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Orientador: PrOrientador: PrOrientador: PrOrientador: PrOrientador: Prooooofffff. Dr. Dr. Dr. Dr. Dr. Gian C. Gian C. Gian C. Gian C. Gian Carlo Gasperiniarlo Gasperiniarlo Gasperiniarlo Gasperiniarlo Gasperini
São PSão PSão PSão PSão Pauloauloauloauloaulo, mar, mar, mar, mar, marççççço 2002o 2002o 2002o 2002o 2002
1
páginas introdutórias
FRATURAS URBANAS E A POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE NOVAS
TERRITORIALIDADES METROPOLITANAS: A ORLA FERROVIÁRIA
PAULISTANA
Tese apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo para obtenção do grau de Doutor em Estruturas Ambientais Urbanas
autor:
Carlos Leite de Souza
orientador:
Prof. Dr. Gian Carlo Gasperini
São Paulo, março 2002
2
páginas introdutórias
SUMÁRIO>
01 INTRODUÇÃO 0801.1 A organização da tese 10
01.2 Considerações iniciais 14
01.3 Notas 24
02 O CONTEXTO GLOBAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DEMETROPOLIZAÇÃO 2702.1 São Paulo nasce metropolitana 28
02.2 A cidade moderna 33
02.3 A metrópole contemporânea 41
02.4 Notas 49
03 A ORLA FERROVIÁRIA: LEITURA DO TERRITÓRIO 5203.1 A leitura aérea 53
03.2 O contexto local 63
03.3 Notas 74
04 O PROJETO-TESE: O PROCESSO 7604.1 Mapeamento urbano 77
04.2 Análises 94
05 O PROJETO-TESE: A ESTRATÉGIA 10105.1 Fragmentação e retalhamento da metrópole 102
05.2 Intervenções urbanas contemporâneas 118
05.3 As estruturas urbanas e a construção de uma nova territorialidade metropolitana 154
05.4 Notas 179
06 O PROJETO-TESE: AS MATRIZES URBANAS 18506.1 Diagramas urbanos 187
06.2 Modelo 195
07 CONCLUSÕES 210
08 BIBLIOGRAFIA 216
3
páginas introdutórias
DEDICATÓRIA>
Ao futuro da querida
Isabel Pie de Lima e Souza.
Com enorme gratidão pelo apoio no momento mais difícil e, muito amor, a
Mônica Sodré Brooke.
4
páginas introdutórias
AGRADECIMENTOS>
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS>Maria José Leite de SouzaRegina Meyer
AGRADECIMENTOS>Alexandre DelijaicovAlunos e colegas da FAU-Mackenzie e Belas-ArtesÁlvaro PuntoniAna Karina Di GiácomoAngélica Tanus Benatti AlvimCristiane MunizDanielle SpadottoÉrika BaracatFernando de Mello FrancoFrank van GurpGian Carlo GasperiniJaap BekkersLair ReisLuciana Leite de SouzaMarcel van DijkMário BiselliNelson Brissac PeixotoNelson KonPaula QuattrochiPaulo GiaquintoRenata Leite de Souza Vargas do AmaralRenato AnelliSílvia Pie de Lima e SouzaVicente del Rio
5
páginas introdutórias
RESUMO>O trabalho aborda a questão da complexidade do território metropolitano
contemporâneo. As novas dimensões presentes neste território - fragmentação,
retalhamento, desarticulação, terrenos vagos, fluídez e rede de fluxos - são
discutidas à luz de um objeto de estudo paradigmático desta problemática: a
orla ferroviária paulistana.
As áreas residuais metropolitanas devem suportar os novos projetos ur-
banos e articular as novas territorialidades. O �terreno vago� como instrumen-
to potencial para a construção do novo espaço público. As descontinuidades
metropolitanas - fraturas urbanas - oferecem uma nova possibilidade de proje-
to.
Após as abordagens iniciais que analisam os problemas presentes na orla
ferroviária frente o contexto global da transformação da metrópole pós-
industrial e da leitura específica deste território, apresenta-se para o mesmo um
�projeto-tese�.
Um ensaio projetual que procura espacializar a tese da construção de
uma nova territorialidade metropolitana a partir do território desarticulado e
disponível da orla ferroviária paulistana. Defende-se para tanto a necessidade
de ujm urbanismo dinâmico, adequado às demandas das transformações
presentes na metrópole contemporânea.
6
páginas introdutórias
ABSTRACT>This work brings up to mind the question about the contemporary
complexity of the metropolitan territory. The new dimensions that lies in this
territory - the fragmentation, the retails, the desarticulation (the un-articulated
territory), the �terrain vague�, the fluidity and the flows´ network - are
discussed upon an object of a paradigmatic study: the railway line of the city of
São Paulo.
The metropolitan residual areas should contain the new urban projects
and should articulate the new territory spaces. The void spaces as a potential
instrument for the construction of the public space. The metropolitan
discontinued spaces - urban fractures - offer a new possibility of project.
After the initials approaching, that analyse the existent questions at the
railway line, facing the new global context of the pos-industrial metropolis, a
�thesis-project� is presented.
A projectual rehearse that intends to bring into a spatial form, the thesis
of the construction of a new metropolitan territory, coming form the un-
articulated and available land of the railway edges (wastelands).
For that, is defended a dynamic urbanism, suitable with the demands of the
transformations that are real now in the contemporary metropolis.
7
páginas introdutórias
NOTAS>
01 As referências bibliográficas e demais notas estão numeradas por capítulo e
aparecem no final dos mesmos.
02 As figuras também estão numeradas por capítulo. As imagens com a fonte
[1] são de origem de arquivo pessoal do autor; aquelas sem fonte são de
autoria de Nelson Kon em trabalho conjunto com o autor, conforme nota
explicativa constante do capítulo 3.
8
[1] introdução
01 INTRODUÇÃO>
01.1 A organização da tese 10
01.2 Considerações iniciais 14
01.3 Notas 24
9
[1] introdução
�O projeto como um lugar, um mirante, de onde se pode ver a realidade,
antes de tudo como uma projeção futura. A visão de uma desejada cidade para
todos.�
Paulo Mendes da Rocha1
10
[1] introdução
Figs. 1.1/1.2. O trabalho �Panorama Contemporâneo: Leitura da Metrópole Retalhada�, exposto na Bienal50 Anos em 2001, foi nossa primeira oportunidade de mapear os pontos de ruptura da metrópole contem-porânea. A Orla Ferroviária: a cidade pós-industrial em transformação e a potencialidade do vazio urbano(Figs. 1.1 à 1.10).
01.1 A organização da teseA tese organiza-se a partir do tema do projeto urbano enquanto instru-
mento de reparação do tecido metropolitano rompido, fragmentado. Está
imbutida a idéia da intervenção na cidade existente, sem negá-la. Um urbanis-
mo reparador: a partir das estruturas urbanas existentes.
As fraturas urbanas e a possibilidade de construção de novas
territorialidades metropolitanas. A orla ferroviária paulistana como objeto de
estudo e proposição. O padrão de desenvolvimento urbano e o retalhamento
da cidade contemporânea. As áreas residuais decorrentes - os terrenos vagos -
como instrumento potencial para a construção do território.
A orla ferroviária como objeto de trabalho
O trabalho propõe desenvolver um projeto-tese. Um ensaio projetual
para uma área metropolitana em transformação, constituída por fragmentos
urbanos e áreas residuais. Trata-se da possibilidade de construção de uma nova
territorialidade metropolitana - nova escala e novas funções para o mesmo
território - hoje desarticulado.
A orla ferroviária paulistana é território em franca transformação metro-
politana e serve como objeto para potencial intervenção linear na metrópole. O
ensaio recai sobre a área da antiga linha férrea Santos-Jundiaí, no trecho do
Moinho Central (Barra Funda) à Estação Moóca.
Definiu-se esta área para a intervenção projetual por conter as tipologias
fig
11
[1] introdução
Figs. 1.3/1.4. O Largo da Concórdia, Brás. Os fluxos contemporâneos; a �arquitetura dainformalidade� se sobrepõe à cidade histórica.
problemáticas típicas da orla ferroviária:
1. O patrimônio existente latente: Moinho Central e adjacências;
2. O patrimônio existente em transformação (novos usos): Pátio Júlio
Prestes e Estação da Luz;
3. A orla ferroviária de banda curta com bordas edificadas consolida-
das: trecho Luz - Pátio do Pari;
4. O grande vazio urbano: Pátio do Pari;
5. O nó urbano de grande complexidade: trecho Largo da Concórdia-
Estação Brás;
6. A orla ferroviária expandida/o uso industrial em transformação: tre-
cho Brás-Moóca.
A orla ferroviária corresponde ao território onde a ferrovia se instalou e
mais as áreas contíguas à linha férrea. Está presente no desenho da cidade de
forma inexorável. O desenvolvimento da ferrovia, desde a virada do século
passado e o seu auge, enquanto instrumento viabilizador da economia
industrial paulistana no meio do século, determinou definitivamente a
estruturação metropolitana.
A geografia urbana paulistana foi determinante num primeiro momento
para a ocupação do território alto, a colina central. A cidade nasceu na colina
sobre o rio Tamanduateí. A ocupação portuguesa deu-se na cidade alta e
fortificada e não junto ao rio. De certo modo, São Paulo também renegou a sua
12
[1] introdução
Figs. 1.5/1.6. Ainda o Largo da Concórdia. O nó urbano histórico, ponto de encontro de imigran-tes italianos e migrantes nordestinos sofre mutação abrupta: se transforma em fluxo epassagem.
orla ferroviária à mesma condição. O avesso da cidade. Suas partes menos
nobres. Ali se implantaram a indústria e os grandes armazéns. Os grandes
territórios renegados eram baratos e podiam ser utilizados para as funções
menos nobres. Aquelas com as quais a cidade urbanizada não queria conviver.
Assim, ao longo da orla ferroviária da antiga estrada de ferro Santos-
Jundiaí, implementaram-se os galpões, armazéns e a indústria. Quando essa
orla une-se à várzea do rio Tamanduateí, a partir da Moóca estendendo-se até
Santo André, fica consolidado o território ideal para o desenvolvimento da
grande indústria que fez a riqueza da metrópole, na segunda metade do
século. Território de várzea, limitado por duas bordas claras: o rio e a ferrovia.
As mudanças recentes geradas pela passagem da cidade industrial para
a metrópole pós-industrial, de serviços, produziram um retrato cruel naquele
território. Com o esvaziamento da ocupação industrial, a ferrovia perde muito
de sua função. A falta de incentivo claro à malha ferroviária paulistana,
enquanto sistema de transporte público eficiente e integrado ao sistema do
metrô, corroborou decisivamente para esse esvaziamento de importância. Sua
decadência nas últimas décadas representa também a desqualificação espacial
de suas bordas.
Tem-se então um território fragmentado e descaracterizado. As estruturas
que definiram a sua ocupação e consolidação hoje representam a sua
obsolescência: os terrenos vagos.2
13
[1] introdução
É este o território do ensaio projetual. Aplicar novas possibilidades de
reorganização territorial. Definir novas estratégias de ocupação. Qual o
potencial dos vazios urbanos presentes na orla ferroviária de São Paulo? Como
trabalhar novas funções e programas contemporâneos a partir das infra-
estruturas latentes da urbe? É possível construir um território público
metropolitano - a desejável �cidade para todos� - a partir desse território
fragmentado?
As hipóteses de trabalho
A cidade contemporânea terá de ser pensada a partir das suas estruturas
existentes.
O desafio da arquitetura contemporânea é trabalhar sobre a cidade exis-
tente, sem negá-la, a partir de seus condicionantes.
As infra-estruturas urbanas definem a construção dos novos territórios
metropolitanos.
As áreas residuais metropolitanas devem suportar os novos projetos ur-
banos e articular as novas territorialidades. O terreno vago como instrumento
potencial para a construção do novo espaço público.
As descontinuidades metropolitanas - fraturas urbanas - oferecem uma
nova possibilidade de projeto.
A organização do trabalho
O trabalho está organizado em oito capítulos. O primeiro deles apresenta
Figs. 1.7/1.8. Serra da Cantareira: a cidade �ilegal/real� e a expansão periférica sobre as áreas deproteção ambiental. Os territórios são ocupados informalmente. Tornam-se rapidamente mancha urbanaconsolidada. O planejamento urbano permanece à reboque dos acontecimentos metropolitanos.
14
[1] introdução
Figs. 1.9/1.10. Morumbi (Zona Oeste) e Jardim Anália Franco (Zona Leste): a �anti-cidade� dosricos condomínios fechados, enclaves urbanos em meio à cidade informal, pobre e ilegal.Pontos de ruptura numa metrópole sem urbanismo.
uma abordagem inicial e geral sobre os problemas da metrópole
contemporânea. Os capítulos seguintes - (2) e (3) - tratam, respectivamente,
do processo de metropolização de São Paulo, o contexto geral, e de uma leitura
do território específico da Orla Ferroviária, o contexto local. Os capítulos (4), (5)
e (6) apresentam o �projeto-tese�: o desenvolvimento da tese da construção
de uma nova territorialidade metropolitana a partir dos fragmentos urbanos e
descontínuos da Orla Ferroviária. No quarto capítulo apresenta-se um
mapeamento urbano desse território. O capítulo (5) pode ser considerado o
�coração� do trabalho. Ali estão desenvolvidas as idéias acerca do território
descontínuo, do retalhamento da metrópole, dos terrenos vagos; discutem-se
alguns estudos de caso e defende-se a tese através da apresentação de uma
estratégia urbana. O capítulo (6) apresenta o ensaio projetual através de
diagramas urbanos e imagens do modelo realizado. O capítulo (7) mostra as
conclusões do trabalho e o capítulo (8) apresenta a bibliografia utilizada.
01.2 Considerações iniciais A cidade contemporânea tem sido objeto de especulações as mais
variadas, fruto natural do espírito da época. Na verdade, época de crise cultural
e econômica e de grandes transformações na urbe. Alguns chegam mesmo a,
precipitadamente, anunciar o fim do urbanismo e do desenho urbano.3
15
[1] introdução
Parece-nos oportuno, então, rediscutir o papel do urbanismo
contemporâneo no Brasil. Reposicioná-lo acadêmica e profissionalmente.
Fortalecê-lo conceitualmente e dotá-lo de instrumental suficiente para o
enfrentamento da problemática da metrópole contemporânea, sua dinâmica
inusitada e seus novos desafios.
Surgem novas abordagens acerca de leituras urbanas, derivadas da
complexidade do mundo globalizado, da sociedade e da ciência
contemporâneas. A economia e a cultura globalizadas e os espaços
transnacionais, o pós-estruturalismo filosófico, a física complexa e a lógica fuzzy,
etc., são parâmetros para uma nova e mais dinâmica interpretação do espaço
físico. Uma nova estruturação do território metropolitano se apresenta ao
arquiteto contemporâneo.
Nesse sentido, poderíamos dizer que nunca o urbanismo foi tão
necessário.
Constata-se a presença crescente de uma certa �arquitetura urbana�, em
várias cidades do planeta, sob uma abordagem pragmática frente às diversas
demandas urbanas atuais. Arquitetos contemporâneos têm realizado projetos
urbanos em várias metrópoles: de Renzo Piano e Jean Nouvel à Rem Koolhaas
e Daniel Libeskind. Urbanistas, como Nuno Portas, Jordi Borja ou Joan Busquets,
têm apresentado suas idéias de como pensar e intervir nas cidades globais.
Inúmeras cidades têm recebido intervenções urbanísticas de porte, da
16
[1] introdução
reurbanização da orla marítima de Barcelona à de Roterdã ou Puerto Madero,
passando pelos vários projetos urbanos presentes na reconstrução da �Nova
Berlim�.
O processo de reurbanização de Barcelona é, indubitavelmente, o caso
de maior sucesso em termos de projetos urbanos contemporâneos. Sucesso que
vai do uso popular ao retorno financeiro, passando pela recuperação imagética
da cidade. As intervenções de grande porte que surgem na Nova Berli,
unificada, como paradigma das demandas da metrópole do novo milênio, com
áreas urbanas históricas sendo inteiramente reconstruídas pelas grandes
corporações privadas. A histórica Potsdamer Platz é dividida entre as
transnacionais empresas Dainler-Benz e Sony e o antigo espaço público, agora
privatizado, está sob um programa urbano multi-funcional onde predomina o
entretenimento eletrônico e uma arquitetura de ponta, high-tech.4
Não se pode deixar de comentar, mesmo que rapidamente, o
surgimento avassalador nos EUA do chamado �neo-urbanismo�. Pregando uma
alternativa à vida urbana nas grandes metrópoles, com postulados teóricos
conservadores e desenho urbano pré-moderno, o neo-urbanismo encontra um
surpreendente sucesso popular junto à classe média americana. Sem dúvida,
impulsionado pela pujança da maior economia do século XX, em franco
crescimento desde o início da década de 90, ele surge como alternativa ao
desenho urbano dos novos subúrbios americanos. Retrato fiel dessa nova face
Fig. 1.11. Potsdamer Plat z, Berlim, 2000. No antigo centro histórico da Europa pré-guerra,surge a �Nova Berlim�: o espaço urbano é privatizado pelas empresas transnacionais Sony eDainler-Benz (Fonte: [1]).
17
[1] introdução
do urbanismo americano, talvez cruel, frente a mediocrização espacial
promovida, seja aquele revelado no filme �O Show de Truman�, de Peter
Weir.5
Por outro lado, tem surgido, nas décadas de 80 e principalmente 90,
bibliografia bastante heterogênea em relaçaõ às necessárias conceituações
teóricas sobre os diferentes vieses do urbanismo contemporâneo. Estas obras,
desenvolvidas por teóricos - Borja e Castells, Busquets, Solà-Morales, Portas e
Gandelsonas, por exemplo - e por alguns dos próprios arquitetos praticantes -
Koolhaas, Tschumi e Libeskind, particularmente - têm-nos mostrado uma
fundamentação teórica bastante interessante que, na verdade, só vem atestar
a vivacidade do urbanismo contemporâneo. Polêmico e múltiplo, porém vivo.
Juan Busquets, um dos urbanistas que mais tem participado de
consultorias aos projetos de intervenção em áreas urbanas degradadas, desde a
sua participação pioneira na experiência de Barcelona, junto à Oriol Bohigas,
até a recente consultoria em Santo André, projeto do Eixo Tamanduathey,
comenta acerca do novo papel do urbanismo contemporâneo:
�O processo urbanístico já não segue o padrão teórico dos planos gerais,
plano versus projeto arquitetônico, mas se articula a partir de �ações´ e/ou
´projetos´ que tenham a capacidade executiva, e que em seu conjunto sejam
capazes de por em movimento a cidade ou um grande setor urbano; portanto
que tenham força própria, mas também uma grande capacidade indutora. A
Figs. 1.12a/b/c. O neo-urbanismo ganha força nos EUA, especialmente após o surgimento deSeaside Paradise, Flórida, de Andres Duany e Elizabeth Plater Zybeck. Enorme sucesso junto àclasse média americana nestas propostas de negação da vida metropolitana e desenho urbanopré-moderno. (Fonte: www.newurbannews.com/images).
18
[1] introdução
idéia de ações e projetos-força tem tradição na história urbanística, porém
haviam sido trocadas por formas mais burocráticas que identificavam o
urbanismo com a gestão administrativa da cidade, que mesmo sendo
importante não pode ser exclusiva. É conveniente que estas ações estejam
referidas a uma estratégia geral � que pode ser um programa ou o conteúdo de
um autêntico plano urbanístico - mas não devem se condicionar de um modo
restritivo. De outro modo se bloqueiam e se anulam. O planejamento e a
gestão urbanísticas tradicionais deverão caminhar a partir destas experiências.
Sua agilidade e seu compromisso com a ação são imprescindíveis.6
As novas especulações urbanas contemporâneas , as �neo-vanguardas�,
segundo Josep-Maria Montaner, já se fazem sentir não apenas no campo
teórico das idéias especulativas, mas também em amplo debate que chega ao
universo acadêmico das escolas de arquitetura e urbanismo e tomam forma
construída em algumas metrópoles européias.7
Algumas escolas, como a Architectural Association de Londres (AA),
retomam no último final de milênio, a sua postura de vanguarda que
encontrou o seu auge na década de 70, quando estiveram por lá profissionais
como Koolhaas, Zaha Hadid, Libeskind, Tschumi, Peter Cook, Aldo Rossi, Alvin
Boiarski e Beyner Banham. A Columbia University,
há uma década dirigida por Tschumi, e as escolas holandesas, particularmente o
Berlage Institute of Architecture, sob a coordenação de Herman Hertzberger e
Fig. 1.13 �urban diagrams�, muito em voga nas escolas britânicas e holandesas de desenhourbano. No exemplo, diagrama de exterioridade urbana - �grafting and folding� - de PeterEisenman para o projeto urbano Frankfurt rebstockpark. (Fonte: Eisenman, 2000, p.173).
19
[1] introdução
Wiel Arets, colocam tais abordagens, menos ortodoxas, dentro das salas de
aula e apontam novos caminhos para as intervenções urbanas no tecido da
cidade existente. Principalmente nos novos processos de leitura e mapeamento
urbano dinâmicos.8
O projeto de Euralille, realizado em Lille sob coordenação urbana de
Koolhaas, surge como um turning-point nos projetos urbanos contemporâneos.
São 700 mil m2 de obra construída, constituindo, pela primeira vez, a �cidade
dentro da metrópole�, a metrópole européia virtual fruto das novas relações
tempo-espaço de hoje e da nova geografia temporal, a �bigness
arquitetônica� e as �sobreposições programáticas e ligações infra-estruturais�
pregadas por Koolhaas.9
Bernard Tschumi tem sido uma das vozes mais eloqüentes acerca das
novas possibilidades contemporâneas que a arquitetura deve observar:
�A arquitetura não versa sobre as condições do desenho, mas sobre o
desenho das condições. Hoje em dia, a estratégia é um elemento fundamental
na arquitetura. Basta de planos gerais, sente-se necessidade de uma nova
heterotopia. Este deve ser o objetivo de nossas cidades e os arquitetos devem
contribuir para isto intensificando a rica colisão entre acontecimentos e
espaços.� 10
Estamos presenciando a realização teórica e prática da �arquitetura
metropolitana�. Em um momento onde as informações são fragmentadas e
Fig. 1.14. Euralille, Lille, França, 1989. Surge o primeiro projeto urbano contemporâneo baseadona sopbreposição programática a partir das infra-estruturas urbanas existentes (Fonte: A+U,2000, p.224).
20
[1] introdução
efêmeras, parece-nos urgente fazer a discussão dessas abordagens e fazer a
análise reflexiva desses estudos de caso, sob o risco de vermo-nos, no Brasil,
novamente, à margem da arquitetura global.
Há que se retomar no Brasil, urgentemente, o importante papel do
projeto urbano nas nossas cidades. A �arquitetura com ideal de cidade�, tão
bem desenvolvida pelos nossos arquitetos modernos, precisa voltar a ter
presença decisiva no desenvolvimento e recuperação de nossas metrópoles - a
arquitetura urbana realizada, por exemplo, no centro novo de São Paulo nas
décadas de 50 e 60 ou aquela desenvolvida no projeto do Aterro do Flamengo
por Reidy e Burle Marx.
Nesse sentido, a universidade não deve ausentar-se de um amplo deba-
te. Qual urbanismo se discute nas nossas salas de aula? Reflete-se o debate
global, suas abordagens polêmicas, seus atores? Em que medida tem-se
colocado uma verdadeira prática reflexiva no urbanismo conceituado no Brasil
atualmente, que atenda à complexidade da metrópole contemporânea? Por
que a arquitetura contemporânea realizada nas nossas grandes cidades
ausenta-se completamente de uma idéia de cidade (na verdade, a arquitetura
�de mercado� tem promovido, na maior parte das vezes, a anti-cidade dos
condomínios fechados)?
Infelizmente, a nossa atuação concreta tem sido pequena no campo da
recuperação dos espaços urbanos. Nossas metrópoles, os vários agentes
Fig. 1.15. Urbanização do Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, 1964. Equipe liderada por AffonsoReidy (urbanismo) e Burle Marx (paisagismo) implementa, em escala urbana, a arquiteturamoderna brasileira que supreenderia o mundo. (Fonte: Reidy, 2000, p.130).
21
[1] introdução
presentes no seu desenvolvimento, o poder público e a iniciativa privada
parecem ainda não terem se colocado frente à essas demandas, com a
grandeza exigida. O poder público está quase falido e, precariamente
gerenciado, ausenta-se do planejamento, manutenção e recuperação dos
espaços públicos � salvo honrosas exceções � e a iniciativa privada ainda não se
apercebeu dessas necessidades que já ocorrem nos países mais desenvolvidos.
Os projetos de recuperação urbana no Brasil encontram alguns bons
exemplos, basicamente em Curitiba e no Rio de Janeiro, onde, apesar de todos
os problemas, existe uma continuidade de intervenções urbanísticas. No Rio, os
projetos Rio-Cidade e Favela-Bairro mostram ao Brasil algumas possibilidades
de um maior cuidado do poder público para com a cidade nos seus espaços
coletivos.
Porém, se nos detivermos com maior atenção à necessidade das
intervenções de maior porte, veremos que cidades como São Paulo precisam
urgentemente delas para a recuperação de suas enormes áreas degradada: a
orla ferroviária é exemplo dramático. Verificamos, infelizmente, que pouco tem
sido realizado neste campo. O Projeto Tamanduathey, gerenciado pela
prefeitura de Santo André em 1999 é, por hora, nosso único exemplo de
projeto urbano que surgiu para suprir essas graves demandas urbanas.
Existe um razoável número de concursos de arquitetura e urbanismo
realizados que apontariam possibilidades potencialmente interessantes de
Fig. 1.16 (a/b/c/d). A arquitetura moderna paulista construiu o centro novo de São Paulo com uma claraidéia de urbanidade - uma �arquitetura urbana� - nos anos 50/60: (a) Conjunto Metropolitano; (b) EdifícioO Estado de São Paulo; (c) Copan; (d) Sede od IAB-SP. (Fonte: Xavier et. al., 1963).
22
[1] introdução
intervenção nessas fraturas urbanas, mas, nem o poder público tem sabido
conduzir e nem a iniciativa privada tem se interessado em participar. Apenas
em São Paulo, tivemos, nos últimos anos, os concursos de Revitalização do
Centro, de Desenho Urbano de 20 áreas pontuais (�São Paulo Eu te Amo�), de
Reurbanização das Marginais e de Reurbanização do Carandiru. Poderiam ter se
transformado em bom início de uma prática de intervenção urbanística
contemporânea. Projetos urbanos de grande porte. Nenhum deles teve qual-
quer tipo de continuidade. Não resultaram nem em prática realizada, nem em
discussões potencialmente enriquecedoras.11
Alguns nomes consagrados no cenário da arquitetura paulista têm
produzido idéias consistentes acerca das possibilidades de intervenção na
metrópole paulistana. Cândido Malta Campos Filho produziu tese pioneira
acerca dos Corredores Metropolitanos, como possibilidade de configuração de
novos territórios metropolitanos em 1973. Desde então, desenvolve tal tese
com grande empenho. Paulo Mendes da Rocha, laureado recentemente com o
importante Prêmio Mies van der Rohe de arquitetura latino-americana, tem
produzido, com coerência ímpar, idéias (mesmo que não concretizadas) para a
construção de um território novo, cuja arquitetura constrói o lugar, sempre com
bases culturais nacionais modernas. Regina Meyer tem realizado estudos e
propostas urbanísticas, particularmente para a recuperação da área central,
junto à Associação Viva o Centro, que automaticamente tornam-se referências
Fig. 1.18. Proposta de intervenção urbana de Paulo Mendes da Rocha para a Cidade Fluvial , SP:rara visâo abrangente do potencial do território metropolitano (Fonte: Rocha, 2000, p.19).
Fig. 1.17. O projeto Favela-Bairro que vêm sendo realizadocom rara continuidade há alguns anos no Rio de Janeiro -levando um pouco de urbanismo às favelas dos morroscariocas - tem sido objeto de reconhecimentointernacional. Conta com o apoio financeiro contínuo doBID e é objeto de estudos acadêmicos no departamento deHousing & Urbanism da Architectural Association (AA,Londres), dirigido por Jorge Fiori. (Fonte:www.aaschool.ac.uk/hu/website/assets/f_events/imagessubnav_f/news3.gif).
23
[1] introdução
obrigatórias. Novamente, poucas dessas propostas têm tido oportunidade de
efetiva realização.
O trabalho que vem sendo conduzido pelo grupo Arte/cidade, na sua
versão mais recente, o mapeamento urbano na Zona Leste, pode ser outro
bom parâmetro especulativo sobre os rumos do urbanismo contemporâneo em
São Paulo. Numa realidade conceitual ainda bastante precária, onde falta
massa crítica e reflexiva mais consistente sobre a metrópole contemporânea,
este trabalho poderá constituir-se em contribuição preciosa.12
Parece-nos evidente a necessidade do debate aberto e plural no meio
acadêmico acerca das novas possibilidades urbanísticas, demandas
contemporâneas presentes, requeridas por essa metrópole complexa, ao
mesmo tempo cidade global e depositária de enormes injustiças sociais.
Obviamente, as pesquisas exploratórias e a especulação conceitual não
surgem gratuitamente. Devem ter, como pano de fundo, a possibilidade de
fazer o necessário enriquecimento da práxis urbanística. Interessa-nos aqui, o
debate teórico e experimental como fomentador de novas abordagens para as
intervenções na cidade existente e como melhor realizar os projetos urbanos
frente às demandas da metrópole contemporânea.
Assim, o ensaio projetual aparece como oportunidade de defesa das
idéias: um projeto-tese.
Fig. 1.19. Le Corbusier: as bases pioneiras do pensamento moderno ainda são as referênciasbásicas do urbanismo contemporâneo; revisadas na sua dimensão mais radical, voltam a estarpresentes no ideário das intervenções urbanas realizadas pelos arquitetos contemporâneos.(Fonte: Le Corbusier, 1959, p.30).
24
[1] introdução
01.3 Notas1 ROCHA, Paulo M. (Org.: Rosa Artigas). Paulo Mendes da Rocha. São Paulo:
Cosac & Naify. 2000, p.177.
2 SOLÀ-MORALES RUBIÓ. Terrain Vague In: Anyplace, 118-123: Cambridge: MIT/
Any. 1995.3 ARANTES, Otília. Urbanismo em Fim de Linha. São Paulo: Edusp. 1998.
4 Alguns projetos urbanos, como a �Nova Berlim�, são objeto de estudo de
caso neste trabalho e estão apresentados no Capítulo 5.5 A trama passa-se em uma cidade imaginária, cujo cenário real é o novo
subúrbio de Seaside Paradise na Flórida, projetado pelos urban designers
precursores do neo-urbanismo americano Andres Duany e Elizabeth Plater-
Zybeck. Interessante debate ocorreu na Universidade de Harvard, entre
Koolhaas e Duany, sobre os rumos do urbanismo contemporâneo, quando,
dentre outras coisas, Koolhaas colocou o neo-urbanismo como mero
conservadorismo a serviço do mercado imobiliário americano que atende, sem
qualquer pretensão maior, às demandas consumista e individualista da classe
média americana. Duany acusou Koolhaas de produzir muitas idéias e livros de
grande sucesso no meio acadêmico e na mídia especializada mundial, mas que
jamais se transformarão em realidade na América (espaço urbano construído).
Sobre o neo-urbanismo americano, veja-se: CALTHORPE, Peter. The Next
American Metropolis: Ecology, Community and the American Dream. Nova
25
[1] introdução
Iorque: Princeton Architectural Press. 1993.6 BUSQUETS, Juan. The New Urban Phenomena and New Type of Urbanistic
Project. In: Catalogo de de la Exposición del XIX Congreso de la Unión
Intenacional de Arquitectos, 280-287. Barcelona: Actar. 1996, p.281.7 MONTANER, Josep M. Después del Movimiento Moderno: Arquitectura de la
Segunda Mitad del Siglo XX. Barcelona: G.Gilli. 1993.8 A este respeito já há bibliografia ampla. Veja-se, por exemplo: ALLEN, Stan.
Points and Lines: Diagrams and Projects for the City. Nova Iorque: Princeton
Architectural Press. 1999; ARCHITECTURAL DESIGN. Architecture After Geometry.
Architectural Design Profile no. 127. Londres: Academy. 1997; ARCHITECTURAL
DESIGN. Folding in Architecture. Architectural Design Profile no. 102. Londres:
Academy. 1993; ARCHITECTURAL DESIGN. Theory and Experimentation.
Architectural Ideas for Today and Tomorrow. Architectural Design Profile no. 127.
Londres: Academy. 1992.9 KOOLHAAS, R.; MAU, Bruce. S, M, L, XL. Nova Iorque: The Monacelli Press.
1998 (1995). Euralille é um de nossos estudos de caso descritos no Capítulo 5.10
TSCHUMI, Bernard. Architecture & Disjunction. Cambridge: MIT Press. 1995.11
Na nossa prática profissional temos participado com alguma regularidade dos
concursos, principalmente daqueles que abrem interessantes e mais
abrangentes possibilidades de intervenção na cidade. Assim, acompanhamos
este problema de perto. No concurso de reubanização das Marginais, no qual
26
[1] introdução
nosso trabalho - coordenado por Francisco Spadoni e Carlos Leite - recebeu a 2a.
colocação, participamos de várias discussões junto aos promotores do concurso
e demais colegas premiados. Porém, o resultado final é frustrante, pois
anulam-se as questões e idéias apresentadas no concurso rapidamente.12
Veja-se a pesquisa �Transurbanas� em andamento no site do Arte/cidade:
www.artecidade.org.br\artecidade-transurbanas.htm e também ARTE/CIDADE:
GRUPO DE INTERVENÇÕES URBANAS. Brasmitte: Parte 1: Brás. Intervenções
Urbanas: São Paulo, Berlim. SP: Adresse. 1997.
27
[02] o contexto global: o processo de metropolização
02 O CONTEXTO GLOBAL: CONSIDERAÇÕESSOBRE O PROCESSO DEMETROPOLIZAÇÃO>
02.1 São Paulo nasce metropolitana 28
02.2 A cidade moderna 33
02.3 A metrópole contemporânea 41
02.4 Notas 49
28
[02] o contexto global: o processo de metropolização
02.1 São Paulo nasce metropolitanaA área metropolitana de São Paulo pertence à Bacia do Alto Tietê, cujos
afluentes são os rios: Tamanduateí (sudeste), Pinheiros (sul), Cotia (sudoeste) e
Juqueri (norte), além dos rios Embu-Mirim e Embu-Guaçu, que deságuam na
Represa de Guarapiranga.
Do ponto de vista geomorfológico, o território metropolitano é
subdividido em dois compartimentos principais: a Zona Cristalina do Norte ou
Serraria de São Roque e o Planalto Paulistano. A Zona Cristalina do Norte é
uma extensa área montanhosa com vales encaixados, que favorecem a
implantação de eixos viários, mas inadequados para o assentamento urbano.
Abrange a menor porção do território, principalmente ao norte, onde se situa a
Serra da Cantareira e os municípios de Santana do Parnaíba, Pirapora, Cajamar,
Francisco Morato e Franco da Rocha. O Planalto Paulistano abrange
praticamente todo o Alto Tietê. Corresponde à bacia sedimentar de São Paulo,
recortada por extensas planícies aluviais (onde se desenvolveu a ocupação
urbana), hoje quase desprovidas de matas, à exceção de alguns parques
(Parque do Estado) e áreas de várzeas situadas à leste, onde se desenvolvem
atividades hortifrutigranjeiras.1
A estrutura da cidade foi fortemente influenciada pelo relevo - em gran-
de parte acidentado - com exceção das várzeas dos rios. As grandes várzeas
Fig. 2.1 Detalhe da �nova� planta da cidade deSão Paulo de U. Bonvicini e V. Dubugras, 1981.(Fonte: Toledo, 1996, p.32.)
29
[02] o contexto global: o processo de metropolização
formadas pelos três principais rios ofereciam terrenos planos (inexistentes em
outras regiões da cidade) e baratos, sendo que foram aproveitadas para a
implantação das estradas de ferro, possibilitando, em uma primeira fase da
industrialização, a instalação de grandes unidades produtivas e de armazena-
gem.
Em geral, desde o início de sua ocupação, a cidade tratou mal seu sítio
natural, especialmente os recursos hídricos. �Várias obras de saneamento foram
implementadas com o intuito de favorecer as áreas de elite, sendo os esgotos
lançados nos cursos d�água. As terras das várzeas conviviam com as áreas in-
dustriais, as vilas operárias e os despejos da cidade. Além disso, até a década
de 70, o lixo urbano foi utilizado como material de aterro das várzeas�.2
A cidade de São Paulo, diferentemente da maioria das cidades do Estado
que se originaram da economia baseada na cultura cafeeira, forma-se em um
processo de expansão geográfica, onde os bandeirantes exerceram papel de
grande importância, graças a sua estrutura feudal-militar que conquistou e
abriu caminho para diversas conquistas de território.
Esse período de crescimento territorial estende-se até o séc. XVIII,
quando o ciclo das Bandeiras começa a se enfraquecer, provocando um
�abandono da base material, despovoando o seu território e dissolvendo-se
seu poder político...�. 3
O período seguinte, de grande desenvolvimento urbano, deve-se ao ciclo
Fig. 2.2 Os estruturadores urbanos de São Paulo em 1800 ( Fonte: Saia, 1995, p.236 )
30
[02] o contexto global: o processo de metropolização
do café que se estende do início do séc. XVIII até a crise de 1929 e tem como
principal agente a população. Nota-se que em 1934, o ano do Ato Adicional, a
população regional era de 330.000 habitantes e já nessa época a monocultura
cafeeira caminhava do Vale do Paraíba em direção a São Paulo.
A economia colonial e a monocultura do café fizeram de São Paulo uma
cidade próspera. A ocupação das faixas de terra nos espigões, a localização
ferroviária com a indústria e o comércio bruto ao longo do trem, bem como a
superposição de reticulados de glebas localizadas entre os espigões e os rios,
assim como na área rural, e ainda a legislação em função do transporte e de
áreas aproveitáveis lindeiras aos rios beneficiaram a sua urbanização. A
valorização do eixo ferroviário São Paulo-Santos identificou o centro e a chave
do seu desenvolvimento. O respaldo da burguesia paulista do século XIX foi
fundamental, no período, ao instalar o monopólio da passagem do café por
São Paulo e Santos, através do controle do sistema ferroviário, freando todas as
tentativas de construção de novas rotas ferroviárias que alcançassem a Serra do
Mar.
Com um crescimento demográfico acelerado, por volta de 1810 a popu-
lação de São Paulo era de 20.000 habitantes, espalhados num raio de 50
quilômetros a partir do Triângulo Histórico. Em 1880, com a instalação da
ferrovia - o transporte urbano de 1872, até então, era feito principalmente por
bonde à tração animal; a primeira linha ligava o Centro ao bairro da Luz - o
Fig. 2.3 Estruturação urbana de São Paulo em 1900 (Fonte: Saia, 1995, p. 240. )
31
[02] o contexto global: o processo de metropolização
volume demográfico atingiu cerca de 40.000 habitantes para uma área de
aproximadamente 2 Km2 que crescia, principalmente, nas direções Oeste e
Noroeste. Essas características elevaram a cidade à condição de metrópole e,
com a economia do tipo colonial, se colocara num ponto estratégico de
passagem para a produção, que partia tanto do interior para Santos, como no
sentido contrário.
Assim, vemos que São Paulo, na verdade, nasce como uma metrópole.4
A organização interna da metrópole dá-se com explosões sucessivas de
estágios urbanos precedentes, onde o ciclo exige a contínua atualização,
eficiência e capacidade de exercer sua função de centralidade.
Na década de 1890 a 1900, a cidade foi marcada pela implantação de
várias indústrias, principalmente nos bairros novos em formação: Bom Retiro e
Brás, com as tecelagens e Água Branca e Moóca com as cervejarias. Vale
ressaltar que essas indústrias eram igualmente servidas por um desvio
ferroviário e já, nessa época, a cidade sofria com a especulação imobiliária.
Em 1900, para acolher uma população de 239.820 habitantes, sua área
duplicou. Com a abolição da escravatura e a proclamação da República, a
metrópole passa a exercer papel de centro da economia regional. Houve uma
urbanização reticulada e desencontrada devido ao encontro de diversas malhas
de glebas que foram sucessivamente incorporadas ao núcleo primitivo e que
caminhavam em direção ao espigão da Avenida Paulista e a ocupação
Fig. 2.4 Mapeamento urbano das indústrias em São Paulo, 1914, mostrando a sua implntação aolongo das �terras baratas�: várzea dos rios e ao longo da ferrovia. (Fonte: Azevedo,1998)
32
[02] o contexto global: o processo de metropolização
alinhada ao longo da linha férrea. A cidade, nesse período (1900-1915), tem
um crescimento horizontal acentuado, o que denota uma continuidade do
tecido urbano de baixa densidade. Isso se explica, mais uma vez, através da
especulação imobiliária.
Enquanto a cidade se alastrava e a escassez de infra-estrutura urbana se
acentuava, o centro de São Paulo, entre 1905 e 1911, sofreu várias
transformações, desde o �aformosamento�do Largo do Paissandu e do Largo
do Arouche, até a construção do Teatro Municipal no núcleo histórico da cidade
e ainda a remodelação do Vale do Anhangabaú e do Largo da Sé, além de
obras de saneamento na Várzea do Tamanduateí.
Outro impulso para o rápido crescimento da metrópole foi a instalação do
primeiro bonde elétrico em 1900. Já, em 1905, toda a frota de bonde à tração
animal fora substituída, atingindo os bairros de Santana, Penha de França,
Ipiranga, Vila Prudente, Bosque da Saúde, Pinheiros e o da Lapa, em 1914.
No início do século XX, houve uma tendência de compartimentação da
cidade, da pequena densidade de ocupação dos espaços urbanos arruados e da
acelerada industrialização ao longo do eixo ferroviário, principalmente da linha
Santos-Jundiaí, no trecho Moóca-Barra Funda e junto à nova estação
Sorocabana.5
Fig. 2.5 Mapa do bairro da Bela Vista reflete a estruturação fundiária típica dos primeirosloteamentos residenciais. (Fonte: Toledo, 1996, p.107)
33
[02] o contexto global: o processo de metropolização
02.2 A cidade modernaÉ nesse contexto que a vida metropolitana da cidade industrial pode ser
considerada essencialmente moderna, pois era uma sociedade ávida por
desenvolvimento territorial voltado para a instalação industrial, para a organi-
zação do mercado consumidor e da classe trabalhadora. Mas, sobretudo, um
modernismo voltado para o impulso renovador, fruto do capitalismo industrial.
Entre 1915-1940, surgem os bairros residenciais nas várzeas, os bairros
provenientes do desenvolvimento do transporte urbano que são denominados
�subúrbio-estação� (ferrovia) e �subúrbio-loteamento� (ônibus), assim como
os �bairros-jardim� (o modelo inglês advindo da concepção de Hebenezer
Howard), que configuram parte do crescimento urbano de São Paulo.
Os primeiros cresceram sem nenhuma diretriz e sem nenhuma
regulamentação urbanística, como, por exemplo, a Vila Guilherme na várzea do
Tietê. Os denominados �subúrbio-estação� surgem à medida que o
desenvolvimento urbano ao longo da ferrovia se acentua e caracteriza-se
principalmente por um zoneamento muito simples onde, junto à estação,
concentram-se o comércio e a prestação de serviços e, ao seu redor, a área
residencial.
No caso dos subúrbios industrializados emerge uma �zona industrial�
com a construção de vilas operárias próximas às indústrias, como em São
Miguel, São Caetano, Utinga e Santo André.Fig. 2.6 Mapa topográfico do município de São Paulo em 1930 mostrando sua rápida expansãoterritorial no início do século XX. (Fonte: Levantamento Sara Brasil, 1930).
34
[02] o contexto global: o processo de metropolização
Já os �subúrbios-loteamento�, não tão polarizados quanto estes últimos,
possuem os equipamentos comerciais e de serviços ao longo de uma via e o
�ponto-final� constitui-se como o pólo em potencial, como Piqueri, Butantã,
Vila Formosa e Imirim, entre outros.
Diferentemente dos exemplos anteriores, os �bairros-jardim�, destinados
às classes de nível econômico mais elevado, foram loteados e receberam
regulamentação prévia, dentre eles Jardim Europa, Jardim América, Pacaembu,
Alto da Lapa e Alto de Pinheiros, que foram loteados pela companhia
imobiliária inglesa City.
A rodovia também exerceu papel importante para o desenvolvimento
metropolitano, servindo de meio de transporte supletivo e complementar,
auxiliando o desenvolvimento suburbano processado nas faixas da ferrovia. É
nesse período que foram criadas linhas de ônibus que tinham como principal
função complementar o trajeto feito pela ferrovia. Posteriormente, por volta de
1930, o trajeto, que antes era feito apenas pela ferrovia, passou a ser atendido
também pelo ônibus. Irrigando e reforçando, dessa forma, a crescente periferia
que caminhava ao longo da linha férrea, formaram-se os subcentros dos bairros
periféricos mais expressivos.
A alta do valor imobiliário na região central, a formação de uma faixa
industrial ao longo da linha férrea, a infra-estrutura de transporte oferecida e o
preço mais acessível de terrenos e imóveis em áreas mais afastadas atraem os
Fig. 2.8 O Jardim Europa e o modelo inglês da cidade-jardim burguesa. (Fonte: Toledo, 1996, p.113)
Fig. 2.7 Estruturação urbana de São Paulo em 1930 : surge a cidade moderna. (Fonte: Saia, 1995,p. 242. )
35
[02] o contexto global: o processo de metropolização
operários a se estabelecerem na periferia.
Nesse contexto e de acordo com a localização, podemos definir
diferentes formas de ocupação dessas periferias. Uma delas, Santo Amaro, foi
definida por loteamentos residenciais que se desenvolveram graças a uma
única linha de bonde - �Tramway de Santo Amaro� - que partia do centro em
direção à zona suburbana. Devido a eficiência do transporte, essa área foi
rapidamente se vinculando a São Paulo. Com a construção do aeroporto de
Congonhas esses laços ficaram ainda mais estreitos.
Outro exemplo são os loteamentos residenciais que se desenvolveram
nos domínios da ferrovia. Estes se devem principalmente à facilidade de
acesso, à industrialização na orla ferroviária, tanto urbana como suburbana e
aos equipamentos de serviços já existentes. Por fim, surgem os loteamentos
residenciais mais próximos da cidade, mas que mantêm-se vinculados a algum
bairro periférico. Nesse caso, a ocupação residencial é relativamente mais
escassa e esparsa. Pode-se citar os �subúrbios-loteamento� que se
desenvolviam em função do ônibus, como mencionado anteriormente.
À época da crise de 1929 e da revolução de 1930 a população chega a
um total de 900.000 habitantes ocupando uma superfície de cerca de 130 Km2
. A partir desse momento, o desenvolvimento da metrópole começa a tomar
outra forma. O estágio de dependência é superado e São Paulo entra numa
fase de metropolização mais acentuada, com a incorporação de núcleos
Fig. 2.9 Panorama da Avenida Paulista em 1920: logo a cidade dos barões do café seria substituída pelaarquitetura da cidade moderna em mais um processo de palimpsesto. (Fonte: Pitu 2020).
36
[02] o contexto global: o processo de metropolização
vizinhos (Santo Amaro, ABC, São Miguel, Guarulhos e Osasco) e a migração da
população proveniente do interior que, com suas terras esgotadas, caminhava
ora para o centro urbano, ora para outras áreas em busca de terras produtivas.
Dessa forma, a sua ocupação territorial estendia-se até as barreiras naturais
como a Serra da Cantareira e a várzea do rio Tietê.6
Logo após esse período, mais precisamente em 1938, enquanto a cidade
se expandia, o centro urbano passa por uma reestruturação com a implantação
do Plano Avenidas na prefeitura de Prestes Maia.
Vale a pena ressaltar que os estudos para a implantação de avenidas de
irradiação, no centro de São Paulo datam, de 1910, quando Ulhôa Cintra
projeta a primeira versão para o Plano de Avenidas, no qual propunha um anel
que abarcasse o Parque Dom Pedro II e a Praça da República baseado nos
�rings�de Paris, Moscou e Berlim. Já na segunda configuração para o plano, as
idéias praticamente mantêm-se iguais, salvo a adição de rotatórias. Por fim, o
plano implantado por Prestes Maia viria a ser uma síntese das versões
anteriores, com avenidas radiais e diametrais no sentido Norte-Sul, que mais
tarde seria conhecido como Sistema �Y�.
Na verdade, o Plano de Avenidas de Prestes Maia mostra a atuação do
Estado quanto ao incentivo à intervenções (neste caso, maciçamente no siste-
ma viário) que favorecem a estratégia de acumulação do setor imobiliário.7
Nesse sentido, o urbanismo paulistano corre à margem dos planejadores
Fig. 2.10 Esquemas Teóricos de São Paulo, segundo João Florence de Ulhôa Cintra e os esquemasteóricos de Moscou, Paris e Berlim, segundo Eugène Hérnard. (Fonte:Toledo,1996, p.122).
Fig. 2.11 Sistemaradioconcêntrico do Plano deAvenidas proposto por PrestesMaia. (Fonte: Pitu 2020).
37
[02] o contexto global: o processo de metropolização
modernistas mais puros que buscavam utilizar-se do espaço urbano para propó-
sitos sociais. Um projeto urbano global de âmbito social é quase o oposto do
Plano de Prestes Maia, exemplo de enfoque prioritariamente rodoviarista e da
exclusão social no espaço urbano valorizado: o centro.
A partir de 1940, a cidade de São Paulo tem um crescimento acelerado,
englobando subúrbios próximos e desenvolvendo os mais afastados. Nesse
período de metropolização, a cidade expande o seu domínio urbano, que é
dado principalmente pela compactação da área edificada, área central e
arredores, pela expansão dessa área em direção aos subúrbios com menor
desenvolvimento e também daqueles significativamente desenvolvidos como o
é o caso do Parque da Moóca e do Planato Paulista.
Logo após a II Guerra Mundial, no auge da industrialização paulistana, o
território urbano ocupado pela cidade de São Paulo atinge mais de 400 Km2.
Entretanto, esse desenvolvimento deu-se por um crescimento sem
diretrizes urbanas claras, sem um traçado de base, fruto de pura especulação
imobiliária e onde a ferrovia criou eixos radiais para o desenvolvimento
suburbano e a rodovia que antes exercia papel secundário, com a implantação
das indústrias, passa a funcionar como um instrumento do processo de
urbanização, relacionando-se diretamente com a estrutura interna dos subúrbi-
os.
Por volta de 1950, a cidade possui altos índices de compactação com a
Fig. 2.12 O �boom� automobilístico na década de 50 reflete-se no espaço público. (Fonte: Pitu 2020).
38
[02] o contexto global: o processo de metropolização
verticalização do centro e dos bairros próximos. Também a expansão da cidade
sobre os núcleos suburbanos mais próximos, absorve-os em sua área edificada
e faz desaparecer a descontinuidade existente. Assim, a metrópole conhece um
crescimento extraordinário com uma diversificação funcional e,
conseqüentemente, uma maior auto-suficiência.
Entretanto, esta nova escala urbana da metrópole era tratada de modo
ingênuo. A construção de obras de infra-estrutura viária, em 1963, explicita o
problema claramente. Primeiro, por acarretar um problema político
administrativo uma vez que se tratava da conexão de vários municípios e
diferentes áreas administrativas, e depois, pela ausência de profissionais mais
qualificados para o desenvolvimento de tal empreendimento.
Assim, o urbanismo da cidade de São Paulo pode ser considerado como
�modernizador� � e não �modernista� - , constituindo-se de �leis coercitivas�
de competição do mercado, que provocam a busca de medidas organizacionais
e tecnológicas, visando apenas a melhoria da lucratividade dos capitalistas.
Como indaga Nádia Somekh: �...por que numa cidade tão desigual como São
Paulo em que a pobreza atinge limites crescentes e em que a falta de moradia
é uma questão central, os urbanistas restringem sua ação a parcelas da cidade
sem centrar esforços nas questões sociais? Por que a verticalização no Brasil e
em São Paulo, não se constituiu numa solução para produção em massa de
habitação popular? Afinal, o ideário modernista do período entre guerras tinha
Fig. 2.13 Estruturação urbana de São Paulo em 1963: a transformação da cidade moderna.(Fonte: Saia, 1995, p. 246. ).
39
[02] o contexto global: o processo de metropolização
como foco central a questão social e a produção em massa de moradias, fato
que não encontrou eco significativo em São Paulo.� 8
Atrelada a essa discussão, Raquel Rolnik coloca a questão da densidade
urbana definida à época: �... com a verticalização, a possibilidade de reproduzir
o solo ...aparecia como a oportunidade de manter uma alta densidade - um
alto rendimento econômico do solo - sem gerar superlotação.� 9
Um limite para o crescimento vertical a partir do grande �boom� imobili-
ário do pós-guerra e o controle da densidade das áreas já verticalizadas dividiu
os dois principais nomes do urbanismo paulistano: Prestes Maia e Anhaia Mello.
Na era Prestes Maia, vigorou um urbanismo marcado por grandes proje-
tos viários e por uma verticalização densa, propondo edifícios mais altos e
apartamentos menores.
Já Anhaia Mello, defendia a idéia de um plano abarcador da totalidade
dos aspectos que compõem uma cidade, inclusive aqueles que extrapolam o
seu âmbito territorial, a idéia de plano como limite para o crescimento vertical
e a expansão horizontal, e, ainda, a idéia de comunidade (unidade de vizi-
nhança) como célula básica da cidade.
Rolnik conclui: �...o esquema Anhaia lançou as bases no Brasil para toda
a experiência de planejamento urbano, que ocorreu nas décadas seguintes,
constituindo em conjunto, com o pragmatismo das grandes obras de Prestes
Maia, a dualidade em torno da qual tem gravitado a política urbanística até
Fig. 2.14 O antigo VIaduto do Chá em 1956 antes de sua substituição e absorção pela�modernidade�. (Fonte: Toledo, 1996, p.224).
40
[02] o contexto global: o processo de metropolização
nossos dias.� 10
Nos anos 60 inicia-se a crise do pensamento modernista e da utopia
urbana: �...o gigantismo metropolitano, torna-se um dado básico para as
análises das questões urbanas. ... a congestão e a dispersão urbana tornam-se
rapidamente o centro dos problemas urbanos.� 11
Um estudo dos governos municipais e estaduais sucessores a este perío-
do, mostra-nos os governos de Jânio Quadros (1986-89) e Paulo Maluf (1992-
96), de estilos diferentes, porém, do ponto de vista da política urbanística, se-
melhantes: grandes obras no vetor sudoeste, cortes nos gastos sociais,
cooptação de lideranças de bairro e pulverização de microinvestimentos na peri-
feria, mediados por vereadores e outros políticos.
A gestão Erundina lançou princípios que procuravam diminuir a distância
entre �pobres/periferia�-�ricos/sudoeste�, juntamente com a premissa de
�bairros-emprego� e �bairros-dormitório�. Tal governo tentou buscar, ainda,
parcerias entre investimentos públicos e privados, na tentativa de recuperação
dos espaços públicos, vinculando a responsabilidade do cidadão à gestão da
cidade. Conforme Rolnik, �Estes princípios e os instrumentos necessários para
sua implementação foram lançados. O quanto serão incorporados na ordem
jurídico-urbanística que rege a cidade só a história dirá.� 12
Fig. 2.15 Precariedade e subdimensionamento do sistema de transporte público de São Paulo.(Fonte: Pitu 2020).
41
[02] o contexto global: o processo de metropolização
02.3 A metrópole contemporâneaNo Brasil, o Estado de São Paulo tem mantido, há décadas, privilegiada
posição econômica e demográfica em relação aos demais estados do país.
Segundos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 1996 São
Paulo concentrava cerca de 38% do Produto Interno Bruto (PIB) do País e
22% da população brasileira.
A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), a maior metrópole nacional,
é composta por 39 municípios que, juntos, abrigam 16,6 milhões de habitantes,
cerca de 48,6 % da população estadual e 10,5% da população nacional. Seus
municípios estão distribuídos em 7 sub-regiões com níveis de desenvolvimento
e vocações distintas: norte, leste, oeste, sudoeste, nordeste, sudeste e centro.
É, ainda, líder econômica dentro de um Estado considerado o mais
desenvolvido do País. Entretanto, vem perdendo ano a ano a sua posição para
o Interior do Estado e outras regiões do País que crescem rapidamente,
atraindo diversos empreendedores, além de uma significativa parcela da
população que está a procura de cidades com maior qualidade de vida,
�cidades sustentáveis�.
A redução do ritmo de crescimento demográfico no município de São
Paulo, o maior da RMSP, é acompanhada por importantes mudanças na sua
estrutura produtiva e no mercado de trabalho. A partir dos anos 80, o setor
terciário torna-se o principal responsável pela geração de novos empregos,
Fig. 2.16 Proposta para sistema viário e de transporte público presentes nos planos diretoresapresentados para a cidade (1997). A cidade tem direcionado sua evolução e crescimento emdetrimento dos planos e lógica urbanística. (Fonte PMSP/SEMPLA).
42
[02] o contexto global: o processo de metropolização
mudando a tendência dos anos 70, fase em que o setor secundário exercia esse
papel. Ou seja, evidencia-se, nessa ocasião, a desconcentração industrial da
metrópole, a qual passa a ser entendida em função de uma tendência de
desaparecimento da indústria como unidade principal de produção, substituída
pelo setor terciário. Este, por sua vez, está ligado principalmente às novas
tendências mundiais de informatização das empresas e terciarização das
relações de trabalho.
Aliados às transformações produtivas e espaciais, ocorridas na metrópole
paulista - principalmente nas áreas onde predominaram os usos relativos ao
setor secundário - destacam-se, também, sérios problemas urbanos decorrentes
da falta de infra-estrutura relativa à transporte, saneamento básico, habitação,
segurança, saúde, educação, áreas livres, entre outros, os quais refletem direta-
mente no declínio da qualidade de vida do habitante metropolitano.
Atualmente é conhecido o fato de todas as metrópoles estarem
enfrentando os efeitos perversos da globalização que atuam principalmente na
sua reestruturação produtiva, implicando em desconcentração industrial, aliada
ao crescimento do setor terciário. Na RMSP, como já mencionado, esse
fenômeno tem se acentuado desde os anos 80. Como causas internas da
desconcentração industrial da RMSP, podem ser apontados: a ausência de
terrenos baratos, restrições legais, elevado custo salarial e a pressão dos
sindicatos. As externas estão relacionadas à mundialização da economia à
Fig. 2.17 Imagem de satélite mostra a impressionante expansão da mancha urbana da GrandeSão Paulo, que chega hoje a mais de 2.000 km2 de área. São Paulo torna-se a terceira maiormetrópole do planeta com uma população de mais de 17 milhões de habitantes. (Fonte: Pitu2020).
43
[02] o contexto global: o processo de metropolização
expansão do mercado nacional, à melhoria de infra-estrutura em outras
regiões, além das vantagens fiscais oferecidas por outros estados e municípios.
Segundo dados da Fundação Seade, de 1985 para 1995 a percentagem
de pessoal ocupado no setor secundário da RMSP reduziu-se de 32,8% para
21,1%, enquanto que no setor de serviços o aumento verificado foi de 40,7%
para 50,2% e, no comércio, de 14,1% para 16,9%. A Pesquisa OD/ 97 tam-
bém constatou, por amostragem, a redistribuição dos empregos na metrópole,
por setor de atividade (ver Gráficos 2.1 e 2.2).13
Nesse território que hoje ultrapassa 2.000 km2,
há uma população de
mais de 17 milhões de habitantes. A grande maioria vivendo em condições
desfavoráveis, em meio aos caos urbano, cujas faces mais visíveis são as já
limítrofes situações de violência urbana e congestionamento viário. Fala-se em
um déficit habitacional de mais de 1 milhão de habitantes. A periferia continua
a crecer sem infra-estrutura e a área central - detentora da mais rica
infraestrtura urbana e esvaziada em população residente - luta contra o proces-
so de deterioração, iniciado na década de 70. As forças do mercado imobiliário
imediatista têm determinado a evolução da construção arquitetônica sobre o
território sem maior controle governamental ou planejamento urbano mínimo.
Territórios inteiros são repentinamente �desvalorizados� com o fluxo do capital
imobilário descontrolado. O centro novo substituiu o centro velho na cidade mo-
Gráfico 2.2RMSP -Empregos por Setor de Atividade - 1987/1997
0102030405060
Agrícola Construção Civil Indústria Comércio ServiçosFonte: Cia do Metrô de São Paulo. Pesquisa OD/97 - Síntese de Informações
%1987
1997
Gráfico 2.1RMSP - Pessoal Ocupado por Setor de Atividade
0
10
20
30
40
50
60
Indústria Comércio ServiçosFonte: Fundação Seade/ SMA - Perfil Ambiental - 1998
%
1985
1995
44
[02] o contexto global: o processo de metropolização
derna, assim como a corrida para a valorização excessiva e excludente do vetor
sudeste na metrópole contemporânea determinou a desvalorização da Avenida
Paulista.
A metrópole apresenta, assim, concomitantemente, a sua �face de cida-
de mundial� - com todos os seus ícones arquitetônicos típicos - na Av. Berrini e
Marginal Pinheiros e a cidade ilegal/real das favelas construídas seguidamente
nas periferias. Ao lado dos condomínios fechados - a anti-cidade da burguesia
atual - ocorre a cidade informal e pobre da massa.
A metrópole presencia, portanto, a necessidade de evolução da escala
técnica para a tecnológica e este processo denota a transição da metrópole mo-
derna para a metrópole contemporânea, com seus lugares de concentração e
multiplicidade de atividades localmente complementares. Essa multiplicidade
traduz a concentração financeira, econômica, cultural e informacional, mudan-
ças que têm determinado fortes alterações nas suas funções urbanas, modifica-
ções internas da cidade.
São Paulo extravasa seus limites para se tornar ponto de interesse e
convergência de atividades de caráter financeiro, de produção científica e
cultural , de desenvolvimento de comunicação, mas também lugar da pobreza,
onde os espaços da �deseconomia� são redefinidos continuamente para
viabilizar os novos processos produtivos, e onde o processo de urbanização
corporativista se mascara com intervenções urbanas de representação peculiar
45
[02] o contexto global: o processo de metropolização
da história do território, da modernização e da concentração de bens e serviços
que favorecem a economia hegemônica e a separação entre as partes que a
compõem.14
Mais uma vez, essa transição, fruto de sucessivas adaptações, se
sobrepõe à antiga metrópole do capitalismo industrial. As atividades terciárias e
de serviços ascendem e a indústria continua crescendo, embora numa
velocidade bem menor que anteriormente. A cidade abandona o passado,
substitui a produção de produtos para a de serviços e um novo padrão urbano
começa a ser instituído, fruto de um modelo tecnológico informacional que
introduz o conceito contemporâneo de �espaço dos fluxos� e que é traduzido
em uma maior complexidade territorial.15
Diferentemente da metrópole moderna, na qual a conurbação surge da
unificação das diversas malhas urbanas sem nenhum critério, criando um
organismo expandido e setorizado, onde o traçado viário reforçava essa disper-
são, a metrópole contemporânea poderiam buscar uma continuidade do tecido
urbano, através de grandes projetos de infra-estruturas que visariam sobretudo
o desenvolvimento, a agregação de valores, tornando-se grandes pólos de
convergência com papéis funcionais dentro da cidade, buscando promover
transformações no meio urbano regional no qual se insere. Desse modo, essas
infra-estruturas e projetos urbanos seriam uma possibilidade de lidar com
problemas tão antigos como a fragmentação territorial e a dispersão
46
[02] o contexto global: o processo de metropolização
funcional. Essa nova ordem estabelecida possui uma dinâmica que dilui a
forma urbana para substituí-la �por um conjunto de espaços e objetos
construídos que não revelam as conexões espaciais e funcionais a que estão
subordinados.� 16
Por outro lado, as metrópoles contemporâneas são tidas por muitos
como verdadeiros organismos intratáveis e até mesmo ameaçadoras da
integridade social e individual, transpassando uma impressão de
empobrecimento da vida cotidiana coletiva, ao invés de melhorá-la.
A realidade da globalização internacional e seus rebatimentos diretos
sobre o território metropolitano tem consequências complexas. A metrópole
paulistana passa a conviver com espaços ambíguos.
Para o entendimento da problemática urbana deve-se buscar um esque-
ma interpretativo abrangente que envolva questões estruturais, como observa
Milton Santos:
�...o papel do Estado, seja em sua ação contingente, seja no de
formulador de um modelo econômico que perdura; a distribuição de renda e os
contrastes agudos entre a riqueza e a pobreza; o papel do crescimento econô-
mico e da crise econômica e sua influência sobre os diversos aspectos da vida
social; o tamanho da cidade e sua repercussão sobre a sociedade e a econo-
mia; papel da especulação e o dos vazios urbanos; a questão da metrópole
corporativa, da relativa imobilidade dos mais pobres dentro da cidade e da
Fig. 2.18 A articulação da rede de espaços públicos surge como uma das propostas de recupera-ção da área central desenvolvida no âmbito de uma organização não governamental, a Associa-ção Viva o Centro, em tentativa de se fazer a necessária retomada do processo de planejamentoda cidade, perdida pelo poder público. (Fonte: Meyer, 1997, p.38.).
47
[02] o contexto global: o processo de metropolização
fragmentação da metrópole; o problema do gasto público e sua seletividade
social e espacial, assim como as tendências que podem ser inferidas na análise
da realidade atual.� 17
Estes tópicos estruturadores formam um organismo urbano, os quais pos-
suem cada qual sua autonomia, interagindo e estabelecendo um conjunto, evi-
tando, assim, que um fator isolado possa ser tido como dado absoluto.
As transformações urbanas devem ser vistas não apenas como resultan-
tes das pressões do desenvolvimento econômico, mas também da influência
de modelos ideológicos internacionais.
A história da legislação urbana de São Paulo, como meio introdutor da
história da cidade, explicitando seu papel político e cultural ao longo da evolu-
ção urbana paulistana tem mostrado claramente a importância do entendimen-
to da legislação urbanística da cidade como força motriz do seu desenho urba-
no. É outro dos parâmetros que nos ajudam no entendimento da complexidade
da metrópole.
A cidade regulada e a cidade �sem lei�. A cidade com desenho urbano
claro e a cidade caótica, sem desenho, plano ou diretriz. Rolnik enfatiza:
�... a lei organiza, classifica e coleciona os territórios urbanos, conferindo
significados e gerando noções de civilidade e cidadania diretamente correspon-
dentes ao modo de vida e à micropolítica familiar dos grupos que estiveram
mais envolvidos em sua formulação. Funciona portanto, como referente cultural
Fig. 2.19 O centro de São paulo visto de cima: a verticalização do centro novo contrasta com aarquitetura histórica do velho, separados pelo vale do Anhangabaú reurbanizado. O processo depalimpsesto ainda ocorre substituindo arquiteturas e funções urbanas. (Fonte: Base, 1999).
48
[02] o contexto global: o processo de metropolização
fortíssimo na cidade, mesmo quando não é capaz de determinar sua forma
final.� 18
Há, portanto, uma imagem clara da organização espacial da cidade, que,
segundo Rolnik, é a contraposição entre dois espaços: um circunscrito pela mol-
dura da legislação urbanística e o outro, com o triplo do tamanho do primeiro,
fixado, eternamente, em uma zona mediadora entre o legal e o ilegal.19
A São Paulo contemporânea é, assim, nitidamente resultante de um
processo de organização estrutural que determina o seu desenho urbano não
por diretirzes urbanísticas claras ou postura urbanística minimante democrática.
As políticas determinadas pelo capital, inicialmente público e, posteriomente,
privado, determinaram o desenho da cidade. Otília Arantes destaca a substitui-
ção do capital estatal (que denomina sistema incômodo de contrapesos) pelo
capital empresarial na requalificação do espaço público: �... a estratégia em-
presarial vai determinando com lógica própria os parâmetros de sua interven-
ção, relocando populações e equipamentos segundo as grandes flutuações do
mercado.� 20
Chega-se ao novo milênio com uma imagem de cidade fragmentada,
fruto de uma evolução urbana caótica, como vimos. Uma metrópole que gerou
espaços esgarçados, novas fronteiras dentro do tecido urbano central, periferias
rarefeitas e distantes, fraturas urbanas. Conforme Nelson Brissac:
�Quando a fragmentação e o caos parecem avassaladores, defrontar-se
Fig. 2.20 O Centro Novo de São Paulo reflete as contradições da metrópole contemporânea:cidade global e cidade ilegal/real. Infraestrutura sub-utilizada no centro pouco habitado eexpansão periférica descontrolada sobre áreas de proteção ambiental sem infra-estrutura;ícones do mundo globalizado e terrenos vagos no território fragmentado. (Fonte: cartãopostal).
49
[02] o contexto global: o processo de metropolização
com o desmedido das metrópoles como uma nova experiência das escalas, da
distância e do tempo. Através dessas paisagens, redescobrir a cidade...Uma
cidade, vista do alto, parecendo uma intrincada trama de prédios em
escombros. Uma mancha urbana quase indistinta que, espalhando-se a partir
do centro inferior da tela, torna-se crescentemente obscura na direção dos
cantos superiores devido às camadas de material aplicado. O olhar mergulha
vertiginosamente pelos esqueletos retorcidos até o subsolo, de onde parecem
brotar. Áreas chamuscadas, produzindo uma superfície empastada e cheia de
sulcos. Em contrapartida, um emaranhado de fios de cobre e outros entulhos
projeta-se para fora, como que arrancados de suas entranhas. Visão
desconcertante que parece confundir superfície e profundidade, presente e
passado. Difícil identificar, à primeira vista, esse skyline desprovido de signos
ou pontos reconhecíveis. Algo porém � talvez a particular textura formada pelo
aglomerado caótico, pela massa de concreto erguido, uma paisagem saturada
e opaca � nos dá a inequívoca sensação de que olhamos São Paulo.� 21
02.4 Notas1 ALVIM, A. T. B. et. al. Eixo Moóca-Santo André: Projeto Megacidades.
(Trabalho acadêmico não publicado). São Caetano do Sul: UniABC. 2000.
2 SEADE/ SMA, 1998 apud. ALVIM, A. T. B. et. al., 2000, op. cit., p.2.
3 SAIA, Luís. Morada Paulista. São Paulo: Perspectiva. 1995, p.231.
50
[02] o contexto global: o processo de metropolização
4 Cf. MEYER, Regina M.P. Atributos da Metrópole Moderna. São Paulo em Pers-
pectiva, 14/4, São Paulo: Fundação Seade. 2001.
5 LANGENBUCH, Juergen R. A Estruturação da Grande São Paulo � Estudo de Ge-
ografia Urbana. Rio de Janeiro: Fundação IBGE. 1971, p.87.
6 Segundo Langenbuch, os núcleos coloniais surgiram de uma iniciativa oficial,
visando o povoamento e o incremento a produção agrícola dos arredores de
São Paulo. Não possuíam uma localização específica, alguns deles localizavam-
se próximos à zona de expansão central, como o núcleo da Glória, enquanto
outros, como Santana, São Caetano e São Bernardo estavam mais distantes.
Este último, o mais populoso, possuía a maior extensão e distância do centro da
capital. Conseqüentemente, foi o último a ser fagocitado pela metrópole. Os
núcleos coloniais representam a relação da metrópole paulistana com o seu
entorno, e a organização deste em sua função (LANGENBUCH, 1971, op. cit.).
7 Cf. SOMEKH, Nádia. A Cidade Vertical e o Urbanismo Verticalizador. São Paulo:
Nobel. 1999.
8 Ibid., p.161.
9 ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei: Legislação, Política Urbana e Territórios na
Cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel/Fapesp. 1997, p.190.
10 Ibid., p.195.
11 MEYER, 2001, op. cit.
12 ROLNIK, 1997, op. cit., p.210.
51
[02] o contexto global: o processo de metropolização
13 ALVIM et. al., 2000, op. cit.
14 Cf. MEYER, 2001, op. cit.
15 Ibid., p.6. O conceito é originariamente desenvolvido pelo sociólogo Manuel
Castells e será discutido em maior profundidade no Capítulo 5. Ver: BORJA, J.;
CASTELLS, M. The Local & the Global : Management of Cities in the Information
Age. Londres: Earthscan. 1998.
16 Ibid., p.7.
17 SANTOS, Milton. Metrópole Corporativa Fragmentada: O Caso de São Paulo.
São Paulo: Nobel. 1990, p.10.
18 ROLNIK, 1999, op. cit., p.131.
19 Ibid.
20 ARANTES, 1988, op. cit., p.139.
21 PEIXOTO, Nelson B. Paisagens Urbanas. São Paulo: Senac/Marca D�Água.
1998, p.227.
52
[03] a orla ferroviária: leitura do território
03 A ORLA FERROVIÁRIA: LEITURA DOTERRITÓRIO>
03.1 A leitura aérea 53
03.2 O contexto local 63
03.3 Notas 74
53
[03] a orla ferroviária: leitura do território
03.1 A leitura aéreaEnsaio fotográfico concebido por Carlos Leite e registrado por Nelson Kon.
Vôo de helicóptero sobre a orla ferroviária paulistana, trecho Moinho Central-
Moóca, realizado pelos autores em maio de 2001.
Trata-se aqui de um registro artístico, visão privilegiada e rara da orla
ferroviária paulistana (antiga linha Santos-Jundiaí) de cima. A intenção é a
exposição de um registro geral. O registro técnico, com a situação exata de
cada local e dos trechos objeto de estudo estão presentes no Capítulo 4.
Como a orla ferroviária determina o desenho da cidade. A sua presença
na �fábrica urbana�. Elemento estruturador da paisagem urbana, assim como
os rios, determinou a expansão da cidade no final do século, definiu os bairros-
estação e os subúrbios. Foi fundamental no desenvolvimento da economia
paulista, inicialmente com o ciclo do café, posteriormente com o surgimento da
indústria. Percebe-se aqui claramente a presença maçiça da indústria ao longo
deste trecho da orla ferroviária, seja nas poucas que ainda permanecem em
plena atividade, seja nos galpões e moinhos desativados. Imensas áreas
desativadas - terrenos vagos - são paradigmas da metrópole pós-industrial. As
cicatrizes deixadas pela passagem da ferrovia no tecido urbano central. Os
vazios. A escala imensurável. As fraturas urbanas.
Ao mesmo tempo, a expectativa do novo. O potencial do vazio. A orla
ferroviária como a possibilidade da construção de uma nova territorialidade
metropolitana.
54
[03] a orla ferroviária: leitura do território
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[03] a orla ferroviária: leitura do território
03.2 O contexto localA ocupação urbana da metrópole paulista desenvolveu-se em três fases
ao longo dos principais vetores de acesso regional:
· 1ª fase de expansão (até os anos 40): foi estruturada pela rede ferrovi-
ária e pelos assentamentos industriais em direção aos vetores leste, oeste,
sudoeste e parte do sudeste;
· 2ª fase (a partir dos anos 50): implantação do sistema rodoviário regio-
nal, induzindo a ocupação dos vetores nordeste (Via Dutra) e sudeste (Via
Anchieta);
· 3ª fase (concomitante à 2ª fase - reforçada a partir dos anos 60): a
expansão dos serviços de ônibus permitiu um maior espraiamento da ocupação
da metrópole em direção a todos os vetores, por meio de assentamentos
residenciais esparsos e de baixa densidade.1
O desenho das estradas de ferro na Região Sudeste é predominantemen-
te concêntrico e conflui para os portos principais, no caso de São Paulo para o
porto de Santos . Inicialmente, o sistema ferroviário era utilizado principalmente
para o transporte da produção agrícola e mineral e a partir de 1970 os trens
urbanos eletrificados tornaram-se os grandes responsáveis pelo transporte da
mão-de-obra, indispensável ao processo de industrialização que vinha sofrendo
a metrópole paulistana. Essas ferrovias abertas pelo Estado, com o apoio dos
grandes produtores agrícolas, capazes de incorporar o maquinismo moderno,
Figs. 3.1 e 3.2. As transformações na rede ferroviária no estado de São Paulo evidenciam a suarápida evolução no estado. Determinaram o desenvolvimento econômico do estado e dametrópole. (Fonte:Kühl, 1998, p.136)
64
[03] a orla ferroviária: leitura do território
serviram como grande atrativo para indústrias, imigrantes e para o desenvolvi-
mento urbano regional . Foi através da ferrovia que São Paulo inseriu-se na
rota cafeeira e conectou-se com o planalto, vindo a prosperar como cidade,
ampliando o seu território e a sua importância como metrópole brasileira.
A ferrovia serviu de instrumento de reorganização urbana. Seu traçado
desviou de rotas que até então eram o único elo de ligação com o restante da
cidade, provocando, dessa forma, o colapso no sistema de transporte vigente e
das atividades a ele relacionadas. Outro fator de suma importância foi a
conformação suburbana gerada ao longo da linha férrea, os �subúrbios-
estações�, que se desenvolveram com a implantação de indústrias e pequenos
povoados operários.2
Datadas de março e setembro de 1855, duas leis sancionadas viriam
criar condições para a implantação da primeira estrada de ferro que ligaria
Santos a Jundiaí. Em 1864, foi inaugurado o primeiro trecho correspondente à
travessia da Serra do Mar, efetivando-se toda a construção dos seus 139 Km,
apenas três anos mais tarde.3
Podemos definir duas categorias diferentes de ferrovias, de acordo com o
tipo de ligação estabelecida: as ferrovias de âmbito local, que ligavam os
arredores paulistanos à cidade de São Paulo e as ferrovias extra-regionais,
destinadas a ligar o interior à cidade e ao seu porto. Assim, temos a Central do
Brasil, a Sorocabana e, por último, a estrada de ferro Santos-Jundiaí, inaugura-
Fig. 3.3. Estação Brás em 1865: as estações eram vistas como símbolos do progresso e a chegadada ferrovia sinônimo da ligação do lugar à rede de crescimento e desenvolvimento urbano.(Fonte: Kühl, 1998, p.125)
65
[03] a orla ferroviária: leitura do território
da em 1867, fruto de estudo mais detalhado no decorrer deste trabalho.
Diferentemente dos caminhos de tropas que procuravam se instalar
longe das várzeas, devido à dificuldade de travessia e à necessidade de
aterros, as ferrovias buscavam os terrenos planos onde pudessem desenvolver
um traçado mais adequado às suas restrições.
Assim sendo, do ponto de vista topográfico, as várzeas e os terraços
fluviais da bacia sedimentar de São Paulo tornaram-se ideais à sua instalação.
As condições favoráveis apresentadas por São Paulo para a implantação
da ferrovia fizeram com que a década de 1870 fosse marcada pela consolida-
ção e expansão da malha ferroviária paulista. Em 1880, a rede apresentou um
crescimento exponencial, dobrando o seu tamanho e, conseqüentemente,
aumentando a zona de produção cafeeira, levando a migração para o oeste
da província. Na última década do século XIX, verificou-se o prolongamento das
linhas férreas assim como o aumento da imigração populacional.4
Apesar do traçado das estradas de ferro valorizar os vales da cidade, o
seu trajeto, às vezes, era desviado para atingir a zona cafeeira, propiciadora de
grandes fretes, enquanto que, os aglomerados situados nas suas proximidades
foram deixados à margem de seus benefícios, excetuam-se Santo Amaro, que
foi atingido por uma ferrovia local, Penha, que foi atingida por um ramal da
Central do Brasil; e Jundiaí e Mogi das Cruzes, que foram, de fato, servidas
pelas ferrovias extra-regionais. Esse distanciamento provocou uma valorização e
Fig. 3.4. A extensão da rede ferroviária no Estado de São Paulo já em 1901 anuncia a passagemda cidade interiorana e sem presença nacional de São Paulo para uma metrópole rica epropulsora do desenvolvimento econômico do país. (Fonte: Kühl, 1998, p. 137)
66
[03] a orla ferroviária: leitura do território
um desenvolvimento linear ao longo da ferrovia e, consequentemente, a
marginalidade dos aglomerados que não pertenciam àquele circuito. Propiciou
o surgimento de pequenos e inúmeros vilarejos, tolhendo no entanto, a possibi-
lidade de desenvolvimento de determinados aglomerados.
A influência da ferrovia sobre o meio urbano proporcionou o surgimento
de pequenos aglomerados de produtos e pessoas que eram atraídas das áreas
vizinhas. A partir daí pequenos núcleos começaram a se formar e a assumir
função regional. Certamente o comércio local foi a primeira forma de atração e
desenvolvimento desses povoados. Alguns deles também possuíam pequenas
indústrias de beneficiamento e transformação de matéria prima produzida nos
arredores.5
Como a ocupação da faixa lindeira à linha férrea dentro da cidade estava
cada vez mais acentuada, seus terrenos tornaram-se mais escassos e caros. A
expansão urbana foi restringindo, dessa forma, a possibilidade de implantação
das indústrias dentro da cidade. Não encontrando local mais vantajoso, as
indústrias começaram a migrar para a periferia externa, que também era
servida pela ferrovia.
No período que se estende de 1915 a 1940, a rede ferroviária já contava
com 3.373 Km de extensão. O desenvolvimeto suburbano crescia acelerada-
mente no sentido noroeste, graças principalmente à implantação de indústrias
ao longo da linha férrea. Vale salientar que a suburbanização industrial, embo-
Fig. 3.5. A presença do bonde na Praça do Patriarca em 1940. (Fonte: Pitu 2020).
67
[03] a orla ferroviária: leitura do território
ra seja mais restrita que a ocupação residencial, está intimamente ligada a
esta, sendo sua antecessora. Dessa forma, era espectadora da formação de
grandes bairros operários em seu entorno e o que se notava, é que, quanto
mais pessoas migravam para os subúrbios, mais linhas de trem eram criadas.
Outro aspecto interessante de se notar é que, já àquela época; por
volta de 1940, os passageiros que embarcavam nas estações suburbanas
dirigiam-se, em sua maioria, para as estações urbanas ou do centro da cidade,
denotando a total falta de complementariedade funcional entre os vários
subúrbios.
Considerando as zonas suburbanas residenciais, temos os chamados
�subúrbios-estação� que, como o próprio nome diz, desenvolviam-se em torno
de um núcleo comercial e de serviços que crescia junto às estações. Nesses
bairros, o zoneamento tendia para a organização funcional mais simples, com a
indústria muitas vezes presente, localizada ao lado da ferrovia e com residênci-
as voltadas principalmente para a classe operária e para comerciantes e profis-
sionais liberais locais. Esse desenvolvimento suburbano de ocupação do territó-
rio lindeiro à ferrovia provocou um desdobramento urbano em forma de
�colar�, pois, no caso das indústrias, a ferrovia chegava até seu pátio com um
ramal para o escoamento das mercadorias e no caso da população isso não era
possível. Sendo assim, os passageiros procuravam o melhor local para se
instalarem, que não era o território entre estações.6
Fig. 3.6. Mapa funcional da cidade de São Paulo em 1955, evidenciando a ferrovia e os rios como oselementos estruturadores da paisagem urbana. Percebe-se a concentração da indústria ao longo da ferroviaSantos-Jundiaí. (Fonte: Azevedo,1958).
68
[03] a orla ferroviária: leitura do território
De qualquer forma, a ferrovia estruturou o desenvolvimento suburbano,
que mais tarde viria a se repercutir no desenho da metropolização.
Com a crescente onda do �automobilismo� nas primeiras décadas do
século XX, estradas regionais e extra-regionais foram construídas e o transporte
rodoviário passou a exercer um papel secundário e complementar ao transporte
ferroviário, que ainda continuava a ser o transporte de carga e de passageiros
mais interessante, devido a seu custo e a sua rapidez . Apesar de todo o
incremento ao transporte rodoviário, a instalação de indústria ao longo da linha
férrea continuou a crescer e junto com ela os �subúrbios-estação�, os quais por
volta de 1935, passaram a ser servidos também por linhas de ônibus, uma vez
que o contingente de passageiros havia se multiplicado.
A urbanização, gerada ao longo das ferrovias radiais, destaca-se pelo seu
desenvolvimento avançado. Notadamente a estrada de ferro Santos-Jundiaí,
que já em 1940 era considerada o eixo suburbano mais populoso, cerca de
34,8% da população dos arredores paulistanos. Há uma intensificação no
parque industrial ao longo desta ferrovia, especificamente no trecho que vai de
São Caetano à Santo André, ao contrário do trecho que se estende da estação
Lapa à Jundiaí, onde praticamente não houve a implantação de novas indústri-
as. É interessante notar que, nos trechos mais suburbanizados, onde a presença
da indústria é mais antiga, há uma maior atração de novas indústrias. Isso se
deve ao relacionamento entre elas e ao trinômio: ferrovia, áreas planas
69
[03] a orla ferroviária: leitura do território
extensas e água fluvial.7
No tocante à suburbanização residencial, a atuação da ferrovia se deu de
duas formas. Na primeira delas, há uma influência direta em função do trans-
porte oferecido pelos trens. A segunda, indireta, deu-se através do mercado de
mão-de-obra criado em função das novas indústrias e equipamentos comerciais
e de serviços.8
O crescimento ascendente dos subúrbios no eixo Santos-Jundiaí provocou
a conurbação de três núcleos: São Caetano, Utinga e Santo André. São Caetano
do Sul, agora, funde-se com São Paulo através da instalação de indústrias ao
longo da ferrovia e áreas residenciais. Dessa forma, houve a necessidade de
ampliação dos serviços de trens de subúrbios.
Porém, a ferrovia não conseguiu acompanhar o ritmo do desenvolvimen-
to suburbano por ela gerado, e ao invés de se adotarem linhas triplas ou
quádruplas para suprir a demanda, ( no caso da Santos-Jundiaí, por exemplo),
a linha dupla entre Mauá e Campo Grande foi desativada. Conseqüentemente,
houve uma procura por transportes alternativos. A crescente presença do ônibus
afeta o desenvolvimento, tanto dos subúrbios do domínio geográfico das
ferrovias, quanto dos municípios vizinhos a São Paulo apartados por ela.9
As estradas de ferro tiveram, como objetivo inicial, ligar áreas com
atividades exportadoras aos portos e foram as responsáveis pela integração do
território paulista. Desempenharam papel fundamental no surto econômico que
70
[03] a orla ferroviária: leitura do território
tornou o estado de São Paulo o principal centro produtor e exportador de café.
As estações ferroviárias eram o símbolo do progresso nas várias cidades do
estado. A chegada da ferrovia era a ligação da cidade ao desenvolvimento
econômico. Posteriormente, são determinantes também nos processos de
desenvolvimento da indústria, no processo migratório, no trabalho assalariado
e na fixação da população no território.
Ou seja, a ferrovia, assim como os rios, foram os elementos
estruturadores da paisagem urbana de São Paulo. São os elementos básicos
que desenham o território da cidade e, posteriormente, da metrópole. São
Paulo passa de uma cidade menor, sem importância no cenário nacional - até
fins do século XIX - para a metrópole rica, poderosa e populosa, apenas algu-
mas décadas depois, graças à presença marcante da ferrovia. Não seria exage-
ro considerar, portanto, a ferrovia como o principal elemento de infraestrutura
urbana, que determina o desenvolvimento da metrópole.
No entanto, a partir da década de 40, com políticas crescentes de
incentivo ao transporte rodoviário, a ferrovia começa a ser superada como
elemento de infraestrutura urbana e principal meio de transporte público. O
poderio da indústria automobilística desde a sua chegada no país - via econo-
mia fordista e política externa extremamente vinculada aos interesses norte-
americanos - determina, rapidamente, um proposital esvaziamento da presença
ferroviária na metrópole, seja no nível do transporte de cargas, quanto no de
71
[03] a orla ferroviária: leitura do território
passageiros.
A crise da produção cafeeira e a não modernização das estradas de ferro
- muitas tornam-se rapidamente obsoletas - são vistas como entraves no
desenvolvimento de regiões, que até então só haviam crescido através da
chegada da ferrovia.
Apesar do estímulo federal para o transporte rodoviário, havia a necessi-
dade de manter o serviço ferroviário minimamente funcionando. Por volta das
décadas de 40 e 50, o estado retoma o poder sobre esse sistema, já em franca
decadência.
Deve-se ressaltar, entretanto, a absoluta falta de clareza e determinação
no processo de planejamento urbano metropolitano ao longo do século XX. Há
uma clara opção pelo favorecimento do sistema de transporte público sobre
pneus, em detrimento da modernização da malha ferroviária existente, sempre
vista como sistema decadente. O sistema do metrô, absolutamente necessário
na metrópole, está presente em todos os planos urbanos desenvolvidos, desde
o PUB, em 1969, até o novo Plano Integrado de Transportes Urbanos (PITU
2020). Porém, não encontraram respaldo por parte das diversas gestões
governamentais na priorização de seu desenvolvimento que, via de regra,
continuaram a priorizar o sistema rodoviário.
Atualmente, o transporte de passageiros ferroviário é operado pela
Companhia Paulista de Trens Metropolitanos - CPTM. Os acessos às estações dão-
Fig. 3.7. Região Metropolitana de São Paulo: estrutura atual de transportes públicos. (Fonte:Pitu 2020).
72
[03] a orla ferroviária: leitura do território
se de forma precária. O serviço ofertado está aquém do desejado: falta
segurança, conforto, confiabilidade no horário, etc.
O número de viagens no sistema vem diminuindo ano a ano. Em 1987,
esse modo de transporte representava 4,38% do total de viagens motorizadas
da metrópole, contra 7,68% de metrô, 42,83% de ônibus e 42,50% de autos.
Em 1997, o trem reduziu sua pequena participação para 3,15%, contra 8,23%
do metrô, 38,44% do ônibus e 47,24% de autos. (ver Gráfico 3.1).
Segundo a Pesquisa Origem Destino 1997- OD/97- , realizada pela Com-
panhia do Metrô de São Paulo a cada 10 anos, o índice de mobilidade do habi-
tante metropolitano vem diminuindo desde 1977: de 1,53 em 1977 para 1,21
em 1997. Ou seja, a população vem se deslocando cada vez menos, em função
dos diversos congestionamentos distribuídos ao longo do dia e da péssima
qualidade e ineficiência do transporte coletivo (ver Gráfico 3.2).
A divisão modal das viagens vem revelando, desde 1977, uma participa-
ção crescente do modo individual em detrimento ao modo coletivo. Em 1977
apenas 39% das viagens da RMSP eram realizadas por transporte individual
contra 61% por transporte coletivo. Em 1997, a percentagem de viagens pelo
modo individual quase que se equipara com as do modo coletivo: 49% no indi-
vidual contra 51% no coletivo (ver Gráfico 3.3).
O futuro Rodoanel, obra do Estado que contornará a RMSP, evitando a
passagem de veículos que não se direcionam ao tráfego intra-urbano metropo-
Gráfico 3.1Evolução das Viagens Motorizadas por Modo Principal
0
10
20
30
40
50
60
Trem Metrô Ônibus Auto (*) Lotação Outros
Fonte: Cia do Metrô de São Paulo. Pesquisa OD/97 - Síntese de Informações
%
1977
1987
1997
Gráfico 3.2RMSP - Evolução do Índice de Mobilidade
0
0,5
1
1,5
2
1967 1977 1987 1997Fonte: Cia do Metrô de São Paulo. Pesquisa OD/97 - Síntese de Informações
Indice de Mobilidade
73
[03] a orla ferroviária: leitura do território
litano, deverá aliviar cerca de 10% do tráfego interno, principalmente de car-
ga.10
Há, finalmente, com o desenvolvimento do PITU 2020 por parte das
duas últimas gestões do governo do estado (governo Mário Covas) e a anuncia-
da intenção de parceria deste com a nova gestão municipal (governo Marta
Suplicy), uma clara possibilidade de valorização do transporte público em São
Paulo, da integração das várias modalidades dos transportes (metrô, ferrovia e
sobre pneus) e da modernização da malha ferroviária.
O PITU 2020 prevê a ampliação de infra-estrutura de transportes da
RMSP, com propostas de redes de alta, média e baixa capacidade, integrando
os diversos modos de transportes: sistemas sobre trilhos e sobre pneus. Segun-
do esse estudo, a futura rede de transportes metropolitanos prevista terá, no
ano 2020, cerca de 446Km de extensão, contra 79 km existentes atualmente.
Para a linha sudeste de trem metropolitano está prevista a sua modernização e
transformação em metrô de superfície.
O transporte de cargas é operado pela iniciativa privada desde 1998. A
MRS Logística, apresenta planos de interesse de modernização do sistema. Além
disso, está previsto, para o próximo milênio, a implantação do Ferroanel - Anel
Ferroviário Metropolitano - que deverá tangenciar a metrópole e otimizar o
transporte de cargas. Há que se atentar, entretanto, para os riscos
proveninentes da privatização rápida e pouco discutida das ferrovias federais.
Fig. 3.8. Congestionamento na Radial Leste: contraste entre o transporte público e privado naSão Paulo contemporânea. (Fonte: Pitu 2020).
Gráfico 3.3RMSP-Evolução da Divisão Modal das Viagens
0
20
40
60
80
1977 1987 1997
Fonte: Cia do Metrô de São Paulo. Pesquisa OD/97 - Síntese de Informações
%coletivo
individual
74
[03] a orla ferroviária: leitura do território
�Em 1971 seria a vez do Governo do Estado de São Paulo criar a Ferro-
via Paulista S.A. (FEPASA) incorporando as cinco companhias então operantes
no Estado - a Estrada de Ferro Sorocabana, a Companhia Paulista de Estradas
de Ferro (que pertencia ao Governo do estado desde 1961 ), a Companhia
Mogiana, a estrada de Ferro Araraquara e a Estrada de Ferro São Paulo e
Minas. O objetivo era unificar a rede de transporte ferroviário dentro do Estado
e modernizar sua estrutura. A Companhia Paulista de Trens Metropolitanos
(CPTM ) assumiu parte da rede da RFFSA dentro da região metropolitana de
São Paulo. Em 20 de setembro de 1996, o Governo vendeu a concessão da
malha sudeste da RFFSA para a empresa MRS Logística e a reestruturação da
FEPASA está em andamento.� 10
03. 3 Notas1 ALVIM et. al., 2000, op. cit.
2 Cf. LANGENBUCH, 1971, op. cit.
3 Cf. SAIA, 1995, op. cit..
4 Ibid.
5 Cf. LANGENBUCH, 1971, op. cit.
6 Ibid.
7 Cf. TOLEDO, Benedito L. Prestes Maia e as Origens do Urbanismo Moderno em
São Paulo. São Paulo: Espaço das Artes, 1996.
Fig. 3.9. Rede ferroviária de transportes metropolitanos e o mapa da densidade urbana projetado para2020. (Fonte: Pitu 2020).Fig. 3.10. Região Metropolitana de São Paulo: Sistema estrutural sobre trilhos projetado para o cenário de2020. (Fonte: Pitu 2020).
75
[03] a orla ferroviária: leitura do território
8 Cf. LANGENBUCH, 1971, op. cit.
9 Cf. KÜHL, 1998, p. 136.
10 ALVIM et. al., 2000, op. cit., p.2.
76
[04] o projeto-tese: o processo
04 O PROJETO-TESE: O PROCESSO>
04.1 Mapeamento urbano 77
04.2 Análises 94
77
[04] o projeto-tese: o processo
77
78
[04] o projeto-tese: o processo
78
79
[04] o projeto-tese: o processo
79
80
[04] o projeto-tese: o processo
80
81
[04] o projeto-tese: o processo
82
[04] o projeto-tese: o processo
83
[04] o projeto-tese: o processo
eixo moinho central-moóca>levantamento: tabela geral dos lotes
LEVANTAMENTO 1> INTERNO À ORLA
número gabarito uso conservação uso identif icação
h 2/3 ind rg n abandono
i 5 ind p n abandono
j 1 cptm b s
l 2 cptm b n
m 4 cptm b n
n 2 ins b s manobra /manut.
o 2 cptm rg n
p 2/3 cptm b n
q 3 b tombado
r 2/3 cptm b s
s 2 cptm rg n abandono
t 2 rm n abandono
LEGENDA
USO: CONSERVAÇÃO USO?h: habitação o: ótimo s: simc: comércio b: bom n: nãoind: industrial rg: regulars: serviços rm: ruim [vedação comprometida]ins: institucional parques
LEVANTAMENTO 2> BORDAS DA ORLA
121 2 c/h b s
122 2 c rm s estacionamento
123 2 ind o s
124 3 s o s correio
125 ins b s parque municipal
126 2 ins b s escola estadual
127 3 ind rg s confecções
128 3 ins b s igreja
129 c rg s garagem ônibus
130 não existe mais
131 2 ind b s
132 1 ind b s
133 3 ind b s
134 1 h rm s
número gabarito uso conservação uso identif icação
84
[04] o projeto-tese: o processo
135 2 c/h rg s
136 2 c rg s
137 2 ins rg s
138 3 ind o s chaves gold
139 3 ins o s senac
140 2 c rg s
141 15 h (em construção)
142 3 h b s vários
143 2 ind o s
144 2 c/h b s
145 2 c/ind rg s galpões ind
146 2 ins rg s eletropaulo
147 1 c rg n ferro velho
148 2 ind rg s galpões demolição
149 4 ind o s telesp
150 16 h o s
151 10 h o s
152 7 c/h o s
153 2 c/h rg s
154 4 c/s b s
155 2 h rg s
156 2 h rg s
157 2 h rg s
158 2 c/h rg s
159 3 ind rg s
160 4 ind b s
161 2 ind rg parcial galpões industriais
162 5 ind b s
163 2 ind b s
164 2 c rg s
165 1 h rg s
166 1 c rg s
167 2 c/h rg s
168 2 s b s
169 10 h b s
número gabarito uso conservação uso identif icação número gabarito uso conservação uso identif icação
85
[04] o projeto-tese: o processo
170 1 h b s
171 3 c/s o n alugando
172 2 c b s
173 5 c/h b s
174 2 c b s
175 2 c/h b s
176 2 c/s b s
177 1 3 c b s
178 1 3 c rg s
179 2 h b s
180 1 c rg s
181 2 c/h b s
182 2 c/h rg s
183 2 c rg s
184 2 c/s rg s
185 5 ins o s sagrado coração
186 3 ins b s polícia civil
187 3 c rm s
188 2 ind o s pancostura
189 1 ins b s instituto dom.
190 2 ins rg s posto de saúde
191 3 ind b s confecções
192 1 3 c/s b s
193 ins o s pça. Julio prestes
194 5 ins o s sala são paulo
195 2 s o s estacionamento
sala são paulo
196 4 ins b s dops (esm)
197 pátio de manobras
198 3 c/s rg s
199 3 c/s rg s
200 3 c/h rg s
201 b s saída metrô
202 b s pq. Da luz
número gabarito uso conservação uso identif icaçãonúmero gabarito uso conservação uso identif icação
86
[04] o projeto-tese: o processo
203 o pinacoteca204 b igreja luz
205 b batalhão t.aguiar
206 b igreja são cristóvão
207 12 c/h rg s
208 2 c/h b s
209 4 c o s
210 n vazio
211 1 s rg s estacionamento
212 1 s rg s
213 15 c/h b s comércio a alugar
214 2 c/h b s vários (6)
215 1 h/s o s vila dos ingleses
216 6 c/h b s
217 1 s rg s
218 3 ins o s eletropaulo
219 3 ins o s igreja
220 2 c/h rg s
221 3 ins b s sabesp
222 3 ins o s
223 3 s o s
224 6 c/h b s
225 3 o alugando
226 2 s rg s estacionamento
227 3 c rg s
228 3 c/h rg s
229 1 h b s vila
230 3 s b s
231 b mercado municipal
232 pq. dom pedro
233 2 ins b s eletropaulo
234 1 c b s posto gasolina
235 2 c/h rg s
236 7 c/h b s
237 2 c/h rg s
número gabarito uso conservação uso identif icação número gabarito uso conservação uso identif icação
87
[04] o projeto-tese: o processo
238 1 c b s
239 pátio do pari
240 1 c rg s
241 1 c b s galpão comercial
242 2 c rg s
243 3 c/h b s
244 3 c rg s
245 3 ins b s centro educação
246 3 c/s o s
247 3 ind rg s
248 2 ind rg s
249 6 c b s moinho matarazzo
250 2 c rg s
251 2 h rm s cortiço
252 3 ind b s
253 7 ind b s
254 2 h rm s cortiço
255 3 ind b s
256 3 c/s b s
257 lgo. concórdia
258 7 c/h rg s
259 3 ins b s igreja
260 5 h rg s
261 1 c rg s
262 pça agente cícero
263 1 c rg s
264 1 2 h b s
265 1 2 c rg s
266 e acesso do metrô
267 estação metrô brás
268 2 ins b s amafesp
269 1 h rg s
270 3 ind b s leite
271 2 rm n galpões/sem terra
número gabarito uso conservação uso identif icação número gabarito uso conservação uso identif icação
88
[04] o projeto-tese: o processo
272 4 ins b s promoção social
273 4 ins b s febem
274 2 ind rg s galpões da cptm
275 2 h b s
276 3 rg n edifício vazio
277 1 ind rg s areia/pedra
278 2 ind o s molas
279 2 c/h rg s
280 3 ins b s museu imigração
281 2 ind o s
282 2 ind rg s hidromanfer
283 2 ind b s indústria conf.
284 2 ind rg s hidromanfer
285 7 ins o s universidadeah.m.
286 2 ind rg s
287 2 c/s rg s
288 3 ind rm n galpão abandono
289 5 ind rm n em abandono
290 3 ind rm s galpão abandono
291 2 ins rg s der
292 4 c o s frigorífico
293 2 rm n galpões à venda
294 6 ind o n antárctica
295 1 s rm s estacionamento
296 2 ind b s
297 2 p n galpão cptm
número gabarito uso conservação uso identif icação número gabarito uso conservação uso identif icação
89
[04] o projeto-tese: o processo
trecho 1> moinho central(Fonte: Base Aerofotogrametria, 2001)
90
[04] o projeto-tese: o processo
trecho 2> pátio júlio prestes(Fonte: Base Aerofotogrametria, 1999)
(Fonte: Base Aerofotogrametria, 2001)
(Fon
te: P
ólo
Luz,
199
9, p
.6)
91
[04] o projeto-tese: o processo
trecho 3> pátio do pari(Fonte: Base Aerofotogrametria, 2001)
92
[04] o projeto-tese: o processo
trecho 4> lgo. concórdia-brás(Fonte: Base Aerofotogrametria, 2001)
93
[04] o projeto-tese: o processo
trecho 5> moóca
(Fon
te:
Base
Aer
ofot
ogra
met
ria,
2001
)
94
[04] o projeto-tese: o processo
04.2 AnálisesA área de estudo, historicamente ocupada pela indústria, como visto no
capítulo anterior, nas últimas décadas vem sofrendo enormes transformações
causadas pela passagem da cidade industrial para a metrópole pós-industrial,
de serviços. É um típico território em mutação urbana.
Observa-se um esvaziamento industrial. Vários estabelecimentos estão
sendo desativados e transferidos para outras localizações que oferecem melho-
res vantagens fiscais, terra e mão-de-obra mais barata, além de não sofrerem
a pressão dos sindicatos. Outras empresas estão simplesmente reduzindo sua
capacidade produtiva e seu pessoal, como forma de superar a crise. Outras ain-
da passaram a operar com uma planta industrial reduzida, devido aos processos
de automação e modernização industrial, gerando inúmeros espaços ociosos em
suas unidades.
Alguns exemplos paradigmáticos desse processo podem ser observados
na área de estudo. A Cia. Antárctica localizada historicamente na Moóca está
hoje toda praticamente desativada e desocupada, causando um enorme vazio
funcional, não apenas na área industrial - os seus galpões - mas em todo o
entorno que, durante várias décadas, teve sua vida urbana vinculada à da fá-
brica. Quando uma indústria desse porte abandona o seu sítio original, o �es-
trago� causado na área é gigantesco. Ultrapassa, em muito, o já grande vazio
deixado no seu território industrial desativado. O Moinho Central, no Trecho [1],
95
[04] o projeto-tese: o processo
é outro exemplo dramático. Esvaziado funcionalmente, continua como marco -
verdadeira referência urbana na paisagem - na orla ferroviária. Completamente
ociosa, a edificação de mais de 15.000 m2 e o seu entorno, estão hoje precaria-
mente ocupados por uma população de �sem-teto. Mostra, a um só tempo, a
urgente demanda por habitação de interesse social paulistana - que poderia ser
alocada neste território central, em vez de se promover a ocupação periférica e
sem infraestrura da metrópole - e a absoluta falta de planejamento na ocupa-
ção contemporânea da área.
O levantamento realizado, através de um mapemanto urbano feito na
orla ferroviária (OF) em 2001, no seu perímetro interno e nas suas bordas,
mostra-nos alguns pontos relevantes:
1 A situação interna à OF possui uma especificidade muito grande e difere
das bordas. Basicamente é um território ocupado pela estrutura ferroviária:
linhas, pátios, galpões e oficinas ferroviárias atualmente sob administração
da CPTM, além das estações existentes. Edificações de porte são poucas: a
estrutura edificada dos Moinhos Central e Matarazzo (uso privado); o Museu
do Imigrante no Brás; as estações Júlio Prestes, Luz, Brás, Roosevelt e
Moóca; oficinas ferroviárias parcialmente utilizadas no Pátio Júlio Prestes e
no Pátio do Pari; a Sala São Paulo e o antigo prédio do DOPS (em transfor-
mação para futuro uso cultural); os edifícios da Cia. Antárctica, na Moóca, já
desativados. Os pátios ferroviários propriamente ditos, com suas imensas
96
[04] o projeto-tese: o processo
áreas de manobras e manutenção ferroviária estão atualmente apenas
parcialmente em uso, servindo muito mais como imensos vazios urbanos e
área de estoque de ferro velho.
2 As bordas da OF apresentam alguns aspectos gerais comuns aos 5 trechos
de estudo:
2.1 Baixo gabarito: em média, edificações que não ultrapassam 3 pavimentos;
alguns poucos - 10 na área toda - edifícios altos (mais de 10 pavimentos);
2.2 Uso variado: predominam os usos atuais de comércio varejista de pequeno
porte (37% dos 176 lotes levantados), habitação (26% do total, sendo que
parte está sobre térreo comercial) e industrial (22%).
2.3 As edificações de uso industrial, apesar de responderem por 22% do
número de lotes pesquisados, ocupam a maior parte do território, pois
possuem área consideravelmente maior. Interessante notar que, a despeito
de haver grandes áreas industriais sem uso, em números absolutos apurou-
se que 82% delas estão em pleno ou parcial funcionamento. Ou seja, há na
verdade, um processo de reconversão industrial e não, propriamente,
desativação industrial. O trecho da Moóca é o mais prejudicado: 90% dos
lotes industriais estão inativos, lembrando-se novamente que, a maior parte
do território está sem uso definido, pois a desativação de um parque indus-
trial do porte da Cia. Antárctica representa por sí só um esvaziamento desse
território.
97
[04] o projeto-tese: o processo
É interessante notar que as indústrias, localizadas dentro do limite do municí-
pio de São Paulo, encontram-se com nível superior de atividades quando
comparadas às empresas situadas nos municípios do ABC. Provavelmente,
esse fato deve-se à diversificação de atividades industriais existentes nesse
trecho, diferentemente das atividades das empresas do ABC, ligadas em
geral ao setor automobilístico.
Outra tendência que se observa ao longo da OF, no trecho imediatamente
posterior à Moóca, em direção ao ABC, é o processo de substituição das
unidades industriais por grandes estruturas comerciais, tais como
hipermercados, concessionárias de automóveis, shopping-centers, etc.; que
estão longe de se configurarem em um novo padrão urbano consolidado.
Essa situação de substituição funcional provisória é também vista ao longo
da Marginal do Rio Tietê.
2.4 Vazios urbanos. Os espaços residuais, atualmente sem qualquer uso, sejam
terrenos vagos ou edificações e galpões abandonados, respondem por
apenas 10% do total de lotes pesquisados. Ocorre aqui situação semelhante
à anterior: apesar de representarem apenas 10% do total de lotes, esses
espaços respondem, na verdade, por enormes áreas no território. O Pátio do
Pari, por exemplo, é exemplo claro: representa apenas um ítem sem uso no
nosso levantamento, porém trata-se de área residual de mais de 150 ha
que, ladeada pela Zona Cerealista já em franca decadência, transforma-se
98
[04] o projeto-tese: o processo
no maior vazio urbano na área central de São Paulo.
2.5 Há poucas transposições da OF em toda a extensão estudada. A orla
ferroviária determina um claro seccionamento do tecido urbano. A sua
passagem foi uma cicatriz urbana que separou os lados da cidade. Isso vale
para a passagem tanto de pedestres, quanto de ônibus e carros.
2.6 As estações encontram-se em estágio de deterioramento e esvaziamento
funcional e simbólico. Poucas - talvez apenas a Estação da Luz - possuem
clara inserção urbana. A implantação da Estação da Luz foi muito feliz ao
permitir, através de si mesma, uma transposição fácil da OF por parte dos
pedestres. O rebaixamento da linha, que aqui passa em cota pouco menor
do que as bordas da cidade, possibilita sua implantação como passagem
urbana, ligando a Praça da Luz ao eixo da avenida Cásper Líbero. Ocorre no
momento a discussão sobre a modernização e ampliação da Estação. Por um
lado, em consonância com as diretrizes do PITU 2020, há a necessidade de
sua ampliação para se transformar na estação central de trens de São Paulo
e melhor atender a futura demanda dos trens metropolitanos e do possível
metrô de superfície. Por outro lado, vê-se, supreendentemente, nos jornais,
as notícias da sua transformação em equipamento cultural sob patrocínio
privado e sob os auspícios do Projeto Monumenta, com fomento do Banco
Interamericano do Desenvolvimento (BID).
2.7 A conversão da antiga Estação Sorocabana na atual Sala São Paulo por
99
[04] o projeto-tese: o processo
parte do Governo do Estado, há alguns anos atrás, a despeito de ter dado
uso contemporâneo a um equipamento urbano obsoleto, em consonância
com as diretrizes culturais para a área da Luz, representou, infelizmente,
mais uma intervenção urbanística pouco eficaz para o contexto local. O
projeto poderia ser mais abrangente, ao tratar da reurbanização do Pátio
Júlio Prestes, fazendo a desejável ligação da cidade alta (Campos Elíseos)
com a cidade baixa (Bom Retiro), colocando a Sala São Paulo em meio à
cidade. Acabou se convertendo num projeto que dá as costas para a cidade.
Poderia ter ocorrido o também desejável projeto urbano de requalificação,
principalmente através de moradia coletiva de interesse social, de toda a
área da �Cracolândia�, para que este não fosse mais uma rica obra isolada
em trecho pobre da cidade, mais uma ilha de exceção em meio ao espaço
urbano esquecido pelo poder público. Difícil não se lembrar que a Associa-
ção Viva o Centro possuía plano urbano abrangente para a área, que não foi
levado em consideração, incluindo-se a reurbanização da Praça Júlio Prestes,
de autoria dos arquitetos Regina Meyer e UNA.
2.8 Há poucas áreas verdes e públicas, de uso público, ao longo do território. O
Parque da Luz é o único pulmão verde conectado à OF. Infelizmente cercado
e não ligado à orla. A Praça Júlio Prestes e o Largo da Concórdia represen-
tam dois espaços de intenso uso público. O Largo da Concórdia - sítio histórico
da população migrante e imigrante; verdadeiro nó urbano e ponto de
100
[04] o projeto-tese: o processo
convivência comunitária no Brás - está hoje loteado por uma avalanche de
camelôs. As imagens são dramáticas vistas de helicóptero. O comércio
informal tomou conta do espaço público. O sítio histórico foi tomado pela
cidade informal.
2.9 A área que vai do Largo da Concórdia ao Museu do Imigrante, no Brás,
representa provavelmente a situação de maior complexidade urbana de
toda a OF paulistana. Ali, justapõem-se vários elementos urbanos comple-
xos, sem qualquer integração: praças, duas estações de trem, uma estação
elevada de metrô, museu e espaços públicos. A ferrovia e os viadutos
representam barreiras urbanas intransponíveis ao pedestre. Em sítio urbano
central - dali desfruta-se da vista da colina histórica - a absoluta falta de
planejamento urbano fez da área um caos urbano.
2.10 A área que vai da Estação da Luz ao Pátio Júlio Prestes representa o que
se poderia denominar OF de banda curta: trecho onde a cidade, em ambos
os lados, encosta na orla com seu tecido urbano usual (moradias e comér-
cio). Poderia converter-se em situação bastante favorável de ocupação
lindeira à ferrovia se houvesse maior integração entre os dois lados da
cidade.
101
[5] o projeto-tese: a estratégia
0505050505 O PROJEO PROJEO PROJEO PROJEO PROJETTTTTOOOOO-----TESETESETESETESETESE: A ES: A ES: A ES: A ES: A ESTRTRTRTRTRAAAAATÉTÉTÉTÉTÉGIA>GIA>GIA>GIA>GIA>
05.1 F05.1 F05.1 F05.1 F05.1 Frrrrragmentação e ragmentação e ragmentação e ragmentação e ragmentação e reeeeetaltaltaltaltalhamenthamenthamenthamenthamento da meo da meo da meo da meo da metrtrtrtrtrópole 102ópole 102ópole 102ópole 102ópole 102
05.1.1 Desarticulação do território 102
05.1.2 Fluidez e redes de fluxos 106
05.1.3 Terreno vago 110
05.2 Int05.2 Int05.2 Int05.2 Int05.2 Interververververvenções urbanas cenções urbanas cenções urbanas cenções urbanas cenções urbanas contontontontontemporâneemporâneemporâneemporâneemporâneas 118as 118as 118as 118as 118
05.2.1 Intervir na cidade: dilemas e contradições 118
05.2.2 Projetos urbanos contemporâneos 132
05.3 As estrutur5.3 As estrutur5.3 As estrutur5.3 As estrutur5.3 As estruturas urbanas e a cas urbanas e a cas urbanas e a cas urbanas e a cas urbanas e a construção de uma noonstrução de uma noonstrução de uma noonstrução de uma noonstrução de uma novvvvva ta ta ta ta territerriterriterriterritorialidadeorialidadeorialidadeorialidadeorialidade
mememememetrtrtrtrtropolitana 154opolitana 154opolitana 154opolitana 154opolitana 154
05.3.1 Urbanismo dinâmico 154
05.3.2 A orla ferroviária como nova territorialidade metropolitana 162
05.4 No05.4 No05.4 No05.4 No05.4 Notas 179tas 179tas 179tas 179tas 179
102
[5] o projeto-tese: a estratégia
05.1 Fragmentação e retalhamento dametrópole
05.1.1 Desarticulação do t05.1.1 Desarticulação do t05.1.1 Desarticulação do t05.1.1 Desarticulação do t05.1.1 Desarticulação do territerriterriterriterritórioórioórioórioório
A noção de território tem variado ao longo do tempo. O conceito de
território foi-nos passado pela modernidade e assim tem vindo até o presente,
quando, claramente, já não satisfaz à dinâmica da vida contemporânea, à
fragmentação espacial das metrópoles e à realidade do mundo globalizado.
Milton Santos debruçou-se longamente sobre o tema e colocou com
propriedade:
“...caminhamos, ao longo dos séculos, da antiga comunhão individual dos
lugares com o Universo à comunhão hoje global: a interdependência universal
dos lugares é a nova realidade do território.” 1
As novas tecnologias e a globalização econômica têm alterado, segundo
Saskia Sassen, os significados das nossas noções de geografia e distância. Após
estudos exaustivos das alterações urbanas provocadas pelo processo de
globalização, Sassen conclui que há, na verdade, uma geografia da centralização
e não da dispersão ou descontinuidade, que não respeita fronteiras urbanas ou
nacionalidades.2
No final do século XX, a globalização impôs ao território uma dinâmica
103
[5] o projeto-tese: a estratégia
até então inesperada. Deve-se ter em mente, porém, que mesmo nos lugares
onde os vetores da globalização estão mais presentes, o território habitado e com
vida local mantém características próprias. Cria novas sinergias que se contra-
põem à globalização. Vive-se, portanto, uma realidade de crise. Um conflito
cultural da sociedade que se apresenta na escala do território. Conforme Milton
Santos:
“Há um conflito que se agrava entre um espaço local, espaço vivido por
todos os vizinhos, e um espaço global, habitado por um processo racionalizador e
um conteúdo ideológico de origem distante e que chegam a cada lugar com os
objetos e as normas estabelecidos para servi-los. Daí o interesse de retornar a
noção de espaço banal [sic], isto é, o território de todos, freqüentemente contido
nos limites do trabalho de todos; e de contrapor essa noção à noção de redes,
isto é, o território daquelas formas e normas ao serviço de alguns....Por isso
mesmo, as grandes contradições do nosso tempo passam pelo uso do território.”
3 (grifo nosso)
Estes processos simultâneos – globalização e fragmentação – geram
territórios contraditórios. Desconexões e intervalos na mancha urbana.
“Geografias da desigualdade”.4
Na verdade, deixamos para trás a cidade moderna do século XX e nos
deparamos, sem prévio aviso, com as metrópoles mutantes da
contemporaneidade.
104
[5] o projeto-tese: a estratégia
A metrópole contemporânea apresenta imensas áreas desarticuladas e
dispersas pelo território. São áreas dotadas de fluxos variados, em trânsito
permanente, com fraturas que esgarçam o tecido urbano, estabelecendo aparente
semelhança entre partes dispersas. Conforme Brissac: “No espaço fragmentado e
indeterminado da metrópole contemporânea não se tem pontos ou posições...As
vias ferroviárias e as autopistas, sistemas tradicionalmete estruturadores da
mancha urbana, não organizam mais o espaço.” 5
Essa desarticulação do território pode ser vista nos arquipélagos de bairros
que se margeiam, fragmentos de todas as escalas, alguns inteiros e quase
homogêneos, saídos de uma superposição de diferentes épocas históricas e
estruturas urbanas que se cruzam sem definir espaços homogêneos. Sem limites
claros. A fragmentação territorial compreende uma rede desconexa de vazios
urbanos, terrenos vagos e enclaves territoriais. Misturam-se a cidade formal e a
cidade informal, ilegal, de modo aleatório e disperso. Coexistem zonas
abandonadas e áreas de ocupação intensa e desordenada. A arquitetura reflete
essa instabilidade, ainda segundo Brissac:
“...formas fragmentadas e perdidas em reflexos espelhados, espaços
simulando transparência, estruturas variáveis ou móveis que provocam
inquietação e estranhamento. Construções que refletem as mudanças contínuas e
os deslocamentos abruptos da urbe contemporânea.” 6
A cidade perde seus limites, eixos, simetria; a arquitetura perde seus
105
[5] o projeto-tese: a estratégia
símbolos, seus monumentos. No seu lugar surge a fragmentação do território. Um
dos maiores problemas para a compreensão dessas novas formas que o território
adquire é, justamente, a imensidão de sua escala. Uma escala que não mais
permite aos moradores da cidade percebê-la com um mínimo de clareza. Não há
mais possibilidade de se formar um mapa mental da cidade contemporânea aos
moldes daqueles conceituados por Kevin Lynch. A percepção ambiental da
metrópole atual exige novos parâmetros para sua análise e definição.
Para Borja e Castells, por exemplo, o espaço metropolitano é entendido,
hoje, como espaço urbano-regional, descontínuo, funcional e objeto das futuras
atuações, “espaço estratégico por excelência”. Esse espaço estratégico, sob seu
enfoque, é também espaço econômico. O âmbito urbano regional é, atualmente,
o marco natural da atividade econômica. Esse mesmo espaço é também um novo
espaço de integração sociocultural.7
Mas a escala da desintegração física, da aparente imensurabilidade, torna-
se, ao mesmo tempo, a escala da possibilidade da integração, desde que
devidamente compreendida. O território metropolitano ganha novas escalas de
entendimento. Uma escala impensável até o fim do século XX. O processo de
metropolização ganha uma nova dimensão. Novas potencialidades. Ao contrário
de um cenário, à primeira vista caótico, surgem imensas possibilidades de
construção territorial justamente a partir desses espaços vazios, dos fragmentos
territoriais dispersos e desconexos. O que se aparenta como fraturas de um tecido
106
[5] o projeto-tese: a estratégia
metropolitano “retalhado”, pode sustentar projetos urbanos até então inéditos
na reconstrução da metrópole.
05.1.2 Fluide05.1.2 Fluide05.1.2 Fluide05.1.2 Fluide05.1.2 Fluidez e rz e rz e rz e rz e redes de fedes de fedes de fedes de fedes de fluxluxluxluxluxososososos
A internacionalização da produção capitalista, dentre outros fatores intra-
urbanos, vem determinando, nas últimas décadas, novos padrões de organização
territorial metropolitana. A nova dinâmica do território, mais complexa,
determina a sua descontinuidade, gera os espaços residuais – o terreno vago - e
faz emergir uma organização, até então inédita, da fluidez e rede de fluxos nesse
território.
Os fluxos, e não apenas as empresas físicas, passam a constituir unidades
de trabalho e decisão na metrópole contemporânea. A localização dos agentes
econômicos e sociais é, agora, determinada por uma rede de fluxos. De
informações e capital. A rede de fluxos estabelece conexões e mutações
contínuas no território. Os fluxos substituem as localidades fixas. Surge uma
inexorável descontinuidade territorial. A informação, sobretudo, ganha proporção
determinante na nova lógica territorial, conforme nos descreve Milton Santos:
“Antigamente, sobretudo antes da existência humana, o que reunia as
diferentes porções de um território era a energia, oriunda dos próprios processos
naturais. Ao longo da história é a informação que vai ganhando essa função, para
ser hoje o verdadeiro instrumento de união entre as diversas partes de um
107
[5] o projeto-tese: a estratégia
território.” 8
Assim, a forma típica da mobilidade contemporânea são os fluxos. O
movimento na cidade moderna – tão valorizado pelo modelo dos Congressos
Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM´s) - é substituído pelos fluxos na
cidade contemporânea. As cidades e a sua arquitetura atuam como os pontos
nodais dos fluxos internacionais, onde se refletem as interconexões globais.
Há uma concentração de atividades em pontos urbanos dispersos. Surge,
assim, o abandono de grandes áreas urbanas e o aumento da necessidade de
locomoção entre esses nós urbanos produtivos. O território passa a ser constituído
de “vastos enclaves urbanos, praticamente autônomos, ligados diretamente aos
sistemas de fluxos informacionais corporativos...”9
Esses nós, presentes no espaço da rede de fluxos, cada vez mais se
assemelham programaticamente. Ali, ocorrem funções e programas semelhantes,
que podem se reproduzir e se conectar por diversos territórios distintos do globo.
Koolhas, por exemplo, descreve os aeroportos de hoje como os paradigmas desse
novo território global: cidades começam a se parecer com aeroportos e estes
tornam-se “uma concentração de ambos, o hiper-global e o hiper-local” onde se
pode desfrutar e adquirir coisas que pertencem a quaisquer lugares do mundo -
as cidades genéricas globalizadas - e, ao mesmo tempo, conseguir coisas que são
da cultura local. São típicos nós da rede de fluxos global, ao mesmo tempo que
pontos na rede do território metropolitano disperso.10
108
[5] o projeto-tese: a estratégia
O crítico holandês Hans Ibelings chega a descrever os aeroportos dos anos
90 como representando o mesmo papel dos museus dos anos 80. Esses espaços
nodais de programa gigantesco seriam os paradigmas da demanda
contemporânea: mobilidade, acessibilidade e infra-estrutura são seus elementos
essenciais. Segundo ele, estes seriam exemplos de um “supermodernismo”, já
que não mais atendem aos interesses contextuais e históricos da cidade, como o
viés pós-moderno, mas estão, arquitetonicamente, suscetíveis a novas categorias
como: neutralidade, indistinção e implicidade.11
Por outro lado, na espacialização dessa rede de fluxos não há escala
precisa. Pode ser local, global ou urbano-regional. A rede de fluxos espalha-se
por um território dinâmico, de desenho líquido, mutante. Conforme Borja e
Castells: “Esta nova cidade metropolitana deve ser entendida como uma rede, ou
um sistema, de geometria variável, articulada por nós, pontos fortes de
centralidade, definidos por sua acessibilidade.”12
Uma abordagem pouco menos cética pode determinar um olhar para essa
realidade metropolitana como possuidora de inusitados potenciais.
Obviamente, se o sistema é dinâmico e fluído, determinado por uma rede
de nós, a qualidade dessa nova realidade territorial dependerá da intensidade
das relações entre esses nós, da multifuncionalidade dos centros nodais e da
capacidade de integração à população e ao território, mediante um adequado
sistema de mobilidade intra-urbano e externo ao território físico, inerente à rede
109
[5] o projeto-tese: a estratégia
de nós urbanos.
Outro olhar possível pode nos levar ao questionamento da inexorabilidade
dessas redes. Pode-se, perfeitamente pensar num sistema híbrido, onde a
metrópole abarca, ao mesmo tempo, um território que possui duas lógicas
distintas e complementares. Uma, determinada pelo sistema de redes de fluxos e
outra, de caráter local, do espaço da convivência dos cidadãos, das relações
humanas que sempre existiram nas cidades. O espaço local, “banal”, como diria
Milton Santos:
“O território, hoje, pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em
rede...Mas além das redes, antes das redes, apesar das redes, depois das redes,
com as redes, há o espaço banal [sic], o espaço de todos, todo o espaço, porque
as redes constituem apenas uma parte do espaço e o espaço de alguns...De um
lado, temos uma fluidez virtual, oferecida por objetos criados para facilitar essa
fluidez e que são, cada vez mais, objetos técnicos. Mas os objetos não nos dão
senão uma fluidez virtual, porque a real vem das ações humanas, que são cada
vez mais ações informadas, ações normativas.”13
Resta ao urbanismo contemporâneo compreender essas dinâmicas
complementares e complexas para agir no âmbito do território. Lançar estratégias
de intervenção que abarquem, ao mesmo tempo, a demanda das redes de fluxos
e da maior fluidez territorial e do espaço local, das relações humanas que
continuam a se dar nesse âmbito. O espaço público, nesse sentido, sempre foi e
110
[5] o projeto-tese: a estratégia
continuará sendo o amálgama da cidade. A razão de ser da existência urbana.
Onde a cidade ganha sua maior dimensão humana.
05.1.3 T05.1.3 T05.1.3 T05.1.3 T05.1.3 Terrerrerrerrerreno veno veno veno veno vagoagoagoagoago
A definição de terreno vago na sua origem francesa, “terrain vague”,
surge com precisão em um texto, hoje clássico, do arquiteto e crítico catalão
Ignasi de Solà-Morales, publicado na série “Any” de debates conceituais. Nesse
texto, ele coloca a dificuldade da tradução precisa para outras línguas do termo.
Por um lado, a palavra francesa “terrain” conota uma qualidade urbana
generosa, maior do que um simples “terreno”, como normalmente se
empregaria o seu uso em português. Maior e menos precisa porção de área
urbana. Por outro lado, a palavra francesa “vague” traz, pelas suas origens
latinas, dois significados complementares. O primeiro refere-se à vácuo, vazio,
não ocupado, mas também à livre, disponível. Sem uso, porém com liberdade de
expectativas. O segundo significado advém do latim “vagus”: indeterminado,
impreciso, sem limites claros, incerto, vago. Pode-se ainda buscar referência de
significado em “terreno baldio”: o terreno a ser utilizado.14
Assim, a relação entre todos os significados dá uma conotação abrangente
ao termo terreno vago na sua dimensão urbana. À conotação negativa impõe-se
a esperança do potencial presente. Área sem limites claros, sem uso atual, vaga,
de difícil apreensão na percepção coletiva dos cidadãos, normalmente
Fig. 5.1. As várias expressões do terreno vago 1: Miyamoto Kowloon Walled City, 1987. (Fonte:Miyamoto, 1999, [sp-1]).
111
[5] o projeto-tese: a estratégia
constituindo uma ruptura no tecido urbano. Fratura urbana. Mas também área
disponível, cheia de expectativas, com forte memória urbana, a memória de seu
uso anterior parece maior que a presença atual, potencialmente única, o espaço
do possível, do futuro. A possibilidade do novo território metropolitano.
Tais espaços residuais surgem, normalmente, do processo de mudança do
modo de produção capitalista e de seus reflexos no território metropolitano. São
consequência direta das mutações urbanas. O terreno vago é, usualmente,
resultante do processo de desindustrialização metropolitana do final do século
XX. As grandes transformações que os territórios metropolitanos vêm sofrendo ao
passar de cidade industrial para pós-industrial, de serviços, abandonando imensas
áreas de atividades secundárias, explicam, em grande parte, o surgimento dos
terrenos vagos.
Terrenos baldios e galpões desocupados junto aos antigos eixos
industriais. Antigas áreas produtivas, hoje inoperantes. Massas arquitetônicas do
passado industrial, atualmente vazias, em processo de deterioração física (os
moinhos presentes na orla ferroviária paulistana). Mas também surgem das mal
planejadas intervenções rodoviaristas, como as áreas residuais presentes no
tecido urbano tradicional cortado por gigantescos sistemas de vias expressas (a
Zona Leste paulistana, por exemplo, é toda constituída por tais situações).
Cicatrizes urbanas. Terras de ninguém.
Pode-se colocar o terreno vago como resultante também de um processo
Fig. 5.2. As várias expressões do terreno vago 2: Miyamoto Kowloon Walled City, 1987. (Fonte:Miyamoto, 1999, [sp-2]).
112
[5] o projeto-tese: a estratégia
metropolitano de “palimpsesto”. As mutações urbanas recorrentes, que se
sobrepõem umas às outras, sem lógica histórica, geram, no território
“consolidado” camadas urbanas de novos usos e programas e, nos seus
interstícios territoriais - spaces in between -, terrenos vagos.15
A metrópole atual, permeada por terrenos vagos, determina uma rede
desconexa de espaços residuais, vazios urbanos. Um território permeado por
fraturas urbanas. Os cidadãos perdem, então, o senso da totalidade, da
abrangência da urbe. Do seu território.
Passamos a ser, então, nas nossas cidades,“estrangeiros na sua própria
terra”16
O terreno vago é, assim, símbolo dessa vida metropolitana atual. Seu
paradigma.
Wim Wenders, dentre vários artistas, tem-se utilizado desse paradigma
metropolitano para retratar a complexidade e ambigüidade da vida
contemporânea em seus filmes. Na série berlinense – “Asas do Desejo” e “Tão
Longe, Tão Perto” – sua lente paira sobre Potsdamer Platz e Alexanderplatz,
destruídas na guerra, para refletir a força simbólica desses espaços. Em “O Hotel
de um Milhão de Dólares”, ele se utiliza de um velho hotel deteriorado em meio
a uma terra de ninguém, espaço residual na trama urbana de Los Angeles, para
encerrar a discussão da ansiedade da vida contemporânea nas metrópoles de
escala imensurável.
Fig. 5.3. As várias expressões do terreno vago 3: Berlim, 1990. (Fonte: Basilico, 1999, p104 ).
113
[5] o projeto-tese: a estratégia
A poA poA poA poA potttttencialidade do vencialidade do vencialidade do vencialidade do vencialidade do vazio urbanoazio urbanoazio urbanoazio urbanoazio urbano
Mas, concomitantemente, está presente no vazio urbano a expectativa do
novo.
As áreas residuais são também a presença viva de um potencial imenso.
Da reconstrução, renovação, revitalização, mudança. A construção do novo
território. Da nova vida coletiva. Da nova metrópole que está à espreita. A crise
traz a angústia da ausência clara do uso atual, mas também a esperança de algo
novo, indeterminado e promissor. Espaços, portanto, privilegiados, como coloca
Solà-Morales:
“as áreas de `terrain vague’ são para alguns os sítios privilegiados de
identidade, de encontro entre presente e passado, ao mesmo tempo em que se
oferecem como o último reduto não contaminado para o exercício da liberdade
individual de pequenos grupos.”17
Os vazios urbanos têm sido objeto da análise de alguns urbanistas europeus
recentemente. Entretanto, as abordagens - sempre instigantes - são
complementares. Um grupo de estudiosos têm procurado lançar um olhar
prospectivo, analítico, descritivo para a questão. Nesse grupo estão os urbanistas
italianos Bernardo Secchi e Stefano Boeri. Procuram incorporar a presença dos
terrenos vagos à leitura da paisagem metropolitana. Outro grupo, liderado pelos
holandeses, especialmente Koolhaas, William Neutelings, MVRDV e Adrian Geuse
(West 8), além de Daniel Libeskind, tem sido especialmente sensível à poesia
Fig. 5.4. As várias expressões do terreno vago 4: Beirute, 1991. (Fonte: Basilico, 1999, p54 ).
114
[5] o projeto-tese: a estratégia
presente nesses espaços: a beleza e o potencial do vazio.
No entanto, exceto esses poucos pensadores de vanguarda, até o
momento, os arquitetos e urbanistas têm abordado o problema com o habitual
afã de construir sobre o vazio. Tem-se, normalmente, visto a questão do terreno
vago de modo tradicional, quando a abordagem deveria ser não-ortodoxa.
Coloca-se a intervenção em termos de formas construídas, ao invés de processos
fluídos, fluxos e forças.
Se nos remetermos aos projetos iniciais que enfrentaram este problema
territorial, veremos essa abordagem tradicional. O projeto de reurbanização da
antiga área industrial da Pirelli em Bicocca, Milão, foi um dos primeiros casos de
enfrentamento do esvaziamento industrial por parte da comunidade
arquitetônica e o projeto vencedor do concurso internacional, de autoria de
Vittorio Gregotti, apresenta solução típica.18
Novamente Solà-Morales descreve com precisão a questão:
“Nesta situação o papel do arquiteto é inevitavelmente problemático. O
destino da arquitetura tem sido o de colonização, da imposição de limites,
ordem, forma, da introdução de elementos de identidade no espaço estranho
para torná-lo reconhecível, idêntico, universal...Quando a arquitetura e o desenho
urbano projetam seus desejos para um espaço residual, `terrain vague’, eles
parecem incapazes de fazer outra coisa senão introduzir transformações
violentas...Como a arquitetura pode agir na `terrain vague’ sem se tornar um
Fig. 5.5. As várias expressões do terrenovago 5: o projeto Arte/cidade expôs àvisitação pública várias situações deterreno vago na cidade de São Paulo.Aqui vêem-se as antigas IndústriasMatarazzo na Barra Funda. (Fonte: Arte/cidade,1997).
115
[5] o projeto-tese: a estratégia
instrumento de poder e reação abstrata?” 19
A complexidade e heterogeneidade dos espaços residuais enriquecem o
escopo da arquitetura urbana. É preciso definir novas metodologias profissionais
e acadêmicas para o seu correto entendimento e abordagem.
Na opinião de Koolhaas, por exemplo, há duas razões que fazem dos
vazios urbanos uma das principais linhas de combate, se não a única, para os
arquitetos da cidade: (1) é mais fácil controlar espaços vazios do que trabalhar
em intervenções urbanas com altos volumes e formas arquitetônicas aglomeradas
que se têm tornado incontroláveis e (2) as cidades precisam dos seus espaços
vazios. Fala-se, portanto, da potencialidade do vazio.20
Estes espaços residuais devem ser colocados sob uma ótica nova, que
admita flexibilidade frente à rede de fluxos. Uma nova abordagem que permita à
metrópole respirar. Não preencher seus espaços vazios com uma arquitetura
tradicional, de massas, opressiva.
Poderia-se pensar, por vezes, inclusive na possibilidade da permanência
do terreno vago no tecido metropolitano que se transforma, como um foco de
resistência, aliada “...à sua história, memória e identidade. Se essa resistência é
tão forte, o que significa, em outras palavras, que a idéia de transformação é tão
frágil, eu acho que se deve simplesmente deixá-lo para a criatividade das
gerações futuras.”21
De qualquer modo, o território metropolitano conforma-se por uma rede
Fig. 5.6. As várias expressões doterreno vago 6: Arte/cidade em sua3a. versão: as antigas IndústriasMatarazzo na Barra Funda. (Fonte:Brissac,1998, p.333).
116
[5] o projeto-tese: a estratégia
desses espaços residuais e uma rede de fluxos que se complementam. Apesar do
avanço vertiginoso do processo de globalização e de suas conexões nodais, no
âmbito do espaço territorial, a metrópole ainda detém os chamados espaços
banais. Presencia-se ainda um processo de crise, de mutações constantes, onde,
por hora, verifica-se o surgimento da metrópole fragmentada, constituída por
fraturas urbanas.
São PSão PSão PSão PSão Paulo praulo praulo praulo praulo precisa do silêncio arquitecisa do silêncio arquitecisa do silêncio arquitecisa do silêncio arquitecisa do silêncio arquiteeeeetttttônicônicônicônicônicooooo
No caso de São Paulo, além das características descritas, acrescente-se o
processo de “urbanificação” da metrópole: um urbanismo de caráter meramente
técnico, implementado sem o desenvolvimento concomintante de sua outra
dimensão, a urbanidade. Uma metrópole retalhada, sem espaços adequadamente
planejados pelo território para a convivência coletiva. Vazios urbanos que tenham
significado, no contraponto da cidade massivamente construída, cinza.
Aqui ,os terrenos vagos são facilmente explicáveis pela renegação do
mercado imobiliário e do poder público. São espaços que têm sido ignorados
pelos urbanistas, tido quase nehuma atenção por parte da municipalidade.
Representam os espaços que sobram entre as ilhas de desenvolvimento
imobiliário da cidade. Os clusters valorizados comercialmente e culturalmente
são o contraponto dos terrrenos vagos.
Os condomínios fechados buscados pela classe média representam esses
clusters. A atenção política e comercial desvia-se desses espaços residuais que,
Fig. 5.7. As várias expressões do terreno vago 7: Arte/cidade em sua 3a. versão: intervançãoartística no Moinho Central. (Fonte: Arte/cidade,1997).
117
[5] o projeto-tese: a estratégia
em metrópoles como São Paulo, representam áreas gigantescas,
propositadamente para se alocarem nas ilhas de investimento.
São ilhas de anti-urbanidade fincadas em meio a imensos espaços residuais.
Espaços que se querem constituir miniaturas de cidades. Oferecem serviços que
deveriam estar ocorrendo espontânea e dispersamente na urbe; em seus espaços
fechados e exclusivos dos condomínios. Ilhas de exclusão social e vida urbana.
Condomínios residenciais fechados e murados, grandes edifícios comerciais de
linguagem arquitetônica e programa globalizados. Podem estar na Marginal
Pinheiros ou em Manhattan, tanto faz, pois são semelhantes em tudo. Ou os
shopping centers que abundam pela cidade sem parar, tal qual uma praga que
deteriora o território em fragmentos dispersos. São sempre espaços de exclusão,
nos quais seus usuários se auto-excluem da vida urbana. “Os edifícios pós-
modernos não mais querem ser parte da cidade, mas antes seu equivalente, seu
substituto”, conforme Jameson.22
Ligado ao mesmo processo, há uma brutal transformação dos espaços pú-
blicos. Nesse território descontínuo, constituído por ilhas de vida urbana autôno-
mas, entremeado por espaços residuais, os espaços públicos se fragmentam
também em novas tipologias.
Os tradicionais espaços públicos locais, de bairro, vão se extinguindo,
enquanto surgem mega-espaços de lazer semi-público. Ocorre uma privatização
do espaço público e uma mediocrização de sua arquitetura: os cenários urbanos
118
[5] o projeto-tese: a estratégia
fake que tentam recriar simulacros de vida coletiva urbana (parques “temáticos”,
por exemplo).
Esses têm sido os contrapontos dos terrenos vagos na cidade de São Paulo.
Na verdade, deveria-se pensar que o próprio vazio urbano poderia, dentro de
uma adequada estratégia de ocupação territorial, compor uma rede de espaços
públicos que fornecesse à cidade os seus momentos de “silêncio arquitetônico”.
05.2 Intervenções urbanas contemporâneas05.2.1 Int05.2.1 Int05.2.1 Int05.2.1 Int05.2.1 Intervir na cidade: dilemas e cervir na cidade: dilemas e cervir na cidade: dilemas e cervir na cidade: dilemas e cervir na cidade: dilemas e controntrontrontrontradiçõesadiçõesadiçõesadiçõesadições
A cidade sempre foi desenhada e construída ao longo dos tempos como
expressão das inflexões sócio-econômicas da lógica histórica da sociedade. Não
há desenho urbano aleatório, sem desprendimento histórico. A ideologia das
intervenções urbanísticas está presente no seu desenho. E, de alguma maneira,
esse pensamento encontra respaldo na lógica de desenvolvimento histórico
daquela sociedade.
As intervenções urbanas devem ser compreendidas dentro da lógica e
dinâmica territorial de sua época. Refletem as suas contradições.
De modo geral, podemos dizer que as intervenções na cidade moderna – a
partir, portanto, do início do século XX – sempre oscilaram entre abordagens
globais e locais. De maior envergadura, criando novos trechos de cidade, as
expansões urbanas e as “cidades novas” e, atuando no âmbito da cidade exis-
Figs. 5.8/5.9. Projeto de expansão urbana em Amsterdã-Sul de Berlage em 1915/1920: primeirasexperiências de cidades modernas. Como sequência da expansão de Berlage, surgem os projetosmodernos de habitação coletiva: conjunto habitacional The Ship, de Michel de Klerk, Amsterdã,1913/1917. (Fonte: [1]).
119
[5] o projeto-tese: a estratégia
tente, os processos de recuperação de trechos centrais, intra-urbe.
Pode-se, inclusive, falar em gerações de intervenções urbanas.
A primeirprimeirprimeirprimeirprimeira gera gera gera gera geração de pração de pração de pração de pração de projeojeojeojeojetttttos urbanosos urbanosos urbanosos urbanosos urbanos, utilizada para conotar projetos de
grande dimensões e complexidade, pretendia configurar, de forma exemplar,
além dos seus limites físicos, o que deveria ser a cidade moderna. A intervenção
moderna clássica. A construção do novo em substituição à cidade existente, cujas
qualidades eram negadas. Desde a expansão de Amsterdã Sul por Berlage em
1914, visando proporcionar habitação coletiva moderna aos novos habitantes de
uma cidade que se expandia pela industrialização até a construção de cidades
novas inteiras.
Obviamente, essa abordagem ganha maior expressão com o advento dos
ideais corbusianos presentes na Carta de Atenas, em 1933. Tendo encontrado
pouco espaço para a sua efetiva realização em condições ideais, inclusive por
parte de Le Corbusier, que se vê frustrado por muito tempo por não conseguir a
concretização de suas idéias – vai encontrar demanda para a efetivação parcial de
seus preceitos na Europa do pós-guerra.
As cidades novas inglesas e os grandes conjuntos habitacionais, realizados
em muitas cidades européias, vão servir de laboratório para aqueles ideais
modernistas. Infelizmente, muitos destes casos serão objeto de críticas
avassaladoras por seu caráter excessivamente homogeinizador, falta de
diversidade tipológica e dinâmica urbana.
Fig. 5.10. A idéia da substituição total da cidade existente pela utopia do novo: Corbusier e o PlanoVoisin para Paris, 1925. (Fonte: Le Corbusier, 1959, p.101).
120
[5] o projeto-tese: a estratégia
Brasília acaba se tornando o maior exemplo construído da “escola
corbusiana” de viver modernamente, com variantes brilhantemente criadas por
Lúcio Costa e Oscar Niemayer, à lus dos ideais de Corbusier.23
Já a segunda gersegunda gersegunda gersegunda gersegunda geração de pração de pração de pração de pração de projeojeojeojeojetttttos urbanosos urbanosos urbanosos urbanosos urbanos, em menor escala, surge a partir
da crise dos CIAM´s, particularmente do 10º CIAM. Ganha maior força a partir da
década de 70, na Europa, quando se propõe à reconstrução crítica da cidade
existente, à intervenção pontual, ao restauro e revitalização da cidade
degradada. É contextual, não nega a cidade existente. Procura atuar por
somatório e encaixe no tecido existente. Defendida, nessa época, por arquitetos
como Aldo Rossi ou os irmãos Krier, destinou-se às intervenções pontuais,
fragmentos que conservam a marca arquitetônica local, mesmo que incorporada
aos tecidos pré-existentes.
Surgem, nessa época, os processos “re-...”. Reconstrução, revitalização,
recuperação urbanas. Intervenções pontuais para reinserir vida em tecidos
urbanos deteriorados. A maior crítica presente nesse tipo de intervenção é a sua
tendência em criar “cenários urbanos”: áreas revitalizadas com caráter
historicista, reprodução de sítios deteriorados com a inserção de elementos
anteriormente existentes ou a importação de símbolos externos que se
“contextualizem” àquele existente.
Nos EUA, chegou-se muitas vezes à reprodução de sítios históricos clássicos
em áreas urbanas revitalizadas. Foram criados parques temáticos e cenografias
Figs. 5.11/5.12. A utopia da cidade moderna e o ideal da habitação para todos chega ao Brasil sobinfluência direta de Corbusier. Ácima, o Conjunto do Pedregulho, RJ, Reidy, 1946. Abaixo: o sonhocorbusiano da Carta de Atenas é realizado no planalto central pelos seus discípulos Lúcio Costa eNiemayer em 1960. (Fonte: Reidy, 2000, p.89/ www.augustoareal, 1997).
121
[5] o projeto-tese: a estratégia
urbanas fake. Segundo alguns, a disneylandização dos espaços revitalizados.
Serviu também para atender à crescente concorrência entre os pólos geradores de
turismo local, dos mega-cenários urbanos de lazer. Surge o city-marketing.
Normalmente, tais intervenções acabam determinando uma “roupagem
nova” no território existente, com a inexorável expulsão da população local. Uma
abordagem pós-moderna que encontrou e ainda encontra grande espaço em
cidades norte-americanas (vide a revitalização de seus waterfronts) , mas que
hoje já se encontra superada em grande parte da Europa.24
São heranças urbanísticas as quais nos submetemos ao enfrentar a atua-
ção na cidade existente: metrópoles constituídas por intervenções originárias das
diferentes abordagens. O próprio planejamento modernista, pressupondo todas
as extensões urbanas asseguradas de condições de habitabilidade e conforto
urbano, a tradição orgânica, que entendeu a cidade constituída por uma série de
partes diferenciadas e devidamente interrelacionadas, constituintes de um
organismo unitário, a escola tipológica, que tratou de construir regras científicas
para o conhecimento da cidade edificada, permitindo explorar as suas conclusões
como hipóteses de plano.25
O termo “desenho urbano” surge na década de 60 como identificador de
um campo disciplinar, na escola anglo-saxã, a partir de uma visão crítica das
intervenções modernistas. Com a proposição de metodologias alternativas às
modernas, autorais e também àquelas propostas generalistas do chamado plane-
Fig. 5.14. A revitalização urbana dos waterfronts nos anos 80. Battery Park City, Nova Iorque, emimagem tomada do recém destruído conjunto das Twin Towers. (Fonte: [1]).
Fig. 5.13. A cidade pós-moderna é realizada nareconstrução da Europa. Nocentro de Haia, Holanda,sob desenho urbano deLeo Krier, surgem peçasarquitetônicas de AldoRossi e César Pellirefazendo o contextourbano existente com assuas característicashistóricas. (Fonte: [1]).
122
[5] o projeto-tese: a estratégia
jamento urbano globalizante, buscava-se inserir o urbanismo, com o respaldo de
pesquisas, junto às aspirações das populações locais. Autores como Kevin Lynch,
Gordon Cullen, Jane Jacobs ou Christopher Alexander desenvolveram diversas
metodologias para tentar aproximar o projeto do usuário na escala urbana e, as-
sim, tentar dotá-lo daquela dimensão urbana perdida nas grandes intervenções
modernistas.26
Infelizmente, após um período inicial de busca metodológica extremamen-
te produtiva, principalmente o extenso trabalho de Lynch, em seu laboratório de
desenho urbano no Massachussets Institute of Tecnology (MIT), nos seus projetos
de revitalização urbana em Boston e nos seus oito livros publicados, o termo
acabou, na década de 90, sendo erroneamente associado à postura anti-autoral
dos anos 60 e, posteriormente, à pós-modernista das décadas de 70 e 80.27
Quando aparecem as intervenções urbanísticas de maior porte para as
metrópoles contemporâneas, a partir dos anos 80 e, principalmente, na década
de 90, de partido conceitual inovador, de construção de novas territorialidades,
houve um desprendimento do antigo termo “desenho urbano” e a sua substitui-
ção por outro que refletisse esta nova lógica, de maior complexidade. Surge aí o
emprego corrente do termo “projeto urbano”.
É dentro desse quadro – resumido – que se pode colocar a aaaaatual gertual gertual gertual gertual geração deação deação deação deação de
prprprprprojeojeojeojeojetttttos urbanosos urbanosos urbanosos urbanosos urbanos.
Esta, não se distingue das demais pela dimensão, nem pela composição
Figs. 5.15/5.16. A revitalização dos “waterfronts”. Acima, a intervenção urbanística em Barcelona iniciada em1980 com a redemocratização da cidade e culminada com o advento das Olimpíadas em 1992 torna-se o projetourbano europeu de maior envergadura e sucesso. Sobre a antiga orla portuária deteriorada surge uma frentemarítima com parque linear e quadras urbanas novas. A cidade ganha suas praias. (Fonte: Barcelona, 1980-92).Abaixo: Puerto Madero, Buenos Aires. (Fonte: [1]).
123
[5] o projeto-tese: a estratégia
funcional das intervenções. Diverge, sobretudo, pela complexidade da dinâmica
do território metropolitano contemporâneo, como temos visto.
O processo urbanístico não mais segue os padrões teóricos do plano urba-
no geral, mas é agora expresso através de projetos urbanos que possuam a
capacidade executiva e, sobretudo, de colocar trechos da cidade em movimento.
O plano geral é substituído pelo processo estratégico, ao qual se vinculam os
projetos urbanos.
Os planos estratégico tornaram-se, portanto, uma via intermediária. Esta
nova vertente segue três princípios: a definição dos objetivos urbanos a partir das
dinâmicas em curso, a dialética permanente entre objetivos-projetos-impactos, a
concentração dos atores públicos e privados em todas as fases do processo de
elaboração e execução. Ocorrem, assim, três variações de processos urbanos: o
primeiro de abordagem integrada ao entorno imediato e também aos efeitos de
contaminação transformadora , “metástase urbana”; o segundo, o equilíbrio
entre o câmbio de atividades, usos e populações dos tecidos sociais próprios da
zona de atuação e, por fim, o efeito dinamizador sobre uma parte (ou a totalida-
de) da cidade, tanto físico, quanto econômico e culturalmente.28
Joan Busquets fala em categorias estratégicas para a intervenção urbana,
as “unidades complexas”. A grande escala de intervenção deve atender aos
objetivos econômicos, sociais e culturais, possuir coerência com outras dinâmicas
em andamento em diferentes partes do território, deflagrar o efeito de
Fig. 5.17. Estudo de análise visual da cidade realizado por Lynch: captar a percepção dos usuáriosna tentaiva de produzir projetos urbanos participativos. (Fonte: Lynch, 1991, p.302)
124
[5] o projeto-tese: a estratégia
metástase sobre seu entorno, além de gerar iniciativas que reforcem o potencial
articulador. Por sua vez, a escala intermediária corresponde às intervenções de
renovação de centros e promoção de novos pólos ou o desenvolvimento de novas
centralidades. Deve possuir a coesão entre a intervenção proposta e as paralelas,
ou complementares, que condicionam aspectos importantes de sua visibilidade
(acessibilidade, decisões públicas, medidas de ordenação da circulação ou
ambientais); a qualidade da execução dos projetos; e a capacidade de
mobilização de iniciativas e recursos públicos e privados, além de gerar usos
sociais propostos. Por fim, a escala menor destina-se às atuações pontuais, mas
ainda mantendo, apesar de sua redução em escala, um vínculo com o
desenvolvimento urbano. Independentemente do porte da intervenção, porém,
seu valor estratégico será determinado pelo efeito que causará na dinâmica
metropolitana.29
Pode-se estabelecer uma diferenciação clara entre as intervenções
resultantes de um plano geral, regulador e aquelas geradas no processo de
planejamento estratégico. Na primeira, tipos de usos e peças arquitetônicas são
previamente definidos através do zoneamento e, freqüentemente, não existe
coincidência entre a oportunidade e a ação pública. No segundo, há maior
interação. A prioridade é a montagem das condições de viabilidade, à procura dos
parceiros ou consensos e à avaliação dos impactos, sendo a sua localização exata,
passível de mudanças durante o processo.
125
[5] o projeto-tese: a estratégia
Não se deve confundir, entretanto, o processo estratégico, gerador das
condições de implementação, com a inexistência, desde o início, do processo de
intervenção direta dos projetos urbanos.
Lembrando-se que estes vêm ganhando nova força nas duas últimas déca-
das e aliado com a forma urbana, são novamente prioritários no processo de
planejamento estratégico das metrópoles. A integração das diversas funções,
infraestrutura e edificações, supera o antigo dualismo fatal do movimento
moderno. A ênfase é colocada no novo papel do espaço público, áreas de valor
coletivo e na dimensão cultural dos espaços abertos. 30
A relação entre os setores público e privado também mudou radicalmente.
As parcerias são agora fundamentais. Atualmente, o déficit das intervenções
públicas, por escassez de investimentos, torna-as mais seletivas e estratégicas,
além de mais participativas, em parcerias público-privado, ou sociedades mistas,
buscando efeitos mais qualitativos e coletivos.31
Esse tipo de projeto urbano difere-se das demais gerações de intervenção
urbana, ainda segundo Portas, pela importância da programação, pelo
aproveitamento das oportunidades que se oferecem ou que as próprias cidades
provocam, pelos processos ou mecanismos montados para envolver os diferentes
parceiros de que depende a implementação urbanística e pela relação biunívoca,
e não apenas hierarquicamente dependente, que o projeto urbano tende a
estabelecer com o plano estratégico.32
126
[5] o projeto-tese: a estratégia
As infra-estruturas urbanas, novas ou a modernização da existente, atuam
como suporte básico de vários dos projetos urbanos contemporâneos. Viabilizam
a regeneração dos tecidos existentes, valorizando o “capital fixo urbano”, além
de estabelecer uma ligação vital entre a zona de intervenção e seu exterior: “...
por isso uma família de projetos urbanos se reduz , por estratégia calculada ou
por tática à (re) construção da infra estrutura e do espaço público que cruze áreas
de desenvolvimento ou regeneração e ligue entre si áreas deficitárias.” 33
Vários projetos urbanos recentes implementaram-se a partir do
pressuposto das infraestruturas existentes. Euralille é, certamente, o caso mais
estrondoso.
Todos os grandes projetos urbanos são suscetíveis a gerar novas
centralidades como resultado de um conjunto de ações múltiplas e não de um
único projeto. Tais centralidades caracterizam-se por serem um conjunto de
atuações concentradas e em áreas definidas como prioritárias, quase sempre
situadas em zonas fronteiriças às áreas centrais e periféricas.
O processo de recuperação urbana implementado em Barcelona, desde a
redemocratização espanhola, no início da década de 80 até o advento indutor das
Olimpíadas em 92, serve como o grande exemplo da implementação, com
sucesso, de um plano estratégico claro, onde os diversos projetos urbanos
atuaram como pólos indutores de renovação do tecido urbano local. A “metástase
urbana”, referenciada anteriormente por Borjas, Castells e Portas, mas de fato
127
[5] o projeto-tese: a estratégia
criada por Oriol Bohigas, o diretor de urbanismo de Barcelona naquele período.
Seja qual for o caso estudado, está claro que hoje buscam-se alternativas
ao urbanismo moderno e ao viés pós-modernista. Um ponto de inflexão no
pensamento urbanístico que determina novas buscas frente à complexidade da
metrópole contemporânea. O desafio de enfrentar a cidade existente, sem negá-
la: refazê-la. O urbanismo atual debruça-se então sobre a questão nova da cidade
sobre a cidade.
Não há mais modelos rígidos ou fixos. Trata-se sempre de verificar quais
as estratégias dominantes na reconfiguração das cidades existentes para
entendê-las e tomar-se um posicionamento crítico. Como já se disse, as
intervenções urbanas acabam atendendo à demandas maiores presentes na
dinâmica de forças da sociedade.
Há sempre presente uma luta pelo território entre os atores urbanos que
se colocam na sociedade. Trata-se, então, de visualizar que cidade se quer e para
quem , antes do lançamento de intervenções que o reconfigurem.
128
[5] o projeto-tese: a estratégia
BERLIM HANSABERLIM HANSABERLIM HANSABERLIM HANSABERLIM HANSAVIERVIERVIERVIERVIERTEL [INTERBTEL [INTERBTEL [INTERBTEL [INTERBTEL [INTERBAAAAAU´57]: UU´57]: UU´57]: UU´57]: UU´57]: UM CM CM CM CM CASO PASO PASO PASO PASO PARARARARARADIGMÁTICADIGMÁTICADIGMÁTICADIGMÁTICADIGMÁTICOOOOO
Berlim tem se convertido em campo experimental para as intervenções
urbanísticas internacionais. A cidade foi sede de quatro experimentações de intervenções
urbanas de porte desde o início do século XX até o momento. O primeiro exercício
moderno de desenhar um trecho da cidade, através da habitação coletiva, ocorreu em
1927, através do projeto “Werkbundausstellung – Die Wohnung”. O modelo moderno da
cidade-jardim, uma pequena Carta de Atenas inserida em Hansaviertel, esteve presente
na Interbau, 1957. O IBA aconteceu em 1983, fazendo a reconstrução crítica da cidade
existente com todos os viéses pós-modernistas. A “Nova Berlim” - das Neue Berlin - está
apresentando a reconstrução da cidade contemporânea destruída pela guerra, desde a
queda do muro e a reunificação alemã, em 1989. Em todos os casos a cidade abriu-se às
teorias urbanas internacionais do momento e chamou arquitetos , quase sempre através
de concursos,- estrangeiros para participarem das intervenções.
Interessa-nos comentar, com maior profundidade, o modelo da intervenção
moderna presente em Hansaviertel, pois este traz o exemplo da construção de um
território moderno em trecho destruído na guerra - um terreno vago, portanto - contíguo
à Tiergarten, o grande parque urbano de Berlim, em 1957. Pode-se, então, configurar-se
em caso pioneiro de construção de novo território sobre área urbana residual. Além disso,
apresenta aspectos que nos são de grande interesse neste trabalho, já que se configura
em exercício pioneiro também na implantação de uma cidade-jardim, o exercício moder-
no da habitação coletiva em meio a um grande parque em área central da metrópole,
ligado às suas estruturas urbanas (transporte público com o sistema de metrô de
superfície e equipamentos públicos).
Figs. 18/19. Acima: Karl-Marx Alee, o projeto monumental stalinista de modernização de BerlimOriental. Lâminas habitacionais fazem a fachada urbana do grande eixo urbano que emerge deAlexanderplatz. Abaixo: maquete de Hansaviertel, Interbau´57: a cidade moderna corbusiana saídada Carta de Atenas é realizada em pequena escala em Tiergarten, o parque central de Berlim.(Fonte: Hasegawa, 2000/[1]).
129
[5] o projeto-tese: a estratégia
Hansaviertel surgiu como uma reação à construção do “Stalinallee” em Berlim
Oriental: a construção da Karl Max-Allee e seu envoltório monumental com lâminas
habitacionais, em 1961. Berlim ocidental, desejosa de construir uma nova sociedade livre
e democrática, se apropriaria dos princípios da arquitetura moderna para espelhar essa
nova era. Esse conjunto deveria simbolizar o edifício livre, moderno e democrático, um
exemplo contra a grandiosidade e a ordem exaltadas no “Stalinallee”.
Com os bombardeios, em novembro de 1943, Hansaviertel foi destruída em 75%
de sua área. Na época, apenas 70 casas estavam intocadas. As estatísticas mostravam
que, na Berlim de 1945, de 245.000 construções, 11.3% estavam totalmente destruídas,
8.2% bastante e 9.3% parcialmente destruídas.
Hans Scharoun, na posição de conselheiro do governo, dava garantia ao
“Magistrat” berlinense de que a reconstrução da cidade ocorreria a partir de um novo
começo, no qual os projetos da capital nacional-socialista megalômana, ou das
Mietskasernen do séc. XIX, seriam esquecidos. Memória, cultura e história arquitetônica:
nenhuma linha de tradição teria ligação com o projeto moderno, formulado nos anos 20.
Depois de Scharoun deixar o projeto, foi escolhido o plano de Gerhard Jobst e
Willy Kreuer para ser desenvolvido. A escolha dos arquitetos, que trabalharam
pontualmente dentro deste plano geral, estava parcelada: um terço deveria ser de
Berlim, outro da Alemanha Ocidental e o terço final, do exterior. As intenções eram expor
a capacidade dos arquitetos berlinenses, a ligação entre Berlim e a república da
Alemanha, e a abertura de Berlim para o mundo. Apenas arquitetos modernistas foram
escolhidos sob o aval do presidente Theodor Henss.
Fig. 5.20. Esquemas mostrando a evolução deHansaviertel antes da guerra: vê-se a morfologiaurbana berlinense típica pré-moderna; adestruição da área no pós-guerra; a novasituação territorial após a intervenção modernade 57.
Fig. 5.21. A lâmina de Niemayer e a elegantesolução da caixa de circulação vertical isoladadando acesso ao andar de uso comunitário e àcobertura. Os aptos. são duplex e possuemacesso por escadas internas. (Fonte: Hasegawa,2000/ [1]).
130
[5] o projeto-tese: a estratégia
Fig. 5.22. Vista aérea de Hansaviertel tomada do alto da Coluna da Vitória, mostrando a moradia noparque, a cidade-jardim. Logo ao fundo do eixo central se vê o Portão de Brandemburgo, símboloda cidade, mostrando a centralidade deste território. (Fonte: [1]).
Fig. 5.23. A lâmina de Niemayer: no verão esta fachada transforma-se numa alegre “praiavertical”, tomada por guarda-sóis coloridos. (Fonte: Hasegawa, 2000).
Em 1946, foi feito o plano urbano geral tendo os ideiais corbusianos da cidade-
jardim e da Carta de Atenas como referências para uma linha de ordenação abstrata, que
sugeria natureza e modernismo integrados. Hansaviertel situou-se entre parque e rio,
dois elementos da natureza, onde o limite entre esta e a construção se desfariam. As
construções restantes seriam retiradas, para que nada se impusesse como obstáculo da
sua implantação.
Hansaviertel surge como concepção de divulgação do ideal de total rompimento
com a estrutura da cidade do séc. XIX. Como objetivo dessa reconstrução estava a
redução da inaceitável alta densidade populacional nas edificações, mudanças na rede
viária, demolição dos blocos antigos, bolsões de estacionamento, eliminação do uso
misto dentro de um mesmo bloco, muitas áreas verdes, nova ocupação do solo e desenho
de lotes.
Sob o tema “vivendo na cidade do amanhã”, foram convidados vários arquitetos
de renome internacional para projetar conjuntos residenciais: Alvar Aalto, Walter Gropius,
Arne Jacobsen e Oscar Niemeyer, entre outros, com soluções marcadamente modernas:
edifícios isolados uns dos outros, dispostos livremente em amplos espaços verdes, com
pouca conexão com o tecido urbano existente ou com a história local. Outros projetos
foram executados em diferentes pontos da cidade, como o de Le Corbusier, que construiu
uma de suas Unité d’Habitation, em Charlotemburg.
Assim, Berlim exibe um trecho de cidade moderna utópica, a cidade-jardim, a
moradia no meio do parque Tiergarten, em sua área central. São, hoje, lâminas
habitacionais de classe média muito bem cuidadas e perfeitamente integradas ao
contexto urbano berlinense.34
131
[5] o projeto-tese: a estratégia
05.2.2 Pr05.2.2 Pr05.2.2 Pr05.2.2 Pr05.2.2 Projeojeojeojeojetttttos urbanos cos urbanos cos urbanos cos urbanos cos urbanos contontontontontemporâneosemporâneosemporâneosemporâneosemporâneos
Mesmo presenciando-se atualmente uma crise conceitual, na qual pairam
sempre dúvidas sobre quaisquer tentativas classificatórias e de rotulação de
movimentos estéticos, parecem haver duas tendências relativamente distintas na
abordagem contemporânea dos projetos urbanos.
A primeira, pode ser exemplificada pelos projetos de reurbanização de
Barcelona e Potsdamer Platz. Independentemente de suas qualidades projetuais,
de grande rigor técnico, e de seu sucesso de público, ela representa uma postura
conservadora em termos de desenho urbano. Não há preocupação em busca do
novo ao se refazer a cidade existente e seus espaços residuais. Ao se criar novos
territórios, busca-se a continuidade da dinâmica da estrutura urbana existente.
Remetem-se a um desenho urbano preexistente na história dessas cidades. Na
verdade, pré-modernos. Pautam-se, antes de tudo, pelo rigor técnico na
implementação projetual, especialmente no desenvolvimento das peças
arquitetônicas. Definímo-la como o elogio da técnica.
A segunda, é claramente de vanguarda. Busca atingir novos padrões
estéticos. Procura dinâmicas urbanas que reflitam a complexidade da metrópole
contemporânea. Busca alternativas de intervenções que respondam às demandas
geradas pela nova lógica territorial, pela rede de fluxos, pela rede de terrenos
vagos. São exemplificadas aqui pelas obras executadas do Parque La ViIlette
(Tschumi) e de Euralille (OMA/Koolhaas) e, sobretudo, pelo projeto desenvolvido
132
[5] o projeto-tese: a estratégia
por Daniel Libeskind para Alexanderplatz. Podem ser chamadas de especulações
urbanas contemporâneas.
Obviamente, há experiências nacionais recentes na escala urbana. Os
trabalhos de recuperação dos espaços urbanos não edificados, do resgate da
dimensão pública que têm sido realizados nos últimos anos em algumas cidades –
Rio e Curitiba, principalmente – são exemplos pioneiros. Algumas cidades
iniciaram um processo de revitalização de áreas centrais deterioradas. Porém,
como já foi dito anteriormente, a prática é ainda incipiente. No que se refere aos
projetos urbanos de maior envergadura, como nos casos internacionais que temos
comentado, eles simplesmente nunca foram executados no Brasil, por enquanto.
Ou seja, impossível não se buscar o referencial internacional como base
analítica tanto no nível das idéias, quanto no estudo de casos. Obviamente, esse
referencial deve ser lido – idéias e projetos – de modo sempre crítico.
Algumas vezes, nossa realidade é tão própria que não admite
transposições imediatas. Mas, em muitas situações, o problema é,
essencialmente, o mesmo das outras grandes metrópoles. Nesses casos, deve-se
buscar subsídio através da experiência prévia.
Quando se pensa na cidade genérica de Koolhaas, não como uma negação
da problemática local inerente à cada cidade, mas como a repetição essencial de
certas dinâmicas urbanas contemporâneas, muitas de suas idéias são válidas para
São Paulo.
Fig. 5.25. Plano UrbanísticoBásico para o Eixo Tamanduateyde Cândido Malta: corredormetropolitno implantado sobrea orla ferroviária no trecho deSanto André. (Fonte: EixoTamanduathey, 2000).
Fig. 5.24. A tese pioneirados Corredores Metropoli-tanos de Cândido Maltaposteriormente retomadanos eu trabalho para oEixo Tamanduathey: umadas raras oportunidadesde exercício de interven-ções urbanas de maiorporte em São Paulo.(Fonte: Campos Fo., 1972).
133
[5] o projeto-tese: a estratégia
Quando Libeskind propõe um retorno à essência histórica do locus objeto
de análise, ele é essencial a quaisquer cidades. Libeskind propõe intervenções
urbanas que se pautam pelo resgate da convivência coletiva, da não-privatização
dos espaços urbanos. Do desenho urbano através de dinâmicas que propiciem a
riqueza e a complexidade da vida urbana coletiva do mundo contemporâneo.
Fala-se da essência de metodologia de projetos urbanos. Fala-se de idéias que
são generalizáveis.
Tschumi propõe, em última instância, a substituição da importância do
design de peças edificadas por estratégias urbanas. Programa e eventos ao invés
de formas e funções. Estratégias que dinamizem novos programas para antigas
áreas deterioradas da metrópole em substituição à revitalização historicista de
edifícios. São, novamente, teses transportáveis para as áreas residuais de
metrópoles como São Paulo.
Mais ainda: são teses já testadas. Podem ser analisadas em estudos de
caso.
Apresentamos, a seguir, seis quadros de análise crítica de projetos urbanos
sobre a problemática comum que foi debatida ao longo deste capítulo: as áreas
residuais presentes na metrópole contemporânea. Faz-se uma análise das
diversas propostas apresentadas pelos seus autores para o enfrentamento do
desafio da intervenção na cidade existente, sem negá-la. Faz-se a crítica das
obras realizadas à luz das visitas “in loco” que foram realizadas nos últimos anos
Figs. 5.26/5.27. Projetos urbanos para o Eixo Tamanduatey, Santo André, 1999-00: reconversãourbanística da área entre a ferrovia e o rio historicamente ocupada pela indústria.
Acima: o projeto de Joan Busquets com a idéia pertinente do “tapete verde” sobre os terrenosvagos.
Abaixo: o projeto de Eduardo Leira com a cidade Pirelli como motor de reconversão da área. (Fonte:Eixo Tamanduathey, 2000).
134
[5] o projeto-tese: a estratégia
nas viagens de estudo. O projeto de Alexanderplatz, não realizado, traz
contribuição conceitual fundamental e é analisado também à luz das visitas feitas
àquele território. O último quadro aponta para dois concursos de nossa autoria,
realizados nos últimos anos, tendo como base muitos dos conceitos aqui
debatidos. Os projetos analisados são:
1. Euralille, Lille, OMA/Rem Koolhaas, 1982-89;
2. Parque La Villette, Paris, Bernard Tschumi, 1982-89;
3. Sena Rive-Gauche, Paris, vários arquitetos, 1983-;
4. Potsdamer Platz, Berlim, Renzo Piano (setor Dainler-Benz) e Helmut Jahn
(setor Sony Forum), 1993-2000;
5. Alexanderplatz, Berlim, Daniel Libeskind, 1993;
6. Concursos para a Reurbanização das Marginais (Francisco Spadoni e Carlos
Leite; 1999) e Monumento aos Imigrantes (Carlos Leite e equipe; 2000), São
Paulo.
135
[5] o projeto-tese: a estratégia
A expansão do sistema europeu de trens de alta velocidade (TAV), no início dos
anos 80, possibilitou à cidade de Lille, então decadente economicamente, fazer um
grande projeto urbano em área residual existente na cidade. O prefeito promoveu um
seminário internacional de idéias com a participação de oito arquitetos, sendo quatro
franceses.
Após dois meses de estudos, cada um apresentou à comunidade de Lille a sua
concepção de intervenção urbana. O OMA (Office for Metropolitan Architecture), escritório
do então jovem e ainda pouco conhecido Rem Koolhaas, venceu o concurso/seminário
com um partido revolucionário. O projeto urbano tornou-se rapidamente um turning-point
, no urbanismo contemporâneo.
Koolhaas propôs para o terreno vago uma “Euralille” (Lille européia), onde
defendia a idéia de resistência às construções de alta densidade, sem a limitação da
função específica, favorecendo a flexibilidade programática. Além disso, Euralille
configuraria-se como uma metrópole européia a partir de suas infraestruturas, não
necessariamente pelo seu contexto imediato: as novas relações de tempo-espaço
propiciadas pelo TAV, o trem regional francês e sua estação de Lille, o metrô de Lille e a
rodovia regional (Paris-Bruxelas).
O TAV seria a mola propulsora da estruturação urbana da nova Lille, a Euralille. Os
ingleses, por exemplo, gastariam menos tempo indo de Lille até o centro de Londres, do
que ir à sua própria periferia. Euralille estaria a 59 minutos de Paris, 39 minutos de
Londres e 27 minutos de Bruxelas. Essa infraestrutura poderia criar uma metrópole
européia virtual.
Koolhaas propôs a construção de um mega-empreendimento de 700.000 m2 numa
escala urbana e tipologias arquitetônicas estranhas à Europa. A cidade dentro da
EUREUREUREUREURALILLEALILLEALILLEALILLEALILLE, LILLE, LILLE, LILLE, LILLE, LILLE, FR, FR, FR, FR, FRANÇAANÇAANÇAANÇAANÇA, O, O, O, O, OMA/KOOLHAMA/KOOLHAMA/KOOLHAMA/KOOLHAMA/KOOLHAASASASASAS, 1982, 1982, 1982, 1982, 1982-89-89-89-89-89
Fig. 5.28. Esquema geral do projeto de Euralille: projeto urbano que se converteu em “turning-point” do urbanismo contemporâneo. (Fonte: Koolhaas, 1995).
136
[5] o projeto-tese: a estratégia
metrópole, a “bigness arquitetônica”, as “sobreposições programáticas” e as “plugagens
infraestruturais” são as idéias básicas defendidas teoricamente por Koolhaas há algum
tempo e agora presentes numa intervenção real no coração da Europa.
Nos sete níveis, encontram-se as duas rodovias ampliadas, a estação do metrô,
um enorme estacionamento com 8.000 vagas, a estação do trem regional e a estação do
TAV. No espaço de ligação entre todas essas infraestruturas surge um grande centro de
infra-estrutura metropolitano com comércio, habitação, hotéis, escritórios e muito lazer: o
Euralille Center e as lâminas habitacionais e de serviços (projetados por Jean Nouvel); a
torre do Credit Lionais Français (projetado por Christian de Portzamparc); o World Trade
Center europeu (projetado por Ives Lyon); o Congrexpo(Lille Grand Pallais, com projeto do
OMA). Todas as peças programáticas estão interligadas nos mais diversos níveis. Existe
ainda um parque e uma ponte que liga o empreendimento à antiga estação de trens de
Lille (ambos levam o nome “Le Corbisier” e são de autoria do OMA).
Nas nossas três visitas ao local, nos últimos anos, pudemos avaliar de perto esse
projeto urbano. Alguns aspectos merecem atenção crítica:
- O sistema de transportes é, de fato, a alavanca de sustentação urbana do
empreendimento. A intermodalidade é total e o sistema funciona bem, atendendo ao
pressuposto inicial de conexão de uma Europa metropolitana. Configura-se num grande
pólo metropolitano. É sua maior virtude urbanística.
- Houve um claro salto de recuperação urbana, econômica e cultural de Lille após
o advento do empreendimento. A cidade, passando então por período de estagnação,
tornou-se cosmopolita. Passou a ter uma imagem de metrópole européia.
- A viabilidade do empreendimento está ainda a provar-se. A maior crítica que se
fazia ao empreendimento era o de ser megalômano, com programa gigantesco e
inevitavelmente inviável economicamente. O que se verifica hoje é (a) uma intervenção
Figs. 5.29/5.30. O Euralille Center, acima (Nouvel), as estações de TAV (SNCF), o Credit Lionais Français(Portzamparc), o World Trade Center (Yves Lion), o viaduto Le Corbusier (OMA) e a lâmina de habitação ehotel Le Corbusier (Nouvel). (Fonte: Koolhaas, 1995).
137
[5] o projeto-tese: a estratégia
consideravelmente menor do que a incialmente prevista (apenas 3 das quatro torres
comerciais foram realizadas, em ves das 10 inicialmente projetadas); (b) uma ocupação
dos espaços alocáveis de serviços da ordem de 60%, em expansão lenta e contínua desde
a inauguração em 1989.
- Há uma falha grotesca de concepção projetual ao se deixar o Congrexpo
totalmente isolado do restante do conjunto (só é alcançado de automóvel), quando as
interconexões programáticas eram um dos pressupostos projetuais claros. O problema foi
parcialmente corrigido em 2001, com algumas obras de acesso ao pedestre.
- A arquitetura genérica de Koolhaas - o que importa são os programas e as
ligações infraestruturais urbanas e não a estética da arquitetura - de fato ocorre e, por
vezes, assusta. O OMA, além da estratégia urbanística, projetou apenas duas peças
arquitetônicas: a ponte Le Corbusier e o Congrexpo. A ponte configura-se em projeto
arquitetônico elegante, com estrutura mista constituída de laje de concreto e apoios em
arcos de aço, pousados em imenso espelho d´água. Já o Congrexpo (a “bigness”
arquitetônica de Koolhaas) com programa tripartite de área de exposições, congressos e
sala de espetáculos com 5.000 lugares, configura-se em obra sem qualquer requinte de
detalhamento construtivo e estética duvidosa, dada à sua enorme escala e escolha de
materiais bastante rústicos (concreto aparente sem qualquer tratamento de formas,
telhas de policarbonato verde e peças metálicas pouco detalhadas).
- Fica evidente a necessidade de um olhar histórico para um empreendimento
deste porte numa cidade de porte médio (350.000 habitantes). Deve-se lembrar que o
“gigantismo programático” visa atender uma demanda européia e não local e que o
passar dos anos pode ou não determinar um maior sucesso de viabilidade econômica e
sucesso de publico, já que o empreendimeno está inexoravelmente ligado ao sistema do
TAV e este ainda se encontra em fase de expansão pelo território europeu.
Figs. 5.31 a/b/c. Vistas aérea de Euralille, do 1o. estudo à construção final. (Fonte: A+U, 2000, p.225).
138
[5] o projeto-tese: a estratégia
O projeto do Parque La Villette é um dos mais importantes projetos urba-
nos contemporâneos. Apresenta abordagem conceitual absolutamente inovadora
como concepção de parque programático e, sobretudo, como resgate de antiga
área deteriorada periférica em Paris. Novamente, intervenção em terreno vago. O
concurso, de 1982, contou com a presença de Burle Marx no júri e apresentou a
emergência de dois arquitetos com trabalhos fortemente inovadores, referências
obrigatórias para esse tema: Tschumi e Koolhaas (ficou em 2o. lugar).
Em área de 125 ha, no nordeste de Paris, onde se situava o antigo mata-
douro público de Paris, Tschumi implementa uma nova articulação territorial. Sem
qualquer abordagem contextualista, cria nova territorialidade na antiga área
residual, mantendo-a muito mais como respiro da cidade do que como novo
território construído. Articula-o, no entanto, às bordas com extremo zelo e
integra-o à paisagem parisiense pelo contraste e uso de massa (mais ou menos
como Pompidou fez no centro de Paris, duas décadas atrás).
O conceito central do trabalho é o cruzamento de três níveis estratégicos
(layers conceituais) que se sobrepõem: superfícies (água e vegetação); linhas
(percursos); pontos (o grid urbano com pontos de pequeno programa, as
“folies”).
A idéia da cidade-evento, a definição da arquitetura como espaço simultâ-
neo de sobreposições de programas e eventos, a mediação abstrata e a estraté-
gia na implementação de projetos urbanos, a desprogramação, justaposição e
P P P P PARQUE LA VILLEARQUE LA VILLEARQUE LA VILLEARQUE LA VILLEARQUE LA VILLETTTTTTETETETETE, PARIS, PARIS, PARIS, PARIS, PARIS, FR, FR, FR, FR, FRANÇAANÇAANÇAANÇAANÇA, BERNARD TSCHU, BERNARD TSCHU, BERNARD TSCHU, BERNARD TSCHU, BERNARD TSCHUMI, 1982MI, 1982MI, 1982MI, 1982MI, 1982-89-89-89-89-89
Figs. 5.32/5.33.A estratégia de ocupação do território(antigo terreno vago na periferia deParis): níveis de desenho que sesobrepõem:a) superfícies (água e verde);b) pontos (“folies” programáticas);c) linhas (percursos).(Fonte: GA Document Extra 10).
139
[5] o projeto-tese: a estratégia
transprogramação arquitetônica dos grandes equipamentos da cidade são pontos
conceituais com os quais Tschumi já vinha trabalhando em seus artigos e agora
estão presentes nesta intervenção urbana.
Tschumi procura por um intermediário entre a intervenção por
palimpsesto (a colagem historicista), o preenchimento dos vazios urbanos, a
composição arquitetônica complexa e a desconstrução do existente através da
análise crítica de “layers históricos”. Desenvolve um sistema abstrato para se
mediar entre o sítio e outros conceitos, para além da cidade e do programa (uma
mediação).
Tschumi considerou que os elementos do programa seriam intermutáveis e
que as prioridades poderiam ser alteradas. Uma parte poderia substituir a outra,
ou um programa poderia ser revisto. Dessa maneira, a identidade do parque
poderia ser mantida, enquanto as lógicas circunstanciais e a política institucional
poderiam ter seus cenários independentes. As circunstâncias gerais do projeto
foram as de determinar uma estrutura organizadora que iria existir independente
do uso; uma estrutura sem centro ou hierarquia, uma estrutura que iria negar
uma relação casual entre o programa e a arquitetura resultante. Assim nasce a
rede de pontos (“folies”) que define a estratégia básica de ocupação do
território novo.
Conforme Tschumi:
“Nós tínhamos que projetar um parque: a rede de pontos era antinatural.
Nós tínhamos que preencher um certo número de funções: a rede de pontos era
Figs. 5.34/5.35. As imagens revelam o parque construído: superfícies de águas e verdes, percursos(marquises e passarelas) e as folies (pequenos programas). Considerand0-se o intenso uso público doespaço, nçao deixa de ser impressionante a força da sua concepção. (Fonte: www.la-villette.com/plan/plan4.htm/ [1]).
140
[5] o projeto-tese: a estratégia
antifuncional. Nós tínhamos que ser realistas: a rede de pontos era abstrata. Nós
tínhamos que respeitar o conceito local: a rede de pontos era anticontextual. Nós
tínhamos que ser sensíveis aos limites do local: a rede de pontos era infinita.
Nós tínhamos que ter conhecimentos prévios de paisagismo: a rede de pontos
não tinha origem, se abria em uma infinita recessão dentro de imagens e sinais.”35
Nas “folies” está todo o programa de uso “fechado” e pontos de apoio do
parque: informações, sanitários, pontos de observação e mirantes, postos
policiais, lanchonetes e cafés, play-grounds infantís, etc.
As superfícies determinam os usos abertos. Os caminhos fazem as ligações
entre as diversas partes, inclusive as peças arquitetônicas de porte: a estrutura
metálica do antigo matadouro, única referência do antigo uso, virou área de
exposições e foi criado um grande centro cultural. Na entrada principal situam-se
a Cidade da Música e o Conservatório Nacional de Míusica, ambos projetados por
Christian de Portzamparc.
Nossas visitas ao local nos últimos três anos revelaram, acima de tudo,
que sendo o território basicamente uma grande área de recreação programática
de massa, não deixa de ser impressionante a força de sua concepção após dez
anos de intenso uso público.
Figs. 5.36 a/b. Imagens de todo o território ocupado pelos “4 grids” de Tschumi. Fonte: [1]).
141
[5] o projeto-tese: a estratégia
Trata-se de típica área residual, terreno vago, à leste do rio Sena em Paris, onde
historicamente os terrenos foram ocupados por usinas, galpões e armazéns, além de
imenso pátio ferroviário (XII e XIII arrondissements).
Desde 1977 a prefeitura de Paris vinha elaborando idéias para a reurbanização
dessa área, Sena Rive Gauche, que, pela sua escala (130 ha) transfomaria-se no maior
projeto urbano de Paris. Deve-se lembrar ainda que toda a área pertence ao sítio
tombado como Patrimônio Mundial da Unesco.
Após a realização dos Grandes Projetos da era Miterrand, na década de 80, a
prefeitura criou o Semapa, grupo especial para o desenvolvimento desse projeto,
constituído pela parceria de três setores distintos: o poder local, a SNCF (Sociedade
Nacional de Estradas de Ferro) e investidores privados.
Através de carta-convite, alguns arquitetos apresentaram seus ante projetos para
a renovação da área deteriorada. Após vários debates, definiu-se a separação da área em
três setores homogêneos, que constituíram uma “ZAC” (zone d’amanagement concertée).
Austerlitz: ao redor da estação de trem de Austerlitz, junto ao centro histórico. Tolbiac:
nas imediações da área hoje dominada pela nova Biblioteca Nacional (obra de Dominique
Perrault), oposta ao novo Parc Bercy (de Bernard Huet), na margem oposta do rio Sena.
Masséna: um grande quadrilátero de 15 ha ocupados por galpões industriais.
Em 1993, foram chamados a apresentar propostas para a renovação da área de
Austerlitz dez arquitetos, sendo cinco franceses: Kenzo Tange; Renzo Piano; Norman
Foster; Dusapin & Leclercq; Chaix & Morel; Bertrand Warnier; Bornell, Gil & Lucan; Rudolph
Luscher; Valode & Pistre e Jean Nouvel.
SENA RIVE-SENA RIVE-SENA RIVE-SENA RIVE-SENA RIVE-GAGAGAGAGAUCHE (ZUCHE (ZUCHE (ZUCHE (ZUCHE (ZAAAAAC AUSC AUSC AUSC AUSC AUSTERLITTERLITTERLITTERLITTERLITZZZZZ-----TOLBIATOLBIATOLBIATOLBIATOLBIACCCCC-MASSÉNA); PARIS; 1990-MASSÉNA); PARIS; 1990-MASSÉNA); PARIS; 1990-MASSÉNA); PARIS; 1990-MASSÉNA); PARIS; 1990
Figs. 5.37/5.38. Acima: vista aérea da área de Sena Rive-Gauche antes da itervenção: antiga áreaindustrial e pátio ferroviário. Abaixo: maquete de Paris mostrando as intervenções mais recentessempre presente no Pavillon de L’Arsenal para discusão pública. Vê-se em destaque a área de SenaRive Gauche. (Fonte: Techniques & Architecture, 1993. p.4/[1]).
142
[5] o projeto-tese: a estratégia
Norman Foster apresentou um desenho urbano homogêneo e tradicional (quadras
abertas), porém diverso da tipologia do contexto urbano imediato; programa baseado nos
serviços e maçiço investimento privado; uma nova centralidade através de grande
esplanada sobre o eixo ferroviário enterrado.
Renzo Piano assume a existência do eixo ferroviário e, negando-se a escondê-lo,
desenvolve uma grande cobertura de vidro sobre ele. Trata-se de um “prolongamento
transparente e luminoso da Gare D’austerlitz”. Essa imensa praça de vidro articula o
restante do tecido urbano proposto – habitação e escritórios em escala e tipologia não
destoantes do contexto local.
Kenzo Tange propõe mais um grande eixo monumental para a cidade de Paris,
com 70 metros de largura. A partir daí, surge uma malha urbana retangular com edifícios
de escritórios, construindo a fachada urbana do eixo monumental. Na faixa interna,
dando continuidade à cidade existente, propõe habitação de baixa densidade.
Jean Nouvel apresenta a única proposta que coloca um olhar especulativo para a
área, apresentando a idéia de alteração radical de uso e imagem. Nouvel nega-se a fazer
um plano baseado nos ideais dos especuladores e não edifica o território. Sua idéia é da
criação de um grande coração verde. Um parque de 40 ha. Uma floresta urbana que
articula os poucos edifícios existentes e engloba a nova Biblioteca de Perrault. Nas
bordas, surgem habitações em estrutura de grande densidade (lâminas). A ferrovia é
enterrada e surgem novas vias expressas, também subterrâneas.
Passados vários anos de intenso debate, o grupo estatal de projeto adotou seu
próprio projeto urbano, mesclando várias das idéias propostas - exceto as de Jean Nouvel
Fig. 5.39. Implantação esquemática da área de Sena Rive-Gauche, mostarndo as 3 áreas quecompõem a ZAC Austerlitz-Tolbiac-Massena e as ligações de metrô e RER com o entorno imediato.(Fonte: Techniques & Architecture, 1993. p.40).
Fig. 5.40. Estudo de possível omplantação urbanística criando-se nova área verde na áreaconectando-a ao Parc Bercy, à outra margem do Sena. No centro, o grande equipamento: aBiblioteca de Paris de Dominique Perrault. (Fonte: Techniques & Architecture, 1993. p.40).
143
[5] o projeto-tese: a estratégia
- e atualmente desenvolve-se, no local, a construção de habitações, comércio e serviços
ao lado da Biblioteca Nacional. As tipologias são próximas àquelas típicas do que vem
sendo projetado para outras áreas de Paris. Na área do antigo pátio ferroviário executa-
se, no momento, grandes obras viárias e de infraestrutura.
Ou seja, após muito debate e especulação, adotou-se o partido conservador de
construir no terreno vago. Preencher o vazio com novas construções, próximas ao
contexto local.
O projeto desenvolvido por Nouvel , presente nas imagens ao lado, surge como
possibilidade concreta de um novo olhar para a problemática do terreno vago. Deixá-lo
como um respiro urbano. Um oásis verde de grande intensidade que englobaria os
equipamentos de grande porte - Biblioteca e estação ferroviária - criando um novo
território na paisagem parisiense. As bordas seriam definidas pelo programa requerido -
habitação, comércio e serviços - com nova tipologia arquitetônica. Uma abordagem
contemporânea para um problema contemporâneo.36
Figs. 5.40/5.41/5.42. Jean Nouvel polemiza no debate em Paris para a intervenção no vaziourbano: ao invés do seu preenchimento com peças arquitetônicas, surge a presença da florestaurbana. A maquete apresenta a floresta urbana ocupando a área residual, emglobando osequipamentos urbanos (Biblioteca de Paris, à direita, e as estações) e criando bordasarquitetônicas com lâminas habitacionais de média densidade. (Fonte: Techniques & Architecture,1993. p.40)/ [1]).
144
[5] o projeto-tese: a estratégia
Berlim é a cidade do momento: a cidade do século XXI, como lá se diz. O maior
canteiro de obras do mundo converte-se automaticamente em laboratório urbano ímpar.
Incontáveis concursos internacionais são realizados continuamente para reconstruir áreas
urbanas destruídas na guerra. Áreas residuais e terrenos vagos abundam pela cidade e,
desde a reunificação alemã, são frutos de propostas de intervenções urbanas. À cada
urban design master plan correspondem vários novos concursos para o desenvolvimento
dos respectivos elementos arquitetônicos. A “Nova Berlim” (das neue Berlin): cidade
internacional multifacetada tentando (ainda) dirimir os destroços da guerra.
A reconstrução das grandes feridas urbanas pós-guerra e pós queda do muro de
Berlim, iniciou-se pelo ponto nevrálgico da vida urbana berlinense: a tradicional
Potsdamer Platz, praticamente toda transformada em terreno vago após a guerra.
Após concurso internacional para seleção do masterplan, o projeto conservador
dos alemães Hilmer e Sattler foi escolhido vencedor. O projeto propõe a reconstrução da
cidade original, com mix de usos e baixa densidade. O desenho urbano procura
reproduzir a forma urbana anteriormente existente, criando como novidade apenas um
novo portal urbano junto à Leipziger Platz, com torres de grande altura.
Sob grande polêmica internacional, na qual as vozes dissonantes mais severas
foram as de Koolhaas (“projeto pequeno-burguês e provincial”), Oswald Mattias Ungers
(autor do projeto que ficou em segundo lugar; chamou o plano vencedor de retrógrado e
conservador) e Libeskind (autor da proposta mais ousada, totalmente avessa ao
POPOPOPOPOTSDTSDTSDTSDTSDAMER PLAAMER PLAAMER PLAAMER PLAAMER PLATTTTTZZZZZ, BERLIM; 1991; HILMER & SA, BERLIM; 1991; HILMER & SA, BERLIM; 1991; HILMER & SA, BERLIM; 1991; HILMER & SA, BERLIM; 1991; HILMER & SATTTTTTLER (PLANO URBTLER (PLANO URBTLER (PLANO URBTLER (PLANO URBTLER (PLANO URBANO GERANO GERANO GERANO GERANO GERAL); RENZAL); RENZAL); RENZAL); RENZAL); RENZOOOOOPIANO E CHRISPIANO E CHRISPIANO E CHRISPIANO E CHRISPIANO E CHRISTHOPH KOHLBETHOPH KOHLBETHOPH KOHLBETHOPH KOHLBETHOPH KOHLBECKER (SECKER (SECKER (SECKER (SECKER (SETTTTTOR DAIMLEROR DAIMLEROR DAIMLEROR DAIMLEROR DAIMLER-BENZ); HELMUT JAHN (SE-BENZ); HELMUT JAHN (SE-BENZ); HELMUT JAHN (SE-BENZ); HELMUT JAHN (SE-BENZ); HELMUT JAHN (SETTTTTOR SONYOR SONYOR SONYOR SONYOR SONYFORUFORUFORUFORUFORUM)M)M)M)M)
Fig. 5.43. A implanta-ção do plano urbanogeral da novaPostadmer Platz:recuperação dodesenho urbanotradicional comprograma contemporâ-neo. (Fonte: [1]).
Fig. 5.45. O novo portal urbano de PotsdamerPlatz. Cartão de visitas da Nova Berlim,marcado pela torre de vidro da Dainler-Benz,desenhada por Piano em referência à originalde Mies (1927). (Fonte: [1]).
Figs. 5.44. A multi-funcionalidade programáticaproposta abrange habitação, comércio, serviços emuito lazer (hotel, cassino, teatro, cinemas, Imax,etc. (Fonte: Piano, 2000).
145
[5] o projeto-tese: a estratégia
historicismo do vencedor), a área acabou sendo privatizada pelo governo alemão. Um
trecho foi comprado pelo grupo alemão Daimler-Benz e o outro pela multinacional
japonesa Sony. Os investidores chamaram então Richard Rogers para retrabalhar o
masterplan. Este apresentou uma idéia de “renovação urbana cuidadosa” que, no
entanto, também não vingou nas incansáveis discussões no parlamento alemão. Em um
terceiro momento, os investidores resolveram se separar e seguir caminhos próprios.
Foram então estabelecidos projetos urbanos separados para os dois setores, Dainler-Benz
e Sony Forum.
Comentamos os respectivos projetos urbanos à luz de nossas visitas nos útimos
três anos à Berlim, o que nos possibilitou acompanhar a inauguração pomposa da área
renovada em julho de 1999 até as obras finais das infraestruturas em julho de 2001.
O seO seO seO seO setttttor Dor Dor Dor Dor Daimleraimleraimleraimleraimler-Benz-Benz-Benz-Benz-Benz: R: R: R: R: Renzenzenzenzenzo Pianoo Pianoo Pianoo Pianoo Piano
A Daimler-Benz realizou um concurso fechado e o projeto urbano vencedor foi
desenvolvido por Renzo Piano e Christopher Kolbech. Conta com a participação de Hans
Kollhoff, Rafael Moneo, Richard Rogers e Arata Isozaki, além dele mesmo no,
desenvolvimento das diversas peças arquitetônicas.
Trata-se de um desenho urbano clássico, mesmo porque remete-se ao masterplan
de Hilmer e Sattler. Resgatam-se todos os referenciais urbanos originais da área, inclusive
citando passagens históricas e simbólicas de Potsdamer Platz. O edifício que marca a
entrada da área, uma torre de escritórios e pele de vidro, é uma referência ao edifício de
vidro de Mies van der Rohe para a mesma área, projetado em 1927 e nunca executado.
A proposta resgata o desenho urbano tradicional de Berlim, com edifícios-quadra
Figs. 5.46/5.47 Postadmer Platz, trecho Dainler-Benz: projeto urbano de Renzo Piano que resgata amorfologia urbana tradicional berlinense com a inserção de peças arquitetônicas cuidadosamenteprojetadas por vários arquitetos como Richard Rogers em lâminas de serviço e habitação(abaixo). Acima,o grande espelho d´água que atua no “eco-friendly design” (Fonte: [1]).
146
[5] o projeto-tese: a estratégia
em volta de uma rua comercial coberta (o arkaden mall), com fachadas internas. É um
complexo de 550.000 m2 de área construída, com um mix total de usos e programas para
a sociedade contemporânea: habitação, serviços, cinemas (todos os tipos: 3D, IMAX, etc.),
comércio, teatro, cassino e todo tipo de lazer urbano.
O projeto urbano apresenta parâmetros relacionados ao desenvolvimento urbano
sustentável e alta tecnologia, como o sistema de abastecimento e tratamento das águas
que, dos grandes espelhos d’água aos reservatórios dos edifícios, trabalham de forma
integrada e otimizada. Eco-friendly design.
Piano realiza, como sempre faz, um trabalho acima de tudo pautado pela
sobriedade estética e refinamento técnico, execução cuidadosa e requinte tecnológico.
Trata-se, claramente, de uma arquitetura de alto nível, tecnicamente brilhante e muito
bem executada, não apenas nos edifícios de Piano, como nos demais, sempre estrelas
internacionais da arquitetura em parceria com escritórios locais.
As críticas que surgiram desde o anúncio do projeto até a sua
inauguração pomposa em dezembro de 1999, referem-se, basicamente,
à privatização do tecido urbano. O antigo nó urbano de Berlim, ponto
de encontro coletivo, converteu-se em domínio de duas grande
empresas transnacionais. O território urbano foi comprado, privatizado.
O programa realizado é típico do mundo globalizado do final do século
XX, o lazer urbano abundante e totalmente privado e de acesso
controlado.
Não se pode deixar de constatar também a preocupação de
Figs. 5.48/5.49. Vistas aéreas - maquete e obra - de Potsdamer Platz. (Fonte: Piano, 2000).
147
[5] o projeto-tese: a estratégia
Piano em criar espaços de convivência coletiva – diz-se que a Daimler-Benz escolheu o
seu projeto por apresentar “clara preocupação humanística”.
O seO seO seO seO setttttor Sonor Sonor Sonor Sonor Sony Fy Fy Fy Fy Forum: Helmut Jahnorum: Helmut Jahnorum: Helmut Jahnorum: Helmut Jahnorum: Helmut Jahn
O outro trecho de Potsdamer Platz foi comprado pela multinacinal japonesa Sony,
que ali instalou sua sede européia e realizou um centro contemporâneo de
entretenimento privado, sutilmente denominado Sony Forum.
Para realizar todo o trabalho – desenho urbano e peças arquitetônicas – foi
chamado o arquiteto alemão radicado em Chicago, Helmut Jahn, sócio de uma grande
corporação típica norte-americana, a Murphy/Jahn. Ele teve liberdade para produzir um
desenho urbano homogêneo (já que não precisou demandar trechos da área para outros
profissionais, como Piano) e de maior liberdade formal.
Articulado em torno de uma grande praça coberta (estrutura de aço tensionada) -
o “forum”- os edifícios possuem uso mixto, porém, com enorme ênfase no lazer e
entretenimento voltado para as mídias de vídeo e cinema.
As fachadas em pele de vidro sobre edifícios em estrutura de aço são típicas da
transparência dos anos 90 e o desenho urbano procura fazer uma reinterpretação não
radical da quadra urbana berlinense, apresentando edifícios no seu perímetro com
fachadas internas diferentes das fachadas externas (mais urbanas). O pátio interno
converte-se em fórum central coberto, semi-público e converge toda a gama de
entretenimento da sociedade contemporânea.
Arquitetura bem executada de “padrão norte-americano”, converteu-se, desde a
sua inauguração em janeiro deste ano, num dos maiores pontos de encontro dos
berlinenses; de noite e de dia.
Figs. 5.50/5.51. O setor da Sony Forum, de Helmut Jahn: desenho urbano mais homogêneo - umúnico arquiteto desenhou toda a área - com reinterpretação da quadra urbana berlinense earquitetura “americanizada”. (Fonte: [1]).
148
[5] o projeto-tese: a estratégia
O concurso para a reurbanização da tradicional Alexanderplatz, o maior de
Berlim, foi provavelmente o mais polêmico concurso contemporâneo. Imensos
debates se seguiram à divulgação do resultado, tanto no parlamento alemão,
quanto no meio urbanístico e a mídia especializada.
O projeto vencedor, de Hans Kolhoff, trata de aniquilar a cidade existente,
praticamente faz tábula rasa do tecido urbano, preservando alguns poucos
edifícios históricos e redesenhá-la com princípios que vão de um resgate
arquitetônico historicista a um desenho urbano pós-moderno e conservador.
Imprime um ar nova-iorquino ao coração de Berlim. É o projeto do mercado
imobilário mais avassalador. Símbolo da privatização dos espaços públicos de
Berlim.
Num concurso que contou com mais de 800 trabalhos inscritos, o projeto
de Daniel Libeskind ficou em segundo lugar por apenas um voto. Como disse
Libeskind, “nunca um voto representou tanta diferença conceitual...” 37
ALEX ALEX ALEX ALEX ALEXANDERPLAANDERPLAANDERPLAANDERPLAANDERPLATTTTTZZZZZ, BERLIM, BERLIM, BERLIM, BERLIM, BERLIM: [HANZ KOLHOFF: [HANZ KOLHOFF: [HANZ KOLHOFF: [HANZ KOLHOFF: [HANZ KOLHOFF, 1993]; DANIEL LIBESKIND, 1993]; DANIEL LIBESKIND, 1993]; DANIEL LIBESKIND, 1993]; DANIEL LIBESKIND, 1993]; DANIEL LIBESKIND
Interessa-nos aqui comentar a proposta inovadora de
Libeskind, já que esta, diferentemente da proposta vencedora,
trata do problema da intervenção na cidade existente de modo
contemporâneo. Restaura a cidade existente, sem negá-la. Faz
Fig. 5.53. A proposta vencedora, de Hans Kolhoff: nega-se a cidade existente, imprimindo umatabula rasa modernista e gerando um padrão “nova-iorquino” à tradicional Alexanderplatz. Limpa-se o passado que se quer negar (a ocupação alemã oriental e o seu desenho urbano monumentalstalinista, gerando outro padrão externo à história alemã.(Fonte: AU 65).
Fig. 5.52. Vista aérea de Alexanderplatz no pós-guerra: o principal nó urbano de Berlim temrecebido intervenções arquitetônicas continuamente: de Shinkel à Scharoun, do eixo satalinista deKarl-Marx Alee à americanização da área proposta por Kolhoff. (Fonte: Hasegawa, 2000).
149
[5] o projeto-tese: a estratégia
isto em área extremamente complexa - nó urbano de maior importância em
Berlim - de modo delicado e rico, procurando criar uma nova ambiência urbana
através do somatório dos diversos momentos históricos que constituíram aquele
trecho da cidade. O novo programa vem somar-se à cidade existente,
subvertendo a ordem presente e gerando uma rica morfologia urbana através de
fragmentos que se ligam à fábrica urbana pré-existente.
O trabalho de Libeskind é, assim, radicalmente moderno. Cria uma nova
dinâmica urbana gerada a partir da cidade existente, do seu desenho e de sua
história. Sem linguagens historicistas, resgata-se a verdadeira história do lugar:
“delinear o invisível nas bases do visível”, conforme Libeskind.38
Libeskind parte da geração “desarticulada” de novos espaços públicos que
se “plugam”, ou são gerados a partir de estruturas edificadas existentes.
Subverte usos e símbolos do establishment e desestabiliza os padrões
urbanísticos vigentes.
Na tentativa de sempre incorporar o novo ao existente, criam-se novos
elementos de transição. Espaços não pré-programados.
Sobre o eixo central da Karl-Marx Allee, lança-se uma barra horizontal
cultural/de lazer, o Alexandrium. No meio da Alexanderplatz, surge um novo
marco urbano, o Euroforum. Um eixo verde transpassa as quadras existentes,
prolongando a intervenção contemporânea para além da área central (um
Figs. 5.54/5.55. A propostaque ficou em 2o. lugar nomaior concurso de Berlim, deLibeskind: gera nova dinâmicaurbana a partir da cidadesexistente, sem negar nehumde seus momentos históricos.Soma-se, ao invés desubstrair. A complexidade danova ambiência urbana écondizente com o programacontemporâneo. (Fonte:Libeskind, 1996).
150
[5] o projeto-tese: a estratégia
elemento mediador). Os antigos complexos habitacionais da ex-Alemanha
Oriental são revitalizados (não negados, como fez Kolhoff)..
A explosão de fragmentos edificados, gerando uma aparente desordem
urbana, é, na verdade, fruto de cruzamento de várias matrizes simbólicas e
históricas que geram esta nova escritura no território. O reagrupamento de peças
é consequência e causa da nova dinâmica programática da metrópole
contemporânea.
Os espaços vazios são ocupados de modo inusitado. A dinâmica urbana
ultrapassa as cotas tradicionais. Ocupa-se o espaço aéreo com uso privado e o
espaço privado com uso público. A forma urbana final,- cujos desenhos que a
representam são, muitas vezes, de difícil compreensão à primeira vista, é
propositadamente complexa: reflete a complexidade presente na cidade
contemporânea.
Trata-se sempre de um processo, de uma estratégia de ocupação urbana e
não mais de um plano urbano rigoroso. Conforme o autor:
“Numa sociedade democrática, deve-se saber reconhecer que a
arquitetura reflita as diversas, e, por vezes, contraditórias visões do mundo. Esta
é uma alternativa à tradicional idéia do planejamento que implica continuidade
baseada na projeção. Este é um enfoque que trata a cidade como uma estrutura
poética e envolvente.” 39
Fig. 5.56. Vista do nó central de Alexandreplatz, com seus marcos que ocupam o imaginário deBerlim: a torre de TV e a Alexanderplatz Banhoff. Libeskind cria nova dinâmica urbana sem retirarnenhuma peça arquitetônica pré-existente - “o tempo atual já pertence à história” e a hstória dolugar não se nega, incorpora-se ao desenho contemporâneo. (Fonte: Libeskind, 1996)
151
[5] o projeto-tese: a estratégia
CCCCConcurso paroncurso paroncurso paroncurso paroncurso para a ra a ra a ra a ra a reurbanizeurbanizeurbanizeurbanizeurbanização das maração das maração das maração das maração das marginais (Fginais (Fginais (Fginais (Fginais (F. Spadoni e C. Spadoni e C. Spadoni e C. Spadoni e C. Spadoni e C. Leit. Leit. Leit. Leit. Leite)e)e)e)e)
O conceito básico da intervenção foi o de refazer a cidade a partir de suas
estruturas. Anular os resíduos urbanos, reconstituindo-os como uma totalidade para
a cidade através da paisagem urbana.
Tratava-se de lançar um olhar abrangente, metropolitano, para a reestruturação
urbana e paisagística das marginais. Ambicionou-se a constituição de um eixo verde com
42 km de extensão, que respondesse à degradação ambiental da várzea e a qualificaria,
com sua extensa rede de eventos, como o grande espaço público metropolitano.
As estruturas resultantes do processo de urbanização de São Paulo deveriam ser a
matéria-prima para a transformação da cidade. São a sua atual geografia e foram consti-
tuídas a um custo histórico e social impossível de ser desconsiderado por qualquer pro-
cesso que implique em sua alteração.
A geografia dos vales dos rios Pinheiros e Tietê, atualizada por suas vias expres-
sas, compõe uma imagem periférica dentro do tecido da cidade: grandes distâncias,
velocidade, delimitação de fronteiras. Esta composição mostra um problema em três
segmentos. O rio, as vias expressas e os territórios desconexos: os públicos , margens e
canteiros, e os privados: a faixa de urbanização lindeira.
Consideramos essa intervenção como o enfrentamento de cada um destes seg-
mentos em seus valores e escalas intrínsecos, que, no conjunto, pudessem compor o
cenário da requalificação urbana. A constituição de densa área verde envolvendo o rio e
as marginais - não destinada ao uso local, mas à constituição de uma paisagem de
fruição metropolitana. A recuperação dos rios. A otimização dos fluxos. A ocupação
CCCCCONCURSOS DE REURBONCURSOS DE REURBONCURSOS DE REURBONCURSOS DE REURBONCURSOS DE REURBANIZANIZANIZANIZANIZAAAAAÇÃO DÇÃO DÇÃO DÇÃO DÇÃO DAS MARGINAISAS MARGINAISAS MARGINAISAS MARGINAISAS MARGINAIS, SÃO P, SÃO P, SÃO P, SÃO P, SÃO PAAAAAULULULULULOOOOO, 1999, 1999, 1999, 1999, 1999, E DO M, E DO M, E DO M, E DO M, E DO MONUONUONUONUONUMENTMENTMENTMENTMENTO AO AO AO AO AOSOSOSOSOSIMIGRIMIGRIMIGRIMIGRIMIGRANTESANTESANTESANTESANTES, SÃO P, SÃO P, SÃO P, SÃO P, SÃO PAAAAAULULULULULOOOOO, 2000, 2000, 2000, 2000, 2000, C, C, C, C, CARLARLARLARLARLOS LEITEOS LEITEOS LEITEOS LEITEOS LEITE
Figs. 5.56/5.57/5.58. A proposta, 2a. colocada no concursonacional, apresentou o conceito de um urbanismo dinâmico,gerada aprtir de 4 matrizes urbanas superpostas. Propôs umanova territorialidade metropolitana no eixo dos rios quedesenharam a cidade. Um eixo verde de grande porte - afloresta urbana - seria a principal matriz definidora desteterritório. (Fonte: [1]).
152
[5] o projeto-tese: a estratégia
organizada das franjas urbanas.
A proposta de intervenção propôs um processo de urbanismo dinâmico através da
organização de quatro matrizes urbanas complementares que se sobrepõem e abrem a
possibilidade de desenhos múltiplos dentro de suas várias combinações. Uma nova dinâ-
mica urbana, mais flexível às demandas e aos programas múltiplos da metrópole con-
temporânea. As matrizes priorizaram a idéia da recuperação ambiental da várzea, através
da implantação de um projeto florestal que se completou por propostas para os sistemas
de fluxo; infra-estrutura e de novos usos e ocupação para as áreas lindeiras.40
CCCCConcurso paroncurso paroncurso paroncurso paroncurso para o monumenta o monumenta o monumenta o monumenta o monumento aos imigro aos imigro aos imigro aos imigro aos imigrantantantantantes (Ces (Ces (Ces (Ces (C. Leit. Leit. Leit. Leit. Leite e equipe)e e equipe)e e equipe)e e equipe)e e equipe)
Em um território ainda não urbanizado, sem referências geográficas ou
construídas, exceto a Rodovia dos Imigrantes, procurou-se criar uma territorialidade
com forte significado.
Nossa resposta ao edital, que requeria um monumento, foi a de criar uma
estratégia para um “território-memorial”.
A sucessão de seis peças-monumento e uma estratégia clara para a ocupação de
todo o território determinaram um memorial ao imigrante, a ser percorrido e
vivenciado pelos visitantes. Um projeto que se constituiu a partir de uma narrativa.
Cada peça teria seu significado específico: a caixa de entrada e o ritual de
passagem; o jardim de aço e o percurso do descobrimento; o museu aberto e a
possibilidade de novas conexões; a barra de transição e a percepção da mudança; a
floresta-cafezal e a construção do progresso; a coluna-farol e o símbolo da
integração e vitória.
A força da nova territorialidade gerada a partir de uma “terra de ninguém”,
insólita paisagem, estava na inscrição de uma nova escritura no território, na
consolidação de uma nova paisagem.
Fig. 5.61. A proposta do Monumento aos Imigrantes de São Paulo, 2a. colocada no concursonacional, propôs a criação de um território dotado de forte significado simbólico em uma terra deninguém, paisagem insólita que gnharia uma nova inscrição territorial (Fonte: [1]).
Fig. 5.60. Simulação eletrônica da floresta urbana implantada na Merginal Tietê. (Fonte: [1])
153
[5] o projeto-tese: a estratégia
05.3 As estruturas urbanas e a construção deuma nova territorialidade metropolitana05.3.1 Urbanismo dinâmic05.3.1 Urbanismo dinâmic05.3.1 Urbanismo dinâmic05.3.1 Urbanismo dinâmic05.3.1 Urbanismo dinâmicooooo
A arquitetura e a cidade contemporâneas devem ter a plasticidade que as
permitam acomodação às articulações da rede de fluxos, aos terrenos vagos, à
nova dinâmica presente no território desarticulado. Plasticidade formal e
flexibilidade programática são imperiosos no urbanismo contemporâneo.
Há uma liquefação do espaço urbano que exige uma nova abordagem
frente tal complexidade. Tschumi descreve a situação:
“A velocidade expande o tempo contraindo o espaço, nega a noção da
dimensão física. É claro que o ambiente físico ainda existe. Mas a aparência da
permanência (prédios sólidos, feitos de concreto e vidro) são lentamente
desafiados por representações de sistemas abstratos. Desde a televisão aos
aparatos eletrônicos, etc. A arquitetura está completamente sujeita a
reinterpretações. De jeito nenhum a arquitetura pode ter hoje um significado
permanente. Igrejas viram cinemas, bancos viram restaurantes, fábricas viram
estúdios, túneis do metrô viram casas noturnas e ,algumas vezes, casas noturnas
viram igrejas. A suposta relação de causa e efeito entre forma e função ficou para
sempre condenada no dia em que função tornou -se tão transitória, quanto as
lojas e imagens da mídia para as quais a arquitetura aparece agora como um
objeto tão em moda.” 41
154
[5] o projeto-tese: a estratégia
Não há como trabalhar com métodos tradicionais. Não há modelo urbano
ortodoxo que resista às demandas deste território dinâmico, complexo, mutante.
Trata-se de situação, portanto, muito diversa da firmitas vitruviana ou do rígido
funcionalismo modernista. Exigem-se novas metodologias.
Apesar das decisões de projeto serem largamente baseadas em modelos
urbanísticos, nas teorias normativas e modelos teóricos que estão presentes em
cada momento histórico, como vimos anteriormente, Lynch lembra com precisão
em artigo paradigmaticamente entitulado City Models and City Design:
“nenhuma discussão da forma da cidade pode ignorar o papel do projeto...”
Desde a década de 80 - e o urbanismo dinâmico que se vislumbra para as
intervenções contemporâneas não foge à regra - o projeto urbano deve se
preocupar com a reconfiguração do território de modo flexível: “’City design” é a
arte de criar possibilidades de uso, arranjo e forma do território...Trabalha com as
qualidades, conexões complexas e ambigüidades.” 42
Um urbanismo dinâmico: volátil, mutante. Estratégico ao invés de formal;
flexível, ao invés de rígido. Um urbanismo de estratégias que gere projetos
urbanos com mecanismos de auto-regulamentação, de interação e ajuste durante
o processo. Morfologias abertas e interativas. Que possua alguns critérios
mínimos como as leis que organizem o processo mutante, a estratégia. Que
possua limites permeáveis, relações internas flexíveis, hierarquias fluídas.
Neste âmbito, este modelo de urbanismo flexível deve comportar um
155
[5] o projeto-tese: a estratégia
processo participativo junto à comunidade local. Várias metodologias nesse
sentido já foram apresentadas e testadas desde a década de 60, quando surgiu o
desenho urbano enquanto campo disciplinar. Algumas delas nos parecem hoje
superadas, frente à complexidade da metrópole contemporânea e à escala dos
novos projetos urbanos. Dificil imaginar projetos urbanos do vulto da construção
de uma nova territorialidade, como se imagina por exemplo para a orla
ferroviária paulistana, ou qualquer dos projetos apresentados anteriormente,
absorvendo no seu desenvolvimento processos participativos do tipo de análises
perceptivas, tais como desenvolvidas por Alexander, Cullen ou Lynch. Porém, a
discussão democrática junto aos vários agentes atuantes no âmbito do território
objeto de intervenção, durante as várias fases do processo de desenvolvimento
do projeto, encontra-se em uso em vários momentos dos projetos urbanos
contemporâneos.
Vale lembrar da participação comunitária, através de vários tipos de
workshops, entrevistas com moradores e apresentação pública de projeto, em
fases intermediárias de desenvolvimento, realizados, por exemplo, em
intervenções urbanas tão diferentes quanto aquelas do Rio-Cidade ou do
Rotterdam Central Ontwerp Materplan, conduzido por Will Alsop na reorganização
urbana da área central de Roterdã em 1999-2000. Ali, foram formados diversos
grupos de trabalho integrados, incluindo habitantes “leigos”, durante 10 meses
de desenvolvimento do projeto urbano e apresentações públicas das diversas
156
[5] o projeto-tese: a estratégia
fases do projeto.43
Um urbanismo e arquitetura que tenham menos rigidez e mais
volatilidade, “em vez de uma arquitetura clássica, ligada aos sólidos ( fixa e
pesada), uma carta das passagens, capaz de compreender áreas em convulsão,
em transformação contínua.” conforme Brissac.44
Menos monumentos arquitetônicos isolados - ou proposição de peças
formais, esculturas urbanas - e mais conexões urbanas, infra-estruturais. Um
urbanismo capaz de perceber e receber as mudanças contínuas da cidade
contemporânea, de sua cultura dinâmica.
Na proposição de um urbanismo dinâmico, a revisão crítica das idéias
modernistas rígidas não pode confundir-se com a validade perene de muitos de
seus ideais, mesmo porque, ali, foram marcados os elementos essenciais de uma
arquitetura urbana, que desenha o território com sabedoria, estratégia e valores
humanos universais, extemporâneos. Conforme Paulo Mendes da Rocha:
“Arquitetura não deseja ser funcional, mas oportuna...A arquitetura
contemporânea é essencialmente o desenho da cidade e não sua decoração com
uma sucessão, até hedionda, de artefatos esdrúxulos...É preciso desatar o nó da
divisão esquizofrênica entre arquitetura e urbanismo...O que desenha a
imprevisibilidade da vida é uma construção, nítida e rigorosamente técnica, mas
que não determina fim, modo e meio, programa. Ampara a indeterminação...A
grande questão da arquitetura está na não finitude da ação.”45
157
[5] o projeto-tese: a estratégia
Os modelos urbanísticos alternativos devem ser entendidos como possui-
dores de um aparato dinâmico e flexível, diverso do modelo urbanístico tradicio-
nal, formal, rígido em suas regras, zoneamentos e programas. Porém, devem se
colocar também contra o “elogio do caos”, pregado por alguns atualmente.
Koolhaas, por exemplo, com sua postura sempre polêmica e de vanguarda, faz
uma proposição cética deste novo realismo urbano:
“Agora nos restou um mundo sem urbanismo, só arquitetura, até mesmo
mais arquitetura. A morte do urbanismo – nosso refúgio na segurança parasita da
arquitetura – cria um desastre iminente: mais e mais substância é apoiada em
raízes esfomeadas. Se for para existir um novo urbanismo, ele não vai ser
baseado nas fantasias de ordem e onipotência; ele vai ser o treino da incerteza;
ele não vai estar mais preocupado com o arranjo de objetos mais ou menos
permanentes; ele nunca vai ansiar por configurações estáveis, mas pela criação
de campos possibilitantes que acomodem processos, que recusem formas
definitivas, cristalizadas; não vai mais ser obcecado pela cidade, mas sim com a
manipulação da infra-estrutura para infindáveis intensificações e diversificações ,
a reinvenção do espaço psicológico. Já que é fora de controle, o urbano é sobre
tornar-se um vetor maior de imaginação.”46
Porém, não nos parece sensato apostar na defesa de um realismo caótico
da metrópole. Não se deve confundir a defesa de um urbanismo dinâmico, não-
ortodoxo, com a aceitação da condição de total falta de estratégia territorial. Não
158
[5] o projeto-tese: a estratégia
há porque passarmos da grande rigidez reguladora do modelo urbano tradicional,
claramente falido frente à demanda da complexidade da metrópole
contemporânea, para a aceitação e o elogio da cidade sem lógica, caótica. O
elogio do caos não deve se constituir na única forma de posicionamento
alternativo às limitações do urbanismo ortodoxo. Seria uma oposição total à
situação anterior. Tudo ou nada.
Na verdade, as cidades permanecem atraentes justamente por serem
detentoras de uma ordem complexa, que advém de sua transformação ao longo
do tempo. Tornaram-se, como já vimos, muito mais dinâmicas e complexas,
porém não “inexoravelmente caóticas”. O território das cidades, apesar das
transformações abruptas, permanece como detentor do espaço de convivência.
Conforme Milton Santos:
“... o que ele tem de permanente é ser nosso quadro de vida. Seu
entendimento é, pois, fundamental para afastar o risco de alienação, o risco da
perda do sentido da existência individual e coletiva, o risco de renúncia ao
futuro.”47
De qualquer modo, fica evidente que há muito conceito novo sendo
colocado no campo descritivo do território metropolitano e muito pouca análise e
metodologia que tragam a mesma riqueza conceitual inovadora. Menos ainda
experiências concretas de proposições de intervenção urbana. Há uma
descontinuidade muito visível entre o que se descreve como riqueza e
159
[5] o projeto-tese: a estratégia
abundância de conceitos novos e o que se propõe especulativamente, ainda
muito calcado no campo das experimentações, como coloca Solà-Morales:
“Produzir estes tipos de experiências de fluidez e transpô-las para análises,
experimentação e projeto é ainda hoje mais um desejo do que uma realidade
plausível, é um desafio fundamental para uma arquitetura que olhe para o
futuro”.48
Muitos autores têm proposto a noção de campo, ou combinações de
campo (field combinations), como uma alternativa mais flexível ao escopo desse
urbanismo dinâmico. Um mediador programático entre as abrangências urbana e
arquitetônica, que comporte um maior dinamismo na relação contemporânea de
tempo-espaço. Uma das técnicas pressupõe um olhar diferenciado para os sítios
da cidade. Identificar os territórios estratégicos, ao invés dos sítios tradicionais,
pontuais. Como explicita Stan Allen:
“Uma condição de campo poderia ser qualquer matriz formal ou espacial
capaz de unificar diversos elementos ao mesmo tempo que respeite a identidade
de cada um. Configurações de campo são agregações fragilmente delimitadas,
caracterizadas por porosidade e interconectividade. As regulamentações internas
de cada parte são decisivas ao mesmo tempo em que a forma geral e seus
limites sejam bastante fluídos....O que interessa aqui é uma forte atenção à
produção de diferenças na escala local, mesmo que mantendo uma relativa
indiferença na forma geral. Diferenças sociais autênticas e produtivas são
160
[5] o projeto-tese: a estratégia
sugeridas no nível local e não na forma das mensagens semióticas da grande
escala. Assim, o estudo dessas combinações de campo seria um estudo de
modelos que trabalhem na zona entre figura e abstração, modelos que
reconfigurem a oposição convencional entre figura e abstração, ou sistemas de
organização capazes de produzir vetores, picos e protuberâncias, além dos
elementos individuais que sejam, eles mesmos, regulares ou repetitivos.” 49
As condições de campo a serem trabalhadas pelo urbanismo dinâmico no
território contemporâneo devem procurar acomodar as diferentes demandas da
cidade: social, histórica, formal e programática. Trabalhar com as condições
proporcionadas pelo sítio e não negá-las, impondo nova ordem. Aprender a partir
destas condições territoriais dadas, da sua ordem complexa de auto-
regulamentação.
Muitas vezes, as condições de campo estão justamente em assumir o
inacabado, buscar a revisão dos projetos urbanos que não se vinculam mais a um
desenho geral, integrando e valorizando os espaços e suas diversas partes. A
cidade deve ser objeto de um olhar crítico que revele os seus vários momentos
históricos, seus fragmentos, sua dinâmica interna. A correta leitura do território
deve fornecer os insumos para o urbanismo contemporâneo.
O urbanismo contemporâneo deve absorver todos esses parâmetros e, a
partir da realidade existente, desenvolver possibilidades de intervenção. Ou seja,
a cidade existente, com os seus diversos fragmentos, como elemento potencial
161
[5] o projeto-tese: a estratégia
para a construção de um território articulador.
Como diria Lynch, sempre com uma leitura poética e visionária, mas
também otimista e propositiva do papel do urbanismo,
“Cidades precisam ser feitas de luz, estruturas temporárias, assim as
pessoas podem facilmente mudá-las, como as suas vidas mudam” 50
05.3.2 A orla f05.3.2 A orla f05.3.2 A orla f05.3.2 A orla f05.3.2 A orla ferrerrerrerrerroooooviária cviária cviária cviária cviária como noomo noomo noomo noomo novvvvva ta ta ta ta territerriterriterriterritorialidade meorialidade meorialidade meorialidade meorialidade metrtrtrtrtropolitanaopolitanaopolitanaopolitanaopolitana
05.3.2.1 As Pr05.3.2.1 As Pr05.3.2.1 As Pr05.3.2.1 As Pr05.3.2.1 As Premissasemissasemissasemissasemissas
“Trata-se de estabelecer territórios reconfigurados para que os altos
ideais humanos se efetivem. É uma resistência contra a miséria.”
Paulo Mendes da Rocha51
O exercício projetual sobre trecho específico da orla ferroviária (OF)
constitui um projeto-tese que procura concentrar e exprimir o embasamento
conceitual discutido. Informar o projeto com as idéias. A defesa das idéias pelo
projeto.
Está baseado nas hipóteses que colocamos:
§ A cidade contemporânea terá de ser pensada a partir das suas estruturas
existentes.
162
[5] o projeto-tese: a estratégia
O desafio da arquitetura contemporânea é trabalhar sobre a cidade existente,
sem negá-la, a partir de seus condicionantes, i.e., a reparação da cidade
existente.
As infra-estruturas urbanas devem definir a construção de novos territórios
metropolitanos.
As áreas residuais metropolitanas devem suportar os novos projetos urbanos e
articular as novas territorialidades.
Os projetos urbanos contemporâneos devem basear-se em um urbanismo
dinâmico: flexível, estratégico.
A tese central é:
As descontinuidades urbanas – as fraturas urbanas – oferecem uma nova
possibilidade de projeto urbano, i.e., a construção de uma nova territorialidade
metropolitana.
As premissas básicas para uma estratégia urbanística de intervenção ao
longo do eixo da OF são:
A OF é um dos elementos estruturadores da paisagem urbana, assim como os
rios. É determinante na geografia do território metropolitano. “São inscrições na
cartografia da metrópole, rugosidades do território. Protagonistas da metrópole.”
52
Os donos originais do território: os rios e as várzeas eram públicos; foram
“roubados”. A várzea foi ocupada pela especulação imobiliária. Atualmente o
163
[5] o projeto-tese: a estratégia
Governo Federal é seu proprietário e recentemente privatizou o uso ferroviário
através da RMF, enquanto o Governo Estadual legisla o seu uso. Tem sido
ignorado pelos urbanistas e deixado para a especulação imobiliária sem qualquer
controle. Deve portanto voltar a configurar-se em espaço predominantemente
público.
Trata-se, basicamente, de um imenso terreno plano, constituído em grande
parte de área de várzea. Atualmente está sujeito a inundações e enchentes. Deve
suportar a presença extensiva das águas como resgate de seu papel geográfico
de várzea, captação das águas fluviais, permeabilidade do solo. Poderia, em
muitos trechos configurar “praias urbanas”. Cabe aqui citar as cidades fluviais de
Paulo Mendes da Rocha, como referência urbanística. A cidade-parque, os portos
fluviais determinando uma “rede metropolitana do alto Tietê”.53
A OF não deve ser pensada como decadência e sim como reserva de futuro.
Representa o maior estoque de terras de São Paulo. É detentora de valioso
patrimônio existente: industrial, ferroviário, imobiliário. É território disponível
central: especial, rarefeito, de baixa densidade, promissor, estratégico.54
Deve,
portanto, suportar a reativação deste imenso patrimônio existente. A reutilização
de várias estruturas arquitetônicas existentes é requerida. A reativação do
patrimônio industrial existente é possível em várias situações, suportando um
novo tipo de ativididade industrial. Equipamentos com plantas industriais
menores, indústrias não poluentes e com menor demanda de fluxo de carga e
164
[5] o projeto-tese: a estratégia
descarga. Indústrias que possam funcionar no território interno da metrópole:
tecnopolos industriais e “clusters” industriais.
Faz parte do novo ciclo evolutivo metropolitano.
A cidade informal existe como contraponto da cidade dos serviços avançados.
Portanto elas coexistem no território metropolitano. Uma não deve excluir a
presença da outra.
Ao longo da OF coexistem lugares genéricos, o trecho do Moinho Central, p.ex,
que podem configurar intervenções típicas, “modelos urbanos” e lugares de
exceção, como o trecho do Largo da Concórdia-Brás, onde interessa revelar a
importância do lugar. Existem ainda lugares que necessitam de uma revisão
crítica de intervenções recentes: a Operação Urbana Barra Funda e a intervenção
no pátio/estação Júlio Prestes têm sido mal articuladas. Foram intervenções que
“deram as costas” à cidade, ao invés de possibilitar ligações entre diferentes
cotas da cidade.
A utilização dos programas existentes de intervenções urbanas para trechos
deste território deve ser analisada cuidadosamente: PITU; São Paulo Centro;
REVAF; Projeto Integração Centro da CPTM; Programa de Reabilitação do
Patrimônio Cultural da Luz (BID); a tese dos Corredores Metropolitanos defendida
por Cândido Malta Campos.54
As áreas vazias, residuais, poderiam receber a “densidade do vazio: espaços
onde a baixa densidade de volumes poderia estar ligada à alta densidade de
165
[5] o projeto-tese: a estratégia
funções; onde um mínimo de arquitetura pudesse provocar um máximo de
atividades”. Atuar no terreno vago das metrópoles contemporâneas, assim como
as cidades do século XIX souberam criar seus parques urbanos. Áreas de refúgio e
memória. Preservar os valores intrínsecos de vazio e abscência. Determinar uma
arquitetura do silêncio. Possibilitar a revelação do encontro do passado e do
presente. Tais territórios poderiam ser a “a condensação da cultura moderna”.55
É um território linear. Resgata a idéia da cidade-linear, pensada modernamente
por diversos arquitetos. A cidade linear, de Arturo Soria y Mata, implementada
em Madri em 1894, funcionando com sucesso até o regime de Franco. A
Broadacre City, de Frank Lloyd Wright é, fundamentalmente, uma organização
linear. A “Cidade Linear Industrial”, de Le Corbusier, 1925, com a idéia da
otimização do sistema coletivo de transportes e harmonização da habitação,
trabalho, áreas abertas de lazer e a conexão inter-núcleos urbanos vinculada à
cidade-jardim, com lâminas de habitação coletiva “alveolar”, parques no chão -
pulmão verde no centro da cidade moderna e jardins suspensos. O russo N. A.
Miliutin e sua proposta para a cidade nova soviética Sotsgorod e, posteriormente,
seu plano para Stalingrado. O modelo, com suas variações, é sempre baseado
num sistema linear de transporte público. O programa se distribui ao longo da
faixa territorial. Entretanto, “...o plano [da cidade linear] raramente tem sido
implementado, exceto em situações cuja topografia marca a forma da cidade,
como em Stalingrado...Também ocorre como uma ‘megaforma’ em alguns países,
166
[5] o projeto-tese: a estratégia
uma linha de conexão metropolitana...Esta forma tem utilidade específica em
determinadas escalas e para usos e situações particulares.”56
Um dos principais elementos de dinamização da OF é a modernização do
sistema de transporte ferroviário existente. A sua transformação em metrô de
superfície e integração com demais sistemas de transportes metropolitanos
conferirá à região a acessibilidade necessária para a sua dinamização. Apesar de
não estar manifestada explicitamente nas propostas do PITU 2020, é
perfeitamente condizente com aquelas diretrizes para a integração dos sistemas
de transportes públicos da Grande São Paulo, como já discutimos no capítulo
anterior. Deve-se creditar na tese pioneira de Cândido Malta que, já em 1973,
propunha corredores metropolitanos, com a utilização dos leitos da ferrovias
existentes para acomodar as novas linhas de metrô, gerando uma grande
economia de custos e o aproveitamento da rede ferroviária metropolitana -
estimada em 270 km lineares - para sua transformação em metrô de superfície.
Existem várias alternativas possíveis de modernização do sistema ferroviário e a
viabilização de um metrô de superfície sobre o seu leito atual. Uma das
possibilidades seria a instalação do metrô de superfície, correndo paralelamente
à linha de trem. O trem teria a demanda única do transporte de cargas. Outra,
talvez mais interessante a médio prazo, seria a substituição do trem pelo metrô,
desde que se possa contar com a utilização do transporte de cargas através do
ferroanel metropolitano. O metrô de superfície seria um sistema híbrido metrô-
167
[5] o projeto-tese: a estratégia
trem, como os que existem em algumas cidades européias - o mais famoso talvez
seja o “modelo Kalsrue” na Alemanha - onde o sistema comporta velocidades
diferentes. Funciona no “padrão metrõ” enquanto está em trajeto inter-urbano,
com maior velocidade, e no “padrão trem urbano” (como os trams holandeses)
quando corta trajetos urbanizados. O sistema versátil otimizaria toda a rede
existente de trens metropolitanos e funcionaria integrado aos demais modos de
transporte público, como proposto no PITU 2020. As estações devem se adaptar a
esta nova realidade: modernização das existentes e desenvolvimento de novas,
sempre atuando como pólos urbanos e elementos catalizadores metropolitanos.
A OF deve configurar um imenso eixo verde: um parque linear metropolitano.
Um pulmão verde para a metrópole. A idéia de agir nos terrenos vagos
metropolitanos, gerando a presença do verde, é também defendida por vários
arquitetos. Koolhaas fala em “arquipélago de espaços verdes”. Portas remete-se
aos projetos ambientais ou paisagísticos de escala metropolitana ou regional:
“...o tratamento orográfico e vegetal, os equipamentos em parques de lazer, os
filtros ou barreiras ambientais, englobando os eixos de circulação e os seus nós,
constituem um novo desafio em resposta às exigências crescentes de
sustentabilidade e de expansão das demandas de tempo livre, nem sempre
convergentes nas pressões sobre os territórios mais vulneráveis.”57 Joan Busquets
embasou a sua proposta de intervenção no Eixo Tamanduathey, em Santo André,
na idéia de um “tapete verde”, que se vai modelando ao longo da várzea entre
168
[5] o projeto-tese: a estratégia
o rio e a ferrovia e que articula todos os programas propostos. Mas novamente Le
Corbusier já preconizava a sua necessidade em sua Cidade Contemporânea: “De
todas as partes, ao redor das casas brotam árvores: agradável coabitação do fato
humano com o fato natureza.”58
“A cidade para todos”: o resgate dos espaços públicos, a possibilidade de
atuação contra a exclusão social metropolitana, de gerar moradia coletiva -
lembrando-se da luta já travada hoje nesse território por diversos agentes da
sociedade, dentre eles o Movimento dos Sem Teto - junto às infraestruturas
existentes e um moderno sistema de transportes: de constituir-se no maior eixo
público metropolitano de São Paulo.
05.3.2.2 A estr05.3.2.2 A estr05.3.2.2 A estr05.3.2.2 A estr05.3.2.2 A estraaaaatttttégia prégia prégia prégia prégia propostaopostaopostaopostaoposta
Lança-se, então, uma estratégia projetual de intervenção para um trecho
da OF paulistana: um eixo linear de 12,6 km de extensão - 115 ha - que vai do
Moinho Central, na Barra Funda, à Estação Moóca.
Propõe-se um urbanismo dinâmico baseado em matrizes urbanas
superpostas.
A estratégia organiza-se em quatro matrizes urbanas complementares, que
se sobrepõem e abrem a possibilidade de desenhos múltiplos dentro de suas
várias combinações. Uma nova dinâmica urbana, mais flexível às demandas e aos
programas múltiplos da metrópole contemporânea. A idéia das superposições
169
[5] o projeto-tese: a estratégia
atende à flexibilidade temporal, pois não impõe um desenho único. É variável no
tempo e no espaço. É dinâmica e comporta variações múltiplas na sua
composição para a construção de um território complexo.
Uma estratégia que poderia comportar, no seu desenvolvimento, diversas
formas participativas por parte da comunidade envolvida. Sendo flexível, poderia
agregar - efetivamente - o processo participativo de modo coerente.
Apresentações públicas da estratégia inicial junto aos diversos agentes locais,
públicos e da iniciativa privada; workshops com grupos mistos constituídos por
representantes dos diversos setores envolvidos; debates públicos, etc., seriam
absorvidos no desenvolvimento do projeto, sem prejuízo de sua concepção.
Afinal, trata-se do estabelecimento de uma estratégia de urbanismo que
prepare as condições para a construção do território. Que o prepare para receber,
coerentemente, os diversos programas urbanos e arquitetônicos, sem, entretanto,
definir formas arquitetônicas finais.
Dentro das atuais condições urbanas existentes em São Paulo, com a
chegada, finalmente, de um novo Plano Diretor, atualmente em debate promovi-
do pela atual gestão (Marta Suplicy), surgem, à princípio, 13 novas Operações
Urbanas na cidade, uma das quais para a OF.
Neste sentido, este trabalho viabilizaria-se através do instrumental de
uma Operação Urbana Orla Ferroviária. Essa estratégia definiria as novas normas
de utilização do solo urbano - em substituição ao zoneamento arcaico presente
170
[5] o projeto-tese: a estratégia
nas diversas partes desse território, atualmente desarticulado, inclusive, em
termos de legislação urbana -, as regras para a sua nova ocupação e as formas de
sua viabilização financeira.
Obviamente, dentro das atuais condições, é impensável não se criar instru-
mentos legais que possibilitem a participação da inciativa privada no processo.
Porém, parece-nos claro que está na hora de o poder público, numa cidade com a
magnitude e potencial econômico de São Paulo, fazer-se presente e assumir
determinados rumos que o território metropolitano deve tomar, visando os
interesses da coletividade, particularmente na construção de espaços públicos.
O poder público - gerenciador do território urbano - deve promover o
enfrentamento público de posições divergentes existentes na cidade que vão da
necessidade de retomada da construção de habitação de interesse social e para
classe média, financiada com recursos públicos e/ou diretamente pelas
incorporadoras, na área central, aí se incluindo a OF, até o anunciado surgimento
de uma Operação Urbana OF, onde pairam interesses imobiliários de grande
porte. É preocupante, p.ex., as notícias do leilão das áreas pertencentes à RFFSA,
promovido pelo Governo Federal, sem qualquer plano prévio de intervenção
neste território. Por outro lado, aparece incorporado ao discurso urbano da atual
gestão municipal a ocupação maçiça da OF com moradia de interesse social,
através do Plano Reconstruir o Centro, porém também sem plano urbanístico
abrangente. O Fórum Centro Vivo, ONG que congrega os movimentos urbanos de
171
[5] o projeto-tese: a estratégia
luta por moradia aos Sem-Teto também reinvindica este território disponível para
habitação coletiva.
Uma Operação Urbana Orla Ferroviária deveria tomar como princípio básico
para a sua viabilização a idéia da preservação dos terrenos disponíveis naquele
território para um grande parque público. A contrapartida financeira para tal
medida seria a transferência do potencial construtivo destes terrenos para a
construção de habitação verticalizada nas bordas da OF. Ou seja: o preço do
terreno - e a sua utilização - não é o real problema, mas sim o seu potencial
construtivo.
Parece-nos, inclusive, que dentre outros problemas - inclusive da boa
gestão pública dos enormes recursos advindos das transferências de potencial
construtivo - as Operações Urbanas em São Paulo até o momento não deram
muito certo por não haver, junto ao conjunto legal e complexo de normas urba-
nísticas, uma clara estratégia projetual para as áreas objeto de intervenção, um
desenho urbano flexível. Neste sentido, este ensaio procura constituir esta base
estratégica: preparar o território para a futura chegada das peças arquitetônicas.
As matrizes urbanas priorizam a idéia da construção de um território me-
tropolitano novo, que atue no terreno vago sem preenchê-lo, necessariamente,
com peças arquitetônicas. Procura estabelecer possibilidades de atuação no terri-
tório conforme as suas demandas mutantes, com programas flexíveis. Estabelece-
se uma dinâmica composta de 4 matrizes urbanas que se sobrepõem ao longo do
172
[5] o projeto-tese: a estratégia
tempo:
[m1] Infra-estruturas
[m2] Fluxos
[m3] O eixo verde
[m4] Bordas urbanas
[m1] Infr[m1] Infr[m1] Infr[m1] Infr[m1] Infra-a-a-a-a-estruturestruturestruturestruturestruturasasasasas
Configura-se pela reutilização das infra-estruturas e das estruturas urbanas
históricas presentes no território como condições de campo existentes, insumos
projetuais. São elas:
Modernização do sistema ferroviário e a sua transformação em metrô de
superfície. Propõe-se um sistema híbrido carga-passageiros, onde o transporte de
cargas possa ocorrer de madrugada - se necessário - e ligado ao futuro ferroanel
metropolitano.
173
[5] o projeto-tese: a estratégia
Modernização das estações existentes e criação de novas estações. Aliado ao
novo sistema de transporte e à recuperação das estações existentes deverão ser
implantadas novas estações a cada 800 metros em média (padrão Metrô), de
modo a facilitar o acesso de pedestres da área, além de proporcionar novos
elementos catalisadores de transformações do espaço urbano. Tais estações
deverão estar associadas a novos equipamentos urbanos, cujo programa deverá
irradiar impactos positivos para suas respectivas áreas de influência. Algumas
estações serão pólos intermodais.
§ Reativação do patrimônio existente 1: edifícios históricos, galpões e moinhos
permanecem como testemunhos da memória desse território e devem receber
usos e programas atuais.
Reativação do patrimônio existente 2: recapacitação da área industrial em
processo de reconversão por uma nova indústria de base tecnológica, um
“tecnopolo urbano”, que encontraria na região, todas as condições estruturais
para a sua implantação. Aliado à reconfiguração e à manutenção das indústrias
existentes, é necessário estimular a formação de novas unidades produtivas,
ligadas a uma indústria limpa e de ponta. O desenvolvimento de parcerias entre
as novas empresas e universidades é importante para a consolidação deste novo
segmento produtivo na metrópole. Alguns centros de pesquisa podem ser
implantados em conjunto com os tecnopolos. Existem interesses políticos e sócio-
econômicos em se manter as indústrias na RMSP. O desafio apresentado para a
174
[5] o projeto-tese: a estratégia
iniciativa privada é a transformação da sua capacitação gerencial interna à
parceria do poder público e do próprio setor privado na requalificação da área.
Aliado ao tecnopolo, podem surgir unidades produtivas do tipo dos “clusters
industriais”. 59
Destinou-se para este cluster industrial 20% da área desativada da
Cia. Antártictica, na Moóca (706.320 m2).
Recuperação do rio Tamanduateí e a sua utilização como meio de transporte de
curta distância para cargas e lixo. Um rio limpo e navegável é o que se pretende
para a futura área. A recuperação do rio Tamanduateí e de outros rios
metropolitanos é condição básica para a sustentabilidade da metrópole. Além de
serem nossos mananciais, eles contribuem para a qualificação do ar e da
paisagem urbana, como um elemento atenuante dos conflitos urbanos. O rio
deve ser recuperado em todos os seus aspectos e integrado a uma nova
paisagem.
O alargamento de seu leito e recuperação de seus percurso original, em trechos
possíveis, deverá amenizar as enchentes e conferir ao entorno uma paisagem
mais qualificada. A sua utilização, como meio de transporte, é outra proposta que
se pretende implementar. Inicialmente, será implantado o transporte de cargas
intra-urbanas e parte do lixo urbano da metrópole.
[m2] Flux[m2] Flux[m2] Flux[m2] Flux[m2] Fluxososososos
Combinação de projetos para o sistema de transportes: viário; de pedestres e
175
[5] o projeto-tese: a estratégia
coletivo, que resultem na otimização dos fluxos no eixo metropolitano.
Incentivo à intermodalidade entre os modos de transportes (rodo-metrô-
ferroviário).
Maior acessibilidade para o território: transposição transversal da ferrovia:
edifícios-ponte, passarelas, sobreposições aéreas e subterrâneas.
Continuidade do tecido urbano, permitindo a existência de uma rede de fluxos
contínua do novo território com as suas bordas existentes e pré-configuradas.
Criação de uma “linha inteligente” enterrada, fibras óticas e canais de fluxos
informacionais, junto à linha férrea, que possibilite o desenvolvimento dos novos
programas, principalmente da nova indústria metropolitana.
176
[5] o projeto-tese: a estratégia
[m3] O eix[m3] O eix[m3] O eix[m3] O eix[m3] O eixo vo vo vo vo verererererdedededede
Ao longo de todo o território, junto à ferrovia, surge um eixo verde, um
parque linear metropolitano, cuja imagem final constitua um gradiente verde que
varie de densidade do corpo florestal central, para a sua diluição nos territórios
urbanizados. Articulado ao parque linear, um conjunto de parques urbanos são
propostos em pontos que se apropriam dos vazios mais significativos e articulam-
se com os equipamentos já existentes na área lindeira. Sempre que possível,
deverá ocorrer a maçiça presença da água. Linhas, faixas e grandes espelhos
d´água para a captação das águas pluviais, contenção do fluxo de águas fluviáis e
alternativa aos atuais “piscinões” subterrâneos. O parque linear compôe-se de
dois elementos:
Corpo florestal central: define-se pela recuperação vegetal da área da antiga
várzea, através da implantação de um projeto florestal que conquiste todos os
vazios disponíveis ou rearranjados, ao longo da ferrovia e das vias expressas. Um
eixo central verde de alta densidade. Essa densidade vegetal visa confrontar o
tráfego do metrô de superfície, absorvendo o seu impacto junto às franjas
urbanas, além de compor para a cidade uma nova área verde contínua com
aproximadamente 73,5 ha.
Zona de influência verde: propõe-se a expansão do verde para o território
177
[5] o projeto-tese: a estratégia
urbanizado às margens, que se configure pela incorporação ao corpo central de
áreas com vocação pública (como os parques lindeiros ou clubes) e pela geração
de novos vazios qualificados nos territórios privados, por empreendimentos
incentivados.
[m4] Bor[m4] Bor[m4] Bor[m4] Bor[m4] Bordas urbanasdas urbanasdas urbanasdas urbanasdas urbanas
Procura possibilitar a consolidação do grande eixo público metropolitano -
a OF como integradora de atividades prioritariamente públicas - aos territórios
lindeiros, as bordas urbanas:
Reorganização espacial: conquista de novos territórios públicos verdes, através
de projetos incentivados ao modo das Operações Urbanas.
Novos usos 1: implementação de habitação coletiva de interesse social, a
“cidade para todos”, nas franjas urbanas e junto ao parque linear. As tipologias
habitacionais devem ser variadas e flexíveis. De modo geral, propõe-se o
desenvolvimento de lâminas habitacionais de densidade média e grande altura,
justificando a sua implantação junto ao parque linear:
- 1.298.500 m2 de área construída;
- 23.084 unidades (10% quitinetes; 20% 1 dormit.; 70% 2 dormits.);
- 67.810 moradores;
- densidade demográfica: 589 hab./ha
Novos usos 2: um mix de programas variados e não previamente fixos deve ser
178
[5] o projeto-tese: a estratégia
incentivado para dar suporte ao eixo metropolitano. Uma rede de eventos de
programa flexível.
179
[5] o projeto-tese: a estratégia
05.4 Notas1 SANTOS, [s/d], op. cit., p.15.
2 Sassen apud. GUST (Ghent Urban Studies Team). The Urban Condition: Space,
Community, and Self in the Contemporary Metropolis. Rotterdam: 010 Publishers.
1999.
3 SANTOS, [s/d], op.cit., p.16-17.
4 SOUZA, M. A. A. Geografias da desigualdade: globalização e fragmentação. São
Paulo: [s/r]. [s/d], p.21.
5 PEIXOTO, 2000, op. cit.
6 Ibid.
7 BORJA & CASTELLS, 1998, op. cit., p.175.
8 SANTOS, [s/d], op.cit., p.17.
9 PEIXOTO,2000, p.?
10 Rem Koolhaas apud. GUST, 1999, op;. cit., p.53.
11 Hans Ibelings apud. GUST, 1999, op. cit. p.53. Ibelings em sua crítica à
arquitetura contemporânea comenta que nos grandes projetos, a arquitetura de
nomes como Renzo Piano, Jean Nouvel, Normam Foster, OMA ou Toyo Ito, são
normalmente consideradas como “envelopes flexíveis”, assim como as
corporações operacionais globalizadas.
12 BORJA & CASTELLS, 1998, op. cit., p.178. Esta complexidade e volatilidade do
território poderia, inclusive, gerar, no seu limite, uma “dinâmica entrópica”,
180
[5] o projeto-tese: a estratégia
dado o estágio de degradação constante do sistema e seu estado de desordem
crescente, segundo alguns autores. Brissac, por exemplo, remetendo-se à
conceituação de Gilles Deleuze e Felix Guattari refere-se a esta nova lógica
territorial como sendo constituída de “elementos heterogêneos e díspares que
formam conjuntos fluídos.” (PEIXOTO, 2001, op. cit., p.2).
13 SANTOS,[s/d], op. cit., p.16.
14 SOLÁ-MORALES RUBIÓ, 1996, p.119-120.
15 O termo palimpsesto foi usado com muita propriedade acerca da evolução
urbana de São Paulo, ao descrevê-la como a cidade que se fez uma sobre a outra,
no mesmo território, por Benedito Lima de Toledo em: TOLEDO, 1996, op. cit.
16 SOLÁ-MORALES RUBIÓ, 1996, op. cit., p.121.
17 Id., 1995, op. cit., p.23.
18 Hoje já temos um número razoável de intervenções arquitetônicas sobre vazios
urbanos e reconversão de antigas áreas industriais: da transformação urbanística
da orla marítima de Barcelona, em 82, à área portuária de Kop Van Zuid, Roterdã,
nos anos 90, passando pelo projeto na orla ferroviária de La Segrera, Madrid, ou
os concursos também para reconversão de orlas ferroviárias de Roma Triburtina
(“Infrastrutture For Good Design: Ferrovia e Città”)e Molino De Cecco, em Pescara
(“Da Fabbrica a Città”) - ambos objeto de propostas apresentadas por arquitetos
renomados como Renzo Piano, Massimiliano Fuksas e Herman Hertzberger, no
primeiro caso, e Bohigas, Fuksas, Gregotti e Zaha Hadid, no segundo.
181
[5] o projeto-tese: a estratégia
19 SOLÁ-MORALES RUBIÓ, 1995, op. cit., p.23.
20 KOOLHAAS, 1998, op. cit.
21 Irena Fialová in SOLÀ-MORALES RUBIÓ, 1996, op. cit., p.273.
22 Jameson apud. GUST, 1999, op. cit., p.43
23 A construção de Brasília é vista por Corbusier com surpresa. Ele vê realizado em
terras brasileiras – como já havia acontecido por ocasião do MEC em 36 – uma
cidade moderna, na qual seus ideais e influência clara estariam presentes,
porém, sem a sua participação direta. Corbusier esperava realizá-la aqui desde os
planos iniciais de Planaltina, em 26. Seria a possibilidade concreta de
desenvolvimento da sua “Cidade Contemporânea de Três Milhões de Habitantes”,
a “Cidade Contemporânea”, apresentada por ele em Paris em 22. Ver SANTOS,
Cecília R. et. al. Le Corbusier e o Brasil. São Paulo: Tessela/Projeto. 1987.
24 Ver ARANTES, 1998, op. cit. e HARVEY, David. A Condição Pós-Moderna. São
Paulo: Loyola. 1993.
25 BUSQUETS, 1996, op. cit.
26 Ver DEL RIO, Vicente. Revitalização de Centros Urbanos: O Novo Paradigma de
Desenvolvimento e seu Modelo urbanístico. Revista Pós,,,,, 04, 53-64. São Paulo:
FAU-USP. 1993 e LYNCH, Kevin. Good City Form. Cambridge: MIT Press. 1996
(1981).
27 As idéias e métodos desenvolvidos por Lynch foram exaustivamente tratados
em nosso trabalho de mestrado; ver SOUZA, Carlos L. Cognição ambiental &
182
[5] o projeto-tese: a estratégia
desenho urbano: APO de um espaço urbano com enfoque dos aspectos
perceptivos - O caso da Nova Av. Faria Lima. (Dissertação de Mestrado). São
Paulo: FAUUSP. 1997. Recomenda-se, para uma análise recente e bastante ampla
de sua produção, a leitura de seu último livro, publicado após seu falecimento:
LYNCH, Kevin. City Sense & City Design: Writings & Projects of Kevin Lynch. (Eds.:
Banerjee, T. & Southworth, M.). Cambridge: MIT Press. 1991.
28 BORJA & CASTELLS, 1998, op. cit.
29 BUSQUETS, 1996, op. cit.
30 PORTAS, Nuno. L’emergenza del progetto urbano. In: Revista Urbanistica, 110,
51-67. Roma. 1998.
31 Id.
32 Id.
33 Ibid., p.53.34
HASEGAWA, Juliana Y. Os Modelos Arquitetônicos na Reconstrução de Berlim.
(TGI, FAU-Mackenzie; Or.: Carlos Leite). São Paulo: FAU-Mackenzie. 2000.35
TSCHUMI, 1995, op. cit.36
SALGUEIRO, Francisco. Estudo e Análise dos “Grands Projects” em Paris: estudo
de caso Paris ZAC Austerlitz-Tolbiac-Massena. (TGI, FAU-Mackenzie; Or.: Carlos
Leite). São Paulo: FAU-Mackenzie. 2000; TECHNIQUES & ARCHITECTURE. Techniques
et architecture, Numéro spécial. Austerlitz 10 projects d´urbanisme. Paris: Altédia
Communication.1993.
183
[5] o projeto-tese: a estratégia
37 LIBESKIND, Daniel. Radix-Matrix: Architecture and Writings. Munique: Prestel.
1997, p.170.38
Ibid., p. 180.39
Ibid., p. 183.40
SPADONI, F.; LEITE, C. Concurso de Idéias para a Estruturação urbana e
Paisagística das Marginais dos Rios Pinheiros se Tietê: Projeto 2º Colocado: A
Floresta Urbana. In: Revista Se..., 3. São Paulo: FAU-Mackenzie. 2000. (no prelo).41
TSCHUMI, 1995, op. cit.
42 LYNCH, 1996, op. cit., pp.277/290.43
ALSOP ARCHITECTS. (Org.: William Alsop). Rotterdam Centraal Ontwerp
Masterplan. Londres: Alsop Architects. 2001.
44 PEIXOTO, 2001, op. cit.
45 MENDES DA ROCHA, 2000, op. cit., pp.70/171/173.
46 KOOLHAAS, 1998, op. cit., p.961.
47 SANTOS, [s/d.], op. cit., p.5.
48 SOLÀ-MORALES RUBIÓ, [s/d], op. cit.
49 ALLEN, 1999, op. cit.
50 LYNCH, 1996, op. cit., p.451.51
ROCHA, 2000, op. cit., p.16.
52 Comentários feitos por Fernando de Mello Franco em palestra proferida no
184
[5] o projeto-tese: a estratégia
evento “Workshop São Paulo-Eindhoven: Possibilidades de Construção do
Território” (FAUUSP, 20.05.01).
53 Tema desenvolvido por Alexandre Delijaicov junto a Paulo Mendes da Rocha e,
posteriormente, em seu mestrado junto à FAUUSP. Ver DELIJAICOV, Alexandre. A
Cidade e os Rios. São Paulo: FAUUSP. (Dissertação de Mestrado). 2000.
54 CAMPOS FILHO, 1973, op. cit.
55 Neutelings apud. GUST, 1999, op. cit., pp.37/43.
56 Cf. LYNCH, 1996, op. cit., pp.377/378.
57 KOOLHAAS, 1998, op. cit., p.967; PORTAS, 19, op. cit., p.56.
58 LE CORBUSIER. Urbanismo. São Paulo: Martins Fontes. 1992, p.72.59
IGLIORI, Danilo C. Economia dos Clusters Industriais e Desenvolvimento. São
Paulo: Iglu/Fapesp. 2001.
185
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
06 O PROJE06 O PROJE06 O PROJE06 O PROJE06 O PROJETTTTTOOOOO-----TESETESETESETESETESE: MA: MA: MA: MA: MATRIZES URBTRIZES URBTRIZES URBTRIZES URBTRIZES URBANAS>ANAS>ANAS>ANAS>ANAS>
06.1 Diagr06.1 Diagr06.1 Diagr06.1 Diagr06.1 Diagramas urbanos 187amas urbanos 187amas urbanos 187amas urbanos 187amas urbanos 187
06.2 Modelo 19506.2 Modelo 19506.2 Modelo 19506.2 Modelo 19506.2 Modelo 195
186
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
FICHA TÉCNICA>01. TERRIT01. TERRIT01. TERRIT01. TERRIT01. TERRITÓRIO TÓRIO TÓRIO TÓRIO TÓRIO TOOOOOTTTTTAL [MAL [MAL [MAL [MAL [MOINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTRALALALALAL-M-M-M-M-MOÓCOÓCOÓCOÓCOÓCA]A]A]A]A]
> Extensão: 12,6 km lineares
> Área potencial de intervenção [“limites”]: 1.150.000 m2
> Área disponível: 912.130 m2 [1]
> Área verde [parque linear]: 734.256 m2
> Habitação coletiva: 1.298.500 m2
> Comércio e serviços [base das lâminas habitacionais]: 129.850 m2
> Cluster industrial [Tecnopolo Moóca]: 706.320 m2
> C.A.: 2,34
> T.O.: 21 %
> População alocada [moradia]: 67.810 hab.
> Densidade demográfica [populacional]: 589,65 hab./ha
02. TRE02. TRE02. TRE02. TRE02. TRECHO [1] MCHO [1] MCHO [1] MCHO [1] MCHO [1] MOINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTRALALALALAL> Área potencial de intervenção: 143.500 m2
03. TRE03. TRE03. TRE03. TRE03. TRECHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESTESTESTESTESTES> Área potencial de intervenção: 167.760 m2
04. TRE04. TRE04. TRE04. TRE04. TRECHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PARIARIARIARIARI> Área potencial de intervenção: 153.700 m2
05. TRE05. TRE05. TRE05. TRE05. TRECHO [4] LCHO [4] LCHO [4] LCHO [4] LCHO [4] LGOGOGOGOGO. C. C. C. C. CONCONCONCONCONCÓRDIAÓRDIAÓRDIAÓRDIAÓRDIA-BRÁS-BRÁS-BRÁS-BRÁS-BRÁS> Área potencial de intervenção: 240.965 m2
06. TRE06. TRE06. TRE06. TRE06. TRECHO [5] MCHO [5] MCHO [5] MCHO [5] MCHO [5] MOÓCOÓCOÓCOÓCOÓCAAAAA> Área potencial de intervenção: 329.450 m2
[1]: excetuou-se da área limite potencial, os equipamentos já existentes [estações,moinhos] e uma faixa de 15 m de largura destinada ao metrô de superfície.
> Tipologias habitacionais:
tipo: área quant. área unidadespopulação
un. s/total constr. residente- quitinete 30 m2 10% 129.850 m2 4.328 un
4.328 hab- 1 dormit. 45 m2 20% 259.700 m2 5.771 un
11.542 hab- 2 dormits. 70 m2 70% 908.950 m2 12.985 un
51.940 habtotais: - 100% 1.298.500 m2 23.084 un
67.810 hab
187
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
188
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
189
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
189
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
190
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
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[6] o projeto-tese: matrizes urbanas[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
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[6] o projeto-tese: matrizes urbanas[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
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[6] o projeto-tese: matrizes urbanas[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
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[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
195
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[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
196
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
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[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
197
198
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
TRETRETRETRETRECHO [1] MCHO [1] MCHO [1] MCHO [1] MCHO [1] MOINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTROINHO CENTRAL> AL> AL> AL> AL> o potencial do vazio [terreno vago típico]: expansão do parque linear com grande superfície de água [contenção], nova estação do metrô desuperfície [elemento catalizador], habitação nas bordas e reutilização do patrimônio arquitetônico existente [moinho central]
199
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
TRETRETRETRETRECHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESCHO [2] PÁTIO JÚLIO PRESTES>TES>TES>TES>TES> a ocupação típica dos vazios urbanos criando um novo território metropolitano público: parque linear se conectando às áreas públicas existentes[parque da luz] e habitação de interesse social verticalizada nas bordas [transferência do potencial construtivo do território público]
200
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
TRETRETRETRETRECHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PCHO [3] PÁTIO DO PARI>ARI>ARI>ARI>ARI> o potencial do vazio [terreno vago típico]: expansão do parque linear com grande superfície de água [contenção], nova estação do metrô desuperfície [elemento catalizador], habitação nas bordas e reutilização do patrimônio arquitetônico existente [moinho matarazzo]
201
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
TRETRETRETRETRECHO [4] LCHO [4] LCHO [4] LCHO [4] LCHO [4] LGOGOGOGOGO. C. C. C. C. CONCONCONCONCONCÓRDIAÓRDIAÓRDIAÓRDIAÓRDIA-BRÁS>-BRÁS>-BRÁS>-BRÁS>-BRÁS> contra o “caos urbano” surge o “silêncio arquitetônico”: parque linear, praça seca, rua aérea ligando os equipamentos urbanos [estações detrem e metrô, museu do migrante], habitação na borda e continuidade do tecido urbano com transposição em nível [neste trecho o metrô de superfície é tamponado]
202
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
TRETRETRETRETRECHO [5] MCHO [5] MCHO [5] MCHO [5] MCHO [5] MOÓCOÓCOÓCOÓCOÓCA>A>A>A>A> reutilização do patrimônio industrial [cia. antárctica e congás] com “cluster industrial” [tecnopolo] e parque linear
203
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
204
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
205
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
206
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
207
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
208
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
209
[6] o projeto-tese: matrizes urbanas
210
[7] conclusões
07 CONCLUSÕES>
211
[7] conclusões
07 CONCLUSÕES>
�Hoje digo adeus aos meus amigos do Brasil. E, antes de mais nada, a seu país
� o Brasil � que conheço desde 1929. Existem, para o grande viajante que sou, su-
perfícies privilegiadas sobre o planisfério, entre as montanhas, nos planaltos e
planícies por onde correm os grandes rios que vão para o mar; o Brasil é um dos
lugares acolhedores e generosos e gostamos de poder chamá-lo de amigo.
Brasília está construída; eu vi a cidade nova. É magnífica de invenção. De cora-
gem , de otimismo; ela fala ao coração. É obra de meus dois grandes amigos e
(através dos anos) companheiros de luta, Lucio Costa e Oscar Niemayer. No mundo
moderno Brasília é única. No Rio há o Ministério de 1936-45 (Saúde Pública e Educa-
ção Nacional) há as obras de Reidy, o monumento aos mortos da guerra. Há muitos
outros testemunhos.
Minha voz é a de um viajante da terra e da vida. Permitam-me, amigos do Bra-
sil, dizer-lhes obrigado!�
Le Corbusier, Rio de Janeiro, 29.12.1962 1
O Brasil, como toda a América, é território novo. Permite fazer-se e experi-
mentar-se com vigor. Trata-se de configurar o seu território através da constru-
ção de uma arquitetura nova. Um urbanismo que construa o novo território.
Não é de hoje que estamos a buscar esta ousadia: a construção do território
através de uma arquitetura humanista. Um urbanismo idealista que deseja do-
tar o território de bases democráticas, plurais. Que o construa para o futuro de
uma sociedade desejada mais justa. Enfim, que proponha as bases de uma
212
[7] conclusões
�cidade para todos�.
O sonho maior, efetivado em 1960 em Brasília, vinha de muito antes, esta-
va já na Planaltina de 1927. Lucio Costa e Oscar Niemayer construíram o sonho.
Desenharam a cidade moderna de bases corbusianas sobre o território inóspito,
novo, sem referências.
Temos algumas outras imagens da busca da construção do território novo de
bases urbanísticas modernas, de arquitetura ousadamente viva na urbe.
Em São Paulo, Artigas experimentou a construção de um micro-território
deste tipo no seu Conjunto Zezinho Magalhães Prado, o CECAP de Guarulhos,
1967. A cidade para todos: a habitação de interesse social sobre as bases de
um pensamento urbanístico ideal, completo. Fez diversas outras propostas para
a reconstrução do território que, infelizmente, ficaram no papel � seu projeto
para a Reurbanização do Vale do Anhangabaú ou os planos para Jaú, p. ex.
Paulo Mendes da Rocha, como já dito anteriormente, desenvolveu a bonita
idéia da cidade fluvial.
Infelizmente, como vimos, a cidade tem direcionado a construção � e recons-
trução � de seu território por outros parâmetros que não estes de um urbanismo
plural, democrático, de uma cidade de vida coletiva: mesquinhos, ditados pelos
interesses de uma minoria, sem planejamento, com a gestão pública à reboque
dos interesses do capital especulativo.
Este foi o meu primeiro questionamento neste trabalho. Seria possível,
numa época de crise cultural mundial, pensar-se num novo urbanismo de base
local? O aparente caos metropolitano de uma cidade de 17 milhões de habitan-
tes condena inexoravelmente novas propostas urbanísticas? É o fim do urbanis-
213
[7] conclusões
mo humanista?
Quis resgatar o papel sólido e urgente de um novo urbanismo para São Pau-
lo. Ou melhor: reivindicar a presença do urbanismo reparador : pensado a partir
das estruturas urbanas existentes na cidade, sem negá-la. O desafio da arquite-
tura contemporânea deve ser pensá-la a partir da cidade existente.
Pareceu-me evidente que para a realização de projetos urbanos desta natu-
reza, precisava-se discutir novas formas de urbanismo.
Por um lado, há uma clara percepção de que muito do que se propõe em
termos de intervenção urbanística para a cidade está problematizado não em
�o que fazer� � como vimos, esta é uma questão basicamente ideológica �
mas sim �em como implementar�. Por outro lado, há um também evidente
esgotamento do urbanismo tradicional e uma urgente necessidade de se pro-
mover uma ampla e corajosa discussão acerca das novas metodologias urbanís-
ticas em nossas escolas e instituições. Reivindicou-se um urbanismo dinâmico,
menos rígido. Suscetível de transformações durante o processo de desenvolvi-
mento. Propôs-se para tal, o exercício das matrizes urbanas superpostas.
Neste sentido, as viagens realizadas nos últimos três anos para análise critica
dos estudos de caso apresentados ao longo do trabalho foram elucidativas. Os
grandes projetos urbanos realizados em Euralille, Berlim, Paris (Parque La
Villette e Sena Rive Gauche) mostram as reais possibilidades existentes na
transformação do território e seus problemas de desenvolvimento, inclusive dos
vários e divergentes interesses que se apresentam para �tomar conta do
território�. As potencialidades de construção de novas territorialidades
metropolitanas a partir de infra-estruturas existentes na cidade e seus benefícios
214
[7] conclusões
na revitalização urbana são evidentes em quase todos os casos, especialmente
em Euralille. Contra a criticada privatização do espaço público, percebida em
Potsdamer Platz, devemos nos remeter ao sucesso do processo contínuo de
resgate, valorização e construção dos espaços públicos em Barcelona.
Minha segunda indagação � aceitando firmemente a concretude deste novo
urbanismo � recaiu sobre o território desarticulado e fragmentado da Orla Ferro-
viária. Seria possível a construção de uma nova territorialidade a partir de seus
fragmentos, seus vazios urbanos? Os terrenos vagos não poderiam determinar
a construção do novo território? Uma nova perspectiva de projeto urbano para
São Paulo?
Procurou-se desenvolver um �outro olhar� para este território sem urbani-
dade. Talvez um olhar estrangeiro, de quem vê o potencial do vazio, a memó-
ria do lugar como projeção futura. Contra a inexorabilidade do caos, da metró-
pole fragmentada e �retalhada� por contínuos processos de urbanificação e
não urbanismo, lançou-se a tese da construção do território novo, articulador.
Talvez a última possibilidade de construção de um território metropolitano.
Público. De urbanismo coletivo. Da cidade para todos. Do grande parque linear
sobre a orla. Das habitações coletivas construindo as novas bordas urbanas,
enquanto se constrói o silêncio arquitetônico no eixo central. De se propor habi-
tar na área central, junto às infra-estruturas existentes na cidade. De se privile-
giar definitivamente o transporte público em detrimento do privado, automobi-
lístico. Portanto, da incorporação ao plano de integração dos transportes públi-
cos, da modernização da malha ferroviária e a sua possível transformação em
metrô de superfície. Do poder público voltar a tomar as rédeas do processo de
215
[7] conclusões
desenvolvimento metropolitano, de gerenciar a cidade com o permanente diá-
logo entre partes divergentes, porém com a firme determinação da defesa do
interesse público.
Resta ainda, como sempre, quando se propõe o enfrentamento de questões
tão contemporâneas, a humildade do questionamento.
O trabalho percorreu temas, problemas e conceitos contemporâneos. Os
estudos de caso são recentes; não possuem ainda o confortável olhar
distanciado pela história. O objeto de trabalho ganhou durante a fase final de
elaboração deste, presença surpreendentemente forte no meio acadêmico e
especializado. Nos últimos anos � diferentemente de quando iniciei este
trabalho em julho de 1987 � o tema �orla ferroviária� passou a estar na ordem
do dia dos debates: de bancas de TFG´s nas nossas escolas de arquitetura ao
debate político entre candidatos à Prefeitura de São Paulo, chegando agora à
anunciada presença da Operação Urbana Orla Ferroviária no novo Plano Diretor
para a cidade, em debate público neste mês de março de 2002.
Obviamente este foi um risco e desafio: a contemporaneidade do assunto
que, pela urgência do problema, incita ao seu enfrentamento e lançamento de
teses, ao mesmo tempo determina enormes questionamentos pendentes.
1 Transcrito em SANTOS et. al., 1987, op. cit., p.292.
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