
Florestas 1,24
Pastagens 0,51
Águas Marinhas 0,41
Reservatórios de Água Doce 0,41
Áreas Construídas 0,41 (ou 1 / 2,39)
Fonte: Ecological Footprint Atlas, 2009 p. 13
Entre as limitações de escopo ou abrangência da Pegada observa-se que: não há
medida sobre os estoques de recursos não renováveis; não se considera os resíduos
para os quais a biosfera tem baixa ou não tem capacidade de absorção; o mesmo fale
para impactos ambientais e sobre a resiliência dos ecossistemas a não ser de modo
indireto quando os impactos resultem em mudanças anuais de produtividade; também
não se contempla os efeitos da contaminação de água doce. O que este método não
mede bem é a biocapacidade requerida para a absorção das emissões de CO2; a
biocapacidade requerida por reservatórios de hidroelétricas e outras infraestruturas; o
balanço ecológico de mudanças de uso do solo, por exemplo, de pasto para urbano
quando se considera sempre de agricultura para urbano; a contabilidade da
piscicultura em cativeiro; a produtividade capaz de manter a biocapacidade futura das
áreas. Estes pontos fizeram com que se considerasse o método da Pegada Ecológica
mais como uma medida de insustentabilidade (VEIGA, 2010), o que não deixa de ser
um mérito.
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
Tabela 4.4 – Balanço Ecológico das Nações no Mundo e em Países Selecionados,
1997
PaísPopulação
(por mil)
A.
BiocapacidadeDisponível
(hectares percapita)
B.
PegadaEcológica
(hectares percapita)
A – B.
BalançoEcológico
Argentina 33,405 4,6 3,9 0,7Brasil 167,046 6,7 3,1 3,6
Estados Unidos 268,189 6,7 18,3 -3,6Finlândia 5,149 5,6 6,0 2,6
Israel 5,854 0,3 3,4 -3,1Japão 125,672 0,9 4,3 -3,4
Jordânia 5,849 0,1 1,9 -1,8Rússia 146,381 3,7 6,0 -2,3Mundo 5.892,480 2,1 2,8 -0,7
Fonte: Disponível em:
htth://web.dcp.ufl.edu.ckibert/BCN6585/EcologicalFootprint/footprint.html.
Sobre os três métodos de medir sustentabilidade mais pontuados segundo a
pesquisa de Bellen e outros
As diferenças entre os três métodos mais aceitos por especialistas e acima
analisados traduzem as diferentes compreensões de sustentabilidade que
implicitamente assumem. Há, no entanto, uma série de problemas comuns
especialmente na agregação dos dados, mas também na substituição e operação com
indicadores que medem fatores de natureza diferente, em escalas de tempo e espaço
diversas. Apesar destas limitações estes métodos têm evoluído e podem evoluir mais
no sentido de possibilitar a incorporação de variáveis mais específicas e operações de
cálculo que traduzem melhor a realidade.
Quanto à utilização, podem-se aplicar mais de um método segundo suas
características e objeto de estudo. No caso da sustentabilidade urbana, tanto a pegada
ecológica, quanto o painel de sustentabilidade poderiam ser utilizados de modo
comparativo e complementar.
Outros indicadores de sustentabilidade também têm suas falhas: como os
Princípios de Bellagio (IISD, 2000) (por serem basicamente normativos); aqueles
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
resultantes de grandes coleções (como o Painel de Sustentabilidade, ou as listagens
exaustivas do planejamento ambiental com os problemas de agregação de
indicadores); ou os métodos de viés econômico (como a Poupança Genuína), onde a
precificação e a substituição entre capital natural, produtivo, humano são
pressupostos questionáveis; do mesmo modo é a idéia de se trabalhar com poucos
indicadores independentes segundo dimensão da sustentabilidade, procedimento que
parece não se aperceber da necessidade da visão de totalidade.
Abordagens pragmáticas da sustentabilidade urbana
Tais abordagens visão orientar as ações ou o planejamento urbano por área de
impacto da urbanização sobre o ambiente. Assim, distinguem-se problemas relativos
à contaminação da água, do ar e do solo que se desdobram em grupos de indicadores.
Por exemplo, o índice de qualidade da água por si só, já compreende no Brasil e em
muitos países algumas dezenas de subindicadores. Além disso, os dados de saúde
humana e ambiental dos ecossistemas compreendem outras séries de indicadores
específicos e as ações setoriais perpetradas para a sustentabilidade geram também
seus indicadores específicos.
Das experiências no uso de indicadores para o monitoramento de políticas
públicas que objetivam a sustentabilidade urbana, a primeira brasileira examinada foi
desenvolvida com o Programa Cidades Sustentável, que é resultante de parceria entre
organizações da sociedade civil. Tal iniciativa objetiva estimular e comprometer
governos locais a desenvolver políticas de sustentabilidade através do planejamento
urbano e ambiental, disponibilizando informações e método para isto. Os
componentes desta orientação formam um conjunto de doze eixos de diretrizes gerais
(que se dividem em algumas diretrizes específicas), formando um conjunto de
indicadores correspondentes, gerando ao todo algumas dezenas destes,
acompanhados de uma série de exemplo de relatos e informações sobre experiências
de êxito no cenário internacional, chamadas de boas práticas (intervenções físicas ou
serviços urbanos). Dos eixos gerais de diretrizes propostas, uma se refere aos
processos e serviços ambientais, os bens naturais comuns e, para monitorar as ações
pertinentes, apontam-se como indicadores: áreas verdes por habitante (sem referência
Capítulo 4 – Para Investigar a Sustentabilidade Urbana
a uma estrutura geral destas, seu funcionamento e função, ou a necessidade de um
planejamento da infraestrutura verde), concentrações de particulados e gases, perda e
qualidade da água (de modo indireto), consumo de energia e suas fontes. Claro que
tal iniciativa é muito positiva e não poderia deixar de ter um caráter aberto e didático.
Do ponto de vista da sustentabilidade, observou-se a carência de uma argumentação
para explicar minimamente as determinações mútuas entre sociedade e natureza e
justificar como se configura a sustentabilidade e por consequência, os estados e ações
críticas, limiares para indicadores e a escolha de prioridades. Não se observou
também a indicação dos processos políticos sociais que induzem ou protagonizam a
reorganização urbana, no sentido das boas práticas.
A segunda experiência analisada é o pacote público-privado sueco para
adaptação de cidades convencionais a cidades sustentáveis - "Simbiocities". A
analogia com processos simbióticos naturais é evidente nesta concepção de cidade
sustentável, que toma por base o holismo para uma visão de conjunto da cidade. Uma
série de eixos de políticas urbanas são definidas, as intervenções físicas e sistemas
urbanos tomam relevância e boas práticas são citadas. Indica-se uma sistemática para
tratar ações estratégicas, quais sejam: funções urbanas, energia sustentável, gestão do
lixo, abastecimento de água e esgotamento sanitário, trânsito e transporte,
planejamento paisagístico, design dos prédios. Isto considerando os efeitos entre si
das ações setoriais indicadas e destas com a sustentabilidade. Os processos políticos
sociais são tratados reconhecendo-se sua importância na urbanização sustentável e há
a valorização de ações sinérgicas, como na produção de combustível com resíduos
orgânicos, que potencializam resultados positivos sobre a sustentabilidade. O
processo de mensuração da sustentabilidade urbana não é, no entanto, claro e a
abordagem pressupõe que se definindo metas para as ações estratégicas estar-se-ia
construindo a sustentabilidade com o controle dos impactos urbanos negativos sobre
o ambiente.
CAPÍTULO 5
A URBANIZAÇÃO NA ECOLOGIA URBANA
Resumo
Examinamos e definimos em linhas gerais, o que constituiria uma urbanização
ecológica no Capítulo 3. No capítulo seguinte, investigamos métodos para medir a
sustentabilidade urbana, o que potencialmente poderiam orientar políticas públicas.
Observou-se que tais métodos foram desenvolvidos segundo concepções distintas de
sustentabilidade, contudo, mais de um método poderia ser aplicado aos ambientes
urbanos, considerando aspectos ou dimensões diversas da sustentabilidade.
O passo seguinte neste estudo foi identificar os resultados das pesquisas em
ecologia urbana para compreender em mais detalhe, os efeitos dos padrões de uso e
ocupação do solo urbano, do transporte e infraestruturas urbanas, sobre os serviços
ambientais e ciclos naturais. Reciprocamente, foi também necessário compreender os
efeitos retroativos do ambiente sobre a organização urbana e sua sustentabilidade.
Estas tarefas são necessárias mesmo que não sejam questões resolvidas, em face às
permanentes mudanças recíprocas entre ambiente e sociedade.
5.1 A Ecologia Urbana: pressupostos e objetivos
A ciência nova da ecologia urbana nasceu do questionamento do pressuposto
de que a sociedade humana não faz parte da natureza. A relação mítica da natureza
com o divino, seu criador, assim como a autoavaliação negativa das fraquezas e
desvirtudes humanas que degradam a perfeição da criação, tanto está por traz da idéia
de proteção no Conservacionismo, como na criação de reservas e parques nos Sec.
XIX e XX. Isto se manifesta como defesa a um mal imanente ou endógeno – a
sociedade humana, que é associada à idéia de que não somos adequados a um estudo
ecológico, por limitações metodológicas, por supostamente não fazermos parte da
natureza, por sermos portadores de uma segunda natureza dada pela linguagem e
comunicação que geram a capacidade de autoreorganização. Contudo, estes não são
traços únicos de espécie, inclusive a maior inteligência e capacidade em transformar a
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
natureza, sua própria natureza, pois do ponto de vista ecológico, isto tem se revelado
insustentável.
A sociedade urbana e industrial já ocupa, diretamente, com os ambientes
construídos e, indiretamente, através da artificialização da natureza em fazendas
agropecuárias, uma porção significativa da biosfera, com efeitos locais, regionais e
globais sobre o clima, ciclos geoquímicos e serviços ambientais, tais como a
purificação da água, regimes fluviais e biodiversidade. As ações humanas já
transformaram de 30% a 50% da superfície do planeta, utilizam mais da metade dos
recursos hídricos mais acessíveis e são responsáveis por uma maior fixação do
nitrogênio (Alberti, 2008). Tal fixação tem sérias consequências para os
ecossistemas, inclusive para a sustentabilidade de civilizações.
As cidades são o centro da depleção da natureza, cujo processo pode ser
observado na urbanização, com a identificação de padrões de uso e ocupação do solo
com seus atributos, efeitos e tendências. Tais padrões, tanto atuam como causas de
perturbações sobre os ecossistemas e processos geofísicos e geoquímicos, como, em
retorno, estes se tornam efeito de mudanças destes processos naturais condicionando
a urbanização. A carência de saneamento é um exemplo e isto se associa a
contaminação de lençóis freáticos e cursos d’água.
A constatação de que as cidades constituem sistemas abertos, funcionando em
rede e em constante processo de reorganização, faz com que a moderna teoria da
complexidade ofereça um método de análise adequado. Entretanto, as abordagens
transdisciplinares em ecologia urbana até então examinadas terminam por constituir
múltiplas aproximações do objeto que no máximo permitem uma síntese. Todavia,
leituras articuladas de dimensões sociais e ambientais são pouco comuns. Os vieses
destas leituras ou são sociais, ou ambientais, ou temáticos e específicos.
Como explicação abrangente, identificou-se, por exemplo, o artigo de Cobleng
(2011a) que trata do papel dos serviços ambientais ou ecológicos no planejamento
urbano. O ritmo e o padrão de crescimento urbano são forças motrizes fundamentais
das condições ecológicas dos ecossistemas e estado do ambiente físico urbano.
Assim, segundo este mesmo autor o problema ambiental das cidades não é gerado
pelo crescimento e sim pelos padrões de urbanização, "the problem is not growth but
the patterns of growth" (COBLENG, 2011a, p. 230). Supõe-se, portanto que seja
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
possível um crescimento urbano ecológico, embora segundo a própria ecologia,
devem-se considerar os limites para o crescimento urbano.
O objetivo principal da ciência nascente da ecologia urbana é poder definir
possibilidades de condições futuras às populações e comunidades partícipes de
ecossistemas urbanos, ou estados possíveis para fenômenos ambientais associados a
nutrientes, ciclos de compostos orgânicos e inorgânicos e serviços ambientais,
podendo servir para a definição de limites para o crescimento urbano. A definição de
um ecossistema urbano é um conceito básico, que coloca a sociedade como um
subsistema do mesmo, como uma população que domina um território, mas divide
necessariamente com outras espécies um ambiente artificialmente sustentado, mas
vivo. Noutra escala de dimensão e diversidade, os castores fazem o mesmo, dividindo
sua rede de diques-abrigo com outras espécies, contribuindo ademais para a
sustentabilidade do regime fluvial. Assim, a vilania não está na artificialização e sim
na incapacidade de estabelecer relações multualistas, ou seja, não gerar a interação
entre espécies para benefício mútuo.
Como consequência do acima exposto, identifica-se outro objetivo aplicado da
ecologia urbana, qual seja de desenvolver o conhecimento para esta capacitação
mutualista, que permita a requalificação ecológica dos ambientes construídos. Isto
como coloca Harvey (1997), não se trata de um problema de planejamento físico, ou
construtivo de engenharia, contudo não deixa também de o ser. A ecologia urbana,
embora incorpore os processos sociais, tende a reduzi-los a padrões urbanos físicos
como fato observável, em geral encobrindo a análise e o questionamento das
motivações dos processos sociais, ou os pressupostos paradigmáticos que dão origem
as ações, limitando assim a capacidade de transformação dos sistemas urbanos por
este conhecimento. Entretanto, o conhecimento sobre o funcionamento dos
organismos e processos naturais no ambiente urbano, definido por tais padrões é um
conhecimento insofismável e necessário, portanto, a seção que se segue busca capitar
essas contribuições.
5.2 Contribuições da Ecologia Urbana à Compreensão da Urbanização
O conhecimento ecológico pode e deve ser apropriado e aplicado ao
planejamento urbano, ao desenho urbano e à gestão urbana e para isto, as teorias do
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
planejamento e gestão urbana têm que ser reconstruídas em bases ecológicas
(NEIMELÄ, 2011). Neste sentido, a ecologia urbana representa um esforço científico
para o desenvolvimento desta base. A ecologia urbana constitui uma conjunção de
disciplinas, uma amalgama segundo Alberti (2008), alinhada com a também recente
ecologia da paisagem. Esta envolve ecologia geral, ecologia humana, planejamento,
arquitetura, geografia, economia, ciência política, engenharia, sociologia, serviço
social, antropologia, psicologia e ciências médicas, além das tradicionais disciplinas
da biologia, química e física. Portanto, esta é uma disciplina, que se apoia em grande
parte na teoria da complexidade, por ser eminentemente transdisciplinar (McDonnell,
2011). Como exemplo de desenvolvimentos teóricos nesta linha tem-se a explicação
da relação ambiente e sociedade urbana por meio da Teoria da Transição Urbano-
ambiental (UET - Urban-environmental Transition Theory). Todavia, os estudos de
ecologia que inclui humanos são exceções. Estes estão geralmente associados a
pesquisas sobre impactos negativos sobre o ambiente por atividades antrópicas, onde
o ambiente é tratado como uma externalidade independente, passiva e de importância
secundária.
A ecologia urbana (McDonnell, 2011) experimentou grande desenvolvimento
nestas duas a três últimas décadas e já conta com organização internacional (Society
of Urban Ecology - SURE) e publicações especializadas.
Os esquemas conceituais consideram que os processos sociais e ambientais são
distintos, mas complementares, portanto também socioambientais e a noção de
continente e conteúdo entre estes termos depende do ponto de vista do observador, as
sociedades têm comportamentos comuns e próprios enquanto organização social e
biológica. O social constitui uma segunda natureza que circunstancia a condição
biológica, suas funções básicas enquanto organismos ou enquanto pulsos
inconscientes nos indivíduos circunstanciam a racionalidade à natureza exterior e à
sua própria natureza primeva, contendo e sendo contido por estas naturezas. Do
mesmo modo, o ambiente construído como palco de operações sociais, circunstancia
a natureza sendo circunstanciado por esta. Além disso, há também a demarcação de
territórios e limites, disputas e, portanto antagonismos. Os antagonismos não são
necessariamente negativos, na natureza este são criativos, gerativos, ou degenerativos
e desagregadores, e evidentemente estão presentes na organização social. O que pode
se depreender de novo é que as contradições sociais (interpretadas aqui como
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
antagonismo) não são algo circunscrito a um modo de produção, são inerentes as
organizações como fenômeno organizacional, assim toda organização gera suas
contradições seus antagonismos internos. As lutas de classe podem ser um motor
positivo, ou negativo de transformações históricas, interpretando tais valores segundo
a avaliação da emancipação/sujeição de indivíduos e grupos. Os antagonismos não se
dissociam das alianças ou complementaridades entre grupos, e as dificuldades de
distinção entre grupos, ou de definir atributos e interesses comuns que entram no jogo
para emancipação ou pelo poder. Há antagonismo entre cidade e campo, entre campo
e natureza, entre cidade e natureza, mas há também complementaridades e
possibilidades de confluência.
Das várias linhas de pesquisa em ecologia urbana, o enfoque mais consequente
vai além das cidades para compreendê-la dentro de suas regiões, as tratando como
resultados de processos socioambientais acoplados (McDONNELL, p.10, 2011).
Apesar desta compreensão necessária em escala mais abrangente, observa-se que
alguns fenômenos naturais são cumulativos e dependentes de ações em escala local
que, ao alcançarem certos limiares, desencadeiam processos emergentes ou
inusitados. Por exemplo, a impermeabilização do solo gera aos poucos uma série de
problemas não só nos ambientes urbanos construídos, mas para o próprio ambiente
regional, especialmente, sobre os regimes fluviais, pluviais e estuarinos. A
impermeabilização generalizada do solo urbano a mais de 20% já pode acarretar
perturbações ambientais substanciais (McDONNELL p.12, 2011).
A ecologia urbana compreende estudos de ecologia intraurbana, ou de cidades
como um todo e suas regiões, oferecendo a possibilidade de integrar a Ecologia da
Paisagem aos ecossistemas urbanos. No entanto, esta enfrenta desafios na indicação
de diretrizes para o desenvolvimento urbano, como aborda Alberti (2008) no contexto
de cidades americanas, onde se encontram dificuldades para responder o que seria
mais desejável: a requalificação da expansão urbana de baixa densidade, ou a
promoção de uma densificação urbana adequada? Tendo em vista preocupações mais
gerais relativas à pressão sobre recursos e serviços ambientais, aparece o dilema do
crescimento, ou não crescimento e a questão em aberto: é possível requalificar os
ambientes construídos reduzindo a pressão sobre recursos e serviços ambientais? Nos
estudos, como os que Alberti (2008), considera-se que os problemas do crescimento
estão mais nos padrões urbanos adotados do que na questão do crescimento
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
econômico e demográfico. Observa-se aqui, contudo, que padrões urbanos de
crescimento ecologicamente desejáveis não podem ser universais, isto tanto por
razões sociais quanto naturais. A suburbanização sem limites de baixa densidade é
um problema recorrente como colocado em textos sobre cidades norte-americanas,
em função dos custos de urbanização e da infraestrutura necessária e em face aos
padrões de consumo e mobilidade baseada no transporte individual. Por outro lado, as
propostas de cidades compactas enfrentam a questão da densidade geradora de
problemas de mobilidade, ilhas de calor, impermeabilização. No caso brasileiro, a
cidade informal é em geral periférica e carente de infraestrutura. Os bairros mais
centrais apresentam problemas de mobilidade por conta da carência de transporte
coletivo. Assim, o acesso social restrito a terra urbanizada e a carência na provisão de
infraestrutura advêm, no caso de países emergentes, de questões de ordem política e
institucional, que gera o pior de dois mundos.
Pelo exposto acima a resolução desses dilemas é contextual e demanda também
pesquisas específicas sobre padrões urbanos e a definição das relações entre biótopos
e morfologia urbana para orientar as ações públicas.
A visão de totalidade trazida na ecologia urbana agrega com a identificação dos
serviços que presta os ciclos inorgânicos sobre os processos orgânicos e
retroativamente aqueles dos ecossistemas sobre esses serviços (DOUGLAS &
RAVETZ, 2011). Além disto, estes autores revelam o papel das infraestruturas
urbanas verdes sobre os serviços ambientais na cidade, concebem o metabolismo
desta totalidade urbana e ambiental e definem os princípios para a geração dessa
infraestrutura verde.
O planejamento da infraestrutura verde (PIV) é considerado como dimensão
fundamental na promoção dos serviços ambientais e ecológicos na cidade,
constituindo um problema complexo, que compreende tamanho e forma das áreas
verdes (públicas e privadas, inclusive jardins domésticos), a conectividade entre estas
áreas que envolve muitas variáveis físicas e associadas a espécies, além de estratégias
que incluem também o tratamento de áreas já intensamente ocupadas. Iniciativas no
planejamento da infraestrutura urbana verde (PIV) já revelam resultados positivos e
promissores, por exemplo, sobre o controle de ilhas de calor, recarga de aquíferos e
problemas de drenagem. O PIV ainda oferece a possibilidade de interface entre a
ecologia e o planejamento urbano físico.
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
O estabelecimento desta comunicação entre ecologia e planejamento urbano
possibilita a superação e o tratamento das barreiras físicas já criadas na cidade e a
experimentação de soluções para o aumento da biodiversidade na cidade. Há,
entretanto uma dificuldade fundamental identificada para o êxito dessas iniciativas
que se associa a um problema de incompatibilidade de escala entre as ações que são
locais e efeitos esperados regionais. As decisões locais necessitam para terem efeito
efetivo de serem norteadas por uma percepção ampla e serem apoiadas por uma
legislação e consolidadas por práticas culturais. Deste modo, pequenas mudanças
podem ter efeito multiplicador e transformador se adquirirem dimensão suficiente,
como fruto de ação coletiva.
Com esta acepção de mudanças incrementais, uma série de simulações é
realizada com base nos efeitos ecológicos de padrões de uso e ocupação do solo
urbano, utilizando, por exemplo, modelos de Sistemas Complexos e Adaptativos
(SCA) que associem padrões de decisão de atores sociais, fatores geográficos e
demográficos, eixos de crescimento urbano (ZIPPERER et al., 2011).
Considerando a ecologia urbana, a visão da cidade toma a dimensão de um
espaço ecológico criado tanto por uma apropriação social, como pela resposta dada
por processos naturais às condições ecológicas artificialmente criadas. No ambiente
construído, a natureza se diferencia não se limitando a reminiscência de um passado
natural, ocorre também uma coevolução ecossistêmica. O desenvolvimento de
bactérias e mosquitos resistentes a antibióticos e pesticidas é uma prova disto, o que
se dá geralmente por conta da extinção de predadores naturais e outros fatores de
ocupação. Por outro lado, é possível se pensar em uma coevolução positiva, como
fazem os castores com seus diques, em uma escala adequada.
Reconhece-se deste modo uma relação de determinação mútua entre
biodiversidade e diversidade de áreas verdes nas cidades, portanto esta última
variável é utilizada como indicativo de biodiversidade. Além disto, a infraestrutura
verde pode se associar ao controle da drenagem superficial, da temperatura e ao
sequestro de CO2. Ademais, apontam-se as limitações de teorias ecológicas na
abordagem da referida infraestrutura verde, sob o argumento de que tais teorias não
incorporam as teorias sociais. Portanto, uma série de estratégias de planejamento
urbano e ambiental são incorporadas a este debate, relativas à benefícios sociais e
ambientais e viabilidade versus aceitação pública das mesmas. Por exemplo, relata-se
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
a necessidade de estudo da aceitação social destas estratégias, citando-se um caso de
reação a padrões urbanos de densidade média e alta propostos na Inglaterra, pois
grande parte da população se contrapõe a diretrizes para uma cidade compacta,
defendida por alguns ecologistas urbanos (COBLENG, 2011a). Mesmo quando há
aceitação de propostas afins, pode haver consequências negativas, por exemplo, em
propostas de habitações multifamiliares, pois o morar coletivo exige hábitos e
despesas que alguns grupos sociais não estão aptos a arcar com regularidade. Por
outro lado, os estudos da biodiversidade urbana ainda são insuficientes em muitos
lugares para orientar a construção de uma consciência pública.
O que não se observou na ecologia urbana é o tratamento do crescimento
urbano em redes de cidades. A questão tratada na geografia econômica tem longa
data e uma de suas mais recentes contribuições identifica o surgimento, crescimento e
decrescimento de cidades, até a extinção de pequenos centros (KRUGMAN, 2002). O
comportamento geral parece se conformar com uma pulsação em expansão, onde a
contração significa a migração para áreas mais dinâmicas, mas as redes como um
todo crescem. A identificação desta dimensão e movimento podem ser elementos
importantes na criação de estratégias de planejamento regional que conduzam ou
induzam a alocação do investimento em infraestrutura sustentável, políticas de
financiamento, provisão, correção de inadequações habitacional e prevenção do
desenvolvimento de moradias precárias com provisão de terra e infraestrutura urbana,
geração de um mercado de trabalho e investimento produtivo em uma economia de
baixo carbono.
Dissecando Ecossistemas Urbanos
Apesar de recente, a quase totalidade dos trabalhos de pesquisa em ecologia
urbana data de duas décadas, a produção e o progresso do conhecimento neste campo
são notáveis. Contudo, a compreensão das interações e retroações dos processos
sociais com os naturais no ambiente urbano é ainda incipiente (ALBERTI, 2008;
BREUSTE, 2011).
A compreensão tradicional é de que as cidades são os piores inimigos da
natureza. De fato, as cidades são os centros de irradiação da depleção da natureza por
conta do modo alienado da construção de nossas civilizações com respeito aos
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
processos naturais. Todavia, isso está mudando com o reconhecimento da
interdependência necessária entre cultura e diversidade biológica para a
sustentabilidade. Assim, a gestão urbana passa a compreender as ações de mitigação
e adaptação às mudanças climáticas, contudo como já salientamos a sustentabilidade
urbana requer mudanças que cheguem a uma escala física abrangente, mudanças na
legislação urbana e mudanças culturais (hábitos e costume de vida urbana).
A crônica omissão nas teorias econômicas relativa às interações entre
crescimento urbano e mudanças ambientais não é por acaso. Isto se dá por que estas
interações são tratadas como externalidades e do tipo incômodo, tanto para a teoria
econômica enquanto problema espacial, como por serem antagônicas aos interesses
dominantes, podendo representar internalização de custos. Em geral, tais teorias
consideram os preços de aluguéis, a acessibilidade, ou as necessidades individuais na
explicação de preferências de localização. Assim, o foco destes estudos se dá no
comportamento de famílias, empresas e governos.
As cidades para Alberti (2008) são um fenômeno híbrido definido
simultaneamente por processos sociais e naturais. No nosso estudo, a urbanização é
um processo híbrido e a cidade é o seu resultado, isto não invalida considerar os
condicionamentos retroativos do ambiente construído sobre a sociedade e a própria
urbanização. O que cria o meio, num segundo momento é criado por este. Entretanto,
são os fatores sociais que dominam a urbanização e, segundo a escola de ecologia
urbana da Universidade de Seattle, estes fatores são demográficos, organizacionais,
políticos e tecnológicos.
A questão da escala temporal e espacial se revela fundamental no entendimento
das relações entre quantificação de padrões de ocupação e qualidade ambiental na
pesquisa empírica e de campo. Isto conduz a criação de cenários de padrões de
ocupação, na prospecção de possibilidades de realidades futuras e seus efeitos sobre a
resiliência, ou seja, sobre a capacidade de suporte de ecossistemas urbanos.
Voltando a questão básica de como conceber o ecossistema urbano, os
pesquisadores que incorporaram a moderna teoria da complexidade consideram tal
sistema como aberto, definido com a superposição de processos cíclicos e
adaptativos, sujeitos a um equilíbrio múltiplo, determinado por ações antrópicas e
aquelas advindas de outras espécies e por processos biogeofísico-químicos. Assim, a
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
resiliência destes sistemas depende tanto de ações humanas quanto, daquelas de
outras espécies, como dos efeitos retroativos dos ciclos naturais.
Ademais, a concepção deste ecossistema acoplado socioambiental urbano não
se concebe por sistemas sociais imersos em sistemas naturais, nem no inverso, em
sistemas naturais imersos em sistema sociais. Tais sistemas são ativos e
interdependentes e as disciplinas particulares do conhecimento não dão conta deste
acoplamento, ou entrelaçamento.
A construção da teoria da ecologia urbana se coloca também como um
problema heurístico, ou seja, exige a invenção empírica ou construção de um método
que revele e explique o comportamento e dinâmica socioambiental urbana. A
urbanização é tanto um processo aberto a pessoas como a espécies oportunistas, aptas
a encontrar abrigo e alimento. Por isso, Trepl (ALBERTI, p.257, 2008) levanta
hipóteses sobre processos de invasão, sucessão e integração, onde não há lugar para
abordagens deterministas, ou mesmo a aplicabilidade de teorias ecológicas
tradicionais. Sobre a discussão da aplicabilidade de teorias ecológicas à urbanização,
notadamente, a teoria de metapopulações, diz-se que tal intento é insuficiente.
Collins (ALBERTI, p. 258, 2008) argumenta que a influência da cultura, a ação de
instituições e a habilidade de criar estratégias em função de pressões tornam limitada
a aplicação de teorias ecológicas e evolucionistas às populações urbanas.
As características gerais do ecossistema urbano são: complexidade, abertura,
dinâmica e não equilíbrio; mudanças paulatinas na paisagem que cumulativamente
podem resultar na transposição de limiares e episódios desastrosos. Os atributos
espaciais não são uniformes, nem independentes de escala. Recomenda-se que metas
para tratar com ecossistemas urbanos devam ser concebidas como alvos móveis, por
isso as estratégias institucionais devem permitir adaptações e mudanças. Como outros
ecossistemas, o ecossistema urbano apresenta um equilíbrio pulsante, wavelet e que
as generalizações sobre este sistema acoplado devem observar a história humana e
ambiental, além de dados estatísticos e ensaios de laboratório.
Identificam-se ainda oito características básicas destes ecossistemas: a)
hierarquias identificadas tanto em unidades ecológicas em manchas, ou em unidades
econômicas em parcelas; b) propriedades emergentes resultantes de intervenções e
retroações dos ciclos biogeoquímicos que geram comportamentos novos e retroativos
nos sistema enlaçados; c) equilíbrio pulsante e múltiplo, o que se revela na
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
substituição de alguns serviços ambientais por infraestruturas (e.g. sistema de
drenagem); d) não linearidade, observável quando se atravessa limiares de processos;
e) descontinuidade de políticas e processos intraurbanos; f) heterogeneidade espacial
fruto das intervenções sociais e retroações naturais, que adquirem diversas qualidades
e dimensões em função da geográfica física do lugar; g) dependência do caminho já
trilhado, ou seja, as interações locais seguem regras de evolução e desenvolvimento;
h) resiliência, que no ecossistema urbano é definida como capacidade de manter tanto
as funções sociais quanto as ambientais (ALBERTI, 2008).
Em referência a escola de ecologia urbana da Universidade de Seattle, indica-
se para um programa de pesquisa os seguintes temas gerais: dinâmica e estrutura
hierárquica que resultam no mosaico urbano por interações sociais e ambientais;
relação de determinação entre número e tipos de padrões de urbanização segundo
múltiplos estágios; interações de padrões e processos socioambientais e propriedades
emergentes (suscetibilidade a desastres, perda de biodiversidade); dinâmica das
funções do ecossistema urbano, incluindo incertezas e possibilidades futuras;
políticas públicas ambientais orientadas para alvos móveis.
Incorporando as novas informações advindas do estudo da ecologia urbana
apresentamos a seguir, o marco teórico conceitual da urbanização (Figura 5.1). Mais
adiante nesta seção, uma segunda versão deste modelo de urbanização é desenvolvida
(Figura 5.2).
O esquema que apresenta um macroconceito (Fig. 5.1) representa duas
dimensões da urbanização. A linha superior se refere aos fatores determinantes,
motivações, forças motrizes das ações, diretrizes, ou linhas de força condutora dos
processos acoplados, sejam estes antrópicos, biológicos ou geofísico-químicos. As
diretrizes urbanas conduzem as ações dos processos, definem suas tendências, mas os
resultados das ações retroagem sobre suas motivações, modificando estas diretrizes.
Na linha inferior aparece uma segunda dimensão representando as interações dos
processos que compreendem resultados, ou efeitos dos processos na conformação de
padrões urbanos, que inferem diretamente nos processos naturais que, em resposta,
definem a qualidade destes padrões urbanos, suscitando novas motivações,
determinações ou diretrizes para os processos sociais (que são mais conjunturais e
grupais) e culturais (aqueles mais consolidados e históricos).
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
Figura 5.1 – 1 Modelo para Análise da Urbanização
Fonte: Desenvolvido pelo autor.
Ademais, estas retroações referidas podem pesar de modo evidente sobre a
sustentabilidade de processos biológicos (onde têm lugar a saúde de humanos, da
flora e da fauna), que se reflete sobre a ciclagem natural de nutrientes e compostos
orgânicos e inorgânicos e ao final sobre a resiliência do ecossistema urbano.
Este macroconceito intencionalmente permite uma análise política das
motivações, uma análise das representações que habitam tais motivações e o
questionamento destes motivos enquanto paradigmas norteadores. Ao mesmo tempo,
este modelo permite cotejar tais motes culturais como linhas de força, ou fatores
determinantes fundamentais de processos naturais e serviços ambientais que, juntos,
atuam na sustentabilidade do conjunto do sistema urbano e ao final, na biosfera. A
sinergia social positiva das motivações pode ser interpretada como geração de
retroações positivas ou negativas na teoria da complexidade.
A crítica as abordagem que concebem a cidade como objeto, ou como produto
de interações espontâneas e fluídas de agentes sociais incide na não politização da
discussão das motivações, por vezes as considerando como pressupostos
estabelecidos constantes no sistema social, ou fenômenos imanentes e espontâneos
como os gradientes de preço de aluguéis e a maximização de benefícios nas escolhas
de localização. Contudo, admite-se que as relações dos agentes são também de
caráter hierárquico e há motivações históricas. Os sistemas econômicos são
antropocêntricos, autorreferentes e centralizadores. Eles dominam os controles
públicos, o que necessariamente leva, em geral, ao descontrole ecossistêmico. Por um
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
lado, a maximização dos lucros supostamente traduzida em termos de maximização
dos benefícios dos indivíduos não serve como regra geral para explicar a dinâmica
dos padrões urbanos, ou mesmos os preços dos aluguéis, ou mesmo esquemas
formais de crescimento em gradientes, ou em redes, que pressupõem a universalidade
de tais motivações generalizadas do sistema econômico. Em muitos casos não há
escolha, como para grande parte das populações urbanas no mundo. Ademais, o
estado ou o mercado nunca dominaram universalmente as sociedades e talvez nunca
venham a dominá-la inteiramente. Existem atributos de recursos que não têm preço,
não podem virar mercadoria e não são bens livres, são resultados de processos bem
intrincados e sensíveis (isto é, dotados de sensores ecossistêmicos), portanto os
instrumentos econômicos são necessários, mas insuficientes à gestão ambiental. Por
outro lado, os limites de um controle central são matematicamente conhecidos, como
vimos no Capítulo 4, portanto, também são necessários, mas insuficientes, assim
como instrumentos de comando e controle central.
Figura 5.2 – 2o Modelo para Análise da Urbanização
Fonte: Figura elaborada pelo autor
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
Pelo acima exposto, depreende-se que não é apenas necessário politizar as
motivações condutoras dos processos sociais, mas incorporar seus antagonismos. Os
processos complexos incorporam complementaridades, concorrências e
antagonismos, os sistemas sociais e ecossistêmicos apresentam tais características
(que não esgotam os mesmos), contudo estas nos permitem conceber as motivações
como um duplo afirmativo e negativo atuante. Assim, o acumular sistêmico
compreende o dispersar, o desperdiçar; o controlar estatal envolve o descontrole; o
construir inclui o desconstruir, o destruir; o emancipar-se abrange o sujeitar-se. Por
isso associamos ao primeiro modelo de análise da urbanização os antagonismos das
forças motrizes da urbanização na Figura 5.2.
Se a natureza é sensível e ativa, podemos considerá-la como sujeito, um agente
natural, cujas tendências são organizativas e desorganizativas, portanto antagônicas,
compreendendo concorrências ou fluxos de mesma direção, que ao final levam a uma
autorregulação pulsante (ODUM, 2002), ou a uma complementaridade, tanto no
mundo inorgânico como biológico.
As civilizações urbanas conformam padrões urbanos identificáveis em imagens
de satélites resultantes do acoplamento de processos (ALBERTI, 2008), basicamente
segundo o uso e a ocupação do solo, a rede viária e outras infraestruturas como áreas
verdes sobre geografias físicas. Os efeitos ambientais (sobre os ciclos naturais) e os
efeitos ecológicos (sobre os ecossistemas) na consolidação destes padrões urbanos
são específicos das geográficas, mas em geral incluem o regime de drenagem, a
biodiversidade, o comportamento dos seres vivos, a saúde da flora, fauna e humana, a
qualidade de recursos básicos como ar, água e solo.
Os fatores sociais de ordem política, demográfica, tecnológica e organizacional
(que inclui a produção e seu controle) são os mais determinantes do estado do
ambiente urbano e sua ecologia. Traduzimos a organização e dinâmica política como
fator de controle, que não pode ser universal, especialmente, em um sistema muito
centralizado. Fatores externos independentes têm que ser admitidos para a condução
de uma boa governança, ou seja, o controle navega no descontrole interno (um fator
de desorganização definido pelo limite da capacidade do modelo da gestão) e no
descontrole externo (por imponderabilidades, incertezas, imprevisibilidades,
emergências ou acidentes). Assim, o controle e o descontrole são parte de um mesmo
fator. Noção esta que pode ser estendida aos ecossistemas. Os fatores demográficos
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
dizem também respeito ao controle/descontrole, tanto na política, como na
organização ecológica. Na ecologia, isso se manifesta segundo a capacidade de
suporte das espécies e de conjuntos destas nos ecossistemas. Entretanto, estes fatores
podem também ser analisados como parte dos fatores de crescimento/decrescimento
da economia, de populações de espécies e, da construção/desconstrução do ambiente.
Pelo exposto, vê-se que a tentativa de redução dos processos a fatores
fundamentais compreende uma relação de mútua determinação entre estes, o que
pode ser tema de pesquisa. Por exemplo, os fatores de controle/descontrole e de
crescimento/decrescimento estão associados. Por outro lado, pode-se verificar a
generalidade destas noções de forças motrizes, ou motivações, que são extensivas a
outros serem vivos e isto pode permitir uma análise menos antropocêntrica para tratar
humanos e outros seres como manifestações distintas de motivações em processo
articulados.
Observa-se também que o impulso a emancipação, ou a autonomia, a
realização de funções ou desejos são vitais nos indivíduos e nas espécies. Como
coloca Morin (Morin, 2008a), a estratégia da vida em desenvolver indivíduos permite
a heterogeneidade, a dispersão do código genético, a adaptação e diferenciação
genética que se associam a sustentabilidade. Contudo, esta emancipação tem também
uma dimensão coletiva, pressupõe acesso a recursos, assim como um controle
circunstanciado sobre o meio.
A questão da acumulação é crucial porque o capitalismo precisa crescer para
existir, mas o socialismo precisa distribuir para crescer, ambos realizando isto ainda
em grande parte desconhecendo as relações ecossistêmicas, os limites, as capacidades
de suporte, a sustentabilidade. Pelo que indica Odum (2002), alcançaremos neste
século nosso limite populacional planetário como uma espécie que não conheceu
ainda seu estado de maturidade, seu equilíbrio populacional pulsante, junto a outros
seres.
O crescimento econômico se associa a expansão urbana com seus custos,
inclusive ambientais. Este processo devasta e fragmenta florestas, remove vegetação
nativa, degrada a qualidade da água, reduz a população de peixes, demanda alta
mobilidade e intensa infraestrutura de transportes. Isto traz condições
socioambientais negativas aos subúrbios, leva a busca de áreas mais distantes,
estimulando a suburbanização mais extensa, uma problemática típica dos países
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
desenvolvidos, mas também daqueles em desenvolvimento sob outras bases. Neste
segundo caso, a oferta de emprego e o acesso restrito a terra urbanizada são os
principais determinantes da ocupação urbana periférica precária.
5.3 Aplicando o Macroconceito de Urbanização
A partir das concepções de urbanização da seção anterior, reelabora-se esteconjunto de processos como um circuito recursivo, um motor da produção do espaçourbano e regional (Figura 5.3). O resgate desta construção conceitual concebe aurbanização segundo um circuito recursivo geral que envolve sociedade e naturezasob a seguinte forma:
Figura 5.3 – 3o Modelo para Análise da Urbanização
Fonte: do autor.
A aplicação desta concepção do processo recorrente de urbanização à produçãosocioambiental do habitat, ou habitação urbana, gerou um fluxo onde se inseremagentes e instituições, o que é apresentado nas duas próximas ilustrações. A própriaterminologia utilizada nestas sínteses denota discursos explicativos que podem serexplicitados no processo de análise dos dados e a necessidade da definição destestermos-chave como Falha de Mercado, Padrões Urbanos Informais e outros. Oimportante desta concepção é a percepção da urbanização enquanto processo deprocessos recorrentes, que no caso focaliza a habitação que demanda, em geral, maiorespaço na cidade.
Tal aplicação a um projeto de pesquisa deverá permitir associar PadrõesUrbanos às Funções Urbanas e isso exige a definição de indicadores socioambientais
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
que considerem: processos sociais, ambientais e ecológicos; os fatores determinantes, motivações, forças motrizes ou ideias-força dos agentes destes processos quenorteiam as funções urbanas; a identificação dos padrões urbanos resultantes dosprocessos de urbanização por conjuntos de unidades físicas como quadras urbanas, nocaso quadras residenciais e; os efeitos socioambientais dos padrões urbanosidentificados.
No contexto do tratamento destes pontos se destacaria as preferências, ouatributos de localização para famílias e empreendimentos imobiliários versus oscontroles estatais de comando e controle e instrumentos econômicos. O bem estarsocial pode ser associado à qualidade ambiental, à sustentabilidade, à saúde humana eà salubridade do ambiente urbano habitacional. As relações entre dinâmica ecológicapositiva e desenvolvimento urbano podem advir da requalificação urbana, ou do usode padrões de crescimento adequados, que são processos não necessariamenteexcludentes.
Vê-se ainda como importante identificar o papel dos agentes principais versusa carência de infraestrutura e a demanda restrita por moradias prontas. As escolhas delocalização são condicionadas por agentes imobiliários, pelo estado e, por falta deopção e controle há a ocupação de áreas impróprias ou de risco em muitos países eregiões.
Tendo este esboço conceptual como referência de trabalho, partiu-se parareconhecer o recorte territorial da pesquisa com sua população. Os dados secundáriosestatísticos levantados permitiram uma caracterização, tanto demográfica, quantofísica deste território. A análise foi complementada com uma primeira caracterizaçãode padrões urbanos e da dinâmica destes com imagens de satélite e visitas de campo.
O Modelo de Análise da Produção Habitacional que se segue deve serconsiderado como uma hipótese explicativa de um processo complexo quecompreende uma série de sub-hipóteses a serem testadas. Isso permite a possibilidadede reduções disciplinares na construção do modelo explicativo. Isso permite aindaajustes e refinamentos como sistema explicativo aberto de um sistema aberto.
A diferença deste modelo é que ele incorpora a produção dos espaçosresidenciais formais que se conformam segundo leis, normas urbanas e relações demercado entre empresas, famílias e entes públicos e a produção dos espaçosresidenciais informais, que se conformam como processo alternativo de acesso a terraurbana e a moradia. Em princípio, estes últimos não se ajustam às leis e normasurbanas, mas findam por envolver famílias, empresas e entes públicos, em umprocesso de ocupação que compreende áreas mais extensas do que os espaços formaisem muitas grandes cidades no mundo contemporâneo. Os impactos ambientais dasocupações informais são observados há décadas, mas a escala destes é inusitada, oque torna relevante os aspectos antes considerados pouco relevantes, comoimpermeabilidade do solo, vegetação, provisão e a manutenção de serviços urbanosadequados.
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
Figura 5.4 – Modelo para Análise da Produção Habitacional
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
Figura 5.4 – Modelo para Análise da Produção Habitacional (cont.)
5.4 Abordagens Metodológicas e Indicadores
Para analisar a relação de duas vias dos processos e forças motrizes, padrões
urbanos e efeitos ambientais e ecológicos, utilizou-se o modelo esquematizado na
Figura 5.2. A síntese dessas colocações é apresentada neste segundo modelo do
ecossistema urbano. A partir desse esquema é possível mapear ocupações, definir
territórios com seus agentes e seus atributos sociais, ecológicos e ambientais,
perceber assinaturas sociais nos padrões urbanos e tendências de uso e ocupação do
solo urbano no tempo. Porém a análise dos atores e agentes sociais demanda
abordagens próprias.
A abordagem dos atores e agentes sociais
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
Uma perspectiva histórica destas transformações da política ambiental é
apresentada por Redman (2011). Neste artigo se reconhece a importância da
participação cidadã nas políticas públicas urbano-ambientais e a necessidade de uma
metodologia para a tomada de decisões coletivas, como elemento a se incluir nestes
processos decisórios (REDMAN, 2011, p. 221).
A sistematização que se segue constitui um resumo comentado do
levantamento do estado da arte de modelos analíticos em políticas públicas (SOUZA,
2007). O estudo revela que tais modelos tratam de quatro aspectos das políticas
públicas: às próprias políticas e sua tipologia; os sistemas políticos; à sociedade
política; e às instituições, seus formatos e seus modus operandi.
A análise ao campo multidisciplinar das Políticas Públicas aponta para duas
características. Primeiro este campo apresenta diversas teorias e modelos analíticos,
oriundos de mais de uma disciplina, nasce da ciência política, mas vem incorporando
modelos analíticos econométricos e outras técnicas quantitativas e qualitativas de
pesquisa operacional, administração e de planejamento. Segundo, este campo tem
caráter multidisciplinar e apesar de não contar com uma teoria unificada, isso não
depõe contra o campo em sua coerência metodológica, apenas configura olhares
diversos, por vezes conflitantes, por vezes complementares, ou abordagens
construídas para problemas específicos.
Deseja-se aqui analisar os agentes ou atores-chave do processo de urbanização,
mas este mescla ações privadas e públicas pautadas por diversos tipos de políticas:
distributivas quando se privilegia grupos excluídos; regulatórias com leis de uso e
ocupação do solo, ou de perímetro urbano, ou outras constantes em planos diretores;
redistributivas como na provisão de saneamento e outras infraestruturas; constitutivas
como as que regem a gestão compartilhada, ou definem o papel dos conselhos
setoriais de saneamento, meio ambiente, ou orçamento participativo. Contudo, há
ainda ações informais e ilegais (valendo dizer que nem tudo que é informal é ilegal)
praticadas por grande parte da população como atores autônomos, ou agentes
privados, ou mesmo por instituições públicas. Assim, este modelo de análise que trata
das políticas por suas tipologias não se mostra suficiente aos nossos propósitos
analíticos.
O incrementalismo, outro modelo analítico identificado, assume que as
mudanças institucionais são sempre ajustes e adequações a situações operacionais
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
existentes e desconsidera a possibilidade de mudanças mais estruturais efetivas. Com
as reformas institucionais conservadoras nas décadas 1980 e 1990, o modelo perdeu
poder explicativo em face das reformas que foram consequentes do ajuste fiscal em
muitos países. Uma de suas características próprias é que assinala a importância de
decisões passadas sobre as futuras como uma limitação da capacidade dos governos
em adotar novas políticas públicas, ou revertê-las, ou mesmo reorientar processos
consolidados, o que pode possivelmente explicar a derrocada do neoliberalismo. O
que pode se concluir é que, apesar das mudanças estruturais serem possíveis, isso não
implica que estas sejam permanentes e universais. Outra aparente contribuição do
modelo se dá por este revelar a importância do reconhecimento de gargalos no fluxo
dos processos das políticas
Este modelo pode se aplicar ao exame das práticas das concessionárias
públicas e privadas na prestação de serviços de esgotamento sanitário e ambiental
urbano, às instituições de planejamento urbano e regional e nestas às estruturas
institucionais, suas dificuldades constitucionais, regulatórias, procedimentais, aos
seus paradigmas orientadores de planejamento e ação e, aos seus desempenhos e
possibilidades.
Outro modelo denominado por ciclo da política pública focaliza a formação da
agenda política, identificando os seguintes estágios do ciclo em questão: Definição da
agenda política; Identificação de alternativas de ação; Avaliação de opções; Seleção
das opções; Implementação das políticas; Avaliação de resultados.
Este modelo concebe a análise de políticas de modo semelhante ao que o
planejamento define como fases cíclicas. Quanto à fase da definição da agenda é
quando se busca responder por que algumas questões entram na agenda e outras são
ignoradas. Algumas vertentes focalizam mais os atores, enquanto outras o processo.
O modelo oferece três tipos de resposta: se há o reconhecimento de uma crise ou da
gravidade de um problema; como se dá o processo de construção da consciência
coletiva do problema e por que via de mudanças, partidárias, eleitorais, ou
ideológicas; o terceiro tipo de resposta se refere aos participantes, classificados então
como visíveis (políticos, mídia, partidos, grupos de pressão), ou ocultos (acadêmicos,
pesquisadores, burocratas). Os agentes visíveis seriam mais determinantes na
definição das agendas e os ocultos nas alternativas de ação. Os seus formuladores e
informantes do modelo dizem ainda que quando se parte da análise da política, o
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
consenso se daria por barganha, quando se parte do problema o consenso se daria por
persuasão, embora na prática a entrada de um tema na agenda possa se dar sem
consenso e independente de um fórum de discussão, ou por uma arena de
legitimação.
Poder-se-ia agregar a estas fases do ciclo das políticas, o que se identifica na
literatura sobre planejamento. Após a implantação seguem-se as fases de execução
(ou operação), a avaliação e monitoramento e a manutenção. Assim, tal modelo nos
parece promissor na análise de agentes (decisores) e atores (protagonistas) da
urbanização.
Já no modelo lata de lixo, o interesse ou foco se dá sobre as escolhas dos
gestores e das organizações, tratadas como organizações anárquicas que se utilizam
de um conjunto de ideias pouco consistentes. As escolhas comporiam o conteúdo de
um arquivo morto, onde vários tipos de problemas e soluções são colocados e
retirados por decisores na medida das necessidades. Este modelo pode revelar, por
exemplo, a coerência ou não das ações de governo ao longo de várias administrações,
que segundo suas posições programáticas e ideológicas privilegiam cercos problemas
e a maneira de tratá-los. Os elementos deste modelo pode combinar-se com o modelo
do ciclo da política pública (especialmente quanto à fase da definição da agenda), o
que deu origem a outro modelo, chamado de modelo das múltiplas correntes.
O modelo denominado Coalizão de Defesa se contrapõe aos dois anteriores,
pelas dificuldades explicativas dos mesmos quanto ao processo de mudanças. Este
modelo concebe um conjunto de subsistemas relativamente estáveis que se articulam
com acontecimentos externos que orientam as ações, funcionando ou como barreira,
ou como um recurso para as mesmas. Coloca-se ainda que os valores, crenças e ideias
são importantes dimensões do processo de formulação de políticas públicas, em geral
ignorados nos modelos anteriores. Os subsistemas são compostos por coalizões de
defesa, distinguíveis por seus valores, crenças, ideias e recursos.
O modelo das Arenas Sociais, por sua vez, focaliza o papel dos
empreendedores de políticas públicas (no caso, agentes externos) na transformação de
uma questão em problema político que toma a atenção dos gestores. Definem-se três
mecanismos neste processo: divulgação de indicadores que denunciam a gravidade da
questão; eventos catastróficos ou recalcitrantes de um problema; divulgação de
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
resultados comprometedores das ações públicas sobre questões consideradas
importantes.
Os empreendedores podem representar redes sociais. O foco dos estudos se dá
sobre as relações, vínculos e trocas entre entidades e indivíduos e não sobre suas
características. Estudam-se, em situações concretas, as estruturas sociais presentes, as
ações, as estratégias, os constrangimentos, identidades e valores. As redes
constrangem e constroem ações e estratégias continuamente. O modelo procura
estabelecer padrões de relações sociais e, supostamente, seus vínculos explicativos
nos processos nas políticas públicas. Este modelo é de particular interesse no exame
do setor privado enquanto agentes no processo de urbanização, assim como na análise
dos agentes da cidade informal. Juntos estes constituem os agentes externos ao
estado, que são determinantes na urbanização em países como o nosso, abrindo o
leque da análise para a identificação de padrões não só de relações sociais, mas de
comportamentos, que se explicam na urbanização.
Vale observar o que coloca Olson (1965) sobre o processo decisório
compartilhado chamando atenção para o fato de que os interesses comuns não
resultam necessariamente em ações coletivas. Interesses restritos a poucos têm mais
chances de se organizarem do que os interesses difusos. A recorrência a credibilidade
montada por regras pré-anunciadas, prevalentes ao poder discricionário de burocratas
e instituições públicas não garantem, nem a legitimidade que depende do processo
decisório, nem o controle sobre papéis delegados as instituições. Todavia, a
delegação de poder com independência decisória, objetivando a continuidade de
políticas públicas (as libertando dos ciclos eleitorais na busca de coerência e
eficiência) obteve êxito parcial. Esta parcialidade se explica pela provável
permanência de controles discricionários e pela falta de controle social eficiente.
Volta-se assim à questão da representação de interesses difusos nas ações de controle,
num ambiente ultraburocrático de um estado como o brasileiro, com histórico de
baixa capacidade operacional para exercer papéis tradicionais, o que se associa a um
capital social incipiente no controle social.
Ganhou força então um modelo de gestão de políticas denominado novo
gerencialismo público como uma forma de promover da participação, impulsionada
por organismos multilaterais. Tais organismos difundiram o novo gerencialismo,
junto com o conceito de responsabilização que pressupõe a corresponsabilidade
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
pública entre entes públicos e privados, compreendendo aí a organização da
sociedade civil.
A participação direta da população na formulação e acompanhamento das
políticas públicas é mandamento constitucional no Brasil, o que vem sendo
implantado há pouco mais de duas décadas. Como se reconhece amplamente, tais
mecanismos de participação são restritos a micropolíticas e a um papel consultivo,
limitando o possível aumento da eficiência nas políticas públicas.
A análise de políticas públicas não vem apenas sendo influenciada por modelos
como os acima referidos, mas também por teorias de outros campos, notadamente,
pela teoria econômica da regulação. Dentro deste campo teórico tem relevância
recente o chamado neoinstitucionalismo pela contribuição ao debate sobre escolha
racional.
A teoria neoinstitucionalista se desdobra em vieses como o institucionalismo
histórico e o estruturalista na contribuição ao debate relativo ao papel das instituições
na moldagem das preferências sobre as ações. Neste contexto, a ação racional não
depende apenas de autointeresses de decisores, mesmo quando negociada, mas
também da avaliação das consequências políticas das decisões. Entram nesta
avaliação e na formação de preferências, os processos institucionais de socialização,
as heranças culturais e ideias novas. Tal visão é fundamental para entender mudanças
em situação de estabilidade.
O neoinstitucionalismo é respeitado por revelar a importância das regras
institucionais na moldagem das políticas públicas, colocando condições para a
posição e o peso relativo dos atores e revelando como centrais as disputas
interinstitucionais por recursos e poder. Ao final, identificam-se algumas ressalvas
sobre a aplicabilidade do modelo e suas vertentes, basicamente, por suas reduções da
realidade política e por não se adequar bem à análise a algumas questões.
A teoria da Escolha Pública coloca em dúvida a capacidade do governo de
formular políticas públicas em face aos autointeresses, às informações incompletas, a
racionalidade limitada das escolhas e a possibilidade da captura particularista de
instituições públicas. Tal teoria revela desconfiança dos mecanismos políticos de
decisão e defende a superioridade das decisões tomadas pelo mercado, em face
daquelas tomadas por políticos e burocratas estatais. Não se define no texto revisto
(SOUZA, 2007) quem compõe o mercado, sobre que critérios se justificam tal
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
superioridade, quem são os principais decisores de mercado, onde se encontram os
interesses difusos e quem são seus protagonistas.
Em síntese, os modelos de análise em políticas públicas: focalizam, sobretudo,
processos decisórios, atores e modos e regras de operação nas políticas públicas;
buscam distinguir o planejado do realizado nas políticas; distinguem os atores
internos dos externos ao estado, os visíveis dos invisíveis ou ocultos; caracterizam-se
por não formar uma teoria unificada, mas estes se encontram dentro de uma discussão
teórica em um campo delimitado; procuram explicar as mudanças incrementais e
estruturais no curto e no longo prazo nas políticas públicas.
Os modelos em foco permitem compreender melhor, a trajetória seguida e o
papel dos indivíduos, grupos e instituições que estão envolvidos na decisão e que
serão afetados pela política pública (SOUZA, 2007, p.5).
Julga-se de interesse para a análise entre os pontos advindos dos modelos
acima descritos: a identificação de participantes nas políticas ambientais urbanas,
tratada no modelo - ciclo das políticas; a identificação das arenas decisórias; a
presença ou não da questão ambiental urbana nas agendas políticas e a explicação
para esta presença ou ausência; a identificação dos valores dos decisores e das
práticas institucionais consolidadas.
Urbanização como Sistema Urbano Acoplado
A urbanização é uma tendência universal, de crescimento rápido e de
dimensões cada vez mais significativas, por exemplo, houve um aumento de dois
para vinte cidades com mais de vinte milhões de habitantes nos últimos cinquenta
anos, entretanto observa-se uma carência teórica para modelar e antecipar as
condições ambientais urbanas.
A teoria da complexidade tem sido utilizada na abordagem e tradução das
estruturas urbanas complexas como resultado de regras de decisão simples e que
podem compreender emergências. A preocupação teórica se centra em como os
padrões urbanos e as funções urbanas coevoluem. Neste contexto analítico a questão
não é apenas como impactamos o ambiente urbano, mas como interagimos com o
ambiente para gerar as nossas paisagens urbanas, ou como a nossa auto-organização
tem efeito e é efeito da paisagem urbana. A macrodinâmica urbana reflete sua
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
emergência enquanto centros de emprego e nas mudanças do papel desses centros em
hierarquias de redes urbanas. O balanço de forças de atração e repulsão definem o
nível de concentração espacial do emprego. Contudo, nada disso informa sobre as
interações entre a sociedade e o ambiente, ou como isto afeta estas forças de atração e
repulsão.
Como característica, os sistemas sociais e naturais acoplados no urbano não
tendem a um equilíbrio, mas compreendem um sistema de multiequilíbrio aberto,
dinâmico e em grande parte imprevisível. Múltiplas causas e efeitos advêm dos
contextos históricos ambientais dos sistemas urbanos acoplando, que são definidos
por processos orientados por forças internas e externas sob o paradigma do não
equilíbrio. O desafio é desvendar este acoplamento de processos humanos e naturais
interativos.
O marco inicial da ecologia urbana surge com a Escola de Chicago na década
de 20, tratando nichos naturais utilizando a abordagem da ecologia de plantas e as
mudanças de uso do solo foram descritas como sucessões ecológicas. Já nas décadas
de 60 a 90, Odum (2002) descreve os ecossistemas urbanos e os ecologistas passam a
utilizar a teoria de sistemas para calcular o balanço de energia e a ciclagem de
materiais, definindo um metabolismo para ambientes urbanos. Além dos estudos
realizados por biólogos no ambiente urbano houve neste mesmo período um esforço
para conceber a cidade como sistema, gerando um criticado sistemismo que
despolitizou relações sociais e dispensou a história. Entretanto, os paisagistas e
ecólogos traduziram este conhecimento para a prática. Revelou-se um novo
conhecimento sobre um ecossistema, cuja operação se revelou diferenciada e cuja
gestão contribuiu para a teoria do planejamento.
Pressupostos disciplinares tiveram que ser revistos e a teoria da complexidade
permitiu descrever o ecossistema urbano como um sistema adaptativo por um
conjunto de ciclos que compreende processos hierárquicos (em níveis) e estamentais
(em hólons). As fases dos ciclos urbanos compreendem, supostamente, o rápido
crescimento, a conservação, o colapso, a renovação e a reorganização. No lugar da
visão de sucessão, o modelo de mudança segue as propriedades dos ecossistemas: do
potencial para mudança, o grau de conectividade e a resiliência do sistema.
As escolas americanas de Phoenix, Balimore e Seattle de ecologia urbana
perseguem os padrões socioambientais urbanos e suas relações como as funções
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
sociais e ambientais, contudo, varia o modo como se concebe o sistema
socioambiental acoplado o que se revela na composição das equipes de especialistas
envolvidos nestas pesquisas. O modelo de Seattle nos pareceu mais afinado com
nossa visão, mas é interessante observar algumas distinções.
Nenhum destes modelos inclui o fator aprendizado para mudança de
paradigma, ou motivações, mas em síntese recomendam os seguintes passos para a
análise da dinâmica socioambiental urbana: conceber um modelo socioambiental
urbano com definições acordadas sobre processos, fatores determinantes, padrões e
funções urbanas; definir um conjunto de indicadores socioambientais para monitorar
tendências, impactos e decisões sobre padrões alternativos; definir o que sabemos e
não sabemos sobre a relação entre bem estar social e qualidade ambiental; prover
idéias sobre a importância relativa das relações entre desenvolvimento urbano e
dinâmica ecológica e entre variáveis e mecanismos de retroação; definir cenários
possíveis e; considerar a pesquisa como instrumento para decisões políticas, sobre o
que podemos acrescentar os fins educativos e de divulgação pública para
complementar o papel dos agentes ocultos (no caso pesquisadores) nos processos
políticos.
As preferências e atributos de família, empresas e controles estatais não são
suficientes para definir o devir urbano, pois a heterogeneidade dos agentes e suas
interações localizadas determinam, em boa medida, o espaço urbano, contudo, deve-
se observar que existem agentes principais como a firma líder e o estado, com sua
legislação urbana que condiciona também essa heterogeneidade. A interatividade dos
agentes econômicos em um modelo hierárquico integrativo tem suas centralidades,
por exemplo, com o papel da firma líder na orientação de decisões autônomas. No
caso brasileiro, a carência de infraestrutura, a restrição da demanda solvável por
moradia a uma minoria da população, não são fatores sequer percebidos como
definidores do devir urbano.
O modelo de análise da urbanização da escola de Seattle integra padrões e
processos urbanos e seus efeitos. Os dimensões dos processos sociais analisados
compreende fatores demográficos, econômicos, tecnológicos, organizacionais,
institucionais e políticos tomados como atributos dos padrões urbanos, ou forças
atuantes em sua dinâmica. Considera-se a paisagem urbana como nichos dentro de
estruturas verticais e horizontais de relativa independência e equivalência. Modelam-
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
se os agentes por suas regras de interação e seus ambientes de ação e ainda por regras
que definem a sequência de suas ações. Unidades ecológicas são assim representadas
como pegadas na paisagem e unidades econômicas são representadas por parcelas. As
pegadas e parcelas interagem.
O modelo urbano acoplado assim definido construiu-se por microinterações a
partir do comportamento dito como "humano", o UrbanSim (Waddell, 2002) e que se
associa a um modelo de mudanças de ocupação do solo (LCCM), para prever o
estresse ambiental causado por conversões de uso do solo e segundo o uso de
recursos e emissões de gazes. Neste modelo, intenciona-se associar o comportamento
da produção e do consumo por tipo de agente (residentes, famílias e empresas) à
padrões de uso e ocupação do solo, à infraestrutura e aos processos biofísicos. Os
modelos demográficos e de oferta e demanda podem prover previsões de consumo de
energia, água e materiais, ao que se pode adicionar informações sobre a capacidade
das infraestruturas (Alberti, 2008, Fig.2.3).
Observa-se, entretanto, que este modelo inclui fatores demográficos,
comportamentais e de mercado, revelando uma visão formal da urbanização que não
corresponde à realidade de países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. Por outro
lado, os agentes imobiliários tendem a esgotar a demanda solvável por ambiente
construído segundo espeficidades locais de infraestrutura em alta resolução espacial e
prever e agir com antecedência com relação às áreas a ocupar, tanto em países
desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento. Portanto, as escolhas de
localização tanto para famílias como para empresas é em grande parte condicionada
por estes agentes, o que modelos de microinteraçoes tendem a negligenciar.
As relações entre padrões urbanos e funções ecossistêmicas foram mapeadas
no modelo de Seattle. As funções ambientais e ecológicas definidas neste
mapeamento foram: produção primária de biomassa; função hidrológica; ciclo de
nutrientes; biodiversidade; provisão de habitat; regulação de distúrbios. Os processos
considerados foram: clima; hidrologia; geomorfologia; biogeoquímica; e interações
bióticas. Quanto aos padrões urbanos, estes foram caracterizados segundo: uso do
solo; ocupação do solo; transportes; infraestrutura energética; e infraestrutura
associada à água. Apresentam-se outros subconjuntos de padrões, processos e
funções, com adição de alguns elementos. A rigor um modelo deste tipo deve ser
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
flexível para permitir mudanças nos elementos que compõem estes conjuntos para se
adequar as especificidades locais e temporais.
Identidade e Dinâmica da Paisagem
As relações dos padrões com os processos são estabelecidas por meio de
métodos especiais como o sistema complexo de modelagem de padrões orientados
por agentes ou "Pattens-Oriented Modeling of Agent-Based Complex Systems -
POM" (GRIMM et al., 2005). Neste caso, os atributos de identidade dos padrões
urbanos são: densidade, conectividade, heterogeneidade e forma. A cada uma destas
identidades é atribuído uma série de indicadores e medidas como: percentuais de
cobertura do solo; densidade e tamanho de nichos ecológicos; índice de diversidade
de Shannon; índice de interposição e justaposição entre padrões que informam sobre
contiguidade e dispersão. Por fim, utiliza-se a análise funcional discriminante (DFA
no inglês) para verificar possíveis tendências de desenvolvimento dos padrões a partir
das medidas dos indicadores. A distribuição destes padrões pode ser observada
segundo gradientes de centro a periferia, manchas, redes e hierarquias, que são
perspectivas para estudos de ecossistemas urbanos.
As equações que expressam os indicadores de dinâmica dos padrões são
sofisticadas, exigindo ferramentas computacionais de geoprocessamento. A escala de
tempo tende a exigir um prazo de décadas de observação. Por exemplo, no caso da
expansão da região metropolitana de Seattle, consideraram-se três momentos 1991,
1995 e 1999 com dados do censo e imagens de satélite, dados que foram utilizados,
especificamente, para acompanhar os efeitos da legislação aprovada em 1990 para o
controle do crescimento metropolitano. Selecionaram-se indicadores para monitorar
as políticas urbanas e ambientais referentes à expansão na década de 90.
Os resultados indicaram que houve êxito relativo desta legislação, contudo,
diante da grande expansão da ocupação por conta do notável crescimento da
economia regional naquele estado, nos perguntamos se tais medidas podem não ter
feito mais que mitigar a degradação ambiental. De fato, como se verifica na leitura de
Alberti (2008, p. 126 a 131), revela-se que o crescimento urbano na área em estudo se
mostrou mais agregado, reduzindo a fragmentação da cobertura vegetal, mas pouco
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
se colocou sobre os efeitos deste crescimento sobre a área adjacente à área de estudo
com respeito às mudanças ecossistêmicas.
No entanto, identificam-se três fatores importantes referentes a essa
metodologia, a utilidade em medir atributos de diversas naturezas da paisagem, a
escolha na resolução e escala espacial e a correspondência de objetivos de políticas
com a seleção de medidas na paisagem. Os resultados das medidas podem levar a
interpretações ambíguas, por isso recomenda-se explicitar as mesmas quanto ao
contexto e consequentes significados. Os cruzamentos de padrões urbanos com
processos naturais, ou funções realizadas (como serviços ambientais) por bacias
hidrográficas tomam caráter específico com as variáveis selecionadas. A relação entre
os processos e funções referidas é observada com a constância dos atributos dos
padrões urbanos.
Assim, o ambiente urbano é cenário de agentes mutuamente adaptativos.
Segundo esta abordagem os agentes principais são: os promotores imobiliários, os
governos, os empresários e as famílias ou residentes que atuam e modificam os
padrões urbanos de modo interdependente, ou seja, as decisões de uns atuam sobre as
decisões dos demais, por exemplo, as decisões locacionais de investimento geram
fluxos migratórios para moradias nas cercanias destes empregos, atuam sobre o valor
dos imóveis e aluguéis, sobre a localização e natureza dos empreendimentos
imobiliários, sobre investimentos em infraestrutura e legislação de uso e ocupação do
solo urbano, lei do perímetro urbano etc.
Modelos de decisão com base em agentes sociais permitem atribuir funções
com múltiplos atributos correspondentes aos agentes considerados, possibilitando
ainda ponderar diferentemente tais atributos.
O processo de urbanização tende a substituir a função regulatória da hidrologia
natural por uma infraestrutura específica que reduz a qualidade da água, afeta
negativamente os ecossistemas ribeirinhos, acelera o escoamento superficial,
pavimenta áreas de absorção e amortecimento de inundações periódicas,
principalmente em áreas de mananciais e contribui para mudanças no regime
hidrológico de bacias fluviais.
Em síntese, no modelo de Seattle, pressupõe a possibilidade de uma
explicitação e previsão espacial da ação dos atores, o que é por vezes impossível, por
exemplo, quando planos estatais ou privados são viabilizados e implementados após
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
décadas de espera. Observa-se também que as escolhas do público no mercado
imobiliário são limitadas por interesses de empreendedores, o que vem a constituir
distorções políticas.
As teorias que tratam da dinâmica do sistema acoplado socioambiental
provêem a base para a análise da estrutura, função e dinâmica espacial urbana (como
revela Alberti (2008) citando os trabalhos de vários autores). O trabalho de
reconhecimento dos padrões de uso e ocupação do solo passa então por uma
classificação. Algumas pesquisas deram origem a uma base nacional de classificação
a exemplo do trabalho desenvolvido para a Grande Manchester (Gill, 2008), (NLUD,
2003).
Indicadores
A contribuição da ecologia urbana, como é possível perceber no que já foi
apresentado neste capítulo, se estende a indicadores de sustentabilidade, pois uma
série destes é utilizada no exame e monitoramento dos processos de urbanização
como taxas de crescimento de fatores determinantes de mudanças ambientais como:
tamanho de populações, diversidade de vertebrados, área de devastação de florestas
nativas, consumo de água, produção de cloridratos de carbono e emissões de sulfatos,
chumbo, carbono, nitrogênio e fósforo (TURNER, 1990, p.2, Figura 1.1). A
biodiversidade é sensível a fragmentação, ao tamanho das manchas ou nichos, a
conectividade entre as mesmas, ao número de estradas ou ruas que cortam os cursos
d’água e para sua avaliação são empregados alguns índices. Na tabela a seguir
descrevem-se as associações feitas entre padrões urbanos, atributos de área e
indicadores no levantamento empírico na região de Seattle.
A integridade dos ecossistemas ribeirinhos é por vezes medida em B-IBI. Este
índice revela que tal integridade diminui linearmente com o aumento do número de
ruas ou estradas que cruzam os cursos d’água, que a mesma diminui linearmente com
o percentual de impermeabilização do solo e com o nível de agregação urbana como
área contígua, e ainda diminui linearmente com a fragmentação da cobertura natural.
Variáveis associadas ao saneamento básico também podem ser utilizadas para
avaliação das relações socioambientais urbanas. O uso e despejo da água é um dos
componentes centrais dos impactos ambientais, destacando-se a demanda de água na
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
agricultura e o uso de defensivos, pois a água assim passa a ser um veículo de
degradação dos ecossistemas; a formação artificial de lagos para hidroelétricas e
consequente eutrofização; o uso doméstico urbano de água que se associa a perdas,
desperdícios e problemas com esgotamento sanitário, dificuldades de universalização
da coleta e tratamento de esgotos e a contaminação advinda de sistemas individuais
de tratamento (fossas sépticas ou rudimentares) mal mantidos ou inadequados.
Tabela 5.1 Atributos e Indicadores para Padrões Urbanos
Fonte: Alberti, 2008, traduzido pelo autor.
Por exemplo, nos Estados Unidos, cerca de 70% de toda a água obtida da
superfície ou do subsolo volta aos cursos d’água, embora apenas 17% volta após
tratamento por serviços públicos. A provisão de serviços de coleta e tratamento,
normalmente municipais, cobria cerca de 190 milhões de residentes em 2000 (EPA,
2000). O restante se utilizava de fossas sépticas que, segundo observação de Alberti
(2008), não são confiáveis, pois as aponta como responsável pela maior parte das
contaminações de lençóis freáticos e águas de superfície. Como a população daquele
país em 2000 estava em cerca de 280 milhões, 32% dos residentes dependiam de
Padrão Urbano Atributo Indicador
FormaTamanho da mancha Área da mancha
Forma da mancha Índice de forma
DensidadeDensidade de ocupação do
solo ou Densidade construtiva
Taxa de ocupação - Área
construída/Área ocupada de terreno
HeterogeneidadeComposição de uso e ocupação Área ocupada por uso
Diversidade de ocupação Índice de Shannon
Conectividade
Adjacência Índice de agregação
Distância entre manchas Distância média entre manhas
ContrasteContraste de borda e
Área de borda sobre área de mancha
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
fossas sépticas. Por nossa avaliação a questão não está na confiabilidade destas
soluções individuais por edificação, mas na manutenção das mesmas. Contudo, isto
serve para mostrar a dificuldade de provisão universal de sistemas em rede de coleta
e tratamento, especialmente, onde a expansão urbana de baixa densidade predomina,
em face aos custos de investimento, que são proporcionais a extensão das redes e,
especialmente, os custos de manutenção que se supõe variar com o quadrado desta
extensão.
Quanto a indicadores para o monitoramento de políticas urbanas que visam à
sustentabilidade, a contribuição da ecologia urbana agrega com base em pesquisas
empíricas, onde os padrões de uso e ocupação do solo urbano têm lugar de destaque
nos estudos das condições físicas produzidas pelo conjunto de processos sociedade-
natureza. Muitos indicadores advêm deste ramo do urbanismo que associa atributos
sociais, econômicos e demográficos e padrões de ocupação físicos e de localização de
atividades (BREUSTE, 2011). A geração de ilhas de calor e o impacto negativo sobre
a recarga de aquíferos são alguns dos efeitos bem evidentes (PAULEIT &
BREUSTE, 2011).
5.5 Análise de Impactos Ambientais da Urbanização
O desvendar da inferência da urbanização sobre processos hidrológicos revela,
com os resultados de pesquisas (ALBERTI, p.73 a 77, 2008), que os efeitos da
urbanização sobre funções ecossistêmicas atuam sobre a produção primária líquida
de biomassa. As mudanças de produtividade de biomassa geram perdas na população
de espécies sazonais. A urbanização ocupa os melhores solos e esta produção de
biomassa tem se reduzido, observando-se um crescimento associado na formação de
ilhas de calor e iluminação durante o inverno em países frios.
Sobre o regime hidrológico os efeitos negativos da urbanização são advindos
da impermeabilização do solo, necessidade de aumento crescente vazão dos
elementos de drenagem. A inferência no regime de perturbação com a urbanização
gera assoreamento e a necessidade do alargamento de canais, acarretando um
aumento na vulnerabilidade a catástrofes.
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
Sobre os ciclos de nutrientes, observam-se concentrações crescentes de
fósforo, nitratos e metais pesados e o consumo crescente de energia nas cidades. Na
vegetação, há uma redução de espécies nativas e introdução de exóticas. As aves
nativas diminuem e as oportunistas aumentam. Invertebrados e peixes diminuem com
a impermeabilização do solo. As matas ciliares estão sendo reduzidas e estas são
benéficas a estas populações. O índice B-IBI (Benthic Index of Biotic Integrity),
indicador de biodiversidade decresce com a impermeabilização do solo e extensão
urbana. A agregação de áreas impermeáveis com a densidade de vias compromete a
saúde dos ecossistemas hídricos e o regime hidrológico. A provisão de habitat para
espécies apresenta gradação do urbano ao rural que muda em função dos processos
biofísicos, clima, hidrologia, geomorfologia, biogeoquímica e com as interações
bióticas. O meio urbano estabelece um processo particular de seleção natural, com
novas interações bióticas e ilhas de calor. A ausência ou redução de predadores gera
abundância e escassez previsível de um processo de baixo para cima nas cadeias
tróficas. Há uma invasão de espécies e introdução de espécies exóticas.
Os efeitos da impermeabilização do solo urbano são particularmente estudados
segundo categorias de níveis de impermeabilização desde a cobertura natural ao
estrato de áreas com 75% a 100% de solo impermeável. O intervalo de variação do
volume de drenagem seguindo os estratos do mais permeável ao menos permeável
vai de 10% a 55%, o volume de evapo-transpiração se reduz de 40% a 30%, a
infiltração superficial e profunda se reduz, respectivamente, de 25% e de 10% a 5%.
Tais mudanças observam redução ou crescimento exponencial destas variáveis,
significando dizer que das precipitações, a uma redução da evapo-transpiração e das
infiltrações que passam a compor um volume d’água para drenagem superficial
(ALBERTI p.147, 2008).
A ocupação de alagados urbanos e a poluição dos cursos d’água nas cidades se
associam a emergência e re-emergência de doenças infecto-contagiosas e ainda como
fatores causais da redução da biodiversidade (inclusive dos predadores dos vetores);
as alterações físicas que levam a proliferação de vetores; a invasão de espécies
nocivas; mudanças genéticas induzidas pelo homem (human-induced genetic change)
com o uso de pesticidas e antibióticos, segundo a Organização Mundial de Saúde
(BRIDGEWATER, 2011).
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
Para o encontro de alternativas para a recuperação dos serviços ambientais
ligados a água em ambientes urbanos, Bridgewater (2011) aponta como abordagem
básica considerar a ecohidrologia como: 1) A interação da hidrologia em escala de
bacia e em escala de tempo adequadas; 2) o entendimento das mudanças ecológicas
inevitáveis e o papel social na gestão dessas mudanças; 3) a compreensão do papel
dos ecossistemas urbanos; 4) o uso de propriedades ecossistêmicas como indicadores
de mudança (BRIDGEWATER, 2011, p. 224). Este último ponto permitiria testar e
monitorar estratégias além de responder aos pontos anteriores.
Quanto aos processos alternativos de urbanização como um todo se identificou
em artigo na literatura internacional recente em ecologia urbana coincidente com
nosso ponto de vista, onde se focaliza as forças motrizes dos processos acoplados de
urbanização, contesta-se a crítica antiurbana e indica-se a necessidade de promover
desenvolvimento sustentável associado à urbanização (McDONALD, 2011).
Para uma agenda de pesquisa as questões centrais propostas por Alberti (2008)
são: Como explicar o estado atual que os sistemas socioambientais apresentam e
quais as suas perspectivas? Como a sociedade e o ambiente interagem para gerar
comportamentos emergentes que inferem na sustentabilidade socioambiental urbana?
Tais questões se desdobram em outras mais específicas e sobre as propriedades
emergentes pergunta-se: Como explicar as trajetórias futuras da paisagem
urbanizada? Como os ecossistemas socioambientais urbanos geram emergência de
padrões e processos? Como os padrões emergentes de urbanização influenciam o
funcionamento do sistema socioambiental? Como o planejamento urbano pode
incorporar os conhecimentos sobre o ecossistema socioambiental para a promoção da
resiliência urbana?
5.6 Contribuições da Ecologia Urbana para o Planejamento e Gestão Urbana
e Regional
As ações planejadas que visam a se contrapor aos processos naturais, a
estabilizá-los, ou a seguir uma estratégia rígida, estão condenadas ao fracasso. Os
gestores devem considerar que o sistema acoplado socioambiental se caracteriza, por
exemplo, por propriedades emergentes, portanto é sujeito a surpresas, a efeitos
recíprocos ou a mecanismos circulares e a comportamentos não lineares.
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
No contexto em foco, não há previsões deterministas e exatas. Por isto a
construção de cenários é uma ferramenta útil para a tomada de decisões sobre a
construção de futuros possíveis, mais desejáveis e menos desejáveis, sujeitos as
escolhas de ações no presente, condicionadas por tendências identificadas e fatos
imprevisíveis. A construção de cenários envolve normalmente uma série de etapas
(Schwartz, 1991; Peterson et al., 2003; Lindgren and Bandhold et al., 2003) e se serve
para uma série de propósitos além de possibilitar a criação e recriação de diretrizes
estratégicas para as ações no processo de planejamento e gestão como: ampliar ou
mesmo gerar perspectivas; ajudar decisores a pensar sobre possibilidades futuras;
desafiar pressupostos tanto na ciência quanto no planejamento; desenvolver e testar
estratégias e planos; sintetizar e comunicar informações complexas a decisores;
prover idéias sobre fatores de mudança; esclarecer sobre escolhas entre ações
alternativas; aprimorar a educação e a consciência pública; compreender diferenças
entre decisores e saber explorar suas consequências.
A ecologia urbana releva a importância multidimensional do planejamento da
infraestrutura verde nas cidades. Para isto utiliza inclusive a teoria da biogeografia de
ilhas (COBLENG, 2011b). Sobre isto observa-se que as populações das espécies são
sensíveis: ao número de espécies, a distâncias entre nichos (ou ilhas) e a possibilidade
de migrações entre nichos o que se associa a extinção de algumas. Assim, outra
variável importante considerada neste planejamento é a conectividade entre áreas
verdes, definida por corredores. Quanto a estes, recomenda-se que é melhor proteger
que criá-los.
Dentre as estratégias mais gerais de crescimento urbano identifica-se o
Planejamento do Crescimento Inteligente (Smart Growth Planning) que é norteado,
em resumo, pela acessibilidade. Outra estratégia geral é a Advocacia do
Desenvolvimento Urbano Compacto (Compact Urban Development Advocates), que
propõe a cidade compacta, acessível a pé e por bicicletas, além do uso misto de
edificações (COBLENG, 2011a, p. 231).
Ainda sobre a infraestrutura urbana verde, chama-se atenção de que
geralmente não se considera jardins domésticos como área urbana verde, mas que (de
modo agregado) tais áreas desempenham um papel importante na ecologia urbana.
No Recife e em Belém, assim como em outras cidades brasileiras, os quintais das
casas tiveram e ainda têm um papel ecológico importante.
Capítulo 5 – A Urbanização na Ecologia Urbana
Em síntese, as novas acepções do planejamento e gestão urbana, necessárias a
abordagem das questões ambientais, sinalizam para o planejamento da infraestrutura
urbana verde como um elemento chave para o desenvolvimento urbano sustentável e
para a saúde pública física e psicológica (PHILIP, 2011).
É preciso se dar conta dos serviços ambientais que nos prestam a natureza
mesmo num ambiente artificial das cidades e isto para o planejamento da
sustentabilidade. Assim, vale aqui apresentar uma leitura da sistematização destes
serviços realizada por COBLENG (2011a, p. 233):
1. Serviços de regulação como: purificação do ar e filtração da água, redução
de ruídos, controle de patógenos, retenção de nutrientes, regulação
microclimática, controle da drenagem superficial e da erosão;
2. Serviços de manutenção: do habitat para flora e fauna; da qualidade do solo;
da dispersão de sementes, de polinização; dos ciclos de orgânicos e
inorgânicos como a água;
3. Serviços ambientais de provisão de recursos como: lenha; alimentos (frutas
e hortaliças); serviços ornamentais com plantas e flores;
4. Serviços ambientais culturais como: valor estético, educacional,
recreacional e de socialização.
Na discussão das estratégias de planejamento urbano e ambiental, a avaliação
entre benefícios e custos sociais e ambientais é importante, mas deve-se também
considerar a viabilidade em termos de aceitação pública na escolha de alternativas de
ações. Reações sociais a padrões urbanos impostos podem inviabilizar políticas
urbano-ambientais, como as que se observou no caso inglês cuja cultura de vida mais
campestre ou suburbana de morar em casas fez rejeitar diretrizes para uma cidade
compacta.
CONCLUSÕES
A resposta à questão central do estudo de como analisar da urbanização sob a
perspectiva da sustentabilidade socioambiental exigiu o reconhecimento de algumas
dimensões da sustentabilidade e a explicação dos processos de urbanização movidos
por fatores determinantes, forças motrizes, ou motivações. Desse modo, duas esferas
de processos podem ser reconhecidas, os processos sociais e os ambientais.
A definição de um ecossistema urbano permitiu um mapeamento simplificado
destes processos, que por constituírem fenômenos cíclicos (em economias de
aglomeração, ou em ciclos como o da água), vem resultando em crescimento rápido
envolvendo redes de cidades e suas regiões, apresentando perturbações na ciclagem
de inorgânicos e orgânicos e decrescimento rápido da biodiversidade e produção de
biomassa. Em face da complexidade, a análise da urbanização assim concebida pode
apenas definir uma estratégia dialógica (um diálogo circular entre disciplinas)
norteada por alguns macroconceitos.
A análise dos métodos para medir a sustentabilidade revelou que estes são
resultado da compreensão de seus criadores sobre sustentabilidade, ou de suas formas
de isto conceituar. A redução da sustentabilidade a algumas dimensões e a alguns
poucos indicadores mostrou-se problemática por subestimar alguns processos e
sobre-estimar outros, por outro lado, a proliferação de indicadores se mostrou
impraticável. Enquanto, a redução da sustentabilidade a áreas bioprodutivas no
método da Pegada Ecológica significou uma agregação incompleta e problemática, o
método do Barômetro da Sustentabilidade reuniu muitos indicadores supostamente
equivalentes em importância agregados por algoritmos não transparentes.
Alguns métodos aplicáveis a avaliação da sustentabilidade urbana foram
encontrados, poucos destes aplicáveis aos processos de urbanização. Em síntese, uma
forma de superação destas dificuldades é definir indicadores por natureza de processo
que sirva como proxy sobre condições ambientais, ecossistêmicas e sociais.
A qualidade da água reúne cerca de três dezenas de indicadores, mas estes são
apenas pertinentes a água, resultando em um indicador agregado disponibilizado por
agências de controle da qualidade da água no Brasil, ou esta pode ser avaliada em
laboratório quando necessário e associada à reflectância de imagens remotas para
processamento e análise. Esta qualidade se reflete na saúde do ecossistema urbano,
Conclusões
em humanos e outras espécies (uma medida direta de sustentabilidade) e pode ser
proxy de biodiversidade. Dados de saúde humana podem ser associados ao índice de
qualidade da água e a padrões urbanos de uso e ocupação do solo que possuem por
sua vez atributos socioambientais.
Outros dados disponíveis em imagens de satélites podem gerar indicadores
como a qualidade da infraestrutura verde (compreendendo variáveis como número,
tamanho e conectividade destas áreas) e área de cobertura impermeável do solo.
Indicadores de saneamento associados a padrões urbanos complementariam estes
dados, informando sobre as condições da água e do solo urbano. Restaria a qualidade
do ar que se não houver informações disponíveis, dados sobre a infraestrutura verde
versus tipo e número de veículos emissores de gases do efeito estufa serviriam de
proxy.
De posse de diagnóstico ambiental, junto com a esfera dos processos sociais
formais de produção do espaço, controle e decisão, com seus agentes e suas
instâncias de poder, legislações, jurisdições institucionais, arenas de discussão etc. de
um lado e os processos informais de ocupação de outro, permitiria uma prospecção
futura com a criação de cenários. A definição do perfil dos investimentos setoriais e a
taxa de provisão e suas estratégias para oferta de serviços urbanos de saneamento,
transporte e uso e ocupação do solo completaria este quadro.
Pelo exposto, vê-se que, o como avaliar a sustentabilidade urbana é uma
questão contextual que exige escolhas em função do posicionamento do analista.
A centralidade não é suficiente à gestão dos sistemas sociais vivos. Há de se
contar com a descentralização, a autonomia e até com a anarquia (não no sentido de
desordem, mas no encontro espontâneo de soluções locais por agentes locais), uma
capacidade socialmente construída, que não pode, inclusive, ser centralmente
controlada.
A rigor, o processo social engloba os processos estatais, privados e
organizacionais não governamentais de urbanização, contudo, essa separação em
esferas ou nuvens mais ou menos discretas elucida a análise, especialmente, sobre
suas interações, conexões, conflitos e alianças.
Como autocrítica, nos pareceu cabível colocar que as ideias parecem de certo
modo triviais, no sentido de uma aparente originalidade, ou seja, questões já
reconhecidas dita de um modo novo. Contudo, a diferença é que se estruturou, desse
Conclusões
modo, uma forma de permitir o diálogo entre abordagens da urbanização,
considerando as contradições intrínsecas dos processos identificados, associados a
vantagens e desvantagens de estruturas organizacionais societárias básicas. Assim,
novas imersões nesses processos são necessárias para os relacionarem melhor, assim
como para o melhor reconhecimento dessas estruturas, como em um movimento
expansivo de diástole, seguido de um esforço de síntese sistólica desse conhecimento,
para uma ciência com consciência.
A urbanização ecológica constitui o maior desafio posto a humanidade neste
século, pois somos uma civilização urbana, tendendo a uma integração global maior e
mais complexa. Os caminhos para isto são diversos na escala espacial e temporal,
envolvendo desde a reorganização local a políticas globais.
Os resultados de nossas ações de depleção da natureza estão na mídia, às ações
fragmentadas de correção não se sabe ao certo sobre seus resultados em face aos
diversos pressupostos de sustentabilidade e das dificuldades de medir algo assaz
complexo, mas isto faz parte de nosso aprendizado, faz parte de nosso desafio de
reorganização coletiva.
Há diversas formas de compreender e atuar sobre a questão acima exposta que
nos leva a considerar como trabalho mais consequente o desenvolvimento de uma
maior consciência dos efeitos das nossas ações sobre os mecanismos naturais e as
possibilidades de ações socioambientais sinérgicas reorganizadoras do ambiente.
Não basta ter, desenvolver ou adotar um (ou mais de um) bom instrumento ou
método de medida de sustentabilidade, mas também verificar como: os processos
sociais (motivados e condicionados sob o binômio emancipação/sujeição), junto com
os processos econômicos (objetivando acumulação e gerando desperdícios) e os
processos estatais (objetivando poder e controle, contudo se deparando com
descontroles estruturais, advindos também das próprias estratégias de controle
adotadas) se relacionam e determinam a urbanização e o ambiente.
Apesar de guardarem certa independência, as dimensões da sustentabilidade
são interdependentes. Em face às suas diferenças em escala física e temporal, nem
tudo pode ser precificados, especialmente, o que está fora do mercado, ou em um
possível mercado futuro, caso de minérios e espécies vivas. Os estoques de capital
humano, natural e bens materiais (terra, máquinas e construções) não são
substituíveis.
Conclusões
As definições do custo ambiental por precificação pressupõem a substituição
de fatores de produção como recursos naturais e serviços ambientais, o que não é
muitas vezes possível, ou é suscetível a falhas graves, portanto, a precificação
constitui uma estratégia bastante questionável para abordar e medir sustentabilidade
ambiental. Apesar disto, podem substanciar sentenças judiciais e decisões afins.
A indicação geral para o desenvolvimento dos indicadores independentes de
sustentabilidade é de que estes sejam estratégicos (dentro das dimensões) e
específicos (conforme a escala de estudo ou de intervenção), contudo não se encontra
indicações gerais para análises conjuntas.
A construção de grandes painéis com dezenas de indicadores torna difícil o
levantamento e atualização de dados, além do que os métodos que fazem uso de uma
profusão de indicadores tendem a neutralizar o peso relativo dos mesmos.
A observação da dinâmica dos ciclos biogeofísico-químicos em função das
nossas atividades é o que deve permitir definir os entrelaçamentos dimensionais da
sustentabilidade e o monitoramento preciso de ações. O utilitarismo de condicionar a
natureza à economia, ou à sociedade humana não permite discernir sobre os limites
de nossas ações.
A natureza não é um meio, nem um recurso, ela precisa ser antes entendida
como condição, como sistemas de sistemas abertos, em permanente organização,
desorganização e reorganização.
Ao final, considerando a urbanização como objeto de estudo e as limitações
dos métodos passíveis para a medição da (in)sustentabilidade urbana, tornou-se
necessário buscar compreender a (in)sustentabilidade urbana em termos ecológicos e
urbanísticos.
O exame das contribuições da ecologia urbana se revelou fundamental para a
compreensão da urbanização como fenômeno socioambiental. Apesar de sua base,
sobretudo empírica, o conhecimento gerado por esta disciplina eminentemente
transdisciplinar tem contribuído para a compreensão dos efeitos dos padrões de uso e
ocupação do solo urbano sobre os serviços ambientais e ciclos naturais e
reciprocamente, os efeitos retroativos do ambiente sobre a organização urbana e sua
sustentabilidade. As questões propostas por esta disciplina são necessárias mesmo
que não sejam questões resolvidas, em face às permanentes mudanças recíprocas
entre ambiente e sociedade.
Conclusões
Como explicação abrangente, argumenta-se que o ritmo e o padrão de
crescimento urbano seriam as forças motrizes fundamentais das condições ecológicas
dos ecossistemas e do estado dos ambientes físicos urbanos. O problema ambiental
das cidades não seria apenas gerado pelo crescimento e sim pelos padrões de
urbanização, "the problem is not growth but the patterns of growth" (COBLENG,
2011a, p. 230). Supõe-se, portanto que seja possível um crescimento urbano
ecológico, embora segundo a própria ecologia, há que se considerar os limites para o
crescimento, seja ele qual for. Este é um ponto central das discussões entre as
correntes do ambientalismo, sobre o qual a ecologia urbana contribui com a
elucidação das interações dos processos de uso e ocupação do solo urbano,
associados aos processos ecológicos e ciclos naturais de compostos orgânicos e
inorgânicos. Claro que os limites do crescimento urbano estão em função de seus
padrões urbanos e da tecnologia associada, mas existem limites para está ocupação
mesmo que simbiótica, ou mutualista.
Argumenta-se, então, que não é apenas necessário politizar as motivações
condutoras dos processos sociais, mas incorporar seus antagonismos às discussões, ao
planejamento e à gestão. As características dos ecossistemas urbanos nos permitem
conceber as motivações como um duplo afirmativo e negativo atuante. Assim, o
acumular sistêmico na produção compreende o dispersar, o desperdiçar; o controlar
estatal envolve o descontrole; o construir a cidade inclui o desconstruir, o destruir; o
emancipar-se das sociedades e indivíduos abrange o sujeitar-se.
Como conseqüência, identifica-se outro objetivo aplicado da ecologia urbana,
qual seja o de desenvolver o conhecimento para uma capacitação mutualista da
sociedade, que permita a requalificação ecológica dos ambientes construídos. Isto
como coloca Harvey (Harvey, 1997), não se trata de um problema de planejamento
físico, ou construtivo de engenharia, contudo não deixa também de o ser. A ecologia
urbana, embora incorpore os processos sociais, tende a reduzi-los a padrões urbanos
físicos como fato observável, negligenciando a análise e o questionamento das
motivações dos processos sociais, ou os pressupostos paradigmáticos que dão origem
as ações, limitando assim a capacidade de transformação dos sistemas urbanos por
este conhecimento. Entretanto, o conhecimento sobre o funcionamento dos
organismos e processos naturais no ambiente urbano, definido por tais padrões é um
conhecimento insofismável e necessário.
Conclusões
Considerando a ecologia urbana, a visão da cidade toma a dimensão de um
espaço ecológico criado tanto por uma apropriação social, como pela resposta dada
por processos naturais às condições ecológicas artificialmente criadas. No ambiente
construído, a natureza se diferencia não se limitando a reminiscência de um passado
natural, ocorre também uma coevolução ecossistêmica. O desenvolvimento de
bactérias resistentes a antibióticos e insetos a pesticidas é uma prova disto, o que se
dá geralmente por conta da extinção de predadores naturais e outros fatores de
ocupação. Por outro lado, é possível se pensar em uma coevolução positiva, como
fazem os castores com seus diques, em uma escala adequada.
O que não se observou na ecologia urbana é o tratamento do crescimento
urbano em redes de cidades. A questão tratada na geografia econômica tem longa
data e uma de suas mais recentes contribuições identifica o surgimento, crescimento e
decrescimento de cidades, até a extinção de pequenos centros (KRUGMAN, 1999). O
comportamento geral parece se conformar como uma pulsação em expansão, onde a
contração significa a migração para áreas mais dinâmicas, mas as redes como um
todo crescem. A identificação desta dimensão e movimento podem ser elementos
importantes na criação de estratégias de planejamento regional que conduzam ou
induzam a alocação do investimento em infraestrutura sustentável, políticas de
financiamento, provisão, correção de inadequações de equipamentos e moradias e
prevenção de desenvolvimento da precariedade urbana com a democratização do
acesso a terra e a infraestrutura urbana, geração de um mercado de trabalho e
investimento na economia de baixo carbono.
Em face das características dos ecossistemas urbanos, cujos atributos espaciais
não são uniformes, nem independentes de escala, recomenda-se que as metas para
tratar com ecossistemas urbanos devam ser concebidas como alvos móveis, por isso
as estratégias institucionais devem permitir adaptações e mudanças, mas ter
continuidade na persecução destes alvos.
A redução dos processos a fatores fundamentais compreende uma relação de
mútua determinação. Os fatores de controle/descontrole e de
crescimento/decrescimento estão associados. Por outro lado, pode-se verificar a
generalidade destas noções de forças motrizes, ou motivações, que são extensivas a
outros serem vivos e isto pode permitir uma análise menos antropocêntrica para tratar
Conclusões
humanos e outros seres como manifestações distintas de motivações e processo
articulados.
O crescimento econômico se associa a expansão urbana com seus custos,
inclusive ambientais. A oferta de emprego e renda e o acesso restrito a terra
urbanizada são os principais determinantes da ocupação urbana precária em países
como o nosso.
A análise dos modelos de avaliação de políticas públicas, necessários a
abordagem da dimensão política da sustentabilidade, se mostraram pertinentes para
compreender melhor, a trajetória seguida e o papel dos indivíduos, grupos e
instituições envolvidos nas decisões ou afetados por políticas públicas urbano-
ambientais.
Os pontos focais de interesse advindos destes modelos e pertinentes a nossa
análise, se refere à identificação dos participantes de decisões sobre o uso e ocupação
do solo urbano, que podem ser tratados com o modelo do ciclo das políticas (no caso,
políticas ambientais urbanas); na identificação das arenas decisórias afins; na
presença ou não da questão ambiental urbana nas agendas políticas e a explicação
para esta presença ou ausência; e ainda na identificação dos valores dos decisores;
além das práticas institucionais consolidadas a respeito.
Nenhum destes modelos examinados (sejam advindos da ecologia urbana ou da
ciência política) inclui o fator aprendizado para a mudança de paradigma, ou a análise
das motivações das ações, mas no caso da ecologia urbana, em síntese, recomendam-
se os seguintes passos para a análise da dinâmica socioambiental urbana: definir um
modelo socioambiental urbano com definições acordadas sobre processos, fatores
determinantes, padrões e funções urbanas; definir um conjunto de indicadores
socioambientais para monitorar tendências, impactos e decisões sobre padrões
alternativos; definir o que sabemos e não sabemos sobre a relação entre bem estar
social e qualidade ambiental; prover ideias sobre a importância relativa das relações
entre desenvolvimento urbano e dinâmica ecológica e entre variáveis e mecanismos
de retroação; definir cenários possíveis e; considerar a pesquisa como instrumento
para decisões políticas, sobre o que, podemos acrescentar, fins educativos e de
divulgação pública para complementar o papel dos agentes ocultos (no caso
pesquisadores) nos processos políticos.
Conclusões
Os modelos de geração de cenários a partir de microinterações de agentes,
como autômatos finitos, utilizados na ecologia urbana, não parecem considerar o peso
relativo destes agentes. A consideração de preferências e atributos de indivíduos,
famílias, ou empresas e os controles estatais não são suficientes para definir o devir
urbano. Há que se observar o alcance de agentes principais como a firma líder,
especialmente, no mercado imobiliário, o estado com a legislação urbana, o
planejamento urbano ou sua ausência (no nosso caso associada às ocupações
informais).
A interatividade dos agentes econômicos em um modelo hierárquico
integrativo tem suas centralidades, por exemplo, com o papel da firma líder na
orientação de decisões autônomas. No caso brasileiro, a carência geral de
infraestrutura, a restrição da demanda solvável por moradia pronta a uma minoria da
população, não são fatores normalmente percebidos da superconcentração urbana e
como definidores do devir urbano.
A visão formal da urbanização que trata a ecologia urbana não corresponde
ainda à realidade de países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. No entanto, vale
para todos estes o fato de que os agentes imobiliários tendem a esgotar a demanda
solvável por ambiente construído segundo especificidades locais de infraestrutura, em
alta resolução espacial e, prever e agir com antecedência com relação as áreas a
ocupar, tanto em países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento. Portanto,
as escolhas de localização tanto para famílias como para empresas é em grande parte
condicionada por estes agentes, o que os modelos de microinteraçoes tendem a
negligenciar.
As teorias que tratam da dinâmica do sistema acoplado socioambiental
provêem a base para a análise da estrutura, função e dinâmica espacial urbana. O
trabalho de reconhecimento dos padrões de uso e ocupação do solo passa então por
uma classificação. Algumas pesquisas deram origem a uma base nacional de
classificação a exemplo do trabalho desenvolvido para a Grande Manchester (Gill,
2008), (NLUD, 2003).
Quanto a indicadores para o monitoramento de políticas urbanas que visem à
sustentabilidade, a contribuição da ecologia urbana agrega com base em pesquisas
empíricas, onde os padrões de uso e ocupação do solo urbano têm lugar de destaque
nos estudos das condições físicas produzidas pelo conjunto de processos sociedade-
Conclusões
natureza. Muitos indicadores advêm deste ramo do urbanismo que associa atributos
sociais, econômicos e demográficos e padrões de ocupação físicos e de localização de
atividades (BREUSTE, 2011). A geração de ilhas de calor e o impacto negativo sobre
a recarga de aquíferos são alguns dos efeitos bem evidentes (PAULEIT &
BREUSTE, 2011).
Quanto aos processos alternativos de urbanização como um todo se identificou
em artigo na literatura internacional recente em ecologia urbana coincidência com
nosso ponto de vista, onde se focaliza as forças motrizes dos processos acoplados de
urbanização, contesta-se a crítica antiurbana e indica-se a necessidade de promover e
desenvolvimento sustentável associado à urbanização (McDONALD, 2011).
Para uma agenda de pesquisa as questões centrais propostas por Alberti (2008),
sugere-se: Como explicar o estado atual que os sistemas socioambientais apresentam
e quais as suas perspectivas? Como a sociedade e o ambiente interagem para gerar
comportamentos emergentes que inferem na sustentabilidade socioambiental urbana?
Tais questões se desdobram em outras mais específicas e sobre as propriedades
emergentes pergunta-se: Como explicar as trajetórias futuras da paisagem
urbanizada? Como os ecossistemas socioambientais urbanos geram emergência de
novos padrões e processos? Como os padrões emergentes de urbanização influenciam
o funcionamento do sistema socioambiental? Como o planejamento urbano pode
incorporar os conhecimentos sobre o ecossistema socioambiental para sua maior
resiliência? O desenvolvimento urbano pode seguir a diretriz da sustentabilidade
ecológica?
A ecologia urbana agrega também ao planejamento com o conhecimento sobre
limiares de processos que, se ultrapassados, precipitam mudanças negativas
irreversíveis ou imprevisíveis. A imprevisibilidade da urbanização implica que o
planejamento e a gestão urbana devam considerar a complexidade e a incerteza e
dirigir as estratégias rumo à flexibilidade, à adaptabilidade e à resiliência (HOLLING
& GUNDERSON, 2002). O desafio é desenvolver uma capacidade adaptativa para
aprender e incorporar tal conhecimento a mudanças de gestão. Disto pode-se
concluir, prematuramente, que não há mais espaço para o planejamento, desde que
em tal cenário de incertezas os planos se tornariam rapidamente obsoletos. Contudo,
existem os planos de vôo, que orientam os pilotos a destinos finais mesmo que os
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