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2018/2019
João Manuel Sales Brites Moita
Priorização explícita: uma solução para Portugal?
Explicit prioritization: a solution for Portugal?
março, 2019
João Manuel Sales Brites Moita
Priorização explícita: uma solução para Portugal?
Expicit prioritization: a solution for Portugal?
Mestrado Integrado em Medicina
Área: Administração Hospitalar
Tipologia: Monografia
Trabalho efetuado sob a Orientação de:
Doutora Guilhermina Rego
Trabalho organizado de acordo com as normas da revista:
Acta Médica Portuguesa
março, 2019
Índice
Resumo .................................................................................................... 2
Abstract ................................................................................................... 2
Introdução ............................................................................................... 3
Racionamento em saúde ..................................................................... 6
Holanda ................................................................................................. 7
Noruega ................................................................................................. 7
Suécia .................................................................................................... 8
Dinamarca ............................................................................................. 8
Comparação dos modelos ................................................................ 10
Portugal ................................................................................................. 11
Considerações finais .......................................................................... 12
Bibliografia ........................................................................................... 13
Anexos ................................................................................................... 14
1
Priorização explícita: uma solução para Portugal?
Explicit prioritization: a solution for Portugal?
João Moita
Faculdade de medicina da Universidade do Porto
Correspondência:
João Manuel Sales Brites Moita
Endereço: Rua Maria Feliciana n.152 HB402, 4465-280, São Mamede Infesta,
Matosinhos.
Telefone: 910361356
Email: [email protected]
2
Priorização explícita: uma solução para Portugal?
Resumo
Cada vez mais a sociedade tem conhecimento dos seus direitos, sendo a proteção da
saúde um pilar do estado social da maioria dos países ocidentais. A realidade
portuguesa, à semelhança da maioria dos países ocidentais, depara-se com um
crescimento dos gastos com a saúde, cada vez mais difíceis de suportar pelo orçamento
do estado. Neste sentido, é já reconhecida a necessidade de racionar os recursos
disponíveis, tendo já sido implementadas algumas medidas. No entanto, passados
alguns anos, a tendência para a insustentabilidade dos gastos com a saúde, mantem-
se. Em alguns países europeus e no estado norte americano de Oregon, foram
implementados modelos de priorização explícita. Os vários modelos, têm
especificidades próprias, bem como obtiveram resultados diferentes. Em Portugal, a
implementação de um modelo semelhante parece ser eminente, no entanto, tirar lições
dos erros cometidos pelos outros países, bem como dos sucessos obtidos, poderá ser
um fator decisivo para o sucesso de Portugal com o setor da saúde. Tendo a saúde
especificidades diferentes de outros bens, o maior desafio, será encontrar equilíbrio
entre princípios economicistas e éticos, de modo a que o novo modelo de estado que
se prevê, mesmo não prestando cobertura universal à população, seja legítimo, justo e
compreendido pela sociedade.
Palavras-chave: racionamento, priorização explícita, Portugal.
Abstract
The society is more and more aware of its rights, health protection being a pillar of the
social state of most Western countries. The portuguese reality, like most of the Western
countries, faces a growth in health spending, which is increasingly difficult to bear with
the state budget. In this way, the need to ration the available resources has already been
recognized and some measures have already been implemented. However, after a few
years, the trend towards the unsustainability of the health spending still exists. In some
European countries and in the North American state of Oregon, explicit prioritization
models have been established. These various models have their own specificities as well
as different results. In Portugal, the implementation of a similar model seems to be
eminent, however learning from the mistakes made by the other countries as well as
from the successes they obtained could be a decisive factor for Portugal’s success with
the health sector. The health being different from the other goods, the greatest challenge
will be to find a balance between economic and ethical principles, so that the new state
model that is expected, even if it doesn’t provide universal coverage to the population
will be legitimate, fair and understood by the society.
Keywords: rationing, explicit prioritization, Portugal.
3
Introdução
Na diversidade das sociedades ocidentais, das quais Portugal faz parte, existem
discrepâncias no que diz respeito aos indicadores de desenvolvimento humano e
económico, refletindo-se em diferentes formas de exercício da cidadania por parte das
suas populações. Porem, de uma forma geral, estas sociedades reconhecem o direito
à protecção da saúde, como um direito de natureza civilizacional conquistado por elas
mesmas, considerando mesmo, uma expressão da dignidade humana (1).
No entanto, ao longo das últimas décadas, a definição de saúde tem vindo a tornar-se
cada vez mais abrangente e transversal a várias dimensões humanas. A Organização
Mundial de saúde define saúde como “um completo bem-estar físico, mental e social e
não apenas a ausência de doença ou enfermidade”, considerando-se atualmente,
também componentes emocional, moral, social e espiritual (2) Esta visão cada vez mais
holística e integrada da saúde transmite à sociedade uma ideia de que a saúde é um
bem desejável por todos, como meio crucial de atingir uma possível felicidade, auto
realização ou mesmo auto transcendência (1).
Aliados a esta cada vez mais abrangente definição de saúde, o envelhecimento
populacional, o avanço tecnológico e a descoberta de novos e dispendiosos
tratamentos, a universalização do Sistema Nacional de Saúde (SNS) e a
consciencialização da população dos seus direitos enquanto cidadãos, fazem com que
a procura pelos serviços prestados pelo SNS tenda a aumentar (3).
Assim, cria-se um contexto em que o crescimento económico do país não acompanha
o aumento dos gastos com a saúde e consequentemente o peso do SNS no Produto
Interno Bruto (PIB) do país tende a aumentar (4,5). As seguintes medidas, surgem
então, como meios de manter a viabilidade do SNS (6):
- Limitação dos gastos;
- Disponibilização de mais recursos (materiais, tecnológicos ou humanos);
- Otimização da gestão dos recursos do SNS tornando-o mais eficiente;
- Criação de sistemas de priorização, em que certos tratamentos ou certas pessoas
passam a ter prioridade sobre outras;
- Aumento da comparticipação dos utentes
- Alternativas privadas
Se por um lado a disponibilização de mais recursos pode implicar a diminuição do
investimento do estado em outras áreas, como por exemplo a educação, fundamentais
ao desenvolvimento e manutenção de um estado estável e sustentável, por outro, limitar
os gastos, aumentar a comparticipação dos utentes ou recorrer a alternativas privadas
como seguros, iria contra a tendência que o SNS tem para a gratuitidade bem como
limitaria os cuidados de saúde apenas a práticas economicamente viáveis, podendo
estas não constituir o estado da arte para a medicina baseada em evidência (1, 7, 13).
Tudo isto, leva-nos a pensar que a otimização da gestão de recursos teria que ser posta
em prática antes de tudo, uma vez que limitar o acesso à saúde sem antes ter a garantia
que estão sendo feitos todos os esforços no sentido de gastar da forma mais eficiente
possível os recursos do estado, seria eticamente condenável (1).
4
No caso de Portugal, têm sido feitos esforços no sentido de aumentar a eficiência do
SNS e diminuir os desperdícios, sem pôr em causa os princípios fundamentais do nosso
SNS. Neste sentido, destacamos como medidas já implementadas, o New Public
Management (NPM) e a triagem de Manchester (8).
A necessidade de implementar o NPM, surge da incapacidade da gestão tradicional do
estado responder aos novos desafios económicos, tecnológicos e sociais, sendo
caracterizada por processos de gestão demasiado centralizado e burocráticos, deixando
o SNS menos ligado às comunidades e sem a flexibilidade necessária para responder
às questões que dela surgem, impedindo a otimização da gestão financeira do SNS (9).
A NPM consiste na delegação de órgãos de gestão do sector público a entidades
privadas que operam com uma lógica empresarial guiada pelas exigências da economia
de mercado. Esta empresarialização, torna possível, aplicar métodos de gestão privada
que visam essencialmente, aumentar a eficiência do SNS, maximizando a sua
produtividade e minimizando os custos associados, tanto quanto possível (9).
Com isto, o estado passou então, a ter mais um papel de regulador, e menos de
prestador de serviços (1). Este papel regulador do estado revela-se indispensável, uma
vez que, se o SNS, no controlo de uma gestão privada, seguisse uma lógica de mercado
pura que visa a eficiência e obtenção de lucros, sem haver uma regulação ética,
facilmente poderíamos pôr em risco os preceitos éticos em que se baseia o nosso SNS,
tais como a equidade e a universalidade, em nome de uma lógica baseada na obtenção
de lucros ou mesmo no utilitarismo (1). Assim, o papel regulador do estado tem como
objectivo garantir que a otimização da gestão do SNS pelo NPM, não ultrapasse os
limites impostos pela bioética.
A triagem de Manchester por sua vez, é um sistema de priorização explícita
implementado nos serviços de urgência dos hospitais em Portugal (9). Este sistema de
triagem prioriza casos que necessitam de intervenção urgente ao invés de atender os
doentes por ordem de chegada (9). Constitui assim, uma forma de gerir os recursos
disponíveis na urgência de forma mais eficiente, atribuindo menores tempos de espera
a casos mais graves e emergentes, algo facilmente compreendido e aceite pela
comunidade (9).
A triagem de Manchester e a NPM, começaram a ser implementadas nos anos de 2000
e 2002, respetivamente, anos em que as despesas com a saúde representavam cerca
de 8,5% do PIB (9, 10). Porém, mesmo com a melhora nos indicadores de eficiência
dos hospitais portugueses, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que em 2017
as despesas com a saúde constituíram cerca de 9% do PIB, confirmando o facto já
mencionado, que o aumento das despesas com a saúde crescem a um ritmo mais
acelerado que o crescimento do PIB (10).
Feitos os esforços possíveis, até ao momento, de modo a aumentar a eficiência do SNS,
os custos do mesmo mantem-se cada vez mais difíceis de suportar pelo estado.
Aumentar a carga fiscal dos contribuintes ou incluir taxas moderadoras poderia ser uma
solução, uma vez que os impostos dos portugueses representam 34,7% do PIB, abaixo
da média europeia de 39,3%, sendo que vários países com índices de desenvolvimento
humano superiores e economias mais estáveis e prósperas que a portuguesa,
apresentam valores superiores à média europeia, facto que poderia legitimar uma maior
contribuição por parte dos cidadãos (1). Porém, os cidadãos portugueses têm
rendimentos abaixo da média europeia, refletindo-se num fraco poder de compra,
quando comparados com cidadãos de outros países (1). Podemos então imaginar que
5
aumentar a carga fiscal, poderá criar um desconforto social e até mesmo um
abrandamento do crescimento económico do país.
Em outras sociedades onde a implementação do estado social é anterior ao caso
português, foram adotadas medidas de priorização explícita, onde certos tratamentos
foram excluídos do pacote de tratamentos oferecido pelo estado de modo a manter
viável sistemas de saúde que se não podem garantir todos os possíveis tratamentos a
todos os cidadãos, pelo menos garantem um determinado pacote básico de
tratamentos, respeitando assim, o princípio da igualdade de oportunidades (11).
Este trabalho tem como objetivo analisar os contextos em que a priorização explícita foi
implementada noutros países, bem como discutir os resultados económicos e sociais
obtidos, até que ponto os limites da bioética foram ou não ultrapassados, e qual a
possibilidade de aplicação de um modelo de priorização explícita no SNS português.
6
Racionamento em saúde
O SNS é visto pela sociedade como um dos pilares do no estado social. Ao aplicar
medidas de racionamento, estaremos a fazer um investimento em determinados
cuidados de saúde, em detrimento de outros. Estaremos a estabelecer prioridades num
setor delicado como é a saúde, algo sempre controverso (12), Porém, devido à
crescente procura de cuidados de saúde pela população, e aos recursos limitados do
SNS, racionar, torna-se inevitável (12).
Assim, a necessidade de racionar é já reconhecida pela maioria das pessoas, sendo
uma ideia implícita numa lógica de utilização dos recursos de forma justa e racional (5).
O SNS português oferece à população cobertura universal (13). Essa cobertura
universal, faz com que a definição explícita de prioridades e a limitação na prestação de
cuidados de saúde, como medidas de racionamento, seja ilegal em Portugal (8).
Neste sentido, os esforços feitos em Portugal para evitar gastos desnecessários, estão
implícitos nas práticas clínicas e de gestão, sendo as medidas definidas pelos
profissionais que atuam a estes níveis, recaindo sobre estes, uma carga de
responsabilidade que torna a prestação dos cuidados de saúde uma tarefa eticamente
complexa (8). Adicionalmente, população fica exposta aos juízos de valor de cada
profissional, havendo risco de serem aplicadas medidas que descriminem indivíduos ou
grupos de indivíduos, em nome de princípios economicistas ou utilitaristas, e que em
determinados contextos, podem não ser aprovados pela sociedade, gerando
sentimentos de injustiça e desagrado com o setor da saúde (1).
Através da priorização implícita, são criadas listas de espera, é diminuído ou mesmo
negado o acesso aos utentes, e a qualidade dos serviços prestados diminui (8). Este
cenário põe em causa a eficácia dos cuidados de saúde, bem como o princípio da
universalidade, por limitar o acesso à saúde apenas aos que satisfazem a lógica por
detrás das escolhas feitas por quem aplica as medidas de racionamento.
A necessidade de fazer escolhas e estabelecer prioridades de forma explícita no setor
da saúde revela-se, então, fundamental para o seu adequado funcionamento, sendo
importante refletir constantemente sobre o respeito pelos direitos fundamentais como
justiça e equidade (6).
Por outro lado, as inerentes desigualdades económicas existentes na sociedade, torna
também o estabelecimento de prioridades de forma explícita, eticamente legítimo, sendo
crucial para a obtenção de equidade na distribuição dos cuidados de saúde (6). Nesta
lógica, devemos priorizar populações mais desfavorecidas e com o acesso à saúde mais
limitado, de modo a tentar diminuir as desigualdades sociais.
Consequentemente, a realidade atual, obriga o setor da saúde a adotar medidas de
priorização, porem, estas, adotadas de forma implícita como acontece em Portugal, põe
em causa os princípios base do SNS, podendo transformar-se até num caso de injustiça
social.
Adotar medidas de priorização explícita baseadas em processos mais transparentes e
com maior participação da sociedade, poderia ser uma forma de restabelecer essa
justiça social.
Noruega, Holanda, Suécia, Dinamarca, desenvolveram princípios, de forma a orientar
os esforços de priorização, enquanto Reino Unido, Israel, Nova Zelândia e o Estado
7
Norte Americano de Oregon, estabeleceram grupos de trabalho para recomendar que
serviços devem ser providenciados pelo sistema de saúde (11). De seguida, iremos
abordar de forma breve, os esforços postos em prática por alguns desses países.
Holanda
Em 1990, foi criado na holanda um comité, com o objetivo de elaborar métodos e
princípios que serviriam de base para a definição de prioridades no sistema se saúde
holandês (11).
Os princípios definidos como prioritários foram (11):
• Necessidade, atribuído a qualquer intervenção com potencial benefício;
• Efetividade, que serviu para distinguir intervenções com evidência de trazer
benefício clínico, intervenções de benefício clínico limitado e intervenções sem
evidência de trazer qualquer benefício;
• Eficiência, que avaliaria cada intervenção com base na relação entre custos e
efetividade, estabelecendo uma efetividade mínima exigida para cada
intervenção de modo a justificar determinados custos;
• Responsabilidade individual, que tem como objetivo, excluir intervenções que
possam ser pagas individualmente, e não, deixar de tratar condições causadas
por estilos de vida entendidos como prejudiciais à saúde, correndo o risco de
serem feitas discriminações incompreendidas pela sociedade.
Foi então criado um pacote de serviços que seriam prestados pelo sistema de saúde
holandês, que iria conter cerca de 95% dos possíveis serviços disponíveis (11).
O comité, tentou incluir nas suas decisões, uma visão da comunidade sobre esta
problemática, bem como assumiu o princípio da solidariedade como inerente à
sociedade, como potencial influenciador das suas decisões, e não teve como objetivo
negligenciar populações mais vulneráveis (11).
Noruega
O governo norueguês criou uma comissão em 1987, com o objetivo de definir princípios
para a implementação de medidas de priorização (11). O único critério utilizado
inicialmente foi a gravidade da doença, tendo sido definidos cinco grupos consoante o
nível de gravidade.
Dez anos mais tarde, foi criada uma segunda comissão, que incorporou como princípios
básicos para a priorização, a efetividade e os custos dos tratamentos. Os serviços
prestados, foram então, divididos em quatro grupos: serviços fundamentais, serviços
suplementares, serviços pouco prioritários e serviços não prioritários. Assim, para
decidir em que categoria cada serviço deveria ser incluído, a comissão iria basear-se
nos critérios de gravidade, efetividade do tratamento e custos associados.
8
Com a criação desta segunda comissão, o governo pretendeu criar um sistema de
priorização que se baseasse no equilíbrio dos princípios definidos (11).
Foi também sugerido que fossem definidos grupos de especialistas, de modo a definir
prioridades específicas para cada especialidade (11).
Suécia
Em 1992, foi criada uma comissão formada por membros parlamentares e especialistas,
tendo definido como princípios básicos para o processo de priorização: dignidade
humana, necessidade e solidariedade, e custo-eficiência (8, 14). Com base nestes
princípios, foram formados cinco grupos baseados no tipo de doenças e tratamentos em
causa (8). No entanto, parte do poder de decisão foi atribuído a autoridades regionais
(14).
Em 1994, foi criada uma nova comissão com o objetivo de adicionar a opinião pública
aos princípios adotados pela comissão precedente (14).
Em 2001, foi criado o Centro Nacional de priorização para os cuidados de saúde. Apesar
de algumas guidelines produzidas por esta entidade terem sido adotadas, um relatório
publicado pela mesma, mostrou haver falta de transparência nas decisões de
priorização e falta de informação sobre os princípios base, por parte dos profissionais
de saúde (14).
Assim, em 2003, foi feita uma declaração de limitação dos cuidados de saúde, na
tentativa de estimular o debate sobre a importância desta problemática, e com isto,
foram criadas listas de serviços a deixar de ter prioridade (14). No entanto, este esforço
não foi observado com a atenção esperada por parte dos profissionais de saúde, e a
adesão às guidelines definidas, não sendo obrigatória, foi variável (14).
Tal como na holanda, a suécia atribui extrema importância ao princípio da solidariedade,
intrínseca à população, dando sempre atenção às populações vulneráveis (11).
Dinamarca
Em 1996 o Conselho Dinamarquês para a ética, promoveu os princípios de igualdade,
solidariedade, segurança e autonomia, como base do serviço de saúde (11). A estes,
viriam juntar-se os princípios de equidade, qualidade, custo-eficiência e democracia,
que seriam promovidos em equilíbrio com os já mencionados, de forma a manter o
sistema de saúde numa base ética de promoção da individualidade humana e da não
discriminação (11).
No entanto, não foram instituídas novas guidelines, tendo servido como argumento, as
diferentes necessidades dos vários prestadores de cuidados de saúde (14).
9
Oregon
No estado norte americano de Oregon, foi posto em prática a partir de 1989, um
processo de estabelecimento de prioridades no já implementado Medicaid (programa
criado no âmbito de facilitar o acesso aos cuidados de saúde aos mais carenciados).
O objetivo foi cobrir toda a população abaixo do limiar de pobreza, ao invés dos
anteriores 58% (11).
Ao contrário dos países previamente descritos, no estado de Oregon, a opinião pública
foi incorporada no processo desde o início, através de por exemplo, consultas públicas
(11).
Foi então criado um ranking para os serviços prestados pelo Medicaid, baseado tanto
na opinião da sociedade, como na relação custo-eficácia de cada tratamento (11). Este
método, gerou resultados controversos: o tratamento do linfoma de Hogkin, por
exemplo, apareceu no ranking como menos prioritário que tratamentos dentários
clinicamente não urgentes (11).
Assim, a comissão, rapidamente descartou os resultados obtidos, elaborando um novo
método que iria dar mais importância à opinião de profissionais de saúde e definiria
critérios menos estritos, não obstante, haver representantes da comunidade na
comissão (11).
Ainda assim, o resultado final deste método, foi um conjunto de normas de priorização
concretas, definidas explicitamente, retirando das mãos dos profissionais de saúde a
responsabilidade pela alocação de recursos disponíveis (16).
10
Comparação dos modelos
Em todos os modelos abordados, houve desde o início, uma discussão contínua sobre
a importância da transparência e do respeito pelos princípios éticos fundamentais.
Manter a transparência e o envolvimento do público nas tomadas de decisões,
revelaram-se dificuldades comuns a todos os grupos de trabalho abordados, sendo o
resultado das primeiras consultas públicas no estado de Oregon, um exemplo.
Sendo assim, devido a descrença no rigoroso cumprimento destes princípios, as
recomendações nem sempre foram suficientemente concretas e rigorosas, limitando
assim, a aplicação prática das mesmas.
Aqui, o estado de Oregon destaca-se dos países europeus, devido a rigidez do seu
modelo, tendo este produzido recomendações mais específicas e concretas, facilitando
a aplicação prática destas.
Outros países como Reino Unido, Israel ou Nova Zelândia, à semelhança do estado de
Oregon, produziram recomendações mais específicas, tendo tido também um impacto
prático mais significativo que os modelos europeus aqui abordados, que pelas
dificuldades éticas naturais do processo, estagnaram numa fase pouco concreta e mais
filosófica (11, 14).
Nos países com modelos mais rígidos, a aceitação social foi relativamente boa (11).
Num estudo feito na Austrália, a opinião pública revelou uma significativa compreensão
sobre princípios utilitaristas e economicistas e que a luz dos princípios éticos, devem
em certa medida, ser aplicados ao setor da saúde (15).
Porém, esta aceitação social pode ser posta em causa, devido a uma possível falta de
informação necessária por parte da sociedade, bem como pelo sentimento de
impotência relativamente as decisões tomadas pelos órgãos responsáveis (11).
11
Portugal
Aplicar um modelo de priorização explícita em Portugal, não significa necessariamente
que devemos passar pelas diversas etapas e problemas que os outros países passaram
(14). Em vez disso, podemos tirar lições destes exemplos.
Ficou claro que para aumentar os níveis de compreensão e aceitação social, é da
máxima importância garantir o máximo de transparência e envolvimento social, tanto
quanto possível. No entanto, como se observou no estado de Oregon, os mecanismos
de envolvimento social, nem sempre são perfeitos, obtendo resultados desanimadores.
Assim um dos desafios da criação de um modelo de priorização explícita, seria criar
meios de consulta social e de análise dos resultados, que garantam níveis de
transparência e rigor necessários.
De qualquer forma, consultar uma sociedade desinformada, seria também um exercício
pouco legítimo. Revela-se então, de máxima importância, estimular o debate social,
envolvendo as várias classes socias e profissionais.
Na área da saúde, os médicos possuem conhecimentos técnicos e éticos privilegiados,
sendo lhes dada muitas vezes, a responsabilidade de determinar preferências dos
consumidores da saúde (7). No delicado processo de estabelecimento de princípios e
normas para a priorização, em jeito de analogia, os médicos teriam um papel crucial,
transmitindo a melhor informação possível a sociedade e interpretando as opiniões e
preferências da mesma.
Assim, outro desafio, seria encontrar um equilíbrio entre os papeis das diferentes
classes na direção das tomadas de decisão, e a forma como estas classes seriam
representadas.
Por fim, estimular a responsabilidade individual, fornecendo aos cidadãos uma
educação para a saúde adequada, seria não só uma medida de saúde pública, uma vez
que grande parte do dinheiro gasto no setor da saúde e devido a doenças que podem
ser evitadas com as mudanças comportamentais, mas também uma medida de
democratização do conhecimento e da saúde, uma vez que transmitiríamos poder de
decisão aos cidadãos, algo que muitas vezes revela se difícil garantir na prática (17).
12
Considerações finais
A consciência da necessidade de conter os gastos com o sistema de saúde em Portugal
já existe, tendo sido feitas reformas nesse sentido. No entanto, não foram atingidos
ainda, os níveis de exigência ideias.
Ainda assim, através do exemplo de outros países, prevê se uma eminente mudança
de paradigma na prestação de cuidados de saúde em Portugal, com a priorização
explícita como solução futura e viável, desde que sejam aplicados e continuamente
revisitados, os princípios da bioética.
Em termos legislativos, teriam também que ser feitas alterações, sendo o consenso e a
aceitação social, o maior desafio.
Num possível novo paradigma aqui proposto, onde o estado deixa de disponibilizar
todos os cuidados de saúde que hoje disponibiliza, para além de um papel regulador,
seria também importante assumir a responsabilidade por educar a sociedade, de forma
a que fosse legítimo aplicar o princípio da responsabilidade individual.
Conclui-se assim, que a priorização explícita é uma solução viável para o sistema de
saúde português, e que é imperioso estimular o debate sobre o papel do estado na
sociedade, sobre a responsabilidade individual, e sobre o equilíbrio que será necessário
encontrar entre estes, visando a nova realidade que se prevê.
13
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14
Anexos
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