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PROLA CRISTINA FARIAS ALVES
PROBLEMAS E DESAFIOS DA COMUNIDADE COZINHADOR DO ASSENTAMENTO LIBERTAO
CAMPONESA EM ORTIGUEIRA-PR
Londrina
2013
PROLA CRISTINA FARIAS ALVES
PROBLEMAS E DESAFIOS DA COMUNIDADE COZINHADOR DO ASSENTAMENTO LIBERTAO
CAMPONESA EM ORTIGUEIRA-PR
Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao Departamento de Geocincias da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial obteno do ttulo de Bacharel em Geografia Orientador: Prof. Dr. Ruth Youko Tsukamoto
Londrina 2013
PROLA CRISTINA FARIAS ALVES
PROBLEMAS E DESAFIOS DA COMUNIDADE COZINHADOR DO ASSENTAMENTO LIBERTAO
CAMPONESA EM ORTIGUEIRA-PR
BANCA EXAMINADORA
____________________________________ Orientador: Prof. Dr. Ruth Youko Tsukamoto
Universidade Estadual de Londrina - UEL
____________________________________ Prof. Dr. Alice Yatiyo Asari
Universidade Estadual de Londrina - UEL
____________________________________ Prof. Dr. Ederval Everson Batista
Universidade Estadual de Londrina - UEL
Londrina, _____de ___________de _____.
AGRADECIMENTOS
Agradeo a minha orientadora, Professora Ruth, no s pela
constante orientao neste trabalho, mas sobretudo pela sua pacincia que teve
comigo durante todo o perodo da pesquisa me auxiliando, me apoiando e
ensinando da melhor forma sobre como elaborar a pesquisa e me orientando sobre
quais caminhos eu deveria percorrer.
Aos meus pais, Marta e Raimundo, que alm do apoio, me ajudaram
muito durante as entrevistas de campo sempre colaborando com muitas informaes
alm de me acompanhar durante as visitas com os assentados.
Gostaria de agradecer tambm algumas pessoas que contriburam
para o desenvolvimento da pesquisa, tio Izaias, tia Zezinha e tio Nozinho, atravs de
informaes acerca da organizao do acampamento e a atuao do MST e todo o
processo de implantao do assentamento. Sem estas informaes detalhadas a
pesquisa teria sido muito mais difcil.
Agradeo tambm ao meu primo Glauber Yure, minha cunhada
Leidiane, meus irmos Silas, Hocmone, Tamar e Ramom que me auxiliaram nas
tabulaes de dados durante a pesquisa.
Aos amigos Camila Ketery, Thiago Saab, Naibi Jaime, Deidy
Fernanda, que me incentivaram para a concluso da pesquisa, salientando sua
importncia para minha carreira profissional.
A minha amiga e scia Ivone Gomes Borges, pela pacincia que
teve comigo durante minhas faltas ao trabalho.
E por fim, mais um agradecimento especial ao meu ex colega de
trabalho, Renato Rugene de Carvalho, pelo exemplo de dedicao e carinho pelas
coisas boas da vida, me ensinando bons valores dos quais jamais esquecerei...
ALVES, Prola Cristina Farias. Problemas e Desafios da Comunidade Cozinhador do Assentamento Libertao Camponesa, Ortigueira-PR. 2013. 88 folhas. Trabalho de Concluso de Curso Bacharel em Geografia Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.
RESUMO
Este trabalho busca objetivar os problemas e condies em que se encontram
os produtores rurais da Comunidade Cozinhador do Assentamento Libertao
Camponesa em Ortigueira-PR, referente a produo agrcola familiar, bem como a
ocupao e uso do solo e as tendncias de seu desenvolvimento. O estudo foi
realizado atravs de pesquisas de campo, aplicadas para uma amostra de 25
famlias, sendo possvel entender as relaes de trabalho e produo, nvel
socioeconmico e tecnolgico, alm de problemticas que envolvem o processo de
surgimento da comunidade. Para isso buscou-se, investigar aspectos produtivos e
econmicos que estabelecem a dinmica do Assentamento, compreender os
mecanismos de comercializao da produo, caracterizar o nvel socioeconmico
das famlias assentadas, investigar a histria vida dos assentados.
Palavras-chave: Comunidade Cozinhador. Assentamento Rural. Produo Agrcola Familiar. Reforma Agrria.
ALVES, Prola Cristina Farias . Problems and Challenges of the Community Cozinhador Settlement Libertao Camponesa in Ortigueira-PR. 2013. 88 folhas. Trabalho de Concluso de Curso Bacharel em Geografia Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.
ABSTRACT
This work seeks to objectify the problems and conditions in which they are farmers of the Community Cozinhador in Settlement Libertao Camponesa, Ortigueira-PR, referring to family farming, as well as the occupation and use of land and its development trends. The study was conducted through field research, applied to a sample of 25 families, being possible to understand the labor and relations production, socio-economic status and technological, as well as issues involving the process of community emergence. For this we sought, seeks to investigate performance and economic aspects establishing the dynamics of the settlement, understanding the mechanisms of commercialization of production, characterize the socioeconomic status of families settled, investigate the life history of the settlers.
Key words: Community Cooker. Rural Settlement. Family Farms. Agrarian Reforms
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1 Brasil Assentamentos Rurais- 1985 a 2000 N Total...........................27
Grfico 2 Brasil Assentados Oficiais de Reforma agrria- 1995 a 2006 ............. 28
Grfico 3 Condio do Trabalhador (produtor) rural ............................................. 58
Grfico 4 Nmero de Produtores que utilizam insumos agrcolas ......................... 63
Grfico 5 Quantidade de litros de leite por n de assentados ............................... 68
Grfico 6 - N de assentados entrevistados e o n de cabeas de gado..................69
Grfico 7 Uso da terra na comunidade Cozinhador................................................70
Grfico 8 Mveis e Eletrodomsticos por assentado..............................................76
LISTA DE FOTOS E IMAGENS
Imagem 1 Vista parcial do assentamento Libertao Camponesa ........................ 46
Foto 1 Posto de sade Libertao Camponesa......................................................46
Imagem 2 Colgio Izaias Rafael da Silva................................................................47
Foto 2 rea de recreao do Colgio Izaias Rafael da Silva ................................ 48
Foto 3 Colnia da Comunidade Cozinhador...........................................................49
Imagem 3 - Vista area das Comunidades Mangueira, Duas Casinhas
Transparan...............................................................................................................50
Imagem 4- Vista area das Comunidades Santa Paula, Cozinhador e Sede............51
Imagem 5-Vista area das comunidades Alto da Serra, Campanini e gua Branca 52
Imagem 6 - Vista parcial da Comunidade Cozinhador...............................................54
Foto 4 Ponte de Concreto do Rio Apucarana.........................................................55
Foto 5 - Ponte construda em 2011 pelos Assentados da Comunidade
Cozinhador.................................................................................................................56
Foto 6 Vista parcial da criao de gado leiteiro na comunidade Cozinhador.........68
Foto 7 - Plantao de eucalipto no Cozinhador.........................................................72
Foto 8 - Casa de alvenaria de um assentado..........................................................75
LISTA DE TABELAS E QUADROS
Quadro 1 Lei n 4 504 de 1964...............................................................................18
Quadro 2 Da Poltica Agrcola e Fundiria da Reforma Agrria.............................21
Tabela 1 Estrutura Fndiria Brasileira - 2003 ...................................................... 22
Tabela 2 Distribuio das terras por estabelecimentos em Ortigueira 1960-
2006............................................................................................................................33
Tabela 3 Distribuio das terras por rea ocupada em Ortigueira 1960-2006......34
Tabela 4 Local de nascimento dos chefes de famlias entrevistadas.....................57
Tabela 5 - Local de procedncia dos chefes de famlia anterior ao Assentamento.57
Tabela 6 Produtores que utilizam o sistema de trocas de dia de servio...............64
Tabela 7 - Utilizam mo de obra temporria..............................................................65
Tabela 8 - Trabalhou fora em perodo temporrio......................................................66
Tabela 9 - Financiamento para custeio de produo (PRONAF)...............................66
Tabela 10 - N de lotes com pessoas (qualquer indivduo da famlia) que recebem/ou
no aposentadoria......................................................................................................76
Tabela 11 - N de lotes com pessoas que recebem/ou no Bolsa famlia.................77
9
SUMRIO
1 INTRODUO ......................................................................................... 10
2 CONTEXTUALIZANDO O TEMA REFORMA AGRRIA ..................................... 13
2.1 Reforma Agrria e a luta pela terra no Brasil ...................................................... 15
2.2 A criao do MST e seus objetivos ..................................................................... 22
2.3 Os assentamentos do INCRA no Brasil .............................................................. 26
3. MUNICIPIO DE ORTIGUEIRA: FORMAO E DISTRIBUIO DAS TERRAS.30 3.1 A Origem do Assentamento Libertao Camponesa............................................37
3.2 Formas de Ocupao Fase do Acampamento..................................................41
3.3 A Organizao do MST no Assentamento...........................................................43
3.4 Assentamento Libertao Camponesa: Organizao e Infra-estrutura...............45
4. COMUNIDADE COZINHADOR: FORMAO E DESENVOLVIMENTO.............54
4.1 Perfil dos assentados na Comunidade Cozinhador.............................................57
4.2 Repasses de lotes no Assentamento...................................................................59
4.3 O uso da terra e as relaes de trabalho.............................................................62
4.4 Financiamentos para custeio de produo...........................................................66
4.4.1 Pecuria de leite................................................................................................67
4.4.2 Produo Agrcola.............................................................................................70
4.4.3 A Cultura do eucalipto na comunidade Cozinhador .........................................71
4.5 Perspectivas das famlias assentadas.................................................................74
5. CONSIDERAES FINAIS...................................................................................79
6. REFERNCIAS......................................................................................................81
APNDICE.................................................................................................................83
10
1. INTRODUO
O presente trabalho baseia-se num estudo em uma das comunidades do
Assentamento Libertao Camponesa em Ortigueira - PR, conquistado com o apoio
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), regularizado em 1998. O
Assentamento composto por 412 famlias assentadas divididas entre oito
comunidades que foram denominadas conforme a atividade exercida anteriormente
implantao do Assentamento, como infraestrutura construda e caractersticas do
meio natural. A comunidade do Cozinhador, escolhida para o desenvolvimento deste
trabalho tem suas peculiaridades devido procedncia dos assentados
anteriormente a formao do assentamento, sendo os mesmos oriundos de diversos
estados brasileiros, de regies comuns, assim como as perspectivas das famlias
acerca da atividade desenvolvida no lote.
Busca-se entender partes da dinmica agrria brasileira tendo a concentrao
fundiria como pano de fundo da luta pela terra por aqueles que no tem acesso
ela ou mesmo pouca terra. Numa estrutura fundiria no qual 0,1% dos imveis detm
13,5% da rea total em hectares, muitas vezes no cumprindo a funo social da
terra, ou seja, produzir alimentos para a populao, enquanto 31,6% dos imveis
possui uma rea de apenas 1,8%, sendo ocupada pelos pequenos produtores rurais
que alimentam a populao brasileira, segundo os dados da Estrutura Agrria
Brasileira do ano de 2003, conforme a tabela 1 da pagina 22.
Para o desenvolvimento deste trabalho, buscou-se investigar aspectos
produtivos e econmicos que estabelecem a dinmica do Assentamento,
compreender os mecanismos de comercializao da produo, caracterizar o nvel
socioeconmico das famlias assentadas, investigar a histria de vida dos
assentados.
A escolha da realizao desta pesquisa nesta comunidade est relacionada
com o fato da famlia da autora deste trabalho ter participado do processo de
implantao do assentamento, sendo um dos primeiros a chegarem ao local. Isto
contribuiu para que a pesquisa fosse realizada contendo relatos de acontecimentos
desde a formao do assentamento.
Aps o resgate do processo de ocupao e consolidao desses assentados,
discutir se - os problemas e as condies em que se encontram produo
agrcola, as relaes de produo, as formas de utilizao das terras e as tendncias
de seu desenvolvimento por meio de pesquisas de campo em uma das comunidades
do Assentamento. Esta comunidade denominada Cozinhador conta com 37 famlias
11
assentadas, as quais tem origem nordestina, do interior de So Paulo e Estado do
Paran.
Foi aplicado um questionrio para 25 famlias desta comunidade, para
entender a histria de vida e as perspectivas dos assentados aps 15 anos de
formao do Assentamento, sendo importante para a anlise e a compreenso das
prticas socioculturais e do desenvolvimento dos assentados.
A partir de meados da dcada de 1980 passou a surgir um expressivo nmero
de assentados, graas a atuao dos movimentos sociais rurais atravs da ocupao
de fazendas consideradas improdutivas. O Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) se destacou como um dos mais eficientes no processo de luta pela
Reforma Agrria, e para entender o papel desse movimento social e sua forma de
organizao, analisaremos como foi sua atuao no acampamento que acabou por
originar o Assentamento Libertao Camponesa e a rea escolhida para a presente
pesquisa, alm de compreender como ocorreu a aquisio das fazendas por meio do
Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA) e o MST, tendo em
vista que trs fazendas foram desapropriadas para tal finalidade.
Para o desenvolvimento deste trabalho, foi incrementado uma breve
contextualizao do tema Reforma Agrria, ressaltando seus conceitos, seus
problemas inerentes sua implementao, e assim entender o verdadeiro objetivo
por meio de leituras tericas realizadas em relao a este tema. Abordamos tambm
a questo fundiria no Brasil relacionando fatores fundamentais que causaram a
concentrao de terras no Brasil desde seu processo de colonizao, evidenciando
os vrios momentos polticos e histricos em que muitas leis foram sancionadas,
mas que no foram eficientes no processo de desconcentrao da terras no pas.
Pelo fato do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra ter e tem exercido um
papel fundamental no processo de concretizao de polticas de assentamento no
Brasil, procuramos entender neste trabalho como ocorreu a criao do MST e seus
objetivos, assim como uma breve anlise dos assentamentos do INCRA no Brasil,
demonstrando atravs de dados que a concentrao fundiria continua arraigada na
sociedade brasileira.
No segundo item: Municpio de Ortigueira: formao e distribuio das terras,
tratamos de resgatar o processo de ocupao do municpio e a atual configurao
com a presena de assentamentos rurais dentre eles o nosso objeto de estudo.
Assim, procuramos entender as origens do Assentamento Libertao Camponesa,
um dos maiores do Estado do Paran.
12
No terceiro e ltimo item: Comunidade Cozinhador: formao e
desenvolvimento, procuramos verificar os objetivos traados por meio de pesquisa
em campo para analisar a atual situao dos assentados dessa comunidade que
hoje no conta com a atuao do MST.
13
2. CONTEXTUALIZANDO O TEMA REFORMA AGRRIA
Antes de discutir o processo de reforma agrria no Brasil, suas problemticas
e contradies, torna-se necessrio entender este conceito que em diversas
ocasies tem-se utilizado em conversas, discursos e at mesmo em textos
cientficos, muitas vezes de forma equivocada.
[...] ao responder a pergunta o que Reforma Agrria?, o expositor oficial da Agncia para o Desenvolvimento Internacional (AID), do Departamento de Estado dos Estados Unidos, lembrava que as definies a respeito variam dependendo se est a favor ou contra a Reforma Agrria. No obstante, a reunio em que esse e outros temas bsicos foram discutidos adotou autntico conceito, pelo qual se considerou Reforma Agrria ou Reforma do Regime de Tendncia da Terra: 1 redistribuio do direito de propriedade sobre a terra; e/ou 2 - concesso de segurana, longos prazos e baixos preos para as terras ocupadas em forma precria; ambas as situaes devem ocorrer em reas onde j existia alguma infra-estrutura. (SILVA, 1971, p. 17).
Para o autor, existem trs medidas que podem melhorar o setor agrcola:
simples instrumento de poltica, modificaes nas estruturas existentes e reformas
propriamente ditas. Para ele, as mudanas instrumentais com o intuito de realizar
Reforma Agrria raramente conduzem a qualquer transformao substancial na
estrutura da economia, uma vez que dizem respeito apenas utilizao de
mudanas quantitativas, como so os aumentos de impostos ou a modificao nas
taxas de arrendamento ou parceria.
O autor ento esclarece em sua viso a diferena entre as gradaes de
polticas agrcolas, de um lado a reduo da taxa de juro para o financiamento de
adubos como um mero instrumento de poltica; a introduo de um sistema de
financiamento integral constituiria uma mudana na estrutura que regulamenta a
utilizao deste importante insumo agrcola; a nacionalizao da indstria de adubos
representaria uma reforma.
Muitos outros autores tm procurado estabelecer uma anlise do termo
Reforma Agrria relacionando com as polticas governamentais no Brasil. Oliveira
(2007), discute o termo Reforma Agrria no qual relaciona s lutas e revoltas
camponesas e aes de governos visando modificar a estrutura agrria nas regies,
no qual diferencia estes dois casos, o primeiro como revoluo agrria e o segundo,
relacionada a ideia de uma reforma.
Para este mesmo autor, no capitalismo, a terra transformada em mercadoria
tem um preo, mas no tem valor pelo fato de no ser produto criado pelo trabalho
humano.
14
Portanto, a concentrao da terra no igual concentrao do capital; ao contrrio, revela a irracionalidade do mtodo que retira capital do processo produtivo, imobilizando-o sob a forma de propriedade capitalista da terra. J a concentrao do capital aumento de poder de explorao, aumento da capacidade produtiva do trabalhador; aumento, portanto, da capacidade de extrao do trabalho no-pago, da mais-valia. (OLIVEIRA 2007, p. 66).
Assim, para o autor, a Reforma Agrria historicamente aparece no capitalismo
como necessidade do capital resolver a questo social advinda da concentrao de
terras, e assim os maiores problemas sempre foram os obstculos das
desapropriaes, ou seja, Ttulo da Dvida Ativa (TDA), quando o estado paga o
proprietrio pelas desapropriaes com o dinheiro vista, ele cria condies para
que o mesmo receba o dinheiro retido na terra como forma de capital. E assim que
residem historicamente os problemas centrais das reformas agrrias sob o
capitalismo, que tem sido movimentos conjunturais para tentar atenuar as presses
sociais advindas da concentrao de terras.
Pode-se dizer, segundo as declaraes de Oliveira (2007), que a Reforma
Agrria somente ocorre quando o estado desapropria e reparte a terra para
pequenos produtores, porm no devolve nenhum capital para o antigo proprietrio
em troca, caso contrrio seria o mesmo que desconcentrar e concentrar novamente.
Os exemplos de Reforma Agrria que tm surgido no campo tm a estratgia
da expanso do capitalismo no campo esgotando a possibilidade de reproduo da
produo camponesa, transformando aqueles que comeam a concentrar a terra em
pequenos capitalistas.
Desse modo esse processo contraditrio, pois, ao mesmo tempo em que ele ocorre, abre para os camponeses novos horizontes histricos, em que a subordinao e sujeio da renda da terra aos grandes monoplios capitalistas geram para eles (os camponeses) a perspectiva e necessidade de luta no s pela propriedade da terra, mas, sobretudo a luta contra o capital. (OLIVEIRA, 2007, p. 67).
Para entender melhor o autor, s pensar nas maneiras como o capitalista ao
invs de adquirir a terra, subordina o agricultor a produzir o que ele precisa,
explorando este e sua famlia para trabalhar na propriedade por uma renda mnima e
desproporcional ao relacionar o excesso de trabalho e o fato de ser o proprietrio da
terra.
Assim, para Oliveira (2007 p. 68), este processo que cria a necessidade da
Reforma Agrria, no resolve, e por estes caminhos contraditrios que o modo
capitalista de produo cria condies para sua reproduo ampliada, e a Reforma
Agrria no pode ser entendida como soluo para estas contradies, pois resolve
15
mais as questes do modo capitalista de produo do que da agricultura. E assim o
autor define que:
A reforma agrria constitui-se, portanto, em um conjunto de aes governamentais realizadas pelos pases capitalistas visando modificar a estrutura fundiria de uma regio ou de um pas todo. Ela feita atravs de mudanas na distribuio da propriedade e ou posse da terra e da renda com vista a assegurar melhorias nos ganhos sociais, polticos, culturais, tcnicos, econmicos (crescimento da produo agrcola) e de reordenao do territrio. Este conjunto de atos de governo deriva de aes coordenadas, resultantes de um programa mais ou menos elaborado e que geralmente, exprime um conjunto de decises governamentais ou a
doutrina de um texto legal. (OLIVEIRA 2007,p. 68).
E para o referido autor existe uma diferena entre Reforma e Revoluo
Agrria: a primeira provoca apenas alteraes na estrutura fundiria sem alterar o
modo capitalista de produo, j a segunda implica na transformao da estrutura
fundiria visando a construo de outra sociedade.
Assim, se torna contraditrio pensar numa Revoluo Agrria num pas no
qual a estrutura econmica capitalista, pois uma revoluo sempre modifica a
estrutura social do pas e no significa apenas distribuio de terras.
Parte-se, portanto nesta interpretao, do estabelecimento de uma diferena conceitual entre reforma e revoluo agrria. A reforma agrria provoca alteraes na estrutura fundiria sem alterar o modo capitalista de produo existente em diferentes sociedades. A revoluo agrria implica necessariamente, na transformao da estrutura fundiria realizada de forma simultnea com toda a estrutura social existente, visando construo de outra sociedade. (OLIVEIRA, 2007, p. 68).
Continuando as ideias do autor, pode-se dizer que no Brasil o que tem
acontecido durante os diferentes momentos polticos e histricos do pas, apenas
uma tentativa de fazer uma Reforma Agrria. Se analisarmos os dados da Tabela 1
sobre Estrutura Fundiria Brasileira, 2003 na pagina 22, apresentados pelo INCRA,
tem acontecido apenas a no inteno de realizar esta reforma na estrutura agrria
do pas.
2.1 Reforma Agrria e a luta pela terra no Brasil
A distribuio fundiria se deu de forma desigual e violenta desde os
primrdios da colonizao brasileira. De um lado pessoas com extensas quantidades
de terras e de outro, aquelas que sequer tinham onde morar e muito menos produzir.
No perodo da colonizao no Brasil e seu processo de povoamento, foi
adotado o sistema de sesmarias, isto , grandes extenses de terras para pessoas
que tinham condies de explor-las, alm de serem doadas para um pequeno
16
porcentual de pessoas, no incluindo neste processo o acesso dos imigrantes
pobres, ou seja, aqueles que no detinham meios de produo e muito menos os
escravos. Estas terras eram passadas de pai para filho e denominadas de Capitanias
Hereditrias. O modelo colonial do Brasil se constituiu por meio de trs
componentes fundamentais na organizao social sendo, a grande propriedade
fundiria, a monocultora de exportao e o trabalho escravo. (MIRALHA, 2006,
p.19).
Neste contexto pode-se afirmar que a grandes extenses de terras, e o
sistema de monocultura, so heranas do perodo colonial, assim como o importante
papel das pequenas propriedades que desde o principio se destacaram pelo cultivo
dos produtos alimentcios j que as grandes propriedades sempre se destacaram na
monocultura de produtos de exportao. Diante disso:
[...] os pequenos produtores no passavam, na maioria das vezes, de simples agregados dos grandes proprietrios de terras e de escravos, os quais lhe cediam por emprstimo, pequenos lotes de terra para cultivo em troca de servios de todo o tipo, inclusive de capangagem. Os referidos produtores cultivavam gneros alimentcios para seu prprio sustento e para o consumo dos pequenos mercados locais e de cidades mais prximas [...] eles eram frequentemente pauprrimos, vivendo em condies materiais apenas um pouco melhor que a dos escravos. [...] de um modo geral, todavia, as culturas de subsistncia nunca deixaram de constituir atividades secundrias e subsidirias em relao s grandes lavouras escravistas de exportao. (MIRALHA, 2006, p. 14-16).
Contudo, com a abolio da escravatura a situao no se modificou, os
escravos foram substitudos por europeus que eram atrados para o Brasil nesta
poca para trabalhar como assalariados, ou seja, a grande propriedade, dominante
em toda a histria do pas, se consagrou como modelo socialmente reconhecido em
toda a sua histria, pois foi ela quem recebeu o estmulo poltico que procurou
moderniz-la e assegurar sua reproduo, ao contrrio da pequena propriedade que
sempre ocupou um lugar secundrio na sociedade brasileira. (WANDERLEY, 2001).
Uma pequena parcela da populao que obteve pequenas extenses
territoriais, os stios, passou a desenvolver a agricultura baseada no trabalho familiar.
(MARQUES, 2005). Contudo, estes trabalhadores no tinham significncia nenhuma
para a sociedade da poca, ou seja, a ocupao de pequenas faixas de terras, para
delas extrair o sustento, era considerado insignificante para a economia que vigorava
na poca da colonizao.
Eram verdadeiros stios volantes que se estabeleciam, atravessando no tempo e no espao todo perodo colonial, mas estendendo suas razes at os tempos mais recentes. Esses tipos que foram a gnese dos pequenos agricultores no Brasil, sempre foram tidos como
17
vadios, ociosos, e qualificaes semelhantes. Sempre foram considerados como marginais pelas autoridades da colnia e pela ideologia dominante na poca. (GRAZIANO DA SILVA, 1978 apud MARQUES, 2005, p. 9).
Com este quadro agrrio do perodo colonial, que com o passar do tempo foi
se intensificando, resultou nesta desigualdade de terras na sociedade brasileira.
[...] por fora da grande concentrao da propriedade fundiria que caracteriza a economia agrria brasileira, bem como das demais circunstncias econmicas, sociais e polticas que direta ou indiretamente derivam de tal concentrao, a utilizao da terra se faz predominantemente e de maneira acentuada, em beneficio de uma reduzida minoria. (PRADO JR., 1981, p. 15).
Foi a partir destas problemticas no rural brasileiro que comearam a surgir os
movimentos sociais no campo, que resultam de um processo de luta da classe
expropriada, ou seja, a luta para conquistar e permanecer na terra atravs do acesso
a polticas agrrias que compensem sua trajetria de excluso que lhe foi
historicamente imposta. (MARQUES, 2005). E assim, os assentamentos de reforma
agrria tem sido de fundamental importncia para a consolidao do produtor nestes
espaos atravs de lutas para conquistar o direito a um pedao de cho e o apoio do
Estado para se reproduzir social e economicamente.
No Brasil, as primeiras propostas de leis relacionadas com a Reforma Agrria
surgiram aps a Constituio Federal de 1946, baseadas nos artigos 141 e 147, em
que era garantido o direito de propriedade exceto em desapropriao por
necessidade e utilidade pblica e interesse social, porm mediante indenizao por
dinheiro. (LARANJEIRA, 1983 apud OLIVEIRA, 2007, p. 104).
Para Oliveira (2007), os primeiros movimentos sociais, se iniciaram com o
objetivo de organizao, reivindicao e luta no campo brasileiro. Estes conflitos
marcaram sua participao em finais da dcada de 1940, 1950 e de 1960,
denominadas em alguns lugares como Ligas Camponesas, nascidas muitas vezes,
como sociedade beneficiente dos defuntos, organizadas principalmente no Nordeste
brasileiro nas lutas dos camponeses foreiros, moradores, rendeiros, pequenos
proprietrios e trabalhadores assalariados rurais da Zona da Mata contra o latifndio.
Foi com este movimento que a luta pela Reforma Agrria no Brasil ganhou dimenso
nacional tornando-se o primeiro movimento social de luta pela Reforma Agrria que
ensaiou uma organizao de carter nacional, contagiando muitos trabalhadores
rurais e tambm urbanos.
O movimento das Ligas Camponesas tem, portanto, que ser entendido, no como um movimento local, mas como manifestao nacional de um estado de tenso e injustias a que estavam submetidos os camponeses e trabalhadores assalariados do campo e
18
as profundas desigualdades nas condies gerais do desenvolvimento capitalista no pas. (OLIVEIRA, 2007, p. 108).
Em 1962, foi promulgada a lei n 4.132 em que definia os casos de
desapropriao por interesse social que corresponde ao aproveitamento de todo
bem improdutivo ou explorado sem correspondncia com as necessidades de
habitao, trabalho e consumo dos centros de populao a que deve ou possa suprir
por seu destino econmico. (OLIVEIRA, 2007, p. 114). Foi considerado apenas um
passo para ser aprovada a primeira lei de reforma agrria no pas.
Ainda segundo o mesmo autor, na poca, o ento presidente Joo Goulart,
mesmo considerando esta lei um avano do ponto de vista legal, ainda achava
insuficiente, pois sua meta era buscar a aprovao da reforma agrria com emenda
constitucional, atravs do pagamento das terras desapropriadas por ttulos da dvida
pblica que tinham baixo valor de mercado. Reduzia-se o valor da propriedade
desapropriada para fins da reforma agrria. Contudo, todas as outras tentativas de
Reformas de Base durante seu governo foram descartadas com o golpe militar de
1964, com movimentos sindicais desarticulados e os lderes presos e exilados.
O Estatuto da Terra sendo uma das leis de Reforma Agrria criado pelo
regime militar previa as desapropriaes por interesse social, e ao mesmo tempo
forneceu bases para a modernizao da agricultura.
As metas desta lei se resumem com a promessa de execuo da reforma
Agrria e desenvolvimento da agricultura. Nesta mesma lei fica definida uma
classificao das propriedades rurais que compreendem:
Quadro 1
Art. 4 Para os efeitos desta Lei, definem-se:
I - "Imvel Rural", o prdio rstico, de rea contnua qualquer que seja a sua localizao que se destina explorao extrativa agrcola, pecuria ou agro-industrial, quer atravs de planos pblicos de valorizao, quer atravs de iniciativa privada;
II - "Propriedade Familiar", o imvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua famlia, lhes absorva toda a fora de trabalho, garantindo-lhes a subsistncia e o progresso social e econmico, com rea mxima fixada para cada regio e tipo de explorao, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros;
III - "Mdulo Rural", a rea fixada nos termos do inciso anterior;
IV - "Minifndio", o imvel rural de rea e possibilidades inferiores s da propriedade familiar;
V - "Latifndio", o imvel rural que:
a) exceda a dimenso mxima fixada na forma do artigo 46, 1, alnea b, desta Lei, tendo-se em vista as condies ecolgicas, sistemas agrcolas regionais e o fim a que se destine;
b) no excedendo o limite referido na alnea anterior, e tendo rea igual ou superior dimenso do mdulo de propriedade rural, seja mantido inexplorado em relao s possibilidades fsicas, econmicas e sociais do meio, com fins especulativos, ou seja deficiente ou inadequadamente explorado, de modo a
19
vedar-lhe a incluso no conceito de empresa rural;
VI - "Empresa Rural" o empreendimento de pessoa fsica ou jurdica, pblica ou privada, que explore econmica e racionalmente imvel rural, dentro de condio de rendimento econmico ...Vetado... da regio em que se situe e que explore rea mnima agricultvel do imvel segundo padres fixados, pblica e previamente, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se s reas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as reas ocupadas com benfeitorias;
VII - "Parceleiro", aquele que venha a adquirir lotes ou parcelas em rea destinada Reforma Agrria ou colonizao pblica ou privada;
VIII - "Cooperativa Integral de Reforma Agrria (C.I.R.A.)", toda sociedade cooperativa mista, de natureza civil, ...Vetado... criada nas reas prioritrias de Reforma Agrria, contando temporariamente com a contribuio financeira e tcnica do Poder Pblico, atravs do Instituto Brasileiro de Reforma Agrria, com a finalidade de industrializar, beneficiar, preparar e padronizar a produo agropecuria, bem como realizar os demais objetivos previstos na legislao vigente;
IX - "Colonizao", toda a atividade oficial ou particular, que se destine a promover o aproveitamento econmico da terra, pela sua diviso em propriedade familiar ou atravs de Cooperativas ...Vetado...
Pargrafo nico. No se considera latifndio:
a) o imvel rural, qualquer que seja a sua dimenso, cujas caractersticas recomendem, sob o ponto de vista tcnico e econmico, a explorao florestal racionalmente realizada, mediante planejamento adequado;
b) o imvel rural, ainda que de domnio particular, cujo objeto de preservao florestal ou de outros recursos naturais haja sido reconhecido para fins de tombamento, pelo rgo competente da administrao pblica.
Art. 5 A dimenso da rea dos mdulos de propriedade rural ser fixada para cada zona de caractersticas econmicas e ecolgicas homogneas, distintamente, por tipos de explorao rural que nela possam ocorrer.
Pargrafo nico. No caso de explorao mista, o mdulo ser fixado pela mdia ponderada das partes do imvel destinadas a cada um dos tipos de explorao considerados.
Fonte: Brasil, lei n 4 504 de 30 de novembro de 1964.
Assim para Martins, (1983) o Estatuto da Terra tinha como objetivo primordial o
desenvolvimento da empresa rural, em uma tentativa de conciliar a redistribuio de
terras com o avano do capitalismo no campo.
Martins (1999, p.79) salienta o fato de que grandes proprietrios de terras
organizados atravs da Sociedade Rural Brasileira de So Paulo, deram decisivo
apoio preparao do Golpe Militar de 1964. Para este mesmo autor:
As resistncias e temores, dos proprietrios de terra, logo que ficou claro que os militares estavam trabalhando num projeto de reforma agrria, desdobraram-se em iniciativas para desestabilizar ou radicalizar o novo regime. O regime militar, porm, produziu uma legislao suficientemente ambgua para dividir os proprietrios de terra e assegurar ao mesmo tempo o apoio ao grande capital, inclusive o apoio do grande capital multinacional.
Assim para Martins (1999), o conceito de latifndio imposto pelos militares era
ainda mais radical que o do governo anterior de esquerda, porm havendo uma
20
distino entre terras desapropriveis e no desapropriveis, sendo includos entre
as desapropriveis at mesmo os minifndios, ou includos nas terras penalizveis
pela taxao que era o principal instrumento da reforma. As empresas rurais eram
bem vistas pelo Estado, indicando uma Reforma Agrria orientada na modernizao
e acelerao do capitalismo na agricultura.
Ao contrrio do que ocorria com o modelo clssico da relao entre a terra e capital, em que a terra (e a renda territorial, isto , o preo da terra) reconhecida como entrave circulao e reproduo do capital, no modelo brasileiro o empecilho reproduo capitalista do capital na agricultura no foi removido por uma reforma agrria, mas pelos incentivos fiscais. (MARTINS, 1999, p.79-80).
Assim, o regime militar procurou modernizar a propriedade da terra afastando
uma possvel reforma agrria que levasse expropriao de grandes proprietrios
de terras, introduzindo a tecnificao e alterando as relaes de trabalho no campo
com a introduo de mquinas e adubos.
Mesmo com muitas leis sendo sancionadas em favor da Reforma Agrria, a
falta de vontade poltica, os processos burocrticos e a represso contra qualquer
conflito nesta fase impediram que esta reforma acontecesse de fato.
Em 1985, no perodo denominado de Nova Republica, que consistiu na
transio da Ditadura Militar para o Estado de Direito Democrtico, um de seus
projetos prioritrios foi a Reforma Agrria anunciada durante o IV Congresso
Nacional dos Trabalhadores Rurais, sendo feitas articulaes para a elaborao do I
Plano Nacional de Reforma Agrria aprovado em 1985.
O primeiro Plano Nacional de Reforma Agrria, (PNRA), criado em 1985,
adota alguns princpios sendo a funo social da propriedade, as empresas rurais
no sero desapropriadas, a reforma agrria no atingir as terras que estiverem
produzindo, os pequenos e mdios agricultores no sero atingidos pelas
desapropriaes, e estas sero pagas mediante indenizao.
O I PNRA j trazia retrocessos em relao ao Estatuto da Terra, como por exemplo, o artigo (artigo 2, 29, do Decreto n9 91.766) onde est expresso que se evitar, sempre que possvel, a desapropriao de latifndios. Outro ponto, foram os imveis que tivessem grande presena de arrendatrios e/ou parceiros, onde as disposies legais fossem respeitadas. Dessa forma, o I PNRA j apareceu trazendo distores em relao ao Estatuto da Terra. (OLIVEIRA, 2007, p. 108).
Segundo o mesmo autor, os anos posteriores demonstraram o fracasso da
Reforma Agrria, pois entre os anos de 1985 e 1986 apenas 5% das metas
estabelecidas para assentamento de famlias foram atingidas, e este ritmo continuou
lento nos anos posteriores.
21
Somente com a Constituio de 1988, que passou a conter uma legislao,
destinadas poltica agrcola e fundiria com os artigos 184 191, representados no
quadro 2.
Quadro 2
CAPTULO III DA POLTICA AGRCOLA E FUNDIRIA E DA REFORMA AGRRIA
Regulamento
Art. 184. Compete Unio desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrria, o imvel rural que no esteja cumprindo sua funo social, mediante prvia e justa indenizao em ttulos da dvida agrria, com clusula de preservao do valor real, resgatveis no prazo de at vinte anos, a partir do segundo ano de sua emisso, e cuja utilizao ser definida em lei.
1 - As benfeitorias teis e necessrias sero indenizadas em dinheiro. 2 - O decreto que declarar o imvel como de interesse social, para fins de reforma agrria, autoriza a Unio a
propor a ao de desapropriao. 3 - Cabe lei complementar estabelecer procedimento contraditrio especial, de rito sumrio, para o
processo judicial de desapropriao. 4 - O oramento fixar anualmente o volume total de ttulos da dvida agrria, assim como o montante de
recursos para atender ao programa de reforma agrria no exerccio. 5 - So isentas de impostos federais, estaduais e municipais as operaes de transferncia de imveis
desapropriados para fins de reforma agrria. Art. 185. So insuscetveis de desapropriao para fins de reforma agrria: I - a pequena e mdia propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietrio no possua outra; II - a propriedade produtiva. Pargrafo nico. A lei garantir tratamento especial propriedade produtiva e fixar normas para o
cumprimento dos requisitos relativos a sua funo social. Art. 186. A funo social cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critrios e
graus de exigncia estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: I - aproveitamento racional e adequado; II - utilizao adequada dos recursos naturais disponveis e preservao do meio ambiente; III - observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho; IV - explorao que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos trabalhadores. Art. 187. A poltica agrcola ser planejada e executada na forma da lei, com a participao efetiva do setor de
produo, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercializao, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:
I - os instrumentos creditcios e fiscais; II - os preos compatveis com os custos de produo e a garantia de comercializao; III - o incentivo pesquisa e tecnologia; IV - a assistncia tcnica e extenso rural; V - o seguro agrcola; VI - o cooperativismo; VII - a eletrificao rural e irrigao; VIII - a habitao para o trabalhador rural. 1 - Incluem-se no planejamento agrcola as atividades agro-industriais, agropecurias, pesqueiras e
florestais. 2 - Sero compatibilizadas as aes de poltica agrcola e de reforma agrria. Art. 188. A destinao de terras pblicas e devolutas ser compatibilizada com a poltica agrcola e com o plano
nacional de reforma agrria. 1 - A alienao ou a concesso, a qualquer ttulo, de terras pblicas com rea superior a dois mil e
quinhentos hectares a pessoa fsica ou jurdica, ainda que por interposta pessoa, depender de prvia aprovao do Congresso Nacional.
2 - Excetuam-se do disposto no pargrafo anterior as alienaes ou as concesses de terras pblicas para fins de reforma agrria.
Art. 189. Os beneficirios da distribuio de imveis rurais pela reforma agrria recebero ttulos de domnio ou de concesso de uso, inegociveis pelo prazo de dez anos.
Pargrafo nico. O ttulo de domnio e a concesso de uso sero conferidos ao homem ou mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condies previstos em lei.
Art. 190. A lei regular e limitar a aquisio ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa fsica ou jurdica estrangeira e estabelecer os casos que dependero de autorizao do Congresso Nacional.
Art. 191. Aquele que, no sendo proprietrio de imvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposio, rea de terra, em zona rural, no superior a cinqenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua famlia, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe- a propriedade.
Pargrafo nico. Os imveis pblicos no sero adquiridos por usucapio. Fonte: BRASIL. Constituio da Repblica Federativa do Brasil-1988.
H que observar que a nova Constituio, mesmo instituindo o processo de
reforma agrria, foi considerada uma vitria para os latifundirios, em relao ao
carter insuscetvel de desapropriao da propriedade produtiva e transferiram para
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8629.htm
22
a legislao complementar a fixao das normas para o cumprimento dos requisitos
relativos sua funo social da terra. (OLIVEIRA, 2007, p. 129).
O II PNRA, elaborado em 2003 destaca 11 metas sendo, a primeira delas de
400.000 mil novas famlias assentadas, a segunda com 500.000 mil famlias com
posses regularizadas e a terceira com 150.000 mil famlias beneficiadas com o
Crdito Fundirio at o ano de 2006.
Contudo, segundo Oliveira (2007), estas metas jamais foram cumpridas, pois
referente a Meta 1 apenas 33% foram concludas, ou seja, um tero do que foi
prometido.
E assim, a reforma agrria na nova fase em que vivia o pas aps o perodo de
represso, comeou da mesma forma como os militares haviam tratado este
processo.
A tabela 1 do ano de 2003 demonstra a concentrao de terras no pas,
refletindo a no Reforma Agrria.
Tabela 1
Estrutura fundiria Brasileira, 2003.
Fonte: Oliveira, (2007apud INCRA-situao em agosto de 2003 in II PNRA, Braslia 2003).
Nota-se que existem 6.847 imveis com 5.000 ou mais hectares cada
um, representando apenas 0,1% do total de imveis e concentrando 13,5% das
terras do pas; e apenas 1,8% das terras esto distribudas para 1. 338.711 imveis
com menos de 10 hectares para cada um. Isso demonstra que os esforos atravs
dos movimentos sociais no campo em busca de uma verdadeira Reforma Agrria,
obteve pouqussimos resultados frente tamanha concentrao de terras no pas.
2.2 A criao do MST e seus objetivos
Segundo Stdile (2005), a gnese do MST foi determinada por vrios fatores,
um deles, o aspecto socioeconmico das transformaes que a agricultura brasileira
23
sofreu na dcada de 1970, que foi o perodo mais rpido e mais intenso da
mecanizao da lavoura brasileira.
Com o incentivo da tecnificao da agricultura no perodo militar,
principalmente com o aumento das reas de cultivo da monocultura como a soja,
cana de acar, laranja dentre outros produtos, intensificou a quantidade de
trabalhadores assalariados no campo, agravando ainda mais a situao do produtor
familiar, desenvolvido pelos parceiros, porcenteiros e pequenos proprietrios.
Essa poltica que ficou conhecida como modernizao conservadora promoveu o crescimento econmico da agricultura, ao mesmo tempo que concentrou ainda mais a propriedade da terra, expropriando e expulsando mais de 30 milhes de pessoas que migraram para as cidades e para outras regies brasileiras. (FERNANDES, 1996 p. 49).
Mesmo com toda a represso neste perodo os movimentos de luta pela terra
no campo continuaram e, um fator que contribuiu para isto foi a participao da Igreja
Catlica atravs da Comisso Pastoral da Terra (CPT), como espao de socializao
a respeito da organizao camponesa.
A gnese do MST aconteceu no interior dessas lutas de resistncia dos trabalhadores contra a expropriao, a expulso e o trabalho assalariado. O Movimento comeou a ser formado no Centro-Sul desde 7 de setembro de 1979, quando aconteceu a ocupao da Gleba Macali, em Ronda Alta no Rio Grande do Sul. Essa foi uma das aes que resultaram na gnese do MST. Muitas outras aes dos trabalhadores sem terra, que aconteceram nos estados de Santa Catarina, Paran So Paulo e Mato Grosso do Sul, fazem parte da gnese do Movimento. (FERNANDES, 1996 p. 50).
Assim, segundo o autor, cada luta era considerada como um grande passo
para a consolidao deste Movimento que dentre seus objetivos se destacam a luta
pela Reforma Agrria, por uma sociedade mais justa, fraterna e acabar como o
capitalismo, assim como integrar a categoria dos sem terra: trabalhadores rurais,
arrendatrios, meeiros, pequenos, pequenos proprietrios, etc.
O MST como o movimento socio-territorial rural mais organizado no final do Sculo XX e incio do sculo XXI, representa no conjunto da histria recente deste pas, mais um passo na longa marcha dos camponeses brasileiros em sua luta cotidiana pela terra. Essa luta camponesa revela a todos interessados na questo agrria, um lado novo e moderno. No se est diante de um processo de luta para no deixar a terra, mas sim, diante um processo de luta para entrar na terra. (OLIVEIRA, 2007, p. 139).
Essas terras tm servido de palco de lutas por este movimento, so em sua
maioria improdutivas e esto sendo utilizadas como reserva de valor e patrimonial
das classes dominantes. Parte desta classe de trabalhadores que se juntou para
24
lutar no movimento em sua maioria so expropriados da terra, ou seja, j
trabalharam no campo durante um perodo de suas vidas e foram espoliados.
Trata-se, pois, de uma luta de expropriados, que na maioria das vezes, experimentaram a proletarizao urbana ou rural, mas que resolveram construir o futuro baseado na negao do presente. No se trata, pois, de uma luta que apenas revela uma nova opo de vida para esta parcela pobre da sociedade brasileira, mas revela muito mais, revela uma estratgia de luta acreditando ser possvel hoje, a construo de uma nova sociedade. Uma nova sociedade dotada de justia, dignidade e cidadania. (OLIVEIRA, 2007, p. 139).
Segundo o mesmo autor, vrios outros movimentos sociais surgiram no
campo e na cidade em busca de seus objetivos, contudo o MST sempre foi um dos
mais organizados e com abrangncia em mbito nacional. Surgiu na dcada de 1980
como movimento de massa e de luta pela reforma agrria. Tem demonstrado ser um
movimento poltico e ideolgico com claros objetivos, no qual no se limita apenas
conquista da terra, mas uma luta por justia, direitos iguais e coletividade.
Dentre a massa de pessoas que acompanham o movimento em busca de um
pedao de terra, muitos so filhos de pequenos proprietrios que aps constituir
famlia com o desejo de possuir sua prpria terra entram no movimento em busca
desta conquista; outros j trabalharam no campo desde que nasceram e chegando
cidade em busca de emprego, muitos por falta de melhores perspectivas se
submeteram ao trabalho como bia fria, ou seja, aqueles que moram nas cidades e
vo para o campo trabalhar por dia ou at mesmo mensalmente, muito comum no
interior de So Paulo para a colheita de laranja e o corte de cana-de-acar.
Existem tambm muitos daqueles que viveram toda a vida trabalhando em
fazendas como rendeiros, parceiros e meeiros, mas nunca tiveram a oportunidade de
trabalhar na sua prpria terra e, viram uma oportunidade ao ingressarem na luta
junto ao movimento.
So diversas as origens daqueles que acompanham o movimento na luta pela
terra e melhores condies de vida, e em sua maioria pessoas que j tiveram
experincias no campo e desejam voltar conquistando seu prprio pedao de cho.
Segundo Oliveira (2007), durante o governo Fernando Henrique Cardoso na
dcada de 1990, os conflitos em relao terra crescem alcanando um patamar
bem maior que na dcada de 1980, principalmente nas regies do Nordeste e
Centro-Sudeste, como na regio Sul. Porm, estes conflitos foram reprimidos com
extrema violncia policial matando muitos camponeses em luta pela terra, fato que
se justifica em razo deste governo ter sido apoiado pelos ruralistas como
25
sustentao poltica o que ainda proporcionou a prorrogao das dvidas destes
latifundirios.
Para este mesmo autor, nos primeiros seis anos de seu governo (FHC) e as
presses do movimento conseguiu assentar 373.210 famlias em 3.505
assentamentos rurais, porm estes dados incluem regularizaes fundirias,
remanescentes de quilombos, assentamentos extrativistas, os projetos Casulo e
Cdula Rural e os projetos de Reforma Agrria propriamente dito, o que demonstra
no uma inteno do governo frente a reforma agrria, mas sim uma resposta
presso social.
Entre as justificativas do MST na luta pela terra tem-se a produo de gneros
alimentcios no prioridade nas grandes propriedades do pas, no qual se configura
principalmente pela monocultura. Muitos estudos j foram feitos em relao aos
fatores negativos que trazem este cultivo, que vo desde fatores ambientais a
econmicos. Um dos exemplos cana - de acar, muito cultivado no interior de So
Paulo e outras regies do Brasil, em que milhares de trabalhadores so explorados,
com pssimas condies de trabalho, expostos a riscos de sade e acidentes de
trabalho, alm de no existir nenhuma perspectiva de melhora de vida.
Por outro lado, se estes trabalhadores fossem despedidos deste trabalho,
caso ocorresse uma modernizao e os cortadores de cana fossem substitudos por
mquinas, isto resultaria em uma grande massa de trabalhadores rurais
desempregados. Assim, a Reforma Agrria poderia desempenhar seu papel,
proporcionando terra para estes trabalhadores e possibilitando todo o apoio tcnico e
financeiro com crditos mais baratos para a produo familiar.
Vrios aspectos demonstram que a pequena propriedade possui diversos
pontos positivos para a populao brasileira.
[...] a pequena propriedade que detm apenas 20% da rea ocupada do Brasil, foi responsvel por 46% do valor da produo agropecuria e por 43% da renda gerada no campo. Enquanto isso, as grandes propriedades que controlam mais de 44% da rea ocupada total, foram responsveis por apenas 21% do valor da produo e 23% da renda gerada. As mdias propriedades que controlam 36% da superfcie ocupada ficaram com a diferena, ou seja, 32% do valor da produo e 34% da renda. (OLIVEIRA, 2007, p.151).
Dentre estes, a pequena propriedade aquela de 100 h. Na qual o produtor
familiar est inserido e que luta cada dia pela permanncia na terra, pois mesmo com
a experincia que detm no trabalho do campo, no tem sido tarefa fcil sua
reproduo. Vrios fatores contribuem para esta luta diria, tais como o pequeno
potencial para fazer financiamentos para a produo e as dificuldades de comprar
26
insumos, dificuldades para quitar as dvidas de financiamento junto ao banco, baixo
ou nenhum nvel de tecnologia e como conseqncia adotado um estilo de trabalho
manual por falta de maquinrios, causando o encolhimento da produo. Fica claro
tambm a limitao enfrentada para ter acesso ao mercado consumidor devido
falta de infra-estrutura e informao sobre preos e mercados.
Esta ineficincia na comercializao tambm reflete a falta de um
planejamento mais cuidadoso na escolha dos produtos a serem cultivados,
esbarrando assim em problemas como variao de preo da produo causando,
muitas vezes, prejuzos, alm de perda da lavoura por fatores climticos. Estes
fatores fazem o pequeno produtor alm de lutar pela terra, posteriormente muito mais
para permanecer nela.
pensando nestas problemticas que as instncias governamentais precisam
dar todo apoio possvel ao produtor familiar, do contrrio a sobrevivncia dos
produtores fica comprometida, pois a renda adquirida na terra insuficiente para
cobrir os custos de produo e inviabiliza os financiamentos para a prxima safra,
criando uma tendncia de cultura de subsistncia e impossibilitando o
desenvolvimento econmico de sua reproduo.
Mesmo assim, diversas experincias de pequenos produtores se estruturaram
e se desenvolveram tornando competitivos no mercado de trabalho, mesmo sem o
devido apoio para sua permanncia na propriedade. As estratgias do sucesso desta
categoria de produtos exigem reflexes do que precisa ser feito para uma possvel
reproduo em relao ao apoio governamental, alm do planejamento em relao
ao produto a ser cultivado de acordo com as demandas de mercado e a maneira
como esta produo ser comercializada. Assim, o MST no tem como objetivo
apenas a conquista da terra, mas pressupe estratgias de lutas para que os
produtores familiares permaneam nela.
2.3 Os Assentamentos do INCRA no Brasil
Pode-se afirmar, que no Brasil nunca foi implantada realmente a Reforma
Agrria, mas sim polticas de assentamentos, pois muitas leis tm sido implantadas
desde muito antes do perodo de ditadura militar que mascaram o verdadeiro
propsito da Reforma Agrria.
O grfico 1, sobre o nmero de assentamentos rurais entre os anos 1985 e
2000, demonstra que mesmo com a represso frente aos movimentos sociais no
campo muitas famlias foram assentadas principalmente nas regies do Nordeste e
Amaznia, e mesmo que estes nmeros sejam muito inferiores ao nmero de
27
ocupaes de terras neste perodo, os assentamentos implantados so bem
superiores em relao aos anos anteriores.
Grfico 1
Fonte: Oliveira, 2007.
At mesmo os dados publicados sobre famlias assentadas no refletem a
realidade, os nmeros mostram que a Reforma Agrria est acontecendo, mas na
prtica at regularizaes fundirias e outras formas foram includas na contagem
afim de mascarar a realidade. Segundo Oliveira (2007, p. 168) preciso deixar claro
os conceitos de acesso terra colocado em prtica no Brasil.
1. Reforma Agrria: refere-se somente aos assentamentos decorrentes de aes desapropriatrias de grandes propriedades improdutivas, compra de terra e retomada de terras pblicas griladas. 2. Regularizao Fundiria: refere-se ao reconhecimento do direito das famlias (populaes tradicionais, extrativistas, ribeirinhos, pescadores, posseiros, etc.) j existentes nas reas objeto da ao (flonas, resex, agroextrativistas, desenvolvimento social, fundo de pastos, etc.); 3. Reordenao Fundiria: refere-se aos casos de substituio e/ou reconhecimento de famlias presentes nos assentamentos j existentes, e/ou para garantir seus acessos s polticas pblicas; 4. Reassentamentos Fundirios de famlias Atingidas por Barragens: referente aos proprietrios ou com direitos adquiridos em decorrncia de grandes obras de barragens e linhas de transmisso de energia realizadas pelo Estado e/ou empresas concessionrias e/ou privadas;
At mesmo famlias assentadas desde o governo de Getlio Vargas do ano de
1942 foram includos como famlias assentadas em 2005, durante o mandato do
presidente Lula. Mesmo que tenham sido includas em polticas pblicas deste
governo no poderiam ser contadas nas metas de Reforma Agrria.
28
O grfico 2, demonstra claramente o total dos assentamentos oficiais de
Reforma Agrria do governo FHC e Lula. Os dados esto muito longe de cumprirem
as metas1 que foram propostas de acordo com os planos de Reforma Agrria.
Os movimentos sociais foram derrotados, pois saram enganados nas reunies de acompanhamento onde sempre ouviram o discurso de que a reforma agrria seria feita. Mas, os grandes derrotados foram os camponeses em geral e com eles uma parte da sociedade brasileira, que permanece na esperana de que um dia, a dvida social da reforma agrria seja verdadeiramente paga. (OLIVEIRA, 2007, p. 172).
Grfico 2
Fonte: Adaptado pela autora, 2014
Dentre estes camponeses, existem aqueles que h anos enfrentam as piores
condies de vida, acampados debaixo de lona e enfrentando as mais diversas
dificuldades que vo desde o quesito alimentao, escolas para seus filhos, sofrendo
com as intempries climticas e principalmente sem a certeza de que todo o
sofrimento valer a pena, pois no existe uma certeza de receber seu pedao de
terra.
A falta de vontade dos diversos governos que prometeram a Reforma Agrria
e nunca cumpriram, refora a crena de que a luta ainda ser grande por muito
tempo, deve-se perguntar como andam aqueles que por sorte ou acaso vieram a
conquistar seu pedao de terra. Entretanto, a Reforma Agrria no completa
apenas com a distribuio de terras, mas sim, com o apoio para que o produtor
familiar permanea e se reproduza nela. Que ele tenha condies de se desenvolver
como produtor no mercado e fazer a diferena no cenrio econmico do pas,
fortalecendo ainda mais esta classe.
1 Ver metas na p. 21.
29
Para que isto acontea preciso apoio macio do governo nestes
assentamentos formados por meio de cursos e apoio tcnico, facilitando a aquisio
de insumos e de financiamentos com juros mais baixos. Caso contrrio, estas
famlias assentadas dificilmente podero investir na propriedade e obter resultados
significativos para poderem se reproduzir, caso contrrio, muitas restaro viver da
agricultura de subsistncia ou vender seus direitos na propriedade para tentar a sorte
nas cidades.
30
3. MUNICIPIO DE ORTIGUEIRA: FORMAO E DISTRIBUIO DAS TERRAS
O municpio de Ortigueira foi criado em 1952, possui uma populao de
23.646 mil estimadas para o ano de 2013, com uma rea territorial de
aproximadamente 2.432,255 km2 e 758 metros de altitude, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE, 2013).
O mapa 1, apresenta a localizao do municpio de Ortigueira, do qual se
configura como um dos municpios de maior extenso no Paran ocupando a terceira
posio do estado. Este municpio tem suas razes no processo de ocupao por
posseiros e grileiros.
O povoamento de grande parte do municpio de Tibagi, que por sinal constitua uma rea significativa do estado do Paran, especialmente a noroeste, se formou na sua maioria, pela figuras do chamado caboclo, sendo s em parte colonizada por imigrantes europeus. Nesta localidade surgiria o ncleo que daria origem a cidade de Ortigueira, que posteriormente se emanciparia de Tibagi, formando o municpio de Ortigueira. (ALVES, 2004, p. 56).
Ainda segundo o mesmo autor, este municpio se iniciou com uma Vila
denominada Vila de Queimadas e que fazia parte do municpio de Tibagi por volta de
1920. Em 1921, a vila comea a se estruturar e elevada a categoria de Distrito
Judicirio.
A frente de expanso formada pelos caboclos, constitua-se principalmente pelos safristas, posseiros e grileiros que tinham em Queimadas um ponto de apoio, inclusive para se chegar ao Terceiro Planalto paranaense. Na dcada de 1920, devido ao tipo de povoamento da rea, se esboava uma lenta organizao econmica, estruturada principalmente com a cidade de Tibagi, considerada centro de referncia. (ALVES, 2004, p. 60).
Assim, com a ocupao da Vila de Queimadas, o acesso terra se deu por
caboclos que a posseavam e, desta ocupao predominaram os latifndios e terras
devolutas, constituindo um povoamento espontneo e desordenado. (BERNARDES,
1952, p. 69, apud, ALVES, 2004).
31
Mapa 1
Fonte: Alves, 2004.
32
Segundo Alves (2004), estes primeiros povos que chegaram ao atual
municpio, muitos iniciaram uma agricultura de subsistncia principalmente os que
apossavam pequenas reas, mas aqueles que se apoderavam de reas mais
significativas, no tinham o objetivo de trabalhar e produzir na terra, mas sim
transform-la em reserva de valor para, no futuro, vend-la como renda
capitalizada. Esta prtica se dava atravs dos grileiros, e os conflitos nesta regio
eram constantes, pois a acumulao de terras por parte deles, se dava tanto pela
fora, expulsando os posseiros, ou ento mantinham os mesmos trabalhando em
suas posses e lhe cobravam o foro. Tanto os posseiros como os grileiros tem como
uma das primeiras atividades desenvolvidas, a criao de porcos por meio da safra2
e da agricultura de subsistncia praticada por posseiros.
Assim, a suinocultura foi mantida at a dcada de 1960 e em menor
quantidade at inicio da dcada de 1980, j a agricultura de subsistncia no modo
de produo familiar se manteve at os dias atuais, ou seja, at 2004.
Desta forma, ao entender a forma como se deu a territorializao deste
municpio, percebe-se que as grandes propriedades atuais so heranas do modo
como foram ocupadas as terras desta rea, pois a disputa de terras que culminou
na expropriao de posseiros deu incio a uma composio da estrutura fundiria
agrria altamente concentradora. Atravs das tabelas 2 e 3 ser possvel identificar
como se encontra a concentrao de terras neste municpio, bem como as
mudanas ocorridas desde a dcada de 1960 at o Censo Agropecurio de 2006.
2 Para entender a criao de porcos por meio de safra, segundo Wachowicz (1987), consistia na
derrubada de 20 a 50 alqueires, queimada da mata, plantao de milho, batata doce e abbora. Quando as culturas estavam chegando a poca de colher, o safrista percorria a regio comprando os porcos dos sitiantes, Todos eram colocados em mangueires e soltos quando o milho comeava a amarelar.
33
Tabela 2 Distribuio das terras por estabelecimentos em Ortigueira 1960-2006
--- Estes dados no constam no Censo Fonte: IBGE Censo Agrcola de 1960 e Censos Agropecurios do Paran de 1970 a 2006. Org: Jos Alves; 2004, e adaptado pelo autor deste trabalho, 2013.
Grupo de rea total
(h)
Nmero de Estabelecimentos
1960 1970 1975 1980 1985 1995/96 2006
N % N % N % N % N % N % N % Menos de 10
--- --- 2.580 55,5 3.523 59,2 3.182 57,4 3.168 59,8 3.080 53,8 1.634 45,4
10 a menos de 20
--- --- 809 17,4 1.116 18,8 1.080 19,5 920 17,4 1.127 19,7 728 20,2
20 a menos de 50
--- --- 716 15,4 777 13,0 738 13,4 676 12,7 814 14,3 569 15,8
50 a menos de 100
--- --- 281 6,0 262 4,4 246 4,4 215 4,0 272 4,7 181 5,0
Menos de 100 1.387 86,9 4.386 94,3 5.678 95,4 5.246 94,7 4.979 93,9 5.293 92,5 3.112 86,4
100 a menos de 200
--- --- 162 3,5 157 2,6 134 2,4 136 2,6 167 2,9 143 3,9
200 a menos de 500
--- --- 82 1,8 89 1,6 111 2,0 130 2,4 182 3,2 144 4,0
500 a menos de 1. 000
--- --- 16 0,3 15 0,2 37 0,7 43 0,8 59 1,0 57 1,5
100 a menos de 1.000
204 12,8 260 5,6 261 4,4 282 5,1 309 5,8 408 7,1 344 9,5
1.000 a menos de 5.000
--- --- 5 0,1 12 0,2 11 0,19 11 0,19 20 0,39 20 0,5
5.000 a menos de 13.000
--- --- 1 0,0 2 0,0 2 0,01 2 0,01 2 0,01 --- ---
1.000 a menos de 13.000
5 0,3 6 0,1 14 0,2 13 0,2 13 0,2 22 0,4 20 0,5
Produtor sem rea
--- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- 122 3,6
Total 1.596 100,0 4.652 100,0 5.953 100,0 5.541 100,0 5.301 100,0 5.723 100,0 3.598 100,0
34
Tabela 3 Distribuio das terras por rea ocupada em Ortigueira 1960-2006
-- Estes dados no constam no Censo
As informaes de produtor sem rea no constam no Censo, porm o valor total apresentado como 100%. Fonte: IBGE Censo Agrcola de 1960 e Censos Agropecurios do Paran de 1970 a 2006. Org: Jos Alves; 2004, e adaptado pelo autor deste trabalho, 2013.
Grupo de rea total
(h)
rea dos estabelecimentos
1960 1970 1975 1980 1985 1995/96 2006
N % N % N % N % N % N % N % Menos de 10
--- --- 11.996 8,1 16.745 9,6 14.857 8,1 14.067 7,2 13.474 5,5 5.907 3,0
10 a menos de 20
--- --- 11.525 7,8 15.808 9,1 15.289 8,3 13.247 6,8 16.680 6,9 10.870 5,6
20 a menos de 50
--- --- 22.370 15,1 24.414 14,0 22.573 12,3 20.902 10,8 24.014 9,9 17.064 8,8
50 a menos de 100
--- --- 20.201 13,7 18.832 10,9 17.687 9,6 15.356 7,9 19.190 7,9 12.853 6,6
Menos de 100
33.641 35,4 66.092 44,7 75.799 43,6 70.406 38,3 63.572 32,7 73.358 30,2 46.694 24,2
100 a menos de 200
--- --- 22.829 15,6 22.651 13,0 19.213 10,5 19.457 10,0 23.855 9,5 20.979 10,9
200 a menos de 500
--- --- 24.956 16,8 26.414 15,2 32.159 17,5 40.143 20,6 55.597 23,0 45.499 23,6
500 a menos de 1. 000
--- --- 10.761 7,3 10.108 5,8 26.541 14,4 30.623 15,8 39.690 16,5 39.552 20,5
100 a menos de 1.000
46.090 48,3 58.546 39,7 59.173 34,0 77.913 42,4 90.223 46,4 119.142 49,0 106.030 55,1
1.000 a menos de 5.000
--- --- 12.191 8,3 22.214 12,8 23.095 12,6 20.366 10,4 30.081 12,4 25.537 13,2
5.000 a menos de 13.000
--- --- 10.854 7,3 16.551 9,6 12.316 6,7 20.302 10,5 20.310 8,4 --- ---
1.000 a menos de 13.000
15.522 16,3 23.045 15,6 38.765 22,4 35.411 19,3 40.668 20,9 50.391 20,8 25.537 13,2
Produtor sem rea
--- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- ---
Total 95.253 100,0 147.682 100,0 173.737 100,0 183.736 100,0 194.469 100,0 242.891 100,0 25.537 100,0
35
Como se observa na tabela 2, os estabelecimentos com menos de 10
hectares desde 1975 veio decaindo at 2006 com uma diferena de 46,38% numa
escala de tempo de 30 anos aproximadamente. Em geral os estabelecimentos com
rea inferior a 100 hectares com um total de 1387 em 1960, representado por
86,9% na poca, teve seu auge em 1975 com 5.678 representando 95,4% e foi
declinando chegando em 2006 com 86,4% do total, ou seja, aproximadamente
54,80% inferior 30 anos atrs. Mas, continua com maior significado em nmero de
estabelecimentos.
Observando os dados dos estabelecimentos com 100 a 1.000 hectares, o
qual em 1960 contava com um total de 204 estabelecimentos representando 12,8%,
observa-se um acrscimo nos anos seguintes chegando a 408 na dcada de 1990,
porm com uma porcentagem menor de 7,1% dos estabelecimentos e chegando a
9,5% em 2006.
Em relao aos estabelecimentos por rea ocupada de 1.000 a 13.000
hectares, representou em 1960, segundo a tabela 3, 16,3% da rea ocupada para
apenas 5 unidades, representando apenas 0,3% dos estabelecimentos. J em 2006
a rea destes estabelecimentos possui 13,2% da rea ocupada para 0,5%,
representando apenas 20 estabelecimentos.
Percebe-se ento que as unidades que possuem at 100 hectares mesmo
estando em maior nmero de estabelecimentos representando 86,4% das unidades
no censo de 2006, perdem em porcentagem de rea ocupada do grupo de
estabelecimentos de 100 a 1.000 hectares, pois em 2006 a rea ocupada com at
100 hectares representa 24,2%, enquanto a outra classe ocupava 55,1% da rea
total ocupada, com uma diferena de 30% a mais para os estabelecimentos de 100
a 1.000 hectares.
A rea ocupada pelo grupo de 1.000 a 13.000 hectares teve sua maior
concentrao de terras no perodo que resultou no censo de 1975 com 22,4% da
rea ocupada, e veio declinando para em 2006 possuir 13,2% do total de rea.
Contudo, esta porcentagem de rea que diminuiu neste grupo, 10%
aproximadamente foi transferida para o grupo de 100 a 1.000 hectares, que passou
de 48,3% em 1960 para 55,1% em 2006.
A partir da anlise destes dados, percebe-se que mesmo com a repartio de
terras de alguns latifndios, como o caso das antigas fazendas que resultaram no
Assentamento Libertao Camponesa em 1998, com a criao de mais de 400
36
estabelecimentos entre 10 e 20 hectares, no possibilitou uma reverso na
concentrao de terras do municpio, pois segundo os dados da tabela 3 a rea dos
estabelecimentos passou de 6,9 em 1996 para 5,6 em 2006, bem como o nmero
de estabelecimentos que passa de 1.727 em 1996 para 628 em 2006, conforme
apresentado na tabela 2. O que no altera em nada a problemtica da concentrao
de terras no municpio.
Se considerarmos que houve uma diminuio do nmero de
estabelecimentos do grupo de 1.000 a 13.000 mil hectares entre 1960 com 16,3% e
2006 com 13,2%, esta porcentagem foi transferida para o grupo das mdias
propriedades (de 100 a 1.000 hectares), como representado na tabela 3, no qual
entre 1960 e 2006 o nmero destes estabelecimentos vai de 48% para 55,1%.
Contudo, nota-se que a concentrao de terras no municpio de Ortigueira
continua extremamente acentuada, pois desde o censo de 1960 at 2006, ocorreu
um aumento da porcentagem de rea para o grupo de estabelecimentos de 100 a
1.000 hectares e em contrapartida uma retrao de mais de 10% da rea do grupo
de estabelecimentos de 0 a 100 hectares.
Assim, Ortigueira tem sido nos ltimos anos alvo da atuao de movimentos
de luta pela terra, como o MST, e, a maioria destas fazendas ocupadas geralmente
se reproduz economicamente pela criao de gado, mas em relao a grande
quantidade de terras e o reduzido nmero de cabeas de gado, podem ser
consideradas como terras improdutivas que se mantm como reserva de valor, pois
o gado tem a finalidade de apenas demonstrar alguma atividade e maquiar que
est cumprindo a funo social da terra3. Terras que poderiam estar sendo
cultivadas com as mais diversas atividades e beneficiando a sociedade como um
todo.
Atualmente, a economia de Ortigueira basicamente agropecuria em
decorrncia do relevo acidentado e maior facilidade no tratamento das pastagens. O
municpio possui, segundo o IBGE 2012, o maior rebanho de bovino e de bubalinos
com 140.150 e 360 cabeas, respectivamente, do Estado do Paran, e por vrios
anos foi o maior produtor de mel do Brasil. (PREFEITURA MUNICIPAL DE
ORTIGUEIRA, 2013).
3 Para Oliveira, 2007, conforme a Poltica Agrcola e Fundiria da Reforma Agrria, a funo social
da terra cumprida quando h um aproveitamento racional adequado, utilizao dos recursos naturais e preservao do meio ambiente, explorao com o bem estar do proprietrio e dos trabalhadores.
37
Ortigueira o municpio que mais produz mel no estado do Paran, sendo
responsvel por 10% da produo do estado. tambm o segundo maior produtor
de mel do Brasil. Segundo dados do IBGE de 2011, foram produzidos no municpio
510 toneladas de mel em 2010. (PREFEITURA MUNICIPAL DE ORTIGUEIRA,
2013).
O municpio tambm guarda uma das maiores reservas remanescentes de
Mata Atlntica do Paran. A florada de plantas nativas como assapeixe, capixingui,
gabiroba, pitanga, lixa, gurucaia, aroeira vermelha, entre outras, garantem a
variedade e qualidade do mel da regio. (PREFEITURA MUNICIPAL DE
ORTIGUEIRA, 2013).
Com esse cenrio, trabalha-se o desenvolvimento econmico e social
atrelado ao desenvolvimento rural sustentvel. A apicultura passou a ser uma fonte
de renda alternativa e suplementar para famlias que vivem no interior do municpio
e tiram o sustento da produo rural. O programa APIS, de Apicultura Integrada e
Sustentvel, envolve a parceria da Prefeitura Municipal com o Sebrae, a Emater e a
Apomel (Associao dos Produtores Ortigueirenses de Mel), em busca da
sustentabilidade no setor. (PREFEITURA MUNICIPAL DE ORTIGUEIRA, 2013).
3.1 A Origem do Assentamento Libertao Camponesa
A ocupao original do Assentamento aconteceu por meio das trs fazendas
denominadas Renato e Ricardo Simes, Transparan e Santa Paula, ambas
conquistadas por meio de conflitos entre posseiros4 e safristas5 que praticavam a
agricultura de subsistncia e grileiros que buscavam a aquisio dessas reas
mediante a expulso destes agricultores. O safrismo desenvolvido por estes
agricultores era tambm praticado em todo o municpio, sendo caracterizado pelo
cultivo de roas de milho cuja produo destinava-se, exclusivamente,
alimentao de porcos criados de forma caipira e que, aps perodo de engorda,
eram comercializados em Tibagi. (MARQUES, 2005 p. 31).
4 Segundo Oliveira, 2007, Posseiros so aqueles camponeses que se recusando a pagar com
renda, abrem a seu modo a posse em terras devolutas, pblicas ou mesmo privadas. 5 Neste sistema o safrista desenvolvia a explorao mista da terra posseada, cultivando o solo para a
produo de milho, concomitante com o cultivo de produtos para a subsistncia (a roa), como o arroz e feijo, sendo que quando estivesse perto da colheita os porcos (corte magro) eram soltos na roa, l ficando at engordarem e se obter o porco tipo banha. (ALVES, 2004, p.64)
38
Aps o processo de grilagem6 a principal atividade desenvolvida nestas
terras foi pecuria e para tal o desmatamento definitivo da rea foi condio
essencial para a formao de pastagem o que ocorreu mediante parceria
envolvendo o proprietrio e agricultores arrendatrios, via mo de obra familiar.
Assim o fazendeiro cedia uma parcela de terras ao arrendatrio para o cultivo de
gros, sendo parte da produo obtida pelos agricultores, destinada ao pagamento
pela utilizao das terras.
Em sua forma menos desenvolvida, ou seja, pr-capitalista (porque ela teve existncia anterior ao modo capitalista de produo), ela diretamente produto excedente, por exemplo, a frao da produo entregue pelo parceiro ao proprietrio da terra, como pagamento pela autorizao que este lhe d para cultivar a terra. Portanto, produto excedente a parcela da produo alm da parte necessria subsistncia do trabalhador. (OLIVEIRA, 2007, p. 43).
Dessa maneira, se estabelecia as relaes de trabalho nestas terras, alm de
outras exigncias por parte do fazendeiro para estes arrendatrios no fim do
perodo do arrendamento.
Aps o trmino do contrato que se estendia por um perodo de trs a quatro
anos o arrendatrio se comprometia iniciar o plantio de gramneas ao desocupar a
terra, sendo tarefa obrigatria, pois caso contrrio o arrendatrio poderia pagar
multas por no cumprir o acordo.
No inicio da dcada de 1980, a rea que compunha a RR apresentava considervel conjunto de benfeitorias destacando-se a presena de um silo graneleiro, alm de Serraria e Cozinhador, destinados ao beneficiamento de madeiras extradas do desmatamento local ou provenientes de outros estados, principalmente do Mato Grosso do Sul. Tal matria prima foi amplamente utilizada no piqueteamento e delimitao da fazenda. (MARQUES, 2005, p.33).
Contudo, segundo informaes obtidas com os prprios assentados, o
fazendeiro se encontrava endividado e sem perspectivas para continuar tocando a
fazenda, em razo do seu estado de abandono em que se encontrava no momento
que iniciou o processo de acampamento.
Nenhuma outra atividade era exercida alm de algumas cabeas de gado
espalhadas em toda a rea que compunha a fazenda, as mangueiras de tratamento
de gado se encontravam em pssimo estado, com a madeira apodrecendo e
destelhadas, o barraco para armazenamento e secagem dos gros abandonado e
6 J a grilagem segundo o Dicionrio online de Portugus o ato de apossar de terras mediante
falsos ttulos de propriedade.
39
sem utilizao, no havia estradas e o deslocamento somente era possvel pelas
pessoas atravs de animais por estreitos carreadores na mata fechada.
No h muitas informaes a respeito sobre as iniciativas de negociao
desta fazenda, se foram por parte da ocupao do MST, ou do INCRA ou at
mesmo do prprio fazendeiro. O que se sabe segundo alguns assentados, que
no ocorreu resistncia ao movimento, pois quando acamparam nestas terras o
boato era de que j estavam negociadas.
O mapa 2, apresenta os assentamentos e comunidades do municpio de
Ortigueira. O acampamento foi formado em 1997 na antiga fazenda Renato e
Ricardo Simes, sendo mais conhecida como fazenda RR, com uma rea de
6.927,52 hectares que foram divididas para 170 famlias. (MARQUES, 2005).
Houve ento uma segunda fase de formao do assentamento quando
foram desapropriadas as fazendas de Santa Paula e Transparan com mais 242
famlias assentadas numa rea de 4.872,48 hectares. No entanto com relao a
esta fase houve dificuldades de informaes, pois o Plano de assentamento da
fazenda RR o nico documento referente ao assentamento. (MARQUES, 2005).
Assim estas duas fases de distribuio de terras resultaram na formao do
Assentamento Libertao Camponesa.
40
Mapa 2
Fonte: Jos Alves; 2004, e adaptado pelo autor deste trabalho, 2013.
41
3. 2 Formas de Ocupao Fase do Acampamento
O acampamento iniciou sua primeira fase entre novembro e dezembro de
1997, no interior da antiga fazenda Ricardo e Renato Simes nas proximidades da
sede da fazenda. Esta rea infraestrutura do local, em relao s colnias7 no qual
moravam antigos funcionrios da fazenda alm de um barraco onde funcionava o
processo de secagem e armazenamento de gros no perodo da produo. Os
acampados aproveitaram sua estrutura para se acomodarem melhor durante o
perodo de luta pela conquista dessas terras.
O acampamento foi organizado pelo MST com famlias oriundas das diversas
regies do pas, no qual se destaca uma parcela do nordeste especialmente do
estado da Bahia, outras do interior de So Paulo principalmente dos municpios de
Mato e Araraquara, outras vieram do sudoeste do Paran principalmente dos
municpios de Realeza, Capanema e cidades vizinhas. Muitas outras famlias
tambm foram includas neste processo, como os antigos funcionrios destas
fazendas que tiveram direito em conseguir seu lote. Outras eram filhos de famlias
de assentamentos vizinhos como o caso do Assentamento gua da Prata, mais
popularmente denominado de Incro localizado no municpio de Tamarana.
A maioria das famlias que veio do interior de So Paulo e sudoeste do
Paran, soube do acampamento atravs do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da
cidade de Mato, que em conjunto com o MST reuniam pessoas para o
acampamento. Contudo, estas famlias no vieram diretamente para Ortigueira na
antiga RR, pois estavam acampadas na fazenda Ing em Bela Vista do Paraso.
Segundo relato dos que participaram deste acampamento, o local chegou a reunir
cerca de trs mil famlias.
A organizao do MST no acampamento se dava com a diviso de grupos
que variavam entre 10 a 15 famlias, cada grupo tinha seu coordenador e havia
outro geral que comandava o acampamento junto com outros integrantes do MST.
Cada coordenador dos grupos convocava reunies para repassar informaes
novas em relao aos lotes ou para a resoluo de algum problema sobre o
convvio das famlias, quando o assunto era mais complexo, ou um problema muito
7 O termo colnias se refere a um grupo de casas de mesmo padro que foram construdas na
poca da fazenda, com o objetivo de hospedar trabalhadores temporrios e moradias para funcionrios.
42
grande, todos eram convocados em reunies gerais, no qual o lder geral
comandava as reunies.
Por meio de depoimento de familiares, as reunies geralmente eram muito
agitadas e iniciadas com muito entusiasmo, no qual o lder gritava a sigla. MST, e
todos respondiam Essa luta pr valer, Reforma Agrria e todos diziam
novamente Uma luta de todos, logo todos diziam num coro Ocupar, Resistir,
Produzir. Aps o trmino da reunio eram repetidas estas mesmas frases para
finalizar e todos poderiam se retirar.
O movimento tambm punia com muita severidade aqueles que cometiam
algum delito no acampamento; quando este era muito grave a punio chegava a
ser a expulso do indivduo; o roubo, por exemplo, era um delito que desde que
provado o crime, era passvel de expulso. Quanto a outros delitos como beber,
desrespeitar algum lder do movimento ou de qualquer outro acampado, este era
chamado para conversar primeiramente com o coordenador grupal e se no fosse
resolvido o problema era levado para a coordenao geral em que decidiam como
resolver o problema.
No que diz respeito a alimentao, cada famlia recebia uma cesta mensal do
governo atravs do INCRA, composta por: macarro, arroz, feijo, leo e farinha de
milho; o restante da feira deveria ser complementada pelos acampados,
trabalhando fora, geralmente por dia, nas fazendas vizinhas. A situao s foi
menos dificultosa para aqueles que recebiam o beneficio da aposentadoria, e,
mesmo sendo uma pequena quantia fazia a diferena dentre aqueles que eram
obrigados a procurar trabalho escasso na regio, alm de que este beneficio no foi
problema para os que desejavam possuir um lote, j que alguns dos entrevistados
j estavam aposentados no momento da distribuio dos lotes.
Aqueles que saiam para trabalhar nos assentamentos ou fazendas vizinhas
eram obrigados a caminhar cerca de 10 20 quilmetros passavam a semana
trabalhando por dia ou por empreita roando pastos ou colhendo caf, e retornavam
nos fins de semana. Quando a distncia era menor, muitos iam e voltavam todos os
dias para o acampamento.
Em relao ao deslocamento para a cidade, circulavam dois nibus de
particulares, que transportavam para as cidades de Tamarana, sendo 35 km de
distncia deste municpio at o assentamento, de segunda a sbado, uma vez por
dia, e para Ortigueira, trs vezes por semana, devido longa distncia, ou seja, 64
43
km, e ms condies das estradas o que tornava o valor da passagem mais caro.
Por este motivo, desde o processo da fase do acampamento as relaes comerciais
e sociais dos assentados com Tamarana foi sempre mais forte do que com
Ortigueira.
Para ocupar o tempo no acampamento aconteciam algumas atividades como
jogar futebol e aos domingos tomar banho no rio, ou at mesmo conversas
descontradas nos barracos, muitos tomando caf e outros chimarro entre os que
vieram do Sul do estado.
O processo de acampamento na antiga fazenda RR durou um ano e trs
meses e durante a distribuio dos lotes cada grupo foi para uma rea da fazenda
que foram denominadas conforme as caractersticas fsicas e histricas do local.
3.3 A Organizao do MST no Assentamento
Assim como no acampamento, o MST continuou com a mesma forma de
organizao no Assentamento; as famlias continuaram divididas em grupos e cada
comunidade era composta por dois ou trs grupos dependendo da quantidade de
famlias. Cada grupo tinha seu coordenador que era responsvel por resolver os
problemas e trazer informaes para a comunidade. Sendo assim, a organizao do
assentamento se deu, nesta poca, de forma integrada.
O primeiro benefcio r