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AÇÃO RESCISÓRIA N'? 426-9 - SP

(Registro n'? 94.0011377-3)

Relator: O Sr. Ministro Demócrito Reinaldo Autora: Fazenda do Estado de São Paulo Ré: Churrascaria Lagoa Marau Ltda.

Advogados: Maria Emília Trigo e outros

EMENTA: Processual Civil. Ação rescisória. Artigo 485, V, do CPC. Questão controvertida nos tribunais na interpretação da Legisla­ção Federal. Aplicação das Súmulas 343 do STF e 154 do TFR. Ca­rência de ação.

A questão sobre a incidência do ICMS no fornecimento de ali­mentação e bebidas em bares, restaurantes e quejandos, com ba­se na interpretação da legislação federal, sempre foi controverti­da nos Tribunais (Decreto-lei n 2 406168). Se a interpretação da le­gislação de regência (Decreto-lei n~ 406168, art. 8~, §§ l~ e 2~) era ma­nifestamente controvertida, impraticável é o afirmar-se que uma ou outra era incorreta, ou que, uma delas, portanto, teria violado disposição literal de lei.

Os arestos que se proferiram, neste e em outros Colégios Judi­ciários, envolvendo a incidência do ICMS, em relação ao fato im­ponível referido, optaram por entender a inviabilidade das leis es­taduais em face da legislação federal (Decretos-leis n~ 406168 e 834/89).

In casu, fundando-se a rescisória no inciso V do art. 485 do Códi­go de Processo Civil, incide, na hipótese, á Súmula 343/STF, estan­cando a ação no óbice de ter a decisão rescindenda se baseado em texto legal de interpretação dissonante nos Tribunais do País.

O termo lei de que se valem os verbetes sumulares tem compreen­são restrita, significando a lei no sentido formal ou material, não al­cançando as questões essencialmente constitucionais.

Extinção do Processo por carência de ação. Decisão discrepante.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Seção do Superior 'Ihbunal de Justiça, por maioria, jul­gar a autora carecedora da ação, nos termos do voto o Sr. Ministro-Rela­tor, vencido o Sr. Ministro Ari Par­gendler que a julgava procedente, na forma do relatório e notas taquigrá­ficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presen­te julgado. Os Srs. Ministros Hum­berto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira, José Delgado, Antônio de Pádua Ribeiro e Peçanha Martins votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Mi­nistro José de Jesus Filho. Custas, como de lei.

Brasília, 14 de fevereiro de 1996 (data do julgamento).

Ministro HÉLIO MOSIMANN, Presidente. Ministro DEMÓCRITO REINALDO, Relator.

Publicado no DJ de 23-09-96.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: A Fazen.da do Estado de São Paulo ajuizou, perante esta Corte, Ação rescisória contra a Chur­rascaria Lagoa Marau Ltda. visando à desconstituição de acórdão proferi­do pela colenda Segunda 'TUrma, no julgamento do Recurso Especial n~ 15.214, alegando, resumidamente:

1. A suplicada promoveu ação declaratória contra a autora ob-

jetivando, na condição de "empre­sa-restaurante", o reconhecimen­to da não incidência do ICMS (Lei n~ 6.374/89) sobre as operações de fornecimento de alimentos e bebi­das.

2. A ação foi julgada improce­dente, em ambas as instâncias.

3. Ocorre que, manifestado o recurso especial, este foi provido, embora, naquele julgamento, se tenha contrariado literalmente o artigo 155, § 2~, inciso IX, letra b, da Constituição Federal.

4. A decisão rescindenda cen­trou-se no fato da inclusão, na ba­se de cálculo, do valor dos serviços na atividade de fornecimento de alimentação e bebidas, mas o fez examinando a Lei Paulista n~ 5.886/87, pertinente ao antigo ICM, já revogada pela de n~ 6.374/89 e na pressuposição de que esta lei não houvesse altera­do a legislação tributária anterior à sua edição.

5. O acórdão cuja ineficácia se pede feriu literalmente o preceito da Constituição Federal invocado (artigo 155, § 2~, IX, b), desde que, o inciso IV do artigo 156, ao aludir ao inciso I, alínea b do ar­tigo 155 está a se referir ao im­posto previsto neste último, o ICMS. O artigo 155 estabeleceu inovações e é incompatível com a jurisprudência que prevaleceu sob a ordem constitucional revogada.

6. Na lista veiculada pela Lei Complementar n~ 56/87 não cons­ta referência aos serviços de for­necimento de alimentação e bebi­das em Restaurantes, donde a

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conclusão de que tais serviços es­tão incluídos na base de cálculo do ICMS, como proclamou recen­temente o Supremo Tribunal Fe­deral.

7. Pede o processamento da ação e a procedência do pedido para que:

a) seja rescindido o acórdão; (REsp n~ 15.214);

b) seja proferido novo julga­mento na ação declaratória reco­nhecendo a sua improcedência.

8. Propôs, ainda, a citação da ré e a respectiva condenação em honorários e custas.

Juntou documentos.

A ação foi contestada, suscitando­se a preliminar de descabimento, fa­ce à Súmula n~ 343 do STF e, quan­to ao mérito, pleiteou-se a sua im­procedência.

Saneado o feito, as partes se ma­nifestaram em alegações finais.

O Dr. Subprocurador-Geral da República, em seu parecer, opinou pela não aplicação, ao caso, da Sú­mula n~ 343 do STF e, no mérito, a procedência do pedido.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Relator): Senhores Mi­nistros:

Cuida-se, na hipótese, de ação "rescisória" aforada pela Fazenda do Estado de São Paulo visando a res-

cindir acórdão da egrégia Segunda 'Th.rma do STJ, proferido no REsp n~ 15.214, da lavra do eminente Minis­tro Hélio Mosimann e que porta a seguinte ementa:

"Recurso especial. Tributário. Imposto sobre Circulação de Mer­cadorias. Fornecimento de alimen­tos e bebidas em restaurantes, ba­res, cafés e similares. Definição da base de cálculo.

Inexistindo na legislação esta­dual a definição da base de cálcu­lo, torna-se ilegítima a cobrança do tributo. Recurso provido".

A rescisória se funda em que, o acórdão rescindendo "contrariou li­teralmente a disposição constante do artigo 155, § 2~, inciso IX, alínea b da Constituição Federal, ao dispor, expressamente, que o ICMS incidi­rá sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem forneci­das com serviços não compreendidos na competência dos Municípios". E, segundo a autora, na lista prevista na Lei Complementar n~ 56/87, de caráter taxativo, não consta nenhu­ma referência a serviços correspon­dentes ao fornecimento de alimen­tação e bebidas, sendo a conclusão inarredável de que, tais serviços es­tão incluídos na base de cálculo do ICMS. A prestação de serviços -fornecimento - e a saída de merca­dorias são incindíveis, inseparáveis, com eficácia tributária una".

A pretensão, todavia, encontra óbice inarredável na jurisprudência desta egrégia Seção, que entendeu, em oportunidades diversas, ao julgar

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as Ações Rescisórias n2§. 380 e 406, ambas de São Paulo (D.J.U. de 4/9/95 e de 9/5/95), ser a Fazenda autora ca­rente de ação, em face da aplicação da Súmula 343/STF.

De fato, a questão da incidência do ICM, no Estado de São Paulo, "sobre o fornecimento de alimentos e bebidas em restaurantes, bares e semelhantes, sempre foi, reconheci­damente, controvertida nos Tribu­nais". E mesmo após a promulgação do Decreto-lei n~ 834/69, que alterou a redação do § 2~ do artigo 8~ do De­creto-lei n~ 406/68, a matéria teve interpretação divergente, formando­se duas correntes jurisprudenciais, mas, sempre, com uma única conclu­são: "A prestação de serviços, em si mesma, não é tributável pelos Esta­dos, sendo-o, apenas, a saída de mer­cadorias que ela envolva, parecendo que na base de cálculo do ICM, o va­lor das mercadorias fornecidas ou empregadas não pode ser acrescido do preço dos próprios serviços" (STF, RTJ, voI. 109, pág. 1.215). Firmou-se, assim, o escólio de que, "sem que o legislador estabeleça base imponível para o fornecimento de alimentação, bebidas e outras mercadorias em ba­res, restaurantes, cafés e similares, não seria possível ao fisco estadual cobrar o ICM com a utilização da ba­se de cálculo estabelecida para fato gerador outro: as operações de saída de mercadorias. Se a lei estadual não fizer a separação, para efeito da fixa­ção da base de cálculo, entre o forne­cimento de mercadorias e a prestação de serviços, descabe a cobrança do ICM".

E, ainda, no âmbito do próprio STF gerou-se contenda acerca da quaestio, como se observa do trecho proferido no ERE 75.026, de que foi Relator o Ministro Xavier de Albu­querque: "O conceito de saída é am­plo e não se restringe ao deslo­camento físico, mas, abrange qual­quer hipótese em que haja negócio jurídico ou operação de natureza econômica. O fornecimento de ali­mentação e bebidas entra no rol das chamadas saídas fictas, tanto que a própria Lei Federal não a distingue ao fixar a base de cálculo do ICM" (art. 2~ do Decreto-lei n~ 406/68).

Da própria Inicial, nos itens em que transcreve arestos dos Tribu­nais, se verifica que a questão, ago­ra ventilada na rescisória, era de in­terpretação conflitante no STF e neste Pretório e com base na aplica­ção da legislação federal.

Feitas estas considerações, veja­mos, agora, as objeções da Fazenda autora e do Dr. Subprocurador da República. Este, em seu lúcido pare­cer, sobre entender que o debate en­volve temática constitucional, no que concerne à delimitação do campo de incidência do ICMS (art. 156 da Constituição Federal), "inclina-se pe­la corrente que proclama a não apli­cação da Súmula 343/STF. E con­clui: o texto da Súmula não se apli­ca, quando a controvérsia for em re­lação a preceito constitucional".

Não me parece, com a razão, o no­bre Subprocurador.

Em primeiro lugar, faz-se neces­sária uma reflexão sopre o sentido e

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a compreensão da Súmula, que é do seguinte teor:

"Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto "legal" de interpretação controvertida nos Tribunais" .

Se a interpretação era controver­tida, ensinam os juristas, "não se po­de dizer que uma ou outra das inter­pretações era incorreta. 'lbdas esta­vam dentro do quadro, ou moldura a que se referia Nelson. Nenhuma, portanto, violou literal disposição de lei".

'lbdavia, a dicção da súmula é cla­ra e precisa. Ela preconiza a invia­bilidade da rescisória, quando a "de­cisão rescindenda" se fundar em "texto legal" de interpretação contro­vertida. E a súmula, por ser restri­tiva, há de ser interpretada literal­mente. É preciso que a controvérsia se verifique em decorrência (ou en­volvendo) "preceito" de lei ordinária ou complementar (Decreto-lei, Decre­to, etc.); "O termo lei, de que se va­lem os verbetes sumulares tem cono­tação restrita, vale dizer, de lei no sentido formal, e no sentido mate­rial. O comando sumular há de ser interpretado restritivamente. Os ver­betes se restringem à interpretação controvertida de lei, stricto sensu (Repertório IOB de Jurisprudência n~ 4/95).

Vale dizer: para que a Súmula 343 não seja aplicada é preciso que a "decisão rescindenda" se tenha ba-

seado em interpretação, embora con­trovertida, de "preceito constitucio­nal". É necessário que se tenha deci­dido questão "essencialmente consti­tucional"; que o dispositivo do acór­dão que se pretende rescindir tenha se estribado em "dispositivo da Cons­tituição Federal".

Não se afasta a incidência da sú­mula, o fato de se ter alegado, na Inicial da Rescisória, ofensa a pre­ceito constitucional. A controvérsia sobre a questão constitucional há de se verificar, no acórdão rescindendo e nos demais indicados como gerado­res do conflito na interpretação de texto de lei.

Não é o caso presente. A divergên­cia que se firmou em torno da "ques­tão jurídica" - "exigência da sepa­ração, pela lei estadual, "do forneci­mento da mercadoria da prestação de serviços" - para justificar a in­cidência do ICM teve origem na in­terpretação de lei fedéral, ~obretudo, do Decreto-lei n~ 406/68. E o que se observa do contexto do acórdão que se pretende rescindir e que se limi­tou a apreciar a matéria com base na legislação do Estado, e está, as­sim concebido:

"N este, como em outros recur­sos de que pedi vista, discute-se a respeito da legalidade da cobran­ça do ICM sobre alimentos, bebi­das e similares, servidos no pró­prio estabelecimento, em face da legislação do Estado de São Pau­lo, especialmente depois da vigên­cia da Lei n~ 5.886, de 5 de no­vembro de 1987. Qp.estiona-se re-

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lativamente à inexistência de dis­positivo legal que defina a base de cálculo, não havendo maior con­trovérsia em torno do fato gera­dor. Em São Paulo vigorava a Lei n2 440 desde 1974, depois altera­da pela Lei n2 2.252/79. No impé­rio desta legislação o STF exami­nou repetidas vezes a possibilida­de da cobrança do tributo. Inva­riavelmente exigiu a distinção na base do cálculo entre saída de mercadoria e prestação de servi­ços em bares e restaurantes. O imposto estadual incide apenas sobre o valor das mercadorias for­necidas ou empregadas, e não so­bre a soma destas com o preço do próprio serviço (RTJ 88/293). ICM. Fornecimento de gêneros para o próprio consumo em bares e restaurantes. Base de cálculo não fixada na lei local (Lei 440/ 74-SP). Se a lei estadual não de­fine expressamente a base de cál­culo do tributo descabe a sua co­brança. Precedentes do STF. Hi­pótese de provimento do recurso da empresa contribuinte (RTJ 119/869). Inexistência de lei esta­dual fixando a base de cálculo do ICM, distinguindo entre o forne­cimento de mercadorias e a pres­tação de serviços. Mandado de se­gurança deferido à Sociedade Co­mercial proprietária do restauran­te. Recurso extraordinário não co­nhecido (RTJ 109/1.211). Enfim, como no caso procedente do Rio Grande do Sul CREsp 3.271) não bastava a inclinação genérica do fato gerador, sem que lei viesse

estabelecer especificamente a ba­se de cálculo. Procurando solucio­nar o problema, a nova lei paulis­ta (5.886/87, art. 22) deu outra re­dação ao art. 19 da Lei n2 440/74 estabelecendo que a base de cál­culo passaria a ser o valor total cobrado do adquirente. Entendo, porém, data vênia, que o proble­ma não foi solucionado, pois, a lei continuou reunindo, para a co­brança do ICM, a vinculação de mercadorias com prestação de ser­viços. Não faz a separação. Não definiu especificamente a base de cálculo. Dessa forma a nova lei não satisfaz ainda à exigência do STF etambém deste 'fribunal. 'Ial situação não foi alterada com a edição da Lei n2 6.374/89, após a Constituição Federal de 1988, uma vez que também, ela, como vem decidindo a Primeira Seção, não fez a distinção da base de cál­culo como exigido. Por isso valem os mesmos fundamentos sobredi­tos. Isto posto, conheço do recur­so do contribuinte e lhe dou pro­vimento" (fls. 212/214).

Como se vê, o acórdão rescinden­do não fez sequer menção a nenhum dispositivo da Constituição e se ate­ve a emprestar sentido à legislação "local", em face dos precedentes ju­risprudenciais.

De igual modo, a jurisprudência que se construiu, nos Tribunais e, especialmente, no STF, em derredor dessa màtéria, foi toda ela interpre­tativa de legislação ordinária ou complementar. Os arestos que se

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proferiram envolvendo a incidência do rCM no fornecimento de mercado­rias em bares e quejandos, optaram por entender a inviabilidade das leis estaduais, em face da legislação fe­deral pertinente (Decreto-lei n~

406/68 e Decreto-lei n~ 834/89).

Transcrevamos, agora, para com­paração, trechos essenciais de alguns desses julgados:

RE 100.563-SP.

"O acórdão recorrido, tendo de­cidido que inexiste na legislação paulista norma instituindo a ba­se de cálculo, ou base imponível, para a cobrança do ICM nas ope­rações referentes ao fornecimen­to de alimentação, bebidas e ou­tras mercadorias em bares, etc., não negou vigência ao artigo 2~, n~ I, do Decreto-lei n~ 406/68, nem divergiu das decisões indicadas como paradigmas. Tinha esta re­dação quando foi editado o Decre­to-lei n~ 406/68, o § 2~ do artigo 8~: "§ 2~ - os serviços não especifica­dos na lista e cuja prestação en­volva o fornecimento de mercado­rias ficam sujeitas ao imposto de circulação de mercadorias". Se ainda prevalecesse essa norma, e fazendo-se a abstração de sua le­gitimidade constitucional, poder­se-ia explicar que o Estado de São Paulo, no artigo 19, § 10, da Lei n~ 440, de 24.09.74 e no artigo 24, § 11 do Regulamento aprovado com o Decreto 5.410/74, houvesse estabelecido, como estabeleceu, que na hipótese do fornecimento de mercadorias com prestação de

serviços não especificado na lista anexa à lei federal, a base de cál­culo do rCM seria o valor das mercadorias, acrescido do preço dos serviços. Sucedeu, porém, que o referido § 2~ do artigo 8~ do De­creto-lei n~ 406/68 passou a ter nova redação por força do artigo 39., lU, do Decreto-lei n~ 834/69, fi­cando, desde então, assim conce­bido: § 2~ - O fornecimento de mercadorias com prestação de ser­viços não especificados na lista fi­ca sujeito ao imposto sobre circu­lação de mercadorias. E porque a prestação de serviços, em si mes­ma, não é tributável pelos Esta­dos, sendo-o, apenas, o forneci­mento de mercadorias que ela en­volva, parece igualmente claro que, na base de cálculo do rCM, o valor das mercadorias fornecidas ou empregadas não pode ser acres­cido do preço dos próprios serviços prestados" (RTJ, voI. 109/1.214 e 1.215).

Na mesma esteira são inumerá­veis os arestos do STF interpretan­do a legislação do Estado de São Paulo, em face da legislação federal, no pertinente à incidência de rCM no fornecimento de mercadorias com prestação de serviços, sem mencio­nar em matéria de natureza consti­tucional (RTJ, voI. 88/295; voI. 88/293; voI. 119/869; voI. 109/1.211). A questão, portanto, tornou-se con­trovertida nos Tribunais, não com base na interpretação de norma da Constituição Federal de 1988, mas, em razão da disparidade de inter-

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pretações que se propiciava à legis­lação tributária federaL

Incide, pois, no caso, a Súmula 343 do Supremo Tribunal federaL

Com estas considerações e apoio nos precedentes desta egrégia Seção (ARs. n.!!§. 380 e 406), julgo, a autora, carecedora da ação proposta, conde­nando-a ao pagamento de 3% sobre o valor atribuído à causa, de honorá­rios advocatícios.

É como voto.

VOTO

o SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Revisor): O tema envolvido neste processo co­incide com aquele debatido na AR 380-7/SP.

Naquele processo, fiquei vencido, acompanhando o Relator - Min. Garcia Vieira.

Agora, ainda que me mantenha fiel ao entendimento que me fez di­vergir da maioria, submeto-me à ju­risprudência firmada pela Thrma em outros julgamentos (AR 406/SP).

Acompanho o E. Relator.

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Não é o caso de não se tratar de matéria constitucional, é a não aplicação da súmula. A súmula veda o cabimento da ação rescisória, q·J.ando a jurisprudência que se for­mou em relação à interpretação de uma determinada lei for conflitante, nos Tribunais. Agora, se tivesse ha­vide decisões com base na Constitui-

ção, se as decisões conflitantes tives­sem sido interpretativas de disposi­tivo constitucional, haveria dúvida quanto à aplicação da Súmula 343.

O SR. MINISTRO ARI PARGEN­DLER: No caso, o recurso extraordi­nário foi interposto?

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Não sei.

O SR. MINISTRO ARI P ARGEN­DLER: Deve estar nos autos. O jul­gamento do recurso especial, que a Fazenda quer agora rescindir, foi in­terposto por ela ou pelo contribuin­te?

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Foi pelo contribuinte.

O SR. MINISTRO ARI PARGEN­DLER: Então, presumo - porque é o que geralmente ocorre nesses casos - que o contribuinte deva ter inter­posto o recurso especial e o recurso extraordinário.

VOTO - VENCIDO

O SR. MINISTRO ARI PARGEN­DLER: O Supremo Tribunal Federal só examina questões constitucionais. 'llida e qualquer matéria que ele ve­nha a conhecer já não pode, por is­so, ser conhecida pelo Superior Tri­bunal de Justiça; por definição, tem índole constitucional. Se, não obstan­te, o Superior Tribunal de Justiça avançar até aí, estará usurpando competência do Supremo Tribunal Federal.

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Aparte): Senhor Minis-

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tro Ari Pargendler, mas a própria jurisprudência do Supremo 'fribunal Federal, a qual citei, e dos demais Tribunais, Tribunal Federal de Re­cursos, do Superior Tribunal de Jus­tiça, a jurisprudência que se firmou e que era conflitante, interpretava somente a legislação federal, não se tocava em preceito constitucional.

O SR. MINISTRO ARI PARGEN­DLER: Se o Supremo 'fribunal Fede­ral tratou da questão, ela é constitu­cional, por definição; e só ele pode­rá decidi-la.

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Neste caso haverá re­curso extraordinário para o Supremo Tribunal Federal, que envolve, de qualquer maneira, matéria constitu­cional, a aplicação ou não da Súmu­la 343.

O SR. MINISTRO ARI PARGEN­DLER: Se V. Exa diz que não é ma­téria constitucional, não haverá re­curso. Sr. Ministro Ari Pargendler, vou procurar colaborar com este jul­gamento. Examinamos, como é de nossa competência, apenas matéria infraconstitucional.

O SR. MINISTRO ARI PARGEN­DLER: Sustento que, no caso, não há resíduo infraconstitucional.

O SR. MINISTRO HÉLIO MOSI­MANN: Então, não poderíamos ter conhecido do recurso. Recordo que julgamos duas rescisórias idênticas, - V. Exa. talvez não tenha partici­pado dos julgamentos. Na primeira, decidida por maioria, fui relator pa-

ra o acórdão, ficando vencidos os Srs. Ministros Humberto Gomes de Bar­ros e Garcia Vieira (AR n2 380). A se­gunda já foi unânime (AR n 2 426). N a ementa, sob o aspecto que está sendo focalizado, dizia o seguinte:

"Não tendo a Turma julgadora examinado frontalmente a consti­tucionalidade de lei, mas atendo­se ao aspecto da legalidade, como era de sua competência, restaria indagar sobre se o texto legal era de interpretação controvertida nos tribunais.

Evidenciada a controvérsia, à época dos fatos, apesar de a juris­prudência posteriormente ter se inclinado na direção das preten­sões dos autos - legitimidade da cobrança do tributo - não cabe ação rescisória."

O SR. MINISTRO ARI PARGEN­DLER: Penso que, nesta matéria, houve invasão de competência do Supremo Tribunal Federal.

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Se o Supremo tivesse julgado, não haveria necessidade da ação rescisória. A decisão transitou em julgado, porque, nessa época, a jurisprudência era pacífica neste Su­perior Tribunal e divergente nos de­mais.

O SR. MINISTRO ARI PARGEN­DLER: Veja se estou certo. A juris­prudência do Superior Tribunal de Justiça favorecia o ponto de vista dos contribuintes, passando, depois de uma oscilação, a ser pacífica nes­se sentido.

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o SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO (Aparte): Passou a ser pacífica nesse sentido, mas depois ela se baseou, inclusive, na própria jurisprudência do Supremo, que era divergente também, mas só interpre­tando a legislação federal, sem tocar em dispositivo constitucional.

O SR. MINISTRO ARI PARGEN­DLER: Na época, era um leitor dos acórdãos do Superior Tribunal de Justiça.

O SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS (Aparte): Na verdade, o Superior 'fribunal de Justiça aplica­va exatamente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Começou a aplicar, mas ela era controvertida também.

O SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: A controvérsia dizia res­peito aos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. O Rio de Janeiro, porém, num determinado momento, ajustou-se à jurisprudência do STF. Passamos, então, a entender que a lei disciplinadora do ICM no Rio de Janeiro estava perfeita; a de São Paulo, não. Com a promulgação da Lei 5.886/87, que alterou a redação da Lei n~ 440, do Estado de São Paulo e por força da regra do art. 155, § 2~, IX, b, da Constituição pas­samos a divergir, na 2'!: TInma, e fo­mos acompanhados pelo Ministro !l­mar Galvão. Afinal, a divergência se fez também vitoriosa na Seção. O nosso voto se fundara na interpreta­ção do art. 8~, II, do Decreto-Lei 406, com a redação do DL 834, que deter-

minara a incidência do ICM sobre o total da nota, regra confirmada pe­lo art. 155, § 2~, IX, b, da Consti­tuição/88 de natureza impositivalin­terpretativa e, por isso mesmo rati­ficadora da interpretação possível do dispositivo infraconstitucional. Ao fim, essa jurisprudência se consoli­dou e foi também firmada pelo Su­premo Tribunal Federal, por ambas as turmas, acompanhando os votos dos Ministros Marco Aurélio e !lmar Galvão, proclamando a constitucio­nalidade das leis paulistas.

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Mas, por incrível que pareça, para fazer essa chancela, co­mo S. Exa. diz, o Supremo Tribunal Federal decidiu a matéria constitu­cional e a matéria legal, porque o Supremo fez uma menção expressa, dizendo: "aliás, essa separação já era prevista no § 2~ do art. 8~ do Decre­to n~ 406/68", quer dizer, incursionou em matéria que não podia, e só de­cidimos com base na legislação fede­ral.

O SR. MINISTRO PEÇANHA MARTINS: O fato talvez se deva a que os dois Ministros-Relatores não tinham participado da elaboração da jurisprudência anterior. Eram os dois Ministros mais novos e talvez por isso é que tenham invadido a es­fera legal, saindo da seara da Cons­tituição pura e simplesmente para frisar que a legislação infraconstitu­cional, como afirmávamos, já tinha assegurado que o imposto incidiria sobre o total da nota.

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Ministro Ari Pargen-

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dler, quanto à questão da usurpação que tenhamos praticado em relação ao Supremo Tribunal Federal, enten­do que, se um recurso especial se fundamentar em matéria constitu­cional e legal, poderemos decidi-lo tranqüilamente com relação à parte legal apenas e dar-lhe provimento, silenciando a respeito da matéria constitucional, porque esta só pode ser julgada pelo Supremo. E, num julgamento dessa natureza, não se está usurpando, absolutamente, a competência do Supremo Tribunal Federal. Há até uma Súmula neste sentido: se houver uma dupla moti­vação do acórdão do Tribunal a quo, uma de ordem constitucional e outra de natureza infraconstitucional, não cabe recurso especial.

o SR. MINISTRO ARI PARGEN­DLER: Senhor Presidente, voto no sentido de julgar procedente a ação; honorários à base de dez por cento sobre o valor da causa.

VOTO

O SR. MINISTRO JOSÉ DELGA­DO: Sr. Presidente, com a devida vê­nia, penso que estamos somente em sede dos pressupostos processuais para a ação rescisória. Esses pressu­postos foram bem demonstrados pe­lo Eminente Ministro-Relator no sentido de que estão presentes, uma vez que, na época em que o acórdão foi prolatado, a divergência jurispru­dencial era notória - havia duas correntes, duas aplicações de posi­ções -, e a súmula, em tal hipótese,

tendo em vista que se estava em campo m;lÍcamente de· matéria infra­constitucional, é aplicável.

Acompanho o Eminente Ministro­Relator.

É como voto.

VOTO-VOGAL

O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Sr. Presidente, esta questão da incidência do ICMS nas operações mistas vem sendo ob­jeto de jurisprudência muito antiga. O Supremo Tribunal Federal firma­ra entendimento no sentido de que se impunha as legislações estaduais fazer a diferença entre a prestação de serviço e o fornecimento de mer­cadoria. Instalada esta Corte, passou ela a seguir orientação do Supremo Tribunal Federal. No entanto, o pró­prio Supremo Tribunal Federal, à vista da nova Constituição, alterou o seu entendimento sobre a matéria. Toda discussão versou, exclusiva­mente, acerca da aplicação do art. 8~, § 2~, do Decreto-Lei n~ 406, na re­dação do Decreto-Lei n~ 834. Apenas isso se discutiu. Quando sobreveio a nova Constituição, o Supremo Tribu­nal Federal entendeu de enfrentar a matéria e à vista do texto constitu­cional deu a exegese única que deve­ria ser adotada quanto ao art. 8~, § 2~. Apenas isso fez o Supremo Tribu­nal Federal. Tanto, assim, que, nos meus votos, fiz questão sempre de distinguir fatos geradores anteriores ou posteriores à atual Constituição. Fiz isso sob o argumento de que nós,

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se assim não procedêssemos, iríamos causar uma injustiça muito grande: dois contribuintes, na mesma data, ajuizaram a ação antes da vigência da atual Constituição: um teve a fe­licidade de ver sua causa julgada com rapidez, a jurisprudência lhe era favorável e ele, então, ganhou a causa, obtendo duplo beneficio: rapi­dez na solução da causa e decisão fa­vorável; e o outro, que sofreu todos os percalços de uma longa tramita­ção do feito pelo Judiciário, foi puni­do, porque, em razão da demora da decisão, a jurisprudência mudou em decorrência da superveniência da atual Constituição. Após a Constitui­ção, cabe ao Supremo 'fribunal Fede­ral dar a última interpretação e fi­xar os parâmetros interpretativos dos seus dispositivos? Feito isso, é claro que o Judiciário fica limitado, inclusive na parte infraconstitucio­nal. Ficamos impedidos, desde então, de interpretar o art. 8~, § 2~, com a abrangência outra que não fosse aquela fixada pelo Supremo 'fribunal Federal, pela Corte constitucional. Quanto aos fatos anteriores, não po­díamos assim proceder, sob pena de cometer a grave injustiça. O caso,

acredito, é de extrema simplicidade, porque o autor da re.scisória alega ofensa ao texto constitucional (art. 155, inciso II, letra a, desse disposi­tivo da Constituição). A decisão res­cindenda considerou apenas o art. 8~, § 29:, do Decreto-Lei n~ 406, na sua redação posterior dada por um outro decreto-lei. Apenas fez isso. É claro que não enfrentou a questão constitucional, que não examinou a matéria constitucional, e, se assim o fez, não podia ofender esse disposi­tivo.

Em razão dessa impossibilidade de ofensa ao dispositivo, acompanho o Eminente Relator, porque a ação foi mal posta, fundou-se em ofensa a um dispositivo que sequer foi apre­ciado pelo acórdão rescindendo.

RETIFICAÇÃO DE VOTO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: Senhor Presidente, sob a única vigia exercitada no plano pro­cessual e, considerando a natureza conceitual da Ação Rescisória, voto acompanhando o eminente Relator.

AGRAVO REGIMENTAL NA PETIÇÃO N~ 690 - DF

(Registro n~ 95.0062466-5)

28

Relator: O Sr. Ministro Hélio Mosimann

Agravante: Antonio Martins dos Santos

Advogados: Odair Martini e outro

Agravada: União Federal

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EMENTA: Mandado de segurança concedido pela Seção de Direi­to Público. Execução. Embargos parcialmente procedentes. Agravo regimental. Desprovimento. Acordo celebrado pelas partes, em ação de desapropriação. Demora no pagamento. Incidência da correção monetária, mas não dos juros compensatórios.

Concedido mandado de segurança para garantir o pagamento da indenização, fruto de acordo celebrado entre as partes, com valor atualizado monetariamente, não há que se falar no acréscimo da parcela de juros compensatórios.

Agravo desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior 'lli.bunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, por unanimidade, negar provi­mento ao agravo regimental, nos ter­mos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Antônio de Pádua Ribeiro, José de Jesus Filho, Peça­nha Martins, Demócrito Reinaldo, Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira, Adhemar Maciel, Ari Pargendler e José Delgado votaram com o Sr. Ministro-Relator.

Brasília, 11 de setembro de 1996 (data do julgamento).

Ministro HÉLIO MOSIMANN, Presidente e Relator.

Publicado no DJ de 14-10-96.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO HÉLIO MOSI­MANN: Eminentes Ministros, trata-

se de agravo regimental, interposto por Antônio Martins dos Santos, nos autos em epígrafe, contra decisão por mim proferida, onde julguei par­cialmente procedentes os embargos à execução, opostos pela União, no sentido de ser retirada dos cálculos a parcela correspondente aos juros compensatórios, vazado nos seguin­tes termos:

"'lhi.ta-se de embargos à execu­ção opostos pela União, nos termos do artigo 730, c/c 741, inciso V, e 743, inciso I, do Código de Proces­so Civil contra Antônio Martins dos Santos, que pretende executar o acórdão proferido no Mandado de Segurança n2 1.902-5, concessi­vo do direito de receber a correção monetária da importância de Cz$ 261.266.042,00 (duzentos e sessen­ta e um milhões, duzentos e ses­senta e seis mil e quarenta e dois cruzados), devida ao exeqüente em julho/88 e paga somente em outu­bro/88, sem a devida correção mo­netária.

A embargante argumenta que há excesso de execução, pois o va-

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lor devido é R$ 440.190,88 (qua­trocentos e quarenta mil, cento e noventa reais e oitenta e oito cen­tavos) e não R$ 3.534.954,65 (três milhões, quinhentos e trinta e quatro mil, novecentos e cinqüen­ta e quatro reais e sessenta e cin­co centavos), como pede o embar­gado.

Requer, ao final, que sejam re­cebidos os embargos em ambos os efeitos, a fim de adequar o valor da execução ao da respectiva con­denação.

Diz o embargado na sua impug­nação (fls. 10/18), em síntese, que os cálculos apresentados pela União ferem frontalmente o prin­cípio constitucional da justa inde­nização, uma vez que não repõe ao expropriado, ora exeqüente, o real valor da propriedade da qual foi, por ato de força, tolhido.

Sustenta, ainda, o embargado que o índice de correção monetária apresentado pela União não repre­senta a verdadeira atualização monetária, e apresenta novos cál­culos, os quais estão diferentes dos constantes da petição de execução (fls. 154/159) dos autos do Manda­do de Segurança n~ 1.902-5, ora apensados.

A decisão, objeto da execução, bastante esclarecedora, concedeu ao impetrante, tão-somente, o direito de receber a correção monetária do valor de Cz$ 261.266.042,00, devi­da em julho/88, e recebida em ou­tubro do mesmo ano, sem nenhum acréscimo, conforme o acórdão de fls. 127 a 135.

Vê-se que a execução é simples, não comportando outras parcelas, que não sejam correção monetária e juros de mora, por serem cabí­veis na espécie (art. 1.062 do Có­digo Civil), e os expurgos inflacio­nários consagrados na jurispru­dência desta Corte, não reconhe­cidos pela embargante nos cál­culos de fls. 05.

Logo, qualquer outra parcela, diferente das acima citadas, ex­trapola os limites da decisão, ora executada.

Em verdade, há exagero nos cál­culos apresentados pelo exeqüente (fls. 10/18, destes e 154/159, dos au­tos principais), pois foram inclusas parcelas não contempladas pelo v. acórdão.

Diante do exposto, assiste ra­zão, parcialmente, à embargante, pelo que determino à Divisão de Execução Judicial que refaça os cálculos, incluindo, nos mesmos os expurgos inflacionários, conside­rando, porém, que o percentual correspondente ao mês de Janei­ro/89 é de 42,72%, e não mais de 70,28%, consoante jurisprudência já pacificada na Corte Especial.

Publique-se." (fls. 32/33).

Sobre os cálculos elaborados nos termos do despacho acima transcri­to (fls. 34), manifestaram-se as par­tes, consoante petições acostadas às fls. 43/44 e 49/51, em que o embar­gado, ora agravante, impugna-os pe­las mesmas razões manifestadas no presente agravo e a União (embar-

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gante) diz estar de acordo com os mesmos.

A União, não obstante não ter si­do instada a manifestar-se sobre es­te recurso, mas valendo-se da opor­tunidade que lhe foi dada para falar sobre os cálculos, apresentou suas contra-razões (fls. 46/48) aduzindo, em resumo, não ser cabível a parce­la referente a juros compensatórios por não ter sido a mesma tratada no mandado de segurança, o qual cui­dou, apenas, do cabimento da corre­ção monetária de uma parcela acor­dada para pagamento em julho/88 e recebida em outubro do mesmo ano sem a devida correção; e ao final, re­quer que seja negado provimento.

O agravante trouxe em seu recur­so acórdãos desta egrégia Corte, em que foi reconhecido o cabimento dos juros compensatórios, em desapro­priação.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO HÉLIO MOSI­MANN (Relator): Preliminarmente, quero registrar que os embargos à execução, tal como aqui opostos, sur­giram nesta egrégia Corte, depois do advento da Lei n~ 8.898/94, que deu nova redação ao art. 604 do Código de Processo Civil, in verbis:

"Quando a determinação do va­lor da condenação depender ape­nas de cálculo aritmético, o credor procederá à sua execução na for-

ma dos arts. 652 e seguintes, ins­truindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cál­culo."

Vê-se que a oportunidade de a parte executada manifestar o seu in­conformismo quanto aos cálculos é através dos embargos, haja vista que aquela fase intimatória (vista às partes para falar sobre os cálculos) foi abolida, assim como o cálculo por contador.

O Regimento Interno deste 'Ihbu­naI, no Capítulo I, que trata do Re­gistro e Classificação de feitos, pre­cisamente os artigos 66 e 67, não faz constar a previsão desses embargos.

Por sua vez, o Código de Processo Civil, art. 736 determina:

"O devedor poderá opor-se à execução por meio de embargos, que serão autuados em apenso aos autos do processo principal."

Assim, por falta de previsão regi­mental, foram autuados os embargos na classe de Petição, conforme o art. 67, parágrafo único, inciso VIII, do RISTJ.

Houve igualmente alguma dúvida em relação ao processamento deste agravo, porém, já dissipada.

Feitas essas considerações, passo ao exame da matéria.

Trata-se, no agravo regimental, especificamente, da não inclusão da parcela referente aos juros compen­satórios, a qual determinei que fos­se excluída dos cálculos apresenta-

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dos pelo exeqüente, na sua petição de execução (fls. 154/159, MS 1.902, apenso), por entender que a mesma não era cabível na espécie.

O agravante celebrou um acordo com o INCRA, para receber, pela de­sapropriação de suas terras, a im­portância de Cz$ 423.248.815,00 (quatrocentos e vinte e três milhões, duzentos e quarenta e oito mil, oito­centos e quinze cruzeiros). Em di­nheiro, deveria ter recebido, em julho/88, apenas, Cz$ 261.266.042,00 (duzentos e sessenta e um milhões, duzentos e sessenta e seis mil e qua­renta e dois cruzeiros). Todavia, o INCRA somente pagou este valor em outubro do mesmo ano, sem a devi­da correção monetária.

Esgotadas as esperanças do agra­vante de receber a correção monetá­ria pleiteada administrativamente, junto ao órgão competente, impetrou mandado de segurança neste Tribu­nal, contra ato do Exmo. Sr. Minis­tro de Estado da Agricultura e Re­forma Agrária, tendo como objeto, somente, a referida correção mone­tária, negada no âmbito da adminis­tração.

Esta Egrégia Primeira Seção, por unanimidade, concedeu a segurança nos termos do voto do eminente Mi­nistro-Relator - Antônio de Pádua Ribeiro - cujo v. acórdão encontra­se assim ementado:

"Ementa: Desapropriação por interesse social. Acordo celebrado pelas partes fixando o valor da parcela da indenização em moeda

corrente. Demora rw pagamento. Correção monetária. Incidência.

I - Celebrado acordo entre as partes para o pagamento da par­cela da indenização em moeda corrente, a demora na sua efetiva­ção dá ensejo à atualização mone­tária.

II - Daí a interpretação, pre­tendida pela autoridade impetra­da, à cláusula nona do contrato implica, no caso, em transformá­la em cláusula leonina, o que não é admissível pelo Direito. Em ra­zão dos elevados níveis de infla­ção, o retardo no pagamento da indenização, ao alvedrio da admi­nistração, acarreta, em última análise, a sua supressão, desnatu­rando a essência do acordo.

III '-- Mandado de segurança concedido."

Logo, não há que se falar na par­cela de juros compensatórios, pois o mandado de segurança objeto do acórdão foi contra o .ato, no qual a autoridade coatora negou o pedido da correção monetária pleiteada pe­lo impetrante referente ao valor que lhe era devido em julho/88 e recebi­do em outubro do mesmo ano, sem nenhum acréscimo.

Outrossim, se o objeto do manda­do de segurança tivesse sido a desa­propriação, não teria esta Corte competência para julgar originaria­mente.

Isto posto, mantenho o despacho hostilizado e nego provimento ao agravo.

É como voto.

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EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N'? 53.093 - SP

(Registro n'? 95.0022392-9)

Relator: O Sr. Ministro Milton Luiz Pereira

Relator Designado: O Sr. Ministro Ari Pargendler

Embargante: Auto Real Automóveis Comércio Ltda.

Advogados: Drs. Lincoln de Souza Chaves e outros

Embargada: Fazenda do Estado de São Paulo

Advogados: Drs. Carlos José Teixeira de Tbledo e outros

Sustentação Oral: Drs. Lincoln de Souza Chaves, pelo embargante

EMENTA: Tributário. Substituição tributária. ICMS incidente so­bre a venda de veículos automotores novos. 1. Substituto legal tri­butário e responsável tributário. Distinção. O substituto legal tri­butário é a pessoa, não vinculada ao fato gerador, obrigada origi­nariamente a pagar o tributo; o responsável tributário é a pessoa, vinculada ao fato gerador, obrigada a pagar o tributo se este não for adimplido pelo contribuinte ou pelo substituto legal tributário, conforme o caso. 2. Base de cálculo por estimativa. A base de cál­culo no ICMS pode ser estabelecida por estimativa desde a Lei Complementar n 2 44, de 1986. Embargos de divergência rejeitados.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos es­tes autos, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior 'Ilibunal de Justiça, na conformidade dos vo­tos e das notas taquigráficas a se­guir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros, por maioria, rejeitar os embargos, ven­cidos os Srs. Ministros Milton Luiz Pereira (Relator), Cesar Asfor Rocha e Demócrito Reinaldo. Os Srs. Mi­nistros Antônio de Pádua Ribeiro, José de Jesus Filho e Humberto Go-

mes de Barros votaram com o Sr. Ministro Ari Pargendler. Não parti­cipou do julgamento o Sr. Ministro Peçanha Martins.

Brasília, 22 de março de 1996 (da­ta do julgamento).

Ministro HÉLIO MOSIMANN, Presidente. Ministro ARI PARGEN­DLER, Relator p/ Acórdão.

Publicado no DJ de 16-09-96.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA: A colenda Segunda Thr-

R. Sup. 1rib. Just., Brasília, a. 9, (92): 15-52, abril 1997. 33

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ma desta Corte ao julgar o Recurso Especial n~ 53.093-8, Relator o Mi­nistro Hélio Mosimann exarou acór­dão, representado na ementa, in verbis:

"Tributário - ICMS - Veículos - Cobrança antecipada - Subs­tituição tributária - Fato gerador - Ocorrência - Convênios ICMS 66/88 e 107/89 - Precedentes STJ e STF.

- A exigência da antecipação do ICMS, na venda de veículos auto­motores não se reveste de ilegali­dade ou abusividade.

- O Decreto-Lei n~ 406/68, altera­do pela Lei Complementar n~ 44/83 e o art. 128 do CTN, que se comple­mentam, consagram a regra da substituição tributária.

- Conforme já decidiu esta Cor­te, 'com o pagamento antecipado não ocorre o recolhimento do im­posto antes da ocorrência do fato gerador. O momento da incidência da lei não se confunde com a co­brança do tributo. O fato gerador do ICM é a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuin­te.'

- Não discrepa deste entendimen­to orientação traçada em decisões do STF.

- Recurso não conhecido" (fi. 296).

Alegando dissenso jurispruden­cial, Auto Real Automóveis Comér­cio Ltda. colacionou aresto da Pri­meira 'furma deste Tribunal, prola-

tado no Recurso Especial n~ 37.361-1-SP, da relatoria do Ministro Cesar Rocha, nos termos, a saber:

"Processual Civil. Litispendên­cia. Argüição depois de interpos­to o recurso especial. Não conheci­mento. Ilegitimidade ativa ad causam não reconhecida.

Tributário. ICMS. Operações de vendas de veículos automotores. Antecipação do recolhimento em decorrência do regime de substi­tuição tributária disciplinado pe­los Convênios nl.lli 66/88 e 107/89. Ilegitimidade.

I - Não se conhece de pedido atinente a litispendência se só foi agitado depois de interposto o re­curso especial, sobretudo quando a primeira ação ainda encontra-se tramitando nas esferas ordinárias.

II - Não obstante a eleição, pela sistemática implantada, da montadora como substituta tribu­tária, fica a revendedora de veícu­los, na aquisição desses bens jun­to ao fabricante, compelida ao pa­gamento antecipado do ICMS re­lativo à venda futura a ser reali­zada por si ao consumidor final, daí a sua legitimidade para a cau­sa.

IH - A competência atribuída aos Estados e ao Distrito Federal, para, na ausência de lei comple­mentar necessária à instituição do ICMS, celebrarem Convênio para regular provisoriamente o mencio­nado imposto, restringe-se às la­cunas existentes e às matérias le-

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gais não recepcionadas pela Cons­tituição vigente (art. 34, § 5~,

ADCT).

N - É ilegítima a cobrança do ICMS antes de concretizado o fa­to desencadeador da obrigação tri­butária, bem como, comportando cômoda quantificação, a base de cálculo é estipulada em fictícia ta­bela, desvinculada, pois, do valor real da operação.

V - Recurso improvido" (fi. 311).

Entendendo configurada a diver­gência, admiti os embargos às fls. 331/332.

o recurso foi impugnado às fls. 334/337.

É o relatório.

VOTO (VENCIDO)

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Como prenun­ciado no relatório, para melhor acon­chego da compreensão, apruma-se que os presentes embargos foram motivados por julgados em torno de controvérsia cingida à substituição tributária nas operações de vendas de veículos automotores.

Abordoado o tema, a egrégia Se­gunda Turma, conduzida pelo voto do eminente Ministro Peçanha Mar­tins, em sumário, entendeu que:

"A forma de cobrança do tribu­to tem sua origem no Convênio 66/88, cujo art. 25, II, e § único dispõem:

'Art. 25 - A lei poderá atri­buir a condição de substituto tributário a:

1- ................................... .

II - produtor, extrator, ge­rador, inclusive de energia, in­dustrial, distribuidor, comer­ciante ou transportador, pelo pagamento do imposto devido nas operações subseqüentes;

111 - ................................. .

IV- ................................. .

Parágrafo único - Caso o responsável e o contribuinte es­tejam situados em Estados di­versos a substituição depende­rá de acordo entre estes.'

Ratificando os Convênios 107/89 e 8/90, o Governo do Paraná edi­tou os Decretos 6.465/89, 7.004/90 e 7.187/90, sucessivamente, esta­tuindo o art. 3~ deste último que o art. 1~ do Decreto 6.465/89, alte­rado pelo segundo Decreto (7.004/ 90), passa a ter a redação seguin­te:

'Art. 1~ - Ao estabelecimen­to industrial fabricante, desta ou de outra Unidade Federada, que promover a saída de veícu­los novos classificados no Códi­go 8701.20.9900, e nas posições 8702 a 8706 e 8709 da Nomen­clatura Brasileira de Mercado­rias - Sistema Harmonizado, fica atribuída a responsabili-

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dade pela retenção e recolhi­mento do ICMS devido na sub­seqüente saída ou na entrada com destino de ativo imobiliza­do.'

Considerando que a regra da substituição tributária, no que con­cerne especificamente ao ICMS, foi propugnada pela Lei Complemen­tar n~ 44/83, extraio do parecer da ilustre Subprocuradora-Geral, Dra. Leda Maria Soares J anot, o seguin­te tópico:

'Em que pese o inconformis­mo da Recorrente, data venia, o apelo não merece prosperar, vez que a Lei Complementar n~ 44, de 7 de dezembro de 1983, que alterou o Decreto-Lei n~ 406, de 31 de dezembro de 1968, - o qual já foi reconheci­do como Lei Complementar Normativa do ICM pelo Excel­so Pretório - trouxe consagra­do seu art. 6~, § 3~, c, a respon­sabilidade do produtor ou in­dustrial quanto ao imposto de­vido pelo comerciante varejista. Assim, não se pode dizer que este dispositivo esteja em con­tradição com o art. 128 do CTN, vez que são leis que estão no mesmo nível hierárquico, e ao invés de contradizerem elas se complementam. (fls. 171).

Sobre o recepcionamento do Decreto-Lei n~ 406/68 pela Constituição vigente, este Tri­bunal já se pronunciou de mo-

do favorável, em questões rela­tivas a desembaraço aduaneiro (REsps n2§. 14.410-RJ, ReI. Min. Garcia Vieira, e 20.324-RJ, ReI. Min. Demócrito Reinaldo)'.

Assim, a exigência do paga­mento antecipado do ICMS nada tem de ilegal ou inconstitucional. A uma, porque o Decreto-Lei n~ 406/68, reconhecido como lei com­plementar, está recepcionado na Nova Carta. A duas, porque am­parada nos Convênios 66/88 e 107/89 editados de acordo com art. 34, § 8~ do ADCT" (fls. 240 a 242).

Conquanto se reconheça forte es­sa argumentação, versando a mesma questão jurídica e aplicação da per­tinente legislação de regência, pare­ce-me que o v. aresto apontado como paradigma, construiu a melhor solu­ção jurídica, conforme alinhou o exí­mio Ministro Demócrito Reinaldo em pioneira manifestação perante a co­lenda 'furma (REsp 38.529-6-SP), a dizer:

omissis

"Resta, agora, examinar a pen­denga sobre o ângulo do Convênio n~ 66/88.

O artigo 34, § 8~ do ADCT esta­beleceu que, em caráter provisó­rio e até a promulgação de Lei Complementar, os Estados edita­riam convênio, necessário à insti­tuição do ICMS, nos termos da Lei Complementar n'! 24/75. Com

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base nessa disposição, os Estados e o Distrito Federal firmaram o Convênio n2 66/88, que, dentre ou­tras providências, definiu os casos de "substituição" tributária. No Estado de São Paulo, o Decreto n2 31.578/90, embasado em lei da­quela Unidade Federativa, criou a hipótese de substituição.

Ocorre que o Convênio n2 66/88 (como o de n2 107/89) criou, a pre­texto de disciplinar o instituto da substituição tributária, uma hipó­tese de "antecipação" do ICMS, nas operações de venda de veícu­los automotores, em que:

a) base de cálculo (do ICMS) é fundada em fictício e estima­do valor de 'tabela';

b) determinou a exigência do tributo antes da ocorrência do fato gerador, em concreto;

c) definiu, como substituto tributário, um terceiro sem qualquer vínculo com o fato im­ponível.

O ponto nodal da questão con­siste em saber-se se as disposições do Convênio 66/88 (107/89) encon­tram base legal (e, até, constitu­cional) para a instituição da subs­tituição tributária, nos moldes em que foi disciplinada. O meu enten­dimento, aliás, já esposado quan­do do julgamento do REsp n2 31.386-0-SP, com o apoiamento da unanimidade da 1~ Turma é o de que, nem o convênio, nem a lei es-

tadual poderiam dispor sobre a ocorrência do fato gerador do im­posto, nem alterar a sua base de cálculo e determinar-lhe o recolhi­mento antecipado (para momento anterior à ocorrência do fato im­ponível), contrariando dispositivos do Decreto-lei n2 406/68 e do Có­digo 'lhbutário Nacional (artigos 121 e 128). Na ausência da Lei Complementar (artigo 34, § 82 do ADCT), os Estados poderão cele­brar convênios para regulamentar provisoriamente o ICMS, mas, tão-só, no que diz respeito às "la­cunas" existentes e sobre matéria tratada em dispositivos de Lei Complementar (Decreto-lei n2 406 e CTN) que não fOI recepcionada, no todo ou em parte, pela Carta Magna.

Com efeito, no sistema jurídico­constitucional brasileiro, a pro­mulgação de nova Constituição não acarreta, ipso facto, a inefi­cácia da legislação preexistente, mas, somente derroga aquela que, com ela, se mostre incompatível. Embora essa concepção constitua um princípio de hermenêutica, o legislador constituinte, em relação às questões tributárias, foi caute­loso, ou, até mesmo redundante, ao estabelecer no parágrafo 52 do mesmo artigo 34 do ADCT, ver-bis: .

'§ 52 - Vigente o novo siste­ma tributário nacional, fica as­segurada a aplicação da legis­lação anterior, no que não seja

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incompatível com ele e com a legislação referida nos §§ 3~ e 4~.'

o Constituinte, ao editar o pa­rágrafo citado (5~) pretendeu dei­xar absolutamente claro o princí­pio da "recepção", isto é, que a le­gislação tributária preexistente continua em vigor, salvante na­quilo que conflitasse com a nova ordem. Portanto, o Decreto-lei n~ 406/68 e o Código 'fributário N a­cionaI, que são Leis Complemen­tares Federais estão em vigor, por determinação mesma da Consti­tuição (salvante nos pontos que, com ela, foram incongruentes). Destarte, a teor de regras consti­tucionais, somente a Lei Comple­mentar poderá estabelecer nor­mas gerais sobre o fato gerador e base de cálculo, não podendo a competência para legislar sobre estas matérias, ser conferida aos Estados, pela via do Convênio. N este sentido estão cônsones a doutrina e a jurisprudência, inclu­sive do Supremo 'fribunal Fede­ral, como se verá, adiante.

Na falta de Lei Complementar, escreveu I ves Gandra Martins, "editada para a instituição do ICMS no prazo de sessenta (60) dias contados da promulgação da Constituição, as Disposições 'fran­sitórias autorizam os Estados a fi­xar normas para regular proviso­riamente a matéria. 'fuI autoriza­ção, à evidência, só pode versar

sobre as lacunas existentes e so­bre os dispositivos de lei comple­mentar anterior não recepciona­dos. Entretanto, o dispositivo en­tusiasmou de tal forma os Senho­res Secretários de Fazenda dos Estados que eles produziram um convênio inconstitucional (66/88), com características de confuso re­gulamento. Não há nele nem es­trutura, nem perfil de Lei Com­plementar" (in Sistema llibutário na Constituição de 1988, Saraiva, 1989, pág. 288). Com igual enten­dimento, preleciona Alcides Jor­ge Costa:

'Vigente o novo sistema tri­butário, fica assegurada a apli­cação da legislação anterior no que não seja incompatível com ele ou com a legislação nova que for feita. Vejam que aqui já está dada a competência ex­pressa aos Estados para editar as leis necessárias, mesmo ine­xistentes as Leis Complemen­tares. Mais ainda, em matéria de ICM, há um dispositivo es­pecífico que me parece alta­mente perigoso que é o § 8~ do artigo 34 das Disposições 'fran­sitórias: se no prazo de 60 dias, contados da promulgação da Constituição, não for editada a Lei Complementar necessária à instituição do ICM, os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da Lei Complementar n~ 24, de 1975, fixando normas para re-

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guIar provisoriamente a maté­ria. Ou seja, imprudentemente a meu ver, o constituinte deu ao Poder Executivo dos Estados (pois, a Lei Complementar 24/75 exclui o Poder Legislati­vo) a possibilidade de fazer um corpo de normas gerais que de­veria constar de uma Lei Com­plementar. É verdade que se diz: normas para regular provi­soriamente a matéria. Mas não sabemos quanto tempo vai du­rar o provisório. E acho que is­so foi uma imprudência por duas razões: primeiro porque é incompatível com todo o resto da Constituição que restabele­ce as prerrogativas do Poder Legislativo. Segundo porque in­felizmente muitas vezes os Executivos Estaduais deixam­se levar por considerações me­ramente arrecadatórias sem olharem um pouquinho à fren­te para ver os efeitos econômi­cos dos impostos ou da forma pela qual pretende cobrá-los' (A Constituição Brasileira de 1988, págs. 324/325).

Essa é a exegese mais consen­tânea com o sistema tributário vi­gente. A Constituição a prevê, a possibilidade de convênios, na ór­bita dos Estados, se refere a omis­são de Lei Complementar para a "instituição" do imposto de que trata o art. 155, I, b. Instituir sig­nifica "criar, fundar, estabelecer, organizar". Só se cria o que "ine­xiste". A Constituição, por isso

mesmo, ao permitir, aos Estados, a fixação de normas, através de Convênio, referiu-se a impostos "novos", criados pela própria Car­ta e que, por essa razão, não ti­nham disciplinamento em Lei Complementar ou ordinária. E o artigo 155, I, b, atribui, aos Esta­dos, não só o ICMS, como o "im­posto sobre prestação de serviços de transporte intermunicipal e de comunicação". Foi em relação a esse último tributo - a incidir so­bre serviços de transporte e comu­nicação - somente nascido com a promulgação da Carta, que o constituinte outorgou a regulação provisória, através de convênio. Entretanto, em relação ao ICM, já existia, antes da Constituição, to­da uma legislação disciplinadora (Código 'fributário Nacional e De­creto-lei n~ 406/68), dispensando­se, por óbvio, a regulamentação por convênio. E essa legislação foi recepcionada (art. 34, § 5~ do ADCT). Nessa Corte, as 1~ e 2~ Turmas já se manifestaram em igual sentido:

"llibutário. Importação. ICMS. Recolhimento. Momento do fa­to gerador. Convênio ICM 66/88. Art. 34, § 8~ do ADCT. Decreto-lei n~ 406/68.

Não prevalece, diante do que preceitua o artigo 1~ do Decre­to-lei n~ 406/68, diploma legal recepcionado pela atual Consti­tuição Federal, a exigência do recolhimento do tributo em questão por ocasião do desem-

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baraço aduaneiro, introduzida pelo convênio acima aludido.

Recurso provido.' (REsp n~ 7.582-0-RJ, ReI. Min. Américo Luz - DJU de 27.5.91, pág. 6.948).

Em igual sentido o REsp n~ 14.410-0-RJ, ReI. Min. Garcia Viei­ra.

Também, o STF já se pronun­ciou, vezes seguidas, contraria­mente à antecipação do ICM:

'ICM. Venda à ordem ou a prazo para entrega futura. Pa­gamento antecipado.

I - O art. 1~ do Decreto-lei n~ 406/68, igual ao art. 52 do CTN, estabelece taxativamente três situações para caracterizar o fato gerador do ICM, nelas não incluindo negócio jurídico de venda à ordem para futura saída, que pode acontecer ou não.

II - Exigindo antecipação do pagamento do ICM, antes da saída, porque negociada a ven­da para futura entrega, o art. 79 do Decreto-lei n~ 47.763/67-SP, negou vigência ao art. 1~, § 1~, do Decreto-lei n~ 406/68 ou art. 52, § 1~ do CTN, pois a tan­to equivale fazer o que a lei ve­da.

III - Instituir antecipação de pagamento de imposto, antes de constituir-se o crédito respec­tivo, porque ainda não ocorreu o fato gerador da obrigação fis-

cal, é o mesmo que decretar o Estado empréstUno compulsório inconstitucional, porque negado à sua competência (CF de 1969, art. 18, § 3~). (RTJ, voI. 67/445).'

Parece-me, ainda, que, em face das disposições legais em vigor (Decreto-lei n~ 406/68 e arts. 121 e 128 do CTN), o Convênio não po­deria criar a figura do 'substituto' tributário, na forma preconizada.

Como afiançam os juristas, in­terpretando a legislação tributária citada, o sujeito passivo da obriga­ção tributária, em princípio 'deve ser aquele que praticou a situação descrita como núcleo do fato gera­dor, aquele a quem pode ser impu­tada a autoria ou titularidade pas­siva do fato imponível'. Em outras palavras: 'deve ser a pessoa liga­da à situação descrita como fato gerador'. Em princípio, a própria pessoa que realizou, mas, se con­dições técnicas exigirem a eleição de outrem, ainda assim deverá ser alguém 'vinculado' àquela mesma situação (sentença, fls. 146). Como bem salientou o arguto Juiz de primeiro grau, no contexto de sua judiciosa decisão, 'o 'substituto' tri­butário poderá ser qualquer pes­soa vinculada ao fato gerador. De­ve participar da operação que de­sencadeia a incidência da norma tributária (art. 128 do CTN). As­sim, poderá ser qualquer pessoa li­gada ao fato gerador, cabendo à lei eleger quem melhor atenda aos seus anseios'. E, continuando o seu

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raciocínio, preleciona o douto juiz: 'o substituto' legal tributário não pode ser pessoa dissociada, estra­nha e sem relação com o fato gera­dor. Deve guardar estreita ligação com este, pois, o nosso ordenamen­to consagrou o princípio da capa­cidade tributária, não só como nor­ma programática, mas como ver­dadeiro parâmetro limitador da atuação do legislador ordinário. No caso sub examine, o fabricante vende o produto e destaca na 'no­ta fiscal' o imposto sobre o valor da operação, e, além disto, desta­ca o ICMS sobre o valor da mar­gem de lucro estimada do revende­dor (valor da tabela). O Decreto tenta fazer com que a indústria substitua o revendedor na sua ta­refa de recolher o tributo aos co­fres públicos. Identifica-se, ao ca­so, a vinculação jurídica e econô­mica entre as pessoas envolvidas. No entanto, forçoso é reconhecer que tal vinculação só pode se diri­gir para o futuro, para operações "subseqüentes", sendo, de todo in­cabível que algum contribuinte substitua outro que ainda não se­ja contribuinte em relação à ope­ração considerada" (fls. 148).

Por último, no caso do ICMS, consoante a legislação em vigor, a base de cálculo é o 'valor da opera­ção' (Decreto-lei n~ 406/68). Na hi­pótese in judicio, para justificar a substituição tributária, tomou-se como base de cálculo, não o 'valor da operação', mas, um valor pre­visto em 'tabela' e de certo modo, arbitrária e presumidamente esta-

belecido, que nunca coincide com o preço de comercialização final do veículo. O sistema é, assim, asse­melhado à exigência do tributo através de 'pautas fiscais', conside­rado "ilegal" por esta e pela Corte Suprema.

É tão curial a impossibilidade de os Estados poderem legislar so­bre substituição (ou responsabili­dade) tributária, com a 'antecipa­ção' do pagamento do ICMS, que o Congresso N acionaI, apreciando emenda de iniciativa do Poder Executivo, introduziu o parágrafo 7'2, no artigo 150 da Constituição Federal, com a redação a seguir:

'§ 7~ - A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de respon­sável pelo pagamento de impos­to ou contribuição, cujo fato ge­rador deva ocorrer posterior­mente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quan­tia paga, caso não se realize o fato gerador presumido' (Emen­da Constitucional n~ 3/93).

Como se vê, a substituição tri­butária, nos moldes preconizados no convênio, só seria possível se instituída através de lei e poste­riormente à Emenda Constitucio­nal n~ 3/93, eis que, somente com a sua promulgação' tornou-se pos­sível o cometimento de responsa­bilidade de terceiro, pelo paga­mento de ICMS, mesmo antes de se aperfeiçoar a situação constitu­tiva do 'fato gerador'" (fls. 3 a 8).

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Em abono à sua sustentação, no REsp n~ 45.386-0-SP, o eminente Ministro, relatando, destacou o en­tendimento da Excelsa Corte, obser­vando:

" ... no Diário Oficial de n~ 79 do dia 28 de abril de 1994, na Se~ ção 1~, página 9.611, o eminente Ministro Moreira Alves, do Supre­mo 'lribunal Federal proferiu des­pacho, em número de três, a que faz remissão a decisões do Supre­mo Tribunal Federal, com igual entendimento, e do seguinte teor: (lê)

'O Plenário desta Corte, ao jul­gar o Recurso Extraordinário n~ 149.922, declarou a inconstitu­cionalidade do artigo 11 do Convênio ICM 66/88, de 14 de dezembro de 1988, porquanto, se a base de cálculo em refe­rência já se achava disciplina­da pelo artigo 2~, § 8~, do De­creto-Lei n~ 406/68, recepciona­do pela Carta com o caráter de lei complementar, até então exibido (artigo 34, § 5~, do ADCT), não havia lugar para a nova definição que lhe deu o Convênio ICM 66/88 (artigo 11), verificando-se, no ponto in­dicado, ultrapassagem do linde cravado pela norma transitória e conseqüente invasão do prin­cípio constitucional da legalida­de tributária' (fi. 267)."

Iterativos precedentes enraizaram o mesmo entendimento; confira-se:

- "Processual Civil- Legiti­midade ad causam.

Tributário - ICMS. Operações de vendas de veículos automoto­res. Antecipação do recolhimento em decorrência do regime de substituição tributária disciplina­do pelos Convênios nM 66/88 e 107/89. Ilegitimidade.

I - Não obstante a eleição, pe­la sistemática implantada, da montadora como substituta tribu­tária, fica a revendedora de veícu­los, na aquisição desses bens jun­to ao fabricante, compelida ao pa­gamento antecipado do ICMS re­lativo à venda futura a ser reali­zada por si ao consumidor final , daí a sua legitimidade para a cau­sa.

Ir - A competência atribuída aos Estados e ao Distrito Federal, para, na ausência de lei comple­mentar necessária à instituição do ICMS, celebrarem Convênio para regular provisoriamente o mencio­nado imposto, restringe-se às la­cunas existentes e às matérias le­gais não recepcionadas pela Cons­tituição vigente (art. 34, § 5~,

ADCT).

UI - É ilegítima a cobrança do ICMS antes de concretizado o fa­to desencadeador da obrigação tri­butária, bem como, comportando cômoda quantificação, a base de cálculo é estipulada em fictícia ta­bela, desvinculada, pois, do valor real da operação.

IV - Recurso improvido." (REsp 33.465-6-SP - ReI. Min.

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Cesar Asfor Rocha - in DJU de 23.5.94).

- "Processual - Tributário -ICMS - Substituição tributária - Veículo automotor - Antecipa­ção - Extinção das tabelas -Base de cálculo - Inexistência -Revendedora - Legitimidade.

- A revendedora de veículos automotores tem legitimidade pa­ra impugnar, em juízo, a exigên­cia de que, título de substituição tributária, adiante ICMS relativo a futura comercialização de veícu­lo (Convênio ICM 66/88).

- É ilegal exigência de anteci­pação de ICMS sobre futuras ven­das de veículos automotores (Con­vênios ICMS 66/88 e 107/89)" (REsp 47 .051-0-SP - ReI. Min. Humberto Gomes de Barros - in DJU de 06.6.94).

o tema central, pois, da divergên­cia sob-reconcentrada na legalidade, ou não, da substituição tributária, a meu ver, encontra consentâneo desa­te, conforme o v. acórdão paradigma.

Pela espia do exposto, reeditando a motivação, para o prevalecimento da compreensão apropriada no julga­do da egrégia Primeira Turma, voto acolhendo os embargos.

É como voto.

VOTO

O SR. MINISTRO CESAR ASFOR ROCHA: Sr. Presidente, acompanho o eminente Ministro-Relator nos ter-

mos do voto que proferi no Recurso Especial n~ 37.361-lISP, que foi tra­zido como paradigma pelo embargan­te. Observo que essa questão ainda não está pacificada nesta Seção, di­go isso em homenagem aos eminen­tes Ministros José de Jesus Filho e Ari Pargendler.

Tivemos um julgamento nos em­bargos de divergência, em que restou consolidado esse entendimento ado­tado pelo eminente Ministro Milton Luiz Pereira, e um outro, com a Se­ção em uma composição diferente da atual, em que o julgamento foi em sentido oposto.

De sorte que, com a composição atual, podemos apontar, acompanhan­do o voto do eminente Ministro Mil­ton Luiz Pereira em sessões passa­das, os eminentes Ministros Demó­crito Reinaldo e Humberto Gomes de Barros, dos dez Ministros da atual composição, quatro já se manifesta­ram, inclusive na turma, reiteradas vezes, na linha do voto proferido pe­lo eminente Ministro Milton Luiz Pereira.

O Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, V. Exa., Sr. Presidente, e o Sr. Ministro Peçanha Martins ado­tam posição diferente. Com relação ao Sr. Ministro José de Jesus Filho, particularmente, não tenho conheci­mento de como S. Exa. tem se mani­festado, porque não sei se houve oportunidade para tal, porquanto S. Exa. estava afastado das funções ju­dicantes, por estar emprestando o seu talento à Coordenação da Justi-

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ça Federal. O Sr. Ministro Ari Par­gendler, não votou, pelo menos na Seção, sobre a matéria.

Faço essas considerações para destacar a importância dessa maté­ria, porque teremos, espero que de­fmitivamente, ao final do julgamen­to dessa questão, consolidada a po­sição da Seção, para que esta possa servir de orientação aos demais 'lh­bunais.

VOTO - VISTA

O SR. MINISTRO ARI PARGEN­DLER: A controvérsia só pode ser dirimida à base de um conceito pre­ciso de substituição tributária.

"O sujeito passivo da relação jurí­dica tributária," - escreveu Alfredo Augusto Becker - "normalmente, deveria ser aquela determinada pes­soa de cuja renda ou capital a hipó­tese de incidência é um fato-signo presuntivo. Entretanto, freqüente­mente, colocar esta pessoa no pólo negativo da relação jurídica tributá­ria é impraticável ou simplesmente criará maiores ou menores dificulda­des para o nascimento, vida e extin­ção destas relações. Por isso, nestas oportunidades, o legislador como so­lução emprega uma outra pessoa em lugar daquela e, toda a vez que uti­liza esta outra pessoa, cria o substi­tuto legal tributário" (Teoria Geral do Direito Tributário, Edição Sarai­va, São Paulo, 2~ edição, 1972, pág. 504).

"A crescente multiplicidade de re­lações sócio-econômicas; a complexi-

dade e a variedade cada vez maior de negócios são os principais fatores que estão tornando impraticável aquela solução do legislador" ... de es­colher "para sujeito passivo da rela­ção jurídico-tributária aquele deter­minado indivíduo de cuja verdadei­ra renda ou capital a hipótese de in­cidência é um fato-signo presuntivo. Até há alguns decênios atrás, este indivíduo era, quase sempre, aque­le determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de inci­dência é fato-signo presuntivo. En­tretanto, os fatores que acabaram de ser apontados estão induzindo o le­gislador a escolher um outro indiví­duo para a posição de sujeito passi­vo da relação jurídico-tributária. E este outro indivíduo consiste preci­samente no substituto legal tributá­rio cuja utilização, na época atual, já é freqüentíssima, de tal modo que, dentro de alguns anos, o uso do substituto legal pelo legislador será a regra geral (op. cit., págs. 501/ 502).

A expressão substituição tributá­ria não é uma boa expressão para definir esse instituto. Juridicamen­te, o substituto tributário não subs­titui ninguém. "O fenômeno da subs­tituição" - ainda nas palavras de Becker - "opera-se no momento político em que o legislador cria a regra jurídica. E a substituição que ocorre neste momento consiste na escolha pelo legislador de qualquer outro indivíduo em substituição da­quele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de in­cidência é fato-signo presuntivo"

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(ibid., págs. 505/506). Quando essa escolha do legislador se torna regra jurídica, e ela incide criando a obri­gação tributária, essa obrigação tri­butária já nasce contra o substituto legal tributário.

A primeira dificuldade a vencer, em termos de direito positivo, é a de que o Código Tributário Nacional não refere a expressão substituto le­gal tributário, nem mesmo a expres­são substituição tributária, que no âmbito federal só veio a ser utiliza­da, na vez primeira, pela Constitui­ção Federal de 1988. O Código Tri­butário Nacional fala em responsá­vel, mas com, pelo menos, duas co­notações diferentes: o responsável do artigo 121, parágrafo único, inciso II, que é o substituto legal tributário, e o responsável dos artigos 128 e se­guintes, que é o responsável tributá­rio no sentido próprio.

O artigo 121 do Código 'fributário N acionaI trata da sujeição passiva originária ou direta, aquela que re­sulta da incidência da norma jurídi­ca tributária; é a sujeição passiva descrita na regra legal. Se o legisla­dor optar por imputá-la à pessoa "cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo" estar-se-á diante da figura do contri­buinte, aquele que tem relação pes­soal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador (artigo 121, parágrafo único, inciso I). Se a opção for por terceira pessoa, não vinculada ao fato gerador, cuja obrigação decorra de disposição ex­pressa de lei, estar-se-á diante do substituto legal tributário (artigo 121, parágrafo único, inciso lI).

A obrigação tributária, portanto, nasce, por efeito da incidência da norma jurídica, originária e direta­mente, contra o contribuinte ou con­tra o substituto legal tributário; a sujeição passiva é de um ou de ou­tro, e, quando escolhido o substitu­to legal tributário, só ele, ninguém mais, está obrigado a pagar o tribu­to.

A sujeição passiva originária, nas modalidades de contribuinte e de substituto legal tributário, pode não ser suficiente para o cumprimento da obrigação tributária principal, a de pagar o tributo (CTN, artigo 113, § 1~). Para garantir a efetividade da obrigação tributária, a lei criou a responsabilidade tributária, que é sempre derivada do inadimplemen­to da obrigação tributária originária (ou, como querem outros, sujeição passiva indireta, por oposição à su­jeição passiva direta).

Quer dizer, em linha de princípio, o contribuinte ou o substituto legal tributário está obrigado a pagar o tributo, mas o inadimplemento da obrigação tributária originária ou direta dá causa à obrigação deriva­da ou indireta, positivamente previs­ta como responsabilidade tributária (CTN, artigos 128 e seguintes).

A responsabilidade tributária é uma obrigação tributária de segun­do grau, alheia ao fato gerador da obrigaçãó tributária principal. Quan­do a norma jurídica incide, sabe-se que ela obriga o contribuinte ou o substituto legal tributário. Apenas se eles descumprirem essa obrigação

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tributária, é que entra em cena o responsável tributário.

Nada mais é preciso dizer para acentuar a diferença existente entre o substituto legal tributário e o res­ponsável tributário; aquele é a pes­soa, não vinculada ao fato gerador, obrigada originariamente a pagar o tributo; este é a pessoa, vinculada ao fato gerador, obrigada a pagar o tributo, se este não for adimplido pe­lo contribuinte ou pelo substituto le­gal tributário, conforme o caso.

À vista do exposto, não se pode dizer que a Embargante recolhe an­tecipadamente o ICMS; ela não reco­lhe nem antes nem nunca, porque é alheia à relação jurídica tributária. Ainda no magistério de Alfredo Au­gusto Becker, "não existe qualquer relação jurídica entre o substituído e o Estado" Cibid., pág. 513).

Quem recolhe o tributo na espécie sub judice é a indústria, na condi­ção de substituto legal tributário; o fato gerador da obrigação tributária se dá no momento em que a merca­doria sai do estabelecimento, e o substituto legal não antecipa o paga­mento de qualquer obrigação tribu­tária.

É preciso que isso fique claro: na substituição legal tributária há só uma obrigação tributária, e não vá­rias, porque seu efeito é, exatamen­te, o de suprimir obrigações tributá­rias que corresponderiam às etapas do ciclo de comercialização anterio­res ou posteriores, conforme a subs­tituição se processe "para trás" ou "para frente"; o que esse fato gera-

dor tem de especial é a base de cál­culo, que considera valores agrega­dos em outras etapas do ciclo de co­mercialização.

A questão de saber quem suporta esse encargo é de natureza econômi­ca, nada tendo a ver com o fenôme­no jurídico. Fora de toda dúvida, é um custo de quem adquire o produ­to para revendê-lo. Mas, como está embutido no preço, é repassado ao consumidor final.

A ilegitimidade ad causam da Embargante seria o corolário lógico destas razões, mas a conclusão é in­viável na espécie, porque desborda do âmbito da divergência.

Aqui o ponto litigioso se limita à legalidade, ou não, da substituição tributária, nos termos do Convênio n~ 66, de 1988, bem assim aquele de n~ 107, de 1989, que a implementou.

O Convênio n~ 66, de 1988, está autorizado, com força de lei comple­mentar, para dispor a respeito, nos termos do artigo 34, § 8~, do Ato das Disposições Constitucionais Transi­tórias.

Ainda em recente julgamento, cujo acórdão foi publicado no Diário Oficial da União, edição de 08 de se­tembro de 1995, a Egrégia I!! Turma do Supremo Tribunal Federal, Rela­tor o eminente Ministro Celso de Mello, decidiu: "O Convênio ICM 66/88, enquanto instrumento norma­tivo de regência provisória da maté­ria pertinente ao ICMS, qualifica-se, nos termos do art. 34, § 8~, do ADCT/88, como sucedâneo constitu­cional da lei complementar exigida

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pelo art. 146, IIl, a, da Carta Políti­ca" (pág. 28.374).

Thdo a se resumir no seguinte: eventuais antinomias entre o Convê­nio n!! 66, de 1988, e o Código Tribu­tário Nacional (ou das normas que têm força de lei complementar, v.g., as do Decreto-Lei n!! 406, de 1968), se resolvem pela prevalência daque­le, que é posterior; mas, na espécie, elas não existem.

Voto, por isso, no sentido de negar provimento aos embargos de diver­gência.

ESCLARECIMENTOS DE VOTO

O SR. MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA (Relator): Senhor Presi­dente, em prol do meu voto que, a rigor, não tem nada de inédito, por­que balizado pela preponderante ju­risprudência nesta Seção e na Pri­meira Thrma, devo sustentar que não neguei a modernidade doutriná­ria e o aproveitamento técnico da "substituição tributária". O ponto crucial debatido no voto não se pren­de à sua conceituação, bem lineada no erudito voto proferido pelo emi­nente Ministro Ari Pargendler. A controvérsia cinge-se ao caminha­mento legal para estabelecer-se a "substituição tributária".

Portanto, embora louvando os seus predicamentos doutrinários, de­senvolvi no voto anterior que a subs­tituição via convênio malferiu a le­gislação vigente, notadamente o De­creto-Lei n!! 406.

Quanto ao precedente lembrado pelo Ministro Ari Pargendler, trago à colação outro, publicado no Diário Oficial n~ 079, de 28 de abril de 1994, na seção primeira, página 9.611, lavrado o acórdão pelo emi­nente Ministro Moreira Alves, ver­sando o significativo aspecto da an­tecipação do recolhimento do tribu­to, assinalando (lê):

"O Plenário desta Corte, ao jul­gar o Recurso Extraordinário ...

invasão do princípio constitucio­nal da legalidade tributária".

Enfim, fica aprumado que não se pode, no caso concreto, dizer que inocorreu a malsinada antecipação; e o que é mais grave, baseada numa tabela.

Nesse contexto, destaquei que o leito do convênio para estabelecer a multicitada "substituição tributária" chocou-se com o que já estava esta­belecido, com força de Lei Comple­mentar, no Decreto-Lei n!! 406/68. São as explicações para a compreen­são da linha do meu racíocino no vo­to proferido.

ESCLARECIMENTOS

O SR.'MINISTRO ARI PARGEN­DLER: Apenas gostaria de fazer um esclarecimento. O precedente referi­do pelo eminente Ministro Milton Luiz Pereira não se choca com aque­le que citei. O primeiro diz respeito ao artigo 11, que trata da base de

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cálculo na saída de mercadorias pa­ra o exterior. O Supremo Tribunal Federal entendeu naquele caso que essa matéria já estava disciplinada pelo Decreto-Lei 406, de 1968. Por­tanto, não havia necessidade de con­vênio que somente operava com for­ça de lei complementar no vazio da norma legal. Esse também é o sen­tido do segundo precedente, o de que, não tendo o Decreto-Lei 406, de 1968, cogitado da substituição tribu­tária em matéria de ICMS, prevale­ce o disposto no Convênio 66, de 1988.

O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: É por este moti­vo que não há sequer necessidade de sustentar que convênio equivale à lei complementar, porque ele apenas se limitou a adotar aquilo que j á cons­tava da Lei Complementar n~ 44 -o que, aliás, ressaltei no voto, em ca­so anterior.

O SR. MINISTRO ARI PARGEN­DLER: A Lei Complementar 24 é que trata dos convênios entre Esta­dos.

O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Mas a Lei Com­plementar n~ 44 alterou o Decreto­Lei n~ 406.

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Eminente Ministro An­tônio de Pádua Ribeiro, a Lei n~ 44, de 1983, é considerada inconstitucio­nal. Trata-se da chamada substitui­ção tributária que lembra a Lei Complementar n~ 44, de 1983.

O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Vossa Excelência

é que sustenta a inconstitucionalida­de.

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: E acrescentou, ou pre­tendeu acrescentar, o § 3~ ao art. 6~ do Decreto n~ 406. Lei Complemen­tar formalmente inconstitucional, porque sua votação, pelo voto de li­derança, não observou a exigência de aprovação por maioria absoluta. Esta matéria não é decisão do Su­premo Tribunal Federal, pois não é declaração de inconstitucionalidade, é doutrina.

O SR. MINISTRO ARI PARGEN­DLER: Enquanto não declarada in­constitucional, a lei deve ser aplica­da.

O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: A Lei Comple­mentar n~ 44, em 07 de dezembro de 1983, acrescentou o § 3~ ao art. 6~ do Decreto-Lei n~ 406. E veja como real­mente adotou substituição tributá­ria para a frente: (lê)

"A lei estadual poderá atribuir a condição de responsável: a) ao industrial, comerciante ou outra categoria de contribuinte, quanto a imposto devido na operação ou operações anteriores promovidas com a mercadoria ou seus insu­mos; b) ao produtor, industrial ou comerciante atacadista, quanto ao imposto devido pelo comerciante varejista; c) ao produtor ou indus­trial, quanto ao imposto devido pelo comerciante atacadista e pe­lo comerciante varejista; d) aos transportadores, depositários e

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demais empregados da guarda ou O SR. MINISTRO ARI PARGEN­comercialização de mercadorias." DLER: Mas nesse caso prevaleceria

o convênio. A lei adotou expressamente a de­

nominada substituição tributária pa­ra frente. E isso, que já contava le­gislação infraconstitucional desde a vigência do Código 'fributário N acio­naI - cuja eficácia foi sobrestada por pequeno período de tempo -que veio a ser endossada pela Emen­da Constitucional n~ 3/93. Essa Emenda apenas veio a dar respaldo constitucional ao instituto - nem havia necessidade disso, porque o instituto não atinge nenhum texto constitucional.

V. Exa., que é um expert no assunto, sabe que a substituição tri­butária para frente constitui uma sistemática adotada há longa data quanto à cobrança do ICM dos cigar­ros. Já imaginaram se fossem cobrar ICM de cigarro de cada contribuin­te? A empresa é que logo recolhe. Is­so é uma técnica de arrecadação de tributos, apenas isso. Agora essa questão está sendo renovada com to­da a intensidade. Mas a matéria já era prevista na legislação anterior (ver CTN, arts. 52 a 58, na sua re­dação originária), foi restabelecida pela Lei Complementar n~ 44, repe­tida nos Convênios 66/107 e, depois, respaldada pelo texto constitucional. Esse é o aspecto.

O Sr. Ministro Demócrito Reinal­do, evidentemente, é que sustenta que a Lei Complementar n~ 44 é in­constitucional.

VOTO - VOGAL

O SR. MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO: Reporto-me ao voto que proferi nos Embargos de Divergência no Recurso Especial n~ 56.049-SP, julgado por esta Seção, na assentada de 13 de junho de 1995, quando, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Demócrito Reinal­do, Humberto Gomes de Barros, Mil­ton Luiz Pereira e Cesar Asfor Ro­cha, recebeu os embargos nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Pe­ço vênia para acompanhar o primei­ro voto dissidente, que é o do Minis­tro Ari Pargendler.

VOTO - VISTA

O SR. MINISTRO JOSÉ DE JE­SUS FILHO: Sr. Presidente.

Para relembrar a questão vou ler a decisão do eminente Ministro Mil­ton Luiz Pereira (lê fls. 331/332).

Observo que os eminentes Minis­tros Milton Luiz Pereira e Cesar As­for Rocha votaram recebendo os em­bargos. E os eminentes Ministros Ari Pargendler e Antônio de Pádua Ribeiro rejeitando os embargos. Já votei no sentido da decisão embarga­da conforme anotado às fls. 294 dos autos. E não vejo razão para modi­ficar o meu ponto de vista. Aliás es­ta I;'! Seção dirimiu a controvérsia no mesmo sentido da decisão embarga-

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da como se vê nos EREsp n~ 43.541 e 44.696 de autoria dos eminentes Ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Hélio Mosimann, publicados no DJ de 9.10.95, pág. 33.509.

Pelo exposto, rejeito os embargos.

É o meu voto.

VOTO DE VISTA

O SR. MINISTRO DEMÓCRITO REINALDO: Cuida-se, no caso, de embargos de divergência, em que se discute, essencialmente, a prevalên­cia, diante do sistema jurídico-cons­titucional brasileiro, da substituição tributária instituída pelos Convênios n2.§. 66/88 e 107/89, em que se exige a antecipação do ICMS, na venda de veículos automotores, antes da rea­lização do fato gerador, e em que, a base de cálculo é um presumido valor prefixado em tabela unilate­ralmente elaborada pela empresa (substituta tributária).

O acórdão embargado é da lavra do Ministro Peçanha Martins e está, assim, ementado:

"A exigência da antecipação do ICMS, na venda de veículos auto­motores, não se reveste de ilega­lidade ou abusividade.

O Decreto-lei 406/68, alterado pela Lei Complementar n~ 44/83 e o art. 128 do CTN, que se comple­mentam, consagram a regra da substituição tributária.

Conforme já decidiu esta Corte, com o pagamento antecipado não

ocorre o recolhimento do imposto antes da ocorrência do fato gera­dor. O momento da incidência da lei não se confunde com a cobran­ça do tributo. O fato gerador do ICM é a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte."

Os acórdãos indicados como diver­gentes são da egrégia 1~ 'furma e so­bretudo da lavra dos Ministros Ce­sar Asfor Rocha, Milton Luiz Perei­ra e Humberto Gomes de Barros.

Os Ministros Milton Luiz Pereira e Cesar Asfor Rocha recebem os em­bargos, enquanto os Ministros Antô­nio de Pádua Ribeiro, José de Jesus Filho, Peçanha Martins e Ari Par­gendler os rejeitam ..

Malgrado tratar-se de matéria por demais conhecida nesta Seção, em que todos os seus eminentes Juízes têm ponto de vista firmado, pedi vis­ta, apenas, para algumas explica­ções, já que, em ocasiões diversas, proferi votos com exaustivos argu­mentos sobre a questão jurídica, bastando citar aqueles constantes do REsp n~ 77.067-5 e dos Embargos de Divergência n~ 34.781/SP. Faço, ago­ra, apenas algumas considerações sucintas, acerca do tema, analisan­do, superficialmente, as conclusões do acórdão embargado.

Com efeito, conclui o acórdão em­bargado, sintetizando os seus argu­mentos, assim:

"Com o pagamento antecipado não ocorre o recolhimento do im­posto antes da ocorrência do fato gerador".

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"O fato gerador do ICM é a saí­da da mercadoria do estabeleci­mento do contribuinte".

Aí, com a devida vênia, está uma evidente contradição. Se, realmente, o fato gerador do ICMS é a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte, o pagamento antecipa­do, isto é, antes do advento do fato imponível - que é a saída da mer­cadoria do estabelecimento - impor­ta, desenganadamente, no recolhi­mento do tributo antes do fato gera­dor.

A embargante é concessionária de automóveis. Mensalmente adqui­re, da montadora (interveniente no processo), uma cota de automóveis, para revenda. De acordo com a lei (Dec.-Lei n~ 406/68) e com as próprias afirmações do eminente Ministro Pe­çanha Martins, "só estaria obrigada a recolher o ICMS, quando da saída de seu estabelecimento, desses auto­móveis (adquiridos da montadora) is­to é, no momento em que os reven­desse ao consumidor final". Só aí es­taria configurado o fato gerador do tributo.

Ocorre que, a montadora (ou o fa­bricante), que, de acordo com os Convênios, foi alçada à condição de substituta tributária, exige que a concessionária (no caso, a embargan­te) lhe remeta o montante necessá­rio à antecipação do ICMS inciden­te sobre as operações verificadas en­tre esta (concessionária) e o consu­midor final - operações meramen­te presumidas e que ainda vão se realizar - e, o que é mais grave, es-

te montante calculado (em cada mês) com base em valor estipulado em tabela de preços denominada: "Thbela de Preços Sugeridos", unila­teralmente elaborada pela montado­ra, como sendo o preço pelo qual os veículos serão, hipoteticamente ven­didos. Como é curial, reafirmei quando do julgamento dos Embargos de Divergência n~ 34.781, "se o fato gerador do ICMS é a saída da mer­cadoria do estabelecimento do contri­buinte, as montadoras não podem recolher esse tributo em relação às operações que, no futuro, se verifica­rão entre as revendedoras (conces­sionárias) e o consumidor final. Do contrário estar-se-ia a exigir tribu­to sem fato gerador, sem obrigação tributária. Fato gerador, na defini­ção legal (art. 114 do CTN) é a situa­ção definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência".

Por outro lado, no caso do ICMS, com base na legislação de regência (Dec.-Lei n~ 406/68), a base de cálcu­lo é o valor da operação. lbdavia, no caso da substituição tributária, to­mou-se como base de cálculo não o valor da operação (mesmo porque ela ainda não existe), mas, como já se disse, 'um valor previsto em 1àbe­la, unilateralmente elaborada pela montadora, de certo modo arbitrário e presumidamente estabelecido, que nunca coincidirá com o preço de co­mercialização final do veículo (ven­da ao consumidor). É o sistema as­semelhado à exigência de tributo através de pautas fiscais, considera­do ilegal por esta Corte e pelo STF.

Por esta razão é que se proclamou no julgamento dos Embargos de Di-

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vergência n2 34.781, "que o Convênio instituiu hipótese de antecipação do ICMS, nas operações de venda de veículos automotores, em que, a) a base de cálculo é fundada em fictício e estimado valor de tabela; b) o pa­gamento do tributo é exigido antes da ocorrência do fato gerador, em concreto; c) o substituto tributário é um terceiro estranho ao fato imponí­vel".

Quanto à Lei Complementar n 2

44/83, apenasmente autorizou que a lei instituísse a substituição tributá­ria. 'lbdavia, nessa mera autorização não está contida a cláusula de que a lei instituidora poderia se desbordar da legislação complementar preexis­tente e recepcionada pela Constitui­ção, nem refugir aos princípios cons­titucionais tributários, sobretudo o da tipicidade.

Incorporo, aos meus argumentos aqueles expendidos no voto que pro­feri nos Embargos de Divergência n2

34.781, que a este incorporo e do qual peço juntada.

Recebo os embargos, nos termos do voto do Relator, com a vênia dos que pensam em contrário.

É como voto.

VOTO - VISTA

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Pedi vista porque fiquei em dúvida quanto à conclusão. Examinei os autos e, se­guro da orientação do Ministro Mil­ton Luiz Pereira, acompanho-o.

RETIFICAÇÃO DE VOTO

O SR. MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: No desempa­te, mantenho a orientação fixada pe­la Seção.

Ressalvando o meu ponto de vis­ta, rejeito os embargos.

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