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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CRICIÚMA EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 2ª VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CRICIÚMA – SC Procedimento Administrativo nº 1.33.003.000122/2007-54 O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo procurador da República adiante assinado, com base nas provas reunidas no Procedimento Administrativo nº 1.33.003.000122/2007-54, e com fundamento no art. 129, inciso III, da Constituição da República, no art. 1º, inciso IV, e art. 5º da Lei 7.347/85, além dos arts. 5º, inciso III, alínea “e”, e 6º, inciso VII, alínea “c” da Lei Complementar 75/93, vêm perante Vossa Excelência propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, para reparação de dano moral coletivo e individual, contra o ESTADO DE SANTA CATARINA, pessoa jurídica de direito público, através de seu procurador local, com escritório na Rua Palestina, s/nº, 2º andar, Paço Municipal, Bairro São Luiz, nesta cidade (antiga sede da Justiça do Trabalho), pelas razões de fato e de direito que a seguir expõe: Av. Centenário, n.º 3773, Centro Executivo Iceberg, 7º Andar, CEP 88.801-000 - Criciúma/SC, FONE/FAX: (048) 433-8753/8165 - Endereço eletrônico: [email protected] 1

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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE CRICIÚMA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 2ª VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CRICIÚMA – SC

Procedimento Administrativo nº 1.33.003.000122/2007-54

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo procurador da República

adiante assinado, com base nas provas reunidas no Procedimento Administrativo nº

1.33.003.000122/2007-54, e com fundamento no art. 129, inciso III, da Constituição

da República, no art. 1º, inciso IV, e art. 5º da Lei 7.347/85, além dos arts. 5º, inciso

III, alínea “e”, e 6º, inciso VII, alínea “c” da Lei Complementar 75/93, vêm perante

Vossa Excelência propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,

para reparação de dano moral coletivo e individual,

contra o ESTADO DE SANTA CATARINA, pessoa jurídica de direito

público, através de seu procurador local, com escritório na Rua Palestina, s/nº, 2º

andar, Paço Municipal, Bairro São Luiz, nesta cidade (antiga sede da Justiça do

Trabalho), pelas razões de fato e de direito que a seguir expõe:

Av. Centenário, n.º 3773, Centro Executivo Iceberg, 7º Andar, CEP 88.801-000 - Criciúma/SC,FONE/FAX: (048) 433-8753/8165 - Endereço eletrônico: [email protected]

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I – DO OBJETO DESTA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

A presente ação civil pública tem por objetivo obter a reparação de

dano moral individual e coletivo ocorridos na Comunidade Quilombola São Roque,

localizada no Município de Praia Grande/SC, causados pela atividade policial

realizada de forma abusiva contra membro integrante do grupo.

II – DOS FATOS

II.I - DA AÇÃO POLICIAL

A partir da ocorrência do homicídio de Lineu da Silva dos Santos em

01.01.2007, foi instaurado o Inquérito Policial nº 01/2007 e determinada a prisão de

Valcir Ferreira, suposto autor do crime, residente no Parque Nacional dos Aparados

da Serra, no qual a Comunidade Quilombola de São Roque está incluída

parcialmente.

Para detenção do suspeito, foi formada uma equipe constituída pelo

comissário responsável pela Delegacia de Polícia de Praia Grande, policiais de

Sombrio, Araranguá e São João do Sul, além de um guia florestal com conhecimento

da área, todos coordenados pelos Delegados de Polícia Eliane Márcia Chaves

Viegas e Jorge Giraldi.

Após longa caminhada na mata, a equipe se perdeu, tendo o guia

ficado em dúvida sobre qual caminho seguir. Seguiram pela esquerda em uma

bifurcação e, depois de quase uma hora, chegaram a residência que seria do

procurado.

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Os policiais então, de armas e algemas em punho, foram de encontro a

Vilson Omar da Silva, que, desarmado, no momento encontrava-se alimentando os

animais.

A abordagem foi realizada por aproximadamente seis pessoas, as

quais somente se identificaram como policiais depois de mandarem Vilson encostar

na parede e o revistarem.

De forma violenta, os policiais cercaram e algemaram Vilson, passando

por mais de dez minutos a formular perguntas sobre o ocorrido, obtendo dele a

negativa imediata de autoria do crime.

E, somente aí, empenharam-se na identificação do suspeito,

requisitando a apresentação de documento de identidade. Os policiais

acompanharam armados Vilson até o interior de sua residência para então

constatarem que não se tratava do sujeito que era efetivamente procurado: Valcir.

II.II – DA INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

A Coordenadora Nacional do Movimento Negro Unificado (MNU),

Vanda Pinedo, encaminhou a esta Procuradoria da República em Criciúma/SC

documento virtual relatando a ocorrência de ato abusivo praticado por policiais civis

contra membro da comunidade (Vilson Omar da Silva) na data de 05.01.2007 e

ressaltando a preocupação do grupo em virtude de estarem sendo chamados para

prestar depoimento.

A ação da Polícia constituiu, em resumo, no constrangimento de Vilson

Omar da Silva, que foi equivocadamente preso, com uso de armas e algemas.

Ressalte-se que não era ele a pessoa que a Polícia procurava. Bastava pedir-lhe a

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identificação, sem necessidade de empregar a força e os meios exagerados que

foram de fato empregados.

A partir daí, em 26.01.2007, foi registado o Boletim de Ocorrência nº

217-2007-00037 (fl. 57 do procedimento administrativo).

A fim de investigar a situação, o Ministério Público Federal instaurou o

Procedimento Administrativo nº 1.33.003.000146/2008-94, que ora instrui a presente

petição.

Em 06.05.2007 foi realizada reunião com os membros da Associação

dos Remanescentes de Quilombo de São Roque e o Ministério Público Federal,

acompanhados do analista pericial em antropologia do MPF, na qual foram tratadas

de diversas questões, especialmente relacionadas à regularização da área,

dificuldades no contato com o IBAMA, bem como o acontecido com Vilson Omar da

Silva.

Visando esclarecer as impressões da comunidade acerca do ocorrido,

foi requisitada a elaboração de um estudo pelo antropólogo do MPF. A Informação

Técnica nº 07/2008 foi acostada às fls. 24/47 do procedimento administrativo, tendo

o profissional apresentado relatório pormenorizado acerca do fato em si, das

consequências advindas para o membro atingido e para a comunidade como um

todo.

Em 12.05.2008, o Ministério Público Federal expediu ofício ao

Delegado de Polícia de Praia Grande no sentido de ser informado sobre o

andamento do Inquérito Policial instaurado a partir do Boletim de Ocorrência lavrado

em 26.01.2007.

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Em reposta, o Delegado de Polícia juntou cópia das peças do Inquérito

Policial relativo ao caso da Comunidade Quilombola, instruído com esclarecimentos

prestados pela Delegada Eliane Márcia Chaves Viegas (responsável pela ação no

dia dos fatos), além do Termo de Declarações de Vilson Omar da Silva, Ademir

Antônio Panatta, Delegado Jorge Giraldi e Filipe Roldão da Rosa, bem como do

Inquérito Policial movido contra o verdadeiro acusado do homicídio da vítima Lineu

da Silva Santos.

O Inquérito Policial relativo ao BO nº 217-2007-0037, cujo objeto

constitui-se na apuração da ação policial abusiva contra Vilson Omar da Silva foi

registrado sob o nº 40/08, tendo sido instaurado somente em 18.07.2008 (fls.

141/142 do procedimento administrativo), ou seja, mais de um ano e meio depois dos fatos, concluindo-se que o Delegado de Polícia Civil engavetou o BO e somente deu início à investigação após a cobrança insistente do Ministério Público Federal.

III– COMUNIDADE QUILOMBOLA SÃO ROQUE

A Comunidade Quilombola São Roque ou Pedra Branca, localizada no

município de Praia Grande/SC, foi reconhecida pela Fundação Cultural Palmares,

fundação vinculada ao Ministério da Cultura, como remanescente das comunidades

dos quilombos, sendo a primeira comunidade em Santa Catarina a obter tal

reconhecimento.

A comunidade Quilombola São Roque é composta por vinte e seis

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famílias de descendentes de escravos1, que vivem na localidade de São Roque,

também conhecida como Pedra Branca, situada entre os municípios de Praia

Grande, no Estado de Santa Catarina, e Mampituba, no Estado do Rio Grande do

Sul.

Seus ancestrais, de origem africana, foram trazidos para o Brasil, e,

resistindo à condição de cativos, refugiaram-se no local, formando um território

independente, no qual, libertos do trabalho escravo, viviam de forma comunitária,

com regras e regime de trabalho diferenciado.

Os membros da comunidade são pessoas simples, com pouca ou

nenhuma instrução formal, e que vivem da agricultura de subsistência e pequenas

criações.

Consoante registros históricos levantados pelo Núcleo de Estudos

sobre Identidade e Relações Interétnicas (NUER), da Universidade Federal de Santa

Catarina (UFSC), a ocupação da área remonta a 1824 e está associada ao trânsito

de escravos que, acompanhando seus senhores, desciam a Serra Geral para cultivar

na planície costeira:

Localizada nos atuais municípios de Praia Grande (litoral sul do estado de Santa Catarina) e Mampituba (litoral norte Rio Grande do Sul), a comunidade quilombola São Roque identifica seu passado com o regime escravista desenvolvido na região serrana. Nesta localidade, caracterizada por escarpas que marcam o final da Serra Geral, uma rocha desponta naturalmente como característica da região: a Pedra Branca. Da Serra descem os rios que cruzam a comunidade e garantem as condições ambientais para sua reprodução. Da Serra desceram, também, os escravos fundadores da comunidade.

1 De qualquer forma, conforme lembram Guanaes; Lima; Portilho (2004, p. 266), para as comunidades serem consideradas remanescentes de quilombos, não é preciso que tenham sido constituídas por escravos fugidos. Segundo definição da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) considera-se como remanescente de quilombo “toda comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da cultura de subsistência e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o passado”.

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São Francisco de Paula de Cima da Serra (por vezes chamada de Cima da Serra e por vezes, simplesmente, de São Francisco) é a região da Serra Geral que está conectada histórica e geograficamente à comunidade São Roque. São Francisco, com suas grandes extensões de campos naturais e florestas de araucária, foi região de produção pecuária, onde viviam escravos e senhores que são referidos pela memória dos membros da comunidade. Os Monteiro, os Nunes e os Fogaça, afirmam, eram os senhores de seus antepassados escravos. Ora fugidos, ora ao alcance do domínio senhorial, os escravos no século XIX desciam dos campos de Cima da serra para cultivar as férteis várzeas e planícies da região litorânea, na localidade conhecida como Roça da Estância.

A Comunidade Quilombola São Roque surgiu, então, a partir da dinâmica social e territorial que se estabeleceu entre as regiões da serra e do litoral, entre Cima da Serra e Roça da Estância. (UFSC, 2005, p. 5-6)

A ocupação da área está calcada na autoatribuição e referência que os

membros do grupo mantêm com relação à trajetória histórica de seus antepassados.

Para os membros da Comunidade São Roque, a área em que vivem representa um

refúgio no qual seus antepassados, integrantes de quilombos2, – e, nos dias de hoje,

eles próprios – conseguiram/conseguem encontrar forças para resistir à opressão.

IV – DANOS MORAIS INDIVIDUAL E COLETIVO

Na Informação Técnica nº 07/2008 (fls. 24/47), o analista pericial em

antropologia do Ministério Público Federal apresentou o resultado de suas

2 Conforme definição extraída do site: http://www.palmares.gov.br: “As denominações quilombos, mocambos, terra de preto, comunidades remanescentes de quilombos, comunidades negras rurais, comunidades de terreiro são expressões que designam grupos sociais afros-descendentes trazidos para o Brasil durante o período colonial, que resistiram ou, manifestamente, se rebelaram contra o sistema colonial e contra sua condição de cativo, formando territórios independentes onde a liberdade e o trabalho comum passaram a constituir símbolos de diferenciação do regime de trabalho adotado pela metrópole.” Esse conceito também é encontrado no art. 2º do Decreto n.º 4.887/2003: “Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnicos-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.”

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investigações junto à vítima individual, bem como junto à comunidade, acerca das

consequências porventura advindas da ação da Polícia.

O relatório foi realizado de forma bem detalhada, instruído com

entrevistas, dados técnicos-científicos e históricos sobre a comunidade, interpretação

do evento pelo profissional, além de conclusão pontual sobre o ocorrido, seus efeitos

e desdobramentos.

Em sua entrevista, Vilson narrou o acontecido:

Foi mais ou menos umas quatro horas, o cachorro estava amarrado nesta gaviruvieira, eu tava tratando dos porcos quando a cachorra acuou aí eu dei uma chuleada lá atrás perto do chiqueiro (o entrevistado sempre apontando para os lugares indicados). Quando eu olhei já haviam cruzado aqui seis pessoas com as armas em punho, dois chegaram e me calçaram aqui de vereda com as armas em punho, claro que me assustei. A impressão que eu tive era de um assalto. Mandaram eu encostar na parede do chiqueiro. Eu estava com a panela na mão chegou um polícia me passou um fio no braço e ficou me segurando, um cara encapuzado com a coisa protegendo o rosto, uma mulher que disse que era delegada ficou parada, três ficaram parado e três, dois me calçaram nas armas e um ficou com aquele fio no braço me segurando e daí eles disseram que eram da polícia. Eu não sabia do que se tratava aí eles vieram me perguntando as coisas: perguntaram meu nome e eu disse que era Vilson, acho que não acreditaram e eu ali preso. Mandaram eu botar a mão na cabeça aí eu me atrapalhei, porque eu estava com a panela na mão esquerda e não tinha como fazer. O delegado de Praia Grande deu uma sapateada na minha frente, eu disse que não adiantava que eu não ia reagir e que se eles quisessem me matar que me matassem, estou entregue. Perguntaram se tinha documento aí eu disse que tinha e disse que não era bandido, que nunca tinha matado e que nunca tinha roubado. Eu estava com uma camisa pior do que essa aqui, pois era um dia de chuva e eu estava trabalhando. Ele não declarou (o delegado de praia grande), mas quando eu disse que não era bandido ele me apontou a arma e disse um para o outro: você acha mesmo que não é ele: Daí eles falaram se eu conhecia o tal Valci e eu disse: conheço. Daí eles me perguntaram se eu sabia se tinha acontecido um homicídio, eu disse que sabia e mesmo assim eles queriam me levar preso. Eu disse se querem me levar eu estou

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aqui e não reajo, mas lá na Aldeia vocês vão ver que eu não tenho crime, que minha família nunca cometeu crime nenhum. Eles me pediram documento, mais estava calçado nas armas aí eu falei: então me liberem que eu vou ver. Como eu ia sair pra ver o documento com o fio amarrado no braço e na mira das pistolas? Me trouxeram ali por baixo um cara colado comigo com a pistola, os outros cercando por cima e os outros todos olhando. Chegamos ali na porta do rancho, da cozinha, eu disse para eles: podem entrar , eu vou ver o documento e se vocês quiserem entrar e se sentar tem uma garrafa de café aqui em cima da mesa eu vou servir pra vocês, agora não me tratem como bandido porque eu não sou bandido. Eu disse pra eles: aí dentro do outro rancho não dou licença pra entrar, mas aqui vocês podem ficar esperando. Daí eles ficaram me cercando no corredozinho. Eu entrei, pedi licença e pedi que eles me desamarrassem, o delegado já tinha dado a entender que minha camisa estava muito suja e estava mesmo, porque eu estava trabalhando, troquei a camisa perto deles um me levou junto e fui até a porta do quarto calçado num revólver, numa pistola, não sei que arma era peguei a pasta lá, alcancei os documentos para eles aí o que leu os documentos disse: aqui delegado ó, tá aqui o nome dele ó, Vilson. O delegado não quis nem olhar. Aí eles me liberaram e foram saindo de fininho e não me disseram nem um desculpe ou até logo. Mas a delegada tinha o retrato do Valci, pois ela disse não é ele. (fls. 24/26 do procedimento administrativo)

O relato demonstra claramente que a vítima foi surpreendida pela ação

armada da Polícia, que, de forma abusiva, o algemou e iniciou uma série de

questionamentos sem procurar identificá-lo.

Inclusive, o absurdo da situação a que a vítima foi exposta mostra-se

evidente pelo fato da Delegada possuir uma foto do verdadeiro suspeito/procurado e

sequer ter feito uso da mesma enquanto Vilson era fortemente constrangido.

Com efeito, considera-se afronta violenta à segurança jurídica o fato da

atividade policial pretender se eximir da indispensável precisão e segurança na

identificação de todo e qualquer suspeito por prática delituosa.

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No item V – INTERPRETAÇÃO DO EVENTO – da referida Informação

Técnica, o antropólogo destaca do depoimento de Vilson o sentimento causado pela

abordagem policial:

Eles quase me mataram na chegada quando prenderam ( voz sempre carrega de emoção e olhar reflexivo ) e o que eu senti é que aquilo ali não era um engano de cem por cento, eu estou falando como vítima mas não foi engano, porque aquele deles me passar aquele fio no braço sem eu reagir, não tinha arma e não ia reagir mesmo, eles calçados nas armas aquilo pra mim foi mais do que abuso de autoridade. O que aconteceu aqui não há nada que se compare: já passamos por ciclones, já foi picado duas vezes por serpente, a minha mãe morreu aí comigo e meu irmão aí tudo isso foi muito triste, mas, como diz o outro, o choque esse foi o pior que eu já passei. (fl. 35 do procedimento administrativo)

Do depoimento de Dirceu Nunes (morador da comunidade) se extrai:

Quando me dei com o rapaz (Vilson) lá na Praia Grande o homem estava num estado assim, era preto mais parece que havia botado sangue pelos olhos. Depois a noite ficou mais brabo, ele falou pra mim: vou me deitar mas acho que nem dormir eu vou. Essa polícia que me invadiu aqui, eu até pensei que fosse bandido e depois me prenderam aqui sem dever nada para ninguém. Eu disse pra ele isso é muito melhor pra nós, digo um de nós porque aqui é tudo a mesma coisa, nós somos irmão e moramos aqui. Se nós devêssemos aí sim, mas nós não devemos nada para autoridade nenhuma, então isso aí é injustiça da justiça. Pode deitar descansado e dormir tranquilo, no caso. Se eles tivessem se orientado na delegacia sobre o onde o Valcir estava, no caso lá no funda e na beira . (Dirceu Nunes, São Roque 17.10.07) (fl. 35/36 do procedimento administrativo)

O golpe emocional acarretado pelo evento foi tão forte que a partir daí

Vilson começou a fazer uso de medicação do tipo calmante (Rivotril).

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Além da ofensa aos direitos fundamentais da vítima individualmente

considerada, os fatos desencadearam um processo de insegurança no bojo da

comunidade quilombola de São Roque.

O abalo psíquico sofrido pelos moradores ficou bastante evidente na

visita efetuada pelo analista pericial em antropologia:

Conforme dito neste texto, os comunitários de São Roque se colocam no tempo e no espaço a partir do longo processo histórico de defesa de sua territorialidade. Tal como consagrado nos estudos antropológicos, os eventos ganham significados a partir das lentes culturais. Neste sentido é que ao ser afetado pela ação da polícia no início de 2007, Vilson e os representantes da comunidade recorrem aos dramas já vividos na comunidades e ao que eles são.

No processo de interpretação do evento fica claro que os efeitos da ação policial mexe com a história da comunidade. Não é a toa que o Sr. Vilson evoca os vínculos ancestrais para pensar o problema, efetivamente ele é um representante de uma tradição e para ele o lugar que ocupa é resultado da capacidade que ele tem de honra-la. Além disso, o dano provocado à comunidade também pode ser observado na expressão apresentada sobre o território. O lugar do evento é aquele onde também a ancestralidade se constitui e se processa. Podemos dizer que a ação causadora do dano suja a h istória . (fl. 36 do procedimento administrativo)

A insegurança pela invasão da comunidade, que para os integrantes

assume uma conotação de refúgio/proteção contra as perseguições atuais e

remotas, acarreta um abalo na estrutura do grupo.

A violência causada pela ação policial despropositada remete os

membros da comunidade a uma situação de medo, de lembrança de acontecimentos

ruins do passado, quando, privados dos direitos sobre a terra ocupada, viviam

perseguidos, humilhados e com constante sensação de impotência.

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A narrativa dos fatos, bem como o relato pormenorizado do antropólogo

torna evidente a ocorrência de ação anormal por parte dos policiais, que excederam

os ditames legais e as prerrogativas e deveres a eles conferidos. Tudo isto causa

uma grande angústia nos moradores e, indubitavelmente, caracteriza o dano moral.

O Código Civil estabelece, ad litteram:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Acerca do tema dano moral, Sílvio de Salvo Venosa ensina:

Dano moral é o prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí por que aumentam as dificuldades de se estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o inefável. [...]

Será moral o dano que ocasiona um distúrbio anormal na vida do indivíduo; um inconveniência de comportamento ou, como definimos, um desconforto comportamental a ser examinado em cada caso. Ao se analisar o dano moral, o juiz se volta para a sintomatologia do sofrimento, a qual se não pode ser valorada por terceiro, deve, no caso, ser quantificada economicamente. [...]

Do ponto de vista estrito, o dano imaterial, isto é, não patrimonial, é irreparável, insuscetível de avaliação pecuniária porque é incomensurável. A condenação em dinheiro é mero lenitivo para a dor, sendo mais uma satisfação do que uma reparação (Cavalieri Filho, 2000:75). Existe também cunho punitivo marcante nessa modalidade de indenização, mas que não constitui o aspecto mais

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importante da indenização, embora seja altamente relevante. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Responsabilidade Civil. Vol. 4. 3.ª ed. – São Paulo: Atlas, 2003. p. 33-35)

Registre-se, também, a existência de diversos julgados afirmando ser

plenamente cabível a indenização por danos morais decorrentes de perturbação

sofrida pela prisão/detenção irregular. Por exemplo:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRISÃO ILEGAL. DANOS MORAIS.1. O Estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação dos seus agentes, pratica contra o mesmo, prisão ilegal. 2. Em caso de prisão indevida, o fundamento indenizatório da responsabilidade do Estado deve ser enfocado sobre o prisma de que a entidade estatal assume o dever de respeitar, integralmente, os direitos subjetivos constitucionais assegurados ao cidadão, especialmente, o de ir e vir.3. O Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos e provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais. 4. A indenização por danos morais é uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção sacrificado. 5. A responsabilidade pública por prisão indevida, no direito brasileiro, está fundamentada na expressão contida no art. 5º, LXXV, da CF.6. Recurso especial provido. (STJ – Resp. Nº 220982, Processo nº 199900576926/RS, Rel Min. José Delgado, j. em 22/02/2000).

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRISÃO ILEGAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. VALOR DA INDENIZAÇÃO. - O Estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação dos seus agentes, pratica contra o mesmo, prisão ilegal. - A fixação dos danos morais deve obedecer aos critérios da solidariedade e exemplaridade, que implica na valoração da proporcionalidade do quantum e na capacidade econômica do sucumbente. (TRF 4ª Região - AC nº 200470000107045/PR, Rel. Joel Ilan Paciornik, j. em 29/11/2005)

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PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. PRISÃO INJUSTA. ACUSAÇÃO EQUIVOCADA. DANOS MORAIS. PRISÃO DESARRAZOADA. CONFIGURAÇÃO DA NEGLIGÊNCIA ESTATAL. RESPONSABILIDADE CONFIGURADA. INDENIZAÇÃO FIXADA COM FULCRO NO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N.º 07 DO STJ. 1. Ação Ordinária de Indenização interposta por autor que sofreu danos morais em decorrência de prisão injusta perpetrada pela Polícia Militar, com fulcro em denúncia anônima, porquanto acusado de ter participado de homicídio de pessoa desconhecida, tendo sido mantido recolhido em delegacia por um dia, liberado após a constatação de que não participara de qualquer evento delituoso.2. A negligência decorrente dos fatos narrados pelo autor na exordial - em especial no que se refere à configuração da responsabilidade estatal - restou examinada pelo Tribunal a quo à luz do contexto fático-probatório engendrado nos autos, é insindicável nesta instância processual, à luz do óbice constante da Súmula 7/STJ. (…)5. Ad argumentandum tantum, no mérito melhor sorte não lhe assistiria, isto por que a Constituição da República Federativa do Brasil, de índole pós-positivista e fundamento de todo o ordenamento jurídico expressa como vontade popular que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana como instrumento realizador de seu ideário de construção de uma sociedade justa e solidária.6. Consectariamente, a vida humana passou a ser o centro de gravidade do ordenamento jurídico, por isso que a aplicação da lei, qualquer que seja o ramo da ciência onde se deva operar a concreção jurídica, deve perpassar por esse tecido normativo-constitucional, que suscita a reflexão axiológica do resultado judicial. 7. A plêiade dessas garantias revela inequívoca transgressão aos mais comezinhos deveres estatais, consistente em manter-se alguém custodiado de forma injusta e desarrazoada, sem direito à defesa. 8. Inequívoca a responsabilidade estatal, quer à luz da legislação infraconstitucional (art. 159 do Código Civil vigente à época da demanda) quer à luz do art. 37 § 6º da CF/1988, escorreita a imputação dos danos materiais e morais cumulados, cuja juridicidade é atestada por esta Eg. Corte (Súmula 37/STJ)9. Nada obstante, o Eg. Superior Tribunal de Justiça invade a seara da fixação do dano moral para ajustá-lo à sua ratio essendi, qual a da exemplariedade e da solidariedade, considerando os consectários

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econômicos, as potencialidades da vítima, etc, para que a indenização não resulte em soma desproporcional.10. Deveras, a dignidade humana retrata-se, na visão Kantiana, na autodeterminação; na vontade livre daqueles que usufruem de uma vivência sadia. É de se indagar, qual a aptidão de um cidadão para o exercício de sua dignidade se acusado de forma arbitrária pelo Estado incumbido de sua proteção ?11. Anote-se, ademais, retratar a lide um dos mais expressivos atentados aos direitos fundamentais da pessoa humana. Sob esse enfoque temos assentado que "a exigibilidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1º que 'todosos homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos'. Deflui da Constituição federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual". (REsp 612.108/PR, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ 03.11.2004) 12.Recurso especial não conhecido. (STJ – Resp nº 881323, Processo nº 200601949035/RN, Rel. Min. Luiz Fux, j. Em 11/03/2008).

A legislação e os julgados acima citados ressaltam no direito brasileiro

a consolidação da possibilidade de indenização por danos morais, em caso de

prejuízo ocorrido e que afete o cidadão, inclusive na forma de incômodos e

perturbações.

Acerca do dano moral coletivo, em artigo recente sobre o tema,

Carlos Alberto Bittar Filho elucida com precisão:

O dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi

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agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico; quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial. Tal como se dá na seara do dano moral individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo-se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação (damnum in re ipsa). (BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro . Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 559, 17 jan. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6183>. Acesso em: 17 ago. 2009).

Quanto ao valor das indenizações, deve-se seguir a orientação

jurisprudencial, no sentido de que a indenização por dano moral não serve para

enriquecer ou substituir os prejuízos morais sofridos, mas sim para amenizar os

danos causados, e, ao mesmo tempo, punir o causador do dano.

Nesse sentido, cita-se trecho de artigo publicado por Galeno Lacerda:

A doutrina nacional, baseada no direito estrangeiro, especialmente o francês, acentua que o sentido da indenização do dano moral não é reparatório, pois “a dor não tem preço”. O que se pretende, sob a perspectiva do ofendido, é proporcionar-lhe um status material diferenciado de conforto, minimizando a dor que sofreu. Dá-se à vítima, através do que o dinheiro pode comprar, uma alegria que contrabalance o sofrimento.

Do ponto de vista do ofensor, o ato de pagar há de produzir a mesma eficácia de despojamento que, numa sociedade mais espiritualizada, sofreria o indivíduo ao pedir desculpas humildemente à vítima. [...]

E há ainda o aspecto social: a agressão ilegítima ao patrimônio imaterial de um indivíduo fere o coletivo. E por aí a indenização tem o sentido restaurador desse arranhão que o ilícito produz no universo social que se insere.

Essas são, portanto, as três perspectivas a serem observadas segundo a doutrina. (LACERDA, Geleno. Indenização do Dano Moral. RT, vol. 728, ano 85, junho de 1996)

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No presente caso, se os moradores da comunidade e o próprio Vilson

pudessem escolher, com certeza prefeririam não ter passado pelos transtornos

advindos dos fatos narrados a ganhar quantia em dinheiro como indenização.

De qualquer forma, a quantia a ser paga não pode ser ínfima, para não

menosprezar os incômodos causados e também para servir como medida educativa

ao causador do dano.

Sobre o tema, destaca-se da doutrina:

Não se pode priorizar um dos caracteres da indenização. Da mesma forma que é preciso compensar a vítima, é preciso punir o ofensor pois somente assim estará se atingindo o verdadeiro objetivo pretendido pelo legislador constitucional.

Assim, a forma de punição que maior eficácia apresenta, em se tratando de indenização monetária, é a fixação de um valor que leve em conta o poder econômico do ofensor, atingindo-o de maneira significativa. Contrário senso, evidente que as indenizações irrisórias pouco ou nada abalam o patrimônio do ofensor, não se prestando ao seu objetivo. (AMARAL, Sylvia Maria Mendonça do. Prisão ilegal: a responsabilidade civil do estado e o decorrente dever de indenizar pelos danos morais. Quantificação dos valores indenizatórios.. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2273>. Acesso em: 17 ago. 2009)

Desta forma, o Ministério Público Federal entende que o valor do dano

moral deve ser prudentemente arbitrado por Vossa Excelência, em patamar não

inferior a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para o indivíduo lesado e igual quantia

para a Associação de Remanescentes de Quilombo de São Roque.

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V – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO DE SANTA CATARINA PELOS ATOS PRATICADOS PELA POLÍCIA CIVIL

A Constituição expressa como vontade popular que a República

Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um

dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, instrumento realizador de

seu ideal de construção de uma sociedade justa e solidária (arts. 1º a 3º da CF).

A prisão injusta revela ofensa à honra, à imagem, mercê de afrontar o

mais alto direito fundamental – vida livre e digna.

Em se tratando de dano causado por agente público, a Constituição

encampou a responsabilidade objetiva, a qual, para sua configuração, independe da

comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do

dano, da ação e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, §6º da CF/88).

Consoante endossa a doutrina especializada:o ato ilegal praticado por servidores públicos que, ao invés de agirem 'como garantidores dos direitos individuais e coletivos, partindo para a atitude de coatores ou de qualquer outro modo infringindo a obrigação que lhes é conferida', é de responsabilidade do Estado, que deve indenizar os danos causados por abuso de autoridade, por força do disposto no art. 37, parágrafo 6º da Constituição Federal” (AMARAL, Sylvia Maria Mendonça do. Prisão ilegal: a responsabilidade civil do estado e o decorrente dever de indenizar pelos danos morais. Quantificação dos valores indenizatórios.. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2273>. Acesso em: 17 ago. 2009).

Assim, demonstrado o nexo causal entre o fato lesivo imputável à

Administração e o dano, exsurge para o Ente Público o dever de indenizar,

mediante o restabelecimento do patrimônio lesado por meio de uma compensação

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pecuniária compatível com o prejuízo.

O Código Civil de 2002 positivou na legislação ordinária pátria a

responsabilidade objetiva:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Acerca da responsabilidade civil objetiva, Carlos Roberto Gonçalves ensina:

Conforme o fundamento que se dê à responsabilidade, a culpa será ou não considerada elemento da obrigação de reparar o dano.

Em face da teoria clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade. Esta teoria, também chamada de teoria da culpa, ou “subjetiva”, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade. [...]

Há casos em que se prescinde totalmente da prova da culpa. São as hipóteses de responsabilidade independentemente de culpa. Basta que haja relação de causalidade entre a ação e o dano.

Uma das teorias que procuram justificar a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco, ora encarado como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum, ibi onus); ora mais genericamente

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como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo. (GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 21-22)

Portanto, no caso vertente, a responsabilidade do Estado de Santa

Catarina é objetiva em relação aos danos que a Policia Civil causou a Vilson Omar

da Silva e aos demais moradores da comunidade Quilombola São Roque.

VI – LEGITIMIDADE ATIVA

A matéria versada no presente caso têm como causa de pedir questão

atinente à cultura negra, seu patrimônio cultural, e os valores materiais e imateriais

portadores de referência à identidade e memória das tradições afrobrasileiras. Tais

questões, sem dúvida, inserem-se dentre as atribuições do Ministério Público.

Com efeito, o Ministério Público, “instituição permanente, essencial à

função jurisdicional do Estado” (CF, art. 127, caput), tem dentre suas funções

institucionais a de “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção

do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e

coletivos” (CF, art. 129, III).

Compete ao Ministério Público, ademais, promover a ação civil pública

para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros

interesses difusos e coletivos, que, em verdade, espelham direitos que são

indisponíveis, como é o caso do patrimônio cultural e da própria garantia de

subsistência dos remanescentes do Quilombo São Roque, localizado no Município

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de Praia Grande/SC.

Tendo em vista que os interesses indisponíveis são aqueles cuja

proteção interessa a toda a sociedade, mostrando-se indispensáveis à vida em

sociedade e à própria configuração da pessoa humana, inegável que matérias como

meio ambiente, patrimônio cultural, patrimônio público, índios, educação, saúde, e

minorias étnicas se inserem dentre aquelas cuja atribuição é conferida a esse

órgão ministerial.

Tal previsão, aliás, foi positivada na Lei Complementar nº 75/93, a qual

colocou à disposição do MPF a promoção da ação civil pública para “proteção

interesses indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à

família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor”3.

A comunidade de remanescentes do Quilombo São Roque ou Pedra

Branca insere-se no conceito de minoria étnica, uma vez que permanece como um

grupo organizado, que constrói seus limites sociais através de uma autodescrição

étnica que é determinada por sua origem e formação comum, qual seja: o Quilombo

e a resistência à escravidão.

Portanto, inexistem dúvidas acerca da legitimidade do MPF para propor

a demanda em tela. Os direitos e fatos trazidos à baila refletem interesses

indisponíveis da uma minoria étnica que luta para manutenção dos laços de tradição

para com a sua cultura, memória e identidade.

Por seu turno, o art. 1º da Lei 7.347/85 determina que as ações de

responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a bens e direitos de

valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico são regulados por aquele 3 artigo 6º, inciso VII, alínea c, da Lei Complementar nº 75/93.

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diploma legal, o qual, em seu art. 5º, confere legitimidade ao Ministério Público para

o aforamento daquelas ações.

Complementando, a Lei Orgânica do Ministério Público da União

confere-lhe legitimidade para promover a ação civil pública para “a proteção do

patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico,

estético, histórico, turístico e paisagístico” (Lei Complementar nº 75/93, art. 6º, VII,

b).

A respeito, Hugo Nigro Mazzilli preleciona:

A atuação do Ministério Público sempre é cabível em defesa de interesses difusos, em vista de sua larga abrangência. Já em defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos, atuará sempre que: a) haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano, ainda que potencial; b) seja acentuada a relevância do bem jurídico a ser defendido; c) esteja em questão a estabilidade de um sistema social, jurídico ou econômico.[...]

Assim, se a defesa de interesse coletivo ou individual homogêneo convier à coletividade como um todo, deve o Ministério Público assumir sua tutela. (MAZZILLI, Hugo Nigro. Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 143-144)

VII – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL

É nítida a competência da Justiça Federal, sendo evidenciado o

interesse federal pela presença do Ministério Público Federal no pólo ativo.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Conflito de

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Competência n° 25.448, firmou entendimento no sentido de que a presença do

Ministério Público Federal, órgão da UNIÃO, com poder de representar o interesse

federal, determina a competência da Justiça Federal, verbis:

PROCESSUAL CIVIL - CONFLITO DE COMPETÊNCIA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL CONTRA A UNIÃO E OUTROS - RECONHECIDA A ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO - EXCLUSÃO DA LIDE E REMESSA DOS AUTOS A JUSTIÇA ESTADUAL - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL – PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.Se a ação civil pública é promovida pelo Ministério Público Federal contra a União, a competência para processar e julgar o feito é da Justiça Federal.Conflito de que se conhece, para declarar competente o Tribunal Regional Federal da 5a Região.

Do corpo do acórdão se extrai:

Ocorre, todavia, que existem, na espécie, outras peculiaridades que não só permitem o conhecimento do conflito, assim como a definição pela competência da Justiça Federal para processar e julgar a ação: primeiro, porque o autor da ação é o Ministério Público Federal; e segundo, porque, embora tenha sido reconhecida a ilegitimidade da União, há de se considerar que o bem jurídico objeto da ação pertence à União.(CC nº 25448/RN, Processo nº 1999/0017776-2, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU 18/06/2001, p. 18).

Ainda na mesma linha de entendimento, decidiu o STJ:

CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERALE JUSTIÇA ESTADUAL. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. EXPLORAÇÃO DE BINGO. CONTINÊNCIA. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL DA JUSTIÇA FEDERAL.1. Havendo continência entre duas ações civil públicas, movidas pelo Ministério Público, impõe-se a reunião de ambas, a fim de evitar julgamentos conflitantes, incompatíveis entre si.2. A competência da Justiça Federal, prevista no art. 109, I, daConstituição, tem por base um critério subjetivo, levando em conta, não a natureza da relação jurídica litigiosa, e sim a identidade dos figurantes da relação processual. Presente, no processo, um dos

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entes ali relacionados, a competência será da Justiça Federal, a quem caberá decidir, se for o caso, a legitimidade para a causa.3. É da natureza do federalismo a supremacia da União sobre Estados-membros, supremacia que se manifesta inclusive pelaobrigatoriedade de respeito às competências da União sobre a dos Estados. Decorre do princípio federativo que a União não está sujeita à jurisdição de um Estado-membro, podendo o inverso ocorrer, se for o caso.4. Em ação proposta pelo Ministério Público Federal, órgão da União, somente a Justiça Federal está constitucionalmente habilitada a proferir sentença que vincule tal órgão, ainda que seja sentença negando a sua legitimação ativa. E enquanto a União figurar no pólo passivo, ainda que seja do seu interesse ver-se excluída, a causa é da competência da Justiça Federal, a quem cabe, se for o caso, decidir a respeito do interesse da demandada (súmula 150/STJ).5. Conflito conhecido e declarada a competência do Juízo Federal.

(CC nº 40.534/ RJ, Processo nº 2003/0185926-2, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU 17/05/04, p. 100)

Em lapidar artigo que trata do tema da competência da Justiça Federal

para processar ações civis públicas que tutelam o meio ambiente, propostas pelo

Ministério Público Federal, André de Vasconcelos Dias conclui, verbis:

Conforme visto, a tutela dos interesses transindividuais, pelo Ministério Público Federal, é tema que ainda suscita controvérsias.

Entretanto, a jurisprudência recente do Superior Tribunal de Justiça sinaliza no sentido de transferir o foco das discussões da competência da Justiça Federal à legitimidade ativa do Parquet federal – reconhecendo, definitivamente, ser este órgão da União.

Na identificação dos interesses federais, a estabelecer a legitimidade ativa do Ministério Público Federal, impende ressaltar as valiosas contribuições hermenêuticas fornecidas pelo STJ, no julgamento do RESP nº 440.002/SE, sobretudo no que tange às hipóteses em que a União ou suas entidades autárquicas e empresas públicas figurem entre os substituídos processuais no pólo ativo (CF, art. 109, I); e as causas que envolvam interesses federais em razão da natureza dos bens e dos valores jurídicos a que se visa tutelar.

Na tutela do patrimônio público, do meio ambiente e do patrimônio

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cultural, consoante exposto, os novos parâmetros propostos tendem a equacionar infindáveis querelas existentes em doutrina e jurisprudência. No tocante aos demais interesses meta individuais, certamente, ensejarão soluções adequadas.

A questão, todavia, não é livre de retrocessos – e, não raro, modifica-se a jurisprudência dos tribunais superiores, cedendo aos interesses circunstantes, em prejuízo da efetividade da tutela coletiva. Portanto, à luz dos argumentos jurídicos expostos supra, importante a consolidação dessa nova tendência.

(DIAS, André de Vasconcelos. Ministério Público Federal na tutela coletiva e Justiça Federal: uma questão de legitimidade ativa. Não publicado – cópia integral anexa)

No tocante à competência territorial, as ações civis públicas devem ser

propostas “no foro do local onde ocorrer o dano” (Lei 73.47/85, art. 2º). Como os

danos em questão ocorreram no Município de Praia Grande/SC, a competência é

desta Subseção Judiciária.

Inquestionável, pois, que a presente demanda deva ter seguimento

perante a Subseção Judiciária de Criciúma/SC, com jurisdição sobre o local dos

fatos.

VIII – REQUERIMENTOS

Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer:

a) o recebimento desta petição inicial, instruída com o Procedimento

Administrativo nº 1.33.003.000122/2007-54;

Av. Centenário, n.º 3773, Centro Executivo Iceberg, 7º Andar, CEP 88.801-000 - Criciúma/SC,FONE/FAX: (048) 433-8753/8165 - Endereço eletrônico: [email protected]

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b) a citação do ESTADO DE SANTA CATARINA, no endereço

informado no preâmbulo, para contestar a ação, querendo, sendo alertado desde já

sobre os efeitos da revelia (arts. 285, 319 e 322, todos do CPC);

c) a produção de provas, que serão especificadas no momento

processual oportuno;

d) a intimação pessoal deste órgão do Ministério Público Federal de

todos os atos processuais, na forma que dispõe o art. 236, §2º, do CPC e art. 41,

inciso IV, da Lei 8.625/93;

e) a procedência integral da presente ação civil pública para o fim de

condenar o ESTADO DE SANTA CATARINA, respeitado o devido processo legal,

no pagamento de indenização por danos morais individuais a Vilson Omar da Silva

e coletivos à Comunidade Quilombola São Roque.

Atribui-se à causa, para efeitos fiscais, o valor de R$ 100.000,00 (cem

mil reais), deixando de recolher custas em razão da isenção prevista no art. 4º, inciso

III, da Lei 9.289/96 c/c art. 18 da Lei 7.347/85.

Pede e espera deferimento.

Criciúma, 4 de fevereiro de 2010.

DARLAN AIRTON DIASProcurador da República

Av. Centenário, n.º 3773, Centro Executivo Iceberg, 7º Andar, CEP 88.801-000 - Criciúma/SC,FONE/FAX: (048) 433-8753/8165 - Endereço eletrônico: [email protected]

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