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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROFACULDADE NACIONAL DE DIREITO
MONOGRAFIA DE BACHARELADO EM DIREITO
O PRINCIPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO E O USO DO BAFÔMETRO
WILKER GONÇALVES FORTUNATOmatrícula: 104117339
ORIENTADOR: Prof. Afonso de Albuquerque Neto
NOVEMBRO 2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIROFACULDADE NACIONAL DE DIREITO
MONOGRAFIA DE BACHARELADO EM DIREITO
O PRINCIPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO E O USO DO BAFÔMETRO
__________________________________________WILKER GONÇALVES FORTUNATO
matrícula: 104117339
BANCA EXAMINADORA
PROF. ORIENTADOR: Prof. Afonso de Albuquerque NetoPROF.PROF.PROF.
NOVEMBRO 2010
1
As opiniões expressas neste trabalho são da exclusiva responsabilidade do autor.
2
Dedico este trabalho às minhas filhas Sophia e Camille, minhas lindinhas, por terem me dado
toda a inspiração e motivação necessárias à realização de minhas aspirações.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, pois foi a Ele que recorri em minhas orações nos momentos de desânimo e dificuldades, tendo sido plenamente atendido.Agradeço a minha avó, Dona Josefa, pessoa de coração imenso e que, por mais que eu acumule conhecimentos ao longo de minha vida, não posso deixar de ouvi-la, de acatar seus conselhos por demais sábios, mulher a quem dedico grande parte de minha formação como pessoa.Agradeço especialmente a minha mãe, Dona Nomeida, esta que nunca deixou de torcer pelo meu sucesso, de interferir quando necessário e me apoiar nos momentos oportunos.Meu obrigado muito especial a todos os professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas, onde iniciei meus estudos na área jurídica, principalmente ao Prof. João Braga, da disciplina Direito Constitucional, o qual teve relembradas suas lições neste trabalho.A todos os colegas e amigos, estudantes da Nacional, em especial à dedicada representante de minha turma, Liv Makino, a “Deusa Nipônica”, como foi carinhosamente chamada em nossa cerimônia de colação de grau.Por fim, agradeço aos queridos mestres da Nacional, balaustres no meu processo de formação.
4
RESUMO
O objetivo geral deste trabalho foi apresentar uma análise da Constituição Federal de 1988 face à Lei 11.705 de 2008, ou seja, a obrigatoriedade do teste etilométrico ou exame de sangue, sob o viés do princípio da não auto-incriminação. Para tanto, foram abordados os principais aspectos da Lei nº 11.705 de 2008, bem como os Princípios constitucionais relacionados com a nova redação do Código de Trânsito Brasileiro; analisados os fundamentos jurídicos, trazendo uma discussão acerca dos princípios e direitos constitucionais que protegem a intimidade do cidadão e que o desobrigam a produzir provas contra si mesmo; verificados os princípios constitucionais que justificam a normatização a respeito da obrigatoriedade do teste etilométrico ou exame de sangue e investigada a constitucionalidade da lei em questão, analisou-se a posição dos operadores jurídicos quanto à obrigatoriedade para os condutores que não apresentem indícios de violação de qualquer dispositivo legal a submeter-se ao teste etilométrico ou exame de sangue. Foi utilizada a pesquisa bibliográfica para o presente estudo. A conclusão que se impõe neste trabalho é a de que estamos diante de normas que, embora com visíveis imperfeições jurídicas, se abrem para o futuro objetivando impulsionar o amadurecimento da administração pública e do cidadão, bem como, de um ordenamento jurídico mais voltado para a coletividade. Falta aqui o respeito à legislação de trânsito pelos motoristas, o que a partir dessa consciência, os (maus) cidadãos, a despeito das campanhas educativas e instruções recebidas por meio diversos (mídia, curso de auto-escola, família), continuam a provocar acidentes de trânsito, onde normalmente existem vítimas graves, ou mesmo fatais, quando não permanecem com seqüelas pelo restante de sua existência.
Palavras-chave: bafômetro; não auto-incriminação; princípios.
5
SÍMBOLOS, ABREVIATURAS, SIGLAS E CONVENÇÕES
CONTRAN Conselho Nacional de TrânsitoCPP Código de Processo PenalCP Código PenalCTB Código de Trânsito Brasileiro
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................................................8
1 DOS PRINCÍPIOS NO DIREITO............................................................................12
1.1. NOÇÕES PRELIMINARES.........................................................................................121.2. DOS PRINCÍPIOS E DIREITOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS.....................................161.2.1. Princípio do contraditório e da ampla defesa...................................................161.2.2. Princípio da dignidade da pessoa humana......................................................171.2.3. Princípio da presunção de inocência...............................................................191.2.4. Princípio da legalidade.....................................................................................191.2.5. Princípio da supremacia do interesse público..................................................211.2.5. Princípio da proporcionalidade........................................................................211.3. DIREITO A INTIMIDADE...........................................................................................221.4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE JUSTIFICAM A NORMATIZAÇÃO A RESPEITO DA OBRIGATORIEDADE DO TESTE ETILOMÉTRICO.................................................................24
2 DO PRINCÍPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO.................................................26
2.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS......................................................................................262.2. ORIGEM HISTÓRICA...............................................................................................272.3. FUNDAMENTO NATURAL.........................................................................................292.4. CONTEÚDO E DELIMITAÇÃO DO SENTIDO E ALCANCE...............................................302.5. O DIREITO AO SILÊNCIO É SÓ UMA PARTE DO DIREITO DE NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO. 302.6. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DO DIREITO DE NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO............................312.7. OBRIGATORIEDADE OU NÃO: A POLÊMICA...............................................................322.7.1. O poder de polícia e os direitos individuais.....................................................332.7.2. Ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo.......................................35
3 LEGISLAÇÃO, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA...............................................36
3.1. NOÇÕES GERAIS...................................................................................................363.2. ASPECTOS GERAIS E A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N.º 11.705/2008............373.4. TESTE DO BAFÔMETRO E OBRIGATORIEDADE PARA FINS DE UTILIZAÇÃO NA ESFERA PENAL......................................................................................................................... 403.5. POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA...............................................................................43
CONCLUSÃO............................................................................................................45
REFERêNCIAS..........................................................................................................49
7
INTRODUÇÃO
O presente trabalho se propõe a analisar a questão inerente ao princípio da
não auto-incriminação e o uso do bafômetro no direito brasileiro à luz dos
dispositivos constitucionais e da legislação esparsa, bem como, do posicionamento
de nossos tribunais diante da vedação que a legislação traz quanto à produção de
provas contra a própria pessoa.
O tema aqui proposto neste contexto é bastante peculiar dentro da
sistemática nacional e sua complexidade é reconhecida diante dos elementos que
se acentuam, ainda mais diante do tratamento jurisprudencial e doutrinário
dispensada à questão nos últimos tempos, frente às opiniões distintas entre o direito
positivado e a jurisprudência pátria.
Essa discussão ganha destaque, uma vez que a maioria da população
brasileira, já tomou conhecimento do questionamento sobre a obrigatoriedade ou
não da realização do teste do bafômetro ou de exame de sangue ao ser parado por
uma blitz policial, em especial nos finais de semana, onde existem pessoas que
costumam ingerir socialmente bebidas alcoólicas.
Pois bem, quanto a essa temática pairam inúmeras dúvidas e certezas na
seara do direito brasileiro; daí o intuito principal deste trabalho que é deixar clara a
visão doutrinaria e jurisprudencial quanto a essa exigibilidade e quanto ao direito do
cidadão de não produzir prova contra si em razão da máxima insculpida pelo
princípio da não auto-incriminação.
Assim sendo, ao se analisar os benefícios que a Lei n. 11.705/2008 traz
restringindo o uso do álcool ao volante, tal legislação não determina uma situação
paradigmática? Apesar das benesses advindas com a restrição, a intimidade do
cidadão esta sendo violada com a obrigatoriedade do teste etilométrico (Bafômetro)
ou exame de sangue ao se pretender que o mesmo produza prova contra si em
ofensa ao principio do “nemo tenetur se detegere”.
O ponto limitador para a compreensão do tema aqui proposto está no fato de
que este princípio não se encontra expressamente previsto pela Carta Política, no
entanto, trata-se de um princípio constitucional interpretado extensivamente em
consonância com outros dispositivos da própria Carta Magna.
8
Contudo a hipótese básica de pesquisa a ser desenvolvida neste trabalho é a
análise da lei 11.705/2008, a partir da edição da Constituição Federal de 1988, sobre
a obrigatoriedade do uso do etilômetro ou do exame de sangue, considerando-se, de
um lado, seus efeitos benéficos e, de outro, a violação da intimidade do cidadão e a
intenção de que produza prova contra si.
Sobre tudo referente ao condutor de veículo automotor que não esteja
apresentando indícios de violação de qualquer dispositivo legal, ou seja, o condutor
que não tenha ingerido bebida alcoólica e se recusa a realizar qualquer dos
procedimentos para a aferição do teor alcoólico, vindo a ser penalizado.
Diante desses paradigmas, para compreensão do instituto vários recursos
podem ser utilizados, como a análise conceitual de princípios, a definição doutrinária
do principio objeto deste trabalho, entre outros pontos relevantes, entretanto,
conceituar e definir referido princípio sob a ótica da doutrina clássica do direito é
uma das formas que traz ao contexto boa organização.
Diante das peculiaridades que o tema engendra, para a fiel e prática
conclusão acerca desta temática, o presente trabalho será divido em três capítulos,
que diametralmente irão posicionar o leitor e os estudiosos da matéria acerca das da
legalidade desta exigência pelo teste do bafômetro nos motoristas em confronto com
o principio da não auto-incriminação.
Sendo assim, será objeto deste trabalho, no capitulo preliminar far-se-á uma
breve exposição conceitual doutrinaria sobre princípios, propriamente dito, em
particular, porque os princípios são normas que inspiram a disciplina e se prestam a
auxiliar concretamente casos em concreto.
Num segundo momento deste contexto cabe definir e conceituar o princípio
da não auto-incriminação, objeto deste tema, onde buscamos explanar desde a
origem histórica do principio, sua fundamentação natural, conteúdo e limitação,
natureza jurídica do princípio enquanto direito fundamental e ainda, o direito ao
silencio como gênero deste princípio.
No capítulo derradeiro, a discussão se volta à análise específica da questão
lançada ao debate, que é a obrigatoriedade ou não do teste do bafômetro sob o viés
do principio da não auto-incriminação, ao amparo da ótica legislativa, doutrinária e
jurisprudencial patente no Brasil.
9
Neste capítulo final volta-se a discussão para os principais aspectos da Lei nº
11.705 de 2008, bem como os Princípios constitucionais relacionados com a nova
redação do Código de Trânsito Brasileiro e seus fundamentos jurídicos, trazendo
uma discussão acerca dos direitos constitucionais que protegem a intimidade do
cidadão e o desobriga de produzir provas contra si mesmo.
Justifica-se a propositura do tema o fato de que apesar da compreensão e do
posicionamento favorável à aplicação da Lei n.º 11.705/2008, acredita-se que ela
possa de certa forma violar algumas garantias constitucionais, como, por exemplo,
o direito ao silêncio, ou seja, a não incriminação; bem como o princípio da ampla
defesa e do contraditório, além da dignidade da pessoa humana, estes erigidos pela
Constituição Federal de 1988.
O objetivo geral deste trabalho está focado em apresentar a análise da
Constituição Federal de 1988 face à Lei 11.705 de 2008, ou seja, a obrigatoriedade
do teste etilométrico ou exame de sangue através do princípio da não auto-
incriminação e, especificamente, as seguintes questões:
a) Abordar os principais aspectos da Lei nº 11.705 de 2008, bem como os
Princípios constitucionais relacionados com a nova redação do Código de
Trânsito Brasileiro;
b) Analisar os fundamentos jurídicos, trazendo uma discussão acerca dos
princípios e direitos constitucionais que protegem a intimidade do cidadão e
o desobrigue de produzir provas contra si mesmo;
c) Verificar os princípios constitucionais que justificam a normatização a
respeito da obrigatoriedade do teste etilométrico ou exame de sangue;
d) Investigar a constitucionalidade da lei em questão, analisando a posição
dos operadores jurídicos quanto à obrigatoriedade para os condutores que
não apresentem indícios de violação de qualquer dispositivo legal
submeter-se ao teste etilométrico ou exame de sangue.
A metodologia de pesquisa utilizada para elaboração deste trabalho de
conclusão de curso é o método dedutivo, proposto por filósofos racionalistas como
Descartes, Spinoza e Leibnitz, segundo os quais só a razão é capaz de levar ao
conhecimento verdadeiro. Este método é muito usado nas ciências exatas, cujos
princípios podem ser enunciados como leis, pois para o estudo e para a pesquisa
10
parte-se de premissas reconhecidas como verdadeiras, possibilitando-se chegar às
conclusões em virtude da lógica pura e simples.1
A técnica empregada foi feita no campo teórico, pela leitura bibliográfica da
doutrina clássica do direito constitucional, da legislação de trânsito e penal, os
entendimentos jurisprudenciais, de artigos de revista, periódicos, internet e outros
meios disponíveis e facilitadores da textualização, destacadas ao longo do estudo,
numa seqüência lógica e útil àqueles que buscam conhecer do assunto.
1 CARVALHO, Natalia. Metodologia Científica. Marília: Fundação Unimed, 2007, p. 13.
11
1 DOS PRINCÍPIOS NO DIREITO
Será objeto deste capitulo preliminar uma breve exposição conceitual-
doutrinária sobre princípios, porque os princípios são normas que inspiram a
doutrina e se prestam a auxiliar os operadores nos casos em concreto.
1.1. NOÇÕES PRELIMINARES
Um dos temas de muita discussão no ordenamento jurídico é a natureza
jurídica dos princípios, onde se busca compreender se eles são meras diretrizes ou
verdadeiras normas jurídicas para nortear a aplicação do direito. Não se pode
olvidar, neste trabalho, a análise dos princípios que norteiam as relações entre o
estado e a sociedade frente ao tema aqui lançado.
A dogmática constitucional moderna reconhece que toda sociedade deve ser
regida por determinados valores, que constituem os postulados do agrupamento
coletivo; sendo assim, para que haja uma sociedade, é essencial uma comunhão de
valores que indiquem as diretrizes de conduta social a serem adotadas pelo grupo
social e pelos entes federados em respeito as pessoa e aos bens.
Assim, vê-se claramente que os princípios jurídicos representam os valores
materiais que a sociedade elegeu como sendo a justiça; constituem as proposições
do direito e vinculam-se aos valores fundamentais da sociedade, exprimimindo o que
foi por ela eleito como sendo o justo.
Um princípio no direito é o enunciado lógico que serve de vetor para soluções
interpretativas dos aplicadores da ciência do direito. Quando examinado com visão
de conjunto, confere coerência geral ao sistema, exercendo função dinamizadora e
prospectiva, refletindo a sua força sobre as normas constitucionais e
infraconstitucionais para a expressão da justiça.
Para que um ramo jurídico seja autônomo, é preciso que reúna uma série de
requisitos em sua essência, entre os quais estão elencados os princípios diretores e
inspiradores dos caracteres que o distinguirão dos demais ramos jurídicos. Estes
são conhecidos dentro da ciência do direito porque atuam supletivamente e
12
preenchem lacunas e, finalmente, atuam como elemento de interpretação das
normas em benefício dos bens tutelados.
De antemão, cumpre esclarecer brevemente o termo princípio dentro da
ciência do direito, que em regra, a expressão parece designar o começo ou início de
alguma coisa, porém, em termos jurídicos, é muito mais amplo; a doutrina em geral
atribui várias funções distintas para os princípios.
A expressão “princípio” na ordem jurídica, e de um modo geral, é bastante
equivocada à medida que tem em sua definição sentidos diversos, variáveis
conforme a ótima de observação e finalidade a qual se presta.
Parte da doutrina nacional afirma categoricamente que os princípios permitem
a correta interpretação do sistema jurídico; outra parte afirma que eles são fontes
jurídicas; e existe outra parcela que o atribui qualidade de mecanismo de conexão
das várias partes da norma, e assim caminham os ensinamentos, mas de maneira
bem simplista, pode se definir princípio trazendo sua finalidade, que “é a de alicerçar
uma estrutura, garantir a sua existência e a sua aplicabilidade”.
Para o professor Miguel REALE, princípios são:
Verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, e também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis.2
Já para o jurista José Afonso da SILVA:
Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens constitucionais. Mas, como disseram os mesmos autores, os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípios e constituindo preceitos básicos da organização constitucional.3
No universo jurídico, há várias correntes que buscam estudar a origem dos
princípios, abordar-se-á aqui demonstrativamente o conceito de apenas duas das
mais relevantes, que são a concepção jusnaturalista e a concepção positivista.
Segundo Amauri Mascaro NASCIMENTO os princípios, segundo a corrente
jusnaturalista são:
[...] metajurídicos, situam-se acima do direito positivo, sobre o qual exercem uma função corretiva e prioritária, de modo que prevalecem sobre as leis
2 Lições preliminares de direito. São Paulo, Saraiva, 2000, p. 299.3 Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 92.
13
que os contrariam, expressando valores que não podem ser contrariados pelas leis positivas, uma vez que são regras de direito natural.4
Ainda conforme lições deste autor, os princípios, segundo a corrente
positivista:
[...] estão situados no ordenamento jurídico, nas leis em que são plasmados, cumprindo uma função integrativa das lacunas, e são descobertos de modo indutivo, partindo das leis para atingir as regras mais gerais que delas derivam, restritos, portanto, aos parâmetros do conjunto de normas vigentes, modificáveis na medida em que os seus fundamentos de direito positivo são alterados.5
Dentro do estudo dos princípios, conforme a doutrina encontra-se a discussão
quanto à dimensão que estes atingem dentro do ordenamento jurídico, tendo
princípios cuja validade alcança todo o ordenamento jurídico mundial, ou seja, vale
para todos (princípios gerais), enquanto outros princípios possuem validade
exclusiva dentro da esfera jurídica de um determinado país (princípios nacionais).
No tocante a ciência do Direito, é possível afirmar que os princípios
constituem verdadeiras proposições lógicas, servindo de base para todo um sistema
jurídico.
E nesse sentido, segundo lição de Roque Antônio CARRAZA, tem-se que:
[...] princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam.6
Para o autor Celso Antônio Bandeira de MELLO, princípio jurídico é:
Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce deste, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas comparando-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. 7
Em complemento as definições principiológicas as lições de Celso BASTOS
ensinam que:
4 Curso de Direito do Trabalho. 19ª Ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 341.5 NASCIMENTOS, 2004, Ob. cit., p. 341.6 Curso de Direito Constitucional Tributário. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1995, p. 29.7 Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2000, p. 68
14
[...] nos momentos revolucionários, resulta saliente a função ordenadora dos princípios. [...] Outras vezes, os princípios desempenham uma ação imediata, na medida em que tenham condições para serem auto-executáveis. Exercem, ainda, uma ação tanto no plano integrativo e construtivo como no essencialmente prospectivo. [...] Finalmente, uma função importante dos princípios é a de servir de critério de interpretação para as normas. Se houver uma pluralidade de significações possíveis para a norma, deve-se escolher aquela que a coloca em consonância com o princípio, porque, embora este perca em determinação, em concreção, ganha em abrangência.8
A palavra de origem latina, principium, significa um som, uma voz, que projeta
idéia de pressuposto, começo, origem, início, ponto de partida. Nesse horizonte,
oportuna a célebre frase de Gaius: “o princípio é a parte mais importante de
qualquer coisa”.9
De fato, os princípios constituem uma orientação, um norte, uma diretriz para
aquele que exerce a função jurisdicional. Entretanto, sua função não se resume
unicamente a esse fim, uma vez que consiste, ao mesmo tempo, em uma limitação
ao arbítrio do julgador. Opera, pois, como diretriz, mas também como preceito legal.
Corroborando com tais afirmações, as palavras dos doutrinadores Fábio
Ramazzini BECHARA e Pedro Franco de CAMPOS, nos dá conta que:
Constituem as idéias fundamentais e informadoras da organização jurídica de uma nação. Os princípios gerais do direito não são meros critérios diretivos nem juízos de valor simplesmente, são autênticas normas jurídicas em sentido substancial, pois estabelecem modelos de conduta.10
Portanto enquanto vigas mestras do ordenamento jurídico, os princípios
devem ser observados integralmente, sendo sempre considerado tanto na
elaboração, quanto na interpretação e aplicação da norma jurídica. E quanto a este
ultimo, cobra do operador jurídico, sensibilidade para que possa identificar o correto
alcance que deve ser dado à norma, quando de sua aplicação ao caso concreto, de
forma a evitar a injustiça.
1.2. DOS PRINCÍPIOS E DIREITOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS
8 Curso de direito constitucional. 21ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 55-56.9 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 69.10 Princípios Constitucionais do Processo Penal. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6348> Acesso em 12.10.10, p. 01.
15
A Constituição Federal elevou ao nível de normas constitucionais alguns
princípios relativos à proteção da pessoa humana. Pode-se encontrar no texto
constitucional vários preceitos que eternizam tais princípios. Portanto, se verifica a
existência de uma linha tênue entre os princípios constitucionais relativos à proteção
da pessoa humana e os direitos e garantias fundamentais desta.
A constitucionalização dos princípios, direitos e garantias fundamentais da
pessoa humana, levou a uma maior divulgação destes perante a sociedade
brasileira, sendo muito comum hodiernamente se ouvir em conversas, comentários
do tipo “ninguém pode ser obrigado a fazer isto ou aquilo, tendo em vista que a
Constituição resguarda o direito da fazer ou deixar de fazer”.
Logo, o processo de constitucionalização auxiliou a elevar tais princípios,
direitos e garantias fundamentais, a uma posição de destaque no ordenamento
jurídico. Ao elevar os direitos e garantias fundamentais ao nível de norma
constitucional, o legislador constituinte, promoveu o surgimento de um mecanismo
mais eficiente capaz de orientar a aplicação da norma.
Oportuno então esclarecer ainda sobre o tema princípios no direito brasileiro,
aqueles princípios que guardam relação com a questão aqui trazida a debate, uma
vez que, enquanto direitos constitucionais protetores da pessoa humana,
desobrigam estes de produzirem provas contra si mesmo e são eles: princípio do
contraditório e da ampla defesa, princípio da dignidade da pessoa humana, princípio
da presunção de inocência, principio da legalidade, princípio da supremacia do
interesse público e o princípio da proporcionalidade, analisados a seguir.
1.2.1. Princípio do contraditório e da ampla defesa
O poder de agir em juízo e o de defender-se de qualquer pretensão de outrem
representa a garantia fundamental da pessoa para a defesa de seus direitos e
compete a todos indistintamente, pessoa física ou jurídica, brasileiros ou
estrangeiros, como atributo da personalidade pertencente à categoria de direitos
cívicos.11
11 LIEBMAN, Apud., SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 431.
16
O princípio aqui comentado é uma garantia constitucional destinada a todos,
para utilização de todos os meios admitidos pelo direito para a demonstração da
verdade fática. O Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa é assegurado pelo
artigo 5º, inciso LV da Carta Política12, como corolário do devido processo legal,
caracterizado pela possibilidade de resposta em processo judicial ou administrativo
em que figura como réu.
E, como se não bastasse tanta clareza, o legislador Constituinte de 1988 com
sapiência acentuou logo nos primeiros dispositivos da Carta Política que: “ninguém
será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, inteligência
do inciso LIV do referido artigo supra mencionado, resguardando assim todas as
garantias processuais que podem preservar a dignidade da pessoa humana,
máxima insculpida pela norma constitucional.
No meio processual, especificamente na esfera do direito probatório, ele se
manifesta na oportunidade em que os litigantes têm de requerer a utilização dos
meios probatórios e de participarem de sua realização, assim como também de se
pronunciarem a respeito de seu resultado.13
1.2.2. Princípio da dignidade da pessoa humana
A análise do princípio da dignidade humana neste contexto tem sua
importância revelada, tendo em vista sua incidência em qualquer área do direito, ou
seja, em razão de sua amplitude.
A dignidade da pessoa humana, mais do que ser uma garantia fundamental, é
um princípio que serve de base para todo o ordenamento jurídico pátrio bem como
para nortear as condutas dos agentes públicos e sociais. Isto pode ser verificado,
tendo em vista o disposto anteriormente.
O legislador constituinte elevou à categoria de princípio fundamental da
República a dignidade da pessoa humana (um dos pilares estruturais fundamentais
12 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:(...);LV – Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.13 MORAES, 2007, Ob. cit., p. 264-265.
17
da organização do Estado brasileiro), previsto no art. 1º, inciso III da Constituição de
1988. Cabe aqui dizer que agir com respeito à dignidade da pessoa é uma forma de
garantir a consecução dos demais princípios, direitos e garantias fundamentais
reservados pela Carta Magna.
Nesse sentido Alexandre de MORAES, nos dá conta que:
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.14
E conforme leciona o jurista José Afonso da SILVA, temos que:
A dignidade da pessoa humana encontra-se no epicentro da ordem jurídica brasileira tendo em vista que concebe a valorização da pessoa humana como sendo razão fundamental para a estrutura de organização do Estado e para o Direito. 15
A por fim, esclarecendo acerca do princípio em estudo o professor Nelson
NERY leciona que:
É o fundamento axiológico do Direito; é a razão de ser da proteção fundamental do valor da pessoa e, por conseguinte, da humanidade do ser e da responsabilidade que cada homem tem pelo outro.
E, em defesa ao princípio da dignidade da pessoa humana, enquanto máxima
principiológica insculpida pela Carta Política, o Ministro Celso de Mello, em suas
decisões defende que a dignidade humana é o preceito central de nosso
ordenamento jurídico, cuja expressão é vetor elevado, como um verdadeiro valor-
fonte que compõe e guia todo o ordenamento jurídico do país, sem esquecer que
serve de base para toda a fundamentação da ordem democrática.16
14 Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 5ª ed., São Paulo: Atlas, 2005, p.128.15 SILVA, 2002, Ob. Cit.., 146.16 Apud.,LIMA, Renata Fernandes. Princípio da dignidade humana, Direitos Humanos, sociedade. Disponível em < http://www.webartigos.com/articles/14076/1/PRINCIPIO-DA-DIGNIDADE-DA-PESSOA-HUMANA-/pagina1.html> Acesso em 07.11.10, p. 01.
18
1.2.3. Princípio da presunção de inocência
A Constituição Federal estabelece que ”ninguém será considerado culpado
até o transito em julgado de sentença penal condenatória”, consagrando a
presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado de Direito como
garantia processual, visando à tutela da liberdade pessoal. Dessa forma, é mister do
Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, que é constitucionalmente
presumido inocente, sob pena de voltar ao total arbítrio estatal da antiguidade.17
O princípio da presunção de inocência ou do estado de inocência,
desdobramento do princípio do devido processo legal, consagra-se como um dos
princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à
tutela da liberdade pessoal de cada indivíduo.
A presunção de inocência é uma presunção júris tantun, que exige para ser
afastada a existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de
um devido processo legal e com a garantia de ampla defesa. Desta forma, a
presunção de inocência condiciona toda condenação a uma atividade probatória
produzida pela acusação e veda, taxativamente, a condenação, inexistindo as
necessárias provas.18
Logo, o referido princípio consubstancia-se no direito de não ser declarado
culpado senão mediante sentença judicial com trânsito em julgado, ao término do
devido processo legal e para a destruição da credibilidade das provas da acusação.
1.2.4. Princípio da legalidade
Segundo Celso Antônio Bandeira de MELLO “este é o princípio capital para a
configuração do regime jurídico-administrativo”, ou seja, dentre todos os princípios
aplicáveis à Administração Pública, afirma o renomado doutrinador que “o da
legalidade é específico do Estado Democrático de Direito, é justamente aquele que o
qualifica e que lhe dá a identidade própria”.19
Diógenes GASPARINI (2003, p. 7/8) sobre referido princípio explica que:
17 MORAES, 2007, Ob. cit., p. 277.18 MORAES, 2007, Ob. cit., p. 277.19 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 91.
19
O princípio da Legalidade significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação.20
Ou seja, o administrador público na administração da máquina pública, está
preso ao comando, limites e direitos fixados pela lei, não podendo afastar-se da
mesma sob pena de invalidade de todos os atos praticados; o seu campo de
atuação, como se vê, é bem menor que o do particular.
De fato, o particular pode fazer tudo que a lei permite e tudo que a lei não
proíbe, enquanto que o agente estatal somente poderá fazer o que a lei autoriza e,
assim, quando e como autorizado pela norma.21
Em se tratando da atividade pública de licitação e contratação de serviços,
Celso Antônio Bandeira de MELLO ao estudar a Lei 8.666/93, esclarece que:
Explicitação concreta do princípio da legalidade encontra-se no art. 4º da lei, segundo o qual: “Todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta Lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos.22
A lei ressalva a liberdade que possui a Administração Pública de definir as
condições da contratação administrativa. Concomitantemente, estrutura o
procedimento licitatório à medida que restringe a discricionariedade a determinadas
fases ou momentos específicos, bem como, dá liberdade a todo e qualquer cidadão
de acompanhar o processo de contratação efetivado pela administração, para
verificar o cumprimento dos atos por parte da Administração Pública e dos
participantes, se em consonância com a lei. Tudo isto de modo a assegurar a
realização de um processo com respeito aos mais elevados anseios de justiça.
Sem dúvida a legalidade contribuiu para conferir segurança àqueles que
tratam com qualquer entidade pública e, mais ainda, para assegurar a
indisponibilidade dos bens públicos, uma vez que qualquer atuação equivocada, por
parte de um agente público, poderia acarretar a nulidade do ato e, a
responsabilidade da entidade em relação aos prejuízos suportados por terceiro. 20 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 8ª Ed., São Paulo: saraiva 2003, p. 7.21 GASPARINI, 2003, Ob. cit., p. 8.22 MELLO, 2003, Ob. cit., p. 491.
20
1.2.5. Princípio da supremacia do interesse público
Importante explicar o princípio da predominância do interesse público,
também chamado de princípio da finalidade pública, uma vez que este, conforme se
verá mais adiante neste estudo, também guarda relação com o tema aqui lançado.
Este princípio leva em conta o interesse que se pretende proteger. Proclama
a superioridade do interesse coletivo, firmando a prevalência dele sobre o particular.
A posição de supremacia significa que o Poder Público se encontra em situação de
comando sobre os particulares e tem função indispensável na gerencia dos
interesses de ordem pública. 23
Nada mais é que um dever, conforme disposição estrita da lei, de curador do
interesse público nas relações com os particulares. Vale dizer, ainda sobre o
princípio da supremacia do interesse público que as pessoas administrativas não
têm disponibilidade sobre os interesses públicos que lhe são confiados.24
1.2.5. Princípio da proporcionalidade
Outro preceito constitucional que se liga intimamente com a temática deste
estudo é o princípio da proporcionalidade no direito brasileiro. Nasce exatamente
como o equacionador da colisão dos princípios fundamentais existentes, a ser
empregado pelo operador do direito no julgamento dos valores que necessitarão
preponderar no caso concreto em análise. Assim tem-se que "o princípio da
proporcionalidade quer significar que o Estado não deve agir com demasia,
tampouco de modo insuficiente na consecução dos seus objetivos".25
1.3. DIREITO A INTIMIDADE
23 MELLO, 2003, Ob. cit., p. 6024 Idem.25 FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 56.
21
Neste tópico esclareceremos acerca do direito a intimidade, sendo este
aquele princípio que em sua essência salvaguarda um espaço intimo intransponível
por intromissões ilícitas externas.26
Noutros termos, consiste na faculdade de cada indivíduo de inibir a ingerência
de terceiros na vida privada e familiar, bem como de impossibilitar a divulgação de
informações sobre sua vida pessoal.27
Sobre a intimidade, leciona Maria José Oliveira Lima ROQUE que está guarda
analogia com a vontade pessoal de cada indivíduo, com a necessidade de
exposição de cada um e, além disso, de retração frente às demais pessoas,
conservando para si, “seus pensamentos, seus desejos, suas informações
pessoais”.28
A idéia principal acerca da intimidade, em regra, é que ela integra a
personalidade do indivíduo, este que é o único personagem que tem plena liberdade
perante o direito de dispor de sua vida da forma como entender conveniente.
Sobre a intimidade Eduardo Novoa MONREAL enaltece que ela é o
repositório de segredos e particularidades do foro moral e íntimo do indivíduo,
embora não tivesse considerado desta forma a Constituição Federal de 1988. 29 O
querer manter total ou parcialmente informações relativas à vida intima da pessoa
em sigilo, reflete um desejo particular, que o Direito pretendeu limitar.
Nesse panorama, Paulo José da COSTA JUNIOR acrescenta:
A intimidade é a personalidade parte do indivíduo; é a parte que lhe é intrínseca, pois através dela a pessoa poderá adquirir e defender os demais bens. É da personalidade que emanam os demais bens jurídicos; nesse sentido é que afirmamos que a intimidade integra a personalidade do indivíduo.30
Assim, o conceito de intimidade relaciona-se com as relações de trato íntimo
da pessoa, em suas relações familiares e de amizade.31 E diante disso a 26 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais – teoria geral. 8ª ed., São Paulo: Atlas, 2007, p. 128.27 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1989, 2 v, p. 63.28 Apud., MARCOCHI, Marcelo Amaral Colpaert; CHECA JUNIOR, Reinaldo Ribeiro. A garantia constitucional da intimidade e a quebra do sigilo bancário consoante a Lei Complementar nº 105/2001. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3756> Acesso em 13.10.10, p. 0129 Apud., SILVA, 2002, Ob. cit., p. 207.30 Apud., MARCOCHI, 2002, Ob. cit., p. 01.31 FERREIRA FILHO, Manoel. Comentários a Constituição brasileira de 1988. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1997, p. 35.
22
Constituição da República Federativa do Brasil tutela a intimidade em seu artigo 5º,
inciso X, a seguir:
Art.5º. (omissis):
X – São invioláveis a intimidade, (...);
(grifou-se)
Nada obstante, em que pese a necessidade de evolução da sociedade e do
direito em sua relação com seus iguais, o homem é carente de sua individualidade,
da desejada restrição de seus pensamentos e valores no seu âmago. A esse
respeito Paulo José da COSTA JUNIOR preconiza que:
A intimidade é a necessidade de encontrar na solidão aquela paz e aquele equilíbrio, continuamente prometidos pela vida moderna; de manter-se a pessoa, querendo, isolada, subtraída ao alarde e à publicidade, fechada na sua intimidade, resguardada dos olhares ávidos. A intimidade corresponderia à vontade do indivíduo de ser deixado só.32
O direito a intimidade é quase sempre considerado sinônimo do direito a
privacidade, contudo, guarda distinção, uma vez que a expressão privacidade, num
sentido genérico e amplo, abarca todas as manifestações da esfera íntima, privada e
da personalidade, que o texto constitucional consagrou em seus dispositivos.33
1.4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE JUSTIFICAM A NORMATIZAÇÃO A RESPEITO DA OBRIGATORIEDADE DO TESTE ETILOMÉTRICO
A obrigatoriedade da utilização do teste etilométrico ou exame de sangue
para determinar o teor alcoólico dos motoristas veiculares não encontra seu respaldo
na norma constitucional. Apesar das benesses advindas com a restrição do uso de
álcool ao volante e da sua real finalidade, que é de assegurar a segurança nas
estradas e a garantia à vida dos demais usuários da via pública, sua obrigatoriedade
ofende a outros direitos e garantias fundamentais da pessoa, uma vez que a própria
Carta Magna confere aos cidadãos o direito de não produzir provas contra si
mesmo.
32 Apud., MARCOCHI, 2002, Ob. cit., p. 01.33 SILVA, 2002,Ob. cit., p. 205.
23
Diante disso, sopesando-se os bens jurídicos protegidos pelo ordenamento
jurídico, em confronto quanto à questão da normatização ou não da obrigatoriedade,
vê-se que os direitos em conflitos são inerentes a pessoa, que são: direito a
liberdade, a vida, a propriedade, intimidade, etc.
Aqui se encontram em confronto os chamados direitos de primeira geração:
que são aqueles que cuidam da proteção das liberdades públicas, ou seja, os
direitos individuais, abrangidos como aqueles intrínsecos ao homem e que devem
ser resguardados por todos e principalmente pelo Poder Estatal.
Não se pode, portanto, afirmar pela existência de princípios constitucionais
que sejam capazes de justificar a normatização a respeito da obrigatoriedade do
teste etilométrico no cenário brasileiro, haja vista que sempre haverá a possibilidade
de que tal imposição venha causar ofensa a outros princípios constitucionais
inerentes à pessoa.
Inegável a eficácia da utilização de tais métodos como meios probatórios para
instauração de processo crime e aferição delituosa, mas em ofensa a outras
garantias constitucionais, o julgador obriga-se a sacrificar direitos individuais em
favor da coletividade, mesmo porque todo o indivíduo faz parte da sociedade, ou
seja, o direito do indivíduo está encartado no direito coletivo.
Entretanto, não se pode olvidar o ponto que, cada caso em concreto deve ser
apreciado observando-se o direito em questão, sem esquecer que a ampla defesa, a
presunção de inocência e o contraditório são princípios constitucionais inerentes a
pessoa, no entanto, o princípio da proporcionalidade também pertence ao rol dos
princípios constitucionais.
Pelo princípio da proporcionalidade o magistrado deve aplicar a norma,
quando visível o conflito entre normas constitucionais e infraconstitucionais, levando
em consideração os bens jurídicos envolvidos na lide, cabendo a ele decidir por
aquele direito de maior relevância social e interesse da coletividade, em particular,
pela proteção das garantias constitucionais e o direito a vida e a dignidade da
pessoa humana.
24
2 DO PRINCÍPIO DA NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO.
Neste capítulo, já adentrando efetivamente a matéria aqui estudada, o
contexto deve definir e conceituar o princípio da não auto-incriminação, explanando
dentre outros pontos importantes, a origem histórica do princípio, sua
fundamentação natural, conteúdo e limitação, natureza jurídica enquanto direito
fundamental e ainda, o direito ao silêncio como consectário desse princípio.
2.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS
Com efeito, depois do esclarecimento acerca do papel dos princípios no
direito brasileiro, cumpre-nos definir e conceituar o principio da não auto-
incriminação, uma vez que este é o objeto deste estudo.
De um modo geral é possivel dizer que o princípio da não auto-incriminação
ou a expressão latina “Nemo tenetur se detegere” significa que “ninguém é obrigado
a se auto-incriminar ou a produzir prova contra si mesmo”. Assim, destaca-se que
nenhum indivíduo no Brasil pode ser obrigado, por qualquer autoridade policial ou
pública ou mesmo por um particular, a fornecer voluntariamente qualquer tipo de
informação que incrimine direta ou indiretamente sua pessoa.34
A garantia constitucional de não declarar contra si mesmo condição que
possa comprometer sua defesa tem significado amplo no direito brasileiro. O não
declarar deve ser entendido como qualquer tipo de manifestação do agente, seja
oral, documental, material, etc., incluindo aqui como exemplo, o teste do bafômetro,
quando de maneira verbal o motorista recusa-se a concluir o exame e esta negativa
acaba sendo considerada como uma agravante.35
Se analisado o teor do inciso LXIII, do art. 5º, de modo restritivo, vê-se que o
dispositivo constitui, em regra, o “direito do preso de permanecer em silêncio”, mas o
âmbito de abrangência desta norma é de bem maior idéia, tendo em vista que a
parcela maior da doutrina considera a máxima que diz “ninguém será obrigado a
34 GOMES, Luiz Flávio. Princípio da não auto-incriminação: significado, conteúdo, base jurídica e âmbito de incidência. Disponível em <http://www.lfg.com.br> Acesso em 12.10.2010, p. 01.35 GOMES, 2010, Ob. cit., p. 01.
25
produzir prova contra si mesmo”; desta feita, esse não é um direito assegurado
apenas ao preso, mas a toda pessoa que estiver sendo acusada.36
O direito ao silêncio é apenas a manifestação de garantia muito maior, que é
o direito da não auto-acusação sem prejuízos jurídicos, ou seja, ninguém que se
recusar a produzir prova contra si pode ser prejudicado juridicamente, como diz o
parágrafo único do art. 186 do Código de Processo Penal: “O silêncio, que não
importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.” Este
direito é conhecido como o princípio nemo tenetur se detegere.37
O princípio em comento também se encontra consagrado pela Convenção
Americana de Direitos Humanos, Pacto De São José de Costa Rica, que assegura a
regra na expressão que salienta “o direito de não depor contra si mesma, e não
confessar-se culpada”.38
Deste princípio é possível extrair, dentre os direitos que alcança, o de
permanecer calado, atualmente normatizado no sentido de que o silêncio da pessoa
não poderá ser interpretado em detrimento da defesa. Igualmente, extrai-se dele a
concessão de comportamentos passivos do acusado, como a recusa de
fornecimento de material sanguíneo para fins de perícia, ou mesmo a realização do
polêmico teste etilométrico.
2.2. ORIGEM HISTÓRICA
O direito a não auto-incriminação, em sua origem histórica, remonta a
antiguidade, posto que fundado no instinto natural de preservação natural do ser
humano.
De modo claro, amparado pelas lições de penalista como o professor Luiz
Flavio GOMES, pode-se afirmar que o princípio da não auto-incriminação nasceu
(na era moderna) como refutação (civilizadora) aos horrores gerados pela Inquisição
(Idade Média), conduzida pelo absolutismo monárquico e pela Igreja, que tinha na
36 SANTOS, Luciano Aragão. O direito de não produzir prova contra si mesmo: "Nemo tenetur se detegere". Disponível em < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5283/O-direito-de-nao-produzir-prova-contra-si-mesmo-Nemo-tenetur-se-detegere> Acesso em 13.10.10, p. 01.37 SANTOS, 2009, Ob. cit., p. 01.38 Idem.
26
confissão a prova mais suprema (a rainha das provas), podendo-se alcançá-la
inclusive por meio da tortura.39
Esclarecendo acerca do processo evolutivo do princípio da não auto-
incriminação, novamente amparados pelo magistério de Luiz Flàvio GOMES, este
nos da conta que:
A cultura civilizatória ao longo da evolução humana foi se posicionando gradativamente contra as atrocidades do sistema inquisitivo (procedimento secreto, desrespeito ao sistema acusatório, ausência de advogado, obrigatoriedade da confissão etc.), destacando-se nesse papel crítico (denunciador), desde logo, o Iluminismo e o seu prócer máximo, que foi Beccaria, que dizia: com a tortura, enquanto o inocente não pode mais que perder, porque opondo-se à confissão e sendo declarado inocente, já sofreu a tortura, o culpado, por seu turno, pode até ganhar, se no final resiste à tortura e é declarado inocente.40
Ao longo da história e do processo evolutivo da sociedade, dentro da
sistematica criminal, o investigado passou a ser sujeito de direito e não mero objeto
de prova, em razão do beneficio da presunção de inocência (art. 9º da Declaração
dos Direitos do Homem, de 1789). Já antes disso, existiam vários apontamentos
importantes, merecendo destaque o do juiz inglês Dyer (citado por Jauchen), que
concedeu um habeas corpus a um cidadão que havia sido forçado a prestrar
juramento, o que o compelia a promover sua auto incriminação.41
No período da Inquisição a tortura era uma prática permitida e aceita pelo
direito. E mais, era vista como uma prática normal pela sociedade, onde ainda se
exigia do suspeito o juramento (conspurcatório) de que falaria sempre a verdade
(isso foi obra do papa Inocêncio III). Tempo depois, na época da República romana,
o réu não teria a obrigação de confessar ou de declarar sua culpabilidade podendo
até se valer do silêncio. 42
Posteriormente com o Direito Canônico, que via na confissão arrependimento
e expiação (submetimento a uma pena e suplício) essa questão tomou rumo distinto,
passando, em meados dos séculos XVII e XVIII, para os direitos fundamentais do
acusado (que monopolizou toda a Idade Média) sofrendo profundas
transformações.43
39 GOMES, 2010, Ob. cit., p. 01.40 Idem.41 Idem.42 Idem.43 GOMES, 2010, Ob. cit., p. 01.
27
O princípio da não auto-incriminação, já em meados do ano de 1774,
começava a dar os primeiros passos rumo ao que se constitui como regra nos dias
de hoje, como por exemplo, a Declaração de Direitos da Virgínia, que proclamava
nas disposições do art. 8º que: "em todos os processos criminais o acusado não
pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo".44
Esse histórico legislativo serviu de embasamento para a V Emenda à
Constituição dos Estados Unidos, que consagrou em seus dispositivos o mesmo
direito aqui patente, de que “ninguém é obrigado no processo criminal a ser
testemunha contra si mesmo”. 45
O direito de não auto-incriminação foi ratificado em 1965 pela Corte Suprema
norte-americana (Caso Griffin x California), observando que o acusador não pode se
valer do direito ao silêncio para prejudicar o réu, confrme enfatiza o professor Luiz
Flávio GOMES em sua obra publicada sobre o princípio da não auto-incriminação.46
2.3. FUNDAMENTO NATURAL
Notadamente, é da natureza do ser humano não se incriminar, e mais, de
lutar pela sua liberdade (inclusive pela fuga), defender-se de injusta agressão, enfim,
de preservar sua liberdade, segurança e sobrevivência com dignidade. Toda essa
luta emana do instinto de conservação (da preservação da existência ou da
liberdade que é inerente a pessoa etc.).47
Assim, o direito não pode remar contra a natureza do homem, ao contrário,
deve buscar traçar normas e regras de condutas que preservem o homem enquanto
pessoa, resguardando sua vida, liberdade, dignidade, etc. Com efeito, o direito de
não auto-incriminação tem fundamento natural e, a partir disso, ao suspeito, ao
indiciado ou mesmo ao acusado é facultativo contribuir para a produção de uma
prova incriminatória. Não se trata pois, de uma obrigatoriedade, mesmo porque, de
tudo que foi exposto até agora, até prova em contrário, toda pessoa encontra-se
acobertada pelo princípio da presunção de inocência nos termos legais.
44 Idem.45 Idem.46Idem.47 Idem.
28
2.4. CONTEÚDO E DELIMITAÇÃO DO SENTIDO E ALCANCE
Neste tópico o estudo busca analisar o conteúdo e delimitação do alcance do
direito de não auto-incriminação, que segundo ensinamentos do jurista Luiz Flávio
GOMES, possui várias dimensões a serem estudadas e são as seguintes:
a) Direito ao silêncio;
b) Direito de não colaborar com a investigação ou a instrução criminal;
c) Direito de não declarar contra si mesmo;
d) Direito de não confessar;
e) Direito de declarar o inverídico, sem prejudicar terceiros;
f) Direito de não apresentar provas que prejudique sua situação jurídica.48
As essas seis dimensões citadas acima se agrega uma sétima, que consiste
no direito de não produzir ou de não contribuir ativamente para a produção de
provas contra si mesmo. Esse genérico direito se triparte nos seguintes:
a) Direito de não praticar nenhum comportamento ativo que lhe comprometa;
b) Direito de não participar ativamente de procedimentos probatórios
incriminatórios; e
c) Direito de não ceder seu corpo (total ou parcialmente) para a produção de
prova incriminatória.49
2.5. O DIREITO AO SILÊNCIO É SÓ UMA PARTE DO DIREITO DE NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO
Neste tópico se mostra importante destacar seus contornos, uma vez que o
direito ao silêncio (direito de permanecer calado), constitucionalmente previsto no
art. 5º, inciso LXIII, compõe apenas uma parte do conteúdo do direito de não auto-
incriminação. Como resultado natural direto do direito ao silêncio a regra nos conduz
a outros direitos.
48 GOMES, 2010, Ob. cit., p. 01.49 GOMES, 2010, Ob. cit., p. 01.
29
Acima de tudo, o direito ao silêncio exprime que não se pode exigir do
acusado que o mesmo coopere, produza ou participe ativamente de qualquer
procedimento probatório que o possa incriminar.
Cuida-se aqui de uma restrição trazida pelo ordenamento jurídico pátrio de
imperiosa importância, porque o direito ao silêncio, o direito de não declarar contra si
mesmo e o direito de não confessar, fazem parte, implícita e naturalmente, de todas
as dimensões da não auto-incriminação, que tem seu núcleo essencial fundado em
uma inatividade, uma vez que estas situações podem comprometer a defesa.50
2.6. ÂMBITO DE INCIDÊNCIA DO DIREITO DE NÃO AUTO-INCRIMINAÇÃO
As extensões do direito de não auto-incriminação são incidentes tanto para a
fase investigatória, qualquer que seja ela, como também para a fase processual
propriamente dita. São válidas também perante qualquer outro juízo, seja na esfera
trabalhista, civil, administrativa etc., desde que a atitude do sujeito, seja pelas suas
palavras ou seja pelo seu comportamento ativo, possa resultar numa persecução
criminal em desfavor dele.
Em regra, tem-se que o direito de não auto-incriminação não apresenta seus
efeitos exclusivamente no âmbito da instrução penal ou da investigação criminal.
Diante de qualquer autoridade ou funcionário, de qualquer um dos poderes, que
estabeleça alguma espécie de imputação criminal ou mesmo mera suspeita de uma
prática delituosa em face de um sujeito, vigora em seu favor o princípio da não auto-
incriminação, que, conforme já descrito, versa sobre o direito de não se incriminar ou
produzir provas contra si mesmo, sem que desta negativa possa resultar prejuízo ou
presunção contra ele.51
A extensão dada a essa garantia tem relevância no direito brasileiro, uma vez
que seria um contra senso a pessoa ter o direito de invocar tal garantia perante o
juízo penal, sendo obrigado a se incriminar perante um juízo trabalhista, civil,
administrativo etc., especialmente porque a prova obtida por meio dessa auto-
incriminação lhe comprometeria gravemente e traria outros prejuízos caso houvesse
uma condenação oportunamente.52
50 GOMES, 2010, Ob. cit., p. 01.51 GOMES, 2010, Ob. cit., p. 01..52 Idem.
30
2.7. OBRIGATORIEDADE OU NÃO: A POLÊMICA
Mas a grande polêmica que se inicia, e não é de hoje tal discussão, está na
obrigatoriedade ou não do uso dos aparelhos homologados pelo CONTRAN –
Conselho Nacional de Trânsito – para aferição da quantidade de álcool ingerida pelo
motorista.
Em relação à obrigatoriedade do uso do etilômetro ou do exame de sangue,
deve-se considerar, de um lado, seus efeitos benéficos e, de outro, a violação da
intimidade do cidadão e a intenção de que produza prova contra si. Sobre tudo
referente ao condutor de veículo automotor que não esteja apresentando indícios de
violação de qualquer dispositivo legal, ou seja, o condutor que não tenha ingerido
bebida alcoólica e se recusa a realizar qualquer dos procedimentos para a aferição
do teor alcoólico, vindo a ser penalizado.53
O Código de Transito Brasileiro traz em seus dispositivos infrações
administrativas, bem como infrações penais. Os dispositivos 161 a 290 tratam das
infrações administrativas e do processo administrativo correspondente, enquanto
que os artigos 291 ao 312 temos os crimes desta natureza, ou seja, os delitos
penais de trânsito. São searas completamente distintas e, portanto, se encontram
regulamentadas por normas diversas. Nem toda infração administrativa significa
uma infração penal, porém, mesmo assim, não podem deixar de ser punidas pelo
ordenamento jurídico vigente.54
Nesse diapasão, o artigo 277 da norma de trânsito prevê a aplicação de
penalidades e medidas administrativas aquele condutor que se negar a realizar o
teste do etilômetro ou qualquer outro mecanismo homologado pelo CONTRAN, onde
a esses indivíduos serão aplicadas as penas de multa e suspensão do direito de
dirigir por 12 meses, junto com as medidas administrativas de retenção do veículo e
recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).55
53 SCHIAVOTELO, Stella. A obrigatoriedade do bafômetro e a polêmica. Disponível em < http://doutoraresponde.blogspot.com/2008/07/obrigatoriedade-do-bafmetro-na-lei-seca.html> Acesso em 10.11.10, p. 01.54SCHIAVOTELO, 2006, Ob. Cit., p. 01.55 Idem.
31
2.7.1. O poder de polícia e os direitos individuais
Cabem aqui algumas ponderações que conduzirão a uma boa conclusão
acerca do tema em estudo. De maneira especial, a Administração Pública, para o
exercício de suas imputações, tem entre os poderes que lhe são atribuídos o poder
de polícia, que vem a ser aquele poder-dever conferido ao ente público de
determinar quais bens deverão ser sacrificados em prol dos interesses da
coletividade. Diante disso, cabe analisarmos o art. 277 do Código de Trânsito
Brasileiro:
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.
§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)
Analisando os dispositivos em questão, facilmente vemos que os testes a que
se refere o artigo 277 do Código de Trânsito Brasileiro, alterado pela lei Seca, não
torna obrigatório o teste do bafômetro ou qualquer outro tipo de teste. Ela apenas
aplica penalidades e medidas administrativas para o condutor que se negar a
realizá-los.
Isso tem gerado certa confusão no direito brasileiro e entre os colegas
aplicadores do direito, que estão mesclando as esferas de atuação da norma à
aplicação desta “penalidade”, ou melhor, desta medida sancionatória, mormente
porque existentes duas esferas distintas, a administrativa e a penal, cada uma com
sua finalidade e utilidade dentro da sistemática de trânsito.
Urge aqui apontar que as decisões administrativas, acima de tudo, assim
como se dá na esfera penal, se submetem ao princípio constitucional da legalidade,
determinando que todo ato administrativo deverá estar pautado nos ditames legais.
Assim o CONTRAN, em decorrência dos poderes a ele conferidos pelo
Código de Trânsito Brasileiro, definiu quais seriam os testes que deveriam ser
realizados para enfim confirmar se o condutor do veículo (envolvido em acidente ou
sob fiscalização) está dirigindo sob a influência de álcool ou não.
32
Com isso se chega à compreensão de que maior legalidade não há. Ao
Judiciário somente é crível discutir acerca das medidas administrativas quando o
princípio da legalidade não é observado pela Administração Pública, o que não é o
caso, posto que a negativa partisse do condutor.
Aqui, neste momento, surge um ponto intrincado da discussão, que é
entender o motivo de tanta polêmica em relação ao tema. A resposta a esse
questionamento vem dada porque a interpretação que está sendo feita sobre o
assunto é feita de maneira equivocada pelos juristas do Brasil e pelos aplicadores do
direito.
Em regra, pelas lições trazidas neste estudo, bem como pela sistemática
brasileira, o teste de bafômetro não é obrigatório e o indivíduo, amparado por
princípios constitucionais, pode se negar a realizá-lo. A autoridade policial que
desconfiar que o condutor do veículo esteja sob influência do álcool deve orientar e
solicitar que o condutor efetue o teste; este por sua vez, poderá se negar a realizá-
lo. Diante disso, cabe a autoridade policial proceder com a aplicação das medidas
administrativas e penalidades pertinentes.56
Existem casos em que certamente o indivíduo estará sob a influência do
álcool, sem mesmo ser necessária a realização do teste para sua confirmação, mas
o agente policial deve requerer sua realização e, tendo o condutor se negado a
realizá-lo, será submetido às sanções já explicitadas.
Desta feita, as penalidades administrativas que devem ser aplicadas nestes
casos são embasadas pelo poder de polícia, que tem como um de seus atributos a
auto-executoriedade. Não existe nenhuma inconstitucionalidade nisso, mas sim a
exata observância aos princípios legais, dentre eles o da legalidade. O indivíduo
embriagado e que se negou a realizar o referido teste terá contra si um auto de
infração e um processo administrativo onde poderá comprovar que não estava
bêbado, através de todos os meios de prova admitidos em direito, e exercer seu
direito constitucional de ampla defesa.
2.7.2. Ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo
56 SCHIAVOTELO, 2006, Ob. Cit., p. 01.
33
Os testes estabelecidos pelo artigo 277 do diploma de trânsito com a nova
redação dada pela lei n.º 11.705/2008, bem como, pelas resoluções do CONTRAN
asseveram que a realização do teste do etilômetro não é obrigatória, ao contrário, o
indivíduo poderá se negar a fazê-los.
Contudo, apesar de ter assegurado o direito de não realizá-lo em decorrência
do princípio da não auto-incriminação, ao negar-se ficará sujeito às penalidades
administrativas de que trata a legislação brasileira em casos desta natureza, como
também não terá contra si provas da prática de crime e não poderá ser acusado por
negar-se à realização do exame do bafômetro.57
57 SCHIAVOTELO, 2006, Ob. Cit., p. 01.
34
3 LEGISLAÇÃO, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA
3.1. NOÇÕES GERAIS
A temática deste contexto tem sido bastante debatida entre os juristas e
muitos aspectos já estão sendo discutidos pelos nossos Tribunais no sentido de
trazer pacificação a matéria.
O primeiro empenho constatado no ordenamento jurídico para regulamentar
condutas de trânsito foi a edição do Decreto n.° 8.324, de 27/10/1910, que veio tratar
especificamente do serviço subvencionado de transporte por automóveis. Em 1922,
foi criado o Decreto Legislativo n° 4.460, de 11/01/1922, referindo-se a construção
de estradas e cuidando da carga máxima dos veículos. Pela primeira vez menciona-
se autocaminhões.
Com o Decreto Legislativo n° 5141, de 05/01/1927, e o Decreto de n.° 18.323,
de 24/07/1928 aprovou-se o regulamento para a circulação internacional de
automóveis no território brasileiro e sinalização, segurança no trânsito e a polícia nas
estradas de rodagem. Este decreto englobava 93 (noventa e três) artigos, e
perdurou até o primeiro Código Nacional de Trânsito (Decreto-lei n° 2.994, de
28/01/1941), revogado pelo Decreto-lei n° 3.651, de 25/09/1941, ao final substituído
pelo Código Nacional de Trânsito (Lei n° 5.108, de 21/09/1966).
O atual Código de Trânsito Brasileiro, intituído pela Lei n.° 9.503, de
23/09/1997, trouxe importantes conceitos e definições da maioria dos termos
utilizados no trânsito. Ao lado das disposições de natureza administrativa, o novo
código cuidou também da disciplina penal e processual relacionada ao trânsito, que
anteriormente ficava a cargo do Códigos Penal e do Código Processual Penal.
A tendência deste novo diploma legal foi recrudescer as punições
administrativas e criminais, sendo uma das medidas do novo código a criação de
diversos tipos penais visando impedir a ocorrência de eventos mais graves.
Contudo, quanto à embriguez ao volante, a Lei n. 11.705/2008 foi ainda mais longe,
sendo mais dura e punitiva aos seus infratores.
35
Não apenas no Brasil, como na maioria dos outros países, a direção veicular
sob efeito do álcool ou outra substância de efeitos análogos é proibida por lei, sendo
tal infração severamente punida.
3.2. ASPECTOS GERAIS E A CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N.º 11.705/2008
A discussão que aqui se vislumbra gira em torno dos §§ 2º e 3º do art. 277, do
CTB, segundo os quais a infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser
caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em
direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, mas não poderá o
agente policial exigir a realização do citado exame sob pena de ofensa a princípios
constitucionais, como o princípio do “nemo tenetur se detegere”, segundo o qual
ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo.58
A referida Lei nº 11.705/2008, com suas inovações propostas no ordenamento
de trânsito, trouxe uma noção nova a respeito do lícito direito de ingerir bebidas
alcoólicas no cenário brasileiro, destacando que é proibido beber e ao mesmo tempo
dirigir.
Isso nos faz ver que a norma deve sempre ir além das regras e formas de
conduta de uma sociedade. O direito deve refletir a cultura existente na coletividade,
de modo que seus ditames não devem apenas conservar seus bons costumes.
Devem acompanhar sua evolução e ir além do esperado, seja impondo novas
condutas, seja criando regras, sempre no intuito de contribuir na integração do
indivíduo com a coletividade.
Assim a norma se posicionou no sentido de criar e impor regras em prol da
coletividade, mesmo que não expressamente; buscou com tais inovações suprimir
falhas que vão contra as necessidades sociais do país, frente a um tema tão
exacerbado que é a questão da direção veicular e o consumo de álcool.
Ficou marcado pela norma que ao se conduzir veículo automotor sob a
influência de álcool ou substância de efeitos análogos, aquele condutor sofrerá
58 CARVALHO SILVA, Thomas de. Álcool e trânsito – Alterações introduzidas pela Lei nº 11.705 de 11/06/2008. Disponível em < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5068/Alcool-e-transito-Alteracoes-introduzidas-pela-Lei-no-11705-de-11-06-2008> Acesso em 10.11.10.
36
conseqüências, mesmo que, amparado pelo direito de não se auto-incriminar, não
aceite realizar o exame correspondente.
Nesse sentido de acordo com o disposto no art. 276 do Código de Trânsito
Brasileiro, “qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às
penalidades previstas no art. 165 deste Código”. E mais, segundo preceito do art.
165, a direção veicular sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância
psicoativa que determine dependência, levam a aplicação de medidas como o
pagamento de multa, suspensão do direito de dirigir e retenção do veículo.59
Ademais o art. 277 dispõe que todo condutor de veículo automotor, envolvido
em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de
dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames
clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos
homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado de embriaguez e qual
o teor.
Apesar do apontado até aqui, existem posições contrárias, como a do
Promotor de Justiça Ricardo Antônio Andreucci:
O legislador excedeu-se ao estabelecer, no art. 277, § 3º, do CTB, a aplicação das penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no “caput” dos artigos, tais como exames sanguíneos de alcoolemia e o denominado “teste do bafômetro.60
Diante do preceito do art. 277 em comento não pode o condutor ser forçado a
submeter-se ao exame sanguíneo ou ao teste do bafômetro, mormente porque
considerando o consagrado princípio do “nemo tenetur se detegere”, pois que toda
pessoa acusada de um delito tem o direito de não ser obrigada a depor contra si
mesma e também de não confessar-se culpada.
Porém, mesmo não sendo obrigado a submeter-se aos testes, aquele
condutor que estiver sob suspeita de haver ingerido bebida alcoólica poderá receber
as penalidades e medidas administrativas cabíveis a espécie em duas situações:
diante da negativa em realizar o teste (art. 277, § 3º, CTB) ou quando houver sinais
notórios de embriaguez (art. 277, § 2º).
59 CARVALHO SILVA, 2009, Ob. Cit., p. 01.60 Apud., CARVALHO SILVA, 2009, Ob. Cit., p. 01.
37
Frise-se que somente serão passíveis de tais sanções os condutores sob
suspeita de estarem alcoolizados. Tal suspeita não pode ser uma mera conjetura do
agente fiscalizador, devendo a mesma estar lastreada por dados concretos, seja
pelo comportamento irresponsável do condutor ao volante, seja pela presença de
sinais que façam presumir seguramente estar o motorista sob o efeito do álcool ou
substância de efeitos análogos.
Basilar a visão de Marcelo José Araújo, advogado e consultor de trânsito, que
afirma:
Se o agente da autoridade possuir o bafômetro, devidamente aferido dentro da periodicidade legal, e houver recusa a sua submissão, entendemos que está o agente legitimado a promover a autuação do Art. 165 do CTB, e no auto de infração não haverá necessidade de constar nenhum limite, nem 0,00g/l, e sim apenas no campo de observações os sintomas que justificariam a lavratura. Entendemos que o apontamento de testemunhas que não outros agentes além de dispensável não é sequer recomendável, pois causa exposição desnecessária de outros cidadãos. Além disso entendemos que no processo administrativo trazido no Código de Trânsito não cabe a figura da testemunha para fins de lavratura de autos de infração, e tão-só a declaração do agente o qual goza de presunção de veracidade dos seus atos cabendo nesse caso a inversão do ônus da prova. Tal qual não pode um agente lavrar desobediência ao semáforo com base em testemunhas, pois essa presunção pressupõe a identidade física do agente que verificou a ocorrência da infração, ao ponto de um agente não lavrar o que o outro flagrou. Testemunhas têm seu papel no processo criminal ou cível, mas nesse caso do administrativo não seriam admissíveis, até porque haveria risco do agente citar sua testemunha e o cidadão exigir outra sua que não vislumbra sinais ou sintomas.61
No entendimento da Advocacia Geral da União, realizar o teste do bafômetro
não é produzir prova contra si mesmo, trata-se apenas de meio de comprovar que o
motorista cumpre requisito estabelecido pela legislação brasileira (estar sem álcool
no sangue) para fins de direção ou não de veículos automotores.62
Ainda acrescenta o órgão fiscal que direitos como “à vida, à integridade física,
à saúde pública e à segurança no trânsito” são preceitos que se sobrepõem ao
direito do indivíduo de “não produzir provas contra si”, que se refere a um direito
individual em detrimento da coletividade.
Nesse ponto da discussão, ganha destaque o princípio constitucional da
supremacia do interesse público sobre o interesse privado, onde, o interesse público
e coletivo deve prevalecer sobre o interesse particular.
61 Apud., CARVALHO SILVA, 2009, Ob. Cit., p. 01.62 Idem.
38
Assim é a lição de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO:
Depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muitos séculos) e o individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substituiu-se a idéia do homem como fim único do direito (própria do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos têm supremacia sobre os individuais.63
Isso mostra que o direito, com o passar dos anos, deixou de ser mero
instrumento de garantias dos direitos do indivíduo e passou a ser visto como meio
para consecução da justiça social, do bem comum, do bem estar coletivo.64
Nesse liame, a conclusão que se chega é que o art. 277, § 3º, do CTB, com a
nova redação que lhe foi dada pela Lei nº. 11.705/08, em nada está contaminado de
inconstitucionalidade.
3.4. TESTE DO BAFÔMETRO E OBRIGATORIEDADE PARA FINS DE UTILIZAÇÃO NA ESFERA PENAL
A lei nº 11.705/2008, popularmente conhecida com Lei Seca, surgiu tendo
como objetivo elementar alterar dispositivos do CTB. Dentre as modificações temos
a redação do artigo 306 que passou a ter a seguinte redação:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.
63 Direito Administrativo. 15ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 69.64 CARVALHO SILVA, 2009, Ob. Cit., p. 01.
39
Considerando o teor do artigo acima se chega à conclusão que para a
configuração do crime, a lei exige a comprovação de que o condutor tenha ao
menos 6 decigramas de álcool por litro de sangue. Para tal constatação se faz
necessário o exame químico ou toxicológico de sangue e/ou o teste por aparelho de
ar alveolar pulmonar, conhecido como bafômetro ou etilômetro, que tem a
capacidade de aferir tal valor.
Ai retoma-se uma visão já posta neste estudo de que o motorista pode ser
recusar a fazer o teste do bafômetro ou realizar qualquer tipo de exame, mesmo
estando sob efeito de álcool e mais, respaldado por princípios constitucionais.
O posicionamento de nosso Judiciário em relação às questões que foram
alinhavadas no decorrer desta textualização já se materializou no sentido de que as
liberdades e garantias individuais devem ser protegidas durante o processo pela
sistemática brasileira. Por esta razão as garantias constitucionais como do silêncio,
da ampla defesa, da presunção de inocência e outras são levadas ao extremo da
proteção do estatal, de modo que, em observância a tais princípios, o direito pátrio
desenvolve-se e busca regulamentar as diversas situações em que o homem se vê
em confronto com os avanços sociais, buscando equilibrar as relações.
Nesse sentido o indivíduo é o foco da normatização, onde as leis são
elaboradas no sentido de preservar o homem, enquanto pessoa, e harmonizar suas
relações com outros, não apenas como ser humano individualizado, mas como um
todo. Assim o legislador trouxe no corpo da norma regras gerais aplicáveis a todos,
em particular conferiu ao individuo o direito de este não produzir provas contra ele
mesmo, assunto debatido neste trabalho.
Entretanto, o julgador deverá interpretar o direito positivo com base em cada
caso em particular. Se preceitos como a ampla defesa, a presunção de inocência e o
contraditório são princípios constitucionais, a proporcionalidade também deve ser. O
julgador e aplicador da norma, diante do conflito de normas constitucionais, deverá
levar em consideração os bens jurídicos envolvidos e, dentre eles, escolher aquele
de maior relevância social.65
Assim os direitos individuais e os direitos coletivos são protegidos pela
mesma Constituição. Não podemos olvidar o fato de que, a noção do próprio direito
65 SCHIAVOTELO, 2006, Ob. Cit., p. 01.
40
subjetivo pressupõe uma limitação. Se existe um direito é porque ele comporta
limitações em prol dos direitos coletivos.66
O uso do bafômetro pelas regras brasileira não é obrigatório, podendo o
condutor do veículo negar-se à sua realização. Mas caso fosse instituído como
obrigatoriedade, teria de ser admitido com a finalidade única de assegurar a
segurança nas estradas do país e garantir a vida dos demais usuários de veículo e
pedestres nas vias públicas. Considerando os bens jurídicos protegidos pela norma
(vida e integridade da sociedade x intimidade do indivíduo) não resta dúvida de que
o julgador deveria se posicionar em favor da coletividade.
Seguramente, caso o teste do bafômetro seja realizado, a sua eficácia deve
ser defendida enquanto mecanismo probatório para instauração de processo crime
e, perante a possibilidade de conflito entre garantias constitucionais, o julgador
deveria dar maior valor ao direito da coletividade, mesmo porque todo o indivíduo faz
parte da sociedade. O direito do indivíduo está contido no direito da coletividade e
não o contrário.
A recente legislação de trânsito, ao impor um limite quantitativo para a
caracterização do crime apontado pelo art. 306 do CTB, não foi bem sucedida em
seu objetivo. Antes da entrada em vigor da lei nº 11.705/2008, o CTB tratava a
matéria de maneira muito mais eficaz:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Como se pode deduzir da leitura do artigo supra, para a caracterização do
crime de dirigir embriagado bastava qualquer comprovação de que o motorista
estivesse sob o efeito do álcool e expusesse a incolumidade física alheia a dano
potencial.
A conclusão a que se chega é a de que o condutor somente será objeto de
uma persecução penal caso, voluntariamente, se submeta aos testes em apreço e
se verifique que tenha atingido o limite alcoólico especificado na norma. De outra
maneira não há como o mesmo ser responsabilizado criminalmente.
66 Idem.
41
3.5. POSIÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
Não poderia ter outro arremate esse estudo senão o de demonstrar a posição
das cortes superiores do país em relação a esse tema tão polêmico e questionável,
pertencente ao rol dos mais debatidos dos últimos tempos.
Com fulcro nas argumentações doutrinárias transcritas ao longo do
desenvolvimento textual, o trabalho nos orientou que toda e qualquer ação do
agente público deve ser ponderada, sob pena de tornar-se inconstitucional. Mais
ainda, de violar o preceito maior da norma constitucional, que é a dignidade da
pessoa humana, sopesando se cada indivíduo é tomado, como fim em si mesmo, ou
como instrumento, ou como meio para outros objetivos. A pessoa é, portanto,
protótipo avaliativo de cada ação do Poder Público e "um dos elementos
imprescindíveis de atuação do Estado brasileiro".67
A prerrogativa contra a auto-incriminação se traduz em direito público
subjetivo, de dimensão constitucional, garantia que se estende a todo e qualquer
cidadão que estiver sendo indiciado ou imputado, conforme dita o art. 5º, inciso LXIII,
da nossa Carta Política. Com base nisso, assenta grifar que:
Embora aludindo ao preso, a interpretação da regra constitucional deve ser no sentido de que a garantia abrange toda e qualquer pessoa, pois, diante da presunção de inocência, que também constitui garantia fundamental do cidadão (...), a prova da culpabilidade incube exclusivamente à acusação.68
À medida que o legislador constitucional dispôs acerca do princípio da não
auto-incriminação, o ordenamento jurídico infraconstitucional, em particular o
processual penal, estará compelido a emergir regras que permitam encontrar um
equilíbrio saudável e harmônico entre o interesse punitivo estatal e o direito de
liberdade de cada indivíduo, dando-lhe efetividade.
Nada obstante, a questão infelizmente está longe de ser pacífica, mas
espera-se confiantemente que haja uma boa acolhida de todas essas questões que
são freqüentemente difundidas pela doutrina.
67 FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de Direitos. A honra, a intimidade, a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informação. Porto Alegre: Fabris Editor, 1996, p. 51.68 GOMES FILHO, Antônio Magalhães, Direito à Prova no Processo Penal", São Paulo: RT, 1997, p. 113.
42
Basicamente é indispensável narrar que uma pessoa pode produzir prova
contra si, desde que feita de maneira voluntária. O princípio veda em regra a auto-
incriminação forçada, ou seja, o indivíduo não pode ser compelido a produzir prova
contra si, sob pena de nulidade dos atos que com ela sejam provados.
Nesse enredo, o princípio de índole constitucional continuamente sobressairá
sobre a legislação de natureza infraconstitucional que o afronte. Consagra-se a todo
processo propenso a suspender ou restringir direito do acusado ou mesmo da
testemunha, ainda que na esfera administrativa. Não obstante, a imposição de multa
para aquele que recusar a utilização do bafômetro deve ser vista sob essa ótica.69
Enfatiza-se por arremate, no entanto, que o emprego voluntário do bafômetro
pelos condutores não implica, sob o panorama de estudo, nenhuma ilicitude da
prova colhida. Inexiste a obrigatoriedade de sua realização, mas o indivíduo pode
fazer uso do instrumento e se houver quantidade de álcool superior ao limite trazido
pela lei em seu organismo o mesmo poderá sofrer as sanções previstas pela própria
Lei. 70
Havendo recusa da parte do condutor, é possível que o mesmo seja
conduzido até uma clínica para que um médico proceda aos testes de verificação da
embriaguez, que em nenhuma hipótese poderá ser invasivo. Não é aceitável, ao
mesmo tempo, confundir o exame clínico (não-invasivo), feito por especialista
através de testes específicos, com o exame laboratorial (invasivo), que pressupõe a
coleta de material sanguíneo para futura apreciação.
69 GOMES FILHO, 1997, Ob. cit., p. 113.70 Idem.
43
CONCLUSÃO
A pesquisa aqui lançada buscou analisar sob a ótica da doutrina e da
jurisprudência brasileira os benefícios que a Lei n. 11.705/2008 trouxe para o
cenário nacional ao restringir, em seus dispositivos alteradores do CTB, o uso do
álcool ao volante e a obrigatoriedade do teste do etilômetro.
Tal legislação não determina, apesar das benesses advindas de sua vigência
com a restrição do uso de álcool ao volante, se a intimidade do cidadão seria violada
com a obrigatoriedade do referido teste ou exame de sangue ao se pretender que
com essa obrigatoriedade o condutor venha a produzir provas contra si mesmo, que
possam inclusive trazer efeito negativo em sua defesa.
A hipótese básica de pesquisa desenvolvida neste trabalho foi apreciar a Lei
n. 11.705/2008, a partir da Constituição Federal de 1988, sobre a obrigatoriedade do
uso do etilômetro ou do exame de sangue, considerando-se, de um lado, seus
efeitos benéficos e, de outro, a violação da intimidade do cidadão e a intenção de
que produza prova contra si. Sobre tudo referente ao condutor de veículo automotor
que não esteja apresentando indícios de violação de qualquer dispositivo legal, ou
seja, o condutor que não tenha ingerido bebida alcoólica e se recusa a realizar
qualquer dos procedimentos para a aferição do teor alcoólico, vindo a ser
penalizado.
Em regra, a recusa em responder ao interrogatório policial e/ou judicial e a
falta de cooperação do indiciado ou do réu com as autoridades que o investigam ou
que o processam traduzem comportamentos que são inteiramente legitimados pelo
princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a não auto-incriminação,
especialmente aquela exposta nos atos de persecução penal.
A discussão acerca da obrigatoriedade ou não do teste do bafômetro vem
mais do desconhecimento da lei do que qualquer outra coisa. A lei é clara no sentido
de não obrigar o indivíduo a realizar o teste, mas impõe a ele as medidas a serem
aplicáveis caso o mesmo se recuse a realizar o teste quando da condução veicular.
A penalidade aplicada, segundo lições trazidas neste estudo para aquele que
se nega a realizar o teste é meramente administrativa e portanto poderá ser alvo de
argumentação no processo administrativo. Ao receber a multa e sofrer as demais
44
penalidades, o indivíduo poderá interpor recurso no processo administrativo, onde
poderá se valer de todos os seus direitos de ampla defesa e contraditório.
O fato de se negar a fazer o teste não trará uma presunção automática para a
esfera penal de culpabilidade para o motorista que se negar a realização do teste. O
indivíduo continua não sendo obrigado a constituir prova contra si mesmo, motivo
pelo qual a simples recusa não gerará, obrigatoriamente, a sua culpabilidade no
processo crime.
Pelas teses invocadas percebemos que princípio nemo tenetur se detegere (o
direito de não produzir prova contra si mesmo) é de fundamental importância para o
direito, pois consagra um direito de grande relevância que é considerado por muitos
como uma garantia mínima de todo acusado, sendo que este não deve se restringir
somente ao âmbito processual, mas antes a toda a esfera em que alguém estiver
sendo acusado ou esteja se desenvolvendo uma.
Por tudo o quanto foi minuciosamente exposto neste estudo, não há que se
falar em inconstitucionalidade quanto à alteração introduzida pela Lei nº. 11.705/08
no diploma de trânsito. Trata-se de um caso onde vidas estão em jogo, e vidas que
vão além daquele que está conduzindo o veículo.
Dessa forma, aplica-se ao caso em tela o princípio da supremacia do
interesse público sobre o interesse privado, uma vez que, as normas de direito
público têm o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar
coletivo.
O posicionamento de nosso Judiciário já se firmou no sentido de que as
liberdades individuais devem ser protegidas durante o Processo Penal. Por este
motivo as garantias constitucionais do silêncio, da ampla defesa e do princípio de
inocência são levados ao extremo.
O indivíduo não é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Ele não é
obrigado a participar da reconstituição do crime nem é obrigado a fazer exames
invasivos. E continua não sendo. Os testes estabelecidos pela legislação de trânsito
com as alterações pertinentes e pelas resoluções dos órgãos e conselhos de trânsito
não são obrigatórios. O indivíduo poderá se negar a fazê-los. Ficará sujeito às
penalidades administrativas, conforme apontado.
O Estado brasileiro pode se comportar diante do uso do bafômetro de duas
maneiras em relação aos indivíduos: primeiro, tratá-los como cidadãos e considerá-
45
los inocentes até que se comprove o contrário em decorrência do princípio da
presunção de inocência ou, ainda, nestas situações concretas pode entender que
são todos suspeitos e ver os indivíduos como ameaças. Evidente que os Direitos
Humanos procuram garantir a primeira concepção.
A adoção desta segunda hipótese significaria que o Poder Público poderia em
qualquer circunstância e sem nenhuma evidência violar a correspondência, o sigilo
telefônico, a intimidade e o domicílio dos indivíduos simplesmente como forma de
identificar a ocorrência de delitos e assim dar conta de sua função punitiva.
Com certeza essa conduta não teria a função, por obvio, de tornar a tarefa do
Estado quanto ao seu poder-dever de persecução criminal menos tortuoso,
entretanto, também, em sentido contrario tornar-se-ia num estado mais autoritário e
desrespeitador da condição pessoal dos indivíduos.
O mesmo ocorre no tocante ao fato de tornar obrigatório que o condutor do
veículo, independente de qualquer evidência de ingestão de bebida alcoólica, seja
obrigado a se submeter ao teste do bafômetro ou ao exame de sangue. Defender
essa postura significa optar pela segunda concepção de Estado. Um Estado
Democrático de Direito deve punir os infratores e resguardar ao máximo a intimidade
de seus cidadãos, o que certamente não é a tarefa mais fácil, mas é a que respeita a
dignidade de cada um.
Vivemos tempos difíceis e inglórios para a Justiça. Os crimes flamejam, a
violência explode e todos querem providências eficazes e rápidas, mas o que
realmente o homem necessita é que sejam assegurados os seus direitos
fundamentais.
A conclusão que se impõe neste trabalho é a de que estamos diante de
normas que, embora com visíveis imperfeições jurídicas, se abrem para o futuro
objetivando impulsionar o amadurecimento da administração pública e do cidadão,
bem como, um ordenamento jurídico mais voltado para a coletividade.
Falta aqui o respeito à legislação de trânsito pelos motoristas, o que a partir
dessa consciência, os (maus) cidadãos, a despeito das campanhas educativas e
instruções recebidas por meio diversos (mídia, curso de auto-escola, família)
continuam a provocar acidentes de trânsito, onde normalmente existem vítimas
graves, ou mesmo fatais, quando não permanecem com seqüelas pelo restante de
sua existência.
46
47
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