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EDUCAÇÃOUniversidades
dependemmais dos
orçamentosdas famílias
Com a despesa pública a cair, OCDEadmite que se cobre mais pelo ensino.Mas tem de se garantir apoios aosestudantes mais carenciados
Andreia Sanches
Portugal
é dos países euro-peus onde as "fontes priva-das" de financiamento - nocaso português constituídasessencialmente pelas propi-nas pagas pelas famílias -
têm mais importância na vida das ins-
tituições de ensino superior: pagam31% dos gastos de universidades epolitécnicos. A média da OCDE é 32%
e a da União Europeia (UE) 23,6%. São
dados da última edição do relatórioanual da organização sobre Educação- Education at a Glance.
O documento é um retrato dossistemas educativos de cerca de 40Estados (incluindo alguns que nãofazem parte da organização, mas in-
tegram o G2O) e tem como missãodar elementos aos decisores políticospara melhor entenderem os desafios
que enfrentam. O impacto da crise
parece ser evidente.O peso da despesa pública no con-
junto das instituições de ensino su-
perior tem caído na OCDE e na UE.Passou de 77% em 2000 para 68%
em 2010 (na UE é de 77%). Portugal,contudo, destaca-se com uma que-bra ainda mais acentuada: o finan-ciamento público garantia 92,5% dos
gastos em 2000; passou a assegurarapenas 69%, dez anos depois.
O reitor da Universidade da Téc-nica de Lisboa, António Cruz Serra,diz que esta alteração traduz o pro-gressivo "desinvestimento do Estadono ensino superior português". Os
orçamentos atribuídos às instituiçõestêm encolhido na última década. Em
2003, a Lei de Bases do Financiamen-to do Ensino Superior permitiu umaumento exponencial de propinas(com a propina máxima fixada emmais do dobro do valor da propinaaté então em vigor). E, de então pa-ra cá, o montante pago pelos alunostem sido actualizado, anualmente,à taxa de inflação, e ronda hoje os1100 euros - dos mais altos da UE,lembra Cruz Serra. Da conjugaçãodestes factores resultará a explica-ção para a alteração observada emPortugal.
Já o reitor da Universidade de Lis-boa lembra que os dados relaciona-dos com despesa apresentados pelaOCDE não vão além de 2010 - e quede então para cá o cenário nas insti-
tuições mudou (a própria OCDE lem-bra que de 2011 para 2012 15 paísesencolheram os seus orçamentos com
Educação). "Depois de 2011 a dota-
ção do Orçamento do Estado para o
superior baixou, houve os cortes sa-
lariais, os cortes nos subsídios de fé-rias e Natal...", exemplifica Nóvoa.
Bolsas e empréstimosAinda a crise não se tinha feito sen-tir em força em Portugal e noutrospaíses europeus e a tendência queparecia desenhar-se nos últimos anos
já era esta, lembra a OCDE: muitos
governos começavam a ter dificulda-de em arranjar os recursos suficien-tes para manter o investimento naEducação. Alguns decisores políti-cos passaram a afirmar "que os quemais beneficiam da educação - osindivíduos que a recebem - devempagar" por ela, mesmo que seja só
uma parte.No Education ata Glance defende-
se que os benefícios pessoais de se
ter o ensino superior são tais (vercaixa) que uma maior contribuição
por parte dos indivíduos que dela be-neficiam e de outras entidades priva-
das pode, na verdade, justificar-se.Mas, para isso, é preciso combinaras reformas das propinas em cursoem alguns países - no Reino Unidoo valor das taxas cobradas duplicoue, em alguns casos triplicou - comum sistema eficaz de apoio aos alu-nos, de forma a não deixar de fora os
que têm rendimentos mais baixos. É
que se propinas baixas podem sig-nificar que as universidades têm ca-da vez menos verbas para manter a
qualidade, taxas muito altas podemtraduzir-se na exclusão dos mais ca-renciados.
Em 2010 a situação era esta: numterço dos 26 países para os quais ha-via dados, o valor das propinas erasuperior ao equivalente a 1500 dóla-res/ano. Já Portugal fazia parte de umgrupo (que incluía ainda a Áustria,Bélgica, República Checa, França,Itália, Espanha, Polónia e Suíça) comníveis de propinas classificados co-mo "moderados" (1300 dólares oumenos), mas também baixos apoiosaos alunos.
Dinamarca, Finlândia, Islândia,Noruega e Suécia, por seu lado, ti-nham propinas muito baixas (ou
não cobravam, de todo, propinas) e
a maioria dos alunos (55% ou mais)beneficiavam de empréstimos oubolsas (ou uma combinação dos dois
modelos) para estudarem."Investir na educação compensa
sempre a longo prazo e os Estados-membros não podem esquecer estefacto ao atribuir os orçamentos pú-blicos", declarou ontem AndroullaVassiliou, comissária europeia res-
ponsável pela Educação, a Cultura,o Multilinguismo e a Juventude, a
propósito do estudo da OCDE. "Cor-tar na despesa com a Educação emgeral, e nos salários dos professoresem particular, pode prejudicar o nos-
so objectivo de oferecer sistemas deensino eficientes e de elevada quali-dade. Temos de estar prontos paraaplicar reformas que coloquem osnossos sistemas educativos à alturados melhores sistemas a nível mun-dial - e isso significa que temos deinvestir."
Para Portugal, diz a OCDE, o gran-de desafio ainda é aumentar os níveisde escolaridade da população.
Educação "cada vez mais preciosa
Prémio de ter um "canudo" é elevado
Segundo
o relatório da OCDE,são muitas as vantagens dese ter um curso superior:quem tem um diploma de
uma universidade ou politécnicotem menos probabilidade deficar desempregado, mesmo emtempo de crise, e ganha muitomais. Em Portugal o prémio já foimaior (desceu 8% entre 2004 e2010), mas mesmo assim estecontinua a ser um dos paísesonde mais se valorizam osestudos, já que um trabalhadorcom um "canudo" pode esperarter um salário 70% superior aodo colega que não tiver ido alémdo secundário. Mais: se se tiverem conta um indicador quecalcula o investimento pessoalna formação e o ganho que se
pode obter ao longo da vida,na sequência da conclusão de
um curso universitário, Portugaldestaca-se por ser aqueleonde o benefício económicobruto é mais elevado no casodas mulheres. Elas podemaspirar a receber mais 134 mil
euros ao longo da sua vida detrabalho do que as que têmsó o secundário. As taxas dedesemprego também sãodistintas em função dos estudosconcluídos. E uma vez mais
compensa a aposta na formação— a OCDE diz que em tempode crise "a educação é umbem cada vez mais precioso".Números de 2011, os últimos
contemplados no relatório: 8%dos portugueses (25-64 anos)com ensino superior estavamdesempregados. Uma taxa quesubia para 13,3% entre os quetinham menos do que o 9.° ano.
PERGUNTA E RESPOSTAComo se comparam os níveisde escolaridade de Portugalcom os de outros países?O relatório da OCDE mostracomo o desafio para Portugal"continua a ser combater osbaixos níveis de escolaridade"da população. Isto, apesar detodos os progressos feitos. Em
2011, Portugal estava entre oscinco países da organizaçãocom a maior proporção deadultos entre os 25 e os 64anos sem o ensino secundáriocompleto (65% da população,em contraste com os 25% da
OCDE). Mesmo na faixa etáriamais jovem (25-34 anos), apenas27% dos portugueses tinhamum curso superior, contra39% na OCDE e 36% na União
Europeia. Pode parecer poucoanimador, mas revela, aindaassim, um enorme progresso:dez anos antes, apenas 13% dos
jovens portugueses tinham umdiploma de uma universidade oupolitécnico, por exemplo.Quanto ganham os professoresportugueses?Entre 2005 e o ano lectivo2010/2011 o aumento dossalários dos professoresportugueses — 12% — foi
superior ao registado nos
países da OCDE — apenas 3%.O relatório apresenta várioscálculos a partir dos saláriosmédios dos professores ao fimde 15 anos de carreira (saláriosbrutos, anuais). E conclui oseguinte: na última décadaesta classe profissional viu, na
generalidade dos países da
OCDE, a sua remuneração subir.Até que veio a crise e, entre 2009e 2011, ela baixou, em média,2%. Em Portugal, os cortesfizeram-se sentir mais tarde —
em 2009, ano de eleições, osfuncionários públicos aindaforam aumentados, pela mãode José Sócrates. Os dadosapresentados pela OCDE dizemrespeito ao ano lectivo de2010/2011 e a função públicasó sofreu cortes em 2011.Nesse ano, então, um professordo 3.° ciclo com 15 anos deexperiência ganhava, na Estónia,o equivalente a cerca de 15
mil dólares/ano (11.459 euros),brutos. O país onde melhor se
pagava era o Luxemburgo — o
equivalente a 100 mil dólares.Em Portugal, o salário era de39.424 anuais, menos do que a
média da OCDE (39.934/ ano).Nota importante: estes valores
que comparam os países são
apresentados em paridadede poder de compra — deforma a eliminar os efeitos das
diferenças nos níveis dos preçosentre países. Têm tambémem conta apenas os saláriosbrutos pagos a professores comqualificação mínima (nalgunspaíses mais qualificações paraalém da licenciatura podemtraduzir-se num acréscimosalarial) e excluem os saláriosdos professores contratados,bem como os salários pagos nosector privado.Só no início da carreira e,no outro extremo, no topoda carreira, o salário de um
professor português é, em geral,superior ao da média da OCDE —
o topo da carreira corresponde,actualmente, ao 10.° escalãocriado pela ex-ministra Isabel
Alçada no qual não se encontraainda nenhum professor. Já noinício da carreira, no ensinobásico, o salário bruto portuguêsé o equivalente a cerca de 31 mildólares (em PPP) contra poucomenos de 29 mil euros anos naOCDE.Quanto tempo passam nasescolas?De 2005 para 2011 o "tempodedicado ao ensino" a queos docentes estão obrigadosem Portugal aumentousignificativamente — mais65 horas por ano nas escolas
primárias, mais 210 por anono 3.° ciclo, mais 265 nosecundário. Diz o relatório queos professores portugueses dasescolas públicas passavam,em 2011, mais horas a ensinaros alunos do que a média dosdocentes da OCDE — o queé verdade em todos os níveisde ensino não superior, comexcepção do pré-escolar. Nobásico (I.°e 2.° ciclos),por exemplo, são 880horas por ano (emPortugal) contra 790(média OCDE). Para a OCDE,as "horas de ensino" são
definidas como o tempo passadoa ensinar "um grupo ou umaturma de alunos", excluindo,portanto, o tempo destinado a
outras tarefas dentro ou fora daescola. As alterações ao Estatutoda Carreira Docente, que entrouem vigor em 2007, e aos vários
despachos que mudaram a
organização do ano lectivode então para cá, ajudarão a
explicar por que razão passamhoje os professores portuguesesmais tempo na sala de aula.O que se passa com os horáriosquando se olha para o total dehoras de trabalho?O horário total de um professorde uma escola pública emPortugal (soma da componentelectiva e não lectiva) é compostopor 1508 horas por ano, quandoa média da OCDE ronda as 1670e a da União Europeia as 1600.Os docentes portugueses têmum horário de trabalho maior do
que aquele que está em vigor
em Espanha (1425 horas), masbem menos pesado do que o dos
professores suecos, por exemplo(1767 horas). A OCDE nota que ofacto de a componente lectiva
representar em alguns paísesuma grande fatia do horáriopode significar "menos tempodedicado a tarefas como avaliaros alunos ou preparar lições".Em Portugal, 51% do trabalhodos professores do secundárioé dedicado a dar aulas, quandoa média da OCDE é 39%. Numaaltura em que vários governos,para fazer face à crise, se sentempressionados a reduzir a despesapública, o documento deixa
um alerta: os níveis salariais eas condições de trabalho "são
importantes para atrair e manterprofessores competentes ealtamente qualificados" nasescolas.Quantos alunos tem cadaprofessor?
Portugal está acima damédia apenas no pré-escolar (com 16 criançaspor educadora contra14naOCDE).Jánosecundário, a média
i da OCDEé de quase14 alunos por professorcontra apenas 7,7 em
, Portugal. Dados de 2011.