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PRODUSAGE DE RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS PARA EDUCAÇÃO ABERTA EM REDE Sabrina Bagetti 1 , Rosiclei A. Cavichioli Lauermann 2 , Elena Maria Mallmann 3 , Mara Denise Mazzardo 4 , Juliana Sales Jacques 5 1 Universidade Federal de Santa Maria, [email protected] 2 Universidade Federal de Santa Maria, [email protected] 3 Universidade Federal de Santa Maria, [email protected] 4 Universidade Aberta de Portugal, [email protected] 5 Universidade Federal de Santa Maria, [email protected] Resumo – A preocupação temática geradora deste artigo está centrada nos desafios contemporâneos da cultura digital na educação. O foco são as ações de fomento à integração das tecnologias em rede, por meio de Recursos Educacionais Abertos (REA). Metodologicamente, realizou-se análise conceitual, com base na literatura atual, tendo por objetivos sistematizar os princípios e características dos REA, identificar potencialidades da Produsage na (co)autoria em rede e analisar as implicações dos princípios teórico-metodológicos da Fluência Tecnológico-Pedagógica (FTP) no processo de criação. Os resultados do estudo apontam que na Produsage de REA, a FTP é basilar, visto que ela implica no desenvolvimento e/ou aprimoramento de um tripé de conhecimentos que englobam habilidades contemporâneas, conceitos fundamentais e capacidades intelectuais. Conclui-se que a cocriação de REA é essencial para impulsionar as ações que contemplam o movimento para uma educação aberta em rede. Palavras-chave: Recursos Educacionais Abertos. Produsage. Fluência Tecnológico-Pedagógica. Tecnologia Educacional. Abstract The thematic concern generating this article focuses on the contemporary challenges of digital culture in education. The focus is on actions to foster the integration of networked technologies through Open Educational Resources (OER). Methodologically, we carried out a bibliographical review with the objective of systematizing the REA concept based on the current literature, identifying the potentialities of the production movement in (co) authorship and such resources, as well as analyzing the implications of the theoretical and methodological principles of fluency technological-pedagogical in this process of creation. The results of the study point out that to act in the production of REA, the technological-pedagogical fluency is basic, since it implies in the development and/or improvement of a tripod of knowledge that encompasses contemporary skills, understanding and construction of fundamental concepts for amplification of intellectual abilities-skills, perceived as essential to actually drive the actions that contemplate the movement towards an open and networked education. Keywords: Open Educational Resources. Produsage. Technological-Pedagogical Fluency. Educational Technologie.

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PRODUSAGE DE RECURSOS EDUCACIONAIS ABERTOS PARA EDUCAÇÃO ABERTA EM REDE

Sabrina Bagetti1, Rosiclei A. Cavichioli Lauermann2, Elena Maria Mallmann3, Mara Denise Mazzardo4, Juliana Sales Jacques5

1Universidade Federal de Santa Maria, [email protected]

2 Universidade Federal de Santa Maria, [email protected]

3 Universidade Federal de Santa Maria, [email protected]

4 Universidade Aberta de Portugal, [email protected]

5 Universidade Federal de Santa Maria, [email protected]

Resumo – A preocupação temática geradora deste artigo está centrada nos desafios contemporâneos da cultura digital na educação. O foco são as ações de fomento à integração das tecnologias em rede, por meio de Recursos Educacionais Abertos (REA). Metodologicamente, realizou-se análise conceitual, com base na literatura atual, tendo por objetivos sistematizar os princípios e características dos REA, identificar potencialidades da Produsage na (co)autoria em rede e analisar as implicações dos princípios teórico-metodológicos da Fluência Tecnológico-Pedagógica (FTP) no processo de criação. Os resultados do estudo apontam que na Produsage de REA, a FTP é basilar, visto que ela implica no desenvolvimento e/ou aprimoramento de um tripé de conhecimentos que englobam habilidades contemporâneas, conceitos fundamentais e capacidades intelectuais. Conclui-se que a cocriação de REA é essencial para impulsionar as ações que contemplam o movimento para uma educação aberta em rede.

Palavras-chave: Recursos Educacionais Abertos. Produsage. Fluência Tecnológico-Pedagógica. Tecnologia Educacional.

Abstract – The thematic concern generating this article focuses on the contemporary challenges of digital culture in education. The focus is on actions to foster the integration of networked technologies through Open Educational Resources (OER). Methodologically, we carried out a bibliographical review with the objective of systematizing the REA concept based on the current literature, identifying the potentialities of the production movement in (co) authorship and such resources, as well as analyzing the implications of the theoretical and methodological principles of fluency technological-pedagogical in this process of creation. The results of the study point out that to act in the production of REA, the technological-pedagogical fluency is basic, since it implies in the development and/or improvement of a tripod of knowledge that encompasses contemporary skills, understanding and construction of fundamental concepts for amplification of intellectual abilities-skills, perceived as essential to actually drive the actions that contemplate the movement towards an open and networked education.

Keywords: Open Educational Resources. Produsage. Technological-Pedagogical Fluency. Educational Technologie.

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Introdução

No contexto da cultura digital, a integração das tecnologias em rede marca um avanço contemporâneo na educação. Ela traz a possibilidade de democratizar a prática educativa, na medida em que estabelece relações entre interação, interatividade e promoção da (co)autoria na relação ensino-aprendizagem. Nesse viés, destacamos o movimento educação aberta que deu origem aos Recursos Educacionais Abertos (REA). Esse movimento emerge da tradição educativa de partilha de boas ideias entre educadores, construído sob a premissa de que todos têm a liberdade de usar, personalizar, melhorar e redistribuir os recursos educacionais sem restrições.

Os REA possibilitam a mobilização dos conhecimentos visto que se apoiam em licenças autorais flexíveis que oportunizam a reutilização de materiais educativos em diferentes contextos. Nessa perspectiva, o processo de (co)autoria de REA requer de seus participantes uma posição crítica em vários sentidos como por exemplo: com relação aos recursos digitais tecnológicos que serão utilizados para desenvolvê-los; quanto ao teor do conteúdo que será abordado para disseminá-lo; aos valores éticos e humanitários; aos avanços emergentes da ciência e da tecnologia; respeito à diversidade e pluralismo de ideias e concepções. Assim, ter uma posição crítica na (co)autoria de REA significa reconhecer o potencial informativo, instrutivo e formativo advindo da interação em rede na cultura digital. Um REA contempla um intercâmbio de ideias, concepções epistemológicas e pedagógicas, bem como de vetores tecnológicos. A criticidade em relação aos REA passa a ser potencializada quando atrelada ao movimento contemporâneo da Produsage.

A Produsage de REA exige de seus participantes o desenvolvimento de conhecimentos para transpor saberes, lançando mão das possibilidades das tecnologias para gerar ensino-aprendizagem. Esse processo de contínuo aprimoramento denominamos de Fluência Tecnológico-Pedagógica (FTP). Portanto, a FTP, por compreender habilidades contemporâneas, conhecimentos de conceitos fundamentais e o desenvolvimento de capacidades intelectuais para criação e compartilhamento de inovações tecnológico-pedagógicas, não é um estado finalizado, mas sim processo. Diante disso, abordamos neste artigo a definição conceitual e as políticas institucionais sobre os REA, potencialidades do movimento da Produsage na (co)autoria de REA, bem como as implicações da FTP na consolidação desse processo.

Educação Aberta e Recursos Educacionais Abertos (REA)

A Open University do Reino Unido, criada em 1969, com a missão de oportunizar educação superior de qualidade para as pessoas que desejam aprender, é um marco inicial da Educação Aberta (BLESSINGER e BLISS, 2016).

Os REA fazem parte do movimento da Educação Aberta que é emergente e

combina a tradição estabelecida de compartilhamento de boas ideias com os colegas educadores e a cultura colaborativa e interativa da cultura da Internet. Ele é constituído na crença de que todos devemos ter liberdade de utilizar, personalizar, melhorar e redistribuir os recursos educacionais sem restrições. (DECLARAÇÃO PARA EDUCAÇÃO ABERTA - 10 ANOS, 2017, p. 3)

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Em 1998, David Wiley cunhou o termo “conteúdo aberto” para designar as produções que podem ser copiadas, modificadas e compartilhadas e criou uma licença aberta para indicar estas condições (BLESSINGER e BLISS, 2016). No entanto, as licenças Creative Commons (CC), criadas em 2001, com as mesmas concepções, começaram a ser adotas em vários países.

Outro avanço para a Educação Aberta foi a disponibilização na Internet, pelas universidades, dos conteúdos e materiais didáticos dos cursos de graduação e pós-graduação, prática que foi designada de OpenCourseWare (OCW). O Massachusetts Institute of Technology (MIT) iniciou este movimento ao criar o MIT OpenCourseWare, sendo seguido por outras universidades, originando, em 2005, o Open Education Consortium (HYLÉN et al., 2012). Com o avanço da Internet, a disponibilização de conteúdos pelas universidades aumentou e atualmente é uma prática comum impulsionado práticas educacionais abertas por meio de Massive Open Onlince Courses (MOOC).

No contexto dos OCW, a UNESCO, em 2002, organizou o Forum on the Impact of Open CourseWare for Higher Education in Developing Countries1, no qual foi cunhada e conceituada a designação Open Educational Resources (OER). No primeiro conceito dos REA consta que são recursos disponíveis para consulta, uso e adaptação, sem fins comerciais (UNESCO, 2002). Na Declaração de Paris, documento do Primeiro Congresso Mundial sobre REA, realizado em 2012, os REA são conceituados como:

[...] materiais de ensino, aprendizagem e investigação em quaisquer suportes, digitais ou outros, que se situem no domínio público ou que tenham sido divulgados sob licença aberta que permite acesso, uso, adaptação e redistribuição gratuitos por terceiros, mediante nenhuma restrição ou poucas restrições. O licenciamento aberto é construído no âmbito da estrutura existente dos direitos de propriedade intelectual, tais como se encontram definidos por convenções internacionais pertinentes, e respeita a autoria da obra (UNESCO, 2012, p. 1).

Esses princípios destacam as condições para que um recurso seja considerado REA: ser de domínio público ou possuir licenças que permitam acesso, reúso, adaptação (produção de obra derivada) e redistribuição de forma gratuita. As licenças são definidas com observação da estrutura de direitos autorais existentes (nacionais e internacionais). Estas permissões foram definidas com mais clareza por Wiley (2007; 2014) ao estabelecer os 5Rs (liberdades) de abertura dos REA.

David Wiley originalmente definiu conteúdo aberto por meio de “4R”, que inclui as liberdades para reutilizar, revisar, remixar e redistribuir (reuse, revise, remix e redistribute). Porém, em resposta às editoras acadêmicas que promovem códigos de acesso e arrendamentos de curto prazo para os conteúdos educacionais, Wiley (2014) tornou explícito algo que ele considerava um princípio subjacente no conteúdo aberto: a liberdade de reter (retain), isto é, ter cópias do conteúdo. (BLESSINGER e BLISS, 2016).

As liberdades dos 5Rs contidas na Figura 1 apresentam os REA como um círculo virtuoso de criação e colaboração. Tais liberdades possibilitam a interação e multiplicação de configurações dos recursos, não limitando a s pessoas somente a fazer cópia (reter), mas sim

1 Fórum sobre o impacto dos OpenCourseWare no Ensino Superior dos Países em Desenvolvimento

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associar as informações em outros recursos e criar novas obras, ao praticar a adaptação e o remix. “O último passo, compartilhar, é o menos comum e mais trabalhoso. Somente com o compartilhamento desses recursos é que conseguimos fechar o círculo virtuoso da criação” (AMIEL, 2014, p.199).

Figura 1 – Os 5Rs dos REA

Fonte: Organizado pelas autoras com base nos estudos de Wiley (2007; 2014)

A efetivação das liberdades dos 5Rs acontece pela adoção, nos recursos, de licenças abertas como as licenças Creative Commons em consonância com os Direitos Morais e Patrimoniais estabelecidos na Lei de Direitos Autorais brasileira (Lei 9610/98)2 e pelos acordos internacionais. As licenças Creative Commons3 foram idealizadas para permitir aos autores e/ou detentores dos direitos autorais deixarem claro, para o público, como autorizar o uso de sua obra. Portanto, enquanto os direitos autorais determinam normas que definem a proteção de uma obra, as licenças CC garantem o direito do autor permitindo-lhe expressar as regras de uso, distribuição (cópia), recombinação (remix), adaptação, produção de trabalhos derivados e compartilhamento da obra, como: texto, música, imagem, filme e outros (MALLMANN et al., 2018).

Os REA têm como foco a diversidade de materiais educacionais constituídos em diferentes gêneros, como os livros didáticos, os livros científicos, artigos acadêmicos, vídeos, softwares, imagens, áudios e demais produções compartilhadas em rede de forma aberta. Portanto, são materiais de suporte a educação que podem ser acessados, reutilizados, compartilhados, remixados e modificados livremente, contribuem para potencializar o

2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9610.htm e https://youtu.be/CORG5aJRI_w 3 https://br.creativecommons.org/licencas/

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conhecimento curricular e possibilitam práticas escolares colaborativas de autoria e (co)autoria entre professores e estudantes.

Ao encontro desses entendimentos, os estudos de Jacques (2017, p.15), apresentam que os REA são compreendidos como “composições éticas e estéticas que alicerçam a educação aberta ao democratizar o acesso ao conhecimento, ao considerarem a pluralidade de ideias e contextos educacionais os quais serão compartilhados”. Por meio da (co)autoria aberta em rede, esse movimento promove inovação didático-metodológica nas práticas escolares, tendo em vista que o compartilhamento dos REA, com altos índices de abertura, permitem a adaptação e a remixagem dos materiais para sua utilização em diferentes contextos.

Políticas Institucionais/Internacionais sobre os REA

As políticas institucionais fomentam o conhecimento sobre REA, a integração nos materiais e nas práticas didáticas, a adaptação e remix pelos professores, alunos e demais pessoas interessadas pelo tema, a produção de REA originais e o compartilhamento dos REA produzidos individualmente e em colaboração. Estipulam também orientações e diretrizes para os países e instituições.

A Declaração de Paris (UNESCO, 2012) definiu orientações para os países: a) o reforço da sensibilização e da utilização dos REA (na educação formal e não-formal);b) a facilitação dos ambientes propícios ao uso das Tecnologias da Informação e da

Comunicação - TIC (infraestrutura tecnológica);c) o reforço do desenvolvimento de estratégias e de políticas relativas aos REA;d) a promoção da compreensão e da utilização de estruturas com licenciamento aberto

(conhecer e adotar as licenças);e) o apoio à criação de competências com vista ao desenvolvimento sustentável de

materiais didáticos de qualidade (apoio para a instituição e para os professores);f) o reforço das alianças estratégicas relativas aos REA (parcerias);g) o incentivo ao desenvolvimento e à adaptação dos REA em diversos idiomas e

contextos culturais;h) o incentivo à investigação sobre os REA (investigação sobre o reúso, integração nas

práticas didáticas e o impacto na qualidade e na relação custo-eficácia do ensino e naaprendizagem);

i) a facilitação da identificação, da recuperação e da partilha dos REA (conhecimentospara encontrar, selecionar, reutilizar e compartilhar os REA e práticas realizadas);

j) o incentivo ao licenciamento aberto de materiais didáticos com produção financiadapor fundos públicos (assegurar que recurso produzido com financiamento de fundospúblicos seja disponibilizado sob licenciamento aberto)4.

Em 2015, a UNESCO lançou as Diretrizes para Recursos Educacionais Abertos no Ensino Superior, as quais traçam orientações para os atores do Ensino Superior (governo,

4 PORTARIA Nº 451, DE 16 DE MAIO DE 2018 que define que todos os recursos educacionais financiados com fundos públicos devem ter licença aberta e, quando digitais, disponibilizados em plataformas na web. https://goo.gl/mcpb2H.

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instituição, corpo acadêmico, organizações de alunos e agências de controle de qualidade/ certificação e reconhecimento acadêmico). As orientações para o corpo acadêmico contemplam o desenvolvimento de habilidades para avaliar os REA, reunir, adaptar e contextualizar os REA existentes, desenvolver trabalho em equipe, estimular a participação dos alunos, realizar publicações sobre o trabalho desenvolvido com REA e atualizar o conhecimento sobre direitos autorais. (UNESCO, 2015).

A Declaração de Paris e as Diretrizes para Recursos Educacionais Abertos no Ensino Superior contemplam aspectos relevantes para o conhecimento, busca e seleção de REA, adaptação, remix e produção de REA original, porém são centradas no fomento, no incentivo e dependem da implementação de cada governo/instituição/pessoa.

No entanto, no Plano de Ação Liubliana do Segundo Congresso Mundial sobre REA (UNESCO, 2017), cujo tema foi "REA para Educação de Qualidade Inclusiva e Equitativa: do Compromisso à Ação", as recomendações são mais incisivas sobre a integração de REA nas atividades didáticas, sobre a necessidade de saber buscar, selecionar, adaptar/remixar, produzir REA originais e compartilhar, indo além da conscientização, partindo para práticas efetivas. Nesse sentido foram identificados 5 desafios: 1) a capacidade dos usuários de encontrar, reutilizar, criar e compartilhar REA; 2) questões linguísticas e culturais; 3) garantia de acesso inclusivo e equitativo a REA de qualidade; 4) mudança de modelos de sustentabilidade; 5) desenvolvimento de ambientes de políticas de apoio (UNESCO, 2017)

Destacamos o primeiro desafio que é desenvolver habilidades dos usuários para encontrar, reutilizar, criar e compartilhar REA e listamos algumas das ações sugeridas para atender a esse desafio:

a) criação de conscientização e habilidades para usar REA a serem desenvolvidas pormeio de cursos de formação para professores formadores e para alunos;

b) formação continuada para professores da Educação Básica;c) obter conhecimentos para efetivar os 5Rs de abertura dos REA, obter conhecimentos

sobre licenças abertas, sobre as questões relacionadas ao Copyright, sobre ocompartilhamento de REA;

d) melhorar da Fluência Tecnológico-Pedagógica (em referência ao documento que utilizaa expressão alfabetização digital).

Estes conhecimentos são necessários para a busca, seleção, adaptação/remix, produção de REA originais de forma individual e em colaboração, compartilhamento, mas principalmente para os professores integrarem REA nas práticas didáticas, envolvendo os alunos no processo de aprendizagem, de forma ativa. Os conhecimentos sobre REA e sobre Educação Aberta adquiridos, pelos alunos, podem contribuir para melhorar a aprendizagem na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida.

De maneira similar, a Declaração da Cidade do Cabo para Educação Aberta estabeleceu estratégias para os educadores e estudantes, para os REA e para as Políticas Públicas de Educação Aberta. Em 2017, foi realizada uma avaliação dos resultados da Declaração da Cidade do Cabo para Educação Aberta (2007) e no documento resultante foram definidas 10 diretrizes para fortalecer a Educação Aberta. No Quadro 1 consta a síntese dos documentos de 2007 e de 2017.

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Declaração da Cidade do Cabo para Educação Aberta (2007) -

Estratégias

Declaração da Cidade do Cabo para Educação Aberta - 10 Anos (2017) - Diretrizes

1) Educadores e Estudantes -participação no movimento daEducação Aberta

Utilizando, melhorando REA existentes (adaptação/remix) e produzindo novos REA.

2) Recursos Educacionais Abertos

Apelo aos educadores, autores, editores e instituições para disponibilizar os seus recursos abertamente. Os recursos devem ser publicados em formatos que facilitem a utilização e a edição, sendo adaptáveis a diferentes plataformas tecnológicas. Sempre que possível, disponibilizar em formatos que sejam acessíveis às pessoas com deficiências e às pessoas que não possuem acesso à Internet.

3) Política Pública de EducaçãoAberta

Governos, conselhos escolares, faculdades e universidades devem priorizar a Educação Aberta. Idealmente, os recursos educacionais financiados pelos contribuintes devem ser abertos.

1) Disseminar o conceito de abertura: adicionando eutilizando histórias envolventes sobre o impacto daeducação aberta no Mapa Global de REA.

2) Formação da Nova Geração: integrando os alunos naspráticas abertas, como a adaptação e produção de REA.

3) Conexão com outros Movimentos Abertos: Software Livree Aberto, governo aberto e cultura livre.

4) Educação Aberta para o Desenvolvimento: a) realizandoações para implementar o objetivo número 4 dedesenvolvimento sustentável, da Organização das NaçõesUnidas (ONU), que visa assegurar a educação inclusiva eequitativa e de qualidade, e promover oportunidades deaprendizagem ao longo da vida para todos; b) formação eapoio necessário para descobrir, adaptar e efetivamentefazer uso de REA com alunos.

5) Pedagogia Aberta: desenvolvida com práticas de ensino eaprendizado que desenvolve habilidades e conhecimentossobre os 5Rs de abertura dos REA.

6) Pensamento além dos limites da Instituição: ocompartilhamento de recursos e práticas é uma forma deatingir este objetivo.

7) Dados e Análises: a) explorar a intersecção entre conteúdoaberto, dados abertos e aprendizado aberto; b) obter dadosdas práticas realizadas e analisar envolvendo os alunos nasações.

8) Além do Livro Didático: a) elaboração de materiais deaprendizagem abertos do futuro; b) ir além do livro didáticoadotando uma nova forma de organizar (e produzir) osmateriais de aprendizado, explorando o melhor dos textos eintegrando imagens, recursos multimídia e elementosinterativos; c) envolver os alunos nas ações; d) disponibilizaros materiais com licenças abertas.

9) Tornar abertos recursos financiados com fundos públicos.

10) Reforma da Lei de Direitos Autorais para a Educação: a)reforma da lei de direitos autorais e defesa da educaçãoaberta são dois lados da mesma moeda; b) garantir exceçõespara usos educacionais na Lei de Direitos Autorais é tãoimportante quanto o licenciamento aberto de recursos.

Quadro 1 – Síntese das Declarações da Cidade do Cabo para Educação Aberta (2007 e 2017).

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As Declarações da Cidade do Cabo para Educação Aberta de 2007 e de 2017 destacam as práticas dos professores e estudantes com REA e o apoio das instituições e das políticas públicas. As 10 diretrizes, definidas em 2017, são mais contundentes sobre as práticas de reúso de REA nas atividades didáticas, produção de recursos em formatos diversificados, adoção de licenças abertas nas produções, compartilhamento e conhecimento sobre os Direitos Autorais, incentivando atualizações mais permissivas para a educação e adequação ao contexto digital. Destaca também o envolvimento dos alunos nas ações, as pedagogias ativas e abertas para preparar novas gerações para participar da educação aberta. Sendo assim, quando gestores, professores, estudantes ou qualquer pessoa atua na perspectiva da abertura pode criar, compartilhar e usar REA incrementando práticas educacionais abertas.

Como forma de efetivar a disseminação e aplicação da (co)autoria de REA proposta por essas políticas institucionais, destaca-se na próxima seção as potencialidades do movimento da Produsage no contexto da cultura digital.

Produsage de REA

O termo Produsage foi cunhado por Bruns (2008) ao desenvolver estudos sobre a disseminação de conteúdos abertos nas redes sociais. Segundo o autor, no engajamento criativo, colaborativo e ad hoc de elaboração de conteúdos abertos em rede, o termo produção deixou de ser preciso. Isso porque, ao considerar os diversos tipos de criações que são realizadas de forma paritária, baseada em comunhão, “ou mais prosaicamente como a produção de produtos, o problema não se encontra no adjetivo qualificador do termo produção, mas sim no seu próprio substantivo” (BRUNS, 2008, p.02).

Desse modo, a partir da fusão das palavras em inglês production (produção) e usage (uso), surgiu a Produsage. Trata-se de um conceito que supera os limites entre o consumo passivo (usuário) e produção ativa de conteúdos, no qual a distinção entre produtores e consumidores desaparece e esses papéis passam a ser desempenhados, ao mesmo tempo. Produzir-usar-avaliar-melhorar tornam-se ações virtuosas e cíclicas nos processos produtivos.

Os usuários que participam do desenvolvimento de softwares de código aberto e edição colaborativas [...], ou processos de criatividade e inovação em inúmeras comunidades de entusiastas, já não produzem conteúdo, ideias e conhecimento de uma maneira que se assemelha aos modos tradicionais, industriais de produção; os resultados de seu trabalho também retém apenas algumas das características dos produtos convencionais, embora com frequência eles possam substituir os resultados dos processos de produção comercial. A "produção" de conteúdo liderada pelo usuário é, em vez disso, construída em modelos de desenvolvimento iterativos e evolutivos em que muitas vezes comunidades de grandes participantes fazem uma série de mudanças. (BRUNS, 2008, p.03).

Portanto, a Produsage é um modelo teórico para compreender os modos contemporâneos de produção da existência no contexto da cultura digital. Esse modelo encontra-se em contraste direto com os modelos tradicionais de produção industrial que exerceram, ao longo dos últimos séculos, certo domínio na vida global das pessoas e que na cultura digital deixaram de ser mais vistos como norma (BRUNS, 2008). A principal diferença entre o modelo tradicional de produção e a Produsage é que, ao invés da produção

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representar apenas um aumento quantitativo na participação, ela representa uma mudança qualitativa do engajamento interativo com conteúdo e/ou informação. Pois, na Produsage a mídia não é mais algo feito para as pessoas/produtores porque “em vez disso, eles se tornam muito mais envolvidos ativamente na formação de seus próprios meios de comunicação e uso da rede (BRUNS, 2008, p.15). Com base nos estudos de Bruns (2008), apresentamos os princípios-chaves que envolvem os participantes da produsage:

a) Participação aberta (Avaliação Comunitária): encoraja os participantes a acessar suasredes sociais e seu conteúdo é criado por múltiplos participantes voluntáriosincentivados pela discussão aberta;

b) Heterarquia fluida (meritocracia ad hoc): considera que as habilidades de todos osparticipantes sejam iguais (mesma capacidade de contribuir) e sua estrutura não éorganizada somente em linhas em rede, não hierárquicas, (afastam-se os modeloshierárquicos tradicionais);

c) Artefatos inacabados (processo contínuo): o conteúdo colaborativo é compartilhadoem informações comuns de acesso aberto que permanecem inacabados, iterativos eevolutivos, voltados para a melhoria gradual de seu compartilhamento;

d) Propriedade comum (recompensas individuais): o conteúdo permanece livrementedisponível e suas futuras modificações devem ser disponibilizadas em condiçõessemelhantes; os projetos são gerenciados e protegidos efetivamente de abuso ouexploração e permanecem abertamente acessíveis com regras consagradas em umavariedade de documentos morais e legais.

Conforme as proposições, pode-se perceber que a Produsage não depende de umproduto tradicional pronto como ponto de partida para criar um artefato. Entretanto, isso não implica que produtos tradicionais não tenham nenhum papel a desempenhar em seus artefatos. O diferencial é que o artefato da Produsage permanece sempre aberto para futuras modificações e nele encontra-se o conhecimento distribuído, operacionalizado por um modelo que aproveita a interação e a colaboração de todos. Segundo Bruns (2011), a educação é o caminho para propiciar a criação de tais conteúdos, em uma perspectiva mais informada, auto-reflexiva e crítica, para então promover a composição de artefatos com maior teor de credibilidade e legitimidade. Assim, as contribuições do autor são pertinentes para compreender que essas ações são necessárias a fim de valorizar a participação colaborativa de estudantes e professores na cultura digital, visto que, a produsage tem-se destacado por ser desenvolvida em rede pela nova Geração ‘C’5.

A Geração ‘C’ é notavelmente percebida como responsável por conteúdos criativos como o YouTube e a Wikipédia, bem como pelo compartilhamento legal de arquivos e pelo desenvolvimento de softwares de código aberto (BRUNS, 2011). Trata-se de uma geração contemporânea com preferência por promover a colaboração sobre o acúmulo de informações e que oferecem um “conjunto de habilidades percebidas como capacidades:

5 A agência internacional de relações públicas Trendwatching.com, reconheceu na cultura digital a nova Geração ‘C’ e atribuiu o significado da letra ”C” para a palavra content (conteúdo). Trata-se de uma geração responsável pela avalanche de conteúdos gerados na web que adiciona textos, imagens, áudios e vídeos. Disponível em: https://goo.gl/EpWgHd.

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criativas, colaborativas, críticas, combinatórias e comunicativas, em suma, Geração C5c“ (BRUNS, 2011, p.12). A figura 2 apresenta essa relação.

Figura 2 - Geração C5c na produsage

Fonte: As autoras com base nos estudos de Bruns (2008; 2011)

Conforme a figura 2, a Geração C5c representa para a Produsage de REA a atitude e a aptidão de seus participantes (professores e estudantes) dispostos a oferecer um conjunto de objetivos e práticas comuns para elaboração de um artefato. A capacidade criativa contempla a arte do conteúdo de modo variado com diversas fontes, para promover um design com animações, áudios e imagens. A capacidade colaborativa envolve a colaboração em si, sob estruturas organizacionais variáveis. É tão importante ter a capacidade de colaborar efetivamente, quanto saber onde e com quem colaborar. Além disso, a colaboração exige um entendimento avançado de questões relativas à propriedade intelectual e aos direitos autorais (licenças abertas), pois contempla a liberdade de reutilizar um conteúdo disponível, sempre reconhecendo os direitos morais dos autores nas versões originais.

Já a capacidade crítica se faz necessária, tanto na relação entre colaboradores (examinar as fontes pesquisadas e discernir a confiabilidade), quanto nas próprias habilidades criativas projetadas no portfólio de trabalho. A capacidade combinatória se destaca, pois a Produsage visa também desconstruir e remixar um artefato gerando uma série de novos

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formatos, sendo necessária para combinar, desmontar e recombinar um conteúdo, em busca da compreensão sobre um novo olhar. E a capacidade comunicativa que está implicitamente embutida nas outras capacidades descritas, contempla compartilhar um artefato, garantindo que ele esteja inacabado (abertura legal de licença e de formato técnico). Desse modo, é eficaz na comunicação dos conhecimentos gerados, bem como na comunicação dos processos colaborativos, criativos e combinatórios. Ela não significa necessariamente “um resultado natural do desenvolvimento comunicativo geral”, mas pode ser promovida especificamente, para que os participantes atuem de forma efetiva e bem-sucedida como membros da Geração C5c (BRUNS, 2011, p.12).

O resultado da Produsage de REA é uma explosão de quantidade, amplitude e profundidade dos novos conteúdos abertos, inseridos em diferentes tipos de artefatos, como vídeos, áudios, imagens, mapas conceituais, banners, infográficos, blogs, resenhas, releituras, colagem de ideias entre outros. O compartilhamento desses artefatos estabelece uma forte ligação com diferentes espaços de ensino-aprendizagem, tornando públicas as experiências e os conhecimentos construídos na educação, que antes da cultura digital, ficavam restritos ao espaço da sala de aula. E para que essas ações sejam colocadas em prática no âmbito educacional, o desenvolvimento e/ou o aprimoramento da FTP é fundamental.

Fluência Tecnológica-Pedagógica (FTP): premissa para Produsage de REA

Conforme o Commmittee of Information Technology Literanc (KAFAI et al., 1999), fluência tecnológica representa a capacidade de reformular conhecimentos, expressar-se criativamente e de forma adequada, para produzir e gerar informação, mediados pelas tecnologias, ao invés de simplesmente compreender e utilizá-las. “Os indivíduos fluentes com tecnologias da informação avaliam, distinguem, aprendem e usam novas tecnologias conforme apropriado para suas atividades pessoais e profissionais” (KAFAI et al.,1999, p.07).

Assim, a fluência tecnológica é um processo de construção de saberes que ocorre ao longo da vida, no qual os indivíduos continuamente aplicam o que sabem, adaptam esse saber às mudanças e adquirem novos conhecimentos, passando por diferentes níveis de desenvolvimento e aprimoramento (KAFAI et al.,1999). Conforme os autores, este processo está diretamente relacionado ao desenvolvimento de habilidades contemporâneas, compreensão e construção de conceitos fundamentais para amplificação de capacidades intelectuais.

Com base nesses entendimentos, os estudos de Schneider (2017), definem que fluência tecnológica na educação, implica em saber utilizar, compreender, criar e compartilhar criações mediadas pelas tecnologias digitais. Segundo a autora, fluência está diretamente relacionada ao processo ensino-aprendizagem envolvendo a tecnologia, a pedagogia e o conteúdo curricular. Em relação aos conceitos fundamentais, habilidades contemporâneas e capacidades intelectuais, a autora destaca:

Os conceitos fundamentais referem-se a conhecimentos teóricos relacionados a redes, computadores, sistemas de informações, representação digital da informação, limitações da tecnologia, impacto na sociedade da informação, modelagem e abstração. Esses conhecimentos técnicos viabilizam a compreensão em relação às

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ferramentas [...] As habilidades contemporâneas perpassam o uso da Internet para encontrar informações, do computador para estabelecer comunicação [...]. Capacidades intelectuais envolvem ações de colaboração, teste de solução, gerenciamento de situações complexas, pensando abstratamente sobre a implementação das tecnologias [...]. (SCHNEIDER, 2017, p. 48 e 49).

Desse modo, o conceito de FTP passou a ser sistematizado. A necessidade de atrelar a fluência tecnológica à fluência pedagógica parte do princípio de que, no planejamento e na implementação de práticas escolares, não basta apenas saber operacionalizar a tecnologia, é preciso ir além: operacionalizar sustentando-se em ações com teor intelectual e princípios didático-pedagógicos. Conforme Mallmann; Schneider; Mazzardo (2013), fluência pedagógica e tecnológica são convergentes, inseparáveis. Segundo as autoras, um de seus aspectos essenciais é a capacidade de produzir informações e transformá-las em conhecimento, passando da condição de usuário para a de (co)autor e isso implica em conhecimentos técnicos, práticos e emancipatórios, portanto, com fundamentos pedagógicos. A FTP

reúne conhecimentos e práticas, teoria e ações, é saber fazer o melhor em cada situação, com cada recurso, sendo que não acontece no improviso, é resultado de formação. Possibilita a articulação do processo ensino-aprendizagem, indica maior nível de aprendizagem, a qual responde pela mudança de comportamento com obtenção de êxito em um saber fazer. (MALLMANN; SCHNEIDER; MAZZARDO, 2013, p. 4)

No contexto da Produsage de REA, a FTP se constitui como ação crítica modificadora e transformadora na medida em que se movimenta em direção às possibilidades inovadoras de atuar na (co)autoria de novas criações (JACQUES, 2017). Ela perpassa de forma simultânea um tripé de saberes relacionados a habilidades contemporâneas, que levam a compreensão de conceitos fundamentais necessários para o desenvolvimento de capacidades intelectuais que contemplam o movimento para uma educação aberta.

As habilidades contemporâneas referem-se ao potencial da cultura participativa em gerar conteúdos em rede na cultura digital, com base nas capacidades da Geração C5c: criativas, colaborativas, críticas, combinatórias e comunicativas (BRUNS, 2011). Os conceitos fundamentais referem-se ao envolvimento nas ações de pesquisa para construção e transformação de novas ideias, realizando o movimento de convergência das mídias para construção de um conhecimento crítico. E as capacidades intelectuais são os conhecimentos político-pedagógicos para colocar em prática as ações previstas nas políticas públicas que induzem o movimento REA.

Em sintonia com esse entendimento, o documento “framework” lançado durante o 2º Congresso Mundial de REA, realizado pela UNESCO em 2017, em parceria com Organização Internacional da Francofonia6 (OIF), aponta as competências desejáveis para professores na produção de Recursos Educativos Livres (REL), ou seja, os REA, representadas no quadro de competências da figura 3. Esse framework alinha-se com as demandas da cultura digital que passam pela necessidade de acoplar a fluência pedagógica à fluência tecnológica quando

6 OIF é uma instituição que promove a difusão do francês no mundo através da presença em 80 países, porém, também fala português devido a cinco países, que integram sua Comunidade: Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial e São Tomé e Príncipe.

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aponta as cinco competências fundamentais desejáveis para o professor: familiarização, pesquisa, reutilização, criação e compartilhamento de REA com o intuito de atender os princípios basilares dos 5Rs do REA: reter, reutilizar, rever, remixar e redistribuir (WILEY, 2014).

Figura 3 - Framework das competências REA desejáveis para professores

Fonte: http://aberta.org.br/wp-content/uploads/2017/10/REL.jpg

Nesse sentido, a FTP interfere diretamente na Produsage de REA e vice-versa, pois a convergência do referido tripé possibilita sempre a eclosão de saberes, perpassando por níveis técnicos, práticos e emancipatórios (MALLMANN; SCHNEIDER; MAZZARDO, 2013). Isso permite que professores e estudantes se envolvam colaborativamente no processo criativo de desenvolver e adaptar seus próprios recursos educacionais. Assim, ancorar o entendimento a respeito da FTP e da Produsage de REA gera inferências em três dimensões: a) primeiro no sentido educacional, dado o potencial de ensino-aprendizagem promovido pela Produsage de REA; b) segundo no sentido social, pois a criação de conteúdo aberto com teor científico beneficia não somente a cultura digital, mas a melhoria das condições de vida das pessoas, solução de problemas, etc; c) por fim, no sentido individual incrementa o desenvolvimento psíquico-intelectual, pois conforme Bruns (2011, p.09) “a não participação equivale à

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invisibilidade”, enquanto a cultura participativa gera a construção de novos conhecimentos contribuindo com a expansão da educação em rede.

Reflexões conclusivas

A Produsage de REA atenta para a crescente necessidade de abordar e problematizar a criação de conteúdos educacionais em ambientes abertos na cultura digital. Ela pode ser compreendida como uma leitura crítica da realidade que motiva seus participantes a se envolveram com a escrita, a leitura, o conhecimento e a sistematização de ideias. Isso porque os conteúdos dos REA necessitam de tanto de referências quanto de sistematizações confiáveis para ocupar os devidos espaços de compartilhamento.

Potencializar a (co) autoria de REA conforme os princípios do modelo Produsage é uma forma de efetivar as políticas institucionais/internacionais sobre REA e educação aberta. Isso significa que cocriar REA tem grande potencial na convergência da cultura digital não somente no contexto educacional, mas no processo de produção da existência. Visto que, o processo de criação de REA, implica em compreender seus princípios basilares, materializá-los, e assim, dar forma a seu conteúdo em meio ao conhecimento crítico. Sendo essas, as ações concretas situadas na concepção de abertura do movimento para uma educação aberta. Isso permite contemplar nos REA um diálogo aberto e informativo, para discutir assuntos que permitam gerar novas informações e estabelecer contatos com a realidade.

A Produsage de REA significa o incentivo à capacidade de posicionamento crítico e reflexivo do estudante visto que, ela envolve professores e estudantes em uma postura científica de tratamento de informações que dão origem a novos conhecimentos. Produsage de REA representa a construção do conhecimento ativo dos (co)autores envolvidos e comprometidos no processo educacional. O que se move para o primeiro plano da Produsage de REA é o um conhecimento crítico, não somente para formação pessoal de seus participantes, mas sim em busca de objetivos comuns. Assim, para atuar no movimento da Produsage de REA não basta somente saber como se faz (conhecer), mas sim, é preciso saber fazer (praticar). Para tanto, o tripé de saberes desenvolvidos e/ou aprimorados pela FTP (habilidades contemporâneas, conceitos fundamentais e capacidades intelectuais) são essenciais para consolidar democratização do acesso ao conhecimento no lastro da educação aberta em rede.

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